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Motivação, Heurística e Rigor no Ensino
da Matemática
Paulo Ferreira Leite
INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA – USP
21 de maio de 2010
Apresentação
Discutiremos nesta exposição questões relacionadas à forma
como a matemática, com frequência, é transmitida em artigos de
pesquisa, em textos didáticos, de divulgação e até mesmo em sala
de aula.
Os pontos de vista expostos estão baseados muito mais na ex-
periência pessoal do autor como docente e pesquisador do que em
teorias psicológicas ou pedagógicas estabelecidas.
Daí talvez, o caráter idiossincrático de algumas posições.
Introdução
Aristóteles, 384-322 a.C.
“Todo homem, por natureza, deseja saber”
— Aristóteles em Metafísica
Todo homem, por natureza, deseja saber. Uma evidên-
cia disso é o deleite que nossos sentidos nos proporcionam.
Independentemente de sua utilidade, nós os amamos; e
acima de todos os outros, amamos a visão. [. . . ] A razão
é que esse sentido, mais do que todos os outros, traz-nos
conhecimento e ilumina as diferenças entre as coisas.
Introdução
A matemática vista por não-matemáticos
Os matemáticos são como os franceses: você diz algo
à eles, eles traduzem para sua própria língua e transfor-
mam o que você disse em algo totalmente diferente.
— J. W. Goethe
* * *
Die Mathematiker sind eine Art Franzosen: redet man su ihnen, so uberseŃen sie
es in ihre SpraĚe und dann iĆ es alsobald ganz etwas Anderes.
| J. W. Goethe
Introdução
A matemática vista por não-matemáticos
Admito que a ciência matemática é uma coisa boa. Po-
rém, devoção excessiva a ela não é bom.
— Aldous Huxley
(Entrevista, J.W.N. Sullivan)
* * *
I admit that mathematical science is a good thing. But excessive devotion to it
is a bad thing.
— Aldous Huxley
(Interview, J.W.N. Sullivan)
Introdução
A matemática vista por não-matemáticos
No que se refere à matemática, estar preso numa sala
horrível e obrigado a fazer somas algébricas sem nunca
ter tido seu significado ou suas relações com a ciência ex-
plicado foi o suficiente para fazer-me, como a maior parte
dos homens de letras, odia-la pelo resto da minha vida.
— George Bernard Shaw
* * *
As to mathematics, to be imprisioned in an ugly room and set to do sums in
algebra without ever having had the meaning of mathematics explained to me,
or its relation to science, was enough to make me hate mathematics all the rest
of my life, as so many literary men do.
— George Bernard Shaw
Introdução
A matemática vista por não-matemáticos
“O professor fingia que a álgebra é um assunto absolu-
tamente natural, que não requeria explicações; de minha
parte eu sequer sabia o que eram números. As aulas de
matemática tornaram-se puro terror e tortura para mim.
Eu ficava tão intimidado pela minha incompreensão que
não ousava perguntar nada.”
— C. G. Jung
Psiquiatra suiço (1875-1961)
* * *
“The teacher pretended that algebra was a perfectly natural affair, to be ta-
ken for granted, whereas I didn’t even know what numbers were. Mathematics
classes became sheer terror and torture to me. I was so intimidated by my incom-
prehension that I did not dare to ask any questions.”
— C. G. Jung
Swiss psychologist (1875-1961)
Introdução
Pascal: “Pensamentos” — as três ordens
ñ Ordem da Experiência — Espírito de justeza.
ñ Ordem da Razão — Espírito geométrico.
ñ Ordem da Caridade — Espírito de finura.
Introdução
Pascal: diferença entre o espírito geométrico e o espírito de finura
Nos primeiros os princípios são palpáveis, mas afasta-
dos do uso comum; de maneira que, por falta de hábito,
custa-nos virar a cabeça para esse lado: mas, por pouco
que se vire, veêm se em cheio os princípios; e seria pre-
ciso ter o espírito inteiramente falso para raciocinar mal
sobre princípios tão grandes que é quase impossível que
escapem.
No espírito de finura, os princípios estão no uso comum
e à vista de todos. Basta, sem nenhum esforço, virar a
cabeça; é preciso apenas ter vista boa, mas que seja, de
fato boa: pois os princípios são tão sutis e em tão grande
número, que é quase impossível que alguns não nos esca-
pem.
Introdução
Pascal: diferença entre o espírito geométrico e o espírito de finura
Todos os geômetras seriam sutis se tivessem a vista boa,
pois eles não raciocinam errado sobre princípios que co-
nhecem; e os espíritos sutis seriam geômetras se pudes-
sem volver a vista para os princípios desusados da geome-
tria.
O que faz, pois, com que certos espíritos sutis não sejam
geômetras é que eles não podem de todo voltar-se para os
princípios da geometria; mas o que faz com que os geô-
metras não sejam sutis é que não vêem o que está diante
deles, e que estão acostumados aos princípios nítidos e
grosseiros da geometria, e a só raciocinarem depois de
terem visto bem e manejado os seus princípios, perdem-
se nas coisas da finura, onde os princípios não se deixam
manejar assim.
[. . . ]
Introdução
Pascal: diferença entre o espírito geométrico e o espírito de finura
Os espíritos sutis, ao contário, acostumados a julgar
com um só golpe, ficam tão espantados — quando se lhes
apresentam proposições das quais nada compreendem e
cuja penetração exige anteriormente definições e princí-
pios estéreis que não estão acostumados a ver assim por-
menorizados — que se afastam e se desgostam.
Mas os espíritos falsos não são nem sutis nem geô-
metras.
Os geómetras que não são senão geómetras têm o es-
pírito reto, mas desde que se lhes expliquem bem todas
as coisas por definições e princípios; de outra maneira, se
tornam falsos e insuportáveis, pois são retos somente em
relação aos princípios bem esclarecidos.
E os sutis, que não são senão sutis, não podem ter a
paciência de descer até aos primeiros princípios das coisas
especulativas e de imaginação que nunca viram no mundo
e que estão completamente fora de seu emprego.
Introdução
Yin e Yang — Fonte: Wikipedia
Y
Yin Yang é, na filosofia chinesa, uma representação do
príncipio da dualidade de yin e yang, o conceito tem sua
origem no Tao (ou Dao), base da filosofia e metafísica da
cultura daquele país.
Segundo este princípio, duas forças complementares compõem
tudo que existe, e do equilíbrio dinâmico entre elas surge todo
movimento e mutação.
Essas forças são:
ñ Yang: o princípio ativo, diurno, luminoso, quente, masculino.
ñ Yin: o princípio passivo, noturno, escuro, frio, feminino.
Referências:
ñ Unknown Author, The Secret of Golden Flower — the chinese book of
life, [Routledge & Kegan Paul, 1979]. Veja, em particular, o prefácio
e os comentário de C.G. Jung.
ñ Unknown Author, I Ching — book of changes, [Bantam Books, 1964]
Introdução
Y Parte Primeira Y — Vertentes do desejo de conhecer
Penso aqui na forma “yang” do desejo de conhecer —
aquele que perscruta, descobre, nomeia o que aparece. . .
É o fato de ter sido nomeado que torna o conhecimento
adquirido irreversível, indelével (mesmo que depois ele ve-
nha a ser enterrado, esquecido, que deixe de ser ativo. . . )
A forma “yin”, “feminina” do desejo do conhecimento se
manifesta através de abertura, receptividade, aceitação
silenciosa de um conhecimento que aparece nas camadas
mais profundas de nosso ser, onde o pensamento não tem
acesso. [. . . ]
Suspeito que esse conhecimento sem palavras que chega
a nós em raros momentos de nossa vida é inefável e que
sua ação vai além da memória que nos deixa.
— A. Grothendieck em “Recoltes et Semailles”
Introdução
Y Parte Segunda Y — Vertentes do desejo de conhecer
Quando construo, organizo, desobstruo, limpo, ordeno,
é o modo “vertente” “yang” ou “masculino” do trabalho que
dá o tom. Quando exploro às cegas o inapreencível, o
informe, o que não tem nome, estou na vertente “yin” ou
“feminina” de meu ser.
Para mim não se trata de querer minimizar ou renegar
uma ou outra vertente — ambas essenciais — de minha
natureza. A masculina que constroi e engendra e a “femi-
nina” que concebe e abriga as lentas e obscuras gestações.
“Sou” uma e outra — “yang” e “yin”, “homem” e “mulher”.
Mas sei também que a essência mais delicada, mais sutil
nos processos criadores se encontra na vertente “yin”, “fe-
minina” — a vertente humilde, obscura e frequentemente
de aparência mais pobre.
— A. Grothendieck em “Recoltes et Semailles”
Introdução
O “yin” e “yang” de Grothendieck
“Yang” “Yin”
Razão Sensibilidade
Reflexão Instinto
Lógica Intuição
Método Inspiração
Abstrato Concreto
Simples Complexo
Preciso Vago
Realidade Sonho
Definido Indefinido
Exprimível Inexprimível
Que tem forma Informe
Finito Infinito
Parte Totalidade
Local Global
Introdução
Estilo de exposição matemática
Nunca apreciei ler textos de matemática, nem mesmo os mais
belos. Minha forma expontânea de aprender matemática sem-
pre foi fazendo-a ou refazendo-a (com ajuda, aqui e ali, de idéias
e indicações fornecidas por colegas ou, no pior caso, de livros).
Uma das razões, sem dúvida [. . . ] é minha falta de disposição
para ler e me informar sobre matemática, mesmo que seja a lei-
tura de livros ou memórias para aprender o ABC de uma teoria
“bem conhecida.” Na medida do possível, gosto de me informar
através da palavra viva de quem está pesquisando o assunto.
A coisa essencial era que Serre sentia intensamente a rica
substância atrás de um enunciado que, estando no papel, me
deixaria totalmente indiferente. [. . . ] está aí talvez o momento
crucial de todo o trabalho de descoberta, o momento do “es-
talo”, quando não se tem ainda nenhuma idéia, por mais vaga
que seja, de como abordar o desconhecido e como penetrá-lo.
É verdadeiramente o momento da “concepção” — o momento a
partir do qual um trabalho de gestação pode ser feito, e de fato
se faz, se as condições são propícias.
— A. Grothendieck em “Recoltes et Semailles”
Heurística
Definições
Heurística, s.f.
1. Conjunto de regras e métodos que conduzem à descoberta, à
invenção e à resolução de problemas.
2. Procedimento pedagógico pelo qual se leva o aluno a descobrir
por si mesmo a verdade que lhe querem inculcar.
3. Ciência auxiliar da história que estuda a pesquisa das fontes.
Fonte: Dicionário Aurélio.
Heurística
Alguns autores eminentes que trataram do assunto
ñ Arquimedes (c. 287 a.C. – c. 212 a.C.)
ñ Pappus (c. 290 – c. 350)
ñ René Descartes (1596-1650)
ñ “Règles pour la direction de l’esprit”
ñ Gottfried Leibniz (1646-1716)
ñ Leonhard Euler (1707-1783)
ñ Bernard Bolzano (1781-1848)
Heurística
Alguns autores eminentes que trataram do assunto
ñ Sigmund Freud (1856-1939)
ñ “Jokes and Their Relation to the Unconscious”
ñ Jacques Hadamard (1865-1963)
ñ “The psychology of invention in the mathematical field”
ñ George Polya (1887-1985)
ñ “How to solve it”
ñ “Induction and Analogy in Mathematics”
ñ “Pattens of Plausible Inference”
ñ Norbert Wiener (1894-1964)
ñ Arthur Koestler (1905-1983)
ñ “The Sleepwalkers — A History of Man’s Changing Vision of the
Universe”
ñ “The Act of Creation”
ñ Antonio Damásio (1944- )
ñ “O Erro de Descartes”
Heurística
No sétimo livro da sua “coleção”, Pappus fala sobre um
ramo do estudo que ele denomina analyomenos (tesouro
da análise) e que trata do que estamos chamando de heu-
rística.
— Pappus “floreceu ±300 d.C.”
Em seu trabalho “Regras para a direção do espírito”,
Descartes aborda questões referentes ao que estamos con-
siderando como heurística.
— René Descartes (1596-1650)
“Regulæ ad directionem ingenii”, (1620-1628)
Não há nada mais importante do que investigar as ori-
gens de uma invenção que, na minha opinião, é muito
mais interessante do que a própria invenção.
— Gottfried W. Leibniz (1646-1716)
Fragmentos de “A arte da invenção”
O plano mais ambicioso pode ter maior probabilidade de
sucesso.
— George Pólya (1887-1985)
Paradoxo do Inventor
Heurística
Exemplos Matemáticos — T. Dantzig, “Número: A linguagem da ciência”
“Uma das primeiras proposições desse tipo é um teorema de Eu-
ler que afirma que qualquer polinômio genérico deve tomar valores
compostos para pelo menos um valor do argumento.
O teorema de Euler baseia-se no seguinte lema algébrico: Se P(x)
é qualquer polinômio, então o polinômio
Q(x) = P[x + P(x)]
admite P(x) como fator. Assim, façamos P(x) = x2
+ 1, então
Q(x) = [x + (x2
+ 1)]2
+ 1 = (x2
+ 1)2
+ 2x(x2
+ 1) + 1+
+ x2
+ 1 = (x2
+ 1)(x2
+ 2x + 2)
A prova do lema geral segue a linha deste exemplo e é bastante
formal; deixo-a, portanto, ao leitor.”
Heurística
Exemplos Matemáticos — Alternativa ao quadro anterior
[. . . ]
f (x + h) = f (x) + f 0
(x)h + f 00
(x)
h2
2!
+ · · · + f (n)
(x)
hn
n!
Observe que, “infelizmente”, aparece no segundo membro um
termo não divisível por h.
É possível “consertar” isso?
Heurística
Exemplos Matemáticos — Pascal em 1654
Ao estudar o triângulo aritmético, criou um método recorrente para
calcular a somas das k-ésimas potências do n primeiros números naturais.
Vejamos um exemplo simples:
(j + 1)2
− j2
= 1 +

2
1

j
Somando em j, 1 ≤ j ≤ n, membro a membro, temos
(n + 1)2
− 1 = n + 2
n
X
j=1
j =⇒
n
X
j=1
j =
n(n + 1)
2
.
O caso geral
(j + 1)k+1
− jk+1
= 1 +

k+1
1

j +

k+1
2

j2
+ · · · +

k+1
k

jk
assim
(n + 1)k+1
− 1 = n +

k+1
1
 n
X
j=1
j +

k+1
2
 n
X
j=1
j2
+ · · · +

k+1
k
 n
X
j=1
jk
.
Heurística
Exemplos Matemáticos — Euler em c. 1745
O matemático suiço Jakob Bernoulli (1654-1705) tentou calcular
o valor da soma da série
ζ(2) = 1 +
1
22
+
1
32
+ · · · +
1
n2
+ · · ·
Não obtendo êxito, escreveu:
“meus esforços para calcular o valor dessa série até agora
não tiveram sucesso. Ficarei muito grato, se quem conse-
guir, comunique-me o resultado”.
Heurística
Exemplos Matemáticos — Euler em c. 1745
Euler observou que:
sin x
x
=
P∞
n=0(−1)n x2n+1
(2n+1)!
x
= 1 −
x2
3!
+
x4
5!
− · · · + (−1)n x2n
(2n + 1)!
+ · · ·
truncando no termo xn
ficamos com um polinômio do tipo:
b0 − b1x2
+ b2x4
− · · · + (−1)n
bnx2n
Com uma variante no cálculo das relações de Girard, obtemos a fór-
mula:
b1
b0
=
1
β1
2
+
1
β2
2
+ · · · +
1
βn
2
!
onde βi, 1 ≤ i ≤ n, são a raízes da equação definida pelo polinômio acima.
Supondo que esta fórmula vale para a equação definida pela série, te-
ríamos a igualdade:
b1
b0
=
1
β1
2
+
1
β2
2
+ · · · +
1
βn
2
+ · · ·
!
Heurística
Exemplos Matemáticos — Euler em c. 1745
Continuando. . .
b1
b0
=
1
β1
2
+
1
β2
2
+ · · · +
1
βn
2
+ · · ·
!
Lembrando que as raízes da equação
sin x
x
= 0,
na qual b0 = 1 e b1 = 1/3!, são da forma kπ para todo k natural
maior que 1 e substituindo na relação acima, obtemos
1
3!
=
1
π2
+
1
22π2
+
1
32π2
+ · · · +
1
n2π2
+ · · ·
donde
π2
6
= 1 +
1
22
+
1
32
+ · · · +
1
n2
+ · · ·
Rigor
Generalidades
ñ Jean Dieudonné: La notion de rigueur en mathématique,
Mosaique Mathematique, Musée de la Villette.
ñ Segundo Dieudonné as palavras “rigor” ou “raciocínio rigoroso”
são utilizas a partir do século XVIII (e.g. d’Alembert) e mais fre-
quentemente a partir do século XIX. Reagiam a prática de seus
predecessores que falavam “na generalidade da Análise” para
justificar afirmações duvidosas.
ñ Paradoxos: lógicos, semânticos e pseudo-paradoxos.
Rigor
Generalidades — continuação (Dieudonné)
Para concluir o que se pode dizer a respeito do rigor
na matemática atual? Se nos limitarmos a matemática
que utiliza a lógica clássica (e que é a quase totalidade)
um raciocínio é rigoroso se ele se reduz a uma cadeia de
deduções feitas de acordo com as regras dessa lógica e
partindo de um sistema de axiomas explicitado; como es-
sas regras lógicas estão totalmente codificadas, a verifica-
ção de uma demonstração é em princípio um trabalho me-
cânico, desde que ela seja suficientemente explícita; essa
tarefa pode ser longa e penosa e exigir o trabalho inde-
pendente de muitos especialistas quando se trata de uma
demonstração que se prolonga por diversas centenas de
páginas, o que hoje não é raro; e, para determinadas de-
monstrações, a verificação exige o uso de computadores,
o que introduz um certo elemento de incerteza (é o que
ocorre no caso do teorema das quatro cores).
Rigor
Generalidades — continuação (Dieudonné)
É bom que se entenda que quando um matemático ima-
gina uma demonstração nova, o papel de sua “intuição”
é preponderante a “parte formal” só aparece em seguida.
Alguns consideram essa uma tarefa ingrata e infelizmente
indispensável: eles esperam então que alguns de seus co-
legas ou alunos os substituam nessa atividade o que de
fato ocorre no decorrer de alguns meses ou de alguns
anos, sobretudo se o resultado é considerado nuito impor-
tante. Mas até que a demonstração tenha sido escrita de
forma suficientemente explícita e verificada, o resultado
permanece incerto: existem no momento diversos exem-
plos dessa situação.
* * *
Rigor
Lógica Matemática
É um erro comum acreditar que o principal interesse da
lógica matemática é o pensamento formal. O mais im-
portante é precisar o conceito de formal e assim poder
raciocinar matematicamente sobre sistemas formais. Isso
acrescenta uma dimensão nova à matemática.
Existem pessoas que reconhecidamente foram atraídas
para a lógica matemática parcialmente por sua obcessão
em querer fazer tudo de forma absolutamente explícita e
segura até mesmo para uma inteligência mecânica. De-
duções formais parecem oferecer a solução. A habilidade
de ser tão formal pode ser útil para escrever programas
de computação (incluindo os que servem para instalar lin-
guagens de programação) mas ao fazermos lógica mate-
mática é mais útil ver que a formalização pode ser feita
do que fazê-la efetivamente.
—Hao Wang
Rigor
Leis fundamentais da lógica
Na lógica tradicional são válidos os seguintes princípios:
1. ¬ (p ∧ ¬ p) (princípio da contradição)
2. p ∨ ¬ p (princípio do terceiro excluído)
3. ¬ ¬p ⇐
⇒ p (princípio da dupla negação)
Na lógica intuicionista (1) é válido mas (2) e (3) não são válidos.
Cálculo Proposicional — Esquemas de axiomas
1. A → (B → A)

2. (A → (B → C)

→ (A → B) → (A → C)

3.

(¬A) → (¬B)

→ (B → A)
Rigor
Problema: FUVEST-1983
Problema
O número x =
h
(
√
2)
√
2
i√
2
é racional.
(i) Usando propriedades das potências, calcule x.
(ii) Provar que existem dois números irracionais α e β tais que
αβ
é racional.
Rigor
Perguntas
O que se entende por rigor em matemática?
Qual a sua função?
Expontaneidade e Rigor
por Grothendieck, parte primeira
Expontaneidade e rigor são duas vertentes “sombra” e “luz” de uma
mesma qualidade indivisível. É do casamento de ambas que nasce
aquela qualidade particular do texto, ou do ser, que podemos tenta-
tivamente caracterizar como “atributo de veracidade.”
Esse rigor se exerce sobre si mesmo zelando para que a delicada “es-
colha” que ele precisa fazer entre a multidão de coisas que se passam
no campo da consciência para separar e decantar incessantemente o
significativo ou essencial do fortuito e do acessório para que o processo
não se espesse e congele em automorfismos de censura e de compla-
cência. Só nossa curiosidade, a sede que temos de conhecer nos des-
perta e cria uma vigilância leve e uma vivacidade capaz de confrontar
a imensa e onipresente inércia, as “inclinações (ditas) naturais,” criadas
pelas idéias prontas, expressões de nossos medos e condicionamentos.
Esse mesmo rigor, essa mesma atenção vigilante se dirige tanto para
a espontaneidade como também para aquilo que se incorpora para par-
ticipar dela, de suas inclinações, de tudo que há de natural e distingui-
las daquilo que verdadeiramente jorra das camadas profundas do ser,
da pulsão original de conhecimento e de ação levando-nos ao encontro
do mundo.
Expontaneidade e Rigor
por Grothendieck, parte segunda
Ao nível da escrita, o rigor se manifesta por uma preocupação
constante de circunscrever de forma tão precisa e fiel quanto
possível, com a ajuda da linguagem, os pensamentos, sentimen-
tos, percepções, imagens, intuições. . . que se deseja exprimir,
sem se contentar com termos vagos ou aproximados quando
o que se quer exprimir tem contornos nitidamente delineados,
nem usar termos artificialmente precisos (e portanto inadequa-
dos) para exprimir algo que permanece envolto em brumas e
que é apenas pressentido. Quando tentarmos captá-la num pre-
ciso instante, a coisa desconhecida nos revela sua verdadeira
natureza como se estivesse a luz do dia se ela é feita para o dia,
obedecendo nosso desejo de despojá-la de seus véus de sombra
e de bruma. Nosso papel não é querer descrever e fixar o que
ignoramos e o que nos escapa, mas humildemente, apaixonada-
mente, tomar consciência do desconhecido e do mistério que nos
cerca de todos os lados.
Isto é, o papel da escrita não é relatar os resultados de uma
pesquisa mas sim descrever o próprio processo da pesquisa [. . . ]
Encerramento
Ortega y Gasset em “A pedagogia da contaminação”
A maior parte dos homens vive atenta apenas ao pequeno ne-
gócio, ao interesse que tem diante de si: se os deixássemos a sós
a vida teria neles cada vez menos pulsações. O pequeno negócio
seria cada vez mais, pequeno negócio: o campo visual, cada vez
mais fechado e os corações, cada vez mais estreitos. Por isso, é
a missão do intelectual e sobretudo do filósofo, proclamar fervo-
rosamente, exasperadamente, a obrigação do esforço espiritual
que dilata as almas e potencializa a vida. Diante do homem uti-
litário terá ele que adotar uma absurda atitude de desinteresse
e viver como fogo consumindo-se a si próprio. Esta tem que ser
a atitude do filósofo e, por isso, quando aparece um verdadeiro
filósofo a humanidade o sente como uma verdadeira ferroada.
Nem é preciso dizer que não pretendo ser esse verdadeiro fi-
lósofo, nem mesmo um filósofo qualquer. Somente por uma
obrigação administrativa carrego o título de professor de me-
tafísica, uma coisa que não conheço bem e que, mesmo quando
bem conhecida, não pode, a rigor, ser ensinada. Convido-os
pois a se juntar a mim em não levar a sério este meu encargo
administrativo.
Encerramento
Ortega y Gasset em “A pedagogia da contaminação”
Minha pretensão é incomparavelmente mais modesta: conten-
tar-me-ia em andar ao lado de almas mais acomodadas que a
minha e introduzir-lhes fermentos de dúvida, ambição e espe-
rança. Havereis notado que, ao estarmos na borda de um lago
de águas paradas e observarmos a superfície imóvel, polida e in-
diferente, onde se refletem nuvens viajantes — nuvens de abril,
redondas e barrocas — se apodera de nós uma inquietação e
um desejo de romper esse polimento e essa calma fictícia que
ocultam a vida efervescente no fundo lodoso. E, sem nos dar-
mos conta, nossa mão apanha uma pedrinha e a atira na água
cujo cristal se quebra e vibra, trêmulo e vivo, deixando escapar
borbulhos que sobem do fundo como suspiros. Feito isso, nos
afastamos ingenuamente satisfeitos. Agradar-me-ia fazer algo,
não menos ingênuo, com as almas demasiadamente acomoda-
das — minhas pretensões, como veis, se esgotam ao chegar a
ser um professor de atirar pedrinhas em águas paradas.
Referências Bibliográficas
Aristóteles, Metafísica
Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of its Technological
Reproducibility
John Berger, Ways of Seeing, [Pelican, 1972]
António Damásio, O Erro de Descartes. Companhia Das Letras
Tobias Dantzig, NÚMERO: A linguagem da Ciência, [Zahar Editores,
1970]
René Descartes, Règles pour la direction de l’esprit, [Le Livre de
Poche, 1999]
Ortega y Gasset, Mision de la Universidad, [Revista de Ocidente en
Alianza Editorial, 1982]
Ortega y Gasset, Lições de Metafísica
Ortega y Gasset, Papeles sobre Velazquez y Goya [Revista de
Ocidente en Alianza Editorial, 1980]
Referências Bibliográficas
John Dewey, Como Pensamos
Jacques Hadamard, The psychology of invention in the
mathematical field, [Dover Publications Inc., 1949]
G. H. Hardy, A Mathematician’s Apology, [Cambridge University
Press, 1976]
Arthur Koestler, The Sleepwalkers — A history of man’s changing
Vision of the Universe, [Penguin Books, 1964]
Arthur Koestler, The Act of Creation, [Picador — Pan Books]
J. E. Littlewood, A Mathematician’s Miscellany
James J. O’Donnell, Avatars of the Word, [Harvard University Press,
1998]
Norbert Wiener, The Human Use of Human Beings, [Sphere Books,
ltd. 1968]
Unknown Author, I Ching — book of changes, [Bantam Books, 1964]
Referências Bibliográficas
Blaise Pascal, Pensées, [1669]
Sigmund Freud, Jokes and Their Relation to the Unconscious,
[Penguin Books, 1976]
Henri Bergson, Le Rire — essai sur la signification du comique,
[Press Universitaires de France, 1975]
George Polya, How to solve it, [Princeton University Press, 1945]
George Polya, Induction and Analogy in Mathematics, [Princeton
University Press, 1973]
George Polya, Pattens of Plausible Inference, [Princeton University
Press, 1968]
Mário Schenberg, Pensando a Física, [Editora Brasiliense, 1985]
Erwin Schroendinger, Science Theory and Man
Unknown Author, The Secret of Golden Flower — the chinese book
of life, [Routledge  Kegan Paul, 1979]

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Motivação heuristica e rigor no ensino da matemática

  • 1. Motivação, Heurística e Rigor no Ensino da Matemática Paulo Ferreira Leite INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA – USP 21 de maio de 2010
  • 2. Apresentação Discutiremos nesta exposição questões relacionadas à forma como a matemática, com frequência, é transmitida em artigos de pesquisa, em textos didáticos, de divulgação e até mesmo em sala de aula. Os pontos de vista expostos estão baseados muito mais na ex- periência pessoal do autor como docente e pesquisador do que em teorias psicológicas ou pedagógicas estabelecidas. Daí talvez, o caráter idiossincrático de algumas posições.
  • 3. Introdução Aristóteles, 384-322 a.C. “Todo homem, por natureza, deseja saber” — Aristóteles em Metafísica Todo homem, por natureza, deseja saber. Uma evidên- cia disso é o deleite que nossos sentidos nos proporcionam. Independentemente de sua utilidade, nós os amamos; e acima de todos os outros, amamos a visão. [. . . ] A razão é que esse sentido, mais do que todos os outros, traz-nos conhecimento e ilumina as diferenças entre as coisas.
  • 4. Introdução A matemática vista por não-matemáticos Os matemáticos são como os franceses: você diz algo à eles, eles traduzem para sua própria língua e transfor- mam o que você disse em algo totalmente diferente. — J. W. Goethe * * * Die Mathematiker sind eine Art Franzosen: redet man su ihnen, so uberseŃen sie es in ihre SpraĚe und dann iĆ es alsobald ganz etwas Anderes. | J. W. Goethe
  • 5. Introdução A matemática vista por não-matemáticos Admito que a ciência matemática é uma coisa boa. Po- rém, devoção excessiva a ela não é bom. — Aldous Huxley (Entrevista, J.W.N. Sullivan) * * * I admit that mathematical science is a good thing. But excessive devotion to it is a bad thing. — Aldous Huxley (Interview, J.W.N. Sullivan)
  • 6. Introdução A matemática vista por não-matemáticos No que se refere à matemática, estar preso numa sala horrível e obrigado a fazer somas algébricas sem nunca ter tido seu significado ou suas relações com a ciência ex- plicado foi o suficiente para fazer-me, como a maior parte dos homens de letras, odia-la pelo resto da minha vida. — George Bernard Shaw * * * As to mathematics, to be imprisioned in an ugly room and set to do sums in algebra without ever having had the meaning of mathematics explained to me, or its relation to science, was enough to make me hate mathematics all the rest of my life, as so many literary men do. — George Bernard Shaw
  • 7. Introdução A matemática vista por não-matemáticos “O professor fingia que a álgebra é um assunto absolu- tamente natural, que não requeria explicações; de minha parte eu sequer sabia o que eram números. As aulas de matemática tornaram-se puro terror e tortura para mim. Eu ficava tão intimidado pela minha incompreensão que não ousava perguntar nada.” — C. G. Jung Psiquiatra suiço (1875-1961) * * * “The teacher pretended that algebra was a perfectly natural affair, to be ta- ken for granted, whereas I didn’t even know what numbers were. Mathematics classes became sheer terror and torture to me. I was so intimidated by my incom- prehension that I did not dare to ask any questions.” — C. G. Jung Swiss psychologist (1875-1961)
  • 8. Introdução Pascal: “Pensamentos” — as três ordens ñ Ordem da Experiência — Espírito de justeza. ñ Ordem da Razão — Espírito geométrico. ñ Ordem da Caridade — Espírito de finura.
  • 9. Introdução Pascal: diferença entre o espírito geométrico e o espírito de finura Nos primeiros os princípios são palpáveis, mas afasta- dos do uso comum; de maneira que, por falta de hábito, custa-nos virar a cabeça para esse lado: mas, por pouco que se vire, veêm se em cheio os princípios; e seria pre- ciso ter o espírito inteiramente falso para raciocinar mal sobre princípios tão grandes que é quase impossível que escapem. No espírito de finura, os princípios estão no uso comum e à vista de todos. Basta, sem nenhum esforço, virar a cabeça; é preciso apenas ter vista boa, mas que seja, de fato boa: pois os princípios são tão sutis e em tão grande número, que é quase impossível que alguns não nos esca- pem.
  • 10. Introdução Pascal: diferença entre o espírito geométrico e o espírito de finura Todos os geômetras seriam sutis se tivessem a vista boa, pois eles não raciocinam errado sobre princípios que co- nhecem; e os espíritos sutis seriam geômetras se pudes- sem volver a vista para os princípios desusados da geome- tria. O que faz, pois, com que certos espíritos sutis não sejam geômetras é que eles não podem de todo voltar-se para os princípios da geometria; mas o que faz com que os geô- metras não sejam sutis é que não vêem o que está diante deles, e que estão acostumados aos princípios nítidos e grosseiros da geometria, e a só raciocinarem depois de terem visto bem e manejado os seus princípios, perdem- se nas coisas da finura, onde os princípios não se deixam manejar assim. [. . . ]
  • 11. Introdução Pascal: diferença entre o espírito geométrico e o espírito de finura Os espíritos sutis, ao contário, acostumados a julgar com um só golpe, ficam tão espantados — quando se lhes apresentam proposições das quais nada compreendem e cuja penetração exige anteriormente definições e princí- pios estéreis que não estão acostumados a ver assim por- menorizados — que se afastam e se desgostam. Mas os espíritos falsos não são nem sutis nem geô- metras. Os geómetras que não são senão geómetras têm o es- pírito reto, mas desde que se lhes expliquem bem todas as coisas por definições e princípios; de outra maneira, se tornam falsos e insuportáveis, pois são retos somente em relação aos princípios bem esclarecidos. E os sutis, que não são senão sutis, não podem ter a paciência de descer até aos primeiros princípios das coisas especulativas e de imaginação que nunca viram no mundo e que estão completamente fora de seu emprego.
  • 12. Introdução Yin e Yang — Fonte: Wikipedia Y Yin Yang é, na filosofia chinesa, uma representação do príncipio da dualidade de yin e yang, o conceito tem sua origem no Tao (ou Dao), base da filosofia e metafísica da cultura daquele país. Segundo este princípio, duas forças complementares compõem tudo que existe, e do equilíbrio dinâmico entre elas surge todo movimento e mutação. Essas forças são: ñ Yang: o princípio ativo, diurno, luminoso, quente, masculino. ñ Yin: o princípio passivo, noturno, escuro, frio, feminino. Referências: ñ Unknown Author, The Secret of Golden Flower — the chinese book of life, [Routledge & Kegan Paul, 1979]. Veja, em particular, o prefácio e os comentário de C.G. Jung. ñ Unknown Author, I Ching — book of changes, [Bantam Books, 1964]
  • 13. Introdução Y Parte Primeira Y — Vertentes do desejo de conhecer Penso aqui na forma “yang” do desejo de conhecer — aquele que perscruta, descobre, nomeia o que aparece. . . É o fato de ter sido nomeado que torna o conhecimento adquirido irreversível, indelével (mesmo que depois ele ve- nha a ser enterrado, esquecido, que deixe de ser ativo. . . ) A forma “yin”, “feminina” do desejo do conhecimento se manifesta através de abertura, receptividade, aceitação silenciosa de um conhecimento que aparece nas camadas mais profundas de nosso ser, onde o pensamento não tem acesso. [. . . ] Suspeito que esse conhecimento sem palavras que chega a nós em raros momentos de nossa vida é inefável e que sua ação vai além da memória que nos deixa. — A. Grothendieck em “Recoltes et Semailles”
  • 14. Introdução Y Parte Segunda Y — Vertentes do desejo de conhecer Quando construo, organizo, desobstruo, limpo, ordeno, é o modo “vertente” “yang” ou “masculino” do trabalho que dá o tom. Quando exploro às cegas o inapreencível, o informe, o que não tem nome, estou na vertente “yin” ou “feminina” de meu ser. Para mim não se trata de querer minimizar ou renegar uma ou outra vertente — ambas essenciais — de minha natureza. A masculina que constroi e engendra e a “femi- nina” que concebe e abriga as lentas e obscuras gestações. “Sou” uma e outra — “yang” e “yin”, “homem” e “mulher”. Mas sei também que a essência mais delicada, mais sutil nos processos criadores se encontra na vertente “yin”, “fe- minina” — a vertente humilde, obscura e frequentemente de aparência mais pobre. — A. Grothendieck em “Recoltes et Semailles”
  • 15. Introdução O “yin” e “yang” de Grothendieck “Yang” “Yin” Razão Sensibilidade Reflexão Instinto Lógica Intuição Método Inspiração Abstrato Concreto Simples Complexo Preciso Vago Realidade Sonho Definido Indefinido Exprimível Inexprimível Que tem forma Informe Finito Infinito Parte Totalidade Local Global
  • 16. Introdução Estilo de exposição matemática Nunca apreciei ler textos de matemática, nem mesmo os mais belos. Minha forma expontânea de aprender matemática sem- pre foi fazendo-a ou refazendo-a (com ajuda, aqui e ali, de idéias e indicações fornecidas por colegas ou, no pior caso, de livros). Uma das razões, sem dúvida [. . . ] é minha falta de disposição para ler e me informar sobre matemática, mesmo que seja a lei- tura de livros ou memórias para aprender o ABC de uma teoria “bem conhecida.” Na medida do possível, gosto de me informar através da palavra viva de quem está pesquisando o assunto. A coisa essencial era que Serre sentia intensamente a rica substância atrás de um enunciado que, estando no papel, me deixaria totalmente indiferente. [. . . ] está aí talvez o momento crucial de todo o trabalho de descoberta, o momento do “es- talo”, quando não se tem ainda nenhuma idéia, por mais vaga que seja, de como abordar o desconhecido e como penetrá-lo. É verdadeiramente o momento da “concepção” — o momento a partir do qual um trabalho de gestação pode ser feito, e de fato se faz, se as condições são propícias. — A. Grothendieck em “Recoltes et Semailles”
  • 17. Heurística Definições Heurística, s.f. 1. Conjunto de regras e métodos que conduzem à descoberta, à invenção e à resolução de problemas. 2. Procedimento pedagógico pelo qual se leva o aluno a descobrir por si mesmo a verdade que lhe querem inculcar. 3. Ciência auxiliar da história que estuda a pesquisa das fontes. Fonte: Dicionário Aurélio.
  • 18. Heurística Alguns autores eminentes que trataram do assunto ñ Arquimedes (c. 287 a.C. – c. 212 a.C.) ñ Pappus (c. 290 – c. 350) ñ René Descartes (1596-1650) ñ “Règles pour la direction de l’esprit” ñ Gottfried Leibniz (1646-1716) ñ Leonhard Euler (1707-1783) ñ Bernard Bolzano (1781-1848)
  • 19. Heurística Alguns autores eminentes que trataram do assunto ñ Sigmund Freud (1856-1939) ñ “Jokes and Their Relation to the Unconscious” ñ Jacques Hadamard (1865-1963) ñ “The psychology of invention in the mathematical field” ñ George Polya (1887-1985) ñ “How to solve it” ñ “Induction and Analogy in Mathematics” ñ “Pattens of Plausible Inference” ñ Norbert Wiener (1894-1964) ñ Arthur Koestler (1905-1983) ñ “The Sleepwalkers — A History of Man’s Changing Vision of the Universe” ñ “The Act of Creation” ñ Antonio Damásio (1944- ) ñ “O Erro de Descartes”
  • 20. Heurística No sétimo livro da sua “coleção”, Pappus fala sobre um ramo do estudo que ele denomina analyomenos (tesouro da análise) e que trata do que estamos chamando de heu- rística. — Pappus “floreceu ±300 d.C.” Em seu trabalho “Regras para a direção do espírito”, Descartes aborda questões referentes ao que estamos con- siderando como heurística. — René Descartes (1596-1650) “Regulæ ad directionem ingenii”, (1620-1628) Não há nada mais importante do que investigar as ori- gens de uma invenção que, na minha opinião, é muito mais interessante do que a própria invenção. — Gottfried W. Leibniz (1646-1716) Fragmentos de “A arte da invenção” O plano mais ambicioso pode ter maior probabilidade de sucesso. — George Pólya (1887-1985) Paradoxo do Inventor
  • 21. Heurística Exemplos Matemáticos — T. Dantzig, “Número: A linguagem da ciência” “Uma das primeiras proposições desse tipo é um teorema de Eu- ler que afirma que qualquer polinômio genérico deve tomar valores compostos para pelo menos um valor do argumento. O teorema de Euler baseia-se no seguinte lema algébrico: Se P(x) é qualquer polinômio, então o polinômio Q(x) = P[x + P(x)] admite P(x) como fator. Assim, façamos P(x) = x2 + 1, então Q(x) = [x + (x2 + 1)]2 + 1 = (x2 + 1)2 + 2x(x2 + 1) + 1+ + x2 + 1 = (x2 + 1)(x2 + 2x + 2) A prova do lema geral segue a linha deste exemplo e é bastante formal; deixo-a, portanto, ao leitor.”
  • 22. Heurística Exemplos Matemáticos — Alternativa ao quadro anterior [. . . ] f (x + h) = f (x) + f 0 (x)h + f 00 (x) h2 2! + · · · + f (n) (x) hn n! Observe que, “infelizmente”, aparece no segundo membro um termo não divisível por h. É possível “consertar” isso?
  • 23. Heurística Exemplos Matemáticos — Pascal em 1654 Ao estudar o triângulo aritmético, criou um método recorrente para calcular a somas das k-ésimas potências do n primeiros números naturais. Vejamos um exemplo simples: (j + 1)2 − j2 = 1 + 2 1 j Somando em j, 1 ≤ j ≤ n, membro a membro, temos (n + 1)2 − 1 = n + 2 n X j=1 j =⇒ n X j=1 j = n(n + 1) 2 . O caso geral (j + 1)k+1 − jk+1 = 1 + k+1 1 j + k+1 2 j2 + · · · + k+1 k jk assim (n + 1)k+1 − 1 = n + k+1 1 n X j=1 j + k+1 2 n X j=1 j2 + · · · + k+1 k n X j=1 jk .
  • 24. Heurística Exemplos Matemáticos — Euler em c. 1745 O matemático suiço Jakob Bernoulli (1654-1705) tentou calcular o valor da soma da série ζ(2) = 1 + 1 22 + 1 32 + · · · + 1 n2 + · · · Não obtendo êxito, escreveu: “meus esforços para calcular o valor dessa série até agora não tiveram sucesso. Ficarei muito grato, se quem conse- guir, comunique-me o resultado”.
  • 25. Heurística Exemplos Matemáticos — Euler em c. 1745 Euler observou que: sin x x = P∞ n=0(−1)n x2n+1 (2n+1)! x = 1 − x2 3! + x4 5! − · · · + (−1)n x2n (2n + 1)! + · · · truncando no termo xn ficamos com um polinômio do tipo: b0 − b1x2 + b2x4 − · · · + (−1)n bnx2n Com uma variante no cálculo das relações de Girard, obtemos a fór- mula: b1 b0 = 1 β1 2 + 1 β2 2 + · · · + 1 βn 2 ! onde βi, 1 ≤ i ≤ n, são a raízes da equação definida pelo polinômio acima. Supondo que esta fórmula vale para a equação definida pela série, te- ríamos a igualdade: b1 b0 = 1 β1 2 + 1 β2 2 + · · · + 1 βn 2 + · · · !
  • 26. Heurística Exemplos Matemáticos — Euler em c. 1745 Continuando. . . b1 b0 = 1 β1 2 + 1 β2 2 + · · · + 1 βn 2 + · · · ! Lembrando que as raízes da equação sin x x = 0, na qual b0 = 1 e b1 = 1/3!, são da forma kπ para todo k natural maior que 1 e substituindo na relação acima, obtemos 1 3! = 1 π2 + 1 22π2 + 1 32π2 + · · · + 1 n2π2 + · · · donde π2 6 = 1 + 1 22 + 1 32 + · · · + 1 n2 + · · ·
  • 27. Rigor Generalidades ñ Jean Dieudonné: La notion de rigueur en mathématique, Mosaique Mathematique, Musée de la Villette. ñ Segundo Dieudonné as palavras “rigor” ou “raciocínio rigoroso” são utilizas a partir do século XVIII (e.g. d’Alembert) e mais fre- quentemente a partir do século XIX. Reagiam a prática de seus predecessores que falavam “na generalidade da Análise” para justificar afirmações duvidosas. ñ Paradoxos: lógicos, semânticos e pseudo-paradoxos.
  • 28. Rigor Generalidades — continuação (Dieudonné) Para concluir o que se pode dizer a respeito do rigor na matemática atual? Se nos limitarmos a matemática que utiliza a lógica clássica (e que é a quase totalidade) um raciocínio é rigoroso se ele se reduz a uma cadeia de deduções feitas de acordo com as regras dessa lógica e partindo de um sistema de axiomas explicitado; como es- sas regras lógicas estão totalmente codificadas, a verifica- ção de uma demonstração é em princípio um trabalho me- cânico, desde que ela seja suficientemente explícita; essa tarefa pode ser longa e penosa e exigir o trabalho inde- pendente de muitos especialistas quando se trata de uma demonstração que se prolonga por diversas centenas de páginas, o que hoje não é raro; e, para determinadas de- monstrações, a verificação exige o uso de computadores, o que introduz um certo elemento de incerteza (é o que ocorre no caso do teorema das quatro cores).
  • 29. Rigor Generalidades — continuação (Dieudonné) É bom que se entenda que quando um matemático ima- gina uma demonstração nova, o papel de sua “intuição” é preponderante a “parte formal” só aparece em seguida. Alguns consideram essa uma tarefa ingrata e infelizmente indispensável: eles esperam então que alguns de seus co- legas ou alunos os substituam nessa atividade o que de fato ocorre no decorrer de alguns meses ou de alguns anos, sobretudo se o resultado é considerado nuito impor- tante. Mas até que a demonstração tenha sido escrita de forma suficientemente explícita e verificada, o resultado permanece incerto: existem no momento diversos exem- plos dessa situação. * * *
  • 30. Rigor Lógica Matemática É um erro comum acreditar que o principal interesse da lógica matemática é o pensamento formal. O mais im- portante é precisar o conceito de formal e assim poder raciocinar matematicamente sobre sistemas formais. Isso acrescenta uma dimensão nova à matemática. Existem pessoas que reconhecidamente foram atraídas para a lógica matemática parcialmente por sua obcessão em querer fazer tudo de forma absolutamente explícita e segura até mesmo para uma inteligência mecânica. De- duções formais parecem oferecer a solução. A habilidade de ser tão formal pode ser útil para escrever programas de computação (incluindo os que servem para instalar lin- guagens de programação) mas ao fazermos lógica mate- mática é mais útil ver que a formalização pode ser feita do que fazê-la efetivamente. —Hao Wang
  • 31. Rigor Leis fundamentais da lógica Na lógica tradicional são válidos os seguintes princípios: 1. ¬ (p ∧ ¬ p) (princípio da contradição) 2. p ∨ ¬ p (princípio do terceiro excluído) 3. ¬ ¬p ⇐ ⇒ p (princípio da dupla negação) Na lógica intuicionista (1) é válido mas (2) e (3) não são válidos. Cálculo Proposicional — Esquemas de axiomas 1. A → (B → A) 2. (A → (B → C) → (A → B) → (A → C) 3. (¬A) → (¬B) → (B → A)
  • 32. Rigor Problema: FUVEST-1983 Problema O número x = h ( √ 2) √ 2 i√ 2 é racional. (i) Usando propriedades das potências, calcule x. (ii) Provar que existem dois números irracionais α e β tais que αβ é racional.
  • 33. Rigor Perguntas O que se entende por rigor em matemática? Qual a sua função?
  • 34. Expontaneidade e Rigor por Grothendieck, parte primeira Expontaneidade e rigor são duas vertentes “sombra” e “luz” de uma mesma qualidade indivisível. É do casamento de ambas que nasce aquela qualidade particular do texto, ou do ser, que podemos tenta- tivamente caracterizar como “atributo de veracidade.” Esse rigor se exerce sobre si mesmo zelando para que a delicada “es- colha” que ele precisa fazer entre a multidão de coisas que se passam no campo da consciência para separar e decantar incessantemente o significativo ou essencial do fortuito e do acessório para que o processo não se espesse e congele em automorfismos de censura e de compla- cência. Só nossa curiosidade, a sede que temos de conhecer nos des- perta e cria uma vigilância leve e uma vivacidade capaz de confrontar a imensa e onipresente inércia, as “inclinações (ditas) naturais,” criadas pelas idéias prontas, expressões de nossos medos e condicionamentos. Esse mesmo rigor, essa mesma atenção vigilante se dirige tanto para a espontaneidade como também para aquilo que se incorpora para par- ticipar dela, de suas inclinações, de tudo que há de natural e distingui- las daquilo que verdadeiramente jorra das camadas profundas do ser, da pulsão original de conhecimento e de ação levando-nos ao encontro do mundo.
  • 35. Expontaneidade e Rigor por Grothendieck, parte segunda Ao nível da escrita, o rigor se manifesta por uma preocupação constante de circunscrever de forma tão precisa e fiel quanto possível, com a ajuda da linguagem, os pensamentos, sentimen- tos, percepções, imagens, intuições. . . que se deseja exprimir, sem se contentar com termos vagos ou aproximados quando o que se quer exprimir tem contornos nitidamente delineados, nem usar termos artificialmente precisos (e portanto inadequa- dos) para exprimir algo que permanece envolto em brumas e que é apenas pressentido. Quando tentarmos captá-la num pre- ciso instante, a coisa desconhecida nos revela sua verdadeira natureza como se estivesse a luz do dia se ela é feita para o dia, obedecendo nosso desejo de despojá-la de seus véus de sombra e de bruma. Nosso papel não é querer descrever e fixar o que ignoramos e o que nos escapa, mas humildemente, apaixonada- mente, tomar consciência do desconhecido e do mistério que nos cerca de todos os lados. Isto é, o papel da escrita não é relatar os resultados de uma pesquisa mas sim descrever o próprio processo da pesquisa [. . . ]
  • 36. Encerramento Ortega y Gasset em “A pedagogia da contaminação” A maior parte dos homens vive atenta apenas ao pequeno ne- gócio, ao interesse que tem diante de si: se os deixássemos a sós a vida teria neles cada vez menos pulsações. O pequeno negócio seria cada vez mais, pequeno negócio: o campo visual, cada vez mais fechado e os corações, cada vez mais estreitos. Por isso, é a missão do intelectual e sobretudo do filósofo, proclamar fervo- rosamente, exasperadamente, a obrigação do esforço espiritual que dilata as almas e potencializa a vida. Diante do homem uti- litário terá ele que adotar uma absurda atitude de desinteresse e viver como fogo consumindo-se a si próprio. Esta tem que ser a atitude do filósofo e, por isso, quando aparece um verdadeiro filósofo a humanidade o sente como uma verdadeira ferroada. Nem é preciso dizer que não pretendo ser esse verdadeiro fi- lósofo, nem mesmo um filósofo qualquer. Somente por uma obrigação administrativa carrego o título de professor de me- tafísica, uma coisa que não conheço bem e que, mesmo quando bem conhecida, não pode, a rigor, ser ensinada. Convido-os pois a se juntar a mim em não levar a sério este meu encargo administrativo.
  • 37. Encerramento Ortega y Gasset em “A pedagogia da contaminação” Minha pretensão é incomparavelmente mais modesta: conten- tar-me-ia em andar ao lado de almas mais acomodadas que a minha e introduzir-lhes fermentos de dúvida, ambição e espe- rança. Havereis notado que, ao estarmos na borda de um lago de águas paradas e observarmos a superfície imóvel, polida e in- diferente, onde se refletem nuvens viajantes — nuvens de abril, redondas e barrocas — se apodera de nós uma inquietação e um desejo de romper esse polimento e essa calma fictícia que ocultam a vida efervescente no fundo lodoso. E, sem nos dar- mos conta, nossa mão apanha uma pedrinha e a atira na água cujo cristal se quebra e vibra, trêmulo e vivo, deixando escapar borbulhos que sobem do fundo como suspiros. Feito isso, nos afastamos ingenuamente satisfeitos. Agradar-me-ia fazer algo, não menos ingênuo, com as almas demasiadamente acomoda- das — minhas pretensões, como veis, se esgotam ao chegar a ser um professor de atirar pedrinhas em águas paradas.
  • 38. Referências Bibliográficas Aristóteles, Metafísica Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of its Technological Reproducibility John Berger, Ways of Seeing, [Pelican, 1972] António Damásio, O Erro de Descartes. Companhia Das Letras Tobias Dantzig, NÚMERO: A linguagem da Ciência, [Zahar Editores, 1970] René Descartes, Règles pour la direction de l’esprit, [Le Livre de Poche, 1999] Ortega y Gasset, Mision de la Universidad, [Revista de Ocidente en Alianza Editorial, 1982] Ortega y Gasset, Lições de Metafísica Ortega y Gasset, Papeles sobre Velazquez y Goya [Revista de Ocidente en Alianza Editorial, 1980]
  • 39. Referências Bibliográficas John Dewey, Como Pensamos Jacques Hadamard, The psychology of invention in the mathematical field, [Dover Publications Inc., 1949] G. H. Hardy, A Mathematician’s Apology, [Cambridge University Press, 1976] Arthur Koestler, The Sleepwalkers — A history of man’s changing Vision of the Universe, [Penguin Books, 1964] Arthur Koestler, The Act of Creation, [Picador — Pan Books] J. E. Littlewood, A Mathematician’s Miscellany James J. O’Donnell, Avatars of the Word, [Harvard University Press, 1998] Norbert Wiener, The Human Use of Human Beings, [Sphere Books, ltd. 1968] Unknown Author, I Ching — book of changes, [Bantam Books, 1964]
  • 40. Referências Bibliográficas Blaise Pascal, Pensées, [1669] Sigmund Freud, Jokes and Their Relation to the Unconscious, [Penguin Books, 1976] Henri Bergson, Le Rire — essai sur la signification du comique, [Press Universitaires de France, 1975] George Polya, How to solve it, [Princeton University Press, 1945] George Polya, Induction and Analogy in Mathematics, [Princeton University Press, 1973] George Polya, Pattens of Plausible Inference, [Princeton University Press, 1968] Mário Schenberg, Pensando a Física, [Editora Brasiliense, 1985] Erwin Schroendinger, Science Theory and Man Unknown Author, The Secret of Golden Flower — the chinese book of life, [Routledge Kegan Paul, 1979]