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CLASSIFICADOS                        PAR A AN U NCIAR LIGU E (31) 3228-1661 ● WWW.MELHORPR AVEN DER.COM.B R                                                                                          2.416 OFERTAS




                                                         VEÍCULOS                                 ESTADO DE MINAS
                                                                                           D O M I N G O ,       5    D E    N O V E M B R O        D E    2 0 0 6
                                                                                                                                                                                                                                    c
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                                                                  ● EDITOR: B o r i s F e l d m a n ● E-MAIL: v e i c u l o s . e m @ u a i . c o m . b r ● TELEFONE: ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 0 7 8
                                                                                                                                                                                                                                    k

                                                                                          ANTROPOLOGIA
           Falta de educação e de percepção que a rua é um espaço público provoca o caos
           no trânsito. Antropólogo Roberto DaMatta pretende lançar livro sobre o assunto
                                                                                                                                                                                                  JAIR AMARAL/EM




                                                                                                                                                                                                                   Carros
                                                                                                                                                                                                                   ocupando
                                                                                                                                                                                                                   faixa
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                                                                                                                                                                                                                   à travessia
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                                                                                                                                                                                                                   na Praça Sete,
                                                                                                                                                                                                                   no Centro
                                                                                                                                                                                                                   de BH,
                                                                                                                                                                                                                   é exemplo
                                                                                                                                                                                                                   do desrespeito
                                                                                                                                                                                                                   às leis




Quando o cordial

                                                                                                                                                                                                                                    CYAN MAGENTA AMARELO PRETO
vira bestial      DANIEL CAMARGOS                             (1984) e doutor em antropologia social pela Univer-
                                                              sidade Harvard, nos Estados Unidos, ex-professor
    Os olhares de Leopoldo e José para o movimen-             da Universidade Notre Dame, no Estado de India-
to contínuo de veículos e pedestres no cruzamen-              na, e atual professor da PUC do Rio de Janeiro, Da-
to das avenidas Amazonas e Afonso Pena carre-                 Matta é, na verdade, um estudioso do Brasil e retira
gam certa indiferença, mas fixam o foco na per-               do cotidiano o cerne de seus pensamentos. Quando
plexidade. A dupla de aposentados se encontra                 saiu do país pela primeira vez e depois retornou,
diariamente no quarteirão do antigo Cine Brasil               em 1963, ficou assustado com o comportamento
na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, e colo-           dos motoristas que avançavam para cima dos pe-
ca a conversa em dia, além de lembrar das histó-              destres, na Praça XV, na cidade do Rio de Janeiro.
rias do passado. Leopoldo Portela, de 81 anos, é                 Para DaMatta, a relação de conflito entre moto-
motorista habilitado desde 1943 e José Pimentel,              ristas e pedestres ocorre por diversos fatores. “A
de 78, desde 1955. “Quando a pessoa entra no car-             rua, em oposição à casa, que é o local dos espaços
ro muda o comportamento, começa a buzinar e fi-               demarcados, é um lugar de competição. A casa es-
ca bem alterado”, pondera Leopoldo. “O trânsito               tá definida por laços de sangue e hierarquia e, na
hoje? É horrível. Ninguém respeita ninguém”, de-              rua, as pessoas têm um espaço de igualdade”, ex-
clara José. Eles insistem na conversa na praça à              plica. O problema é que a igualdade se dá por “um
sombra de uma árvore – mesmo que cercada por                  acordo de obedecer a determinadas regras”, mas
uma grade -, mas a fumaça, o barulho e a desor-               que, no mundo real, ganha status de “causa perdi-
dem não negam que a rua é um espaço hostil.                   da, de um valor, um ideal”.
    A hostilidade é sustentada pelo antropólogo Ro-
berto DaMatta. Em 1984, ele publicou A casa e a               CORDIAL Entre buzinas e ofensas, a máscara do
rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. A           cidadão cordial cai no teatro do cotidiano. Parte
obra contempla parte do pensamento que DaMat-                 da análise do historiador Sérgio Buarque de Ho-
ta trabalhou na tese de mestrado que orientou, nos            landa – autor de Raízes do Brasil (1936) e de ou-
últimos dois anos, sobre as relações entre o carro,           tras obras que dissecam a identidade nacional – é
o espaço público e a violência no trânsito urbano.            atualizada por DaMatta: “O brasileiro é cordial,
Agora, ele pretende publicar um livro, abordando              mas, ao mesmo tempo, é agressivo e grosseiro.
as questões. “O trânsito é um exemplo de como                 No contexto do trânsito, isso fica muito claro.
não sabemos funcionar em espaços totalitários e               Acontece porque somos treinados para quando
competitivos com a rua”, afirma DaMatta. O caos               sairmos de casa esperarmos apenas coisas ruins”,
que desalenta os aposentados na Praça Sete é um               explica. Para DaMatta, uma solução paliativa po-
mal cultural e vai além de vias mais largas, viadu-           de ser personalizar as relações. Ele exemplifica
tos, túneis e uma profusão de obras para contem-              que, mesmo que o motorista não conheça quem
plar o número de veículos. “Sem a presença física,            está ao lado, se abrir a janela e fizer um sinal com
o motorista não obedece às regras e não se pode               o braço com certeza terá a pista livre para passar.
colocar um guarda em cada sinal. A tragédia que               “Mas o que agasta (irrita) no trânsito é absoluta
emerge no campo do trânsito é que não fomos                   necessidade de ser igual. Não há como aplicar o
educados para competição e internacionalização                ‘sabe com quem está falando’. É arriscado, pode
de regras universais”, afirma DaMatta.                        matar ou morrer, não é como na fila do banco. O
    Autor de outros clássicos como Carnavais, ma-             motorista de uma Mercedes tem que cumprir as
landros e heróis (1979) e O que faz o brasil, Brasil?         mesmas regras que o motorista de um Fusqui-
                                                              nha e isso dá uma raiva desgraçada nele”.
                                      MARLOS NEY VIDAL / EM       Raiva que o aposentado José Pimentel sentiu ou-
                                                              tro dia. “Estava na avenida e, na frente, tinham seis
                                                              motoqueiros em fila, lado a lado e parados no se-
                                                              máforo. Não precisa. Eles se acham os donos da rua”,
                                                              lembra. Perguntado se fica bravo, xinga e discute no
                                                              trânsito, Pimentel esclarece que é calmo e que, ape-                                                                                                                  c
                                                              sar de ter carro, prefere se deslocar do Bairro Caiça-                                                                                                                m
                                                              ra, na Região Noroeste, até o Centro, todos os dias,                                                                                                                  y
                                                              de ônibus. “Aqui não tem lugar para estacionar. Fico
                                                              tranqüilo e tomo meu café ali no Nice, além de con-                                                                                                                   k
                                                              versar com os amigos”, explica Pimentel. Seu par-
                                                              ceiro de café e conversa, Leopoldo Portela, resigna-
                                                              se: “Somos sujeitos a tudo isso”.



José e Leopoldo perplexos com atitude dos motoristas          ❚   LEIA MAIS SOBRE O COMPORTAMENTO NO TRÂNSITO
                                                                                      PÁGINA 2                              ❚

                                                                                CYAN MAGENTA AMARELO PRETO

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Antropólogo Roberto DaMatta pretende lançar livro sobre o assunto JAIR AMARAL/EM Carros ocupando faixa destinada à travessia de pedestre na Praça Sete, no Centro de BH, é exemplo do desrespeito às leis Quando o cordial CYAN MAGENTA AMARELO PRETO vira bestial DANIEL CAMARGOS (1984) e doutor em antropologia social pela Univer- sidade Harvard, nos Estados Unidos, ex-professor Os olhares de Leopoldo e José para o movimen- da Universidade Notre Dame, no Estado de India- to contínuo de veículos e pedestres no cruzamen- na, e atual professor da PUC do Rio de Janeiro, Da- to das avenidas Amazonas e Afonso Pena carre- Matta é, na verdade, um estudioso do Brasil e retira gam certa indiferença, mas fixam o foco na per- do cotidiano o cerne de seus pensamentos. Quando plexidade. A dupla de aposentados se encontra saiu do país pela primeira vez e depois retornou, diariamente no quarteirão do antigo Cine Brasil em 1963, ficou assustado com o comportamento na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, e colo- dos motoristas que avançavam para cima dos pe- ca a conversa em dia, além de lembrar das histó- destres, na Praça XV, na cidade do Rio de Janeiro. rias do passado. Leopoldo Portela, de 81 anos, é Para DaMatta, a relação de conflito entre moto- motorista habilitado desde 1943 e José Pimentel, ristas e pedestres ocorre por diversos fatores. “A de 78, desde 1955. “Quando a pessoa entra no car- rua, em oposição à casa, que é o local dos espaços ro muda o comportamento, começa a buzinar e fi- demarcados, é um lugar de competição. A casa es- ca bem alterado”, pondera Leopoldo. “O trânsito tá definida por laços de sangue e hierarquia e, na hoje? É horrível. Ninguém respeita ninguém”, de- rua, as pessoas têm um espaço de igualdade”, ex- clara José. Eles insistem na conversa na praça à plica. O problema é que a igualdade se dá por “um sombra de uma árvore – mesmo que cercada por acordo de obedecer a determinadas regras”, mas uma grade -, mas a fumaça, o barulho e a desor- que, no mundo real, ganha status de “causa perdi- dem não negam que a rua é um espaço hostil. da, de um valor, um ideal”. A hostilidade é sustentada pelo antropólogo Ro- berto DaMatta. Em 1984, ele publicou A casa e a CORDIAL Entre buzinas e ofensas, a máscara do rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. A cidadão cordial cai no teatro do cotidiano. Parte obra contempla parte do pensamento que DaMat- da análise do historiador Sérgio Buarque de Ho- ta trabalhou na tese de mestrado que orientou, nos landa – autor de Raízes do Brasil (1936) e de ou- últimos dois anos, sobre as relações entre o carro, tras obras que dissecam a identidade nacional – é o espaço público e a violência no trânsito urbano. atualizada por DaMatta: “O brasileiro é cordial, Agora, ele pretende publicar um livro, abordando mas, ao mesmo tempo, é agressivo e grosseiro. as questões. “O trânsito é um exemplo de como No contexto do trânsito, isso fica muito claro. não sabemos funcionar em espaços totalitários e Acontece porque somos treinados para quando competitivos com a rua”, afirma DaMatta. O caos sairmos de casa esperarmos apenas coisas ruins”, que desalenta os aposentados na Praça Sete é um explica. Para DaMatta, uma solução paliativa po- mal cultural e vai além de vias mais largas, viadu- de ser personalizar as relações. Ele exemplifica tos, túneis e uma profusão de obras para contem- que, mesmo que o motorista não conheça quem plar o número de veículos. “Sem a presença física, está ao lado, se abrir a janela e fizer um sinal com o motorista não obedece às regras e não se pode o braço com certeza terá a pista livre para passar. colocar um guarda em cada sinal. A tragédia que “Mas o que agasta (irrita) no trânsito é absoluta emerge no campo do trânsito é que não fomos necessidade de ser igual. Não há como aplicar o educados para competição e internacionalização ‘sabe com quem está falando’. É arriscado, pode de regras universais”, afirma DaMatta. matar ou morrer, não é como na fila do banco. O Autor de outros clássicos como Carnavais, ma- motorista de uma Mercedes tem que cumprir as landros e heróis (1979) e O que faz o brasil, Brasil? mesmas regras que o motorista de um Fusqui- nha e isso dá uma raiva desgraçada nele”. MARLOS NEY VIDAL / EM Raiva que o aposentado José Pimentel sentiu ou- tro dia. “Estava na avenida e, na frente, tinham seis motoqueiros em fila, lado a lado e parados no se- máforo. Não precisa. Eles se acham os donos da rua”, lembra. Perguntado se fica bravo, xinga e discute no trânsito, Pimentel esclarece que é calmo e que, ape- c sar de ter carro, prefere se deslocar do Bairro Caiça- m ra, na Região Noroeste, até o Centro, todos os dias, y de ônibus. “Aqui não tem lugar para estacionar. Fico tranqüilo e tomo meu café ali no Nice, além de con- k versar com os amigos”, explica Pimentel. Seu par- ceiro de café e conversa, Leopoldo Portela, resigna- se: “Somos sujeitos a tudo isso”. José e Leopoldo perplexos com atitude dos motoristas ❚ LEIA MAIS SOBRE O COMPORTAMENTO NO TRÂNSITO PÁGINA 2 ❚ CYAN MAGENTA AMARELO PRETO