O documento narra a história de Júlia, uma jovem de 25 anos que decidiu abrir uma cafeteria após se formar em Design. No entanto, ela passou a enfrentar diversas dificuldades na gestão do negócio devido à inexperiência. Seu pai, César, passou a ajudá-la frequentemente na loja, porém também causou conflitos ao ser visto como o proprietário. Júlia agora precisa decidir se continua sozinha, fecha o negócio ou aceita o pai como sócio.
3. 2
EMPREENDEDORISMO FEMININO E CONFLITOS FAMILIARES: DILEMAS DE UMA EMPREENDEDORA
Danielly Mendes dos Santos, Gabriella Rebello Horta Jardim Borja
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Ao observar seu caso, entretanto, era possível questionar se suas dificuldades vinham estritamente de
sua inexperiência ou se havia outras questões por trás, como o machismo.
O cenário
Belo Horizonte, Minas Gerais. Faltava um semestre para Júlia finalizar seu curso de
graduação em Design. Embora tenha sido um curso bastante interessante e proveitoso, ela estava
completamente insatisfeita com o mercado da área. Suas experiências em estágios tinham sido
frustrantes por não realizar realmente a atividade de designer, além da dificuldade de conseguir
vagas desejadas, muitas vezes ocupadas por pessoas que tinham algum vínculo com os trabalhadores
das empresas. Como ela costumava dizer, para conseguir a vaga precisava de “QI”, ou seja, quem
indica, o que não era seu caso.
Nesse cenário, Júlia começou a preocupar-se com seu futuro após a graduação. No estágio
em que estava no momento, trabalhava com diferentes marcas de restaurantes da cidade. Dessa
forma, ela se viu mais imersa no mundo gastronômico da cidade que no mundo do design.
Paralelamente, Júlia estava encantada com as aulas sobre empreendedorismo que teve no curso de
Design. Sempre se destacou nessas disciplinas, ao contrário dos demais alunos do curso, que
preferiam desenvolver projetos específicos. Sendo assim, tendo como base esses conhecimentos,
mais o acompanhamento de abertura de estabelecimentos alimentícios devido a sua atividade de
estágio, Júlia acreditava ser capacitada para empreender.
Quando ainda era criança, com 12 anos de idade, sua mãe, Cláudia, tentou iniciar um negócio
de produção e venda de bolos, porém os planos não deram muito certo. Os bolos eram deliciosos e
tinham grande aprovação dos clientes, mas Cláudia não conseguiu sustentar o nível necessário de
encomendas por muito tempo, já que estava recém- divorciada, com três filhos pequenos, um de 6,
Júlia de 12 e o mais velho de 14, para criar. Sem ajuda do ex-marido, Cláudia via-se sozinha para
cuidar das crianças e realizar as tarefas domésticas, além daquelas de seu novo empreendimento.
Dessa forma, com menos de um ano de negócio, Cláudia, que havia investido em equipamentos e
espaço físico, preferiu desfazer-se de tudo e focar na família.
Esse passado sempre voltava à cabeça de Júlia, agora com 25 anos de idade. Se recordava de
como os clientes gostavam dos produtos de sua mãe, já que até o presente muitos perguntavam
porque Cláudia não voltava a produzir bolos. Essa influência materna também fez com que ela
tivesse interesse pela cozinha; além de fazer os bolos com as receitas de sua mãe, aprendeu a fazer
pães artesanais através de cursos. Sendo assim, Júlia teve a ideia de tornar-se empreendedora,
abrindo uma cafeteria onde serviria café e venderia os bolos de sua mãe e seus pães.
A implementação dos planos
Júlia, assim que se graduou, vendeu seu carro e com o dinheiro alugou um pequeno espaço,
que reformou, comprou equipamentos e abriu a “Uma xícara”, como nomeou sua cafeteria. A loja
ficava no bairro em que morava. pois ela gostaria de oferecer algo para o bairro em que cresceu.
Coincidentemente, o espaço também era localizado a poucos quarteirões da casa de seu pai. Apesar
de não ter um contato frequente com ele, Júlia achava bom sua loja estar localizada em um espaço
que lhe remetia certa familiaridade.
Com a negativa de sua mãe para abrir o estabelecimento em sociedade com ela, Júlia fez tudo
sozinha. Acreditava que esse, portanto, era o início de sua independência. Pensava que com o
empreendimento teria condições financeiras de sustentar-se sozinha, além de ser dona do seu próprio
tempo, administrando o tempo de trabalho com o voltado para o lazer. Era o início de um sonho que
se concretizava. Segundo Júlia, ela sentia-se empoderada.
4. 3
EMPREENDEDORISMO FEMININO E CONFLITOS FAMILIARES: DILEMAS DE UMA EMPREENDEDORA
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As primeiras dificuldades
O sentimento de empoderamento de Júlia, entretanto, não durou muito. Afinal, quando a
Uma Xícara inaugurou ela já se sentia cansada devido ao desgaste de uma tentativa de negociação
com o proprietário, que se recusava a baixar o valor do aluguel, mesmo ela sabendo que com outras
pessoas ele era mais flexível. E em seguida o desgaste com o pedreiro que realizou a reforma no
estabelecimento e que; ao notar que ela era inexperiente, viu uma oportunidade de ganhar mais pelo
serviço. Além disso, a obra atrasou, gastando mais tempo que a carência do aluguel, deixando Júlia
preocupada com as contas.
Entretanto, apesar de todos os acontecimentos, Júlia não queria se abater. Afinal, era seu
sonho se concretizando. Queria apenas focar no sucesso de sua loja. Com a reforma finalizada, ela
inaugurou seu tão esperado café. E, logo nos primeiros dias, percebeu que, mesmo com uma
funcionária permitida pelo formato de microempreendedor individual em que se inseria, sua rotina
como dona de um negócio era mais puxada que o esperado. Isso porque, além de ter que exercer sua
atividade na loja, na produção de bolos e pães, além do atendimento de clientes na loja e por telefone,
precisava comprar insumos em diferentes fornecedores, pagar contas, cuidar da divulgação da loja,
ou seja, precisava realizar diversas outras tarefas que extrapolavam o horário de funcionamento do
estabelecimento.
Uma ajuda
Em meio a isso tudo, um fato inesperado surgiu logo após a inauguração da cafeteria. Pela
proximidade da loja com sua casa, César começou a aparecer no estabelecimento rotineiramente. Já
que era aposentado, fez dessas visitas sua atividade diária. Chegava a Uma Xícara com o discurso de
vê-la e passar o tempo. Assim, inicialmente, sempre que havia uma mesa desocupada, sentava,
consumia um café e esperava o tempo passar. Com o fim do horário de verão, os dias escureciam
bastante no horário de fechamento da loja e, assim, César passou a frequentar o café principalmente
no final da tarde com a desculpa de ajudar a filha a fechar a loja.
– Fechar a loja sozinha é muito perigoso. Aqui está ficando cada vez mais perigoso à noite –
dizia ele.
Perigoso também porque para fechamento diário da loja acontecia o fechamento do caixa. O
bairro estava cada vez mais conhecido pelo aumento de roubos e assaltos, principalmente na parte da
noite. Com ruas pouco iluminadas, era constante o encontro de carros estacionados arrombados para
roubos de pertences internos. Para piorar a situação, havia meses que surgiu um rapaz chamado
Fabinho, que morava nas ruas do bairro, pedia para olhar os carros estacionados e entrava nos
estabelecimentos da região sempre pedindo ajuda, porém, algumas vezes de forma coercitiva:
– Sou amigo do pessoal do morro, mas quando eu gosto de uma pessoa eu não deixo fazer
nada não – dizia Fabinho, enquanto seus olhos percorriam todos os cantos da loja.
Dessa forma, Júlia aceitava a ajuda do pai, que somente por sua presença inibia a de Fabinho.
Aos poucos também Júlia começou a pedir mais ajuda de César. Em horários de menor movimento
da loja, pedia para ele tomar conta da loja e se necessário atender os clientes para que ela pudesse ir
ao banco para pagar contas, por exemplo, e não precisar fazer isso após o horário de funcionamento
da loja. Dessa forma, Júlia ganhava tempo, que naquele momento parecia precioso. Afinal a jovem
de 25 anos encontrava-se em uma situação de cotidiano em que não fazia mais nada além de
trabalhar. Não tinha tempo e nem forças para o lazer. Todo o tempo livre que conseguia aproveitava
para tentar colocar o sono em dia, que estava atrasado desde a abertura da loja.
Perda de espaço
Ao mesmo tempo em que Júlia gostava de ter uma segunda pessoa para auxiliar e
compartilhar o dia a dia da loja, sentia-se incomodada com a presença de César. De um lado, era
muito bom ter alguém apoiando-a e enfrentando com ela as dificuldades diárias de ter um pequeno
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negócio. Mas, por outro, percebeu que os clientes começaram a reconhecer seu pai como o
verdadeiro proprietário da loja e ela como a filha que o ajudava. Isso, mesmo com fotos de Júlia em
matérias jornalísticas sobre a Uma xícara nas paredes da cafeteria.
“Nossa, que linda a loja do senhor! Está de parabéns!”: frases como essa eram
frequentemente ditas por clientes a seu pai, mesmo quando Júlia estava presente no local. Isso se
repetia com pessoas que desejavam oferecer algum tipo de serviço, como instalação de câmeras e
segurança. Os vendedores que insistiam em oferecer o serviço perguntavam ao escutar uma negativa
de Júlia:
– Mas podemos conversar com outra pessoa, talvez seu pai. É aquele senhor ali? Talvez ele
entenda melhor a proposta.
Pouco a pouco também, César começou a sentir-se parte do negócio e cada vez mais à
vontade, não somente para questionar algumas decisões tomadas por Júlia, como também para tomar
suas próprias decisões para a Uma Xícara. Um dia, por exemplo, houve um vazamento no esgoto que
precisava urgentemente de conserto. Este problema, entretanto, era de responsabilidade do
proprietário do espaço. Mesmo após diversas ligações de reclamações de Júlia, o proprietário nada
fez durante o dia. Dessa forma, solicitou ela própria o orçamento do serviço. Queria passar o valor ao
proprietário como forma de pressioná-lo. Enquanto Júlia estava no telefone tentando fazer com que o
proprietário aceitasse o serviço, vê o vazamento sendo consertado pelo empregado da empresa que
havia feito o orçamento. Quando questionado por Júlia sobre quem autorizou o serviço, ouve como
resposta:
– Moça, foi seu pai que autorizou. Disse que poderia fazer e que depois você me passava o
cheque da loja.
Como o proprietário não aceitou o valor do serviço, Júlia teve de arcar com os custos e, sem
sucesso com um acordo, viu-se obrigada a chamar um amigo advogado para conseguir o reembolso
pela parte do proprietário. Apesar de Júlia aceitar e até mesmo solicitar ajuda de seu pai, César não
tinha acesso ao financeiro da loja. Júlia não permitia isso, visto que essa foi a única forma
encontrada de sentir que a Uma Xícara ainda era sua. Dessa forma, seu pai não tinha conhecimento
de como estava o caixa para autorizar um pagamento. Se soubesse talvez não autorizaria, já que a
cafeteria não estava muito bem financeiramente. A loja conseguia pagar-se, mas nada além disso.
Por este motivo, Júlia sentia-se forçada a aceitar a ajuda de César, ao invés de contratar mais uma
pessoa.
O balanço
A parte financeira da loja era um ponto que preocupava bastante Júlia. Com quase um ano de
negócio, ela não conseguira tirar dinheiro por meio de seu trabalho no estabelecimento. Embora
tivesse conquistado clientela, reconhecimento na mídia, as contas fechavam no zero a zero. Dessa
forma, Júlia, que já havia gasto todos os recursos que possuía para investir no negócio, não
conseguia ter um retorno financeiro para investir no crescimento do negócio. Buscou empréstimos e
financiamento, mas era sempre vetada, pois ainda se constituía como MEI. Sendo assim, ela relata
que parecia que era considerada uma empreendedora em alguns momentos, como na hora de pagar
impostos e ter que seguir a legislação para negócios, mas, no momento de participar de algum
programa de financiamento, não se encaixava no perfil empreendedor.
A falta de retorno financeiro fazia com que Júlia se questionasse como empreendedora.
Pegou-se em diversos momentos refletindo se era interessante continuar com a cafeteria, já que se
sentia esgotada, sem vida social e sem dinheiro. Além disso, o cotidiano da loja estava afetando sua
relação com seu pai, mesmo tendo servido de pretexto para aumentar o contato com ele. A verdade é
que ela se sentia cada vez mais invadida pelo comportamento de César dentro da cafeteria. Seu pai,
que inicialmente estava lá para ajudar apenas no fechamento da loja, agora se sentia à vontade para
palpitar sobre as decisões de funcionamento. Palpites esses que chegavam a questionar até as receitas
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dos produtos de Júlia: “Você deveria deixar o bolo corar mais. E esse pão aqui é muito azedo, não
deveria vendê-lo”.
César, que havia trabalhado a vida inteira como corretor de imóveis, nunca havia feito um
curso de culinária ou demonstrado interesse por cozinha antes. Agora, dentro da Uma Xícara, sentia
liberdade para expressar suas opiniões, mesmo a filha tendo mais conhecimento e experiência na
área do que ele. O maior problema, de acordo com Júlia, não era o que César dizia, mas como dizia.
Não falava como forma de simples opinião, mas tinha um tom de ordem, uma ordem de pai para
filha. E, sempre que Júlia rebatia seus questionamentos, um clima de estranheza instaurava-se na
relação.
Dessa forma, Júlia constantemente se questionava sobre a continuidade da cafeteria. Sabia
que o país se encontrava em crise financeira e estar no “zero a zero” parecia ser uma situação
positiva para quem estava iniciando. Entendia que precisava fazer algumas melhorias para poder
crescer e consequentemente lucrar, mas não tinha mais recursos próprios para realizar este novo
investimento. A Uma Xícara representava todo o seu sonho, seu esforço e seus recursos investidos.
Mas ela se via, entretanto, presa à ajuda de seu pai para conseguir um pouco de tempo para sua vida
social, já que como uma jovem de 25 anos queria sair com os amigos, viajar, mas ao mesmo tempo a
relação e constantes embates a deixavam esgotada.
Júlia não sabia o que fazer. Qual melhor decisão a tomar? Gerir a cafeteria sozinha ou
convidar seu pai para ser seu sócio? Como poderia cortar a relação de seu pai com o estabelecimento
sem afetar seu relacionamento pessoal com ele? Ou seria melhor encerrar as atividades e com isso
abandonar seus sonhos e investimentos?
8. 2
TOMADA DE DECISÃO ESTRATÉGICA: O CASO DA REDE DE HOTÉIS JARDINS
Rosana Dias Guedes de Moraes, Marcelo Norberto Rodrigues, Vitor Duarte de Almeida, Ana Christina Celano Teixeira
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para gerar melhores resultados financeiros, mas cuja implantação pode enfrentar a resistência da
equipe interna e dos clientes, com risco de abalar a sólida reputação da empresa.
Tudo começou em 2016, quando Paulo viajou para os Estados Unidos para participar do Hit
the Road, o mais importante evento internacional de tecnologia voltado para o setor hoteleiro.
Durante as apresentações, o diretor do grupo Hotéis Jardins reforçou sua compreensão sobre a
importância das reservas diretas para a lucratividade de um hotel. Ele atualizou-se a respeito das
possibilidades estratégicas de um mercado maduro e global e percebeu que existia espaço para
fortalecer seu canal de vendas diretas – as reservas originadas do site próprio de Hotéis Jardins, sem
intermediários.
No palco, o expositor afirmava: “Aquele que consegue ter uma boa participação de vendas
diretas é um hotel que gera lucro, consegue manter-se sempre atualizado e melhorar seu produto.
Assim, pode elevar justificadamente suas tarifas e, com isso, aumentar ainda mais sua lucratividade”.
Mesmo sendo um executivo experiente, Paulo viu descortinar-se à sua frente a grande
oportunidade de manter a rede nacional atualizada e com forte diferencial competitivo. Dono de uma
carreira construída com muito esforço e sacrifício, sabia que nem seus estudos em Cornell e suas
especializações nas melhores universidades nacionais poderiam garantir sua posição num mercado
de rápidas mudanças. Assim, considerava imperativo estar por dentro das últimas novidades
tecnológicas relacionadas ao mercado hoteleiro.
Paulo aproveitou o intervalo para conversar com Sandra Barros. Ele a havia conhecido em
meados de 2010, quando a empresa em que ela trabalhava criou sua área de desenvolvimento de
projetos. O executivo foi o primeiro de uma grande rede de hotéis a acreditar na proposta
apresentada por Sandra e eles tornaram-se grandes parceiros de negócios. No momento do evento, a
empresa representada por ela contava com as dez maiores contas de redes de hotéis nacionais.
“O que acabamos de ouvir sobre a importância dos hotéis efetuarem suas vendas diretamente
com os clientes faz sentido para você?”, perguntou a ela. Sandra, visivelmente entusiasmada com o
assunto, detalhou a ideia apresentada pelo palestrante. Seu ponto de vista, amparado pelo
conhecimento de mercado, era de que a operação eficiente das vendas diretas, mais que uma opção,
era crucial para a permanência das redes de hotéis no mercado.
Paulo ouvia-a atentamente, pois considerava que as redes se haviam tornado reféns de
grandes operadores internacionais eletrônicos de reservas de múltiplos hotéis, como o Booking.com
e o Expedia.com, cujas altas comissões pressionavam os custos.
Sandra prosseguiu, afirmando que era imprescindível oferecer ao usuário um site com
arquitetura de informação arrojada e boa velocidade, que pudesse competir com os grandes grupos
internacionais. Citando resultados de pesquisas, afirmou que muitos dos novos viajantes (um terço
dos respondentes) preferiam a autonomia de reservar diretamente os hotéis de sua preferência através
de website ou aplicativo no lugar de procurar agências de turismo online (as OTAs). Dessa forma, as
redes que os ajudassem nessa empreitada seriam vitoriosas.
Apesar de os estudos mencionados terem sido conduzidos nos Estados Unidos, ela afirmou
que os resultados podiam ser estendidos ao consumidor brasileiro. E foi além, mencionando outra
pesquisa, que havia sido conduzida recentemente no Brasil, que apontava que 23% dos hóspedes
entrevistados faziam suas reservas através do site do hotel para viagens corporativas e 47% nas
destinadas ao lazer. Sandra pontuou que essa mudança representava mais lucro para os hotéis, além
da criação de vínculos diretos entre eles e seus hóspedes.
Paulo refletia em concordância: afinal, acreditava que o cliente de fato “pertence” ao hotel
em que se hospeda. Mais que arrumar as camas e limpar os quartos, seu desejo era fazer a gestão
inteligente de seu banco de clientes, cuidando desde a venda e ações ligadas ao CRM até o pós-
venda. Para isso, nada melhor do que estabelecer vínculos diretos e fortes com o visitante.
Sandra lembrou outro benefício das vendas diretas: as grandes operadoras acabavam
submetendo os hotéis à disputa por preço, estratégia difícil de adotar e que não se mostra lucrativa. O
9. 3
TOMADA DE DECISÃO ESTRATÉGICA: O CASO DA REDE DE HOTÉIS JARDINS
Rosana Dias Guedes de Moraes, Marcelo Norberto Rodrigues, Vitor Duarte de Almeida, Ana Christina Celano Teixeira
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melhor caminho para as redes, pontuou ela, seria oferecer benefícios para atrair os viajantes a
reservarem diretamente com elas: web check-in, refeições gratuitas, Wi-Fi grátis e até mesmo a
possibilidade de escolher um quarto específico.
E prosseguiu: no final, é na cama do hotel que o hóspede dorme, é no restaurante do hotel
que ele toma seu café da manhã. Ninguém retira da memória do hóspede a experiência vivida.
Criado esse vínculo, valorizar a compra através do canal direto é investir para que ele volte. Além
disso, o valor das comissões que deixam de ir para as mãos das operadoras pode ser revertido para
melhorias que tornem os hotéis da rede ainda mais especiais.
As palavras de Sandra faziam sentido para Paulo. Porém, geravam também ansiedade. Ele
sabia que seu sistema de vendas diretas, o Reservejá, não tinha porte e capacidade para acolher um
grande número de solicitações.
Parecendo ler seus pensamentos, Sandra contou uma novidade que, garantia, ia revolucionar
o mercado. Explicou que, como resultado de um projeto desenvolvido no Vale do Silício com
investimento superior a US$ 6 milhões, sua empresa, a W13, acabava de ingressar no segmento de
soluções tecnológicas voltadas justamente a vendas diretas. Segundo ela, o novo objetivo da empresa
era justamente ajudar os hotéis a gerar vantagens competitivas, oferecendo a eles um sistema com as
mesmas características das grandes operadoras.
Um misto de sentimentos acometeu Paulo. Por um lado, enxergava a possibilidade de adotar
um novo sistema de vendas diretas e ainda levando em conta a confiança que depositava em Sandra.
Por outro lado, não podia deixar de se perguntar se, sendo uma interessada em fechar novos negócios
para a W13, não estaria ela superdimensionando os benefícios potenciais de aprimorar seus serviços
de vendas diretas?
Mas Sandra prosseguiu, enumerando ainda mais vantagens que um upgrade no sistema traria
à Rede Jardins, argumentando: “Quanto mais fácil for a compra direta de acomodações, mais
provavelmente o hóspede optará por essa forma de operação”. E mais: fidelizando o cliente, obtêm-
se informações mais completas sobre ele e seus hábitos, o que abre possibilidades de implantação de
programas de fidelidade mais consistentes, ofertas de descontos especiais a hóspedes mais
frequentes, personalização de alguns serviços preferidos por eles... Tudo isso fortalece os vínculos
com o hotel e faz com que o hóspede passe a recomendá-lo a seus conhecidos. No lugar de
recomendar uma operadora, que pode até tê-lo levado até o hotel na primeira visita, ele recomendará
especificamente a rede em questão. Além disso, tendo como rastrear o cliente que visitou o site e não
efetuou sua compra, o hotel pode criar ações de recaptura desses interessados, oferecendo
alternativas de datas ou tipos de hospedagem ou, pelo menos, entendendo o porquê da rejeição.
Paulo concordava com os benefícios das vendas diretas e tinha consciência de que elevar o
faturamento era uma meta que passava pela modernização do sistema. Porém, sabia que havia riscos
para a implantação do NewBook.
Em sua volta ao Brasil, consultou seu gerente de TI, Mario Camargo. Com pouco tempo de
empresa e, provavelmente, torcendo para que nenhuma modificação brusca fosse implementada
nesse momento de “estreia” na nova companhia e também no novo segmento de atuação, Mário não
apoiou a substituição. Segundo ele, sua experiência em outros segmentos tinha demonstrado os
problemas que a implantação do NewBook poderia trazer à rede Jardins. Lembrou que o novo
sistema não poderia ser integrado aos demais já utilizados na rede para os diversos controles e que
tal separação poderia levar à inconsistência de dados, overbooking e uma série de transtornos
administrativos com impactos sobre a satisfação do cliente. Além disso, apontou a necessidade de
treinamento e adaptação da equipe interna ao novo sistema, o que demandaria tempo.
Paulo não podia desprezar tal comentário, que lhe pareceu ameaçador, especialmente por seu
potencial de desgaste com os clientes já conquistados. Mas, buscando subsídios para construir sua
decisão sobre recomendar ou não a substituição do sistema, procurou ouvir também Maria Eugênia,
a gerente de Marketing da rede.
10. 4
TOMADA DE DECISÃO ESTRATÉGICA: O CASO DA REDE DE HOTÉIS JARDINS
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Maria Eugênia foi enfática. Lembrando o quanto a reputação de um hotel é decisiva na
escolha dos hóspedes, ela argumentou que, além das experiências e das competências profissionais,
as marcas ou “bandeiras” hoteleiras trazem consigo uma clientela potencial que a associa a um
determinado padrão de qualidade de serviços pré-conhecido e aprovado. Assim, segundo ela, para
boa parcela do público, as marcas seriam um referencial melhor do que a tradicional categorização
de estrelas adotada para os hotéis, por exemplo.
A forma como expressou sua opinião ficou ecoando na cabeça de Paulo: “Em nome do
potencial crescimento de faturamento, que nem sabemos se será assim tão grande, você arriscaria
frustrar clientes furando reservas e pôr em risco a reputação que conseguimos ao longo de décadas?
Uma vez que tenhamos clientes insatisfeitos e desconfiados de nossa seriedade, eles comentarão com
seus amigos e parentes. É assim que a reputação de uma marca se esvai. E sabemos que a reputação
é um dos maiores ativos que uma rede hoteleira pode ter.” E acrescentou: “Sua amizade de longa
data com a Sandra e sua confiança nela não devem cegá-lo aos aspectos negativos eventualmente
envolvidos numa decisão como a que está pensando em tomar. Lembre-se que ela tem interesses
comerciais por trás de sua argumentação”.
Paulo ficou desolado. Sua decisão também era pressionada pelo tempo. A temporada mais
forte para seu negócio aproximava-se e, caso fosse iniciar a implantação do novo sistema a tempo
dos ajustes e treinamentos necessários, a resposta positiva à W3 teria que ser dada em uma semana.
E ele ainda deveria submeter a decisão ao Conselho, que confiava cegamente em suas
recomendações. Essa confiança representava ainda mais responsabilidade para Paulo.
Assim, teve de agendar um encontro formal com o presidente da empresa para o dia seguinte.
Roberto Todescano, ciente do dilema que se desenhou, aguardava para o encontro a recomendação
de Paulo.
Que caminho deveria Paulo tomar?
Histórico da empresa
Fundada há mais de 60 anos, a empresa, nacional e de origem familiar, possui sua gestão
totalmente profissionalizada com CEO e diretoria executiva formada por executivos contratados do
mercado. A família controladora detém 100% dos assentos do Conselho de Administração. O foco
principal de atuação é o mercado corporativo doméstico.
O grupo hoteleiro Rede Jardins foi criado pelo carioca Pedro Albuquerque de Alcântara no
início dos anos 1950. Pedro, então com 32 anos, fundou uma estância em Cambuquira (MG) com o
objetivo de trazer luxo e conforto a seus hóspedes. Com o sucesso nos negócios, o fundador decidiu
expandir para outras cidades brasileiras. Até a década de 1970, o grupo já contava com 11 hotéis
próprios espalhados por sete Estados brasileiros.
Na década de 1980, conhecida como a “década perdida”, a crise econômica brasileira atingiu
a empresa e deu início a seu declínio financeiro. O turismo foi fortemente afetado, o que fez com que
os hotéis da rede deixassem de sofrer manutenções básicas ou qualquer tipo de revitalização. Diante
desta realidade, os hóspedes, já escassos em função da recessão e da alta da inflação, começaram a
evitar a Rede Jardins em suas viagens de lazer ou negócios.
Em 1985, com o falecimento de Pedro Albuquerque de Alcântara, a gestão dos negócios
passou a seus filhos, Jaime e Maria Alice Albuquerque de Alcântara, que pouco entendiam do
assunto. Do total de 11 hotéis operados pelo grupo até então, 4 foram fechados até o início dos anos
90. Com tantas perdas, os irmãos resolveram contratar um presidente executivo, na expectativa de
reverter os maus resultados e salvar o grupo.
Em 1993, Roberto Todescano, um experiente líder do setor hoteleiro, que já havia atuado em
grupos de relevância internacional, como Meridien e Sheraton, na Europa e Estados Unidos, assume
a presidência. Chega à Jardins com o objetivo de sanear a empresa e posicioná-la como uma das
líderes do setor no país, resgatando o glamour que ostentou por décadas.
11. 5
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Na chegada do novo executivo, a empresa mantinha ainda duas operações no Estado do Rio
de Janeiro – capital e Angra dos Reis –, além de prédios próprios em Salvador, Belo Horizonte,
Brasília, Recife e São Paulo. Em pouco mais de uma década, Todescano vendeu as operações de
Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte, passando a Hotéis Jardins a ser apenas a administradora dessas
unidades. Tal movimento saneou as dívidas da operação e gerou caixa suficiente para remodelar toda
a rede.
Após restabelecer a qualidade e a reputação do grupo, Todescano iniciou uma ação ousada de
gestão, que possibilitou o aumento do número de unidades pelo Brasil. Atualmente, o grupo
hoteleiro conta com 31 unidades, sendo 15 próprias e 16 apenas administradas pela rede.
O grupo superou todas as suas metas e voltou a ser reconhecido como uma das redes
hoteleiras mais renomadas e confiáveis do país. Além disso, tornou-se uma referência nos principais
guias internacionais que indicam o Brasil como destino. Hoje, o principal público da rede são os
visitantes domésticos em viagens motivadas por negócios, como a participação em congressos,
seminários, feiras, entre outros.
Personagens
ƒ Diretor-comercial e de Marketing – Paulo Montenegro tem 45 anos, 11 deles atuando na Hotéis
Jardins. Desfruta de grande confiança dos membros do conselho e, além da responsabilidade que
seu cargo representa, é afetivamente envolvido com o sucesso da Rede Jardins.
ƒ Conselho – Família Albuquerque de Alcântara são os sucessores do fundador. Confia plenamente
nas decisões tomadas pelo presidente.
ƒ Presidente – Roberto Todescano é um executivo que foca em resultados, mas entende que a
reputação da empresa é extremamente relevante para o sucesso dos negócios. Sempre remunerou
seus profissionais acima da média de mercado, mas também exige posicionamentos assertivos e é
pouco tolerante a falhas em sua equipe. Tem 63 anos e há 23 é o primeiro executivo de empresa.
ƒ Gerente de Marketing – Maria Eugênia Passos tem 41 anos e trabalha no grupo há quatro anos.
Tem na reputação da empresa e na satisfação dos clientes os focos principais de sua atuação.
ƒ Gerente de TI – Mário Camargo tem 35 anos e apenas três meses de empresa. Nunca trabalhou
no setor hoteleiro e está se familiarizando com o mercado.
ƒ Diretora da empresa W13, desenvolvedora do NewBook – Sandra Barros tem 42 anos e possui
uma carreira sólida no desenvolvimento de novas plataformas voltadas para o setor de hotelaria.
Há dez anos é diretora da W13. Conhece Paulo Montenegro há muitos anos, com quem
desenvolveu forte parceria.
13. 2
‘TECNOLOGIA SOCIAL’ AND SOCIAL CHANGE: THE CASE OF AGÊNCIA DE REDES IN RIO DE JANEIRO
Marlei Pozzebon, Fabio Prado Saldanha, Natalia Aguilar-Delgado
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with the goal of working with 300 young people from 6 territories in the favelas of Rio de Janeiro.
Agência de Redes’ staff does not see the methodology they develop with young people as a social
project, but rather as a tecnologia social. Moreover, the organization describes the methodology as
“a platform for social entrepreneurship and innovation that recognizes the young people as creators
instead of vulnerable individuals assisted by social projects” (Faustini and Soares, 2014).
The main objective of Agência de Redes is to change the perception of reality of young
people living in deprived neighborhoods by delivering an original methodology in the cities where
the training is delivered. With the intention of stimulating young people to develop ideas and
transform these ideas into projects that will impact their territories, Agência de Redes helps to
awaken the creative and entrepreneurial spirit of these youngsters and encourages them to develop
cultural, social and environmental business projects. As mentioned by Marcus Faustini, the mission
of Agência de Redes is to unveil “the purpose of life” to young favela residents and to provide them
the means to provoke social change in their communities. Due to its success and emerging public
recognition, the program was adapted and had its methodology been transferred overseas to
countries such as England and Ireland1
.
Figure 1. The social entrepreneur behind Agência de Redes
Despite the success, Marcus Faustini was told the grant program provided by a major
Brazilian foundation will be cut for the next year. However, this unfortunate news may be a
disguised blessing. He and his colleagues spotted an international foundation, with more resources
1 Respecting the same main principles, The Agency—the English name given to the British initiative—is currently being deployed in
London, Manchester, Cardiff and Belfast, helping to excluded young people to propose social projects impacting their communities.
14. 3
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than the current one, which focuses its grants on projects that promote social change. The challenge
remains that Faustini and his partners need to present a robust proposal for the intended sponsor: in
addition to quantitative and qualitative data (numbers of people being impacted and their life stories),
this foundation requires a more conceptual explanation on the mechanisms that Agência de Redes
developed in order to promote social change.
In terms of numbers, they have a lot to present: by 2018, Agência de Redes had already
helped to create 267 original proposals and implement 93 projects in different fields such as culture,
education, environment and health involving more than 3000 participants. Captivating stories, they
also have quite a few. Quickly, the example of Afonso, Caio and Suélen comes up to his mind.
Every day, these guys collect used cooking oil from the local restaurants and other residents in their
community on the West side of Rio de Janeiro. This oil would most likely be inappropriately
discarded due to the precarious waste management system in the region. After collecting the oil, they
sell it to a local soap manufactory in exchange for money and soap, which is redistributed in the
community that supplied them with the oil. The business model of their social environmental project
relies on obtaining this raw material at no cost, selling it and distributing part of the benefits to the
community.
But the call for grant proposal of this foundation has two clear requirements: 1) To justify
why the project may be seen as a tecnologia social; 2) To identify the social actors, the methods, the
tools and the social practices through which the project creates social change.
Intuitively, Marcus Faustini and his colleagues know how Agência de Redes creates social
change in many communities. The issue is that it takes time to reflect on their actions, rethink them
in a more conceptual way, and, write them down into a grant proposal grant format. A time that they
actually do not have for this moment. In order to start an initial sketch, Marcus Faustini had the idea
to ask this task for a new intern, Clara.
Clara has started to work for Agência de Redes only a couple of weeks ago. Marcus Faustini
thinks it is a good idea to get a fresh perspective on what they do:
“Clara, I have a challenge for you. We have prospected a new possible
sponsor for the next year. In their call for grants, they request proponents to
explain why the project is a tecnologia social, and what are the mechanisms of
the project that creates social change. I know that you are quite new here, but
I’d like to ask you to sketch an initial response to this, based on what you may
find in our materials. Besides, your fresh look may bring new insights for us. I
need to quit for this important meeting with another possible sponsor, and at
the end of the day I’d like to see what you have written.”
After these few words, Clara was both anxious and excited to show that she is not there for
nothing. She thus started to find some information on the internet and in some internal documents
about the mission and approach.
Agência de Redes para a Juventude – mission and approach
Clara wanted to work at Agência de Redes because she was fascinated by the idea that the
organization was in favor of the design and development of projects by young local agents
themselves within their own neighborhoods, unlike many other social projects that she has
participated in. By acknowledging that living in deprived neighborhoods often requires considerable
levels of resilience, boldness and creativity, Agência de Redes sees young people as knowledgeable
agents capable of channeling these skills for their own profit, as well as for the good of their
communities. However, to achieve this, the organization also works to break up the stigma that a
favela is poor in resources by developing in young people the ability to perceive the social and
cultural capital present in their communities. In other words, by focusing on the potential that a
15. 4
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favela has—instead of those resources it does not have—the ultimate purpose of Agência de Redes is
to promote citizenship awareness among disadvantaged youth, all the while integrating a network of
contacts to ultimately empower them to take ownership of their territory.
Clara started to look for information on how the Agencia de Redes did that. She found that
the recruiting process for the project begins with a team of volunteers from Agência de Redes that
literally goes door-to-door in the communities asking young residents: “Do you have an idea? Yes?
No? It doesn’t matter; come visit us!” Many of these recruiters are either previous participants or
part of the vast network of Marcus Faustini. Both in person and through Facebook, these recruiters
distribute promotional material and tell their own stories to attract new participants.
The main selection criterion in this search is to identify ordinary young people with any
apparent talent that are also motivated to do something and create an impact in their community.
Future participants are also informed that during the training, each participant receives a scholarship
amounting to approximately 50$ US per month, which will be doubled during the implementation of
the project in the last month.
At the same time, 50 university students are selected to act as mentors for participants. These
university students are preferably from the same community and they follow another methodological
training offered by Agência de Redes in order to be able to provide support for the participants on
their journey. As recognition for their effort, these university students receive an extension certificate
granted by the well-known Federal University of Brazil.
Agência de Redes Methodology2
Once the recruitment phase is complete, Agência de Redes conducts a series of workshops
designated as “cycles of stimuli”. Clara never had the chance to participate to any of these training
programs but, by doing some research, she found in a catalogue that Agência de Redes published,
that the methodology is composed of original tools such as compass, inventories, maps, bestiary, and
abecedary (Figure 2). These tools help participants to develop ideas for intervention in their
territories and to extend their solidarity networks. By reading about these tools and practices, Clara
understood that the methodology aims to break paradigms: participants are exposed to situations in
which they are forced to revise and transform their views of themselves and of their territory. In what
follows, we show some excerpts of Clara’s notes on the methodology.
Compass
In the first workshop, Agência de Redes proposes the concept of the compass for young people. This
tool is used to orient the initial desire that led the participant to the training program, which will be
useful to drive the individuals’ motivation throughout the process. Participants create their own
compass, on which each cardinal point has a specific role: in the North, they will express their initial
desires or personal wishes; in the South, they will sketch an idea of a project; in the East, they will
describe the likely way of expressing this idea; and in the West, they will illustrate the territory
where this idea might be implemented. If during the training program participants lose sight of their
initial desires and ideas, the compass will help them to remember their motivation and adapt or
adjust their next actions.
Inventories
In the second workshop, young people are invited to resignify their individual identities when a new
vocabulary is introduced to them: one of inventories. Using this tool, young favela residents are
asked to find and collect material and immaterial objects that are present in their daily life. The
2
This section draws extensively on the catalogue published by FAUSTINI, M. and SOARES, L. E. (2014). Agência de Redes Para a
Juventude, Petrobras.
16. 5
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purpose is to help them to compose personal inventories that somehow represent their identities in a
symbolic way. In this workshop, participants are invited to wonder about what a favela resident is
and resignify the perception they have about themselves.
Figure 2. Illustration of some of the tools of the Agência de Redes methodology
Maps
Once these inventories are created, in the third workshop, the goal is to extend this resignification
work to the neighborhood. In this context, a new tool is presented to them: maps. Participants thus
receive a map of their community where they will situate the references collected in their inventories,
with the purpose of visualizing the relationships among their material and immaterial references and
how they interact with the community.
Cabinet of curiosities
For the fourth workshop, favela residents are oriented towards expanding their inventories by
grabbing other references present in the community. The new tool introduced to them for this
purpose is the cabinet of curiosities. Inspired by overseas explorers of the Modern World that used to
present to the public items collected in their travels, the methodology asks participants to circulate in
their territories and to interact and collect visual and symbolic references that will have some
relationship with their future projects. It is thus in this step that the idea of becoming “curious” is
introduced to them. Curiosity is the force that exhorts people to travel and discover things.
Project abecedary
After wandering around in the community and discovering new things, in the fifth workshop, the
methodology aims to help participants organize and channel their discovering. Here, the tool of a
project abecedary is presented to them. The idea to develop this tool emerged from a YouTube video
in which the philosopher Gilles Deleuze was invited to systematize his ideas in the form of an
abecedary. In this case, participants are also invited to create the abecedary of their projects. Each
letter evokes an idea related to the project. This is the first writing exercise and a sort of organic
formulation of their projects’ ideas. At the end of this workshop, the abecedarian is delivered to a Ph.
D. graduate student who will help participants to better formulate their ideas. The logic here is that,
if well systematized, the ideas will generate a powerful project that will impact the community.
Bestiary
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In the sixth and final workshop, the “bestiary” tool is presented to favela residents, with the
intention of making them free to dissociate ideas. Here, young participants are invited to explore
their conceptions of beasts and monsters with the purpose of making a list of the monsters that they
found in their communities. By doing this, they are encouraged to make unexpected combinations
for their projects.
Desincubator and incubator
Once the “cycle of stimuli” is over, participants then start to design their projects with the
support of university students and some academic mediators. Young people need to structure their
ideas in feasible projects and defend them to a jury composed of external experts and mentors from
different sectors of the society (public, private and academic). They have one month to establish a
timetable and to budget for the project since they have to pitch their project to a jury that will
evaluate their proposals.
The projects considered promising by the jury go to the next step, to the “desincubator”, in
order to be developed and implemented. Projects considered inconsistent will go to another
“incubator” to receive recommendations with the support of academics and mediators. Participants
whose projects were not validated in the first round have the opportunity to either continue working
on their own projects, or to join another project that has a common axis.
For the defense of the projects to the jury, each group structures the presentation of their
project by clarifying the purpose, mission, action strategies, budget, schedule, etc. Participants are
also encouraged to organize a seminar presenting the projects to their communities: they invite their
relatives, friends and local representatives with the intention of establishing a network of partners for
their projects.
After that, a new phase begins: another period of seminars and meetings but this time with
strategic partners from the private and public spheres. Groups must integrate management tools and
concepts in the projects and find entrepreneurs in the community to engage in the project. Groups
must also defend and sell new projects to another jury formed by professionals and scholars in
management, economics, culture and entrepreneurship. The success of this second sales pitch gives a
sort of stamp of achievement, and with this, an amount of 5,000 USD for the project. Although the
focus of this stage is the refinement of the project, participants still consult with their university
mentors who help to validate some propositions. The final step is the implementation of the projects.
In the final stage, Clara learnt that the projects are then launched in the last two months of
training, when Agência de Redes is focused on providing support for groups working on
communication projects: logos, press releases, visual identity, etc. She saw that many interesting
projects have seen the light of day through this program (see in Figure 3 some projects that are still
ongoing and that generated important impacts on their communities).
Clara understood that Agência de Redes ends its mandate and participants are free to choose to
continue with their projects or not. The goal is not to ensure the long-term durability of the projects,
but if that is necessary, Agência de Redes can eventually offer support for grant programs as
requested. Nevertheless, she starts to wonder that the purpose of Agência de Redes goes beyond the
success of individual initiatives.
18. 7
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Figure 3. Some projects born at Agência de Redes
Deconstructing and reconstructing the territory
Now, for Clara, it is much clearer that what the Agência de Redes’ methodology proposes is
about changing the lenses with which youth in the favela see their world: the favela becomes a
window of opportunities.
She remembers that one of the first things that Marcus Faustini told her, when she was hired,
is that their approach is “plastic and artistic”. In order words, the methodology holds cognitive and
aesthetic objectives for the favela to counteract deeply rooted beliefs in the collective imagination.
More specifically, the favela residents must demolish—initially from the inside of their own
minds—the negative view that society holds over them: lazy, useless or even potentially criminal.
Instead, they are curious, creative and a source of value and power for the community.
19. 8
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The other thing she understood better is that after going through a process of mental
deconstruction, participants must find new combinations of cultural, artistic and emotional signs to
redefine their self-image and the one of their community. Social change is, according to her
perception, not only cognitive but also aesthetic insofar as young people are invited to further rebuild
new representations of the complex reality that they live in. The duality “shortage versus wealth”3
also orients the methodology of Agência de Redes. For Clara, this sentence summarizes what
Agência de Redes does: where one usually sees poverty and scarcity in these communities, the
organization proposes to see opportunities for improvisation and innovation. She asks herself…:
‘Would that mean that, in a sense, the latent and creative potential could be inversely proportional to
the abundance of material resources?”
Nevertheless, the methodology influences the trajectory of participants in different ways. She
was told that sometimes a youngster realizes in the first workshop the potential he or she has to
become a change-maker, sometimes it takes more time, and sometimes it never happens.
Unfortunately, not all participants reach the finish line. In addition, plenty of projects end up being
short-run initiatives. Clara was equally told that many of the young favela residents quit in the
middle of the program for different reasons. Even if Agência de Redes provides a stipend for their
participation, the majority need to work in precarious jobs to improve their family income. Other
factors, such as violence, drug trafficking, and undesired pregnancies may also influence the decision
to continue participating in the project.
A conversation that she had a week ago with a coworker echoes her mind: “We are not here
only trying to entertain young favela residents: we are really concerned about the future of a whole
generation”. She now fully understands that the methodology has a strong political mission aiming at
achieving two goals.
First, it aims to open up new opportunities for excluded young people by linking their
network of contacts—thus the words “agency” and “network”— to the public and private spheres of
the city. Second—as a spin-off of this connection of networks between underprivileged territories
and the public and private spheres—, to redefine public policies in education and to overcome
situations of neglect, prejudice and violence in which young favela residents currently find
themselves in Brazilian society. Although many participants do not finish the methodological
program or do not give continuity to their projects, Agência de Redes reportedly does succeed in
seeding this political message in their minds.
This is one of the reasons why she is at Agência de Redes now. She is doing an internship for
one of the projects recently led by Agência de Redes. Related to stimulating the rise of community
leaderships through the program, “Todo jovem é Rio” is a project where emerging young leaders
host different activities in their own communities following the methodology of Agência de Redes to
spur new projects in the favelas. In the advertisement for the program, one affirms: “One day, one of
us will be Rio’s mayor” (Figure 4).
3 « Carência versus potência » (Faustini and Soares, 2014)
20. 9
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Figure 4:. Political mission of Agência de Redes
Coming back to the initial task
After exploring different sources, Clara decides that she has enough material to sketch a table
listing all the mechanisms that the Agência de Redes’ methodology developed with the intention of
creating social change in the lives of the individuals living in communities. And she also feels
inspired to propose an initial answer explaining why Agência de Redes may be considered as a
tecnologia social.
What are the arguments that Clara would use to answer these two questions?
1) What are the main principles that may support the argument that Agência de Redes is a
tecnologia social?
2) Who are the social actors and what are the methods, the tools and the social practices involved in
of the Agência de Redes’ methodology?
Marcus Faustini will get back to the office in a few hours looking for the answers to start the grant
proposal writing. Clara is excited to prove that she is also curious and creative.
22. 2
DeBETTI DRY AGED: MATURADO PARA EXPANDIR?
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história e atenção aos detalhes. Tomávamos nota de tudo enquanto procurávamos resistir ao
delicioso cheiro de churrasco que pairava no ar.
Começo
Desde os anos 1920, a família Betti está no ramo de açougues, um negócio que vem há quatro
gerações e que iniciou com o bisavô de Rogério. Tradicionalmente os açougues sempre se
caracterizaram por serem locais malcuidados, feios, de péssimo atendimento, com funcionários e
proprietários prontos para passar a perna no cliente. Nos anos 1970, o tio de Rogério, no comando da
Carnes Flórida, vislumbrou a possibilidade de fazer algo diferente e acabou criando, nos melhores
bairros de São Paulo, as primeiras boutiques de carnes, com lojas azulejadas, limpas e organizadas.
Naquela época ele também começou a trabalhar com carnes de melhor qualidade e, impulsionada por
um aumento da capacidade de consumo das pessoas naquele período, a rede cresceu. Nos anos 1980,
apesar de alguns planos econômicos terem prejudicado, a ciranda financeira acabou ajudando o
negócio e a empresa ia de vento em popa. A rede chegou a ter 38 lojas na cidade de São Paulo.
Rogério, apesar de jovem na época, lembra bem desse período. Já frequentava as lojas da família e
acompanhava os negócios nas conversas do dia a dia.
Nos anos 1990, o cenário mudou um pouco com a entrada dos supermercados para
disputarem o mercado de carnes. Oferecendo melhor atendimento, produtos já empacotados em
bandejas, limpos, prontos para levar, esse tipo de varejista começou a conquistar espaço com os
açougues tradicionais. Não chegou a extingui-los, mas abalou o setor a ponto de hoje não termos
uma grande rede de açougues, limitando os maiores (Tennessee e Parisiene) a 30 ou 50 lojas. Nessa
década, a família mudou de ramo de atividade e acabou desfazendo-se da rede. Muitos dos pontos
comerciais que antes tinha hoje abrigam outras marcas de açougues.
Em 1998, a família de Rogério não estava mais envolvida com o mercado de açougues e ele
iniciou seu curso de administração de empresas. Fez estágio e seguiu carreira de 15 anos no mercado
financeiro. Em 2004, montou uma empresa de gestão de recursos, uma advisory, vendeu-a
posteriormente e envolveu-se, entre outras coisas, com reflorestamento na Bahia. Os negócios
seguiam longe do mundo das carnes.
Na vida pessoal, Rogério sempre foi o churrasqueiro da família. Certo dia, assistindo a um
documentário na televisão viu o que era considerada a melhor carne do mundo, servida no
restaurante Peter Luger em Nova Iorque (Anexo 1). Inspirou-se e decidiu ir atrás do que era
necessário para fazer o mesmo. Pesquisou sobre as técnicas, fez o primeiro lote, que ficou muito
bom, e seguiu pesquisando e melhorando as técnicas de maturação de carnes conhecidas como dry
aged, que as deixa mais saborosas e macias. A técnica envolve a maturação das carnes em câmaras
frias com umidade reduzida, onde descansam entre 30 e 120 dias. Após os 30 dias, as carnes perdem
1/3 do seu tamanho e quase 2/3 ao alcançarem 120 dias (ver Anexo 2).
Nesse período, chegou a fazer simulações e planos de negócios, mas concluiu que açougues
premium não seriam um bom negócio. Um ano depois, na Copa do Mundo de 2014, criou uma
página no Instagram para mostrar para os amigos como estava a evolução das suas carnes maturadas.
Nesse mesmo período, ele lia com muito interesse um livro que contava a história da varejista online
de calçados Zappos, que o alertou para a ideia de transformar clientes e funcionários em fãs. Aliado
a isso pensou na tradição da família e na ideia de poder oferecer a melhor carne do mundo. Do jeito
que as coisas iam, muitos amigos e conhecidos estavam interessados em comprar, mas as vendas
seriam inexpressivas, não haveria escala para justificar um negócio.
Mercado
O Brasil está entre os principais produtores e exportadores de carne bovina do mundo.
Somente no ano de 2018, foram abatidas mais de 44,2 milhões de cabeças de gado em todo o Brasil.
A produção de carne bovina no país foi de 10,96 milhões de toneladas (TEC), sendo que 79,64%
foram consumidas no mercado interno. Com esse volume, o consumo per capita atingiu 42,12 kg/ano.
23. 3
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Ademais, essa produção possibilitou ao país exportar mais de 2,21 milhões de toneladas (TEC) para
mercados como China, Hong Kong, Egito, Chile, União Europeia, Estados Unidos, entre outros
(ABIEC, 2019).
Tradicionalmente os cortes de carne bovina mais conhecidos no Brasil podem ser
classificados em 21 tipos. Alguns exemplos são a picanha, o filé mignon, o contrafilé, a maminha, a
alcatra, o bife do vazio, o músculo, o patinho, o cupim e o acém, entre outros. Esses cortes são parte
da base alimentar do brasileiro e estão presentes nas refeições do dia a dia, bem como nos churrascos
de final de semana.
Considerando o consumo de dia a dia (maior volume) e o consumo em ocasiões especiais
(mais qualidade), criou-se uma convenção no mercado sobre os cortes de primeira (normalmente
parte traseira do animal) e os cortes de segunda (parte dianteira do animal). Isso porque devido ao
modelo de criação brasileiro (gado a pasto) as partes da frente do animal tendem a ficar mais duras e
magras. Assim, a precificação dos produtos (cortes) seguiu por muito tempo essas duas
classificações.
Entretanto, nesse cenário crescente de consumo, nota-se um outro movimento no mercado: a
busca por carnes finas. A procura por novilho precoce, bem como carnes de melhor qualidade por
restaurantes, açougues, puxada por algumas mudanças no comportamento dos consumidores finais,
vem transformando parte do mercado. O avanço da genética e aplicação de melhores práticas de
manejo começaram a trazer para o mercado brasileiro a oferta de um animal de maior qualidade.
Essa combinação resultou em maior aproveitamento de diversas partes do animal, com cortes
traseiros e dianteiros com qualidade e sabor equivalentes. “Quando você pega um animal de
qualidade, o animal inteiro é bom. Você começa a descobrir outros cortes que até então não eram
populares. Já o mesmo corte de um animal ruim fica ruim. Num animal bom, qualquer corte fica
melhor”, explica Rogério.
Entretanto, a oferta desse tipo de matéria-prima no Brasil ainda é pequena. São poucos os
produtores que conseguem atender à demanda desse mercado mais exigente, que acaba importando
de países como Argentina e Uruguai. Segundo informações do portal Beef Point, o Brasil já teve
vários embaixadores, que defenderam, quase que de maneira solitária, a bandeira da maior qualidade,
entre eles os empresários Belarmino Iglezias, Istvan Wessel e o falecido Marcos Bassi. Esse
movimento vem ganhando força, impulsionado por cadeias como Outback Steakhouse ou ainda por
marcas como Montana Premium Beef, da dupla Chitãozinho e Xororó.
Esse movimento de oferta de carnes premium, para um consumidor que começa a ficar mais
exigente, está sendo impulsionado por uma série de empresas (açougues) que começam a oferecer
carnes de melhor qualidade ao consumidor. Novos cortes começam a fazer parte da dieta do
brasileiro. Passam-se a ofertar T-bones, Porterhouse, Prime Rib, Short Rib, Entrecote, Bife Ancho,
Bife de Tira, Flat Iron, Peixinho, Miolo da Paleta, além de vários outros cortes, que se misturam
entre traseiro e dianteiro. Esse movimento tenta acabar com a antiga classificação de carne de
primeira versus de segunda e trazer para o consumidor a visão de uma carne boa ou ruim.
Competição
Açougues de bairro
Tradicionalmente os açougues de bairro, com seu jeito simples de atender, são os que suprem
a demanda das regiões menos abastadas da cidade. Caracterizam-se por um ambiente descuidado,
sinalização feita à mão, atendimento pouco profissional e foco em preço, dando pouca ênfase à
qualidade.
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Redes de açougues
Algumas redes, como Tennessee e Parisiene, optaram por melhorar os antigos açougues de
bairro sem, contudo, abandonar a identidade açougueira tradicional. Têm atendimento mais caloroso,
escolhem pontos em bairros de maior poder aquisitivo, capricham nos cortes, cuidam para não
empurrar produtos e sobras de má qualidade para o cliente e procuram manter espaços mais
organizados, limpos, bem iluminados e sinalizados. O Tennessee, por exemplo, já começa a
sofisticar seu mix de produtos, oferecendo cervejas especiais, vinhos, temperos e complementos para
churrasco.
Supermercados e hipermercados
Os supermercados foram os vilões dos açougues de bairros nos anos 1980 em diante. Com
ambientação mais agradável, limpa e organizada, esse tipo de estabelecimento levou os pequenos
açougues praticamente a desaparecerem. Os supermercados têm certa dificuldade de manter seus
quadros de açougueiros e não se caracterizam por apresentar serviço particularmente especial quando
se desejam cortes e atendimento personalizados. Uma grande vantagem perante os demais modelos é
o fato de manterem diversos cortes em bandejas, prontos para levar, agilizando sobremaneira a
compra do cliente.
Swift
Um marco importante no setor foi a inauguração das lojas Swift, marca adquirida pelo grupo
JBS em 2007. Implantadas logo depois da aquisição, as lojas impactaram muito o mercado e hoje
chegam a incomodar as redes supermercadistas. Especializadas em vender carne congelada, não se
concentram somente em bovinos. Oferecem aves, peixes, caprinos, crustáceos, sobremesas e artigos
para churrasco. As lojas operam com autoatendimento e poucos funcionários. Muitos produtos já
vêm cortados, em embalagens práticas e convenientes, facilitando a preparação. A sinalização é
moderna e chamativa e as lojas têm estacionamento e carrinhos e cestas de compra disponíveis.
Oferecem também uma linha produtos premium chamada Black Angus, mais caros e de alta
qualidade.
Em novembro de 2018, havia 87 lojas da Swift em cerca de 20 municípios – mais da metade
estava na cidade de São Paulo. Para se ter uma ideia do incômodo que causam no varejo
supermercadista, só em 2017 foram abertas 30 lojas Swift. Na capital paulistanda, por exemplo, o
supermercado Pão de Açúcar tem 100 lojas (e 100 açougues). Há 50 lojas Swift e a sobreposição de
bairros cobertos pelas duas marcas é muito grande (Singovaga – SP).
Feed
Inaugurado em 21/1/2014 no bairro do Itaim em São Paulo, o Feed pertence à quarta geração
de uma família de fazendeiros de Goiás, produtores da raça bonsmara, originária da África do Sul,
que resolveram montar um estabelecimento tão diferenciado que nem parece um açougue.
A loja tem 360 metros quadrados, fachada envidraçada, pé-direito com 5 metros de altura,
poltronas modernas e decoração com madeira clara. Ao fundo, numa cozinha montada ao redor de
uma figueira, realiza aulas de culinária e faz eventos para grupos. Oferece cerca de 60 cortes
especiais e, conforme proclama em seu site na Internet, “todo esse esforço é para trazer para você
direto do produtor a melhor carne da sua vida, todos os dias”. Atualmente a empresa faz vendas via
e-commerce e tem um restaurante instalado no local (Portal Beef Point).
Outros
Dignos de nota, há diversos estabelecimentos na cidade que se caracterizam por qualidade e
atendimento especializado no ramo açougueiro. Podemos citar o Açougue Santa Bárbara, Carnes
Wessel, Porco Feliz e Bassi entre os mais reconhecidos pela população e mídia especializada.
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Fãs
O momento do “click” para montar o deBetti veio quando em sua página do Instagram uma
pessoa comentou ser fã do trabalho do Rogério. Nesse momento, diz ele, que se conectou com o
livro da Zappos e pensou: “Opa, aí deve ter um negócio! Não é só essa brincadeira de fazer de casa!”.
Para ele, aquilo foi o ponto de inflexão em que percebeu que tinha um valor ali se a pessoa já era fã
assim em tão pouco tempo.
Desse momento em diante, Rogério assumiu que queria fazer carne para o fã, para o que
valorizava seu produto. E é esse princípio que o norteia até hoje. Nas palavras dele: “Não abandonei
isso; olho muito isso. Rolling Stones, por exemplo, como estão há 50 anos na estrada e as pessoas
ficam cada vez mais fãs deles? Fui entender que fã é isso. Tenho fãs, tenho um mercado que as
pessoas se interessam.”
O negócio foi crescendo informalmente, com trocas de e-mails e pelo Instagram. Uma vez
por mês, saía um lote de carne e as pessoas iam até o escritório dele, sempre numa sexta-feira,
pagando em dinheiro, para retirar pequenas quantidades para o churrasco do final de semana.
Resultado: o deBetti já está virando uma marca. “Meu patrimônio é esse. É um fã, não
importa se eu estou vendendo no Instagram, na loja A, B ou C; não importa. A minha relação é com
o meu consumidor. Ele é fã do Rogério profissional, do açougueiro profissional.” Ainda segundo
Rogério: “A gente sempre resolveu o problema dos clientes. Se ele reclamar que não chegou ou
chegou errado, eu estou preocupado em resolver o problema dos clientes. Falo para devolver e
mando mais tarde o produto, sem ter que pagar dois fretes.”
Para ele, as fotos apresentadas no Instagram têm que fazer jus ao produto que é entregue na
casa do cliente. O Instagram da marca tem 180 mil seguidores e, como já nasceu adaptada ao mundo
das redes sociais, chega a ter muito mais seguidores do que grandes marcas como a JBS, líder de
mercado e grande investidor em mídia de massa (ver anexo 3).
E-commerce
Na metade de 2014, já havia 300 pessoas na fila de espera e ele operava com quatro
geladeiras em casa. Nesse mesmo ano, iniciou cursos ensinando a maturar carnes, fechando com 51
pessoas já na primeira turma. Hoje já foram 62 turmas com quatro horas de aulas cada, todas
ministradas por ele.
Num desses cursos, conheceu um desenvolvedor de sites e iniciou a operação de venda on-
line em sociedade em 1.º abril de 2015. Paralelamente, em parceria com um conhecido dono de um
frigorífico, já havia ampliado a produção e desossa de carnes para atender à nova demanda. A
operação de e-commerce tinha uma característica particular, visto que a entrega era agendada pelo
WhatsApp.
O que se fazia, na verdade, era uma pré-venda, com 30 dias de antecedência. Nos primeiros
dias de venda, a surpresa foi geral. Acostumado a maturar em torno de 20 contrafilés por mês, para
esse primeiro lote ele precisou de 300 peças, faturando R$ 300 mil. Hoje em dia a venda não é mais
feita por antecipação, mas o episódio ilustra como a marca já arrebanhava fãs desde o princípio.
Para suprir essa demanda, Rogério procurou frigoríficos, mas estes se recusaram a atendê-lo.
Acabou tendo que escolher o caminho mais difícil: comprar diretamente da fazenda, o que pode ser
destacado como um dos fatores-chave para garantir a qualidade da carne. Hoje o e-commerce
representa 15% das vendas e faz aproximadamente 700 entregas por mês, na Região Metropolitana
de São Paulo.
Churrascada
Inspirado no Meatopia (https://meatopia.co.uk), um evento internacional de carnes, Rogério
resolveu fazer algo similar no Brasil. Aproveitando o espaço grande em frente ao bar Ilha das Flores
em São Paulo, associou-se a alguns parceiros, um deles dono de uma empresa de eventos, e criou
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uma grande churrascada. A ideia era reunir cerca de cem clientes, preparar as carnes e passar uma
tarde fazendo churrasco. Conseguiram uma parceria com a Ambev e marcaram o primeiro evento
com 90 dias de antecedência, para 4 de agosto de 2015. Foram mais pessoas do que o esperado nessa
primeira churrascada: 1.400 no total.
Todo o faturamento foi investido no negócio e logo depois a churrascada começou a crescer
vertiginosamente. Até hoje já foram 10, com 25 mil visitantes no total, vindos do mundo inteiro e
pagando de R$ 300 a R$ 400 para participar. Os ingressos costumam esgotar em horas. Hoje o
Instagram da churrascada tem 280 mil seguidores (ver anexo 4).
Açougue
O próximo passo seria ter uma loja física. Rogério então iniciou a busca de um ponto, mas,
como já estava fazendo os cursos perto do restaurante Ilha das Flores, pensou em ficar por ali mesmo.
Conseguiu alugar o local e abriu o açougue em agosto de 2016 (ver anexo 5).
Ao entrar na loja, mais parece que se está entrando em uma boutique, ou num empório
sofisticado. As carnes são bem apresentadas, em geladeiras verticais e horizontais. Algumas estão
em embalagens a vácuo, outras em cortes precisos, expostos um a um. No fundo da loja, há uma
câmara de maturação dry aged enorme, com visual incrível. São diversos quilos de carnes em
processo de maturação, que em 30 dias ou mais estarão prontas para serem cortadas e expostas para
venda. Nas laterais pode-se observar o processamento. Em um dos lados, pessoas bem treinadas,
com ferramentas precisas, preparam os cortes. No outro, um balcão em que são produzidos milhares
de hambúrgueres, um dos produtos mais vendidos na loja.
Além de carnes, é possível encontrar no açougue equipamentos para churrasco, como tábuas,
facas e grelhas, bem como acessórios (aventais, bonés). Os kits também se destacam. Caso você
queira fazer um hambúrguer em sua casa, basta adquirir o kit com carne, queijo cheddar e pão, tudo
na medida. Além disso, o consumidor pode encontrar o kit churrasco, que traz uma diversidade de
cortes interessantes, misturando carnes in natura com dry aged, além linguiças e pães. O kit é feito,
considerando uma quantidade de carnes por pessoa, para que todos possam ficar satisfeitos, mas não
em exagero. O posicionamento da marca “carnes especiais, para momentos especiais”, além do
manifesto “coma menos, coma melhor” está sempre presente.
Valor
Rogério afirma que tudo o que tem feito é pensando no cliente, para permitir-lhe uma
sensação que seus produtos são muito bons e que vale a pena comprar ali. Diz que foge da briga de
preço e procura cobrar o que acha justo e que lhe traz margem aceitável. Exemplifica seu
pensamento em relação a preço e valor utilizando a cerveja. Segundo ele, é possível fazer um
paralelo perfeito com esse produto. Há cinco anos as pessoas tomavam a cerveja mais barata e mais
gelada disponível. Hoje já não é assim; os consumidores estão mais sofisticados e trocam
quantidade por qualidade. Preferem beber menos, mas, quando o fazem, recorrem a produtos
melhores.
No caso da carne, teria acontecido a mesma coisa, segundo Rogério. Cultiva-se o conceito
“coma menos, mas coma melhor”. Não é necessário comer carne todos os dias, mas, quando o
consumo acontece, que seja de um produto de alta qualidade. Há outras mudanças que favorecem a
venda de um produto de melhor qualidade. Hoje nas grandes cidades todo apartamento novo tem
uma churrasqueira na varanda. Quem trabalha a semana toda e propõe-se a fazer um churrasco no
final da semana quer oferecer o que tem de melhor para a sua família. Em vez de comprar duas
picanhas ruins, prefere comprar uma picanha só, de alta qualidade.
A comparação também pode ser feita com uma churrascaria tradicional. O ticket médio no
açougue de Rogéro é de R$ 300. Com esse valor, o cliente compra carne para oito a dez pessoas, o
que dá um custo de R$ 30 a R$ 40 por pessoa. Se, ao invés de fazer o churrasco em casa, diz ele, o
consumidor optasse por levar essas mesmas pessoas a uma churrascaria de alto nível como Fogo de
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Chão, gastaria cerca de R$ 150 por pessoa. A conta total ficaria em torno de R$ 1.500, contra os
R$ 300 do churrasco na varanda, com uma carne de alta qualidade e com os benefícios sociais que só
o churrasco traz.
As comparações de Rogério também se estendem para o best seller da marca: o hambúrguer.
Um hambúrguer deBetti sai por R$ 20, incluindo a carne, o pão e o queijo cheddar importado. Feito
em casa, ficam mais baratos do que comprados no McDonald’s. Não é à toa que hoje ele vende mais
de 20 mil hambúrgueres por mês.
O mesmo raciocínio é aplicado ao Quintal, o restaurante do grupo. Um cliente médio gasta ali
R$ 100 por visita, valor pelo qual come e bebe bem e pode passar a tarde toda no espaço. Rogério
afirma que a conta poderia ficar em R$ 150, valor ainda justo, mas por esse preço as pessoas não
viriam toda semana. Reduziriam sua frequência a uma vez por mês. Ao preço de R$ 100, diz ele, há
clientes que vêm sexta, sábado e domingo. “Há um deles que já veio dez vezes em 45 dias”, relata.
Rogério diz que o importante é que os clientes vejam valor “e que o fã sinta que a precificação é
honesta.”
Valores
Rogério acredita que está ensinando as pessoas a consumirem carne de um jeito diferente.
Na churrascada, por exemplo, apresenta diversos cortes e técnicas de preparação, trafegando pelos
estilos americano, havaiano, coreano e pelos diferentes jeitos brasileiros de preparar a carne.
Ele acredita no poder do churrasco como evento social, com sua capacidade de reunir a
família e os amigos ao redor do fogo, de sua força em colocar as pessoas em torno da comida, da
música e da bebida. Segundo ele, essa magia é igual em todo lugar, independentemente da cultura.
Outro ponto que acredita estar ensinando é sobre a importância da qualidade da carne.
“Quando o animal é de qualidade, o animal inteiro é bom, todos os cortes ficam bons”. Isso permite
que cortes até então impopulares passem a ser consumidos e apreciados pelos clientes.
O trabalho da empresa tem sido reconhecido até pelos gestores das grandes empresas de
carnes, os quais muitas vezes passam no açougue deBetti para fazer suas compras pessoais,
valorizando esse papel educativo que ele tem prestado ao setor.
Cadeia
Com o crescimento do volume de vendas, foi necessário criar parcerias do lado da produção.
Para conseguir carne de qualidade, a compra é feita diretamente na fazenda. Há produtores criando
gado exclusivamente para a deBetti. E entre eles está um dos sócios do fundo de investimento que
investiu na empresa e é um dos maiores produtores de gado do Brasil. Esse produtor já está
trabalhando em uma boa escala para a deBetti, de maneira quase integrada.
Para escolher o produtor, são feitas visitas às fazendas. A procura é por apaixonados pela
qualidade. A remuneração é 10% a 20% acima da praticada no mercado, estimulando-os a produzir o
gado nos padrões esperados pela companhia. O abate é feito em frigoríficos menores, perto da região
de produção, e a desossa em Jundiaí (SP), em uma empresa de um amigo, parceiro há três anos. O
trabalho envolve de 300 a 400 animais por mês.
Estas fazendas estão em vários lugares do Brasil; desde o Mato Grosso até o Rio Grande do
Sul. Atualmente são 12 parceiros que separam parte da produção para a deBetti. São grandes
produtores que têm um manejo especial para essa parte do rebanho. Somados, seriam capazes de
produzir aproximadamente 200 mil animais. Esses produtores abatem cerca de 50/60 mil cabeças por
ano. Atualmente, a deBetti utiliza 10% desses abetes (5 mil cabeças por ano), considerando o padrão
de qualidade especial necessário.
Como não utiliza o animal inteiro no seu processamento de dry aged, a empresa revende as
demais partes com outra marca (Nosso Açougue) para outros açougues e supermercados da capital.
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Formatos
Logo depois do açougue aberto, Rogério teve como aluna de um dos seus cursos de
maturação de carnes uma colaboradora do Carrefour. No dia seguinte, recebeu uma proposta para
abrir uma loja dentro de um supermercado da rede. Recusou-a, pois isso ia contra a estratégia da
empresa. Entretanto, após negociações e um pouco mais de conversa, a proposta evoluiu para algo
diferente: um corner que foi instalado dentro do açougue do novíssimo Carrefour Pamplona. A ideia
é atender cliente deBetti, do mesmo jeito, pelo mesmo preço e com funcionários da marca. O corner
foi o primeiro do Brasil e o terceiro que o Carrefour fez ao redor do mundo.
Rogério destaca que a primeira carne que vendeu no Carrefour foi para uma cliente que
nunca tinha comprado dry aged. Não foi um cliente dele. “É bom para os dois lados. Isso me ajudou
a fazer o investimento de um ponto de venda sem capex. Para eles é bom porque eles trazem mais
clientes para a loja. A marca deBetti ajudou a criar algo diferente para a loja do Carrefour. Ao invés
de dividir, nós juntamos forças.”
Depois da experiência com o corner no Carrefour Pamplona, a pergunta que surgiu foi: como
levar a marca deBetti para outros pontos de venda e, mesmo assim, manter a experiência e a
proximidade do fã? Desde então, outras iniciativas têm sido implementadas:
• Está para sair do papel um projeto-piloto: uma geladeira vending machine deBetti. Quem
comprar no e-commerce poderá retirar a mercadoria na máquina.
• Os hambúrgueres são vendidos na barbearia Corleone (http://www.barbeariacorleone.com.br/).
• A rede de hortifrúti Natural da Terra também fez parceria com a marca que já pode ser
encontrada em quatro lojas (Verbo Divino, João Cachoeira, Nhambiquaras e Santo Amaro).
• O Banco Santander fez um acordo para fornecimento de o hambúrguer deBetti por quatro meses
ao restaurante para funcionários, que podiam pagar à parte e o sanduíche era preparado por uma
equipe da marca.
• Recentemente, Rogério abriu o restaurante Quintal, literalmente no quintal de uma casa muito
próxima e praticamente integrada ao Ilha das Flores. No primeiro dia, vieram 300 pessoas sem
ter havido divulgação formal, sem qualquer postagem nas redes sociais. No segundo dia, 400
pessoas. Hoje vêm em média mil por dia. Na abertura (12h) há entre 200/300 pessoas esperando
na fila, que começa a se formar as 10h30 da manhã (ver anexo 6).
• Além disso, há também realização de eventos. Só em 2017 foram 80 deles.
Expansão
Em 2017, o crescimento da empresa foi de 600%. Em 2018, dobrou o faturamento sobre a
base do ano anterior. Quando perguntado se pretende expandir os negócios, Rogério responde querer
“conquistar o mundo”, mas que pretende fazê-lo sem perder a qualidade, de acordo com a
capacidade de atendimento da empresa, considerando a carne e do serviço.
Sobre esse assunto, diz também que pretende dar “um passo atrás do outro”, superar as etapas
como elas devem ser superadas, não pular nenhuma delas, mas agora em uma velocidade mais rápida,
visto que em 2018 recebeu aporte de um fundo de investimentos private equity o qual comprou uma
participação na empresa. Além do capital, os investidores trouxeram know-how, considerando
práticas de gestão de negócios, administração do crescimento e planejamento.
Internacionalização também está nos planos, mas o foco será primeiro o Brasil. Já houve
algumas poucas exportações para Dubai e, atento a essas oportunidades, Rogério tem viajado
bastante. Sua intenção é fazer uma expansão internacional, iniciando pela presença em um ou outro
restaurante reconhecido, em um lugar diferenciado, trabalhando inicialmente a marca para, depois,
investir em uma presença física.
O caminho está traçado, porém algumas perguntas precisam ser respondidas. Como crescer
sem perder a qualidade? Quais são os fatores críticos de sucesso que a empresa precisa considerar
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em sua expansão? Seria mais adequada uma estratégia parecida com Peter Luger, mantendo-se com
poucas lojas?
Anexo 1. Peter Luger Steak House
Fundado em 1887, por Peter Luger, dono do estabelecimento, e Carl Luger, sobrinho que tocava a
cozinha, o pequeno restaurante ganhou rapidamente a preferência da vizinhança do Brooklyn, EUA.
Em 1920, Sol Forman fundou uma empresa, bem na frente do restaurante de Luger, que fabricava
artigos de metal como potes, jarras e cafeteiras. Devido à proximidade, Sol Forman levava seus
clientes potenciais para comer no restaurante. Entretanto, após a morte de Luger, o local começou a
decair. Ao invés de procurar outro restaurante, Sol decidiu ir ao leilão, sendo o único a aparecer.
Assim, em 1950, arrematou o local pelo preço do imóvel e, desde então, retomou a forma do
restaurante, com a família envolvida profundamente no negócio. Desde 1984 está entre as principais
casas de carne de Nova Iorque, com uma estrela Michelin, sob a gestão da família Forman. O
restaurante trabalha com cortes selecionados do boi, para garantir uma carne de qualidade. A carne
passa pelo processo de dry aging no próprio restaurante. Mesmo com tanto sucesso, hoje são só duas
lojas. Em um recente documentário de televisão, a família conta o dilema que passa quando pensa
em expansão, uma vez que tem medo de não manter qualidade nesse processo.
Fonte: Baseado em informações do site da empresa
Anexo 2. Primeiras experiências de Rogério, ainda maturando carnes em casa (2013/2014)
Fonte: Instagram deBetti - @debetti
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Anexo 3. Instagram deBetti
Fonte: Instagram deBetti - @debetti
Anexo 4. Instagram Churrascada
Fonte: Instagram Churrascada - @churrascada
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Anexo 5. Fotos instalações Açougue deBetti
Fonte: imagens cedidas pela empresa
Anexo 6. Quintal deBetti
Fonte: imagem cedida pela empresa