Este documento é uma edição da revista Síndromes que discute o transtorno bipolar. O artigo principal aborda os sintomas da fase maníaca do transtorno bipolar, incluindo irritabilidade, instabilidade de humor, agressividade e pensamentos fantasiosos. A entrevista entrevista um médico sobre o transtorno bipolar e depressão. Outros artigos discutem o desenvolvimento da noção de tempo, reabilitação em escolas especiais e inclusão escolar.
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
Sindromes bipolar nº 08
1. N
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índromes
síndromes
Mó Au diç
revistA multidisciplinAr dO desenvOlvimentO humAnO
Julho • Agosto de 2012 • Ano 2 • Nº 4 • R$ 25,00
du ti ã
lo sm o
1 a 3 de novembro de 2012 IV o
Centro de Eventos Plaza São Rafael
Porto Alegre/RS
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Transtorno bipolar
do humor Francisco B. Assumpção Jr.
Eixos temáticos: Evelyn Kuczynski
● Álcool e drogas na adolescência ● Transtorno de conduta
● Bullying ● Transtornos alimentares na adolescência
● Enurese ● Transtornos de ansiedade
síndromes - Ano 2 - Número 4 - Julho/Agosto de 2012
● Problemas de aprendizagem ● Transtornos de humor
● Resiliência ● Treinamento de pais
● TDAH ● Violência doméstica
Palestrantes confirmados:
ALMIR DEL PRETTE/SP ● ADRIANA BINSFELD/RS ● ADRIANA MELCHIADES/DF ● ADRIANA SELENE ZANONATO/RS
ALINE HENRIQUES REIS/PR ● ANGELA ALFANO CAMPOS/RJ ● ANERON CANALS/RS ● BENOMY SILBERFARB/RS
CHRISTIAN HAAG KRISTENSEN/RS ● CARMEM BEATRIZ NEUFELD/RS ● CAROLINA SARAIVA DE MACEDO LISBOA/RS
ISSN 2237-8677
DANIELA SCHNEIDER BAKOS/RS ● DANIELA BRAGA/RS ● EDUARDO BUNGE/ARG ● FABIANA GAUY/GO
FERNANDO GARCIA/ARG ● ILEANA CAPUTTO/URU ● INÊS CAPUTTO/URU ● ISABELA DIAS FONTENELLE/RJ
LISEANE CARRARO LYSZKOWSKI/RS ● LUCIANA NAGALLI GROPO/PE ● LUCIANA TISSER/RS ● LUIZ PRADO/RS
MARIA AUGUSTA MANSUR/RS ● MARINA GUSMÃO CAMINHA/RS ● MAYCON TEODORO/MG ● NEIVA TEIN/RS
NEWRA ROTTA/RS ● RENATA BRASIL/RS ● RENATO CAMINHA/RS ● TÂNIA RUDNICK/RS ● VALQUIRIA TRICOLI/SP
VINICIUS GUIMARÃES DORNELLES/RS ● ZILDA APARECIDA PEREIRA DEL PRETTE/RS
transtorno Bipolar A importância da
Cursos: e depressão família para que
T.R.I – TERAPIA DE RECICLAGEM INFANTIL Dr. Miguel Angelo Boarati tem transtorno
Marina Caminha e Renato Caminha - RS Leandra Migotto Certeza bipolar
AVALIAÇÃO E PROMOÇÃO DE HABILIDADES SOCIAIS NO PROCESSO TERAPÊUTICO Por Sonia Maria Bandeira
Zilda Del Prette e Almir Del Prette - SP sobre a noção
UMA INTERVENÇÃO PREVENTIVA EM TCC COM ADOLESCENTES
Carmem Beatriz Neufeld - SP
de tempo O sonho
Melanie Mendoza Por Maria de Fátima de Oliveira
TRATAMENTO DA DESMOTIVAÇÃO DO ADOLESCENTE USUÁRIO DE DROGAS
Renata Brasil - RS
TERAPIA DE LOS TRASTORNOS DE ANSIEDAD EN LA NIÑEZ Y ADOLESCÊNCIA escola especial:
Fernando Garcia - ARG conceitos e
PADRES DISFUNCIONALES: EL MANEJO Y LA INCLUSION EM LA TERAPIA DE LOS PADRES reflexões
COM TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDAD
dra. Alessandra Freitas Russo
Ileana Caputto - URU
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2.
3. síndromes
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revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
2
diretoria
Ismael Robles Junior EDITORIAL
ismael@revistasindromes.com Dr. Francisco Assumpção Junior
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Antonio Carlos Mello ARTIgO DO mês
mello@atlanticaeditora.com.br Transtorno bipolar do humor
coordenador editorial Francisco B. Assumpção Jr.
Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Evelyn Kuczynski
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colaboraram EnTREvIsTA
com essa edição
Alessandra Freitas Russo Transtorno Bipolar e Depressão
Carolina Rabello Padovani Dr. Miguel Angelo Boarati
Cristina de Freitas Cirenza Leandra Migotto Certeza
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15
Julianna Di Matteo DEsEnvOLvImEnTO
Dr. Francisco Assumpção Junior
Leandra Migotto Certeza Sobre a noção de tempo
Maria Sigride Thomé de Souza Melanie Mendoza
21
Simaia Sampaio
Simone Nascimento Fagundes REAbILITAçãO
Zein Mohamed Sammour Escola especial: conceitos e reflexões
Dra. Alessandra Freitas Russo
Administração e vendas
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Antônio Octaviano Inclusão escolar
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Marketing e Publicidade
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Rainner Penteado O programa de inclusão de pessoas com
rainner@atlanticaeditora.com.br deficiência nas empresas – o fortalecimento no
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Guillermina Arias
guillermina@atlanticaeditora.com.br A importância da família para que tem transtor-
Direção de arte no bipolar
Cristiana Ribas Por Sonia Maria Bandeira
cristiana@atlanticaeditora.com.br Leandra Migotto Certeza
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Atlântica Editora
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206/1910 O programa de inclusão de pessoas com
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deficiência nas empresas – o fortalecimento no
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Até Quando?
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Envio de artigos para: O sonho
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4. EDITORIAL
Dr. Francisco assumpção Junior
Com este, chegamos ao oitavo núme- mente pela atualidade, sensacionalismo
ro desta publicação, editada de maneira e eventual utilidade do tema fornecendo
ininterrupta durante todo esse período o assim informações, muitas vezes pouco
que, convenhamos, não é tarefa fácil em sérias ou sem embasamento teórico
um país que prima pelas dificuldades edi- suficiente.
toriais, principalmente no que se refere Esse talvez tenha que ser um cuidado
a um mercado tão técnico e específico. quando se lê ou cita determinadas fontes
Trazemos aqui a mesma estrutura posto que, essas nem sempre têm o
das edições anteriores, com o artigo de cuidado necessário para determinadas
base referindo-se ao Transtorno Bipolar, afirmações que, quando feitas de ma-
quadro que, neste momento, encontra-se neira impensada, tornam-se de domínio
no auge do interesse através de divulga- público causando danos à população
ção na mídia leiga. Aliás, a questão da interessada.
divulgação na mídia não especializada Nosso princípio tem sido esse.
talvez seja um tema que deva ser consi- Nossas informações não são, na
derado uma vez que cabe diferenciarmos grande maioria das vezes, novas ou
artigos de divulgação, apresentados inovadoras porém tem embasamento
em revistas específicas como esta, por suficiente para terem credibilidade.
exemplo, e artigos divulgados através da Exatamente por isso é que os artigos
imprensa leiga. têm sido, cada vez mais, selecionados
Isso porque os primeiros, embora e controlados para que as informações
destinados a um público leigo e sem um apresentadas tenham um caráter de
caráter científico que prevê uma meto- aceitação institucional.
dologia e apresentação características, Esse é o objetivo que perseguimos e
têm, como preocupação, a seriedade que, acreditamos, estejamos alcançando.
nas informações, representadas através Esperamos que a leitura deste nú-
de técnicos responsáveis pelos textos e mero seja agradável para todos e que as
pela seleção dos assuntos. informações aqui apresentadas sejam
As publicações gerais, ao contrário, úteis aos interessados na área.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
habitualmente interessam-se principal- Boa leitura
Francisco b. Assumpção Jr.
2
5. A RT I g O D O M ê S
Transtorno bipolar do humor
Francisco B. assumpção Jr.
EvElyn KuczynsKi
Os transtornos do humor (depressão Tais pacientes apresentam irritabilidade
e transtorno bipolar, entre outras entida- prevalente e instabilidade do humor (o
des menos veiculadas) são condições que pode se manifestar por episódios
psiquiátricas que se apresentam (via de de choro imotivado). A agressividade
regra) na forma de recorrentes períodos auto- (contra si mesmo) ou heterodiri-
(as chamadas “fases”) de polarização gida (voltada para outrem) também se
do humor, acompanhados de outros sin- mostra muito presente. Inquietas, falam
tomas (secundários a esta polarização). muito mais rápido do que o normal, com
Refutado até muito recentemente entre grande aumento da distratibilidade, e
crianças e adolescentes (em função de muitas vezes há o relato de uma reduzida
teorias então vigentes), ainda hoje seu necessidade de dormir. Pensamentos
diagnóstico é um desafio, dado que mui- fantasiosos e de grandeza podem se
tas atitudes e comportamentos criam manifestar na forma de acidentes (muitos
dificuldades no diagnóstico diferencial, se veem como super-heróis, ou creem ter
gerando muita discussão sobre o tema. poderes especiais).
Um indivíduo pode apresentar apenas Os egípcios e sumerianos, por volta
episódios depressivos ao longo do curso de 2.600 A. C., já buscavam estabelecer
de sua doença (o denominado “transtorno um diferencial entre a melancolia (hoje
depressivo recorrente”), mas a presença denominada “depressão”) e a histeria.
em seu histórico de um único episódio de Já Hipócrates (460-377 A. C.) apresen-
“mania” (mesmo na ausência de episó- tou uma classificação para transtornos
dios depressivos) caracteriza o diagnós- mentais que incluía a melancolia e a SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
tico de “transtorno bipolar” (ou “episódio mania. A mania seria um transtorno
maníaco”, se o quadro não se apresentou mental agudo (na ausência de febre). A
ainda com recorrências). Uma vez que as melancolia correspondia a vários tipos de
manifestações de uma fase depressiva transtornos mentais que se assemelha-
foram extensamente detalhadas em ar- vam pela cronicidade. De acordo com as
tigo prévio (Kuczynski E & Assumpção Jr teorias vigentes na época, relacionou tais
FB., 2012), buscaremos nos concentrar quadros ao temperamento, associando
nos aspectos relacionados a “mania” (em os coléricos à hostilidade, os sanguíneos
todas as suas particularidades). à alegria, os melancólicos à depressão,
A chamada “fase maníaca” é um e os fleumáticos à apatia e indiferença.
quadro grave e que resulta numa que- Mas entre crianças estes quadros não
da acentuada do desempenho escolar. foram descritos até 1621, quando Robert 3
6. Burton descreve crianças melancólicas bios de conduta, transtorno do déficit de
(portadoras de tristeza, desesperança, atenção-hiperatividade (TDAH), distúrbios
ausência de prazer...), associando tal de conduta, transtorno do déficit de
quadro a pais de má índole, madrastas, atenção-hiperatividade ou esquizofrenia
tutores, professores muito rigorosos e apresentavam os critérios de diagnóstico
severos, ou omissos e indulgentes, numa do DSM-III para mania. No início dos anos
tentativa de explicação psicogenética. 90, passa a se utilizar escalas de avalia-
Em 1845, Esquirol descreve algumas ção para transtorno bipolar em crianças
crianças com quadro maniforme, mas e adolescentes, visando maior acurácia
Kraepelin (famoso por haver identificado diagnóstica.
e descrito as diferenças entre a psico- O transtorno maníaco na criança é
se maníaco-depressiva e a demência um quadro grave, que afeta seu rela-
precoce, posteriormente batizada de cionamento familiar e sua performance
“esquizofrenia”, com base em sua evo- escolar. Seu diagnóstico obrigatoriamen-
lução natural) considerava muita rara a te exclui o de esquizofrenia, transtorno
mania em idades precoces, observando esquizofreniforme, transtorno delirante ou
ainda que cerca de 0,5% dos pacientes transtorno psicótico sem outra especifi-
adultos haviam tido um primeiro episódio cação, assim como não pode ser firmado
na infância. Bleuler também descreve durante o uso associado de drogas psico-
observações infantis. ativas. Esses episódios maníacos podem
Com a progressiva mudança concei- ser classificados em leves, moderados ou
tual e de critérios de diagnóstico, surge graves, devendo-se especificar presença
uma visão menos restritiva, com a ob- ou ausência de sintomas psicóticos.
servação de que muitos adolescentes e Já a hipomania se caracteriza pela
adultos jovens (até então diagnosticados presença de uma elevação discreta
como esquizofrênicos) eram portadores (mas persistente) do humor, da energia
de transtornos afetivos. Entretanto, a e da atividade, associada (em geral) a
dificuldade diagnóstica constituía-se em um sentimento intenso de bem-estar e
fator de importância, em função das di- de eficácia física e psíquica. Aumenta o
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
ficuldades observadas (principalmente) nível de sociabilidade, a produção verbal,
na avaliação das crianças mais jovens. a desinibição social e a libido, muitas
Desta forma, Weinberg (baseado vezes associada a mesma redução da
nos critérios de Feighner) elabora uma necessidade de sono. Não são sintomas,
adaptação do diagnóstico para crianças contudo, graves a ponto de deteriorar o
e adolescentes, dada a necessidade de desempenho profissional ou desencadear
se criar critérios e escalas adequadas, rejeição por parte do grupo social (fato
voltadas ao diagnóstico dos transtornos que dificulta o engajamento do paciente
bipolares nesta faixa etária, adaptadas em tratamento, já que ele se considera
aos diferentes níveis de amadurecimen- “muito bem, não há nada de errado co-
to. A partir deste modelo, vários autores migo”). A euforia e a sociabilidade são
observaram que 50% das crianças diag- por vezes substituídas por irritabilidade
4 nosticadas como portadoras de distúr- constante, atitude altiva e pretensiosa
7. ou comportamento rude. As perturbações as manias unipolares (nunca episódios
de humor e de comportamento não se en- depressivos, só fases de mania). Tal clas-
contram acompanhadas de alucinações, sificação tem sua importância em função
ou de ideias delirantes. da caracterização do risco associado de
Desta forma, podemos ainda encon- um episódio depressivo ou hipomaníaco
trar: ser apenas o prenúncio de uma fase
• transtorno bipolar, episódio misto, maníaca franca, por vezes psicótica, com
numa mistura de sintomas de mania todos os danos e riscos associados a
e depressão, constatando-se presença este tipo de quadro.
de depressão ao menos por um dia, Alguns fatores importantes encon-
alternado rapidamente com mania; tram-se associados ao transtorno bipolar.
• transtorno bipolar, tipo depressivo, São eles: predomínio no sexo masculino;
onde o episódio atual é de natureza em meninos de 10 anos ou mais; história
depressiva (havendo relato de um ou familiar de transtorno bipolar; alto grau
mais episódios anteriores de mania); de insatisfação conjugal entre os pais;
• ciclotimia, onde observamos inúmeros episódios estressantes (que podem ser
episódios de hipomania que ocorrem os fatores desencadeantes do episódio
em períodos de, ao menos, um ano, maníaco, embora muitas vezes não se
podendo se encontrar associados vá- consiga estabelecer uma relação direta
rios episódios de humor deprimido ou entre os eventos).
perda de interesse ou prazer, que não Em crianças e adolescentes, seu
reúnem todos os critérios de diagnósti- diagnóstico é difícil, com inúmeras razões
co para um episódio depressivo franco para que esses pacientes sejam mal diag-
ao longo do mesmo período de tempo; nosticados, como por exemplo:
• transtorno bipolar sem outra especi- • episódios de depressão e/ou hipo-
ficação (ou SOE), com características mania leves sendo confundidos com
maníacas ou hipomaníacas, que não transtornos de ajustamento (quadro
satisfazem os critérios para qualquer comportamental associado a adapta-
outro transtorno bipolar específico. ção a situações psicossociais críticas,
como doenças, internações, separa- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Outra classificação (não oficial) uti- ção conjugal, mudança de local de
liza os conceitos de bipolar I e II (sendo moradia ou estilo de vida, etc.);
a última caracterizada por apenas hipo- • episódios precoces de transtornos
mania e depressão), e o termo bipolar de humor sendo confundidos com an-
III, que é utilizado para descrever aquilo siedade de separação, fobia escolar,
que o DSM-III chamava de ciclotimia, ou anorexia ou transtornos de conduta,
bipolar IV (quando mania ou hipomania incluindo o TDAH;
são precipitadas por medicações antide- • episódios graves confundidos com
pressivas). Bipolar V descreveria aqueles esquizofrenia (em função de sin-
indivíduos que tem somente um único epi- tomatologia), na forma de fuga de
sódio depressivo (com história familiar de ideias, pensamento incoerente, bem
transtorno bipolar), e bipolar VI identifica como ideias de conteúdo paranóide, 5
8. irritabilidade, alucinações e delírios radouro, e o seguimento dessas crianças
(secundários ao humor). não revela uma evolução na direção do
transtorno bipolar, pelo menos não na
Apesar dos achados variarem para forma clássica ou bipolar não complicada,
os diversos estudiosos do tema, algu- o que muitas vezes leva a mais confusão
mas características tem sido sistema- no processo diagnóstico.
ticamente apresentadas como distintas Nunca é demais lembrar que (da
na fenomenologia e curso do transtorno mesma maneira que com relação à sinto-
bipolar pediátrico: matologia depressiva) algumas condições
(1) humor expansivo ou elevado; clínicas (como o hipertireoidismo, por
(2) irritabilidade proeminente; exemplo) e o uso de algumas medicações
(3) episódios prolongados caracterizados (entre elas os antidepressivos, os estimu-
por períodos de sintomatologia sutil; lantes e os esteroides) pode desencadear
(4) sintomas depressivos entremeados sintomas assemelhados ao quadro ma-
por sintomas maníacos (ou hipoma- níaco em indivíduos suscetíveis, quadros
níacos); estes muitas vezes indistinguíveis de
(5) alta prevalência das chamadas “co- uma fase maníaca (ou hipomaníaca) de
morbidades”, especialmente TDAH, origem endógena. Apenas uma anamnese
outros transtornos de conduta e trans- apurada (associada ao exame clínico e
tornos ansiosos; psíquico detalhado) pode prevenir tais
(6) elevadas taxas de transtornos por uso incorreções diagnósticas.
de substâncias psicoativas (entre os Em crianças (pré-púberes), a clássica
adolescentes mais velhos); mania-depressão é rara, apesar de ainda
(7) grande prevalência de sintomas psi- não ser claro quão rara é. Por outro lado,
cóticos e tentativas de suicídio (com sintomas maníacos e graves instabilida-
prejuízo funcional significativo). des das emoções são bem mais comuns
e tem causado grande preocupação. Este
Devido à semelhança entre os sinto- grupo específico é heterogêneo, com
mas da hipomania e do TDAH (como as sintomatologia maníaca surgindo após
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queixas parentais de um falar excessivo o início de outras condições clínicas,
e de ansiedade), esses pacientes podem neurológicas e psiquiátricas, ou que
apresentar também um embotamento reagem com sintomas maníacos ao uso
cognitivo, um prejuízo da concentração, de drogas (ilícitas ou prescritas), além
agitação, logorréia, impulsividade e das que apresentam atraso ou prejuízo
anedonia (perda do prazer associado no desenvolvimento da regulação das
a atividades previamente prazerosas), emoções.
além da dificuldade das crianças com Em crianças, poucos são os estudos
TDAH de obter satisfação contínua em prospectivos de transtorno bipolar, embo-
atividades que mantêm o interesse das ra se acredite que possam se apresentar
crianças normais. Há que se destacar que como transtornos comportamentais crô-
a criança com TDAH tem humor irritável. nicos (com hostilidade, agressividade e
6 No entanto, este último é um quadro du- distratibilidade). Os estudos já realizados
9. sugerem que os transtornos afetivos 100.000 em 2003. Levantamento realiza-
tendem a ser familiares. A biologia mo- do pelo National Institute for Mental Heal-
lecular tem sido usada para determinar th identificou uma duplicação do número
se as formas mais graves de transtornos de crianças e adolescentes atendidos por
afetivos bipolares estão ligadas (ou não) transtorno bipolar em diversos países,
a marcadores genéticos, tais como a sendo que este aumento chega a 40 ve-
ligação dos transtornos afetivos com o zes (em algumas localidades dos EUA)!
cromossomo 11. Sabe-se, no entanto, É possível se tratar de um exagero este
que o aparecimento precoce da depres- boom diagnóstico da última década, o que
são está associado com o aumento da sugere um despreparo dos psiquiatras em
carga genética familiar. campo, que não se mostram capacitados
De modo geral, os transtornos afe- a identificar corretamente sintomas e
tivos são caracterizados por um déficit sinais do transtorno bipolar nesta faixa
(no caso da depressão) ou excesso (no etária, o que pode estar levando a que
caso da mania) de um ou mais neuro- se atribua este rótulo a todo e qualquer
transmissores ou por seu desequilíbrio. caso de difícil caracterização diagnóstica
Duas hipóteses foram formuladas em ou que se mostre refratário às opções
relação à fisiopatologia dos transtornos terapêuticas.
afetivos. A primeira é centrada nas cate- Estudos retrospectivos e longitudi-
colaminas (como a noradrenalina), e a nais de evolução natural relatam que 40
outra, na indolamina 5-hidroxitriptamina a 100% das crianças e adolescentes com
(ou serotonina). A hipótese da cateco- transtorno bipolar se recuperam em um
lamina propôs que alguns quadros de período de um a dois anos, mas 60 a 70%
depressão são associados à deficiência apresentarão recorrência do quadro (em
de catecolaminas em importantes sítios média 10 a 12 meses após).
do cérebro, e que a mania é causada por Por definição, os transtornos de
um excesso de catecolaminas. Acredita- humor são um complexo clínico mul-
-se que o déficit de serotonina poderia tifatorial. Assim sua terapêutica deve
explicar melhor tais quadros, mas um ser orientada. No caso do transtorno
simples déficit da serotonina não poderia, bipolar, esse tratamento tem sido SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
por si só, ocorrer por conta de todos os menos abordado, com a maioria das
resultados encontrados. Por outro lado, indicações terapêuticas extrapoladas
poucos estudos biológicos das medidas das obtidas junto a população adulta.
de serotonina podem ser interpretados Desta maneira, as abordagens psi-
como consistentes, como o aumento ou cofarmacológicas são privilegiadas
diminuição da atividade desse sistema. (apesar de frequentemente instituídas
Até 1994, não eram muitos os a partir dos resultados de estudos
médicos que consideravam a entidade abertos e relatos de caso). Exceção
bipolar em crianças. De uma incidência seja feita à eficácia e segurança do
de 25 diagnósticos precoces para cada uso de lítio em adolescentes, assim
100.000 crianças, os dados saltaram como do uso de divalproato extended
para 1.003 diagnósticos para cada release (a formulação de liberação 7
10. prolongada). Ainda há poucos dados (ainda que não haja informação suficiente
quanto à eficácia e segurança de ou- neste sentido).
tros agentes antiepiléticos utilizados “(...) Deus não é compatível com as
como estabilizador do humor para máquinas, a medicina científica e a feli-
o tratamento da mania bipolar em cidade universal. Deve-se optar. Nossa
jovens. civilização escolheu a máquina, a medi-
Estudos em populações infantis não cina e a felicidade. Eis porque é preciso
obedecem aos mesmos modelos da- guardar esses livros trancados no cofre.
queles do adulto, justificando a cautela Eles são indecentes (Huxley, 1972).”
em seu uso, monitoração laboratorial e Diante do exposto, é evidente que
o ajuste da dose baseado na resposta ainda há um longo caminho a ser trilha-
clínica, com a remissão dos sintomas do na pesquisa e desenvolvimento de
maníacos e psicóticos. Ainda se fazem esquemas terapêuticos apropriados para
necessários estudos prospectivos e os transtornos do humor cujos sintomas
controlados avaliando a segurança (de se iniciam na infância, visto que a mera
longo prazo) e a eficácia das medicações utilização de esquemas consagrados
psicotrópicas, assim como o tratamento como eficazes entre pacientes adultos
das condições comórbidas na infância e não surtem o efeito esperado em crianças
na adolescência. e adolescentes. Acredita-se que isto ocor-
De acordo com as diretrizes de con- ra por particularidades de uma condição
senso da Child and Adolescent Bipolar clínica deflagrada tão precocemente no
Foundation (CABF), a monoterapia com curso da vida, ou por particularidades dos
estabilizadores do humor tradicionais ou mecanismos de metabolização e ação
antipsicóticos atípicos deve ser a primeira terapêutica em organismos ainda em
escolha no tratamento de transtorno bipo- desenvolvimento, hipóteses que devem
lar tipo I (maníaco ou misto) na ausência ser mais esmiuçadas. Questões éticas,
de psicose associada. A associação de metodológicas e epidemiológicas tornam
um segundo estabilizador do humor ou esta busca ainda mais complexa, com
antipsicótico atípico deve suceder uma repercussões sobre as possibilidades de
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
resposta parcial à monoterapia, assim oferecer aos nossos jovens uma melhor
como para casos com presença de sinto- resolução e evolução. Cabe, portanto,
mas psicóticos. O CABF não estabeleceu dedicar a maior atenção e empenho ao
nenhum algoritmo de tratamento para a estudo deste tema para não lhes negar
depressão bipolar, uma vez que não há um desenvolvimento satisfatório, face às
dados suficientes para embasar tal con- consequências que a depressão ou trans-
senso na faixa etária pediátrica. As dire- torno bipolar mal conduzidos na infância
trizes da CABF e da American Academy of podem acarretar.
Child and Adolescent Psychiatry (AACAP) Em suma, os transtornos do humor
preconizam a terapêutica de manutenção na infância e adolescência não são raros,
com a persistência das drogas e doses mas extremamente importantes, não so-
utilizadas quando da estabilização do mente pela orientação terapêutica, como
8 quadro por um período de 12 a 24 meses também pelo diagnóstico diferencial e
11. consequente prognóstico. A abordagem pertinente). Para a prevenção de riscos
psicofarmacológica é de fundamental de suicídio, é preciso avaliar a real se-
importância, ainda que coadjuvada por gurança de sua permanência em casa
outras formas de abordagem (psicoterá- nestas situações.
picas, familiares e sociais), visando-se a
melhor solução para o problema. Referências bibliográficas:
O manejo da criança deve ser o mais
precoce possível, com avaliação e defini- 1. HUXLEY, A. Admirável mundo novo. São
ção do tipo de tratamento. Deve-se fazer Paulo: Edibolso, 1972.
a avaliação da sintomatologia depressiva 2. KUCZYNSKI, E.; ASSUMPÇÃO JR, F.B.
e as possíveis associações: diagnóstico, Depressão Infantil. Síndromes, p.9-11,
jan/fev 2012.
falhas na educação, prejuízo no funciona-
mento/psicossocial, transtornos psiqui-
átricos, histórico de maus tratos. Se a bibliografia recomendada:
depressão for leve, realizam-se encontros
3. FU-I, BOARATI, MAIA e colaboradores
regulares, com discussões envolvendo a
(2012). Transtornos afetivos na infância e
criança/adolescente e seus pais, dando
adolescência: diagnóstico e tratamento.
suporte para aliviar o estresse e melhorar Porto Alegre: Artmed (376p.)
o humor. Se a depressão for de maior
gravidade, deve-se indicar um tratamen-
to mais direcionado (sob internação, se
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Francisco b. Assumpção Jr., Evelyn Kuczynski, Pediatra.
Psiquiatra da Infância e da Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Livre Docente Adolescência. Doutora pela
em Psiquiatria pela Faculdade FMUSP Pesquisadora volun-
.
de Medicina da Universidade tária do Projeto Distúrbios do
de São Paulo. Mestre e Doutor Desenvolvimento do Depar-
em Psicologia pela Pontifícia tamento de Psicologia Clínica
Universidade Católica de São Paulo. Professor Associa- do IP-USP
do do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo. Membro da
Academia Paulista de Psicologia (cadeira 16).
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12. E n T R E v I S TA
Transtorno Bipolar
e Depressão
Dr. miguEl angElo Boarati*
Jornalista rEsponsávEl: lEanDra migotto cErtEza**
1- Os transtornos de humor ou afetivos, sem outras especificações. A mania é uma
como a o bipolar e a depressão são alte- das fases ou pólos do transtorno bipolar e
rações de energia, ânimo, jeito de pensar, só ocorre nesta doença, não surgindo em
sentir e se comportar. Quando alguém pessoas com depressão. Ela se caracteriza
começa a perceber alguns dos principais por uma felicidade extrema e exagerada
sintomas que devem ser observados para (chamada de euforia); grandiosidade, sen-
procurar especialistas em busca de um sação de poder e bem estar, aumento de
diagnóstico seguro? energia e de pensamentos, menor necessi-
dade de sono (alguns pacientes ficam dias
A principal dica é o indivíduo perce- sem dormir e não se sentem cansados),
ber que está diferente do seu habitual. É hiper-sexualidade, gastos excessivos,
normal um dia acordarmos mais triste ou busca intensa por atividades prazerosas e
mais feliz, sem motivo especial e sem que de risco e diminuição da crítica. Em casos
isso seja uma doença. Já o portador de extremos ocorrem delírios de poder, riqueza
algum transtorno do humor (depressão ou ou grandeza (onde o indivíduo pode acredi-
transtorno bipolar) apresenta uma mudança tar ser alguém dotado de poderes especiais
substancial em suas emoções, pensamen- ou enviado direto de Deus). Um episódio de
tos e ações, sem que consiga modificar mania precisa durar pelo menos uma sema-
esse estado e com importantes prejuízos na ou menos se o paciente ficar psicótico.
em sua vida prática. Em casos mais graves
há risco a integridade emocional e física, 3- O que significa a expressão bipolar? Ex-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
como na tentativa de suicídio. plique porque substitui a expressão usada
antigamente ‘maníaco-depressivo’? Quais
2- Qual a classificação dos transtornos de são os principais preconceitos e estigmas
humor? O que significa mania? Ela pode que as pessoas com esta doença passam?
surgir em pessoas com depressão ou so-
mente com transtorno bipolar? Transtorno bipolar significa que a
doença tem dois pólos distintos, um de
Os transtornos de humor classificam- mania (ou hipomania) e outro depressivo.
-se em transtorno unipolar ou simplesmente Há momentos em que o paciente pode
depressão (que pode ser classificado em estar nas duas fases simultaneamente
leve, moderado ou grave), transtorno bipo- que chamamos de fase mista. O termo
lar (tipo I, tipo II e tipo não especificado), “Psicose maníaco-depressiva” caiu em
10 distimia, ciclotimia e transtorno de humor desuso porque nem sempre o paciente
13. está psicótico e em algumas situações o 5- Quais as principais causas e sintomas
paciente não apresenta mania, apenas hi- da depressão? Existe cura? Ela pode surgir
pomania ou fases mistas. Existem muitos em qualquer idade? Explique os ciclos de
preconceitos e estigmas que pacientes e aparecimento da doença.
familiares enfrentam ainda hoje apesar de
se dispor de maior facilidade de acesso a Assim como o transtorno bipolar, a de-
informações. Algumas pessoas acreditam pressão (ou depressão unipolar) apresenta
que doenças afetivas sejam simples pro- muitos fatores relacionados com sua ocor-
blemas emocionais ou religiosos e outras rência, tanto fatores intrínsecos (genética,
pessoas menos escrupulosas falam em traços de personalidade, vivências traumáti-
problemas de caráter. cas na infância, modelos educacionais, per-
fil cognitivo) como extrínsecos (problemas
4- Quais são as principais causas do trans- conjugais, insatisfação no trabalho, falta de
torno bipolar? Existe cura ou é necessário perspectiva de vida). Também pode ocorrer
realizar tratamentos durante a vida toda? em qualquer idade (da infância a velhice),
Ele pode surgir em qualquer idade? Expli- sendo mais comum também no final da
que os ciclos de aparecimento da doença. adolescência e vida adulta. Quanto maior
vulnerabilidade do individuo e os fatores de
É uma doença em que fatores genéti- risco maior é a chance da ocorrência dessa
cos estão bem estabelecidos, mas não há doença ser mais precoce.
uma causa única. Fatores ambientais, perfil
cognitivo e traços de personalidade também 6- Quais as principais diferenças entre de-
contribuem para sua gênese. É considera- pressão e transtorno bipolar? As mesmas
da uma doença crônica, assim como do características podem surgir em pessoas
diabetes, hipertensão e o reumatismo, diagnosticas com as duas doenças?
mas existe tratamento que em muitos ca-
sos promovem estabilização total onde o A doença depressão não possui a
paciente pode levar uma vida normal, com fase de mania, hipomania ou fase mista,
algumas restrições (como uso de álcool portanto é também chamada de trans-
ou privação de sono). Ela pode surgir em torno unipolar. Normalmente os quadros SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
qualquer idade (desde a fase pré-escolar depressivos no transtorno bipolar são
até a terceira idade), sendo mais comum mais graves e pioram com o uso de anti-
em adultos jovens, apesar de que muitos depressivos.
bipolares que iniciaram com a doença na
fase adulta relatam o início dos sintomas 7- O que é mania? Como identificar quando
inespecíficos de mudanças do humor no uma pessoa está em estado de mania?
final da infância e início da adolescência.
Normalmente os casos de início precoce É a fase ou polo do transtorno bipolar
(na infância e adolescência) o histórico em que o indivíduo apresenta uma mudança
familiar de doenças do humor são mais importante em seu humor basal com euforia
significativas. e uma extrema sensação de bem estar.
Além da euforia é preciso observar outros 11
14. sintomas como irritabilidade, pressão de 10- Como surge o estado misto de sinto-
fala (taquilalia), diminuição da necessidade mas de depressão e mania?
de sono, aumento de energia, aumento dos
pensamentos (quantidade e velocidade), O estado misto é uma das fases do
grandiosidade, arrogância, hiperatividade, transtorno bipolar, em que ao mesmo
distraibilidade, prejuízo da crítica, gastos tempo o indivíduo apresenta sintomas de
excessivos, hipersexualidade e busca por depressão e mania.
atividades prazerosas ou de risco. É ne-
cessária uma semana de sintomas para se 11- O que acontece se as pessoas com
fechar o diagnóstico de mania. depressão e/ou transtorno bipolar não
se tratam?
8- O que é hipomania? Como ela surge em
pessoas com depressão e/ou transtorno Várias são as complicações dentre
bipolar? elas piora progressiva dos sintomas e es-
tado crônico dos mesmos. É comum que
A hipomania lembra o estado de mania, pessoas que não aceitam o tratamento
mas bem mais brando, sem euforia ou sin- comecem a apresentar perdas importantes
tomas psicóticos (de grandeza ou poder). A no padrão de vida e de relacionamento,
hipomania só ocorre em transtorno bipolar. além de perdas cognitivas que podem ser
temporárias ou permanentes a depender
9- Qual a diferença de ter depressão e es- do tempo de evolução da doença e da
tar deprimido ou triste? Como identificar gravidade da mesma.
sinais que indicam o momento de procurar
um médico psiquiatra? 12- Quais os principais tratamentos medi-
camentosos para depressão e transtorno
A tristeza é um sentimento normal e bipolar?
importante. Ficamos tristes quando per-
demos algo ou alguém ou quando alguma Para a depressão unipolar utilizam-se
coisa não dá certo ou quando estamos os antidepressivos. Hoje em dia existem
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
entediados. Mas isso logo se dissipa e diferentes classes dessas medicações
logo conseguimos retomar nossa vida. Na com perfil de resposta clínica e tolerâncias
depressão existe uma tristeza mais acen- distintas. Já o transtorno bipolar exige o
tuada e permanente, que não melhora com uso de medicações chamadas estabiliza-
o apoio da família. Além disso, o individuo doras do humor. A mais importante é o
apresenta alterações físicas com piora no lítio, mas também alguns antiepilépticos
padrão de sono e de alimentação, cansaço e antipsicóticos de segunda geração. Os
e falta de energia, dificuldade de concentra- antidepressivos poderão ser usados na
ção, pensamentos negativos e um intenso fase depressiva da doença, mas com o
sentimento de culpa e de inutilidade. É cuidado, pois há risco de virada maníaca
muito comum o pensamento de morte e (o paciente sair da depressão e ir para a
tentativas de suicídio. mania).
12
15. 13- Qual a importância de realizar um tra- fortes componentes biológicos na gênese
tamento psicológico junto com o uso de de todos os transtornos mentais, inclusive
medicamentos? nos transtornos do humor. Além disso, es-
tressores psicossociais contribuem para o
O tratamento psicoterápico nas dife- desencadeamento, manutenção e piora dos
rentes linhas psicológicas (psicanalítica, episódios da doença de humor.
junguiana, cognitivo-comportamental, com-
portamental) e nas diferentes modalidades 16- Qual a probabilidade de mulheres, ho-
(individual, grupo e familiar) é essencial mens ou crianças terem depressão e/ou
no sentido de trabalhar conflitos, ajudar transtorno bipolar?
o paciente elaborar perdas e desenvolver
recursos emocionais e cognitivos para lidar A depressão é mais prevalente em
com as demandas da vida e da sua doen- mulheres, mas com aumento significativo
ça. Também é essencial a psicoeducação, em homens, girando em torno de 20-30%.
onde o paciente e a familiar aprendem so- A prevalência aumenta com a idade. Já o
bre a doença e como lidar com as diferentes transtorno bipolar é mais raro, girando em
facetas dela. torno de 1 a 2% o tipo I (mania-depressão)
e em torno de 4% o tipo II (hipomania e
14- Quais os perigos de tomar bebidas depressão). Mas quando consideramos o
alcoólicas ou fazer uso drogas ilícitas espectro bipolar (que incluem pessoas que
quando se tem diagnóstico de depressão apresentam alguns sintomas de bipolari-
e/ou transtorno bipolar? dade sem preencherem todos os critérios
diagnósticos) a prevalência sobe para 8 a
Substâncias psicoativas como drogas 10% da população.
ilícitas e o álcool pioram a evolução clínica
da depressão e transtorno bipolar, além de 17- Qual a importância do apoio da família
prejudicarem significativamente a resposta durante o tratamento dessas doenças? E
dos medicamentos. qual a importância das associações de por-
tadores e familiares para a troca de experi-
15- Quando surgiram os principais casos ências entre as pessoas com as doenças? SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
de depressão e transtorno bipolar na
história da medicina? Quais os principais É fundamental o apoio e o engajamen-
avanços nos tratamentos de hoje? to da família, porque muitas vezes outros
membros podem estar doentes sem saber.
Os primeiros relatos bem descritos A família é ponto de apoio, junto com os
estão na antiguidade clássica, na Grécia. amigos, para contribuir para a melhor ade-
Na época acreditava-se que as pessoas são ao tratamento e ajuda nos momentos
fossem regidas por humores que eram em que os sintomas ficam agudos. Grupos
líquidos corporais que modulavam as emo- de autoajuda também contribuem bastante
ções das pessoas. O desequilíbrio dessas no conhecimento e na quebra dos tabus
substâncias produziam as alterações e preconceitos que cercam as doenças
emocionais. Hoje sabemos que existem afetivas. 13
16. 18- Qual a mensagem que o senhor deixa tratadas com melhora significativa dos
para os leitores da Revista Síndromes so- sintomas e controle das crises. Porém,
bre transtorno bipolar e depressão? infelizmente ainda hoje existem poucos
serviços públicos destinados ao tratamento
Os transtornos do humor são altamen- dessas pessoas, além de desinformações
te prevalentes em nossa população e sua e preconceitos que atrapalham a busca de
prevalência vem aumentando assim como ajuda precocemente.
muitas outras doenças que no passado
eram mais raras como a obesidade, hiper-
tensão, diabetes e cânceres. É importante
entender que depressão e transtorno bipo-
lar são doenças que geram um importante
sofrimento e prejuízo ao portador, com
perda da qualidade de vida e de seu fun-
cionamento global. São doenças com alta
carga genética, onde fatores ambientais
promovem o início mais precoce e mais
grave. Também são doenças que são
**Leandra migotto certeza
é bacharel em Comunicação
Social pela Universidade
Anhembi Morumbi, jornalista
desde 1998, e repórter espe-
cial da Revista Síndromes. Foi
editora da Revista Sentidos e
Ciranda da Inclusão, além de
escrever para diversos portais como Setor 3 do SEnAC/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
*miguel Angelo boarat, 41 SP Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física
,
anos é Psiquiatra da Infância e (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da
Adolescência, Coordenador do ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams,
ambulatório do Programa de consultora em inclusão (premiada em Lima e na Co-
Transtornos Afetivos (PRATA) lômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela
do Hospital Dia Infantil (HDI), para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandra-
do Serviço de Psiquiatria migottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos
da Infância e Adolescência (SEPIA), e do Instituto de de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos
Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo. e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão,
Contatos: maboarati@yahoo.com.br e www.psiquiatria- realizados em empresas, escolas, Ongs, centros
boarati.com.br culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio
Livros publicados: www.viversaude.com.br Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites.
google.com/site/leandramigotto/
14
17. D E S E n v O Lv I M E n T O
Sobre a noção de tempo
mElaniE mEnDoza
Psicóloga e Pesquisadora do Projeto complexas, como aprendizagem e pla-
Distúrbios do Desenvolvimento da USP, nejamento. No nível mais elementar, o
Mestranda em Psicologia Clínica pelo tempo é essencial no processamento de
Instituto de Psicologia da Universidade estímulos que alcançam a visão, o tato
de São Paulo (IP-USP), Especialista em e a audição, e cada um desses sistemas
Terapia Comportamental e Cognitiva pelo sensoriais possui substratos neuronais
Hospital Universitário da Universidade de especializados na organização sequencial
São Paulo (HU-USP) e Psicóloga do Setor dos eventos percebidos, da frequência de
de Psicologia Infantil da Associação de sua ocorrência e de sua duração.
Assistência à Criança Deficiente (AACD). A temporalidade faz parte das habili-
Em 1992, no Rio de Janeiro, a dades complexas em primatas, especial-
canadense Severn Suzuki de 12 anos, mente nos humanos. A capacidade de
na introdução de seu discurso para os colocar os eventos em uma linha do tem-
líderes mundiais, disse: “Ao vir aqui po possibilita organizar psicologicamente
hoje, não preciso disfarçar meu objetivo, o mundo exterior e interior, e nos auxilia
estou lutando pelo meu futuro.” Embora no planejamento das ações futuras; por
tenha tido poucos resultados práticos, isso a noção de tempo e sequência dos
como pudemos acompanhar durante a acontecimentos são intrínsecas a outras
Rio+20, suas palavras emocionaram funções altamente elaboradas, como me-
líderes e ambientalistas na ocasião e mória e estabelecimento de metas. Como
foram relembradas por vários meios outras habilidades, elas sofrem um incre-
de comunicação durante a conferência mento durante o desenvolvimento normal SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
neste ano. Deixemos de lado a política da criança, até atingirem um alto grau
e a economia e pensemos um pouco na de complexidade na idade adulta, e são
espantosa habilidade dos seres humanos passíveis de prejuízos nos transtornos de
de viajar no tempo ao se lembrar do que desenvolvimento e perdas nas lesões e
foi dito naquela ocasião e da capacidade doenças que acometem o cérebro.
de se lançar no futuro, como Severn foi
capaz de fazer. Tempo e percepção
Frequentemente ignorada nos ex-
perimentos científicos, a noção de Diferentemente de outras proprie-
tempo é um componente central tanto dades da percepção, como localização,
de processos psicológicos da percep- orientação e reconhecimento, por exem-
ção, quanto de funções cognitivas mais plo, o componente temporal começou a 15
18. ser estudado apenas mais recentemente a noção de tempo organiza sequências
por meio do estudo da visão, muito em- de eventos e as interações entre a ação
bora se admita que suas propriedades da criança e uma consequência no meio.
ocorram em todas as vias sensoriais. Conforme vai sendo ampliada a capaci-
Através de modelos animais, da avaliação dade de manter a atenção por períodos
de pacientes com lesões e de estudos maiores, a criança observa sequências
com voluntários normais foram encon- mais duradouras e mais complexas de
tradas regiões denominadas caminho eventos, construindo teorias, algumas
“quando”. Localizado no lobo parietal implícitas e não formais, acerca do mun-
direito do cérebro, o caminho “quan- do físico e das pessoas. Achados mais
do” é formado por uma série de áreas recentes, não contemplados pela teoria
funcionais e anatômicas encarregadas de piagetiana, demonstram que, nos primei-
processar e analisar intervalos de tempo ros meses, bebês distinguem diferenças
mais longos do que aqueles processados melódicas e rítmicas de segmentos
por áreas do córtex cerebral responsáveis musicais simples, o que exige, como
por uma análise no nível mais elementar sabemos, capacidades relacionadas
das informações provenientes do meio à duração e sequência de eventos e,
(denominadas áreas corticais primárias) e portanto, intervalos de tempo diferentes
mais curtas do que aqueles intervalos de entre dois sons.
tempo que exigem julgamento cognitivo A perda dessas habilidades é chama-
de nível superior, dos quais falaremos da de agnosia de tempo, e se caracteriza
mais adiante. por uma incapacidade adquirida de perce-
Esse intervalo de tempo intermediá- ber e reconhecer a ordem cronológica ou,
rio abrange a coreografia de eventos em de outra forma, o que aconteceu “antes”
andamento, tais como transformações e e o que aconteceu “depois”. Esse quadro
deslocamentos de um objeto no campo foi descrito por Critchley em 1953, já re-
perceptivo e aparecimento e desapareci- lacionando com lesões de lobo parietal
mento de objetos. É fundamental para que direito: “Mais interessante e complicada
o indivíduo seja capaz de estabelecer a dessas doenças do processamento espa-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
natureza e fluxo dos eventos e, portanto, cial são aquelas que também envolvem
organizar as informações que chegam atra- a concepção de tempo (...) é preciso dis-
vés das vias sensoriais e servirão de base tinguir entre um sentido de tempo primi-
para as próximas ações e para a constru- tivo da gnosia da concepção de tempo.”
ção de um conhecimento do mundo. Embora esses casos raramente ocorram
Durante toda a vida, mas em especial de maneira isolada de outras agnosias, a
no período que vai de zero a 24 meses sua ocorrência serve de evidência da exis-
aproximadamente, denominado por Pia- tência de áreas cerebrais especializadas.
get de estágio sensório-motor, o caminho
“quando” desempenha importante função Tempo e memória
na aprendizagem baseada na percepção
e na interação motora com os objetos e A linha do tempo de nossa vida or-
16 agentes do mundo. Durante este estágio, ganiza a memória e é ela que permite a
19. “viagem mental ao passado”. Embora a A noção de tempo nesse tipo de me-
memória e aprendizagem já tivessem sido mória está relacionada aos processos de
estudadas anteriormente, o conhecimen- aprendizagem de novos procedimentos
to de sua organização e de tipos diferen- e fortalecimento ou enfraquecimento de
tes de aprendizagem deu um grande salto uma resposta ou respondente. No caso
através do estudo do famoso caso H.M. dos procedimentos motores, a noção de
pela neuropsicóloga Brenda Mulner. Esse tempo nos informa a sequência de ações
paciente, em virtude de uma epilepsia de corretas. Por exemplo, precisamos colo-
difícil controle, foi submetido a uma am- car a bicicleta em movimento antes de
pla cirurgia, que consistiu da ressecção tirarmos os pés do chão ou precisamos
de porções bilaterais do lobo temporal. apertar o botão de canal da TV depois do
Como resultado, o paciente adquiriu um botão de ligar. No caso do fortalecimento
quadro muito grave de amnésia anterógra- ou enfraquecimento de uma resposta, a
da, um déficit altamente incapacitante, noção de tempo é fundamental na dife-
pois consiste em uma perda da habilidade renciação entre causa e consequência.
de adquirir novas aprendizagens, fazendo Por exemplo, depois que a criança diz
com que o individuo fique “vivendo no “mamãe”, a mãe fala com ela. Vale men-
momento presente” e, por isso, ele fica cionar que esses dois tipos de processos
privado de uma linha do tempo em que os ocorrem ao mesmo tempo, uma vez que
eventos vão sendo registrados à medida um ato motor executado adequadamen-
que se sucedem. Este caso trágico serviu te tem maior probabilidade de trazer a
para, entre outros achados, esclarecer os consequência desejada para aquele que
tipos distintos de memória, uma vez que o executou, aumentando a probabilidade
alguns tipos de aprendizagem permane- de que ele ocorra novamente no futuro
ceram preservados, especialmente as (condicionamento operante).
perceptomotoras.
O caso H.M. contribui para a desco- • Memória declarativa: este tipo de me-
berta de que, de acordo com a natureza mória contém informações adquiridas
da informação, as memórias, de maneira de maneira explícita e que somos
simplificada, podem ser: conscientes de possuir. Pode ser: SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
a) semântica: está relacionada ao arma-
• Memória procedimental: contém infor- zenamento e evocação de informações
mações que não temos consciência de fatos e eventos e é independente
de possuir, que foi adquirida de im- do contexto em que foi adquirida, por
plícita e está relacionada ao caminho exemplo: “O Brasil foi descoberto
“quando”, mencionado anteriormente. em 1500 e ficou independente de
Fazem parte deste tipo de aprendi- Portugal em 1822.” A memória se-
zagem os esquemas motores, como mântica é normalmente associada à
dirigir e andar de bicicleta, e os dois aprendizagem acadêmica e à cultura
tipos de condicionamento, operante e geral. Costuma ter menos componen-
respondente. tes emocionais e, de maneira geral,
é fortalecida através de estratégias 17
20. de memorização, como repetição e A noção de tempo na memória auto-
associação a outros conteúdos. biográfica está de maneira usual forte-
mente relacionada a conteúdos que pos-
A linha do tempo, neste caso, está suem coloração afetiva própria; por isso
associada à sequência de eventos, de a noção de tempo, embora organizado
maneira similar à reta numérica. É co- cronologicamente, nem sempre obedece
dificada e decodificada com símbolos a uma divisão objetiva. Ou seja, o “quan-
numéricos. do” segue a ordem cronológica, mas nem
sempre recuperamos adequadamente o
b) episódica: contém informações de “por quanto tempo” sem ajuda de um
fatos e eventos particulares de um sistema externo de medição.
contexto determinado e permite a Em crianças mais novas ou em qua-
codificação de informação relativa a dros que cursam com deficiência inte-
associações e eventos de caráter pes- lectual, por exemplo, essas habilidades
soal. O sistema de memória declarativa estão prejudicadas e, embora a noção
episódica é formado pelo registro dos de causalidade ou sequência de even-
eventos contextualizados no tempo e tos possa estar preservada, dificilmente
no espaço; podem ser tanto eventos é construída de maneira espontânea
de domínio público, como a “queda do uma narrativa de vida. Já, na Doença de
muro de Berlim”, ou memórias autobio- Alzheimer, não apenas vai havendo um
gráficas, como o “dia de nascimento do agravamento da capacidade de consolidar
meu filho”. A noção de tempo nestes novas memórias, mas as lembranças vão
tipos de registros é crucial, uma vez sendo apagadas de acordo com a ordem
que organizam a história de nosso cronológica, sendo as mais remotas as
meio sociocultural e dão a noção de últimas a serem perdidas.
identidade para o indivíduo. O estudo do lobo temporal, em espe-
cial o hipocampo, também revelou alguns
Quando acessamos os dados de aspectos intrigantes do papel adaptativo
nossa memória, somos capazes de via- da retenção e recuperação de informa-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
jar no tempo e construir uma noção de ções: se, em animais como roedores,
self. Por causa dessas características, a os processos de memória estão rela-
organização cronológica exige habilidades cionados a tarefas de navegação, como
cognitivas complexas, como o desenvolvi- orientação geográfica em diversas formas
mento da linguagem de forma que ele dê de labirinto, nos primatas e, sobretudo
subsídios à “narrativa”; por essa razão, em humanos, destacam-se memórias re-
ela só começa a ocorrer de maneira mais lacionadas a conteúdos autobiográficos.
consistente após os três anos de idade, Essa discrepância pode ser resolvida se
quando as crianças começam a ser capa- considerarmos que a especialização do
zes de construir uma “narrativa pessoal”, hipocampo para navegação espacial no
situando e sendo capaz de comunicar os ambiente animal pode ter sido adaptada
eventos não apenas em um “onde”, mas em primatas em um espaço interno,
18 também em um “quando”. virtual, mental, nos dando uma pista da
21. importância evolutiva relacionada não anos, estava justamente nessa etapa do
apenas aos conteúdos armazenados, desenvolvimento.
mas também à organização cronológica Essas habilidades só são possíveis
para nossa espécie. porque já estão desenvolvidas noções
claras de tempo cronológico de maior
Tempo e planejamento duração e o intervalo necessário para
execução de tarefas complexas, além
Quanto mais complexa a tarefa, mais da capacidade de manter-se concentra-
interligados estão os processos cogniti- do em atividades cujas consequências
vos. Como vimos anteriormente, a noção desejadas não são mais imediatas. Na
de tempo está relacionada a todos os idade adulta somos capazes de tomar
processos de aprendizagem, da infância à decisões e executar ações cujo benefício
vida adulta. No entanto, essa “viagem no só poderá ser percebido até mesmo déca-
tempo” não se restringe a uma “viagem ao das adiante, como deixar de fumar, fazer
passado”, mas nossa espécie é capaz de exames de rotina, contratar um plano de
realizar também uma “viagem ao futuro”. previdência, para citar alguns exemplos
Concomitantemente ao desenvolvimento apenas no nível individual.
das habilidades de planejamento e opera- Pais de crianças pequenas frequen-
ções concretas e abstratas, ocorre um in- temente queixam-se de que os filhos são
cremento da capacidade de compreender “muito ansiosos” em relação a coisas
e utilizar o tempo, que neuroanatomica- que estão para acontecer, mesmo aque-
mente está relacionada principalmente ao les que possuem fortes características
desenvolvimento do córtex pré-frontal, que positivas. Isso se deve, em parte, a uma
tem a fase final de seu desenvolvimento percepção de que a “ida ao parque”, por
na adolescência, correlato ao período pia- exemplo, pode ocorrer a “qualquer mo-
getiano denominado operacional formal, mento”, pois nessa etapa do desenvolvi-
caracterizado pela emergência do racio- mento o tempo que deve decorrer “até sá-
cínio lógico abstrato, que é a capacidade bado” não é plenamente compreendido,
de estabelecer relações sobre fenômenos assim como “daqui a uma hora”. Assim
imaginados. como ocorre em relação à memória SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Ao longo da adolescência vamos autobiográfica, nos transtornos que in-
sendo capazes de nos lançar ao futuro, terferem no desenvolvimento cognitivo
de maneira cada vez mais sistemática, das crianças, a noção de tempo futuro
percorrendo mentalmente as possibilida- também é prejudicada. No Transtorno de
des de caminhos em direção a metas e Déficit de Atenção e Hiperatividade, por
consequências de longo prazo, até que, exemplo, em que está preservado o nível
ao final desse período, somos capazes intelectual, é descrita uma inabilidade de
de iniciar ações cujos resultados podem planejar não apenas todos os passos de
estar anos adiante. É nessa faixa etária execução de uma tarefa, mas também
que pensamos em carreiras ou na socie- o tempo necessário para executá-la; por
dade em que desejamos viver: Severn, causa disso, alguns autores descrevem
citada no início deste artigo, aos 12 uma “cegueira para tempo” no TDAH. 19