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Quintana 08 03_2013_rapallo
1. QUEM AMA INVENTA
CHI AMA INVENTA
la poesia di Mario Quintana
incontro con il traduttore Pierino Bonifazio che ha pubblicato il libro
“Quem ama inventa” Liberodiscrivere® edizioni edizione bilingue Portoghese e Italiano
letture a cura degli allievi del Laboratorio teatrale
dell'Accademia Culturale di Rapallo
diretto da Patrizia Ercole
2.
3. N o S i l ê n c i o T e r r í v e l / Nel Silenzio Terribile
No silêncio terrível do Cosmos
Há de ficar uma última lâmpada acesa.
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre os papéis revoltos,
Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas ratazanas,
O pequeno crucifixo de prata
– O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que tu
[ me deste um dia
Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria…
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria – morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo…
4. V i r a ç ã o / Svolta
Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma
vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas
contas recebidas. Vontade de mudar de camisa, por fora e por
dentro… Vontade... para que esse pudor de certas
palavras?… vontade de amar,
simplesmente.
5. E n v e l h e c e r / Invecchiare
Antes, todos os caminhos iam.
Agora, todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
6. D o T e m p o / Il Tempo
Nunca se deve consultar o relógio perto de um defunto. É uma
falta de tato, meu caro senhor… uma crueldade… uma
imperdoável indelicadeza…
7. O A n j o d a E s c a d a / L’Angelo della Scala
Na volta da escada,
Na volta escura da escada.
O Anjo disse o meu nome.
E o meu nome varou de lado a lado o meu peito.
E vinha um rumor distante de vozes clamando clamando…
Deixa–me!
Que tenho a ver com as tuas naus perdidas?
Deixa–me sozinho com os meus pássaros…
com os meus caminhos…
com as minhas nuvens…
8. A B o r b o l e t a / La Farfalla
Cada vez que o poeta cria uma borboleta, o leitor exclama: “Olha uma
borboleta!”.
O crítico ajusta os nasóculos e, ante aquele pedaço esvoaçante de vida,
murmura:
– Ah! sim, um lepidóptero...
9. D o A m o r o s o E s q u e c i m e n t o / Sul Dimenticare un Amore
Eu, agora – que desfecho! –,
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
10. D a I n d i f e r e n ç a / L’indifferenza
A indiferença é a mais refinada forma da polidez.
11. N a d a S o b r o u / Non resta niente
As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais
imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais
estranhas… Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não
basta apenas ser
vivida: também precisa ser sonhada.
12. O V e l h o d o E s p e l h o / Il Vecchio nello Specchio
Por acaso, surpreendo–me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto… é cada vez menos estranho…
Meu Deus, meu Deus… Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, Pai ?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga…
Que importa?! Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra ! –
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste…
13. O A d o l e s c e n t e / L’ Adolescente
A vida é tão bela que chega a dar medo.
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicemente,
as folhas contam–te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
– vestida apenas com o teu desejo!
14. O A u t o – R e t r a t o / L’Autoritratto
No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
15. T r e c h o d e D i á r i o / Frammento di diario
Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá.
Numa determinada pedra em certa rua de Calcutá.
Solta. Sozinha. Quem repara nela?
Só eu, que nunca fui lá,
Só eu, deste lado do mundo, te mando agora esse pensamento…
Minha pedra de Calcutá!
16. P o e m a s p a r a J u l i a n o o A p ó s t a t a / Poesia per Giuliano l’Apostata
No tempo dos deuses tudo
era simples como eles
e natural e humano
e eles reinavam no mundo.
Mas veio um deus usurpador e único e
tornou o mundo incompreensível porque
o seu reino não era deste mundo.
E até hoje ninguém soube porque então ele expulsou os outros deuses
e ficou reinando sozinho
e fez todos os homens pecarem
– coisa que eles jamais haviam feito antes –
porque pecar com inocência não é pecar…
E os homens conheceram o terror maravilhoso do pecado
– e assim o novo deus lhes trouxe uma volúpia nova.
17. P o e m a d a G a r e d e A s t a p o v o / Poesia della Stazione di Astapovo
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou–se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo,
Contra uma parede nua...
Sentou–se... e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê–lo tão sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A Morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
18. B i l h e t e / Biglietto
Se tu me amas, ama–me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
19. R e f l e x o s , R e f l e x õ e s… / Riflessi, Reflessioni…
I
Quando a idade dos reflexos, rápidos, inconscientes, cede lugar à idade das
reflexões – terá sido a sabedoria que chegou? Não! Foi apenas a velhice.
II
Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes
sem respeito nenhum.
III
Ora, ora! não se preocupe com os anos que já faturou: a idade é o menor sintoma
de velhice.
20. O s P o e m a s / Le Poesie
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam–se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
21. A s C i d a d e s P e q u e n a s / Le Città Piccole
As moças das cidades pequenas
com o seu sorriso e o estampado claro de seus vestidos
são a própria vida. Elas
é que alvorotam a praça. Por elas
é que os sinos festivamente batem, aos domingos.
Por elas, e não para a missa!… Mas Deus não se importa...
Afinal,
só nessas cidadezinhas humildes
é que ainda o chamam de Deus Nosso Senhor…
22. D e i x a – m e S e g u i r p a r a o M a r / Lasciami Continuare verso il Mare
Tenta esquecer–me... Ser lembrado é como
evocar–se um fantasma... Deixa–me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar–se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho...
Deixa–me fluir, passar, cantar...
toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!
23. E u E s c r e v i u m P o e m a T r i s t e / Ho Scritto una Poesia Triste
Eu escrevi um poema triste
E belo apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
24. O s D e g r a u s / I Gradini
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
25. A L e t r a e a M ú s i c a / Parole e Musica
Quando nos encontramos
Dizemo–nos sempre as mesmas palavras que todos os amantes dizem…
Mas que nos importa que as nossas palavras sejam as mesmas de sempre?
A música é outra!
26. THE ESSENTIAL JOYCE - 1970-1996
Joyce
Poeminha do Contra
Todos esses que aí estão
atravancando meu caminho,
eles passarão...
eu passarinho!
38. " Antes ser poeta era uma agravante, depois passou a ser uma atenuante, mas diante disto, vejo que ser poeta é agora uma credencial. " (Em 1967,
quando recebeu o título de "Cidadão Honorário de Porto Alegre")
(Foto: Liane Neves)
39.
40.
41. Viagem / Viaggio
O sono é uma viagem noturna:
o corpo – horizontal – no escuro
e no silêncio do trem, avança,
imperceptivelmente avança... Apenas
o relógio picota a passagem do tempo.
Sonha a alma deitada no seu ataúde:
lá longe
lá fora
no fundo do túnel,
há uma estação de chegada
(anunciam-na os galos agora)
há uma estação de chegada com a sua tabuleta ainda
toda orvalhada...
Há uma estação chamada...
AURORA!
42. Alma errada / Anima Sbagliata
Há coisas que a minha alma, já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há… e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até
que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…
43. A árvore dos poemas / L’albero delle poesie
Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos,
Os galhos desnudos, ressecos, sem o perdão de Deus!
E, depois, meu Deus, essa lenta procissão de almas retirantes…
De vez em quando uma tomba, exausta à beira do caminho,
Porque ninguém lhe chega ao lábio o frescor de cântaro,
a doçura de fruto que poderia haver num poema.
Maldita a geração sem poetas que deixa as almas seguirem
seguirem como animais em estupida migração!
Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Qual será o destino das almas?
44. Louca / Pazza
Súbito
Em meio àquele escuro quarteirão fabril
Das minhas mãos se escapou um pássaro maravilhoso
E eu te amei como quem solta um grito,
Ó Lua enorme
Incompreensível…
Por que sempre me espantas e me assustas, Louca,
Como se eu te visse sempre pela primeira vez?!
45. A Voz Subterrânea / La voce sotterranea
Às vezes ouvia-se um canto surdo,
que parecia vir debaixo da terra.
Até que os homens da superfície,
para desvendar o mistério,
puseram-se a fazer escavações.
Sim! eram os homens das minas
que um desabamento ali havia aprisionado.
E ninguém suspeitava da sua existência,
porque já haviam passado três ou quatro gerações!
Mas a luz forte das lanternas não os ofuscou:
eles estavam cegos
– todos, homens, mulheres, crianças.
Eles estavam cegos… e cantavam!
46. INCORRIGÍVEL
O fantasma é um exibicionista póstumo.
INCORREGGIBILE
Il fantasma è un esibizionista postumo.
CARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.
MANIFESTO PER UNA FIERA DEL LIBRO
I veri analfabeti sono coloro che hanno imparato a leggere e non leggono.
A DIFERENÇA
O que eles chamam de nossos defeitos é o que nós temos de
diferente deles. Cultivemo-los, pois, com o maior carinho - esses nossos
defeitos.
LA DIFFERENZA
Quel che loro chiamano i nostri difetti è quello che noi abbiamo di diverso da
loro. Coltiviamoli, allora, col maggior affetto – questi nostri difetti.
47. Espantos / Sorprese
Neste mundo de tantos espantos,
cheio das mágicas de Deus,
o que existe de mais sobrenatural
São os ateus…
48. Momento
O homem parou, cheio de dedos, para procurar os fósforos nos bolsos. A
insidiosa frescura do mar lhe mandou um pensamento suicida. E veio um
riso límpido, e irresistível – em i, em a, em o – do fundo de um pátio da
infância. Um riso... Senão quando o homem achou os fósforos e a vida
recomeçou. Apressada, implacável, urgente. A vida é cheia de pacotes...
49. EVOLUÇÃO / EVOLUZIONE
O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha
sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser o
nosso futuro.
O IMORTAL AMOR / L’AMORE IMMORTALE
Dante exagerou: Paolo e Francesca não poderiam sofrer tanto assim,
pois mesmo no Inferno continuavam juntos. Ou quem sabe se não
seria exatamente este o castigo? Eternamente juntos!
50. Fosse o mundo um paraíso...
- paraíso de verdade! -
morrerias sem saber
o que é felicidade...
51. O pintor Waldeny Elias atende à campainha de seu ateliê na Rua General Vitorino
e lá está Mario Quintana.
Viera agradecer pelo presente, “uma pintura de bolso”, de 6cm x 4cm. Levava-a,
contou com um sorriso português, “na algibeira do fato domingueiro”. Retribuiu
presenteando o velho amigo, a quem chamava de Pinta-Mundos, com o recém-
lançado livro Do Caderno H.
Na dedicatória, justificou por que não havia aceito um quadro grande que o pintor
lhe oferecera.
- Elias, me desculpe e acredite. Eu não tenho paredes. Só tenho horizontes.
52. Confessional - A Vaca e o Hipogrifo
...Eu fui um menino por tráz de uma vidraça - um menino de aquário.
Via o mundo passar como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas,
as mesmas personagens.
Tudo tão chato que o desenrolar da rua acabava me parecendo apenas em preto-e-branco, como
nos filmes daquele tempo.
O colorido todo se refugiava, então, nas ilustrações dos meus livros de histórias, com seus reis
hieráticos e belos como os das cartas de jogar.
E suas filhas nas torres altas — inacessíveis princesas.
Com seus cavalos — uns verdadeiros príncipes na elegância e na riqueza dos jaezes.
Seus bravos pajens (eu queria ser um deles...)
Porém, sobrevivi...
E aqui, do lado de fora, neste mundo em que vivo, como tudo é diferente! Tudo, ó menino do
aquário, é muito diferente do teu sonho...
(Só os cavalos conservam a natural nobreza).
53.
54. A Poesia é necessária. A Vaca e o Hipogrifo
Título de uma antiga seção do velho Braga na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda
do que ele. Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus. É
preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da
arte poética é sempre um esforço de auto-superação e, assim, o refinamento do estilo
acaba trazendo a melhoria da alma.
E, mesmo para os simples leitores de poemas, que são todos eles uns poetas inéditos, a
poesia é a única novidade possível. Pois tudo já está nas enciclopédias, que só repetem
estupidamente, como robôs, o que lhes foi incutido. Ou embutido.
Ah, mas um poema, um poema é outra coisa…
55. Viração
Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma vontade de rasgar
velhas cartas, velhos poemas, velhas contas recebidas. Vontade de mudar
de camisa, por fora e por dentro… Vontade . . . para que esse pudor de
certas palavras?… vontade de amar, simplesmente.
56. O Poema
Um poema como um gole dágua bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre
[ na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
[ condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
57. XII Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas !
58. Eu Queria Trazer-te uns Versos Muito Lindos
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim…
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que teria que fechar teus olhos para as ouvir…
Sim ! uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel.
Trago-te palavras, apenas… e que estão escritas
do lado de fora do papel… Não sei, eu nunca soube
o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia…
como
uma pobre lanterna que incendiou!
59. Bilhete com Endereço
Mas onde já se ouviu falar
Num amor à distância,
Num tele-amor?!
Num amor de longe…
Eu sonho é um amor pertinho
Um amor juntinho…
E, depois,
Esse calor humano é uma coisa
Que todos – até os executivos – têm.
É algo que acaba se perdendo no ar,
No vento
No frio que agora faz…
Escuta!
O que eu quero,
O que eu amo,
O que desejo em ti
È teu calor animal!…
60. Elegia
Há coisas que a gente não sabe nunca o que fazer com elas…
Uma velhinha sozinha numa gare.
Um sapato preto perdido do seu par: símbolo
Da mais absoluta viuvez.
As recordações das solteironas.
Essas gravatas
De um mau gosto tocante
Que nos dão as velhas tias.
As velhas tias.
Um novo parente que se descobre.
A palavra “quincúncio”.
Esses pensamentos que nos chegam de súbito nas ocasiões
[ mais impróprias.
Um cachorro anônimo que resolve ir seguindo a gente
[ pela madrugada na cidade deserta.
Este poema, este pobre poema
Sem fim…
61. Viver
Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar...
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!
62. Quem Ama Inventa
Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressureições...
Um ritmo divino? Oh! simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! Meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!
63.
64. O Estranho Caso
de Mister WONG
Além do controlado Dr. Jekyll e do desrecalcado Mister Hyde, há também um chinês
dentro de nós: Mister Wong. Nem bom, nem mau: gratuito. Entremos, por exemplo,
neste teatro. Tomemos este camarote. Pois bem, enquanto o Dr. Jekyll, muito
compenetrado, é todo ouvidos, e Mister Hyde arrisca um olho e a alma no decote da
senhora vizinha, o nosso Mister Wong, descansadamente, põe-se a contar carecas na
platéia… Outros exemplos? Procure-os o senhor em si mesmo, agora mesmo. Não
perca tempo. Cultive o seu Mister Wong!
65. XIX Dos Milagres
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
66. A Grande Surpresa Caderno H
Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...
67. Invitation au Voyage
Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
– vós que viajais inertes
como defuntos num caixão –
Se cada um de vós abrisse um livro de poemas…
Faria uma verdadeira viagem…
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo!
– inclusive o amor e outras novidades.
68. Cocktail Party
Para Elena Quintana
Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza criminosa dos que, em vez de se matarem,
[ fazem poemas:
Estou triste porque vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúscolo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as
[ poças d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
69. Amizade
Quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Amor
Quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Imagem
Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?
Que Será de Mim?
Com essa leitura dinâmica, decerto nem chegarão a me enxergar... Que sobrará de mim – eu que
só escrevo para os que gostam de ler nas entrelinhas? Que escrevo, como bem sabem os meus
fregueses, apenas para os gulosos, e jamais para os glutões.
74. O Mapa
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
75. O Que o Vento Não Levou
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
76. Con una frase Quintana riesce a riassumere il male di vivere dell’uomo contemporaneo:
tutta la tristezza dei fiumi sta nel non potersi fermare.
La poesia di Quintana è invece fatta di immagini in volo e pensieri illuminanti, che
spingono a fermarsi per riflettere, per contemplare i microcosmi della natura, per prendere
il tempo di ascoltare e rivolgersi all’Altro: Volevo portarti dei versi molto belli… Ti porto
invece queste mani vuote che stan prendendo la forma del tuo seno.
Claudio Pozzani
85. Nada Sobrou
As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas
aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas… Nada lhes
ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta apenas ser vivida:
também precisa ser sonhada.
86. Este Quarto / Questa stanza
Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...
que me importa esse quarto, em que
desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.
Pois o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...