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fgv.br/gvcasos
Volume 10
Número 1
Jan/Jun 2020
Doc. 1
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
________________________________________________________________________________________________
©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c1
ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO
BRASILEIRO
Doubled energy: the challenges of a startup in Brazilian retail
VIVIANE MOURA ROCHA FERREIRA – vivianemourarocha@gmail.com
Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV e Escola Superior de Propaganda e
Marketing – São Paulo, SP, Brasil
VICTOR SAMPAIO COMPER – victor@soudobro.com.br
DOBRO – São Paulo, SP, Brasil
CARLOS RONALDO PAES FERREIRA – carlos.ronaldo.ferreira@gmail.com
Companhia Técnica e COMPARA – São Paulo, SP, Brasil
Submissão: 19/12/2019 | Aprovação: 29/01/2020
_________________________________________________________________________________
Resumo
A DOBRO, empresa de alimentos naturais e energéticos, iniciou suas atividades em dezembro de
2017 e, desde então, vem registrando expressivo crescimento na produção e comercialização de suas
barras energéticas de café. Com apenas dois anos de atuação no mercado, o produto já pode ser
encontrado em mais de 530 pontos de venda no Brasil. Seus três sócios – Victor, Lucas e Pedro –
dividem entre si as principais responsabilidades da gestão da DOBRO no seu dia a dia (Produção,
Distribuição, Marketing e Finanças). O desafio de maior relevância para os três sócios, atualmente, é
como levar adiante um modelo de distribuição do produto, em escala nacional, preservando uma
margem operacional satisfatória sem prejudicar o forte ritmo de crescimento mensal que a DOBRO
vem alcançando, desde o seu lançamento.
Palavras-chave: Distribuição, marketing, métricas, empreendedorismo, startup.
Abstract
DOBRO is a producer of natural and energetic bars that started its activities in December 2017 and,
since then, has been achieving expressive growth in the production and selling of its energetic coffee
bars. After 2 years of operation, its products are already distributed in more than 530 points of sale in
Brazil. The three shareholders - Victor, Lucas and Pedro - share DOBRO´s daily operations main
responsibilities (Production, Distribution, Marketing and Finance). Their current main challenge is
how to develop and manage a national distribution model for the product, maintaining both a
satisfactory operational margin and the strong growth ratio reached by DOBRO since the beginning
of its operations.
Keywords: Distribution, marketing, metrics, entrepreneurship, start-up.
Introdução
Desde o início do curso de Administração de Empresas na FGV/EAESP, Victor já tinha
como meta trilhar o caminho do empreendedorismo. Após alguns estágios em startups em São Paulo,
o período de intercâmbio, no segundo semestre de 2016, proporcionou uma ótima oportunidade de
conhecer a Califórnia, referência global nessa área. Com novas experiências profissionais “na
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Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira
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bagagem”, além da confirmação da vocação e desejo de criar seu próprio negócio, veio também a
“sacada” em relação à natureza dele.
Victor observou que era muito comum, para os praticantes de esportes de inverno nos EUA, o
consumo de energéticos (em forma de barra), tanto pela necessidade de reposição de energia quanto
pela praticidade da embalagem (bem compacta) e capacidade de saciedade por um considerável
período por meio das barras sintéticas. Aproveitando o conceito, mas colocando como premissa a
troca da característica “sintética” pela “natural”, chegou-se ao café como componente referência para
o novo produto. Voltando para o Brasil com a proposta de “produzir uma barra energética de café”,
Victor passou a contar com seu amigo Lucas como sócio do empreendimento, ainda no estágio
inicial.
Ações iniciais e primeiros passos
Victor e Lucas desenvolveram uma lista de argumentos para sensibilizar e convencer uma
engenheira de alimentos a “embarcar no projeto” e realizar os testes necessários para a elaboração do
produto, assim como explicitaram as premissas para o novo produto:
- A barra energética já é um produto testado e consumido tanto pelo mercado local quanto pelo
internacional.
- O consumo do ingrediente café tem forte vínculo com a cultura brasileira, e é a segunda bebida
mais consumida no mundo.
- A cafeína é identificada como um estimulante conhecido.
- Foi mapeada a tendência de forte crescimento no consumo de produtos naturais.
- Para dar certo, a barra a ser lançada “não poderia ter um gosto ruim”.
Engenheira de alimentos devidamente convencida, foram efetuados 28 testes na composição
da barra até alcançar um resultado considerado satisfatório. O grande desafio ao longo dessa etapa,
para atingir o produto final, foi o de harmonizar da melhor maneira possível sabor e funcionalidade,
fatores que se mostraram inversamente proporcionais ao longo dos testes realizados.
Com a fórmula definida (Anexo 1), o passo seguinte foi o da produção. Nessa etapa, o
desafio era identificar uma fábrica para aplicar a fórmula criada e produzir as barras de café em
escala industrial. Nesse processo de pesquisa, a engenheira de alimentos teve um papel fundamental
indicando a Bradal (indústria localizada em Limeira/SP) como uma fábrica que já contava com
histórico positivo nesse segmento. Isso acabou facilitando o contato e fechamento do contrato para o
início da produção do DOBRO (a produção vem sendo mantida na Bradal desde então).
Elaborada a fórmula do produto e definido o local de produção, veio o desafio seguinte: a
escolha do nome. O nome DOBRO foi escolhido inspirado no símbolo do infinito como referência, a
ideia de “dobrar os números do círculo de Vortex, ligando os pontos e tendo o infinito como desenho
formado após eventuais repetições”. O nome também homenageia Nikola Tesla (1856/1943) e a
“energia que está nos números” (Anexo 2).
Com o maior volume de trabalho e a necessidade de estruturar as áreas de Distribuição e
Marketing, ficou claro para os sócios que “dois não estava sendo suficiente e três não seria demais”,
razão pela qual Pedro entrou na DOBRO como novo sócio, estrutura que se mantém desde então
(Figura 1).
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Figura 1. Os três sócios da DOBRO:
Lucas Gazola, Victor Comper e Pedro Chuluck
Fonte: @vscomper.
Lançamento do produto
Para o lançamento da barra energética DOBRO ocorrer durante o Festival 00 – entre os dias 1
e 3 de dezembro de 2017 (Anexo 3) –, os três sócios tiveram que acelerar diversas linhas de ação,
com destaque para:
- registro do produto nos órgãos reguladores;
- validação do conceito de “produto energético”;
- consolidação dos resultados das pesquisas de mercado e diversos testes de degustação;
- contratação de empresas de “inteligência de produto” para estruturação do plano estratégico e
tático de Marketing (o que incluiu a escolha do modelo de embalagem);
- definição do modelo de distribuição inicial.
Foram escolhidos três sabores para a produção e comercialização – Mocha Latte, Coconut
Mocha e Caramel Macchiato (Figura 2), mantidos até o desenvolvimento da nova embalagem
(Figura 3), quando os sabores foram traduzidos para o português. Em junho de 2019, na feira
Naturaltech (2019), foi iniciado um novo passo na reestruturação da marca, junto com o lançamento
da barra de proteína (Figura 4) e a definição do modelo de venda direta (via e-commerce e
marketplaces) como canais iniciais de distribuição. Para o lançamento, uma agência foi contratada
para fazer a embalagem do produto. Nesse momento, os sócios identificaram a necessidade de mudar
a embalagem inicial das barras energéticas a fim de trazer mais informações necessárias para o
entendimento do produto visando o aumento das vendas.
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Figura 2. Primeira embalagem das barras energéticas de café em três sabores
Fonte: Acervo DOBRO
Figura 3 – Nova embalagem das barras energéticas de café em três sabores com nomes
traduzidos
Fonte: Acervo DOBRO
Figura 4. Embalagens e sabores barras de proteína
Fonte: Acervo DOBRO
Assim, as embalagens das barras energéticas foram modificadas, e simultaneamente foram
lançadas as barras de proteínas, também feitas com cafeína natural (inerentes do café verde, um
extrato micronizado, sem gosto, do grão do café verde). As barras de proteína contam com cinco
sabores exclusivos: bolo de cenoura, creme de papaia, pasta de pistache, espinafre e grãos e pesto
com castanha de caju. Esses dois últimos são as primeiras barras de proteínas salgadas.
O segmento de esportistas aderiu de modo natural ao produto, mas, para ampliar a capacidade
de penetração da DOBRO, foram trabalhados e enfatizados no processo de comunicação atributos do
produto que impactassem positivamente o público jovem.
Com investimento em mídias digitais, houve um crescimento do acesso de pessoas no site da
DOBRO (2019). O investimento realizado foi de R$ 2 mil por mês em Google ads e Facebook ads,
com a compra de palavras-chave e todo um trabalho estratégico para a procura de possíveis leads até
a venda aos potenciais clientes.
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Como se aprende na literatura de Marketing, um bom planejamento e implementação de um
plano de mídia digital faz com que o público-alvo da empresa seja atingido de maneira eficaz. No
caso da DOBRO, foram desenhadas duas personas: (1) atletas e pessoas focadas na performance de
suas atividades e treinos (ex.: triatletas profissionais e amadores) e (2) pessoas que buscam equilíbrio
e que treinam (ex.: analistas/advogados/médicos que trabalham o dia todo e se alimentam
adequadamente, mantendo uma boa rotina de treinos).
Após o investimento em marketing digital, a DOBRO verificou tanto um aumento do acesso
ao site quanto a recorrência do cliente na página da DOBRO, assim como o incremento nas vendas
por meio do site – 197% de aumento de vendas no primeiro semestre de 2019 em relação ao mesmo
período de 2018 – e o valor do ticket médio. Esse último deu-se a partir do aumento do portfólio e da
inclusão de combos com ticket médio maior.
Com o aumento de clientes no site da DOBRO, a empresa sentiu-se impulsionada a incluir
novos conteúdos, ou seja, semanalmente a empresa propôs-se a escrever um artigo e publicar no site.
Além do artigo, a empresa passou a enviar conteúdo educacional por e-mail e posts no Instagram.
O lançamento foi um sucesso, houve uma ótima recepção ao produto, a meta de vendas de
2018 foi superada e a distribuição passou a ocorrer também em algumas lojas físicas, com maior
identificação com a sustentabilidade e natureza, como o exemplo do varejista Mundo Verde. A
presença e visibilidade do produto no ponto de venda é fundamental; se o consumidor não vê o
produto no ponto de venda, na prática é como se esse produto não estivesse sendo vendido). Com
base nessa premissa, nos pontos de venda foram aplicados materiais de visual mercandising como
displays, visando destacar a exposição do produto no ponto de venda (Anexo 4). Esses materiais são
uma das formas de promoção de vendas, em que o varejista tem o apoio do fabricante para realizá-la.
Distribuição
Desde o início, a região foco da comercialização do produto foi a cidade de São Paulo. Nesse
mercado, as barras de proteína apresentavam-se como os maiores concorrentes do produto. Entre
aumentar a penetração de mercado em São Paulo e buscar novos mercados no País, a DOBRO
decidiu expandir para novos mercados, como o Rio de Janeiro (Zona Sul, La Fruteria, Organomix,
Carioca Zen, Dvitaminas, Veg+). Nesse contexto, no início de 2019, os sócios decidiram trabalhar na
definição e implementação de uma estratégia de distribuição visando alcançar, em pouco tempo, uma
abrangência nacional para o seu produto.
A velocidade com a qual o DOBRO conseguiu estar presente nos pontos de venda foi
impressionante. Até dezembro de 2018, com apenas um ano desde o seu lançamento no mercado, a
DOBRO já estava em 200 pontos de venda e, em novembro de 2019, mais de 520 pontos de vendas
comercializavam os produtos da DOBRO, um crescimento de 160% em um ano. A DOBRO hoje
conta com os dois modelos de distribuição: indireta (via distribuidores parceiros, redes de varejo
regionais e marketplaces) e direta (via e-commerce em site próprio).
A compreensão, por parte dos sócios da empresa, das diferenças de cada canal de distribuição,
seu papel e público-alvo está sendo fundamental para que a DOBRO alcance o sucesso em sua
distribuição. A seguir, são descritos cada um dos seis tipos de canais nos quais a DOBRO está
presente.
Canais de distribuição: on-line
E-commerce/site próprio – no site da DOBRO, são vendidos combos dos produtos e foi
iniciada a venda de gadgets da marca, tais como camisetas (até o momento). Além disso, vale
ressaltar que uma estratégia importante é sempre deixar o preço no site da DOBRO maior do que nos
outros canais. Ou seja, o teto para os parceiros revendedores que vendem as barras energéticas é de
R$ 12,90/barra energética e de R$14,90/barra proteica. O objetivo é não ter nenhum canal praticando
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um preço maior do que o site da DOBRO (soudobro.com.br), pois os lojistas precificam a partir do
preço do site da DOBRO e do concorrente.
Marketplaces – a DOBRO não vende diretamente no Mercado Livre, Americanas etc., pois
seus lojistas/parceiros já comercializam nesses marketplaces. Ou seja, lojas que possuem lojas física
e virtual já comercializam usando esse canal. Caso a DOBRO vendesse diretamente nesses
marketplaces, estaria concorrendo diretamente com seus parceiros. Assim, a DOBRO evita um
conflito de canal.
Canais de distribuição: off-line
Lojas verdes – são empórios naturais, empórios a granel, que normalmente possuem tanto
uma venda mais especializada do vendedor quanto uma melhor categorização de produtos. Exs.: Bio
Mundo, Mundo Verde, Armazém Fit Store, Armazém Cerealista, Cia da Saúde, Empório da Terra
etc.
Lojas de performance – não necessariamente são as body shops tradicionais, que vendem
apenas suplementação para clientes de musculação. Mas uma boa técnica usada pela DOBRO para
encontrar essas lojas de suplementação adequada para o público-alvo foi identificar quais body shops
vendem gel de corrida, suplementos para endurance e que possuem um público mais amplo. Exs.:
Quality Nutrition, Evolution Nutrition, Triaddict, Dvitaminas.
Mercados e supermercados A/AA – são lugares que possuem uma boa aceitação das barras, já
com a categoria consolidada no ponto de venda e em que a empresa consegue expor melhor a marca
DOBRO a um público que tem potencial para ser consumidor. Exs.: Pão de Açúcar, Angeloni, Zona
Sul, São Luiz, Santa Luzia, St. Marche, Super Saudável, Varanda, Quitanda).
Estudos e esportes – são locais onde a as barras da DOBRO são vendidas com uma tabela
mais flexível e diferenciada para maior comunicação e exposição de marca para potenciais clientes.
Exs.: cantinas de faculdades (FGV, Cásper Líbero, Insper, PUC) e lojas de corrida, lojas de bicicleta,
lojas de academias, studios de corrida e bike (Justrun, Soulbox, Ride State).
Crescimento e próximos passos
Nesses dois anos de atividade efetiva, a DOBRO vem alcançando números que impressionam,
tanto pelo valor absoluto quanto pelo ritmo de crescimento. Alguns exemplos relativos a essa
performance estão em destaque nos gráficos da Figura 5:
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Figura 5. Gráficos com produção de barras, número de pontos de venda e receita bruta da
empresa DOBRO
A ampliação da distribuição do produto para uma abrangência nacional está em andamento e
pode ser considerada um dos fatores responsáveis pelo forte crescimento registrado ao longo de 2019.
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Como estratégia, adotou-se o conceito de selecionar parceiros regionais por estado,
considerando-se tanto a capacidade “local” desses distribuidores quanto a afinidade com a categoria
(perfil de quem “acredita”). A exclusividade regional para esses parceiros também tem sido colocada
como fator relevante para a consolidação dessa iniciativa.
Uma das análises/decisões mais críticas para a manutenção de um forte e sustentável ritmo de
crescimento está relacionada à gestão desses parceiros “nacionais” de distribuição, assim como à
identificação e implementação de novas modalidades que viabilizem crescentes áreas de penetração
para os produtos da DOBRO.
Nesse sentido, algumas questões-chave estão sendo consideradas como críticas para o
sucesso da DOBRO nos próximos anos, que relacionamos a seguir:
1. Qual o melhor modelo de distribuição para a DOBRO atingir uma escala nacional?
2. Quais as vantagens e desvantagens de adotar um modelo de distribuição direta (via e-
commerce) e indireta (varejista, distribuidor, marketplace)? Discorra sobre os impactos em
distribuição e margem na adoção de cada uma das estratégias e os caminhos percorridos
pelos empreendedores da DOBRO.
3. Quem deve gerenciar e como acompanhar o processo de comunicação do produto nos
diversos pontos de venda espalhados pelo Brasil?
4. Quem são os concorrentes diretos da DOBRO no mercado atual? E qual a estratégia que a
empresa deve considerar para lidar com um cenário de aumento de concorrência?
5. Você acredita que o próximo passo para a empresa crescer será buscar investidores externos?
Qual o impacto dessa possível decisão?
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Anexo 1. Ingredientes da barra DOBRO
“A DOBRO contém tâmaras, ricas em minerais - que ajudam na digestão dos alimentos e no
fortalecimento dos ossos - como base do alimento; como ingredientes majoritários estão a pasta de
amêndoas - rica em fibras e proteínas, ajudando a reduzir os níveis de colesterol e ganho de massa
muscular - e o café arábica orgânico, fonte de oxidantes e cafeína. As nuts, ricas em ômega 3,
possuem ações antioxidantes que auxiliam na perda de peso e o chocolate meio amargo, rico em
nutrientes, que melhora a pressão arterial e a circulação do sangue e são essenciais no sabor e
qualidade da 'barrinha'. Por isso, os ingredientes são escolhidos com o objetivo de entregar um
produto completo de sabor, energia e qualidade. Desta maneira, a base da DOBRO está repleta de
ingredientes que se completam, seja no sabor, seja na textura e no seu caráter saudável. Assim,
formulando os ingredientes base da 'barrinha', a DOBRO tem três sabores: Mocha Latte, Caramel
Macchiato e Coconut Mocha.”
“Marca brasileira de alimentos e barras energéticos, que apoia o esporte nacional, feitos com
ingredientes que oferecem energia” (Comper, 2018).
Figura Anexo 1. Ingredientes da barra DOBRO
Fonte: Comper (2018).
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Anexo 2. Inspiração nome DOBRO
O nome “DOBRO” surgiu com a ideia de “dobrar os números do círculo de Vortex, ligando os
pontos e tendo o infinito como desenho formado após eventuais repetições”. Após a criação do nome,
a Agência Pulpo foi a responsável pela criação do logotipo da marca, além de toda a identidade e
manual da marca, embalagens e displays.
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Anexo 3. Evento de lançamento do produto no Festival 00
O Festival 00 é um evento desenvolvido por duas alunas da FGV EAESP e promete trazer uma
experiência diferenciada de marcas.
Muitas lojas fora dos padrões, roupas, acessórios, design e um espaço gastronômico! Além de
ativações com aula de meditação, crossfit, funcional, makeup, palestras e muito mais!
Fonte: Diretório Acadêmico Getulio Vargas (DAGV, 2019).
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Anexo 4. Materiais de merchandising aplicados nos pontos de venda
Fonte: Acervo DOBRO (Loja Quality Nutrition – Rua Paes de Araújo, 22 – Itaim Bibi, São Paulo,
SP).
Fonte: Acervo DOBRO.
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Número 1
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Doc. 2
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ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO?
O DILEMA ÉTICO DE UM CONTADOR
How far is it worth trying to save your own business? The ehical dilemma of an accountant
AUREA LOPES DA SILVA PAES – aureapaes@hotmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
THIAGO DIAS CORREA – thiago.dias.correa@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RENATA GEORGIA MOTTA KURTZ – renatakurtz@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
LEONEL TRACTENBERG – ltractenberg@uerj.br
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
TANIA MARIA DE OLIVEIRA ALMEIDA GOUVEIA – almeida.tania@globo.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Escola Superior de Propaganda e Marketing –
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Submissão: 20/05/2019 | Aprovação: 22/02/2020
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Resumo
O caso relata a situação vivida por um contador, dono de um pequeno escritório, e de seu filho,
também contador, prestes a suceder o pai na direção do estabelecimento. O dilema ético acontece
quando, a partir de uma grave crise financeira no estado do Rio de Janeiro, pai e filho enfrentam a
perda de clientes e a consequente diminuição do faturamento, gerando o seguinte impasse: fechar o
escritório, demitindo todos os dedicados funcionários, inclusive alguns mais velhos, que dependem
totalmente do emprego para sobreviver; ou aceitar um cliente com padrões éticos questionáveis, mas
que sustentaria a empresa.
Palavras-chave: Ética, ética profissional, código de ética profissional do contador, contabilidade.
Abstract
The case reports the situation experienced by an accountant, owner of a small office, and his son,
also accountant, who is about to succeed his father in the running of the business. The ethical
dilemma comes when, as a result of a serious financial crisis in the state of Rio de Janeiro, father and
son face loss of clients and consequent decrease of billing, generating the following impasse: closing
the office and dismissing all the dedicated employees – including some elder workers, who depend
entirely on their job to survive – or accept a client with questionable ethical standards, but who
would sustain the company.
Keywords: Ethics, professional ethics, accounting professional ethics code, accounting
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ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO?
Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia
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Introdução
Jorge é dono de um escritório de contabilidade na cidade do Rio de Janeiro, com muitos anos
de mercado. Ele se graduou como contador há mais de 30 anos e sempre quis ter seu próprio negócio,
embora, no início da sua trajetória profissional, tenha trabalhado como funcionário de empresas do
setor. Seu desejo de ter um escritório cresceu ao constatar a falta de ética profissional por parte de
seus antigos patrões, mas as reviravoltas da vida futuramente o levariam a enfrentar dilemas que
colocariam à prova suas próprias convicções éticas.
Jorge sempre teve uma vida muito simples. Seu pai era operário da construção civil e sua
mãe era dona de casa. Apesar das restrições financeiras, seu pai nunca deixou faltar nada em casa.
Oriundo do Nordeste, o pai de Jorge admirava a boa formação de seus superiores e passou a desejar
o mesmo para o filho. Desse modo, sempre incentivado pelo pai, Jorge conseguiu aprovação no
vestibular para Ciências Contábeis, área em que acreditava ser possível começar a trabalhar
rapidamente, para ajudar no sustento na família.
Logo no início do curso, Jorge conseguiu estágio num escritório de contabilidade. Ele estava
muito feliz com sua primeira oportunidade profissional e entregou ao pai o cheque com seu primeiro
salário, como forma de agradecimento por todo o esforço em ajudá-lo. Com o passar do tempo, e
muita dedicação, Jorge foi promovido e viu seu salário aumentar, contudo logo se deparou com um
problema ético: seu chefe o obrigou a atestar como verdadeiros documentos que ele sabia serem
falsos. Tendo aprendido em casa desde cedo a fazer “o bem e o que é certo", com a educação rígida
dos pais dentro da moral cristã, os quais lhe falavam que seu maior patrimônio é seu nome, sua
palavra, imediatamente pediu demissão e continuou a carreira em outro escritório.
Mas os problemas se repetiam, pois Jorge era frequentemente impelido a cumprir
determinações das quais discordava em termos éticos. Depois de muito refletir, e como, naquele
momento, já tinha se graduado, resolveu que era hora de abrir seu próprio escritório. Para isso,
precisaria de capital. Passou, então, a poupar grande parte do seu salário e, como ainda não era
casado nem tinha filhos, se dedicava integralmente a esse projeto, trabalhando, por vezes, além do
expediente normal, incluindo finais de semana e feriados.
Depois que conseguiu acumular algum dinheiro, Jorge tornou-se sócio em um escritório que
já prestava serviços ao mercado havia algum tempo. Essa não era sua ideia inicial, mas, como ainda
não se sentia seguro para abrir uma empresa sozinho, "do zero", além do fato de que haveria apenas
mais um sócio além dele, aceitou entrar no negócio. Estabeleceu, contudo, a condição de que
houvesse a opção de compra do restante da sociedade quando tivesse capital suficiente. Assim,
trabalhou ali durante vários anos, elevou a quantidade de clientes do escritório e conseguiu comprar
a participação do outro sócio. Estava realizado! Afinal, todo o esforço que vinha fazendo desde o
início da faculdade permitiu que alcançasse o grande objetivo de ter um escritório só seu, em que
pudesse manter elevados os padrões éticos, como pré-requisito essencial para sua prosperidade e a
dos clientes.
Jorge casou-se, teve um filho, ao qual deu o nome de Luiz, e continuou trabalhando duro.
Seu escritório tinha potencial para captar mais clientes, mas ele preferia atender um número restrito,
sempre de maneira personalizada e com proximidade. Quando percebia algum desvio ético ou a falta
de comprometimento de um cliente, preferia abrir mão dele. Sua conduta sempre lhe trouxera
reconhecimento: o respeito de seus colegas contadores, de clientes e funcionários, tendo até mesmo
lhe proporcionado um prêmio do Conselho Regional de Contabilidade (CRC).
Com o passar dos anos, seu filho Luiz já crescido, vendo a experiência de sucesso do pai, se
interessou pela área contábil. Jorge, muito orgulhoso por despertar tal interesse no filho, apoiou sua
escolha pelo curso de Ciências Contábeis e quis prepará-lo para uma futura sucessão no escritório. O
primeiro passo para tanto foi Luiz começar a trabalhar com o pai. Embora filho do dono, ele
começou no escritório como estagiário, depois se tornou assistente contábil e posteriormente analista,
tendo acompanhando a rotina de todos os departamentos. Foi ganhando experiência e, após quatro
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anos de trabalho, passou a ser o gerente do escritório, reportando-se apenas a seu pai. Os dois sempre
se deram muito bem, numa parceria que parecia ser bastante promissora, mesmo existindo diferenças
na forma de trabalho de cada um. Jorge, muito mais conservador e idealista, nasceu numa época em
que o mais importante era construir uma carreira estável, seguindo valores rígidos. Já Luiz, nascido
na década de 1990, não tolerava ficar na mesma função por muito tempo e queria inovar a qualquer
custo. Criticava a morosidade de seu pai para tomar decisões e resolver os problemas do escritório, o
que sempre gerava discussões entre ambos.
Numa ocasião, querendo mudar o sistema informatizado que o escritório utilizava em sua
escrita contábil, Luiz tentou passar por cima da autoridade do pai. Na opinião de Luiz, mesmo tendo
a manutenção mais cara, o novo sistema agilizaria todo o processo, fazendo com que o serviço
ficasse pronto mais rápido. Mas, para Jorge, a inovação só traria aborrecimentos, além de perda de
dinheiro e de tempo, uma vez que todos os funcionários teriam que passar por treinamento para
utilizá-la. O pai tomou a frente da situação e cancelou a compra do sistema. Interessado em
aprimorar os processos da empresa, Luiz ficou muito incomodado ao ver sua iniciativa sendo
rejeitada.
Em outra situação, ao atender a uma fiscalização do Imposto sobre Circulação de Mercadoria
e Serviços (ICMS), Luiz descobriu que algumas Guias de Informação e Apuração (GIAS) da
empresa LTRK Ltda., sua cliente, foram entregues fora do prazo. Em função disso, o auditor fiscal
iria lavrar um auto de infração de R$ 50.000,00. Luiz sabia que o ônus desse problema seria do
escritório, pois quem controlava os prazos de envio das GIAS era um de seus funcionários, e não a
empresa-cliente. Assim, resolveu "negociar" com o fiscal, que, em troca de R$ 3.000,00, não emitiu
a multa. Jorge, ao descobrir tal negociação, ficou muito aborrecido. Ele, que nunca aceitou ou lançou
mão de subterfúgios na gestão de seu negócio, viu seu filho – logo o seu filho! – se envolver num
esquema antiético. Luiz, por outro lado, considerava ter feito a coisa certa. Não via nada de mais na
forma como tudo fora resolvido. Afinal, isso já tinha acontecido com vários de seus amigos
contadores... Ele tinha conseguido economizar R$ 47.000,00 para o escritório, o que, em sua visão,
era o mais importante.
Jorge e Luiz tiveram nova e acalorada discussão. Dessa vez, sobre os impactos do
comportamento de Luiz para a sua promissora carreira. Jorge afirmava aquela atitude poderia trazer
problemas para o filho junto ao Conselho Regional da categoria. Já Luiz afirmava que o Conselho
tinha questões mais importantes para cuidar e que não estava interessado nele. Ao final da discussão,
o pai resolveu que Luiz nunca mais atenderia a qualquer fiscalização, o que deixou o rapaz ainda
mais contrariado. E o fez prometer que o padrão ético do escritório deveria ser mantido a todo custo,
sob pena dele não vir a assumir sua direção.
Depois de algum tempo, o desempenho do escritório começou a sofrer um grande revés. O
estado do Rio de Janeiro passava por grave crise econômica e financeira, e muitas empresas que
faziam parte de sua carteira de clientes perderam seus contratos com o governo. Isso gerou, a
princípio, diminuição das receitas e demissões internas nessas empresas. Na sequência, algumas
delas encerraram suas atividades. O escritório, como era de se esperar, vinha sofrendo com a perda
desses clientes.
Jorge, então, teve que considerar a possibilidade de demitir vários funcionários para
conseguir suportar a fase tão complicada. Alguns deles já trabalhavam no escritório havia muitos
anos, como a contadora Alice, que conhecia todos os clientes "como a palma da sua mão". Ela
entendia todos os processos legais do escritório e respondia pela empresa na ausência de Jorge e seu
filho. Alice, infelizmente, havia descoberto ter uma grave doença e, para se tratar, dependia do plano
de saúde que o escritório pagava. “Sem este plano de saúde, eu já teria morrido há muito tempo”,
dizia ela. João também era um funcionário de confiança. Era responsável por todas as questões
fiscais e comandava os empregados mais novos, ensinando todo o processo de escrita fiscal. Já tinha
quase 60 anos e, dificilmente, conseguiria outro emprego caso fosse demitido.
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ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO?
Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia
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Jorge quase não conseguia mais dormir por conta dessa situação. Estava prestes a se
aposentar e temia perder todo o patrimônio que havia formado ao longo de uma vida de esforço e
dedicação. Teria que adiar sua aposentadoria em face da daquela situação econômica degradante.
Preocupava-se também com seus funcionários: o que seria deles se fossem demitidos?
O quadro piorou quando seu melhor cliente, que representava 50% de toda a receita do
escritório, comunicou que fecharia as portas em três meses. Pediu ao escritório que fizesse todos os
procedimentos legais para a baixa. Agradeceu por tantos anos de parceria e lamentou a situação,
justificando que não estava mais conseguindo suportar toda a pressão financeira. Foi aí que a saúde
de Jorge piorou (problemas cardíacos) e ele pediu que seu filho assumisse o comando do escritório
até ele se recuperar ou aposentar de vez.
O dilema
Uma semana depois desse comunicado, Luiz recebeu uma ligação de um dos seus amigos de
faculdade, contando que uma grande empresa do setor varejista de roupas estava à procura de um
novo prestador de serviços de contabilidade. O amigo de Luiz, que sabia dos problemas financeiros
que ele e seu pai vinham enfrentando, achou que seria interessante considerarem atender esse novo
cliente. Tratava-se de uma empresa de grande porte, famosa no mercado de varejo e campeã de
vendas no seu segmento, com mais de 15 filiais espalhadas por várias localidades do estado do Rio
de Janeiro. E o valor dos honorários era muito bom!
Luiz resolveu marcar uma reunião com esse novo cliente potencial, mas foi sozinho
conversar com os representantes da empresa. Seu interesse era aliviar o pai das preocupações. Jorge
já não estava mais dormindo, só falava em adiar a aposentadoria, sonho tão almejado por tantos anos,
e, além de tudo, estava com a saúde abalada, tendo que realizar vários exames cardiológicos. Fechar
o escritório não estava nos planos de Luiz nesse momento, não se ele pudesse evitar!
Na reunião, os representantes da empresa revelaram várias coisas sobre seu negócio. Entre
elas, que suas diversas lojas distribuídas pelo estado, na verdade, não eram filiais e, sim, empresas
únicas, cujos sócios eram considerados seus "funcionários". Porém, esses "funcionários" não eram
registrados em carteira. Os representantes alegaram que, com isso, conseguiam pagar menos tributos,
uma vez que todas as empresas "filiais" estavam incluídas na tributação do Simples Nacional.
Pagando menos tributos, a varejista conseguia crescer e dar oportunidade de trabalho para mais
pessoas, acreditando que, desse modo, contribuía para a redução da desigualdade social. Os
representantes também revelaram que os produtos vendidos vinham do Nordeste, e que nenhuma
empresa fornecedora emitia nota fiscal, de modo que não havia motivos para se preocupar, pois o
governo “nunca ficaria sabendo”. Suas receitas eram subfaturadas e equivaliam a apenas 30% do
faturamento real. Todas as empresas parceiras procediam da mesma forma, e eles não viam motivos
para fazer diferente. Justificaram tudo isso dizendo que o dinheiro pago em tributos não era
empregado em benefícios para a sociedade, como deveria ser.
Luiz saiu da reunião feliz e, ao mesmo tempo, apreensivo. Feliz porque os representantes da
empresa estavam dispostos a fechar o contrato de prestação de serviços contábeis ainda naquela
semana. Apreensivo por conhecer seu pai e saber que ele não veria com bons olhos aquele tipo de
cliente. Também havia outro problema a ser considerado: o escritório tinha recebido recentemente a
visita de um fiscal do CRC e, durante a fiscalização, assuntos pertinentes ao Código de Ética
Profissional do Contador (CEPC) haviam sido discutidos e esclarecidos. O fiscal, muito amigo de
seu pai, entregou uma versão do CEPC, cujas informações Luiz passou dias analisando. Ele estava
inquieto devido à sua responsabilidade civil e penal com o possível novo cliente. E, além de tudo,
uma coisa não saía da sua cabeça: a confiança que o pai depositava nele como seu substituto na
condução dos negócios do escritório.
Para decidir se atenderia ou não a empresa varejista, Luiz marcou uma reunião com Jorge e
expôs seus argumentos:
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ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO?
Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia
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• Aquela era a única chance de o escritório continuar funcionando, não demitindo todos os
funcionários. Os três meses de aviso prévio dados pelo principal cliente já estavam se esgotando,
e, depois do pagamento da última mensalidade, não haveria mais dinheiro para manter a estrutura
operando.
• Apesar de reconhecer que, em termos éticos, aquela não era a situação ideal, julgava que “era
assim que o mundo funcionava”. O idealismo do pai não garantia a continuidade da empresa e,
consequentemente, dos empregos que ela gerava.
• Os honorários pagos pelo novo cliente seriam suficientes para suprir todas as necessidades
financeiras do escritório, e mais até. O valor, maior que todas as perdas que o escritório tinha
sofrido nos últimos tempos, não só reequilibraria as finanças como impulsionaria os negócios
para um novo patamar.
• Com os problemas financeiros sanados, as preocupações do pai seriam atenuadas, ele poderia se
aposentar com tranquilidade e cumprir com a promessa que já havia feito para a mãe: fazer
aquela viagem tão sonhada para a Europa, passando alguns meses só curtindo a vida.
• O pai, em breve, não estaria comandando mais o escritório, e ele, Luiz, é que assumiria tudo.
Então, seu pai não deveria mais sofrer tanto.
Ouvindo os argumentos de Luiz, iniciou-se nova discussão entre eles. Jorge expôs claramente
todas as suas angústias: ele se preocupava muito com as implicações legais e profissionais que Luiz
estaria assumindo ao assinar peças contábeis que não representariam a verdadeira situação desse
possível cliente. Em alguns meses, Jorge poderia estar se aposentando, mas seu filho Luiz ainda
estava em início de carreira como gestor de um escritório. Iniciá-la dessa forma não seria uma boa
estratégia profissional. E ainda existiam as possíveis implicações civis e penais.
Luiz ouviu os argumentos do pai e tentou, em vão, contra-argumentar. Eles finalizaram a
reunião, mas nada ficou decidido. No dia seguinte, Luiz teria que encarar o dilema: aceitaria o novo
cliente, traindo as convicções éticas do pai? Arriscaria a reputação da empresa e a integridade da sua
profissão para salvar o escritório, os empregos daqueles que se dedicaram durante anos a seu pai,
além da própria aposentadoria dele? Ou seguiria cumprindo a promessa feita ao pai, não aceitando o
novo cliente, mantendo, dessa forma, a ética profissional, mas arriscando falir o escritório e demitir
todos os funcionários, além de prejudicar a aposentadoria do pai, e possivelmente abalando ainda
mais sua saúde?
Volume 10
Número 1
Jan/Jun 2020
Doc. 3
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c3
TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE
IMPRESSÃO
Decision making in public management: the case of printing outsourcing
PEDRO JÁCOME DE MOURA JR – pjacome@sti.ufpb.br
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil
FLÁVIO PERAZZO BARBOSA MOTA – flavioperazzo@ccsa.ufpb.br
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil
Submissão: 26/11/2019 | Aprovação: 27/02/2020
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Resumo
O processo decisório no setor público e em contexto de terceirização de serviços de tecnologia da
informação (TI) é uma temática investigativa ainda incipiente e carente de suporte didático. Este
caso explora a tomada de decisão de um gestor de TI atuante em uma universidade pública,
relacionando modelos teórico-conceituais das disciplinas Sistemas de Informação nas Organizações,
Sistemas de Informação e Decisão e Organização, Sistemas e Métodos em cursos de graduação e
pós-graduação stricto e lato sensu em Administração, Gestão Pública, Gestão de Tecnologia da
Informação, Ciências da Computação, Engenharia de Software e correlatos. As teorias e conceitos
subjacentes são relacionados à teoria da decisão; racionalidade limitada; incerteza, crenças e
heurísticas no processo decisório; vieses cognitivos; e benefícios e riscos da terceirização.
Palavras-chave: Teoria da decisão, racionalidade limitada, tecnologia da informação, gestão
pública, terceirização.
Abstract
The decision-making process in the public sector and in the context of information technology
services outsourcing is a still incipient research topic, and a subject that lacks educational support.
This case explores the decision making of an IT manager who works at a public university. It
mobilizes theoretical and conceptual models from disciplines such as Information Systems in
Organizations, Information Systems and Decision, and Systems and Methods, for use in
undergraduate and graduate courses in Business, Public Management, Information Technology
Management, Computer Science, Software Engineering and related. The underlying theories and
concepts are related to decision theory; bounded rationality; uncertainty, beliefs and heuristics in the
decision-making process; cognitive biases; and benefits and risks of outsourcing.
Keywords: Decision theory, bounded rationality, information technology management, public
administration, outsourcing.
Introdução
Miguel trabalhava como analista de sistemas havia quase 20 anos na principal universidade
pública do seu estado. Havia atuado também na iniciativa privada, como empresário e técnico em
diversos projetos de desenvolvimento de sistemas. Agora, era convidado a dirigir o setor de
tecnologia da informação (TI) da universidade. Esse convite, feito diretamente pelo reitor,
representava um grande reconhecimento ao seu trabalho e, ao mesmo tempo, um grande desafio,
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Pedro Jácome de Moura Jr, Flávio Perazzo Barbosa Mota
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pois implicava mudanças na carreira, principalmente a troca de um perfil de atuação técnico para
uma atuação gerencial e diretiva.
Tão logo assumiu o novo posto, Miguel começou a participar de reuniões de nível
estratégico, o que incluía participação nos conselhos diretivos acadêmicos e administrativos. Miguel
tinha certa experiência com decisões dessa natureza, pois, ao longo da sua carreira técnica, fora
eventualmente convidado a participar de escolhas relativas à gestão da TI. Todavia, aquelas novas
reuniões tinham um caráter mais abrangente. Afinal, agora envolviam a TI no contexto das demais
áreas organizacionais. Logo, Miguel sentia-se simultaneamente entusiasmado e intimidado com a
nova atuação, mas, ainda assim, confiante de que poderia aplicar as melhores práticas de gestão da
TI no contexto de uma organização pública.
A universidade e a TI
Entre técnicos, professores e alunos (de nível médio, graduação e pós-graduação), a
universidade era composta por cerca de 45 mil pessoas. Esse público lidava rotineira e diretamente
com os recursos de TI providos pela instituição, fosse por meio das redes de conectividade (cabeada
e sem fio/Wi-Fi), dos diversos computadores conectados a essas redes ou por meio de outros
dispositivos, como smartphones, câmeras, sensores de laboratório ou impressoras. Em outras
palavras, a universidade já tinha uma cultura de uso intensivo da TI e já desenvolvera, inclusive, os
próprios sistemas integrados de gestão (ERP/SIG) para suporte aos seus processos operacionais.
Essa tradição de uso da TI remontava à década de 1970, quando o primeiro computador foi
ali instalado. Tratava-se de um computador de grande porte, como se chamava à época, e que
centralizava todo o processamento acadêmico e folha de pagamento dos funcionários. Ao longo do
tempo, a universidade investiu constantemente em novas plataformas computacionais,
descentralizando o processamento de dados e a impressão de relatórios, de modo que várias gerações
tecnológicas conviviam simultaneamente e precisavam ser gerenciadas adequadamente.
À altura do início da gestão de Miguel, a universidade possuía um parque computacional
formado por cerca de 5 mil computadores e mais de 250 tipos diferentes de impressoras distribuídas
nos diversos setores. Essas impressoras foram adquiridas gradualmente, de acordo com as demandas
locais. Logo, isso resultou em uma combinação complexa de fabricantes, modelos e tecnologias,
difícil de gerenciar. Havia, por exemplo, impressoras matriciais (que imprimem com uso de um
cartucho de fita, semelhante a uma máquina datilográfica, sobre papel em formulário contínuo);
impressoras jato de tinta com cartucho; impressoras jato de tinta com reservatórios externos (em vez
de cartucho); impressoras a laser etc. Para cada tecnologia (fita, cartucho ou toner), havia uma
grande variedade de modelos, específicos para cada impressora.
Miguel estava a par dessa dificuldade e sabia também como isso afetava o processo de
compra e reposição de suprimentos de impressão. Afinal, como controlar o nível de tinta em cada
cartucho, fita ou toner de cada impressora espalhada pela universidade? Além disso, havia ainda
dificuldades com a gestão do papel usado nas impressões. Ou seja, havia uso indevido, pois alguns
funcionários imprimiam conteúdos pessoais usando recursos da instituição, e mau uso, quando
conteúdos que poderiam tramitar digitalmente eram equivocadamente impressos.
Uma proposta de solução
Durante uma das primeiras reuniões em que Miguel participou como dirigente, houve uma
apresentação de proposta de solução para o problema da impressão na universidade. A reitoria havia
convidado uma empresa especializada em terceirização de impressões para que explicasse aos
demais dirigentes como funcionavam os seus serviços. Miguel não fora informado previamente
daquela apresentação e ficou particularmente curioso. Pensava ele: “Sendo um assunto relacionado à
TI, eu não deveria estar a par desse convite?”. Por outro lado, ponderava: “Bem, estou chegando
agora e pode ser que o meu antecessor estivesse a par”.
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Em certa altura da reunião, os representantes da empresa foram convidados a entrar na sala e
prontamente iniciaram a sua apresentação. Informaram que trabalhavam com impressoras de médio e
grande portes que substituiriam as impressoras da instituição. As suas impressoras seriam
estrategicamente posicionadas em “ilhas de impressão”, dimensionadas de acordo com a demanda de
cada prédio. Cada funcionário teria uma quota mensal de impressão, de modo que impressões
adicionais, se houvesse, precisariam ser justificadas. O conteúdo das impressões, bem como as
quantidades, seria controlado por um software de gerenciamento, o que permitiria à universidade
auditar eventuais usos indevidos. Os suprimentos de impressão seriam responsabilidade da empresa,
bem como os profissionais responsáveis pela manutenção das impressoras. Destacaram que apenas o
papel seria fornecido pela universidade, enquanto fitas, cartuchos e toners seriam fornecidos pela
empresa.
Os representantes da empresa afirmaram que isso tudo poderia ser operacionalizado em
poucos dias e que, ao final, o valor cobrado pelos serviços seria 30% mais baixo que o custo atual da
universidade com impressão.
Todos os dirigentes presentes ficaram entusiasmados com a proposta. Vários queriam
implantar a solução imediatamente, logo após o processo licitatório. Miguel, no entanto, aguardou
que os representantes da empresa saíssem da reunião e comentou com os colegas:
– Entendo que essa empresa está propondo uma reengenharia de impressão, com concentração das
impressoras em locais específicos, em vez da descentralização que praticamos atualmente. Hoje,
vocês sabem, temos praticamente uma impressora em cada mesa de trabalho. São impressoras de
pequeno porte, mas também temos impressoras médias e grandes. Poderíamos nós mesmos fazer
uma simulação desse modelo, o que acham?
Antonio, um dos dirigentes presentes, imediatamente concordou com Miguel e disse:
– Eu concordo e até ofereço o meu setor para fazer esse teste.
Miguel então propôs:
– Me deem um mês para configurar um computador e o software que fará o gerenciamento das
impressões. Depois, precisaremos de mais um mês para fazermos os testes. Nesse período, faremos a
mensuração do uso de impressão no setor de Antonio. Creio que, se a empresa consegue reduzir o
nosso custo em 30% e ainda ter lucro, nós poderemos reduzir ainda mais essa margem, não é?
Todos concordaram, e a reunião foi encerrada com aquele encaminhamento. Haveria uma
nova reunião em dois meses, para que Miguel apresentasse os resultados e pudesse haver, então, a
decisão sobre a contratação de um terceiro para realizar os serviços de impressão.
A prova de conceito
Miguel saiu da reunião e retornou imediatamente ao setor de TI que dirigia. Convocou uma
reunião com os seus gerentes e informou sobre o compromisso que assumira. Pediu que dois
técnicos fossem alocados ao projeto e estabeleceu os prazos. Em dois meses, eles precisariam ter
uma resposta para oferecer aos demais dirigentes da universidade, e Miguel esperava que fosse uma
resposta que confirmasse que a TI institucional poderia resolver o problema com ganhos sobre a
terceirização.
Rômulo e Jonas foram alocados ao projeto. Rômulo era programador e teria a tarefa de
selecionar um software já existente e em código livre1
para que pudesse ser personalizado de acordo
com as necessidades do projeto. Jonas atuava na gerência de redes e seria responsável pela
1
Modalidade de desenvolvimento de sistemas em que o código-fonte é publicado para uso por outros desenvolvedores,
sem custo.
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configuração do equipamento servidor (o computador que executaria o software personalizado por
Rômulo) e sua conexão com a impressora de testes.
Tudo acontecia conforme previsto, até que, após algumas semanas de trabalho, Jonas
precisou se afastar para tratamento de saúde, e um outro colega foi alocado para substituí-lo. Esse
novo colega propôs algumas mudanças para o projeto, e Rômulo, que estava próximo de concluir a
sua parte, precisou de mais dias para fazê-lo. Enquanto efetuava as mudanças na programação,
Rômulo recebeu a notícia de que havia sido aprovado em um concurso para outro órgão público e
precisaria se apresentar imediatamente. Todos ficaram contentes com a melhoria salarial e
profissional conquistada pelo colega, mas o projeto precisaria sofrer mais um adiamento. Helder, o
substituto de Rômulo, só pôde assumir o posto após 30 dias desde a nomeação, o que coincidiu com
o retorno de Jonas, devidamente recuperado.
Recomposta a equipe, havia a necessidade de que Helder e Jonas pudessem realinhar os
requisitos do projeto e fazer os ajustes necessários após as mudanças. Mais um mês foi requerido, o
que elevou o tempo gasto até então para três meses e meio. Por volta do quarto mês de trabalho,
finalmente os dois técnicos anunciaram que poderiam iniciar os testes no setor de Antonio. Miguel
retomou o contato com o colega dirigente e informou que poderiam fazer as instalações, mas
Antonio não estava mais à frente do setor. Infelizmente, durante os meses em que a TI enfrentou
dificuldades com a equipe, Antonio assumira outro posto de direção, e o seu substituto não estava
disposto a servir como “cobaia”, conforme disse:
– Não sei do que se trata e não tenho tempo a perder. Não vou ser cobaia em um compromisso
assumido por outros.
Miguel percebia que havia diferenças de pensamento e de posicionamento político na gestão,
mas não podia impor a sua vontade. Iniciou, então, uma rodada de consultas aos colegas dirigentes
para verificar quem poderia realizar os testes, mas, nem bem havia concluído isso, os funcionários da
universidade informaram que adeririam a uma paralisação nacional, logo seguida de uma greve, que
se alongou por quase quatro meses.
Sabe-se que o retorno de uma greve traz uma série de consequências para qualquer setor que
esteve parcialmente paralisado. Prioridades precisam ser redefinidas, recursos precisam ser
realocados e pessoas precisam relembrar e retomar o que faziam. Esse conjunto de redefinições fez
com que a prova de conceitos (PoC), que Miguel antes intitulara “reengenharia de impressão”,
perdesse considerável importância. Novas e urgentes demandas consumiram os recursos da TI por
vários meses, e o projeto caiu no esquecimento.
O resultado
Foi em uma das várias reuniões de direção que se sucederam à greve que Miguel reportou ao
reitor e aos seus colegas os resultados do projeto. Após quase um ano desde que decidiram realizar a
prova de conceitos com recursos próprios, não havia sido possível validar a solução proposta pela TI,
tampouco verificar qual seria a redução possível nos custos. A equipe fora desfeita e realocada em
outros projetos prioritários, e Miguel lamentava, mas deixava aos colegas a decisão de recorrer à
terceirização, quando fosse oportuno.
Enquanto outros projetos eram priorizados e corriam bem em seu setor, Miguel refletia sobre
como agira no caso das impressões e pensava:
“Por que eu não pensei também em outras alternativas, outras possibilidades?”
“Por que eu tinha que assumir essa responsabilidade?”
“O que deu em mim, para que eu ignorasse as condições do serviço público e agisse como
se estivesse na iniciativa privada?”
Volume 10
Número 1
Jan/Jun 2020
Doc. 4
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c4
DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE
CORPORATIVO FORMAL
From beard to lipstick: diversity challenges in a formal corporate environment
ERIC DE CASTRO RAMOS – eric_castro_@hotmail.com
Faculdades IBMEC – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
ANA CHRISTINA CELANO TEIXEIRA – anacelano@gmail.com
Faculdades IBMEC – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
LUCIA B. OLIVEIRA – luciaoliveira22@gmail.com
Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas – Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Submissão: 20/12/2019 | Aprovação: 27/02/2020
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Resumo
O caso conta a história de um profissional que construiu uma carreira bem-sucedida numa empresa
de consultoria e que, durante esse caminho, identificou oportunidades e enfrentou desafios ao
assumir a bandeira da diversidade em sua empresa. Mais especificamente, esse executivo se sente
pressionado a tomar uma posição mais incisiva no momento em que se depara com a situação de um
colega transgênero, mas pondera sobre a aceitação de suas propostas e sobre os possíveis impactos
dessa iniciativa em sua própria carreira, especialmente considerando o formalismo e o
conservadorismo característicos dessa organização.
Palavras-chave: Diversidade, orientação sexual, identidade de gênero, transgênero, discriminação.
Abstract
The case tells the story of a professional who has built a successful career in a consulting firm and
who, along the way, has identified opportunities and faced challenges by taking the banner of
diversity in his company. More specifically, this executive feels pressured to take a more incisive
stance when faced with the situation of a transgender colleague, but ponders the acceptance of his
proposals and the possible impacts of this initiative on his own career, especially considering the
formalism and conservatism that characterize this organization.
Keywords: Diversity, sexual orientation, gender identity, transgender, discrimination
Introdução
Augusto é gestor de uma grande empresa de consultoria com abrangência internacional. Uma
das iniciativas em que estava bastante envolvido era o comitê de diversidade. Augusto sabia que essa
era uma atividade bastante desafiadora, considerando o ambiente de trabalho formal e a cultura
organizacional conservadora que predominava na empresa. Ao mesmo tempo, a importância de
ações ligadas à diversidade já havia sido reconhecida pela alta administração, tendo em vista a
mudança no perfil dos profissionais que a empresa precisava atrair.
Numa fria manhã de sábado, Augusto saiu para tomar café em uma cafeteria afastada de sua
vizinhança, mas que, havia quase uma década, fazia parte de sua rotina dos fins de semana. Ao entrar
no estabelecimento, viu uma moça que lhe pareceu muito familiar, usando um batom que chamava a
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DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL
Eric de Castro Ramos, Ana Christina Celano Teixeira, Lucia B. Oliveira
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atenção pela cor e por realçar a beleza de sua boca. Enquanto esperava para ser atendido, ficou
tentando identificar de onde a conhecia, até que, finalmente, descobriu. Tratava-se de Carlos, um
colega de trabalho que ele mesmo havia contratado havia 11 anos. Logicamente, o que dificultou o
reconhecimento foi o fato de o colega estar vestido de mulher.
Sem deixar-se ser visto, saiu rapidamente da cafeteria e voltou para sua casa, claramente
angustiado. Ele não conseguia parar de pensar naquela situação, na surpresa que teve e no que aquilo
poderia representar para Carlos. Ele não sabia, de fato, o que estava envolvido na questão. Mas logo
ficou imaginado se o colega teria alguma questão com sua identidade ou que outra possibilidade
estaria em jogo. Carlos seria transexual e esconderia sua identidade no trabalho? Seria um homem
crossdresser? Uma pessoa transexual não binária? Pensou, ainda, que, o que quer que fosse, poderia
estar gerando algum sofrimento, já que conhecia a cultura bastante conservadora da organização à
qual pertenciam. Também se perguntou por que ele próprio havia fugido do local e parecia, de certa
maneira, incomodado com a situação e mesmo com suas dúvidas sobre o que vira. Afinal, o que uma
pessoa veste e como se arruma para tomar um café só deveria dizer respeito a ela mesma. Augusto
acreditava nisso, ou queria muito acreditar. Enfim, eram muitas peças fora do lugar.
Ao longo do fim de semana, Augusto ficou pensando que deveria ser mais proativo em
relação à questão da diversidade e que talvez estivesse na hora de propor mudanças mais
significativas na empresa, mesmo que isso implicasse enfrentar diversos obstáculos, especialmente
em relação aos líderes mais conservadores. Afinal, pensou ele, em pleno século XXI, as pessoas não
deveriam precisar esconder ou ter qualquer questão com suas identidades no trabalho.
Augusto
Augusto nasceu em Icaraí, zona nobre da cidade de Niterói, RJ. Apesar de ter uma criação
tradicional, sempre se interessou por temas como diversidade, cultura e religião. Ao final do ensino
médio, se deparou com uma profunda angústia: qual carreira deveria seguir?
De um lado, havia a ilusão do retorno financeiro, que o fazia pensar que deveria escolher uma
carreira mais “tradicional”, como Economia ou Direito. Do outro, suas ambições pessoais faziam a
balança pesar para o lado de carreiras como Psicologia ou Filosofia. Nesse processo, ouviu diversos
conselhos, especialmente de seus pais e de sua namorada na época. Em resumo, se escolhesse uma
carreira mais tradicional, necessariamente teria que conviver com pessoas conservadoras. Por outro
lado, se seguisse suas paixões pessoais, “morreria de fome”.
Tentando minimizar a dor da decisão, em 1999, iniciou sua graduação em Economia em uma
boa universidade privada e, simultaneamente, ingressou nos cursos de Filosofia e de Sociologia em
outras duas diferentes instituições, uma delas pública. Essa aventura acadêmica logo se mostrou
insustentável, principalmente pelos diversos deslocamentos e custos de transporte e alimentação
necessários no dia a dia. Augusto recebia bolsa integral nas duas instituições privadas em que
estudava. O processo de escolha da carreira que ele abandonaria não foi necessariamente difícil
naquele momento. Optou pelo caminho que traria benefícios financeiros mais imediatos e logo
sentiu necessidade de associar os conhecimentos que vinha adquirindo na faculdade com
experiências profissionais que pudessem potencializar sua carreira corporativa.
Em 2001, com 23 anos e recém-formado no curso de Economia, Augusto foi em busca de
uma nova colocação. Ele logo se interessou pelo programa de trainees de uma empresa de
consultoria internacional altamente respeitada, que tinha como principal atrativo um plano de
carreira consistente que prometia oportunidades a todos que demonstrassem competência e aderência
aos seus valores.
Augusto se inscreveu no processo seletivo e logo recebeu a resposta positiva em relação à
adequação de seu currículo. Pouco a pouco, foi avançando nas fases do longo processo, até chegar na
entrevista final com um dos principais executivos da empresa. Augusto percebeu que se tratava de
alguém que sempre via em entrevistas sobre assuntos financeiros e econômicos nas páginas das
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revistas especializadas. Após quase uma hora de excelente conversa, ele ouviu a seguinte proposta:
“Se eu te contratar, você faz a barba?”. Encarando a proposição com humor, Augusto sorriu e
respondeu afirmativamente. Naquele momento, percebeu que precisaria fazer diversas concessões
para se ajustar àquele ambiente organizacional, bem diferente do que estava acostumado e também
distante de suas preferências pessoais, inclusive em termos de comportamento e aparência.
Início de carreira
A empresa era uma das maiores da área de consultoria no mundo, reconhecida pela
excelência de seus profissionais e com quase 150 anos de história. Com toda essa tradição, tinha
como uma de suas obrigações competitivas se manter na vanguarda técnica, mas também, em
princípio, precisava estar atenta às inovações comportamentais e organizacionais que ocorriam no
mundo corporativo.
Assim que recebeu a resposta de sua aprovação, Augusto correu para comprar roupas que se
adequassem ao esperado para sua nova posição e, logicamente, fazer a barba, com todo o capricho.
Já no seu primeiro dia, sentiu na pele que suas roupas não eram exatamente adequadas ao clima da
cidade do Rio de Janeiro.
O grupo de novos trainees incluía mais de 150 jovens profissionais, de diferentes estados,
incluindo Rio de Janeiro, Minas Gerais e alguns estados do Nordeste. Ao conhecer seus colegas,
Augusto notou, de cara, a presença de poucos negros, aproximadamente 5%. O número de mulheres,
por outro lado, era equivalente ao de homens, o que sinalizava algum progresso na estratégia de
diversificação da força de trabalho da empresa, que, entre os 28 executivos ativos no escritório do
Rio de Janeiro, tinha apenas uma mulher e nenhum negro.
Toda a turma participou de um programa de treinamento com duração de aproximadamente
um mês. A maior parte tinha caráter técnico, mas houve espaço para treinamentos comportamentais
que, apesar de muito ricos, visavam essencialmente definir a maneira como os homens e as mulheres
deveriam se vestir e se comportar, nos mínimos detalhes. Nesses encontros, por exemplo, se falava
sobre que cores ou tipos de roupas as mulheres deveriam usar. Para os homens, também havia um
guia de estilo corporativo, porém muito menos restritivo do que para as mulheres. Elas, por exemplo,
deveriam evitar vermelho, inclusive nas unhas, com a justificativa de que essa cor poderia despertar
a libido de clientes e colegas de trabalho.
Nesses primeiros dias de treinamento e ambientação, uma situação marcou Augusto de
maneira especial. Um de seus colegas de turma – que apresentava um comportamento mais feminino
e tinha os cabelos totalmente brancos, apesar da pouca idade – logo virou motivo de piada e alvo de
bullying por parte dos colegas. Num dia, perto do horário do almoço, praticamente a turma toda
cantou em uníssono: “O vovô gosta de tapa na cara, o vovô pega na arma e dispara”.
O engajamento na brincadeira de mau gosto foi tão grande que o coro passou a se repetir três
vezes por dia, em horários praticamente fixos: início do dia, após o almoço e antes do final do
expediente, durante todo o mês de treinamento. Em algum momento, o coro ganhou inclusive
reforço de alguns executivos da empresa, que cantavam empolgados com a “união” do grupo. Um
fator importante em todo esse movimento em torno do “vovô” foi a incapacidade de colegas menos
propensos à “brincadeira” de denunciar esse bullying coletivo.
Desenvolvimento institucional de respeito à diversidade
Quatro anos após sua entrada na empresa, em 2005, Augusto já era uma liderança técnica de
nível intermediário no escritório do Rio de Janeiro. Em função disso, percebeu que havia espaço para
se posicionar como uma liderança que apoiava a diversidade, entendendo que, dessa forma, ganharia
protagonismo em um tema altamente relevante para o mercado e a sociedade.
Mais ainda, ele sempre se sentiu incomodado com o fato de a empresa ter um discurso de vanguarda
e, ao mesmo tempo, ter práticas tão conservadoras e mesmo preconceituosas, como a “brincadeira”
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de mau gosto feita com seu colega de cabelos brancos. Augusto via que alguns membros da alta
liderança entendiam a gestão da diversidade a partir de uma perspectiva meramente utilitarista, quase
protocolar, e que a empresa não estava institucionalmente engajada em criar um ambiente saudável
para profissionais enquadrados em grupos que historicamente têm sofrido algum tipo de preconceito
no mundo corporativo. Ele nunca esqueceu os momentos terríveis de bullying que seu colega
enfrentou naquele treinamento.
Augusto se tornou voluntário no comitê de diversidade que a empresa criou e rapidamente,
talvez por falta de interesse de seus colegas, passou a liderá-lo. As iniciativas do comitê incluíram
desde a sugestão da criação de benefícios para facilitar a ascensão de mulheres a níveis executivos –
como home office para as mães com crianças recém-nascidas – até o desenvolvimento de materiais
de divulgação da hotline da empresa, incentivando que fossem reportadas quaisquer evidências de
preconceito e discriminação. Aos poucos, o comitê ganhou força, e os resultados começaram a
aparecer. Houve um aumento no número de mulheres em posições executivas e mais profissionais
negros passaram a integrar os programas de trainee da empresa. Aos poucos, o comitê foi se
tornando referência global entre as empresas associadas. Augusto também seguiu sua trajetória de
ascensão e, em 2008, assumiu uma posição de alta liderança.
Naquele mesmo ano, fez uma rodada de palestras nos escritórios da empresa ao redor do
mundo e voltou com a impressão de que as ideias de diversidade não eram bem aceitas pelas
lideranças mais antigas. Alguns executivos com quem teve oportunidade de debater o assunto
entendiam que as mulheres não tinham as competências necessárias para assumir posições de
liderança e que não havia espaço para a homossexualidade no mundo dos negócios, especialmente
numa empresa “respeitada” como a deles. Por outro lado, ele percebia que, entre profissionais mais
jovens, que ocupavam cargos de menor hierarquia, havia um amplo apoio às ideias mais inclusivas.
Foi nessa época que Augusto entrevistou Carlos, um jovem talento que, além de bastante
entusiasmado, tinha um currículo de dar inveja para sua idade. A posição para a qual havia se
candidatado era estratégica, e, se aprovado, ele faria parte da equipe de um grande cliente que a
empresa havia acabado de conquistar. Ao longo da entrevista, Augusto observou alguns
comportamentos diferentes do que ele imaginava ser um padrão tipicamente heterossexual, mas
logicamente isso, para Augusto, não teve nenhum peso no processo de seleção.
Augusto, mesmo sendo uma das principais vozes a favor da diversidade, sabia que seu
superior, responsável pelo projeto, não era aberto à diversidade. Tratava-se de um profissional
altamente respeitado, que, aos 62 anos, estava em seus últimos anos de carreira na empresa, já que
havia um programa de aposentadoria compulsória aos 65 anos. Depois de refletir um pouco, decidiu
compartilhar com ele o perfil do candidato. Em uma breve conversa, Augusto ouviu a seguinte
orientação: “Se não tiver ninguém mais ou menos, contrata o viadinho mesmo”. Por reconhecer que
Carlos era o mais qualificado para a posição, decidiu contratá-lo.
O projeto correu como esperado, e o desempenho do profissional recém-contratado
surpreendeu todos positivamente. Ao mesmo tempo, Augusto logo confirmou a percepção que teve
durante a entrevista, de que o comportamento de Carlos divergia muito do “padrão” de um homem
heterossexual de sua idade. Como não foi o único a perceber isso, infelizmente, mesmo com todo o
trabalho em prol do respeito pela diversidade e pela inclusão, muitas brincadeiras surgiram sobre o
novo membro da equipe, mesmo na frente de Augusto.
A gota d’água
Alguns anos depois, em 2019, Carlos já ocupava um cargo de liderança média, mas dava
sinais claros de cansaço diante de tantos preconceitos, o que vinha afetando seu desempenho.
Augusto acompanhava com angústia essa situação, mas não sabia exatamente o que fazer. Após o
encontro com Carlos vestido de mulher naquela fria manhã de sábado, Augusto se sentiu mais
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pressionado do que nunca a agir e tomar a dianteira no enfrentamento da questão institucional da
diversidade de gênero e orientação sexual.
No início da semana seguinte, divulgou um primeiro material sobre o assunto. Poucos dias
depois, alguns colegas da empresa o procuraram para confidenciar sua orientação sexual e para
desabafar as humilhações que sofreram durante a vida, dentro e fora do ambiente profissional. Relato
por relato, Augusto foi juntando dados para desenvolver uma divulgação mais ampla que teria como
objetivo estimular o desenvolvimento de ações práticas de apoio à diversidade de gênero e
orientação sexual.
No final de uma quarta-feira, Augusto recebeu em sua sala a inesperada visita de Carlos – a
moça do batom rosa. Na conversa, Carlos confidenciou que tinha uma namorada e que se sentia
verdadeiramente atraído por mulheres. O relato deixou Augusto um pouco confuso, pois ele mesmo
havia estabelecido seu preconceito particular, já que Carlos se identificava como uma pessoa do
gênero feminino. Sem demonstrar sua surpresa, Augusto continuou a ouvir o colega. Quase ao final
da conversa, com voz baixa, o jovem profissional repetiu que se sentia atraído por mulheres e que
havia escolhido para si o novo nome de Clara. Em seu relato, ele ressaltou como era difícil ter que se
violentar diariamente para assumir uma identidade masculina que não lhe pertencia e como, por
vezes, ao deixar escapar uma ou outra palavra ou ação, era alvo de brincadeiras de mau gosto,
principalmente vindas de colegas que ocupavam cargos hierarquicamente superiores.
Nos dias seguintes, Augusto seguiu pensando sobre tudo isso, percebendo que um grande
talento estava sendo bombardeado por brincadeiras nocivas, que nada tinham a ver com seu
desempenho no trabalho. Dia a dia, ficava clara sua perda de entusiasmo e produtividade. Augusto
também se dava conta de que, ao redor do mundo, outras mentes brilhantes estavam sendo perdidas
pela empresa, sem falar nos traumas e violências sofridos por esses profissionais que são alvo do
preconceito institucionalizado. Ao mesmo tempo, Augusto sabia que não havia nenhum profissional
transgênero em toda a empresa e que, se decidisse enfrentar a questão, encontraria inúmeros
obstáculos. Por outro lado, ele realmente gostaria de poder chamar Carlos por seu real nome, Clara!
Apesar das dúvidas, decidiu preparar um material de divulgação específico sobre diversidade
de gênero e de orientação sexual. Era a primeira vez que estava atacando frontalmente essa questão,
já que, até então, esses dois temas ocupavam um espaço periférico nas iniciativas do comitê de
diversidade. Após preparar pessoalmente o material e apresentar aos membros do comitê, foi
decidido que alguns pequenos ajustes deveriam ser feitos e, antes da divulgação, o material deveria
passar pela aprovação dos executivos líderes no Brasil.
Feitas as modificações propostas pelo comitê, Augusto organizou uma reunião com os
principais líderes da empresa. Ele sabia que a batalha seria dura, já que a maioria dos executivos
tinha mais de 55 anos de idade e aproximadamente 30 anos na empresa. Nenhum dos presentes
ousou ser deliberadamente contra a divulgação, mas também ninguém deu apoio irrestrito à
iniciativa, gerando, assim, como resultado da reunião, um volume de alterações que transformou o
material em uma divulgação tímida sobre orientação sexual, excluindo totalmente a questão da
identidade de gênero. Augusto, apesar de decepcionado com o resultado, colocou o material em
circulação assim que foram concluídos os ajustes.
Em seguida, Augusto decidiu reunir-se com Clara em um ambiente mais informal, para
entender um pouco melhor o drama de pessoas que tinham que lidar diariamente com contradições
de gênero ou comportamento. Combinaram um café da manhã no sábado seguinte. Ao chegar, logo
avistou Clara vestida com roupas femininas, unhas pintadas de uma cor clara, usando uma
maquiagem leve e bonita. Augusto se preparou por um breve momento para conversar com completa
naturalidade com sua colega e aproximou-se. Nas horas seguintes, ouviu histórias que o deixaram
muito apreensivo e preocupado. Os problemas começavam com o conflito de identidade e envolviam
momentos de depressão severa. Clara também revelou que – apesar das ótimas avaliações que
recebia – seu desempenho poderia ser muito superior, se não fosse sua intensa dedicação e atenção
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para ocultar comportamentos que pudessem gerar dúvidas sobre sua identidade de gênero e
orientação sexual.
No final da conversa, Clara também relatou que, algumas vezes, esteve muito perto de pedir
demissão, pela dificuldade que tinha em ser obrigada a mentir todos os dias de sua vida profissional.
Após um breve momento de silêncio, o garçom trouxe a conta, que foi devidamente dividida, e Clara
se afastou da mesa aparentando alguma tristeza, e encerrou aquele encontro dizendo, simplesmente,
“Obrigada”.
Nos dias seguintes, ainda sem decidir se colocaria ou não o projeto para discussão naquele
momento, Augusto começou a desenhar uma iniciativa que tinha como objetivo viabilizar a adesão
da empresa aos 10 compromissos propostos pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o que
implicaria:
1. comprometer-se, presidência e executivos, com o respeito e com a promoção dos direitos
LGBTI+;
2. promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBTI+;
3. promover ambiente respeitoso, seguro e saudável para as pessoas LGBTI+;
4. sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBTI+;
5. estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade LGBTI+;
6. promover o respeito aos direitos LGBTI+ na comunicação e marketing;
7. promover o respeito aos direitos LGBTI+ no planejamento de produtos, serviços e
atendimento aos clientes;
8. promover ações de desenvolvimento profissional de pessoas do segmento LGBTI+;
9. promover o desenvolvimento econômico e social das pessoas LGBTI+ na cadeia de valor;
10.promover e apoiar ações em prol dos direitos LGBTI+ na comunidade.
Além da inclusão da empresa como signatária do pacto, havia um conjunto de iniciativas de
suporte aos funcionários que decidissem assumir institucionalmente sua orientação sexual ou sua
identidade de gênero:
1. Oferecer licença não remunerada aos profissionais que desejassem realizar intervenção
cirúrgica para redesignação sexual, para que pudessem executar as mudanças físicas
necessárias.
2. Divulgar e apoiar institucionalmente a mudança de gênero, vinculada ou não a cirurgias de
redesignação sexual, deixando claro o novo nome social do profissional, alterando, inclusive,
e-mails e cartões de visita.
3. Contratar serviços jurídicos e psicológicos dedicados a dar suporte aos profissionais que
necessitassem de qualquer apoio nessas áreas durante o processo.
4. Incluir, no código de ética da empresa, falta relacionada a qualquer tipo de preconceito,
punível com desligamento por justa causa.
Augusto estava com o pacote de iniciativas pronto e estruturado, mas ainda não estava seguro
sobre se deveria incluir o debate desse pacote na pauta da empresa. Será que a empresa estaria pronta?
Ele também tinha receio de expor seus colegas e, no final, não conseguir mudar muita coisa. Que
caminho seguir? Deveria mesmo comprar essa briga e, talvez, colocar sua carreira e a de Clara em
risco?
Volume 10
Número 1
Jan/Jun 2020
Doc. 5
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
________________________________________________________________________________________________
©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c5
INSETOS CALÇADOS: CALÇANDO UMA CAUSA
Insetos Footwear: wearing a cause
RENATA DE LIMA MARQUES BATISTA – renataamarques10@gmail.com
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil
STEPHANIE INGRID SOUZA BARBOZA – stephanieisb@gmail.com
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil
Submissão: 27/06/2019 | Aprovação: 28/04/2020
_________________________________________________________________________________
Resumo
O caso tem como objetivo permitir um estudo mais aprofundado sobre segmentação de mercado,
posicionamento de marcas e construção do brand equity. O caso descreve o contexto da empresa
Insetos Calçados, marca de calçados e acessórios veganos e ecológicos. Em seu posicionamento, a
empresa adota uma postura de preocupação com o planeta. Todas as suas peças são produzidas de
modo artesanal, a partir de materiais reaproveitados, como roupas de brechós, tecido de garrafa PET,
laminado vegetal, entre outros. Esse interesse pela moda ética e o desejo por produzir calçados sem
causar impactos ambientais resultaram em peças veganas, sem nada de origem animal. Atualmente, o
nicho de moda vegana está em constante expansão, dessa forma esse mercado vem se tornando cada
vez mais competitivo. Diante disso, é essencial que a Insetos encontre meios para aproveitar esse
crescimento do mercado vegano sem perder a sua característica de exclusividade dos produtos e de
ser artesanal.
Palavras-chave: Moda vegana, segmentação de mercado, posicionamento de marca, brand equity.
Abstract
The case aims to allow a more in-depth study on market segmentation, brand positioning and brand
equity construction. The case describes the context of the company Insetos Calçados, brand of
footwear and accessories vegan and ecological. The company has a real concern with the planet, so it
makes the possible so that its production and its positioning reflect positively in the society. All of its
pieces are produced in a handmade way from recycled materials, such as garments from thrift stores,
PET bottle fabric, plant laminate, among others. This interest in ethical fashion and the desire to
produce shoes without causing environmental impacts, resulted in vegan pieces, with nothing of
animal origin. Currently, the vegan fashion niche is constantly expanding, so this market has become
increasingly competitive. In view of this, it is essential that Insetos find ways to take advantage of
this growth of the vegan market without losing its characteristic of exclusivity of the products and of
being artisan.
Keywords: Vegan fashion, market segmentation, brand positioning, brand equity.
Insetos Calçados: a proposta da empresa
Em janeiro de 2014, duas amigas ligadas ao mundo da moda que moravam em Porto Alegre –
RS resolveram abrir um novo negócio e criar um produto inovador. A designer de moda Pamella
Magpali trabalhava na produção de calçados da MAG-P Shoes, uma marca de sapatos artesanais que
utilizava o excesso de couro da indústria calçadista. Já a profissional de Marketing Bárbara Mattivy
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INSETOS CALÇADOS: CALÇANDO UMA CAUSA
Renata de Lima Marques Batista, Stephanie Ingrid Souza Barboza
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possuía um brechó on-line, chamado Urban Vintagers, cujas roupas acabavam ficando no estoque
por bastante tempo, por conta das suas estampas chamativas.
Juntas, utilizaram tais roupas para fazer sapatos artesanais, com a ideia de aumentar a vida
útil dessas peças que estavam paradas. Fizeram 20 pares de sapatos, que foram vendidos no site do
brechó, em apenas dois dias. A dupla percebeu que aquela ideia tinha público. Decidiram produzir
mais 100 calçados, e, em três meses, já tinham sido todos vendidos. O interesse pela moda ética e o
desejo de produzir calçados sem causar impactos ambientais resultaram em peças 100% veganas,
sem nada de origem animal, somente materiais reaproveitados. O sucesso imediato deu origem à
Insetos Calçados.
Durante as primeiras atividades da empresa, as sócias não realizaram nenhum tipo de
planejamento nem pesquisas de mercado, foram crescendo de maneira empírica. Começaram com
um investimento inicial baixo, apenas com recursos próprios, para entender se o mercado aceitaria
um sapato com uma proposta totalmente diferente dos convencionais e com estampas chamativas e
pouco usuais.
O feedback dos clientes foi tão favorável que, em abril de 2014, foi lançada a loja virtual da
marca. Após um ano, foi inaugurada a loja em Porto Alegre, com investimento de R$ 30 mil. Em
julho de 2015, Pamella deixou a empresa, pois seus ideais divergiam dos rumos que a Insetos estava
tomando; seu foco era a produção artesanal, e ela queria continuar produzindo os sapatos com as
próprias mãos. Na opinião dela, quando esse trabalho é feito pela indústria, não é possível
acompanhar de perto a produção, os materiais, nem colocar em prática suas ideias. Ainda em 2015, o
faturamento foi de 1 milhão de reais e, em 2016, chegou a 1,7 milhão.
No início, a marca atuava como uma startup, com bastante dependência das sócias e sem
departamentos definidos, mas hoje já tem processos organizados. Atualmente, os sapatos são
produzidos em uma fábrica terceirizada, localizada em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. A
Insetos possui hoje 17 funcionários, que estão divididos nas duas lojas físicas, situadas em Porto
Alegre e São Paulo. A empresa possui uma relação profissional estabelecida de modo horizontal, já
que sócios e estagiários convivem na mesma sala, todos têm acesso de maneira direta.
Seu público-alvo são jovens adultos de 20 a 35 anos, a maioria são mulheres que se
identificam com os valores que a Insetos Calçados transmite. Quem compra esses produtos não são
apenas veganos, mas todos aqueles que têm a preocupação com a origem do produto, com os
insumos usados e se sua produção agride o meio ambiente. A grande maioria dos consumidores está
localizada nas regiões sudeste e sul do Brasil, em grandes centros urbanos, como São Paulo, Porto
Alegre, Rio de Janeiro, Curitiba, entre outras capitais.
Em seu posicionamento, a empresa adota uma postura de preocupação com o planeta. Por
esse motivo, recebeu algumas certificações. Possui o selo EuReciclo, que comprova que a marca faz
a compensação ambiental de embalagens, realiza a logística reversa e cumpre a política nacional de
resíduos sólidos, dando um destino ambiental correto para o lixo gerado. Possui a certificação do
Peta (People for the Ethical Treatment of Animals), maior organização de direitos animais do mundo,
cujo selo garante que a marca apoia práticas, serviços e produtos livres de crueldade animal. Outra
certificação é o selo Empresa B, por ter a responsabilidade de fornecer soluções para problemas
sociais e ambientais, tendo como propósito a criação de impactos positivos na sociedade e no meio
ambiente.
Todo início de ano, a Insetos Calçados divulga para seus consumidores os impactos causados
por sua produção durante os últimos anos. Em janeiro de 2019, a marca completou cinco anos e
divulgou que já produziu mais de 28.134 pares de calçados, já reaproveitou 2.194,49 metros de
tecidos e já reciclou 21.198,96 garrafas PET, 1.569 kg de caixas de papelão, 6.670,52 kg de borracha
reciclada e 900,76 kg de algodão. Além disso, sem usar nenhum componente de origem animal,
salvou também a vida de muitos animais.
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INSETOS CALÇADOS: CALÇANDO UMA CAUSA
Renata de Lima Marques Batista, Stephanie Ingrid Souza Barboza
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O portfólio da Insetos
A marca produz sapatos e acessórios veganos, confortáveis, unissex, ecológicos e inovadores.
Os calçados dividem-se em oito linhas, incluindo oxfords, sandálias, botas e outros modelos. A grade
de numeração varia do 33 ao 45. As coleções são pensadas mensalmente, sempre à procura de itens
que provavelmente não serão mais usados. O sapato também é atemporal, ou seja, não se limita ao
uso em uma estação determinada, sem a necessidade de seguir tendências estipuladas pelo mercado
da moda. A produção dos seus acessórios varia a cada coleção, podendo incluir mochilas,
nécessaires, ecobags, entre outros.
A Insetos Calçados sempre esteve em busca de modos diferentes de produzir sapatos
sustentáveis. Por isso, além da linha de roupas vintage, que deu origem à marca, também tem as
linhas feitas com tecido e linha de garrafa PET, laminado vegetal, borracha reaproveitada e outros
insumos. O tecido de garrafa PET foi uma opção ainda sustentável para que a marca pudesse usufruir
da sua criação de estamparias, visto que a produção com roupas torna os produtos da marca bem
limitados, pois cada roupa gera de cinco a seis calçados. Para alguns, essa limitação é boa, porque
torna as peças exclusivas; por outro lado, alguns clientes podem ficar insatisfeitos em não encontrar
a sua estampa favorita com sua numeração.
Os sapatos são comercializados a um preço médio de R$ 250,00. É um preço considerado
razoável pelo fato de ser mais caro trabalhar com fornecedores de matérias-primas sustentáveis e por
não haver tanta oferta no mercado. Além disso, esse valor é agregado não só pelo material que é
utilizado, mas pelo trabalho enorme para produzir todas as peças de maneira artesanal e em baixa
escala.
Bárbara costuma ouvir questionamentos do tipo: “Se as peças são feitas de lixo, por que são
mais caras?”. E isso é um desafio para a empresa: fazer com que os consumidores entendam os
motivos que tornam o preço mais elevado, comparado com outras marcas mais populares, e
encontrar meios para tornar o preço mais atrativo. Criar descontos é alternativa interessante, ou até
mesmo criar sapatos personalizados com as próprias roupas de seus consumidores. Uma forma já
utilizada pela Insetos é dar descontos para quem devolve seus “besouros” (apelido dado para os
sapatos Insetos) que não usam mais.
As vendas são realizadas pelo e-commerce e em suas duas lojas físicas. A marca possui
também diversas parcerias com algumas lojas físicas no Brasil, Estados Unidos e Europa, que
vendem apenas produtos ecológicos e veganos. Em abril de 2019, a empresa expandiu-se
internacionalmente, ao lançar seu e-commerce e fazer envios para todo o mundo. Para facilitar a
logística, Bárbara decidiu abrir um centro de distribuição na América Latina.
A comunicação da Insetos é feita por meio das mídias sociais, como o Facebook, Instagram,
blog e e-mail. As ferramentas digitais não são utilizadas somente para a promoção dos produtos, são
também um canal para informar sobre assuntos relacionados ao universo da marca. Suas páginas são
atualizadas diariamente, com conteúdos que envolvem assuntos como conscientização sustentável,
iniciativas ecológicas, receitas veganas, marcas independentes, entre outros que se relacionem com a
proposta da empresa. Outra forma de se comunicar e gerar mais engajamento entre seus clientes é
por meio de workshops, feiras de adoção de animais, bazares, shows e outros eventos que são
realizados nas lojas oficiais da marca.
O mercado da moda: a indústria calçadista e o movimento vegano
A indústria da moda, constituída pelos segmentos têxtil e confecções, couro e calçados, e
joias e bijuterias, apresenta números que a tornam expressiva para a economia brasileira,
principalmente por sua grande contribuição na geração de emprego e renda, já que é um dos maiores
empregadores da indústria de transformação do País. Com relação à indústria calçadista, de acordo
com a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados, 2019), em termos de números
de pares de calçados, o Brasil é um dos maiores produtores do mundo, ficando em quarto lugar no
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  • 2. Volume 10 Número 1 Jan/Jun 2020 Doc. 1 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c1 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Doubled energy: the challenges of a startup in Brazilian retail VIVIANE MOURA ROCHA FERREIRA – vivianemourarocha@gmail.com Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV e Escola Superior de Propaganda e Marketing – São Paulo, SP, Brasil VICTOR SAMPAIO COMPER – victor@soudobro.com.br DOBRO – São Paulo, SP, Brasil CARLOS RONALDO PAES FERREIRA – carlos.ronaldo.ferreira@gmail.com Companhia Técnica e COMPARA – São Paulo, SP, Brasil Submissão: 19/12/2019 | Aprovação: 29/01/2020 _________________________________________________________________________________ Resumo A DOBRO, empresa de alimentos naturais e energéticos, iniciou suas atividades em dezembro de 2017 e, desde então, vem registrando expressivo crescimento na produção e comercialização de suas barras energéticas de café. Com apenas dois anos de atuação no mercado, o produto já pode ser encontrado em mais de 530 pontos de venda no Brasil. Seus três sócios – Victor, Lucas e Pedro – dividem entre si as principais responsabilidades da gestão da DOBRO no seu dia a dia (Produção, Distribuição, Marketing e Finanças). O desafio de maior relevância para os três sócios, atualmente, é como levar adiante um modelo de distribuição do produto, em escala nacional, preservando uma margem operacional satisfatória sem prejudicar o forte ritmo de crescimento mensal que a DOBRO vem alcançando, desde o seu lançamento. Palavras-chave: Distribuição, marketing, métricas, empreendedorismo, startup. Abstract DOBRO is a producer of natural and energetic bars that started its activities in December 2017 and, since then, has been achieving expressive growth in the production and selling of its energetic coffee bars. After 2 years of operation, its products are already distributed in more than 530 points of sale in Brazil. The three shareholders - Victor, Lucas and Pedro - share DOBRO´s daily operations main responsibilities (Production, Distribution, Marketing and Finance). Their current main challenge is how to develop and manage a national distribution model for the product, maintaining both a satisfactory operational margin and the strong growth ratio reached by DOBRO since the beginning of its operations. Keywords: Distribution, marketing, metrics, entrepreneurship, start-up. Introdução Desde o início do curso de Administração de Empresas na FGV/EAESP, Victor já tinha como meta trilhar o caminho do empreendedorismo. Após alguns estágios em startups em São Paulo, o período de intercâmbio, no segundo semestre de 2016, proporcionou uma ótima oportunidade de conhecer a Califórnia, referência global nessa área. Com novas experiências profissionais “na
  • 3. 2 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos bagagem”, além da confirmação da vocação e desejo de criar seu próprio negócio, veio também a “sacada” em relação à natureza dele. Victor observou que era muito comum, para os praticantes de esportes de inverno nos EUA, o consumo de energéticos (em forma de barra), tanto pela necessidade de reposição de energia quanto pela praticidade da embalagem (bem compacta) e capacidade de saciedade por um considerável período por meio das barras sintéticas. Aproveitando o conceito, mas colocando como premissa a troca da característica “sintética” pela “natural”, chegou-se ao café como componente referência para o novo produto. Voltando para o Brasil com a proposta de “produzir uma barra energética de café”, Victor passou a contar com seu amigo Lucas como sócio do empreendimento, ainda no estágio inicial. Ações iniciais e primeiros passos Victor e Lucas desenvolveram uma lista de argumentos para sensibilizar e convencer uma engenheira de alimentos a “embarcar no projeto” e realizar os testes necessários para a elaboração do produto, assim como explicitaram as premissas para o novo produto: - A barra energética já é um produto testado e consumido tanto pelo mercado local quanto pelo internacional. - O consumo do ingrediente café tem forte vínculo com a cultura brasileira, e é a segunda bebida mais consumida no mundo. - A cafeína é identificada como um estimulante conhecido. - Foi mapeada a tendência de forte crescimento no consumo de produtos naturais. - Para dar certo, a barra a ser lançada “não poderia ter um gosto ruim”. Engenheira de alimentos devidamente convencida, foram efetuados 28 testes na composição da barra até alcançar um resultado considerado satisfatório. O grande desafio ao longo dessa etapa, para atingir o produto final, foi o de harmonizar da melhor maneira possível sabor e funcionalidade, fatores que se mostraram inversamente proporcionais ao longo dos testes realizados. Com a fórmula definida (Anexo 1), o passo seguinte foi o da produção. Nessa etapa, o desafio era identificar uma fábrica para aplicar a fórmula criada e produzir as barras de café em escala industrial. Nesse processo de pesquisa, a engenheira de alimentos teve um papel fundamental indicando a Bradal (indústria localizada em Limeira/SP) como uma fábrica que já contava com histórico positivo nesse segmento. Isso acabou facilitando o contato e fechamento do contrato para o início da produção do DOBRO (a produção vem sendo mantida na Bradal desde então). Elaborada a fórmula do produto e definido o local de produção, veio o desafio seguinte: a escolha do nome. O nome DOBRO foi escolhido inspirado no símbolo do infinito como referência, a ideia de “dobrar os números do círculo de Vortex, ligando os pontos e tendo o infinito como desenho formado após eventuais repetições”. O nome também homenageia Nikola Tesla (1856/1943) e a “energia que está nos números” (Anexo 2). Com o maior volume de trabalho e a necessidade de estruturar as áreas de Distribuição e Marketing, ficou claro para os sócios que “dois não estava sendo suficiente e três não seria demais”, razão pela qual Pedro entrou na DOBRO como novo sócio, estrutura que se mantém desde então (Figura 1).
  • 4. 3 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Figura 1. Os três sócios da DOBRO: Lucas Gazola, Victor Comper e Pedro Chuluck Fonte: @vscomper. Lançamento do produto Para o lançamento da barra energética DOBRO ocorrer durante o Festival 00 – entre os dias 1 e 3 de dezembro de 2017 (Anexo 3) –, os três sócios tiveram que acelerar diversas linhas de ação, com destaque para: - registro do produto nos órgãos reguladores; - validação do conceito de “produto energético”; - consolidação dos resultados das pesquisas de mercado e diversos testes de degustação; - contratação de empresas de “inteligência de produto” para estruturação do plano estratégico e tático de Marketing (o que incluiu a escolha do modelo de embalagem); - definição do modelo de distribuição inicial. Foram escolhidos três sabores para a produção e comercialização – Mocha Latte, Coconut Mocha e Caramel Macchiato (Figura 2), mantidos até o desenvolvimento da nova embalagem (Figura 3), quando os sabores foram traduzidos para o português. Em junho de 2019, na feira Naturaltech (2019), foi iniciado um novo passo na reestruturação da marca, junto com o lançamento da barra de proteína (Figura 4) e a definição do modelo de venda direta (via e-commerce e marketplaces) como canais iniciais de distribuição. Para o lançamento, uma agência foi contratada para fazer a embalagem do produto. Nesse momento, os sócios identificaram a necessidade de mudar a embalagem inicial das barras energéticas a fim de trazer mais informações necessárias para o entendimento do produto visando o aumento das vendas.
  • 5. 4 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Figura 2. Primeira embalagem das barras energéticas de café em três sabores Fonte: Acervo DOBRO Figura 3 – Nova embalagem das barras energéticas de café em três sabores com nomes traduzidos Fonte: Acervo DOBRO Figura 4. Embalagens e sabores barras de proteína Fonte: Acervo DOBRO Assim, as embalagens das barras energéticas foram modificadas, e simultaneamente foram lançadas as barras de proteínas, também feitas com cafeína natural (inerentes do café verde, um extrato micronizado, sem gosto, do grão do café verde). As barras de proteína contam com cinco sabores exclusivos: bolo de cenoura, creme de papaia, pasta de pistache, espinafre e grãos e pesto com castanha de caju. Esses dois últimos são as primeiras barras de proteínas salgadas. O segmento de esportistas aderiu de modo natural ao produto, mas, para ampliar a capacidade de penetração da DOBRO, foram trabalhados e enfatizados no processo de comunicação atributos do produto que impactassem positivamente o público jovem. Com investimento em mídias digitais, houve um crescimento do acesso de pessoas no site da DOBRO (2019). O investimento realizado foi de R$ 2 mil por mês em Google ads e Facebook ads, com a compra de palavras-chave e todo um trabalho estratégico para a procura de possíveis leads até a venda aos potenciais clientes.
  • 6. 5 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Como se aprende na literatura de Marketing, um bom planejamento e implementação de um plano de mídia digital faz com que o público-alvo da empresa seja atingido de maneira eficaz. No caso da DOBRO, foram desenhadas duas personas: (1) atletas e pessoas focadas na performance de suas atividades e treinos (ex.: triatletas profissionais e amadores) e (2) pessoas que buscam equilíbrio e que treinam (ex.: analistas/advogados/médicos que trabalham o dia todo e se alimentam adequadamente, mantendo uma boa rotina de treinos). Após o investimento em marketing digital, a DOBRO verificou tanto um aumento do acesso ao site quanto a recorrência do cliente na página da DOBRO, assim como o incremento nas vendas por meio do site – 197% de aumento de vendas no primeiro semestre de 2019 em relação ao mesmo período de 2018 – e o valor do ticket médio. Esse último deu-se a partir do aumento do portfólio e da inclusão de combos com ticket médio maior. Com o aumento de clientes no site da DOBRO, a empresa sentiu-se impulsionada a incluir novos conteúdos, ou seja, semanalmente a empresa propôs-se a escrever um artigo e publicar no site. Além do artigo, a empresa passou a enviar conteúdo educacional por e-mail e posts no Instagram. O lançamento foi um sucesso, houve uma ótima recepção ao produto, a meta de vendas de 2018 foi superada e a distribuição passou a ocorrer também em algumas lojas físicas, com maior identificação com a sustentabilidade e natureza, como o exemplo do varejista Mundo Verde. A presença e visibilidade do produto no ponto de venda é fundamental; se o consumidor não vê o produto no ponto de venda, na prática é como se esse produto não estivesse sendo vendido). Com base nessa premissa, nos pontos de venda foram aplicados materiais de visual mercandising como displays, visando destacar a exposição do produto no ponto de venda (Anexo 4). Esses materiais são uma das formas de promoção de vendas, em que o varejista tem o apoio do fabricante para realizá-la. Distribuição Desde o início, a região foco da comercialização do produto foi a cidade de São Paulo. Nesse mercado, as barras de proteína apresentavam-se como os maiores concorrentes do produto. Entre aumentar a penetração de mercado em São Paulo e buscar novos mercados no País, a DOBRO decidiu expandir para novos mercados, como o Rio de Janeiro (Zona Sul, La Fruteria, Organomix, Carioca Zen, Dvitaminas, Veg+). Nesse contexto, no início de 2019, os sócios decidiram trabalhar na definição e implementação de uma estratégia de distribuição visando alcançar, em pouco tempo, uma abrangência nacional para o seu produto. A velocidade com a qual o DOBRO conseguiu estar presente nos pontos de venda foi impressionante. Até dezembro de 2018, com apenas um ano desde o seu lançamento no mercado, a DOBRO já estava em 200 pontos de venda e, em novembro de 2019, mais de 520 pontos de vendas comercializavam os produtos da DOBRO, um crescimento de 160% em um ano. A DOBRO hoje conta com os dois modelos de distribuição: indireta (via distribuidores parceiros, redes de varejo regionais e marketplaces) e direta (via e-commerce em site próprio). A compreensão, por parte dos sócios da empresa, das diferenças de cada canal de distribuição, seu papel e público-alvo está sendo fundamental para que a DOBRO alcance o sucesso em sua distribuição. A seguir, são descritos cada um dos seis tipos de canais nos quais a DOBRO está presente. Canais de distribuição: on-line E-commerce/site próprio – no site da DOBRO, são vendidos combos dos produtos e foi iniciada a venda de gadgets da marca, tais como camisetas (até o momento). Além disso, vale ressaltar que uma estratégia importante é sempre deixar o preço no site da DOBRO maior do que nos outros canais. Ou seja, o teto para os parceiros revendedores que vendem as barras energéticas é de R$ 12,90/barra energética e de R$14,90/barra proteica. O objetivo é não ter nenhum canal praticando
  • 7. 6 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos um preço maior do que o site da DOBRO (soudobro.com.br), pois os lojistas precificam a partir do preço do site da DOBRO e do concorrente. Marketplaces – a DOBRO não vende diretamente no Mercado Livre, Americanas etc., pois seus lojistas/parceiros já comercializam nesses marketplaces. Ou seja, lojas que possuem lojas física e virtual já comercializam usando esse canal. Caso a DOBRO vendesse diretamente nesses marketplaces, estaria concorrendo diretamente com seus parceiros. Assim, a DOBRO evita um conflito de canal. Canais de distribuição: off-line Lojas verdes – são empórios naturais, empórios a granel, que normalmente possuem tanto uma venda mais especializada do vendedor quanto uma melhor categorização de produtos. Exs.: Bio Mundo, Mundo Verde, Armazém Fit Store, Armazém Cerealista, Cia da Saúde, Empório da Terra etc. Lojas de performance – não necessariamente são as body shops tradicionais, que vendem apenas suplementação para clientes de musculação. Mas uma boa técnica usada pela DOBRO para encontrar essas lojas de suplementação adequada para o público-alvo foi identificar quais body shops vendem gel de corrida, suplementos para endurance e que possuem um público mais amplo. Exs.: Quality Nutrition, Evolution Nutrition, Triaddict, Dvitaminas. Mercados e supermercados A/AA – são lugares que possuem uma boa aceitação das barras, já com a categoria consolidada no ponto de venda e em que a empresa consegue expor melhor a marca DOBRO a um público que tem potencial para ser consumidor. Exs.: Pão de Açúcar, Angeloni, Zona Sul, São Luiz, Santa Luzia, St. Marche, Super Saudável, Varanda, Quitanda). Estudos e esportes – são locais onde a as barras da DOBRO são vendidas com uma tabela mais flexível e diferenciada para maior comunicação e exposição de marca para potenciais clientes. Exs.: cantinas de faculdades (FGV, Cásper Líbero, Insper, PUC) e lojas de corrida, lojas de bicicleta, lojas de academias, studios de corrida e bike (Justrun, Soulbox, Ride State). Crescimento e próximos passos Nesses dois anos de atividade efetiva, a DOBRO vem alcançando números que impressionam, tanto pelo valor absoluto quanto pelo ritmo de crescimento. Alguns exemplos relativos a essa performance estão em destaque nos gráficos da Figura 5:
  • 8. 7 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Figura 5. Gráficos com produção de barras, número de pontos de venda e receita bruta da empresa DOBRO A ampliação da distribuição do produto para uma abrangência nacional está em andamento e pode ser considerada um dos fatores responsáveis pelo forte crescimento registrado ao longo de 2019.
  • 9. 8 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Como estratégia, adotou-se o conceito de selecionar parceiros regionais por estado, considerando-se tanto a capacidade “local” desses distribuidores quanto a afinidade com a categoria (perfil de quem “acredita”). A exclusividade regional para esses parceiros também tem sido colocada como fator relevante para a consolidação dessa iniciativa. Uma das análises/decisões mais críticas para a manutenção de um forte e sustentável ritmo de crescimento está relacionada à gestão desses parceiros “nacionais” de distribuição, assim como à identificação e implementação de novas modalidades que viabilizem crescentes áreas de penetração para os produtos da DOBRO. Nesse sentido, algumas questões-chave estão sendo consideradas como críticas para o sucesso da DOBRO nos próximos anos, que relacionamos a seguir: 1. Qual o melhor modelo de distribuição para a DOBRO atingir uma escala nacional? 2. Quais as vantagens e desvantagens de adotar um modelo de distribuição direta (via e- commerce) e indireta (varejista, distribuidor, marketplace)? Discorra sobre os impactos em distribuição e margem na adoção de cada uma das estratégias e os caminhos percorridos pelos empreendedores da DOBRO. 3. Quem deve gerenciar e como acompanhar o processo de comunicação do produto nos diversos pontos de venda espalhados pelo Brasil? 4. Quem são os concorrentes diretos da DOBRO no mercado atual? E qual a estratégia que a empresa deve considerar para lidar com um cenário de aumento de concorrência? 5. Você acredita que o próximo passo para a empresa crescer será buscar investidores externos? Qual o impacto dessa possível decisão?
  • 10. 9 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Anexo 1. Ingredientes da barra DOBRO “A DOBRO contém tâmaras, ricas em minerais - que ajudam na digestão dos alimentos e no fortalecimento dos ossos - como base do alimento; como ingredientes majoritários estão a pasta de amêndoas - rica em fibras e proteínas, ajudando a reduzir os níveis de colesterol e ganho de massa muscular - e o café arábica orgânico, fonte de oxidantes e cafeína. As nuts, ricas em ômega 3, possuem ações antioxidantes que auxiliam na perda de peso e o chocolate meio amargo, rico em nutrientes, que melhora a pressão arterial e a circulação do sangue e são essenciais no sabor e qualidade da 'barrinha'. Por isso, os ingredientes são escolhidos com o objetivo de entregar um produto completo de sabor, energia e qualidade. Desta maneira, a base da DOBRO está repleta de ingredientes que se completam, seja no sabor, seja na textura e no seu caráter saudável. Assim, formulando os ingredientes base da 'barrinha', a DOBRO tem três sabores: Mocha Latte, Caramel Macchiato e Coconut Mocha.” “Marca brasileira de alimentos e barras energéticos, que apoia o esporte nacional, feitos com ingredientes que oferecem energia” (Comper, 2018). Figura Anexo 1. Ingredientes da barra DOBRO Fonte: Comper (2018).
  • 11. 10 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Anexo 2. Inspiração nome DOBRO O nome “DOBRO” surgiu com a ideia de “dobrar os números do círculo de Vortex, ligando os pontos e tendo o infinito como desenho formado após eventuais repetições”. Após a criação do nome, a Agência Pulpo foi a responsável pela criação do logotipo da marca, além de toda a identidade e manual da marca, embalagens e displays.
  • 12. 11 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Anexo 3. Evento de lançamento do produto no Festival 00 O Festival 00 é um evento desenvolvido por duas alunas da FGV EAESP e promete trazer uma experiência diferenciada de marcas. Muitas lojas fora dos padrões, roupas, acessórios, design e um espaço gastronômico! Além de ativações com aula de meditação, crossfit, funcional, makeup, palestras e muito mais! Fonte: Diretório Acadêmico Getulio Vargas (DAGV, 2019).
  • 13. 12 ENERGIA EM DOBRO: OS DESAFIOS DE UMA STARTUP NO VAREJO BRASILEIRO Viviane Moura Rocha Ferreira, Victor Sampaio Comper, Carlos Ronaldo Paes Ferreira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Anexo 4. Materiais de merchandising aplicados nos pontos de venda Fonte: Acervo DOBRO (Loja Quality Nutrition – Rua Paes de Araújo, 22 – Itaim Bibi, São Paulo, SP). Fonte: Acervo DOBRO.
  • 14. Volume 10 Número 1 Jan/Jun 2020 Doc. 2 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c2 ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO? O DILEMA ÉTICO DE UM CONTADOR How far is it worth trying to save your own business? The ehical dilemma of an accountant AUREA LOPES DA SILVA PAES – aureapaes@hotmail.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil THIAGO DIAS CORREA – thiago.dias.correa@gmail.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil RENATA GEORGIA MOTTA KURTZ – renatakurtz@gmail.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil LEONEL TRACTENBERG – ltractenberg@uerj.br Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil TANIA MARIA DE OLIVEIRA ALMEIDA GOUVEIA – almeida.tania@globo.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Escola Superior de Propaganda e Marketing – Rio de Janeiro, RJ, Brasil Submissão: 20/05/2019 | Aprovação: 22/02/2020 _________________________________________________________________________________ Resumo O caso relata a situação vivida por um contador, dono de um pequeno escritório, e de seu filho, também contador, prestes a suceder o pai na direção do estabelecimento. O dilema ético acontece quando, a partir de uma grave crise financeira no estado do Rio de Janeiro, pai e filho enfrentam a perda de clientes e a consequente diminuição do faturamento, gerando o seguinte impasse: fechar o escritório, demitindo todos os dedicados funcionários, inclusive alguns mais velhos, que dependem totalmente do emprego para sobreviver; ou aceitar um cliente com padrões éticos questionáveis, mas que sustentaria a empresa. Palavras-chave: Ética, ética profissional, código de ética profissional do contador, contabilidade. Abstract The case reports the situation experienced by an accountant, owner of a small office, and his son, also accountant, who is about to succeed his father in the running of the business. The ethical dilemma comes when, as a result of a serious financial crisis in the state of Rio de Janeiro, father and son face loss of clients and consequent decrease of billing, generating the following impasse: closing the office and dismissing all the dedicated employees – including some elder workers, who depend entirely on their job to survive – or accept a client with questionable ethical standards, but who would sustain the company. Keywords: Ethics, professional ethics, accounting professional ethics code, accounting
  • 15. 2 ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO? Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Introdução Jorge é dono de um escritório de contabilidade na cidade do Rio de Janeiro, com muitos anos de mercado. Ele se graduou como contador há mais de 30 anos e sempre quis ter seu próprio negócio, embora, no início da sua trajetória profissional, tenha trabalhado como funcionário de empresas do setor. Seu desejo de ter um escritório cresceu ao constatar a falta de ética profissional por parte de seus antigos patrões, mas as reviravoltas da vida futuramente o levariam a enfrentar dilemas que colocariam à prova suas próprias convicções éticas. Jorge sempre teve uma vida muito simples. Seu pai era operário da construção civil e sua mãe era dona de casa. Apesar das restrições financeiras, seu pai nunca deixou faltar nada em casa. Oriundo do Nordeste, o pai de Jorge admirava a boa formação de seus superiores e passou a desejar o mesmo para o filho. Desse modo, sempre incentivado pelo pai, Jorge conseguiu aprovação no vestibular para Ciências Contábeis, área em que acreditava ser possível começar a trabalhar rapidamente, para ajudar no sustento na família. Logo no início do curso, Jorge conseguiu estágio num escritório de contabilidade. Ele estava muito feliz com sua primeira oportunidade profissional e entregou ao pai o cheque com seu primeiro salário, como forma de agradecimento por todo o esforço em ajudá-lo. Com o passar do tempo, e muita dedicação, Jorge foi promovido e viu seu salário aumentar, contudo logo se deparou com um problema ético: seu chefe o obrigou a atestar como verdadeiros documentos que ele sabia serem falsos. Tendo aprendido em casa desde cedo a fazer “o bem e o que é certo", com a educação rígida dos pais dentro da moral cristã, os quais lhe falavam que seu maior patrimônio é seu nome, sua palavra, imediatamente pediu demissão e continuou a carreira em outro escritório. Mas os problemas se repetiam, pois Jorge era frequentemente impelido a cumprir determinações das quais discordava em termos éticos. Depois de muito refletir, e como, naquele momento, já tinha se graduado, resolveu que era hora de abrir seu próprio escritório. Para isso, precisaria de capital. Passou, então, a poupar grande parte do seu salário e, como ainda não era casado nem tinha filhos, se dedicava integralmente a esse projeto, trabalhando, por vezes, além do expediente normal, incluindo finais de semana e feriados. Depois que conseguiu acumular algum dinheiro, Jorge tornou-se sócio em um escritório que já prestava serviços ao mercado havia algum tempo. Essa não era sua ideia inicial, mas, como ainda não se sentia seguro para abrir uma empresa sozinho, "do zero", além do fato de que haveria apenas mais um sócio além dele, aceitou entrar no negócio. Estabeleceu, contudo, a condição de que houvesse a opção de compra do restante da sociedade quando tivesse capital suficiente. Assim, trabalhou ali durante vários anos, elevou a quantidade de clientes do escritório e conseguiu comprar a participação do outro sócio. Estava realizado! Afinal, todo o esforço que vinha fazendo desde o início da faculdade permitiu que alcançasse o grande objetivo de ter um escritório só seu, em que pudesse manter elevados os padrões éticos, como pré-requisito essencial para sua prosperidade e a dos clientes. Jorge casou-se, teve um filho, ao qual deu o nome de Luiz, e continuou trabalhando duro. Seu escritório tinha potencial para captar mais clientes, mas ele preferia atender um número restrito, sempre de maneira personalizada e com proximidade. Quando percebia algum desvio ético ou a falta de comprometimento de um cliente, preferia abrir mão dele. Sua conduta sempre lhe trouxera reconhecimento: o respeito de seus colegas contadores, de clientes e funcionários, tendo até mesmo lhe proporcionado um prêmio do Conselho Regional de Contabilidade (CRC). Com o passar dos anos, seu filho Luiz já crescido, vendo a experiência de sucesso do pai, se interessou pela área contábil. Jorge, muito orgulhoso por despertar tal interesse no filho, apoiou sua escolha pelo curso de Ciências Contábeis e quis prepará-lo para uma futura sucessão no escritório. O primeiro passo para tanto foi Luiz começar a trabalhar com o pai. Embora filho do dono, ele começou no escritório como estagiário, depois se tornou assistente contábil e posteriormente analista, tendo acompanhando a rotina de todos os departamentos. Foi ganhando experiência e, após quatro
  • 16. 3 ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO? Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos anos de trabalho, passou a ser o gerente do escritório, reportando-se apenas a seu pai. Os dois sempre se deram muito bem, numa parceria que parecia ser bastante promissora, mesmo existindo diferenças na forma de trabalho de cada um. Jorge, muito mais conservador e idealista, nasceu numa época em que o mais importante era construir uma carreira estável, seguindo valores rígidos. Já Luiz, nascido na década de 1990, não tolerava ficar na mesma função por muito tempo e queria inovar a qualquer custo. Criticava a morosidade de seu pai para tomar decisões e resolver os problemas do escritório, o que sempre gerava discussões entre ambos. Numa ocasião, querendo mudar o sistema informatizado que o escritório utilizava em sua escrita contábil, Luiz tentou passar por cima da autoridade do pai. Na opinião de Luiz, mesmo tendo a manutenção mais cara, o novo sistema agilizaria todo o processo, fazendo com que o serviço ficasse pronto mais rápido. Mas, para Jorge, a inovação só traria aborrecimentos, além de perda de dinheiro e de tempo, uma vez que todos os funcionários teriam que passar por treinamento para utilizá-la. O pai tomou a frente da situação e cancelou a compra do sistema. Interessado em aprimorar os processos da empresa, Luiz ficou muito incomodado ao ver sua iniciativa sendo rejeitada. Em outra situação, ao atender a uma fiscalização do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), Luiz descobriu que algumas Guias de Informação e Apuração (GIAS) da empresa LTRK Ltda., sua cliente, foram entregues fora do prazo. Em função disso, o auditor fiscal iria lavrar um auto de infração de R$ 50.000,00. Luiz sabia que o ônus desse problema seria do escritório, pois quem controlava os prazos de envio das GIAS era um de seus funcionários, e não a empresa-cliente. Assim, resolveu "negociar" com o fiscal, que, em troca de R$ 3.000,00, não emitiu a multa. Jorge, ao descobrir tal negociação, ficou muito aborrecido. Ele, que nunca aceitou ou lançou mão de subterfúgios na gestão de seu negócio, viu seu filho – logo o seu filho! – se envolver num esquema antiético. Luiz, por outro lado, considerava ter feito a coisa certa. Não via nada de mais na forma como tudo fora resolvido. Afinal, isso já tinha acontecido com vários de seus amigos contadores... Ele tinha conseguido economizar R$ 47.000,00 para o escritório, o que, em sua visão, era o mais importante. Jorge e Luiz tiveram nova e acalorada discussão. Dessa vez, sobre os impactos do comportamento de Luiz para a sua promissora carreira. Jorge afirmava aquela atitude poderia trazer problemas para o filho junto ao Conselho Regional da categoria. Já Luiz afirmava que o Conselho tinha questões mais importantes para cuidar e que não estava interessado nele. Ao final da discussão, o pai resolveu que Luiz nunca mais atenderia a qualquer fiscalização, o que deixou o rapaz ainda mais contrariado. E o fez prometer que o padrão ético do escritório deveria ser mantido a todo custo, sob pena dele não vir a assumir sua direção. Depois de algum tempo, o desempenho do escritório começou a sofrer um grande revés. O estado do Rio de Janeiro passava por grave crise econômica e financeira, e muitas empresas que faziam parte de sua carteira de clientes perderam seus contratos com o governo. Isso gerou, a princípio, diminuição das receitas e demissões internas nessas empresas. Na sequência, algumas delas encerraram suas atividades. O escritório, como era de se esperar, vinha sofrendo com a perda desses clientes. Jorge, então, teve que considerar a possibilidade de demitir vários funcionários para conseguir suportar a fase tão complicada. Alguns deles já trabalhavam no escritório havia muitos anos, como a contadora Alice, que conhecia todos os clientes "como a palma da sua mão". Ela entendia todos os processos legais do escritório e respondia pela empresa na ausência de Jorge e seu filho. Alice, infelizmente, havia descoberto ter uma grave doença e, para se tratar, dependia do plano de saúde que o escritório pagava. “Sem este plano de saúde, eu já teria morrido há muito tempo”, dizia ela. João também era um funcionário de confiança. Era responsável por todas as questões fiscais e comandava os empregados mais novos, ensinando todo o processo de escrita fiscal. Já tinha quase 60 anos e, dificilmente, conseguiria outro emprego caso fosse demitido.
  • 17. 4 ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO? Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Jorge quase não conseguia mais dormir por conta dessa situação. Estava prestes a se aposentar e temia perder todo o patrimônio que havia formado ao longo de uma vida de esforço e dedicação. Teria que adiar sua aposentadoria em face da daquela situação econômica degradante. Preocupava-se também com seus funcionários: o que seria deles se fossem demitidos? O quadro piorou quando seu melhor cliente, que representava 50% de toda a receita do escritório, comunicou que fecharia as portas em três meses. Pediu ao escritório que fizesse todos os procedimentos legais para a baixa. Agradeceu por tantos anos de parceria e lamentou a situação, justificando que não estava mais conseguindo suportar toda a pressão financeira. Foi aí que a saúde de Jorge piorou (problemas cardíacos) e ele pediu que seu filho assumisse o comando do escritório até ele se recuperar ou aposentar de vez. O dilema Uma semana depois desse comunicado, Luiz recebeu uma ligação de um dos seus amigos de faculdade, contando que uma grande empresa do setor varejista de roupas estava à procura de um novo prestador de serviços de contabilidade. O amigo de Luiz, que sabia dos problemas financeiros que ele e seu pai vinham enfrentando, achou que seria interessante considerarem atender esse novo cliente. Tratava-se de uma empresa de grande porte, famosa no mercado de varejo e campeã de vendas no seu segmento, com mais de 15 filiais espalhadas por várias localidades do estado do Rio de Janeiro. E o valor dos honorários era muito bom! Luiz resolveu marcar uma reunião com esse novo cliente potencial, mas foi sozinho conversar com os representantes da empresa. Seu interesse era aliviar o pai das preocupações. Jorge já não estava mais dormindo, só falava em adiar a aposentadoria, sonho tão almejado por tantos anos, e, além de tudo, estava com a saúde abalada, tendo que realizar vários exames cardiológicos. Fechar o escritório não estava nos planos de Luiz nesse momento, não se ele pudesse evitar! Na reunião, os representantes da empresa revelaram várias coisas sobre seu negócio. Entre elas, que suas diversas lojas distribuídas pelo estado, na verdade, não eram filiais e, sim, empresas únicas, cujos sócios eram considerados seus "funcionários". Porém, esses "funcionários" não eram registrados em carteira. Os representantes alegaram que, com isso, conseguiam pagar menos tributos, uma vez que todas as empresas "filiais" estavam incluídas na tributação do Simples Nacional. Pagando menos tributos, a varejista conseguia crescer e dar oportunidade de trabalho para mais pessoas, acreditando que, desse modo, contribuía para a redução da desigualdade social. Os representantes também revelaram que os produtos vendidos vinham do Nordeste, e que nenhuma empresa fornecedora emitia nota fiscal, de modo que não havia motivos para se preocupar, pois o governo “nunca ficaria sabendo”. Suas receitas eram subfaturadas e equivaliam a apenas 30% do faturamento real. Todas as empresas parceiras procediam da mesma forma, e eles não viam motivos para fazer diferente. Justificaram tudo isso dizendo que o dinheiro pago em tributos não era empregado em benefícios para a sociedade, como deveria ser. Luiz saiu da reunião feliz e, ao mesmo tempo, apreensivo. Feliz porque os representantes da empresa estavam dispostos a fechar o contrato de prestação de serviços contábeis ainda naquela semana. Apreensivo por conhecer seu pai e saber que ele não veria com bons olhos aquele tipo de cliente. Também havia outro problema a ser considerado: o escritório tinha recebido recentemente a visita de um fiscal do CRC e, durante a fiscalização, assuntos pertinentes ao Código de Ética Profissional do Contador (CEPC) haviam sido discutidos e esclarecidos. O fiscal, muito amigo de seu pai, entregou uma versão do CEPC, cujas informações Luiz passou dias analisando. Ele estava inquieto devido à sua responsabilidade civil e penal com o possível novo cliente. E, além de tudo, uma coisa não saía da sua cabeça: a confiança que o pai depositava nele como seu substituto na condução dos negócios do escritório. Para decidir se atenderia ou não a empresa varejista, Luiz marcou uma reunião com Jorge e expôs seus argumentos:
  • 18. 5 ATÉ QUE PONTO VALE A PENA TENTAR SALVAR O PRÓPRIO NEGÓCIO? Aurea L. S.Paes, Thiago D. Correa, Renata G. M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A. Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos • Aquela era a única chance de o escritório continuar funcionando, não demitindo todos os funcionários. Os três meses de aviso prévio dados pelo principal cliente já estavam se esgotando, e, depois do pagamento da última mensalidade, não haveria mais dinheiro para manter a estrutura operando. • Apesar de reconhecer que, em termos éticos, aquela não era a situação ideal, julgava que “era assim que o mundo funcionava”. O idealismo do pai não garantia a continuidade da empresa e, consequentemente, dos empregos que ela gerava. • Os honorários pagos pelo novo cliente seriam suficientes para suprir todas as necessidades financeiras do escritório, e mais até. O valor, maior que todas as perdas que o escritório tinha sofrido nos últimos tempos, não só reequilibraria as finanças como impulsionaria os negócios para um novo patamar. • Com os problemas financeiros sanados, as preocupações do pai seriam atenuadas, ele poderia se aposentar com tranquilidade e cumprir com a promessa que já havia feito para a mãe: fazer aquela viagem tão sonhada para a Europa, passando alguns meses só curtindo a vida. • O pai, em breve, não estaria comandando mais o escritório, e ele, Luiz, é que assumiria tudo. Então, seu pai não deveria mais sofrer tanto. Ouvindo os argumentos de Luiz, iniciou-se nova discussão entre eles. Jorge expôs claramente todas as suas angústias: ele se preocupava muito com as implicações legais e profissionais que Luiz estaria assumindo ao assinar peças contábeis que não representariam a verdadeira situação desse possível cliente. Em alguns meses, Jorge poderia estar se aposentando, mas seu filho Luiz ainda estava em início de carreira como gestor de um escritório. Iniciá-la dessa forma não seria uma boa estratégia profissional. E ainda existiam as possíveis implicações civis e penais. Luiz ouviu os argumentos do pai e tentou, em vão, contra-argumentar. Eles finalizaram a reunião, mas nada ficou decidido. No dia seguinte, Luiz teria que encarar o dilema: aceitaria o novo cliente, traindo as convicções éticas do pai? Arriscaria a reputação da empresa e a integridade da sua profissão para salvar o escritório, os empregos daqueles que se dedicaram durante anos a seu pai, além da própria aposentadoria dele? Ou seguiria cumprindo a promessa feita ao pai, não aceitando o novo cliente, mantendo, dessa forma, a ética profissional, mas arriscando falir o escritório e demitir todos os funcionários, além de prejudicar a aposentadoria do pai, e possivelmente abalando ainda mais sua saúde?
  • 19. Volume 10 Número 1 Jan/Jun 2020 Doc. 3 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c3 TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE IMPRESSÃO Decision making in public management: the case of printing outsourcing PEDRO JÁCOME DE MOURA JR – pjacome@sti.ufpb.br Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil FLÁVIO PERAZZO BARBOSA MOTA – flavioperazzo@ccsa.ufpb.br Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil Submissão: 26/11/2019 | Aprovação: 27/02/2020 _________________________________________________________________________________ Resumo O processo decisório no setor público e em contexto de terceirização de serviços de tecnologia da informação (TI) é uma temática investigativa ainda incipiente e carente de suporte didático. Este caso explora a tomada de decisão de um gestor de TI atuante em uma universidade pública, relacionando modelos teórico-conceituais das disciplinas Sistemas de Informação nas Organizações, Sistemas de Informação e Decisão e Organização, Sistemas e Métodos em cursos de graduação e pós-graduação stricto e lato sensu em Administração, Gestão Pública, Gestão de Tecnologia da Informação, Ciências da Computação, Engenharia de Software e correlatos. As teorias e conceitos subjacentes são relacionados à teoria da decisão; racionalidade limitada; incerteza, crenças e heurísticas no processo decisório; vieses cognitivos; e benefícios e riscos da terceirização. Palavras-chave: Teoria da decisão, racionalidade limitada, tecnologia da informação, gestão pública, terceirização. Abstract The decision-making process in the public sector and in the context of information technology services outsourcing is a still incipient research topic, and a subject that lacks educational support. This case explores the decision making of an IT manager who works at a public university. It mobilizes theoretical and conceptual models from disciplines such as Information Systems in Organizations, Information Systems and Decision, and Systems and Methods, for use in undergraduate and graduate courses in Business, Public Management, Information Technology Management, Computer Science, Software Engineering and related. The underlying theories and concepts are related to decision theory; bounded rationality; uncertainty, beliefs and heuristics in the decision-making process; cognitive biases; and benefits and risks of outsourcing. Keywords: Decision theory, bounded rationality, information technology management, public administration, outsourcing. Introdução Miguel trabalhava como analista de sistemas havia quase 20 anos na principal universidade pública do seu estado. Havia atuado também na iniciativa privada, como empresário e técnico em diversos projetos de desenvolvimento de sistemas. Agora, era convidado a dirigir o setor de tecnologia da informação (TI) da universidade. Esse convite, feito diretamente pelo reitor, representava um grande reconhecimento ao seu trabalho e, ao mesmo tempo, um grande desafio,
  • 20. 2 TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE IMPRESSÃO Pedro Jácome de Moura Jr, Flávio Perazzo Barbosa Mota ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos pois implicava mudanças na carreira, principalmente a troca de um perfil de atuação técnico para uma atuação gerencial e diretiva. Tão logo assumiu o novo posto, Miguel começou a participar de reuniões de nível estratégico, o que incluía participação nos conselhos diretivos acadêmicos e administrativos. Miguel tinha certa experiência com decisões dessa natureza, pois, ao longo da sua carreira técnica, fora eventualmente convidado a participar de escolhas relativas à gestão da TI. Todavia, aquelas novas reuniões tinham um caráter mais abrangente. Afinal, agora envolviam a TI no contexto das demais áreas organizacionais. Logo, Miguel sentia-se simultaneamente entusiasmado e intimidado com a nova atuação, mas, ainda assim, confiante de que poderia aplicar as melhores práticas de gestão da TI no contexto de uma organização pública. A universidade e a TI Entre técnicos, professores e alunos (de nível médio, graduação e pós-graduação), a universidade era composta por cerca de 45 mil pessoas. Esse público lidava rotineira e diretamente com os recursos de TI providos pela instituição, fosse por meio das redes de conectividade (cabeada e sem fio/Wi-Fi), dos diversos computadores conectados a essas redes ou por meio de outros dispositivos, como smartphones, câmeras, sensores de laboratório ou impressoras. Em outras palavras, a universidade já tinha uma cultura de uso intensivo da TI e já desenvolvera, inclusive, os próprios sistemas integrados de gestão (ERP/SIG) para suporte aos seus processos operacionais. Essa tradição de uso da TI remontava à década de 1970, quando o primeiro computador foi ali instalado. Tratava-se de um computador de grande porte, como se chamava à época, e que centralizava todo o processamento acadêmico e folha de pagamento dos funcionários. Ao longo do tempo, a universidade investiu constantemente em novas plataformas computacionais, descentralizando o processamento de dados e a impressão de relatórios, de modo que várias gerações tecnológicas conviviam simultaneamente e precisavam ser gerenciadas adequadamente. À altura do início da gestão de Miguel, a universidade possuía um parque computacional formado por cerca de 5 mil computadores e mais de 250 tipos diferentes de impressoras distribuídas nos diversos setores. Essas impressoras foram adquiridas gradualmente, de acordo com as demandas locais. Logo, isso resultou em uma combinação complexa de fabricantes, modelos e tecnologias, difícil de gerenciar. Havia, por exemplo, impressoras matriciais (que imprimem com uso de um cartucho de fita, semelhante a uma máquina datilográfica, sobre papel em formulário contínuo); impressoras jato de tinta com cartucho; impressoras jato de tinta com reservatórios externos (em vez de cartucho); impressoras a laser etc. Para cada tecnologia (fita, cartucho ou toner), havia uma grande variedade de modelos, específicos para cada impressora. Miguel estava a par dessa dificuldade e sabia também como isso afetava o processo de compra e reposição de suprimentos de impressão. Afinal, como controlar o nível de tinta em cada cartucho, fita ou toner de cada impressora espalhada pela universidade? Além disso, havia ainda dificuldades com a gestão do papel usado nas impressões. Ou seja, havia uso indevido, pois alguns funcionários imprimiam conteúdos pessoais usando recursos da instituição, e mau uso, quando conteúdos que poderiam tramitar digitalmente eram equivocadamente impressos. Uma proposta de solução Durante uma das primeiras reuniões em que Miguel participou como dirigente, houve uma apresentação de proposta de solução para o problema da impressão na universidade. A reitoria havia convidado uma empresa especializada em terceirização de impressões para que explicasse aos demais dirigentes como funcionavam os seus serviços. Miguel não fora informado previamente daquela apresentação e ficou particularmente curioso. Pensava ele: “Sendo um assunto relacionado à TI, eu não deveria estar a par desse convite?”. Por outro lado, ponderava: “Bem, estou chegando agora e pode ser que o meu antecessor estivesse a par”.
  • 21. 3 TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE IMPRESSÃO Pedro Jácome de Moura Jr, Flávio Perazzo Barbosa Mota ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos Em certa altura da reunião, os representantes da empresa foram convidados a entrar na sala e prontamente iniciaram a sua apresentação. Informaram que trabalhavam com impressoras de médio e grande portes que substituiriam as impressoras da instituição. As suas impressoras seriam estrategicamente posicionadas em “ilhas de impressão”, dimensionadas de acordo com a demanda de cada prédio. Cada funcionário teria uma quota mensal de impressão, de modo que impressões adicionais, se houvesse, precisariam ser justificadas. O conteúdo das impressões, bem como as quantidades, seria controlado por um software de gerenciamento, o que permitiria à universidade auditar eventuais usos indevidos. Os suprimentos de impressão seriam responsabilidade da empresa, bem como os profissionais responsáveis pela manutenção das impressoras. Destacaram que apenas o papel seria fornecido pela universidade, enquanto fitas, cartuchos e toners seriam fornecidos pela empresa. Os representantes da empresa afirmaram que isso tudo poderia ser operacionalizado em poucos dias e que, ao final, o valor cobrado pelos serviços seria 30% mais baixo que o custo atual da universidade com impressão. Todos os dirigentes presentes ficaram entusiasmados com a proposta. Vários queriam implantar a solução imediatamente, logo após o processo licitatório. Miguel, no entanto, aguardou que os representantes da empresa saíssem da reunião e comentou com os colegas: – Entendo que essa empresa está propondo uma reengenharia de impressão, com concentração das impressoras em locais específicos, em vez da descentralização que praticamos atualmente. Hoje, vocês sabem, temos praticamente uma impressora em cada mesa de trabalho. São impressoras de pequeno porte, mas também temos impressoras médias e grandes. Poderíamos nós mesmos fazer uma simulação desse modelo, o que acham? Antonio, um dos dirigentes presentes, imediatamente concordou com Miguel e disse: – Eu concordo e até ofereço o meu setor para fazer esse teste. Miguel então propôs: – Me deem um mês para configurar um computador e o software que fará o gerenciamento das impressões. Depois, precisaremos de mais um mês para fazermos os testes. Nesse período, faremos a mensuração do uso de impressão no setor de Antonio. Creio que, se a empresa consegue reduzir o nosso custo em 30% e ainda ter lucro, nós poderemos reduzir ainda mais essa margem, não é? Todos concordaram, e a reunião foi encerrada com aquele encaminhamento. Haveria uma nova reunião em dois meses, para que Miguel apresentasse os resultados e pudesse haver, então, a decisão sobre a contratação de um terceiro para realizar os serviços de impressão. A prova de conceito Miguel saiu da reunião e retornou imediatamente ao setor de TI que dirigia. Convocou uma reunião com os seus gerentes e informou sobre o compromisso que assumira. Pediu que dois técnicos fossem alocados ao projeto e estabeleceu os prazos. Em dois meses, eles precisariam ter uma resposta para oferecer aos demais dirigentes da universidade, e Miguel esperava que fosse uma resposta que confirmasse que a TI institucional poderia resolver o problema com ganhos sobre a terceirização. Rômulo e Jonas foram alocados ao projeto. Rômulo era programador e teria a tarefa de selecionar um software já existente e em código livre1 para que pudesse ser personalizado de acordo com as necessidades do projeto. Jonas atuava na gerência de redes e seria responsável pela 1 Modalidade de desenvolvimento de sistemas em que o código-fonte é publicado para uso por outros desenvolvedores, sem custo.
  • 22. 4 TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE IMPRESSÃO Pedro Jácome de Moura Jr, Flávio Perazzo Barbosa Mota ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos configuração do equipamento servidor (o computador que executaria o software personalizado por Rômulo) e sua conexão com a impressora de testes. Tudo acontecia conforme previsto, até que, após algumas semanas de trabalho, Jonas precisou se afastar para tratamento de saúde, e um outro colega foi alocado para substituí-lo. Esse novo colega propôs algumas mudanças para o projeto, e Rômulo, que estava próximo de concluir a sua parte, precisou de mais dias para fazê-lo. Enquanto efetuava as mudanças na programação, Rômulo recebeu a notícia de que havia sido aprovado em um concurso para outro órgão público e precisaria se apresentar imediatamente. Todos ficaram contentes com a melhoria salarial e profissional conquistada pelo colega, mas o projeto precisaria sofrer mais um adiamento. Helder, o substituto de Rômulo, só pôde assumir o posto após 30 dias desde a nomeação, o que coincidiu com o retorno de Jonas, devidamente recuperado. Recomposta a equipe, havia a necessidade de que Helder e Jonas pudessem realinhar os requisitos do projeto e fazer os ajustes necessários após as mudanças. Mais um mês foi requerido, o que elevou o tempo gasto até então para três meses e meio. Por volta do quarto mês de trabalho, finalmente os dois técnicos anunciaram que poderiam iniciar os testes no setor de Antonio. Miguel retomou o contato com o colega dirigente e informou que poderiam fazer as instalações, mas Antonio não estava mais à frente do setor. Infelizmente, durante os meses em que a TI enfrentou dificuldades com a equipe, Antonio assumira outro posto de direção, e o seu substituto não estava disposto a servir como “cobaia”, conforme disse: – Não sei do que se trata e não tenho tempo a perder. Não vou ser cobaia em um compromisso assumido por outros. Miguel percebia que havia diferenças de pensamento e de posicionamento político na gestão, mas não podia impor a sua vontade. Iniciou, então, uma rodada de consultas aos colegas dirigentes para verificar quem poderia realizar os testes, mas, nem bem havia concluído isso, os funcionários da universidade informaram que adeririam a uma paralisação nacional, logo seguida de uma greve, que se alongou por quase quatro meses. Sabe-se que o retorno de uma greve traz uma série de consequências para qualquer setor que esteve parcialmente paralisado. Prioridades precisam ser redefinidas, recursos precisam ser realocados e pessoas precisam relembrar e retomar o que faziam. Esse conjunto de redefinições fez com que a prova de conceitos (PoC), que Miguel antes intitulara “reengenharia de impressão”, perdesse considerável importância. Novas e urgentes demandas consumiram os recursos da TI por vários meses, e o projeto caiu no esquecimento. O resultado Foi em uma das várias reuniões de direção que se sucederam à greve que Miguel reportou ao reitor e aos seus colegas os resultados do projeto. Após quase um ano desde que decidiram realizar a prova de conceitos com recursos próprios, não havia sido possível validar a solução proposta pela TI, tampouco verificar qual seria a redução possível nos custos. A equipe fora desfeita e realocada em outros projetos prioritários, e Miguel lamentava, mas deixava aos colegas a decisão de recorrer à terceirização, quando fosse oportuno. Enquanto outros projetos eram priorizados e corriam bem em seu setor, Miguel refletia sobre como agira no caso das impressões e pensava: “Por que eu não pensei também em outras alternativas, outras possibilidades?” “Por que eu tinha que assumir essa responsabilidade?” “O que deu em mim, para que eu ignorasse as condições do serviço público e agisse como se estivesse na iniciativa privada?”
  • 23. Volume 10 Número 1 Jan/Jun 2020 Doc. 4 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c4 DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL From beard to lipstick: diversity challenges in a formal corporate environment ERIC DE CASTRO RAMOS – eric_castro_@hotmail.com Faculdades IBMEC – Rio de Janeiro, RJ, Brasil ANA CHRISTINA CELANO TEIXEIRA – anacelano@gmail.com Faculdades IBMEC – Rio de Janeiro, RJ, Brasil LUCIA B. OLIVEIRA – luciaoliveira22@gmail.com Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro, RJ, Brasil Submissão: 20/12/2019 | Aprovação: 27/02/2020 _________________________________________________________________________________ Resumo O caso conta a história de um profissional que construiu uma carreira bem-sucedida numa empresa de consultoria e que, durante esse caminho, identificou oportunidades e enfrentou desafios ao assumir a bandeira da diversidade em sua empresa. Mais especificamente, esse executivo se sente pressionado a tomar uma posição mais incisiva no momento em que se depara com a situação de um colega transgênero, mas pondera sobre a aceitação de suas propostas e sobre os possíveis impactos dessa iniciativa em sua própria carreira, especialmente considerando o formalismo e o conservadorismo característicos dessa organização. Palavras-chave: Diversidade, orientação sexual, identidade de gênero, transgênero, discriminação. Abstract The case tells the story of a professional who has built a successful career in a consulting firm and who, along the way, has identified opportunities and faced challenges by taking the banner of diversity in his company. More specifically, this executive feels pressured to take a more incisive stance when faced with the situation of a transgender colleague, but ponders the acceptance of his proposals and the possible impacts of this initiative on his own career, especially considering the formalism and conservatism that characterize this organization. Keywords: Diversity, sexual orientation, gender identity, transgender, discrimination Introdução Augusto é gestor de uma grande empresa de consultoria com abrangência internacional. Uma das iniciativas em que estava bastante envolvido era o comitê de diversidade. Augusto sabia que essa era uma atividade bastante desafiadora, considerando o ambiente de trabalho formal e a cultura organizacional conservadora que predominava na empresa. Ao mesmo tempo, a importância de ações ligadas à diversidade já havia sido reconhecida pela alta administração, tendo em vista a mudança no perfil dos profissionais que a empresa precisava atrair. Numa fria manhã de sábado, Augusto saiu para tomar café em uma cafeteria afastada de sua vizinhança, mas que, havia quase uma década, fazia parte de sua rotina dos fins de semana. Ao entrar no estabelecimento, viu uma moça que lhe pareceu muito familiar, usando um batom que chamava a
  • 24. 2 DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL Eric de Castro Ramos, Ana Christina Celano Teixeira, Lucia B. Oliveira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos atenção pela cor e por realçar a beleza de sua boca. Enquanto esperava para ser atendido, ficou tentando identificar de onde a conhecia, até que, finalmente, descobriu. Tratava-se de Carlos, um colega de trabalho que ele mesmo havia contratado havia 11 anos. Logicamente, o que dificultou o reconhecimento foi o fato de o colega estar vestido de mulher. Sem deixar-se ser visto, saiu rapidamente da cafeteria e voltou para sua casa, claramente angustiado. Ele não conseguia parar de pensar naquela situação, na surpresa que teve e no que aquilo poderia representar para Carlos. Ele não sabia, de fato, o que estava envolvido na questão. Mas logo ficou imaginado se o colega teria alguma questão com sua identidade ou que outra possibilidade estaria em jogo. Carlos seria transexual e esconderia sua identidade no trabalho? Seria um homem crossdresser? Uma pessoa transexual não binária? Pensou, ainda, que, o que quer que fosse, poderia estar gerando algum sofrimento, já que conhecia a cultura bastante conservadora da organização à qual pertenciam. Também se perguntou por que ele próprio havia fugido do local e parecia, de certa maneira, incomodado com a situação e mesmo com suas dúvidas sobre o que vira. Afinal, o que uma pessoa veste e como se arruma para tomar um café só deveria dizer respeito a ela mesma. Augusto acreditava nisso, ou queria muito acreditar. Enfim, eram muitas peças fora do lugar. Ao longo do fim de semana, Augusto ficou pensando que deveria ser mais proativo em relação à questão da diversidade e que talvez estivesse na hora de propor mudanças mais significativas na empresa, mesmo que isso implicasse enfrentar diversos obstáculos, especialmente em relação aos líderes mais conservadores. Afinal, pensou ele, em pleno século XXI, as pessoas não deveriam precisar esconder ou ter qualquer questão com suas identidades no trabalho. Augusto Augusto nasceu em Icaraí, zona nobre da cidade de Niterói, RJ. Apesar de ter uma criação tradicional, sempre se interessou por temas como diversidade, cultura e religião. Ao final do ensino médio, se deparou com uma profunda angústia: qual carreira deveria seguir? De um lado, havia a ilusão do retorno financeiro, que o fazia pensar que deveria escolher uma carreira mais “tradicional”, como Economia ou Direito. Do outro, suas ambições pessoais faziam a balança pesar para o lado de carreiras como Psicologia ou Filosofia. Nesse processo, ouviu diversos conselhos, especialmente de seus pais e de sua namorada na época. Em resumo, se escolhesse uma carreira mais tradicional, necessariamente teria que conviver com pessoas conservadoras. Por outro lado, se seguisse suas paixões pessoais, “morreria de fome”. Tentando minimizar a dor da decisão, em 1999, iniciou sua graduação em Economia em uma boa universidade privada e, simultaneamente, ingressou nos cursos de Filosofia e de Sociologia em outras duas diferentes instituições, uma delas pública. Essa aventura acadêmica logo se mostrou insustentável, principalmente pelos diversos deslocamentos e custos de transporte e alimentação necessários no dia a dia. Augusto recebia bolsa integral nas duas instituições privadas em que estudava. O processo de escolha da carreira que ele abandonaria não foi necessariamente difícil naquele momento. Optou pelo caminho que traria benefícios financeiros mais imediatos e logo sentiu necessidade de associar os conhecimentos que vinha adquirindo na faculdade com experiências profissionais que pudessem potencializar sua carreira corporativa. Em 2001, com 23 anos e recém-formado no curso de Economia, Augusto foi em busca de uma nova colocação. Ele logo se interessou pelo programa de trainees de uma empresa de consultoria internacional altamente respeitada, que tinha como principal atrativo um plano de carreira consistente que prometia oportunidades a todos que demonstrassem competência e aderência aos seus valores. Augusto se inscreveu no processo seletivo e logo recebeu a resposta positiva em relação à adequação de seu currículo. Pouco a pouco, foi avançando nas fases do longo processo, até chegar na entrevista final com um dos principais executivos da empresa. Augusto percebeu que se tratava de alguém que sempre via em entrevistas sobre assuntos financeiros e econômicos nas páginas das
  • 25. 3 DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL Eric de Castro Ramos, Ana Christina Celano Teixeira, Lucia B. Oliveira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos revistas especializadas. Após quase uma hora de excelente conversa, ele ouviu a seguinte proposta: “Se eu te contratar, você faz a barba?”. Encarando a proposição com humor, Augusto sorriu e respondeu afirmativamente. Naquele momento, percebeu que precisaria fazer diversas concessões para se ajustar àquele ambiente organizacional, bem diferente do que estava acostumado e também distante de suas preferências pessoais, inclusive em termos de comportamento e aparência. Início de carreira A empresa era uma das maiores da área de consultoria no mundo, reconhecida pela excelência de seus profissionais e com quase 150 anos de história. Com toda essa tradição, tinha como uma de suas obrigações competitivas se manter na vanguarda técnica, mas também, em princípio, precisava estar atenta às inovações comportamentais e organizacionais que ocorriam no mundo corporativo. Assim que recebeu a resposta de sua aprovação, Augusto correu para comprar roupas que se adequassem ao esperado para sua nova posição e, logicamente, fazer a barba, com todo o capricho. Já no seu primeiro dia, sentiu na pele que suas roupas não eram exatamente adequadas ao clima da cidade do Rio de Janeiro. O grupo de novos trainees incluía mais de 150 jovens profissionais, de diferentes estados, incluindo Rio de Janeiro, Minas Gerais e alguns estados do Nordeste. Ao conhecer seus colegas, Augusto notou, de cara, a presença de poucos negros, aproximadamente 5%. O número de mulheres, por outro lado, era equivalente ao de homens, o que sinalizava algum progresso na estratégia de diversificação da força de trabalho da empresa, que, entre os 28 executivos ativos no escritório do Rio de Janeiro, tinha apenas uma mulher e nenhum negro. Toda a turma participou de um programa de treinamento com duração de aproximadamente um mês. A maior parte tinha caráter técnico, mas houve espaço para treinamentos comportamentais que, apesar de muito ricos, visavam essencialmente definir a maneira como os homens e as mulheres deveriam se vestir e se comportar, nos mínimos detalhes. Nesses encontros, por exemplo, se falava sobre que cores ou tipos de roupas as mulheres deveriam usar. Para os homens, também havia um guia de estilo corporativo, porém muito menos restritivo do que para as mulheres. Elas, por exemplo, deveriam evitar vermelho, inclusive nas unhas, com a justificativa de que essa cor poderia despertar a libido de clientes e colegas de trabalho. Nesses primeiros dias de treinamento e ambientação, uma situação marcou Augusto de maneira especial. Um de seus colegas de turma – que apresentava um comportamento mais feminino e tinha os cabelos totalmente brancos, apesar da pouca idade – logo virou motivo de piada e alvo de bullying por parte dos colegas. Num dia, perto do horário do almoço, praticamente a turma toda cantou em uníssono: “O vovô gosta de tapa na cara, o vovô pega na arma e dispara”. O engajamento na brincadeira de mau gosto foi tão grande que o coro passou a se repetir três vezes por dia, em horários praticamente fixos: início do dia, após o almoço e antes do final do expediente, durante todo o mês de treinamento. Em algum momento, o coro ganhou inclusive reforço de alguns executivos da empresa, que cantavam empolgados com a “união” do grupo. Um fator importante em todo esse movimento em torno do “vovô” foi a incapacidade de colegas menos propensos à “brincadeira” de denunciar esse bullying coletivo. Desenvolvimento institucional de respeito à diversidade Quatro anos após sua entrada na empresa, em 2005, Augusto já era uma liderança técnica de nível intermediário no escritório do Rio de Janeiro. Em função disso, percebeu que havia espaço para se posicionar como uma liderança que apoiava a diversidade, entendendo que, dessa forma, ganharia protagonismo em um tema altamente relevante para o mercado e a sociedade. Mais ainda, ele sempre se sentiu incomodado com o fato de a empresa ter um discurso de vanguarda e, ao mesmo tempo, ter práticas tão conservadoras e mesmo preconceituosas, como a “brincadeira”
  • 26. 4 DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL Eric de Castro Ramos, Ana Christina Celano Teixeira, Lucia B. Oliveira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos de mau gosto feita com seu colega de cabelos brancos. Augusto via que alguns membros da alta liderança entendiam a gestão da diversidade a partir de uma perspectiva meramente utilitarista, quase protocolar, e que a empresa não estava institucionalmente engajada em criar um ambiente saudável para profissionais enquadrados em grupos que historicamente têm sofrido algum tipo de preconceito no mundo corporativo. Ele nunca esqueceu os momentos terríveis de bullying que seu colega enfrentou naquele treinamento. Augusto se tornou voluntário no comitê de diversidade que a empresa criou e rapidamente, talvez por falta de interesse de seus colegas, passou a liderá-lo. As iniciativas do comitê incluíram desde a sugestão da criação de benefícios para facilitar a ascensão de mulheres a níveis executivos – como home office para as mães com crianças recém-nascidas – até o desenvolvimento de materiais de divulgação da hotline da empresa, incentivando que fossem reportadas quaisquer evidências de preconceito e discriminação. Aos poucos, o comitê ganhou força, e os resultados começaram a aparecer. Houve um aumento no número de mulheres em posições executivas e mais profissionais negros passaram a integrar os programas de trainee da empresa. Aos poucos, o comitê foi se tornando referência global entre as empresas associadas. Augusto também seguiu sua trajetória de ascensão e, em 2008, assumiu uma posição de alta liderança. Naquele mesmo ano, fez uma rodada de palestras nos escritórios da empresa ao redor do mundo e voltou com a impressão de que as ideias de diversidade não eram bem aceitas pelas lideranças mais antigas. Alguns executivos com quem teve oportunidade de debater o assunto entendiam que as mulheres não tinham as competências necessárias para assumir posições de liderança e que não havia espaço para a homossexualidade no mundo dos negócios, especialmente numa empresa “respeitada” como a deles. Por outro lado, ele percebia que, entre profissionais mais jovens, que ocupavam cargos de menor hierarquia, havia um amplo apoio às ideias mais inclusivas. Foi nessa época que Augusto entrevistou Carlos, um jovem talento que, além de bastante entusiasmado, tinha um currículo de dar inveja para sua idade. A posição para a qual havia se candidatado era estratégica, e, se aprovado, ele faria parte da equipe de um grande cliente que a empresa havia acabado de conquistar. Ao longo da entrevista, Augusto observou alguns comportamentos diferentes do que ele imaginava ser um padrão tipicamente heterossexual, mas logicamente isso, para Augusto, não teve nenhum peso no processo de seleção. Augusto, mesmo sendo uma das principais vozes a favor da diversidade, sabia que seu superior, responsável pelo projeto, não era aberto à diversidade. Tratava-se de um profissional altamente respeitado, que, aos 62 anos, estava em seus últimos anos de carreira na empresa, já que havia um programa de aposentadoria compulsória aos 65 anos. Depois de refletir um pouco, decidiu compartilhar com ele o perfil do candidato. Em uma breve conversa, Augusto ouviu a seguinte orientação: “Se não tiver ninguém mais ou menos, contrata o viadinho mesmo”. Por reconhecer que Carlos era o mais qualificado para a posição, decidiu contratá-lo. O projeto correu como esperado, e o desempenho do profissional recém-contratado surpreendeu todos positivamente. Ao mesmo tempo, Augusto logo confirmou a percepção que teve durante a entrevista, de que o comportamento de Carlos divergia muito do “padrão” de um homem heterossexual de sua idade. Como não foi o único a perceber isso, infelizmente, mesmo com todo o trabalho em prol do respeito pela diversidade e pela inclusão, muitas brincadeiras surgiram sobre o novo membro da equipe, mesmo na frente de Augusto. A gota d’água Alguns anos depois, em 2019, Carlos já ocupava um cargo de liderança média, mas dava sinais claros de cansaço diante de tantos preconceitos, o que vinha afetando seu desempenho. Augusto acompanhava com angústia essa situação, mas não sabia exatamente o que fazer. Após o encontro com Carlos vestido de mulher naquela fria manhã de sábado, Augusto se sentiu mais
  • 27. 5 DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL Eric de Castro Ramos, Ana Christina Celano Teixeira, Lucia B. Oliveira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos pressionado do que nunca a agir e tomar a dianteira no enfrentamento da questão institucional da diversidade de gênero e orientação sexual. No início da semana seguinte, divulgou um primeiro material sobre o assunto. Poucos dias depois, alguns colegas da empresa o procuraram para confidenciar sua orientação sexual e para desabafar as humilhações que sofreram durante a vida, dentro e fora do ambiente profissional. Relato por relato, Augusto foi juntando dados para desenvolver uma divulgação mais ampla que teria como objetivo estimular o desenvolvimento de ações práticas de apoio à diversidade de gênero e orientação sexual. No final de uma quarta-feira, Augusto recebeu em sua sala a inesperada visita de Carlos – a moça do batom rosa. Na conversa, Carlos confidenciou que tinha uma namorada e que se sentia verdadeiramente atraído por mulheres. O relato deixou Augusto um pouco confuso, pois ele mesmo havia estabelecido seu preconceito particular, já que Carlos se identificava como uma pessoa do gênero feminino. Sem demonstrar sua surpresa, Augusto continuou a ouvir o colega. Quase ao final da conversa, com voz baixa, o jovem profissional repetiu que se sentia atraído por mulheres e que havia escolhido para si o novo nome de Clara. Em seu relato, ele ressaltou como era difícil ter que se violentar diariamente para assumir uma identidade masculina que não lhe pertencia e como, por vezes, ao deixar escapar uma ou outra palavra ou ação, era alvo de brincadeiras de mau gosto, principalmente vindas de colegas que ocupavam cargos hierarquicamente superiores. Nos dias seguintes, Augusto seguiu pensando sobre tudo isso, percebendo que um grande talento estava sendo bombardeado por brincadeiras nocivas, que nada tinham a ver com seu desempenho no trabalho. Dia a dia, ficava clara sua perda de entusiasmo e produtividade. Augusto também se dava conta de que, ao redor do mundo, outras mentes brilhantes estavam sendo perdidas pela empresa, sem falar nos traumas e violências sofridos por esses profissionais que são alvo do preconceito institucionalizado. Ao mesmo tempo, Augusto sabia que não havia nenhum profissional transgênero em toda a empresa e que, se decidisse enfrentar a questão, encontraria inúmeros obstáculos. Por outro lado, ele realmente gostaria de poder chamar Carlos por seu real nome, Clara! Apesar das dúvidas, decidiu preparar um material de divulgação específico sobre diversidade de gênero e de orientação sexual. Era a primeira vez que estava atacando frontalmente essa questão, já que, até então, esses dois temas ocupavam um espaço periférico nas iniciativas do comitê de diversidade. Após preparar pessoalmente o material e apresentar aos membros do comitê, foi decidido que alguns pequenos ajustes deveriam ser feitos e, antes da divulgação, o material deveria passar pela aprovação dos executivos líderes no Brasil. Feitas as modificações propostas pelo comitê, Augusto organizou uma reunião com os principais líderes da empresa. Ele sabia que a batalha seria dura, já que a maioria dos executivos tinha mais de 55 anos de idade e aproximadamente 30 anos na empresa. Nenhum dos presentes ousou ser deliberadamente contra a divulgação, mas também ninguém deu apoio irrestrito à iniciativa, gerando, assim, como resultado da reunião, um volume de alterações que transformou o material em uma divulgação tímida sobre orientação sexual, excluindo totalmente a questão da identidade de gênero. Augusto, apesar de decepcionado com o resultado, colocou o material em circulação assim que foram concluídos os ajustes. Em seguida, Augusto decidiu reunir-se com Clara em um ambiente mais informal, para entender um pouco melhor o drama de pessoas que tinham que lidar diariamente com contradições de gênero ou comportamento. Combinaram um café da manhã no sábado seguinte. Ao chegar, logo avistou Clara vestida com roupas femininas, unhas pintadas de uma cor clara, usando uma maquiagem leve e bonita. Augusto se preparou por um breve momento para conversar com completa naturalidade com sua colega e aproximou-se. Nas horas seguintes, ouviu histórias que o deixaram muito apreensivo e preocupado. Os problemas começavam com o conflito de identidade e envolviam momentos de depressão severa. Clara também revelou que – apesar das ótimas avaliações que recebia – seu desempenho poderia ser muito superior, se não fosse sua intensa dedicação e atenção
  • 28. 6 DA BARBA AO BATOM: DESAFIOS DA DIVERSIDADE NUM AMBIENTE CORPORATIVO FORMAL Eric de Castro Ramos, Ana Christina Celano Teixeira, Lucia B. Oliveira ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos para ocultar comportamentos que pudessem gerar dúvidas sobre sua identidade de gênero e orientação sexual. No final da conversa, Clara também relatou que, algumas vezes, esteve muito perto de pedir demissão, pela dificuldade que tinha em ser obrigada a mentir todos os dias de sua vida profissional. Após um breve momento de silêncio, o garçom trouxe a conta, que foi devidamente dividida, e Clara se afastou da mesa aparentando alguma tristeza, e encerrou aquele encontro dizendo, simplesmente, “Obrigada”. Nos dias seguintes, ainda sem decidir se colocaria ou não o projeto para discussão naquele momento, Augusto começou a desenhar uma iniciativa que tinha como objetivo viabilizar a adesão da empresa aos 10 compromissos propostos pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o que implicaria: 1. comprometer-se, presidência e executivos, com o respeito e com a promoção dos direitos LGBTI+; 2. promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBTI+; 3. promover ambiente respeitoso, seguro e saudável para as pessoas LGBTI+; 4. sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBTI+; 5. estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade LGBTI+; 6. promover o respeito aos direitos LGBTI+ na comunicação e marketing; 7. promover o respeito aos direitos LGBTI+ no planejamento de produtos, serviços e atendimento aos clientes; 8. promover ações de desenvolvimento profissional de pessoas do segmento LGBTI+; 9. promover o desenvolvimento econômico e social das pessoas LGBTI+ na cadeia de valor; 10.promover e apoiar ações em prol dos direitos LGBTI+ na comunidade. Além da inclusão da empresa como signatária do pacto, havia um conjunto de iniciativas de suporte aos funcionários que decidissem assumir institucionalmente sua orientação sexual ou sua identidade de gênero: 1. Oferecer licença não remunerada aos profissionais que desejassem realizar intervenção cirúrgica para redesignação sexual, para que pudessem executar as mudanças físicas necessárias. 2. Divulgar e apoiar institucionalmente a mudança de gênero, vinculada ou não a cirurgias de redesignação sexual, deixando claro o novo nome social do profissional, alterando, inclusive, e-mails e cartões de visita. 3. Contratar serviços jurídicos e psicológicos dedicados a dar suporte aos profissionais que necessitassem de qualquer apoio nessas áreas durante o processo. 4. Incluir, no código de ética da empresa, falta relacionada a qualquer tipo de preconceito, punível com desligamento por justa causa. Augusto estava com o pacote de iniciativas pronto e estruturado, mas ainda não estava seguro sobre se deveria incluir o debate desse pacote na pauta da empresa. Será que a empresa estaria pronta? Ele também tinha receio de expor seus colegas e, no final, não conseguir mudar muita coisa. Que caminho seguir? Deveria mesmo comprar essa briga e, talvez, colocar sua carreira e a de Clara em risco?
  • 29. Volume 10 Número 1 Jan/Jun 2020 Doc. 5 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c5 INSETOS CALÇADOS: CALÇANDO UMA CAUSA Insetos Footwear: wearing a cause RENATA DE LIMA MARQUES BATISTA – renataamarques10@gmail.com Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil STEPHANIE INGRID SOUZA BARBOZA – stephanieisb@gmail.com Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil Submissão: 27/06/2019 | Aprovação: 28/04/2020 _________________________________________________________________________________ Resumo O caso tem como objetivo permitir um estudo mais aprofundado sobre segmentação de mercado, posicionamento de marcas e construção do brand equity. O caso descreve o contexto da empresa Insetos Calçados, marca de calçados e acessórios veganos e ecológicos. Em seu posicionamento, a empresa adota uma postura de preocupação com o planeta. Todas as suas peças são produzidas de modo artesanal, a partir de materiais reaproveitados, como roupas de brechós, tecido de garrafa PET, laminado vegetal, entre outros. Esse interesse pela moda ética e o desejo por produzir calçados sem causar impactos ambientais resultaram em peças veganas, sem nada de origem animal. Atualmente, o nicho de moda vegana está em constante expansão, dessa forma esse mercado vem se tornando cada vez mais competitivo. Diante disso, é essencial que a Insetos encontre meios para aproveitar esse crescimento do mercado vegano sem perder a sua característica de exclusividade dos produtos e de ser artesanal. Palavras-chave: Moda vegana, segmentação de mercado, posicionamento de marca, brand equity. Abstract The case aims to allow a more in-depth study on market segmentation, brand positioning and brand equity construction. The case describes the context of the company Insetos Calçados, brand of footwear and accessories vegan and ecological. The company has a real concern with the planet, so it makes the possible so that its production and its positioning reflect positively in the society. All of its pieces are produced in a handmade way from recycled materials, such as garments from thrift stores, PET bottle fabric, plant laminate, among others. This interest in ethical fashion and the desire to produce shoes without causing environmental impacts, resulted in vegan pieces, with nothing of animal origin. Currently, the vegan fashion niche is constantly expanding, so this market has become increasingly competitive. In view of this, it is essential that Insetos find ways to take advantage of this growth of the vegan market without losing its characteristic of exclusivity of the products and of being artisan. Keywords: Vegan fashion, market segmentation, brand positioning, brand equity. Insetos Calçados: a proposta da empresa Em janeiro de 2014, duas amigas ligadas ao mundo da moda que moravam em Porto Alegre – RS resolveram abrir um novo negócio e criar um produto inovador. A designer de moda Pamella Magpali trabalhava na produção de calçados da MAG-P Shoes, uma marca de sapatos artesanais que utilizava o excesso de couro da indústria calçadista. Já a profissional de Marketing Bárbara Mattivy
  • 30. 2 INSETOS CALÇADOS: CALÇANDO UMA CAUSA Renata de Lima Marques Batista, Stephanie Ingrid Souza Barboza ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos possuía um brechó on-line, chamado Urban Vintagers, cujas roupas acabavam ficando no estoque por bastante tempo, por conta das suas estampas chamativas. Juntas, utilizaram tais roupas para fazer sapatos artesanais, com a ideia de aumentar a vida útil dessas peças que estavam paradas. Fizeram 20 pares de sapatos, que foram vendidos no site do brechó, em apenas dois dias. A dupla percebeu que aquela ideia tinha público. Decidiram produzir mais 100 calçados, e, em três meses, já tinham sido todos vendidos. O interesse pela moda ética e o desejo de produzir calçados sem causar impactos ambientais resultaram em peças 100% veganas, sem nada de origem animal, somente materiais reaproveitados. O sucesso imediato deu origem à Insetos Calçados. Durante as primeiras atividades da empresa, as sócias não realizaram nenhum tipo de planejamento nem pesquisas de mercado, foram crescendo de maneira empírica. Começaram com um investimento inicial baixo, apenas com recursos próprios, para entender se o mercado aceitaria um sapato com uma proposta totalmente diferente dos convencionais e com estampas chamativas e pouco usuais. O feedback dos clientes foi tão favorável que, em abril de 2014, foi lançada a loja virtual da marca. Após um ano, foi inaugurada a loja em Porto Alegre, com investimento de R$ 30 mil. Em julho de 2015, Pamella deixou a empresa, pois seus ideais divergiam dos rumos que a Insetos estava tomando; seu foco era a produção artesanal, e ela queria continuar produzindo os sapatos com as próprias mãos. Na opinião dela, quando esse trabalho é feito pela indústria, não é possível acompanhar de perto a produção, os materiais, nem colocar em prática suas ideias. Ainda em 2015, o faturamento foi de 1 milhão de reais e, em 2016, chegou a 1,7 milhão. No início, a marca atuava como uma startup, com bastante dependência das sócias e sem departamentos definidos, mas hoje já tem processos organizados. Atualmente, os sapatos são produzidos em uma fábrica terceirizada, localizada em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. A Insetos possui hoje 17 funcionários, que estão divididos nas duas lojas físicas, situadas em Porto Alegre e São Paulo. A empresa possui uma relação profissional estabelecida de modo horizontal, já que sócios e estagiários convivem na mesma sala, todos têm acesso de maneira direta. Seu público-alvo são jovens adultos de 20 a 35 anos, a maioria são mulheres que se identificam com os valores que a Insetos Calçados transmite. Quem compra esses produtos não são apenas veganos, mas todos aqueles que têm a preocupação com a origem do produto, com os insumos usados e se sua produção agride o meio ambiente. A grande maioria dos consumidores está localizada nas regiões sudeste e sul do Brasil, em grandes centros urbanos, como São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Curitiba, entre outras capitais. Em seu posicionamento, a empresa adota uma postura de preocupação com o planeta. Por esse motivo, recebeu algumas certificações. Possui o selo EuReciclo, que comprova que a marca faz a compensação ambiental de embalagens, realiza a logística reversa e cumpre a política nacional de resíduos sólidos, dando um destino ambiental correto para o lixo gerado. Possui a certificação do Peta (People for the Ethical Treatment of Animals), maior organização de direitos animais do mundo, cujo selo garante que a marca apoia práticas, serviços e produtos livres de crueldade animal. Outra certificação é o selo Empresa B, por ter a responsabilidade de fornecer soluções para problemas sociais e ambientais, tendo como propósito a criação de impactos positivos na sociedade e no meio ambiente. Todo início de ano, a Insetos Calçados divulga para seus consumidores os impactos causados por sua produção durante os últimos anos. Em janeiro de 2019, a marca completou cinco anos e divulgou que já produziu mais de 28.134 pares de calçados, já reaproveitou 2.194,49 metros de tecidos e já reciclou 21.198,96 garrafas PET, 1.569 kg de caixas de papelão, 6.670,52 kg de borracha reciclada e 900,76 kg de algodão. Além disso, sem usar nenhum componente de origem animal, salvou também a vida de muitos animais.
  • 31. 3 INSETOS CALÇADOS: CALÇANDO UMA CAUSA Renata de Lima Marques Batista, Stephanie Ingrid Souza Barboza ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 10 | n. 1 | jan-jun 2020 www.fgv.br/gvcasos O portfólio da Insetos A marca produz sapatos e acessórios veganos, confortáveis, unissex, ecológicos e inovadores. Os calçados dividem-se em oito linhas, incluindo oxfords, sandálias, botas e outros modelos. A grade de numeração varia do 33 ao 45. As coleções são pensadas mensalmente, sempre à procura de itens que provavelmente não serão mais usados. O sapato também é atemporal, ou seja, não se limita ao uso em uma estação determinada, sem a necessidade de seguir tendências estipuladas pelo mercado da moda. A produção dos seus acessórios varia a cada coleção, podendo incluir mochilas, nécessaires, ecobags, entre outros. A Insetos Calçados sempre esteve em busca de modos diferentes de produzir sapatos sustentáveis. Por isso, além da linha de roupas vintage, que deu origem à marca, também tem as linhas feitas com tecido e linha de garrafa PET, laminado vegetal, borracha reaproveitada e outros insumos. O tecido de garrafa PET foi uma opção ainda sustentável para que a marca pudesse usufruir da sua criação de estamparias, visto que a produção com roupas torna os produtos da marca bem limitados, pois cada roupa gera de cinco a seis calçados. Para alguns, essa limitação é boa, porque torna as peças exclusivas; por outro lado, alguns clientes podem ficar insatisfeitos em não encontrar a sua estampa favorita com sua numeração. Os sapatos são comercializados a um preço médio de R$ 250,00. É um preço considerado razoável pelo fato de ser mais caro trabalhar com fornecedores de matérias-primas sustentáveis e por não haver tanta oferta no mercado. Além disso, esse valor é agregado não só pelo material que é utilizado, mas pelo trabalho enorme para produzir todas as peças de maneira artesanal e em baixa escala. Bárbara costuma ouvir questionamentos do tipo: “Se as peças são feitas de lixo, por que são mais caras?”. E isso é um desafio para a empresa: fazer com que os consumidores entendam os motivos que tornam o preço mais elevado, comparado com outras marcas mais populares, e encontrar meios para tornar o preço mais atrativo. Criar descontos é alternativa interessante, ou até mesmo criar sapatos personalizados com as próprias roupas de seus consumidores. Uma forma já utilizada pela Insetos é dar descontos para quem devolve seus “besouros” (apelido dado para os sapatos Insetos) que não usam mais. As vendas são realizadas pelo e-commerce e em suas duas lojas físicas. A marca possui também diversas parcerias com algumas lojas físicas no Brasil, Estados Unidos e Europa, que vendem apenas produtos ecológicos e veganos. Em abril de 2019, a empresa expandiu-se internacionalmente, ao lançar seu e-commerce e fazer envios para todo o mundo. Para facilitar a logística, Bárbara decidiu abrir um centro de distribuição na América Latina. A comunicação da Insetos é feita por meio das mídias sociais, como o Facebook, Instagram, blog e e-mail. As ferramentas digitais não são utilizadas somente para a promoção dos produtos, são também um canal para informar sobre assuntos relacionados ao universo da marca. Suas páginas são atualizadas diariamente, com conteúdos que envolvem assuntos como conscientização sustentável, iniciativas ecológicas, receitas veganas, marcas independentes, entre outros que se relacionem com a proposta da empresa. Outra forma de se comunicar e gerar mais engajamento entre seus clientes é por meio de workshops, feiras de adoção de animais, bazares, shows e outros eventos que são realizados nas lojas oficiais da marca. O mercado da moda: a indústria calçadista e o movimento vegano A indústria da moda, constituída pelos segmentos têxtil e confecções, couro e calçados, e joias e bijuterias, apresenta números que a tornam expressiva para a economia brasileira, principalmente por sua grande contribuição na geração de emprego e renda, já que é um dos maiores empregadores da indústria de transformação do País. Com relação à indústria calçadista, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados, 2019), em termos de números de pares de calçados, o Brasil é um dos maiores produtores do mundo, ficando em quarto lugar no