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A ROSA DO POVO Carlos Drummond de Andrade
DRUMMOND: O HOMEM
Itabira, 1902 Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. (...) Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! A família: fazendeiros em decadência
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1987 – O Fim
Mangueira de mãos dadas com a poesia traz para os braços do povo este poeta genial Carlos Drumond de Andrade suas obras são palavras de um reino de verdade  Itabira  em seus versos ele tanto exaltou  com amor                            eis aí a verde e rosa  cantando em verso e prosa  o que ao poeta inspirou  É Dom Quixote ô  é Zé Pereira                      é Charlie Chaplin  no embalo da Mangueira  Mangueira:  O Reino das Palavras – 1987 –  Rody, Verinha e Bira do Ponto  Olha as carrancas do rio São Francisco rema rema remador primavera vem chegando inspirando amor  o rio toma forma de sambista  como o artista imaginou  N a ilusão de um sonho  achei  o elefante que eu imaginei  bis   bis   bis
 
 
DRUMMOND: A OBRA
Drummondiana ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
DRUMMOND: ITINERÁRIO
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],eu “gauche” Poema de sete faces  Quando nasci, um anjo torto  desses que vivem na sombra  disse: Vai, Carlos! ser  gauche  na vida.  (...)
EU MUNDO “ gauche” “ vida besta”
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],solidariedade e luta
[object Object],Com a chave na mão   quer abrir a porta,   não existe porta;   quer morrer no mar,   mas o mar secou:   quer ir para Minas,   Minas não há mais.  José, e agora?  (...) você marcha, José!  José, para onde?  José Relação Eu-mundo Questionamento da existência: o impasse
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],A Poesia
Drummond às vésperas de  A Rosa do Povo Poesia Existencial Poesia Social Poesia Sobre a Poesia
José 55 poemas A Rosa do Povo 1942 1943-1945 1945
Contexto Histórico
Estado Novo 2ª Guerra Mundial A Rosa do Povo “ O tempo é ainda de fezes”
Aspectos Formais
[object Object],[object Object],Modernismo Redondilhas Tradição popular
Roteiro Temático
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Poesia sobre a poesia
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“ a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com idéias ou sentimentos” Manuel  Bandeira
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Inseto –  insectum : radical  sec/se Um in SE to   cava cava  SE m   alarme perfurando a terra SE m achar   ES cape .
Metamorfoses do radical:  ze, ex, is, ce, iz  e  es: Que fa ZE r,  EX au S to, em pa ÍS  bloqueado enla CE  de noite ra IZ  e minério? e IS  que o labirinto (oh ra Z ão, m IS tério) pr ES to  SE  d ES ata:
Terceto final: libertação da sílaba  se em  verde , so ZI nha, antieuclidiana uma orquídea forma- SE .
Um in SE to cava cava  SE m alarme perfurando a terra SEm achar  ES cape. Que fa ZE r,  EX au S to, em pa ÍS  bloqueado enla CE  de noite ra IZ  e minério? e IS  que o labirinto (oh ra Z ão, m IS tério) pr ES to SE d ES ata: em verde, so ZI nha, antieuclidiana uma orquídea forma- SE .
 
O poema  ÁPORO  como resumo da obra Áporo: resolução do impasse 1- poético 2- existencial 3- social
Fabrico um elefante  de meus poucos recursos.  Um tanto de madeira  tirado a velhos móveis  talvez lhe dê apoio.  E o encho de algodão,  de paina, de doçura.  Eis meu pobre elefante  pronto para sair  à procura de amigos  num mundo enfastiado  que já não crê nos bichos  e duvida das coisas.  O ELEFANTE
Vai o meu elefante  pela rua povoada,  mas não o querem ver  nem mesmo para rir  da cauda que ameaça  deixá-lo ir sozinho.  E já tarde da noite,  volta meu elefante,  mas volta fatigado,  as patas vacilantes  se desmancham no pó.  Ele não encontrou  o de que carecia,  o de que carecemos,  eu e meu elefante,  em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,  caiu-lhe o vasto engenho  como simples papel.  A cola se dissolve  e todo seu conteúdo  de perdão, de carícia,  de pluma, de algodão,  jorra sobre o tapete,  qual mito desmontado.  Amanhã recomeço.
Poesia do cotidiano
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],Na mão a garrafa branca não tem tempo de dizer as coisas que lhe atribuo nem o moço leiteiro ignaro, morados na Rua Namur, empregado no entreposto, com 21 anos de idade, sabe lá o que seja impulso de humana compreensão. E já que tem pressa, o corpo vai deixando à beira das casas uma apenas mercadoria. E como a porta dos fundos também escondesse gente que aspira ao pouco de leite disponível em nosso tempo, avancemos por esse beco, peguemos o corredor, depositemos o litro...  Sem fazer barulho, é claro, que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil de passo maneiro e leve, antes desliza que marcha. É certo que algum rumor sempre se faz: passo errado, vaso de flor no caminho, cão latindo por princípio, ou um gato quizilento. E há sempre um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir. Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro), não quis saber de mais nada. O revólver da gaveta saltou para sua mão. Ladrão? se pega com tiro. Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro. Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, não sei, é tarde para saber. Mas o homem perdeu o sono de todo, e foge pra rua. Meu Deus, matei um inocente. Bala que mata gatuno também serve pra furtar a vida de nosso irmão. Quem quiser que chame médico, polícia não bota a mão neste filho de meu pai. Está salva a propriedade. A noite geral prossegue, a manhã custa a chegar, mas o leiteiro estatelado, ao relento, perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada, no ladrilho já sereno escorre uma coisa espessa que é leite, sangue... não sei. Por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora.
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],Vermelho (sangue) branco (leite) rosa (aurora) + =
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],O vestido, nesse prego, está morto, sossegado. Nossa mãe, esse vestido tanta renda, esse segredo! Minhas filhas, escutai palavras de minha boca. Era uma dona de longe,  vosso pai enamorou-se. E ficou tão transtornado, se perdeu tanto de nós,   se afastou de toda vida, se fechou, se devorou,
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],que tivesse paciência e fosse dormir com ele... Nossa mãe, por que chorais? Nosso lenço vos cedemos. Minhas filhas, vosso pai chega ao pátio.  Disfarcemos. Nossa mãe, não escutamos pisar de pé no degrau. Minhas filhas, procurei aquela mulher do demo. E lhe roguei que aplacasse de meu marido a vontade. Eu não amo teu marido, me falou ela se rindo.
Sai pensando na morte, mas a morte não chegava. Andei pelas cinco ruas,  passei ponte, passei rio,  visitei vossos parentes,  não comia, não falava, tive uma febre terçã, mas a morte não chegava. Fiquei fora de perigo, fiquei de cabeça branca, perdi meus dentes, meus olhos,  costurei, lavei, fiz doce, minhas mãos se escalavraram, meus anéis se dispersaram, Mas posso ficar com ele se a senhora fizer gosto, só pra lhe satisfazer, não por mim, não quero homem. Olhei para vosso pai,  os olhos dele pediam. Olhei para a dona ruim,  os olhos dela gozavam. O seu vestido de renda,  de colo mui devassado,  mais mostrava que escondia as partes da pecadora. Eu fiz meu pelo-sinal, me curvei... disse que sim.
minha corrente de ouro pagou conta de farmácia. Vosso pais sumiu no mundo. O mundo é grande e pequeno. Um dia a dona soberba me aparece já sem nada, pobre, desfeita, mofina, com sua trouxa na mão. Dona, me disse baixinho, não te dou vosso marido, que não sei onde ele anda. Mas te dou este vestido,  última peça de luxo que guardei como lembrança daquele dia de cobra, da maior humilhação. Eu não tinha amor por ele, ao depois amor pegou. Mas então ele enjoado confessou que só gostava de mim como eu era dantes. Me joguei a suas plantas, fiz toda sorte de dengo, no chão rocei minha cara, me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza, me cortei de canivete, me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina, rezei duzentas novenas, dona, de nada valeu: vosso marido sumiu. Aqui trago minha roupa que recorda meu malfeito de ofender dona casada pisando no seu orgulho. Recebei esse vestido e me dai vosso perdão. Olhei para a cara dela, quede os olhos cintilantes? quede graça de sorriso, quede colo de camélia? quede aquela cinturinha delgada como jeitosa? quede pezinhos calçados com sandálias de cetim? Olhei muito para ela,  boca não disse palavra. Peguei o vestido, pus nesse prego da parede. Ela se foi de mansinho e já na ponta da estrada vosso pai aparecia. Olhou pra mim em silêncio, mal reparou no vestido e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa. Eu fiz, ele se assentou, comeu, limpou o suor, era sempre o mesmo homem, comia meio de lado e nem estava mais velho. O barulho da comida na boca, me acalentava, me dava uma grande paz, um sentimento esquisito de que tudo foi um sonho,  vestido não há... nem nada. Minhas filhas, eis que ouço vosso pai subindo a escada.
[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],Submissão da mulher - não transgride a linguagem - não rompe com as regras
D. Casmurro “ Caso do vestido” Adultério Bentinho / Capitu pai / mãe Bentinho / pai Capitu / mãe
“ A morte do leiteiro”  “ Caso do vestido” Cotidiano dramas formas diversas de violência
O amor
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Não saberei? Só pegando, Pedindo: Dona, desculpe... O seu vestido esconde algo? Tem coxas reais? Cintura? (...) Sou eu, o poeta precário Que fez de Fulana um mito, Nutrindo-me de Petrarca, Ronsard, Camões e Capim.
Toada do Amor E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga. Não se deve xingar a vida, a gente vive, depois esquece. Só o amor volta para brigar, para perdoar, amor cachorro bandido trem. Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha? Mariquita, dá cá o pito, no teu pito está o infinito.
A família
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Cantar de amigos
Mário de Andrade desce aos infernos O meu amigo era tão de tal modo extraordinário, cabia numa só carta, esperava-me na esquina, e já um poste depois ia descendo o amazonas, entre cantares de amigo pairava na renda fina dos sete saltos, na serrania mineira, no mangue, no seringal, nos mais diversos brasis, e para além dos brasis, nas regiões inventadas, países a que aspiramos, fantásticos, mas certos, inelutáveis. terra de João invencível, a rosa do povo aberta...
Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin
I  Era preciso que um poeta brasileiro, não dos maiores, porém dos mais  expostos à galhofa, (...) para dizer-te algumas coisas, sobcolor  de poema. Para dizer-te como os brasileiros te amam e que nisso, como em tudo mais, nossa  gente se parece com qualquer gente do mundo - inclusive  os pequenos judeus de bengalinha e chapéu-coco, sapatos  compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia, e vencem a fome, iludem a  brutalidade, prolongam o amor como um segredo dito no ouvido de  um homem do povo caído na rua.
Falam por mim os que estavam sujos de  tristeza e feroz desgosto de tudo, que entraram no cinema com a aflição  de ratos fugindo da vida, são duas horas de anestesia, ouçamos  um pouco de música, visitemos no escuro as imagens - e te  descobriram e salvaram-se.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo. Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando  sopros aos exaustos. Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo, crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a  fúria dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e de esperança.
Reflexão Existencial
Anoitecer   É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sirenes roucas,  apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo.   É a hora em que o pássaro volta,  mas de há muito não há pássaros; só multidões compactas escorrendo exaustas como espesso óleo que impregna o lajedo; desta hora tenho medo. É a hora do descanso, mas o descanso vem tarde, o corpo não pede sono, depois de tanto rodar; pede paz – morte – mergulho no poço mais ermo e quedo; desta hora tenho medo.   Hora de delicadeza,  gasalho , sombra, silêncio. Haverá disso no mundo? É antes a hora dos corvos, bicando em mim, meu passado, meu futuro, meu degredo;  dessa hora, sim, tenho medo.
Desfile O rosto no travesseiro, escuto o tempo fluindo no mais completo silêncio. (...) Vinte anos ou pouco mais, tudo estará terminado. O tempo flui sem dor. O rosto no travesseiro, fecho os olhos, para ensaio.
Os últimos dias Que a terra há de comer. Mas não coma já. (...) E a matéria se veja acabar: adeus, composição que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade. Adeus, minha presença, meu olhar e minhas veias grossas, meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro, Sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal,   [idéia de justiça, revolta e sono, adeus, vida aos outros legada.  
Resíduo  De tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco. Dos gritos gagos. Da rosa ficou um pouco. (...)   Se de tudo fica um pouco, mas por que não ficaria um pouco de mim? (...)   fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato.
Poesia social
Tempos sombrios... O medo   A Antonio Candido         "Porque há para todos nós um problema sério...          Este problema é o do medo."                    (Antonio Candido,  Plataforma de Uma Geração )     Em verdade temos medo. (...) E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios vadeamos.
(...) Faremos casas de medo, duros tijolos de medo, medrosos caules, repuxos, ruas só de medo e calma. (...) Nossos filhos tão felizes... Fiéis herdeiros do medo, eles povoam a cidade. Depois da cidade, o mundo. Depois do mundo, as estrelas, dançando o baile do medo. 
“ morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas  e medrosas.”   ( Sentimento do Mundo )
Nosso tempo I Este é tempo de partido, tempo de homens partidos. (...)  Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem.  São tão fortes as coisas! (...) Mas eu não sou as coisas e me revolto. Tenho palavras em mim buscando canal, são roucas e duras, irritadas, enérgicas, comprimidas há tanto tempo, perderam o sentido, apenas querem explodir.   O horror capitalista
VIII O poeta  declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições,  símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta,  um verme.
“ a burguesia apodrece” (“Anúncio da Rosa”)
Carta a Stalingrado Stalingrado... Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades! O mundo não acabou, pois que entre as ruínas outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos, Stalingrado, seus peitos que estalam e caem enquanto outros, vingadores, se elevam. O horror da guerra
  A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais. Os telegramas de Moscou repetem Homero. Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo que nós, na escuridão, ignorávamos. Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída, na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas, no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas, na tua fria vontade de resistir
(...) Uma criatura que não quer morrer e combate, contra o céu, a água, o metal a criatura combate, contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate, e vence.
As cidades podem vencer, Stalingrado! Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça  subindo do Volga. Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo. Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.  
“ Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, A grande Cidade de amanhã erguera a sua nova Ordem.”
A flor e a náusea Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. (...)  Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. (...) Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos, movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Perspectiva de uma nova sociedade
Cidade Prevista Irmãos, cantai esse mundo que não verei, mas virá um dia, dentro em mil anos, talvez mais... não tenho pressa.   Um mundo enfim ordenado, uma pátria sem fronteiras, sem leis e regulamentos, uma terra sem bandeiras, sem igrejas nem quartéis, sem dor, sem febre, sem ouro, um jeito só de viver, mas nesse jeito a variedade, a multiplicidade toda que há dentro de cada um.
Uma cidade sem portas, de casas sem armadilha, um país de riso e glória como nunca houve nenhum. Este país não é meu nem vosso ainda, poetas. Mas ele será um dia o país de todo homem.
amargura, visão cética e  desencantada engajamento, adesão às utopias esquerdistas A Rosa do Povo pessimismo esperança
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e  teu bigode caminham numa estrada de pó e de  esperança.

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  • 3. Itabira, 1902 Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. (...) Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! A família: fazendeiros em decadência
  • 4.
  • 5.
  • 6.
  • 7.
  • 8.
  • 9.
  • 10. 1987 – O Fim
  • 11. Mangueira de mãos dadas com a poesia traz para os braços do povo este poeta genial Carlos Drumond de Andrade suas obras são palavras de um reino de verdade Itabira em seus versos ele tanto exaltou com amor                           eis aí a verde e rosa cantando em verso e prosa o que ao poeta inspirou É Dom Quixote ô é Zé Pereira                     é Charlie Chaplin no embalo da Mangueira Mangueira: O Reino das Palavras – 1987 – Rody, Verinha e Bira do Ponto Olha as carrancas do rio São Francisco rema rema remador primavera vem chegando inspirando amor o rio toma forma de sambista como o artista imaginou N a ilusão de um sonho achei o elefante que eu imaginei bis   bis   bis
  • 12.  
  • 13.  
  • 15.
  • 17.
  • 18. EU MUNDO “ gauche” “ vida besta”
  • 19.
  • 20. “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”
  • 21.
  • 22.
  • 23.
  • 24. Drummond às vésperas de A Rosa do Povo Poesia Existencial Poesia Social Poesia Sobre a Poesia
  • 25. José 55 poemas A Rosa do Povo 1942 1943-1945 1945
  • 27. Estado Novo 2ª Guerra Mundial A Rosa do Povo “ O tempo é ainda de fezes”
  • 29.
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  • 32. Poesia sobre a poesia
  • 33.
  • 34. “ a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com idéias ou sentimentos” Manuel Bandeira
  • 35.
  • 36.
  • 37. Inseto – insectum : radical sec/se Um in SE to cava cava SE m alarme perfurando a terra SE m achar ES cape .
  • 38. Metamorfoses do radical: ze, ex, is, ce, iz e es: Que fa ZE r, EX au S to, em pa ÍS bloqueado enla CE de noite ra IZ e minério? e IS que o labirinto (oh ra Z ão, m IS tério) pr ES to SE d ES ata:
  • 39. Terceto final: libertação da sílaba se em verde , so ZI nha, antieuclidiana uma orquídea forma- SE .
  • 40. Um in SE to cava cava SE m alarme perfurando a terra SEm achar ES cape. Que fa ZE r, EX au S to, em pa ÍS bloqueado enla CE de noite ra IZ e minério? e IS que o labirinto (oh ra Z ão, m IS tério) pr ES to SE d ES ata: em verde, so ZI nha, antieuclidiana uma orquídea forma- SE .
  • 41.  
  • 42. O poema ÁPORO como resumo da obra Áporo: resolução do impasse 1- poético 2- existencial 3- social
  • 43. Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Um tanto de madeira tirado a velhos móveis talvez lhe dê apoio. E o encho de algodão, de paina, de doçura. Eis meu pobre elefante pronto para sair à procura de amigos num mundo enfastiado que já não crê nos bichos e duvida das coisas. O ELEFANTE
  • 44. Vai o meu elefante pela rua povoada, mas não o querem ver nem mesmo para rir da cauda que ameaça deixá-lo ir sozinho. E já tarde da noite, volta meu elefante, mas volta fatigado, as patas vacilantes se desmancham no pó. Ele não encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo disfarçar-me.
  • 45. Exausto de pesquisa, caiu-lhe o vasto engenho como simples papel. A cola se dissolve e todo seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete, qual mito desmontado. Amanhã recomeço.
  • 47.
  • 48. Meu leiteiro tão sutil de passo maneiro e leve, antes desliza que marcha. É certo que algum rumor sempre se faz: passo errado, vaso de flor no caminho, cão latindo por princípio, ou um gato quizilento. E há sempre um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir. Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro), não quis saber de mais nada. O revólver da gaveta saltou para sua mão. Ladrão? se pega com tiro. Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro. Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, não sei, é tarde para saber. Mas o homem perdeu o sono de todo, e foge pra rua. Meu Deus, matei um inocente. Bala que mata gatuno também serve pra furtar a vida de nosso irmão. Quem quiser que chame médico, polícia não bota a mão neste filho de meu pai. Está salva a propriedade. A noite geral prossegue, a manhã custa a chegar, mas o leiteiro estatelado, ao relento, perdeu a pressa que tinha.
  • 49. Da garrafa estilhaçada, no ladrilho já sereno escorre uma coisa espessa que é leite, sangue... não sei. Por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora.
  • 50.
  • 51.
  • 52.
  • 53. Sai pensando na morte, mas a morte não chegava. Andei pelas cinco ruas,  passei ponte, passei rio,  visitei vossos parentes,  não comia, não falava, tive uma febre terçã, mas a morte não chegava. Fiquei fora de perigo, fiquei de cabeça branca, perdi meus dentes, meus olhos,  costurei, lavei, fiz doce, minhas mãos se escalavraram, meus anéis se dispersaram, Mas posso ficar com ele se a senhora fizer gosto, só pra lhe satisfazer, não por mim, não quero homem. Olhei para vosso pai,  os olhos dele pediam. Olhei para a dona ruim,  os olhos dela gozavam. O seu vestido de renda,  de colo mui devassado,  mais mostrava que escondia as partes da pecadora. Eu fiz meu pelo-sinal, me curvei... disse que sim.
  • 54. minha corrente de ouro pagou conta de farmácia. Vosso pais sumiu no mundo. O mundo é grande e pequeno. Um dia a dona soberba me aparece já sem nada, pobre, desfeita, mofina, com sua trouxa na mão. Dona, me disse baixinho, não te dou vosso marido, que não sei onde ele anda. Mas te dou este vestido,  última peça de luxo que guardei como lembrança daquele dia de cobra, da maior humilhação. Eu não tinha amor por ele, ao depois amor pegou. Mas então ele enjoado confessou que só gostava de mim como eu era dantes. Me joguei a suas plantas, fiz toda sorte de dengo, no chão rocei minha cara, me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza, me cortei de canivete, me atirei no sumidouro,
  • 55. bebi fel e gasolina, rezei duzentas novenas, dona, de nada valeu: vosso marido sumiu. Aqui trago minha roupa que recorda meu malfeito de ofender dona casada pisando no seu orgulho. Recebei esse vestido e me dai vosso perdão. Olhei para a cara dela, quede os olhos cintilantes? quede graça de sorriso, quede colo de camélia? quede aquela cinturinha delgada como jeitosa? quede pezinhos calçados com sandálias de cetim? Olhei muito para ela,  boca não disse palavra. Peguei o vestido, pus nesse prego da parede. Ela se foi de mansinho e já na ponta da estrada vosso pai aparecia. Olhou pra mim em silêncio, mal reparou no vestido e disse apenas: — Mulher,
  • 56. põe mais um prato na mesa. Eu fiz, ele se assentou, comeu, limpou o suor, era sempre o mesmo homem, comia meio de lado e nem estava mais velho. O barulho da comida na boca, me acalentava, me dava uma grande paz, um sentimento esquisito de que tudo foi um sonho,  vestido não há... nem nada. Minhas filhas, eis que ouço vosso pai subindo a escada.
  • 57.
  • 58. D. Casmurro “ Caso do vestido” Adultério Bentinho / Capitu pai / mãe Bentinho / pai Capitu / mãe
  • 59. “ A morte do leiteiro” “ Caso do vestido” Cotidiano dramas formas diversas de violência
  • 61.
  • 62. Não saberei? Só pegando, Pedindo: Dona, desculpe... O seu vestido esconde algo? Tem coxas reais? Cintura? (...) Sou eu, o poeta precário Que fez de Fulana um mito, Nutrindo-me de Petrarca, Ronsard, Camões e Capim.
  • 63. Toada do Amor E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga. Não se deve xingar a vida, a gente vive, depois esquece. Só o amor volta para brigar, para perdoar, amor cachorro bandido trem. Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha? Mariquita, dá cá o pito, no teu pito está o infinito.
  • 65.
  • 67. Mário de Andrade desce aos infernos O meu amigo era tão de tal modo extraordinário, cabia numa só carta, esperava-me na esquina, e já um poste depois ia descendo o amazonas, entre cantares de amigo pairava na renda fina dos sete saltos, na serrania mineira, no mangue, no seringal, nos mais diversos brasis, e para além dos brasis, nas regiões inventadas, países a que aspiramos, fantásticos, mas certos, inelutáveis. terra de João invencível, a rosa do povo aberta...
  • 68. Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin
  • 69. I Era preciso que um poeta brasileiro, não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa, (...) para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema. Para dizer-te como os brasileiros te amam e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
  • 70. vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia, e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.
  • 71. Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo, que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida, são duas horas de anestesia, ouçamos um pouco de música, visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.
  • 72. Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo. Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros aos exaustos. Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo, crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos ditadores,
  • 73. ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e de esperança.
  • 75. Anoitecer   É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sirenes roucas, apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo.   É a hora em que o pássaro volta, mas de há muito não há pássaros; só multidões compactas escorrendo exaustas como espesso óleo que impregna o lajedo; desta hora tenho medo. É a hora do descanso, mas o descanso vem tarde, o corpo não pede sono, depois de tanto rodar; pede paz – morte – mergulho no poço mais ermo e quedo; desta hora tenho medo.   Hora de delicadeza, gasalho , sombra, silêncio. Haverá disso no mundo? É antes a hora dos corvos, bicando em mim, meu passado, meu futuro, meu degredo; dessa hora, sim, tenho medo.
  • 76. Desfile O rosto no travesseiro, escuto o tempo fluindo no mais completo silêncio. (...) Vinte anos ou pouco mais, tudo estará terminado. O tempo flui sem dor. O rosto no travesseiro, fecho os olhos, para ensaio.
  • 77. Os últimos dias Que a terra há de comer. Mas não coma já. (...) E a matéria se veja acabar: adeus, composição que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade. Adeus, minha presença, meu olhar e minhas veias grossas, meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro, Sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal, [idéia de justiça, revolta e sono, adeus, vida aos outros legada.  
  • 78. Resíduo De tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco. Dos gritos gagos. Da rosa ficou um pouco. (...)   Se de tudo fica um pouco, mas por que não ficaria um pouco de mim? (...)   fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato.
  • 80. Tempos sombrios... O medo   A Antonio Candido         "Porque há para todos nós um problema sério...          Este problema é o do medo."                    (Antonio Candido, Plataforma de Uma Geração )    Em verdade temos medo. (...) E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios vadeamos.
  • 81. (...) Faremos casas de medo, duros tijolos de medo, medrosos caules, repuxos, ruas só de medo e calma. (...) Nossos filhos tão felizes... Fiéis herdeiros do medo, eles povoam a cidade. Depois da cidade, o mundo. Depois do mundo, as estrelas, dançando o baile do medo. 
  • 82. “ morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.” ( Sentimento do Mundo )
  • 83. Nosso tempo I Este é tempo de partido, tempo de homens partidos. (...)  Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas! (...) Mas eu não sou as coisas e me revolto. Tenho palavras em mim buscando canal, são roucas e duras, irritadas, enérgicas, comprimidas há tanto tempo, perderam o sentido, apenas querem explodir.   O horror capitalista
  • 84. VIII O poeta declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme.
  • 85. “ a burguesia apodrece” (“Anúncio da Rosa”)
  • 86. Carta a Stalingrado Stalingrado... Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades! O mundo não acabou, pois que entre as ruínas outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos, Stalingrado, seus peitos que estalam e caem enquanto outros, vingadores, se elevam. O horror da guerra
  • 87.   A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais. Os telegramas de Moscou repetem Homero. Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo que nós, na escuridão, ignorávamos. Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída, na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas, no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas, na tua fria vontade de resistir
  • 88. (...) Uma criatura que não quer morrer e combate, contra o céu, a água, o metal a criatura combate, contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate, e vence.
  • 89. As cidades podem vencer, Stalingrado! Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga. Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo. Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.  
  • 90. “ Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, A grande Cidade de amanhã erguera a sua nova Ordem.”
  • 91. A flor e a náusea Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. (...)  Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. (...) Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos, movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Perspectiva de uma nova sociedade
  • 92. Cidade Prevista Irmãos, cantai esse mundo que não verei, mas virá um dia, dentro em mil anos, talvez mais... não tenho pressa.   Um mundo enfim ordenado, uma pátria sem fronteiras, sem leis e regulamentos, uma terra sem bandeiras, sem igrejas nem quartéis, sem dor, sem febre, sem ouro, um jeito só de viver, mas nesse jeito a variedade, a multiplicidade toda que há dentro de cada um.
  • 93. Uma cidade sem portas, de casas sem armadilha, um país de riso e glória como nunca houve nenhum. Este país não é meu nem vosso ainda, poetas. Mas ele será um dia o país de todo homem.
  • 94. amargura, visão cética e desencantada engajamento, adesão às utopias esquerdistas A Rosa do Povo pessimismo esperança
  • 95. ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e de esperança.