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NOTA TÉCNICA


      PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS*

                                                                             Laís Abramo**




O tema deste ensaio é a dimensão de raça nas políticas públicas. A primeira pergunta que
deve ser feita é: Por que é importante falar de gênero e raça quando se fala de políticas
públicas? Ou, em uma linguagem mais técnica, por que é importante introduzir, fortalecer
e transversalizar a dimensão de raça nas políticas públicas?
      Em primeiro lugar porque, no Brasil, as desigualdades e a discriminação de gênero e
raça são problemas que dizem respeito à maioria da população. No caso brasileiro, quando
nos referimos a gênero e raça não estamos falando de grupos específicos da população, ou de
minorias, mas, sim, das amplas maiorias da sociedade brasileira. Isso não significa que a
discriminação contra qualquer minoria possa ser justificada, mas que, no Brasil, esse problema
claramente se refere à maioria da população. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD) de 2001, as mulheres correspondem a 42% da População Econo-
micamente Ativa (PEA), e os negros de ambos os sexos a 44,5%. A soma de mulheres
(brancas e negras) e homens negros corresponde a 55 milhões de pessoas, que representam
quase 70% da PEA brasileira. Por sua vez, as mulheres negras, que representam um conjunto
bastante especial nesse grupo, correspondem a 14 milhões de pessoas — quase 20% da PEA
brasileira.
      Em segundo lugar, porque, em qualquer indicador social considerado — educação,
emprego, trabalho, moradia etc — existe uma desvantagem sistemática das mulheres em
relação aos homens, e do conjunto de negros de ambos os sexos em relação aos brancos. Essa
desvantagem é especialmente marcada no caso das mulheres negras.
     O segundo tema importante a ser discutido é como essas duas questões — gênero e
raça — podem e devem ser relacionadas. Esses dois temas têm estatutos diferenciados. No
caso do Brasil existem, inclusive, movimentos sociais organizados — e diferenciados — em
torno dessas duas questões: os direitos da mulher e o feminismo, e os direitos dos negros e o
combate ao racismo. Trabalhar conjuntamente essas duas questões não é fácil, não é simples.
Pelo contrário, é um grande desafio.
     No Brasil, estamos vivendo atualmente um momento propício para trabalhar essa
questão, a partir da criação, pelo Governo do presidente Lula, de duas secretarias especiais
vinculadas à Presidência da República. Uma delas encarregada das políticas para as mulheres e
a outra encarregada das políticas de promoção da igualdade racial. Essas duas secretarias, e
as suas respectivas ministras, têm muita consciência de que é necessário trabalhar em con-
junto essas duas dimensões, e isso é muito importante.
      As desigualdades e as discriminações de gênero e raça são duas formas fundamentais de
discriminação que cruzam a sociedade e o mundo do trabalho no Brasil. São dois tipos de


* Apresentação feita no Seminário Internacional América do Sul, África, Brasil: acordos e compromissos para a promoção da
igualdade racial e combate a todas as formas de discriminação, Brasilia, 22-24 de março de 2004.
** Especialista Regional da OIT em Gênero e Trabalho.




ipea                                  mercado de trabalho         | 25 | nov 2004                                    17
NOTA TÉCNICA


discriminação que não apenas se superpõem, mas se intercruzam e se potencializam. A
situação da mulher negra evidencia essa dupla discriminação.
      Examinando os indicadores do mercado de trabalho, o que observamos é que em al-
guns aspectos a discriminação de gênero é mais acentuada que a de raça, e em outros ocorre
o contrário. Não se trata aqui de discutir qual desses dois tipos de discriminação é o pior.
Ambos são intoleráveis e têm de ser combatidos. No caso da mulher negra, uma forma de
discriminação potencializa a outra.
      Outro tema abordado nessa exposição é a relação entre a discriminação (de gênero e
raça), a pobreza e a exclusão social. Muitas vezes essa discussão é feita separadamente: quem
discute a questão da discriminação não discute necessariamente a questão da pobreza, e
quem discute a questão da pobreza não está levando na devida conta as dimensões de gênero
e raça. Existe, entretanto, uma relação muito forte entre esses dois problemas: as diversas
formas de discriminação estão fortemente associadas aos fenômenos de exclusão social que
dão origem à pobreza e são responsáveis pela superposição de diversos tipos de vulnerabilidade
e pela criação de poderosas barreiras adicionais para que as pessoas e os grupos discriminados
possam superar a pobreza e a exclusão social.
     A pobreza é heterogênea. Isso pode parecer óbvio, mas não é porque a maioria das
análises e diagnósticos sobre a questão da pobreza, os indicadores em geral utilizados para
medi-la, assim como as políticas públicas desenvolvidas para tentar combatê-la não conside-
ram devidamente nem a dimensão de gênero, nem a de raça desses fenômenos.
      A pobreza não é neutra. A pobreza tem sexo, tem cor, tem endereço. Isso significa que
os fatores ligados à condição da família, ao ciclo de vida, ao sexo, à idade, à raça e à etnia,
determinam formas diferenciadas de vivenciar a pobreza, e que determinados grupos da
população são mais vulneráveis e têm uma dificuldade maior de superá-la. Há alguns pro-
cessos e características que são comuns na pobreza de homens e mulheres, negros e brancos,
mas existem outros que são diferentes e geram maiores dificuldades e desvantagens adicionais.
O sexo e a raça são os fatores que mais fortemente condicionam a forma pela qual as pessoas
e suas famílias vivenciam a pobreza. No Brasil, os negros estão sobre-representados entre os
pobres. Eles equivalem a 45,5% do total da população e a 69% do total das pessoas em
situação de pobreza. Na mensuração da pobreza, é mais fácil ter dados desagregados por cor
que por sexo, devido aos indicadores que freqüentemente são utilizados para medir a pobreza,
que tomam em conta o rendimento familiar (a família é a unidade de análise, e as diferenças
que existem no seu interior, entre elas a de sexo, não são devidamente consideradas).

     DETERMINANTES DE GÊNERO E RAÇA DA SITUAÇÃO DA POBREZA DE
     NEGROS E MULHERES
A raça e o sexo das pessoas determinam a sua maior ou menor vulnerabilidade diante da
pobreza e uma maior ou menor dificuldade de superação dessa situação. Quais são esses
determinantes? Quatro deles merecem destaque:

     Primeiro determinante: maiores dificuldades de inserção de negros e
     mulheres no mercado de trabalho
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a forma fundamental de superação da
pobreza é o trabalho. Não um trabalho qualquer, mas um trabalho que a OIT define como
trabalho decente, ou seja, capaz de garantir condições de vida minimamente dignas para as
pessoas, e se o trabalho é a via fundamental de superação da pobreza e da exclusão social, é




18                            mercado de trabalho   | 25 | nov 2004                     ipea
NOTA TÉCNICA


necessário analisar quais as condições que têm os negros e as mulheres para uma inserção
decente (de boa qualidade) no mercado de trabalho. Todos os dados indicam que as mulheres
e os negros têm mais dificuldades de se inserir no mercado de trabalho e, em especial, de
obter um emprego de qualidade.
      As principais dificuldades de cada um desses grupos não são necessariamente as mesmas.
No caso das mulheres, um fator muito importante são as restrições impostas pelas responsa-
bilidades reprodutivas, ou seja, toda a carga das tarefas relativas ao cuidado da casa, das
crianças, dos mais velhos, que continua sendo assumida principalmente — quando não
exclusivamente — pelas mulheres. Esse é um trabalho que consome um número importante
de horas por dia (especialmente entre os setores mais pobres) e que não tem um valor
econômico reconhecido pelo mercado. No caso dos negros, um elemento importante é a
escolaridade. Apesar de aumentos importantes verificados na última década nos níveis de
escolaridade do conjunto da população brasileira, ainda persiste um diferencial muito grande
entre negros e brancos nesse aspecto. Esse diferencial se manteve igual ao longo de todo o
século XX. Essa é uma estabilidade muito perversa.
     Também afetam negativamente a inserção de mulheres e de negros no mercado de
trabalho a falta de qualificação profissional específica e a ausência de redes de informação, de
contatos, fatores muito importantes para que as pessoas possam encontrar um trabalho.
      No caso das mulheres, existem também fatores culturais que não incentivam — ou
desincentivam — o trabalho feminino, dentre eles a velha idéia de que cabe ao homem o
papel de provedor da família e à mulher as funções de cuidado. Essa idéia continua tendo
uma forte presença e capacidade de propagação, apesar do fato que, no Brasil, 27% das
famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, em quase 30% das famílias brasileiras as mu-
lheres são as provedoras principais — ou exclusivas. Apesar disso, continua sendo muito
forte a idéia de que o papel da mulher é “cuidar” da família e da esfera reprodutiva e, mesmo
quando ela trabalha, seu trabalho é secundário ou complementar ao do marido.

      Segundo determinante: a desigual valorização econômica e social do
      trabalho tanto de negros quanto de mulheres
O trabalho tanto de negros como de mulheres é menos valorizado social e economicamente.
Isso está na base dos preconceitos que afetam a sua inserção no mercado de trabalho, como
a suposta “falta de competência” para determinados tipos de trabalho, ou uma delimitação
rígida do que seriam trabalhos próprios para mulheres e próprios para homens, próprios para
negros e próprios para brancos. Na verdade existem muitos preconceitos, muitos estereótipos
diferentes, mas todos eles têm um elemento comum: a desqualificação das mulheres em
relação aos homens e dos negros em relação aos brancos. As formas pelas quais negros e
mulheres são desqualificados e desvalorizados no mercado de trabalho não são necessaria-
mente as mesmas, mas esse fenômeno ocorre com ambos os grupos da população e está na
base da persistência e reprodução de uma segmentação ocupacional que os desfavorece.
Mesmo diante do fato de que as mulheres já têm um nível médio de escolaridade superior
ao dos homens no mercado de trabalho, elas costumam se concentrar em certas ocupações e
profissões que são desvalorizadas social e economicamente, e que aparecem quase como uma
extensão das “funções de cuidado” exercidas no âmbito doméstico e familiar (empregadas
domésticas, enfermeiras, educadoras de ensino básico etc.). Isso explica uma parte impor-
tante da maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho e os diferenciais
de rendimento, oportunidades de ascensão e promoção que ainda permanecem. O mesmo
ocorre no caso dos negros.



ipea                          mercado de trabalho   | 25 | nov 2004                          19
NOTA TÉCNICA


     Terceiro determinante: acesso desigual aos recursos produtivos
Em uma situação em que emprego assalariado e formal responde cada vez mais a uma menor
percentagem dos postos de trabalho existentes, são cruciais as condições de acesso à terra, à
tecnologia, ao crédito que possibilitem alguma alternativa de geração de trabalho e renda.
Nesse aspecto também a situação de mulheres e negros é muito menos favorável.

      Quarto determinante: desigualdade de oportunidades para participar
      dos processo de tomada de decisões
Essa desigualdade incide na não-inclusão dos interesses das mulheres e dos negros nas agendas
de políticas públicas. Em razão disso, as políticas de combate à pobreza, de geração de
emprego, ou de qualquer outra área das políticas públicas (educação, saúde, habitação etc.)
não refletem adequadamente as necessidades e direitos de mulheres e negros, e as políticas
aparentemente “neutras” em relação ao gênero e à raça tendem a reproduzir as desigualdades
existentes entre mulheres e homens, negros e brancos.

     DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Nessa parte final quatro desafios para as políticas públicas voltadas ao combate à pobreza e
à geração de emprego serão apresentados, com o objetivo de incorporar adequadamente as
dimensões de gênero e raça.
      O primeiro deles é incorporar uma dimensão de gênero e raça nos métodos de medição
da pobreza e nas análises sobre a pobreza, a fim de visibilizar as características próprias da
pobreza das mulheres e dos negros. Se a pobreza é heterogênea, se existe uma situação
diferenciada e desigual em termos de gênero e raça na vivência da pobreza e dos processos de
exclusão social, essa realidade deve refletir-se nos indicadores através dos quais esses fenômenos
são mensurados, assim como nas análises e diagnósticos feitos sobre pobreza, problemas de
emprego, educação, saúde, habitação etc. Outra vez, isso vale para qualquer área das políticas
públicas.
     Para elaborar políticas mais eficazes de combate à pobreza é fundamental compreender
as causas a ela associadas, identificar os grupos mais vulneráveis e gerar respostas adequadas.
É fundamental, ainda, que as pessoas em situação de pobreza deixem de ser vistas apenas
como beneficiárias de programas sociais, e passem a ser vistas como cidadãs e cidadãos
portadores de direitos.
     O segundo desafio é justamente incorporar os problemas das mulheres e dos negros na
agenda pública. Para isso, é muito importante estabelecer canais e mecanismos de diálogo
com diferentes atores. Esses problemas são de uma magnitude tal que a sua solução supõe o
concurso de diferentes atores e a criação de espaços de concertação social. Também é impor-
tante identificar adequadamente as melhores opções institucionais para promover a
transversalização das dimensões de gênero e raça nas políticas públicas, que podem ser dife-
rentes segundo os vários contextos em que se atua.
      O terceiro desafio é gerar novas respostas ante os problemas das mulheres e dos negros.
Rever o impacto diferenciado em homens e mulheres, brancos e negros dos programas de
emprego e combate à pobreza e incorporar uma dimensão de gênero e raça nos processos de
planejamento, implementação, alocação de recursos, monitoramento e avaliação de cada
programa ou política. Se não existirem mecanismos ou indicadores que possam medir os
efeitos dessas políticas, e se esses indicadores são sensíveis ao gênero e à raça, nunca poderemos




20                             mercado de trabalho    | 25 | nov 2004                      ipea
NOTA TÉCNICA


saber se esses programas são eficientes ou não, se contribuem ou não para os seus objetivos,
assim como para a superação das desigualdades de gênero e raça.
      O quarto desafio é fortalecer as capacidades institucionais dos gestores públicos e demais
atores sociais para desenvolverem propostas de política e mecanismos de implementação,
monitoramento e avaliação capazes de promover a igualdade de gênero e raça como um
aspecto fundamental das políticas públicas. Quando falamos de políticas públicas nos refe-
rimos a gestores, a formuladores de políticas, a pessoas responsáveis pela implementação
dessas políticas, seu monitoramento e avaliação. Estamos falando do governo, dos funcionários
públicos e também das organizações da sociedade civil que estão em constante diálogo com
esses gestores públicos. Um fator central, portanto, para o êxito dessas políticas, para au-
mentar sua capacidade de contribuir para a superação das desigualdades de gênero e raça é
fortalecer as capacidades institucionais dos atores que são por elas responsáveis para que
sejam capazes de executar tudo o que estamos propondo aqui. Não basta ter sensibilidade
para a questão de gênero, sensibilidade para a questão de raça, isso é importante, mas não
suficiente. Fundamental é saber como traduzir essa sensibilidade em programas e políticas
concretas, em ferramentas concretas, e isso exige um grande esforço de formação e capacitação
dos gestores públicos e dos demais atores sociais e a criação de espaços e mecanismos de
diálogo social e de concertação em torno ao tema. As organizações sindicais, de empregadores,
de mulheres e negros têm de estar presentes nessa discussão. Para isso elas também têm de
se qualificar, para saber traduzir todas essas idéias e demandas em políticas e ações concretas.




ipea                          mercado de trabalho   | 25 | nov 2004                          21
Perspectiva de Gênero e Raça nas Políticas Públicas

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Perspectiva de Gênero e Raça nas Políticas Públicas

  • 1. NOTA TÉCNICA PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS* Laís Abramo** O tema deste ensaio é a dimensão de raça nas políticas públicas. A primeira pergunta que deve ser feita é: Por que é importante falar de gênero e raça quando se fala de políticas públicas? Ou, em uma linguagem mais técnica, por que é importante introduzir, fortalecer e transversalizar a dimensão de raça nas políticas públicas? Em primeiro lugar porque, no Brasil, as desigualdades e a discriminação de gênero e raça são problemas que dizem respeito à maioria da população. No caso brasileiro, quando nos referimos a gênero e raça não estamos falando de grupos específicos da população, ou de minorias, mas, sim, das amplas maiorias da sociedade brasileira. Isso não significa que a discriminação contra qualquer minoria possa ser justificada, mas que, no Brasil, esse problema claramente se refere à maioria da população. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001, as mulheres correspondem a 42% da População Econo- micamente Ativa (PEA), e os negros de ambos os sexos a 44,5%. A soma de mulheres (brancas e negras) e homens negros corresponde a 55 milhões de pessoas, que representam quase 70% da PEA brasileira. Por sua vez, as mulheres negras, que representam um conjunto bastante especial nesse grupo, correspondem a 14 milhões de pessoas — quase 20% da PEA brasileira. Em segundo lugar, porque, em qualquer indicador social considerado — educação, emprego, trabalho, moradia etc — existe uma desvantagem sistemática das mulheres em relação aos homens, e do conjunto de negros de ambos os sexos em relação aos brancos. Essa desvantagem é especialmente marcada no caso das mulheres negras. O segundo tema importante a ser discutido é como essas duas questões — gênero e raça — podem e devem ser relacionadas. Esses dois temas têm estatutos diferenciados. No caso do Brasil existem, inclusive, movimentos sociais organizados — e diferenciados — em torno dessas duas questões: os direitos da mulher e o feminismo, e os direitos dos negros e o combate ao racismo. Trabalhar conjuntamente essas duas questões não é fácil, não é simples. Pelo contrário, é um grande desafio. No Brasil, estamos vivendo atualmente um momento propício para trabalhar essa questão, a partir da criação, pelo Governo do presidente Lula, de duas secretarias especiais vinculadas à Presidência da República. Uma delas encarregada das políticas para as mulheres e a outra encarregada das políticas de promoção da igualdade racial. Essas duas secretarias, e as suas respectivas ministras, têm muita consciência de que é necessário trabalhar em con- junto essas duas dimensões, e isso é muito importante. As desigualdades e as discriminações de gênero e raça são duas formas fundamentais de discriminação que cruzam a sociedade e o mundo do trabalho no Brasil. São dois tipos de * Apresentação feita no Seminário Internacional América do Sul, África, Brasil: acordos e compromissos para a promoção da igualdade racial e combate a todas as formas de discriminação, Brasilia, 22-24 de março de 2004. ** Especialista Regional da OIT em Gênero e Trabalho. ipea mercado de trabalho | 25 | nov 2004 17
  • 2. NOTA TÉCNICA discriminação que não apenas se superpõem, mas se intercruzam e se potencializam. A situação da mulher negra evidencia essa dupla discriminação. Examinando os indicadores do mercado de trabalho, o que observamos é que em al- guns aspectos a discriminação de gênero é mais acentuada que a de raça, e em outros ocorre o contrário. Não se trata aqui de discutir qual desses dois tipos de discriminação é o pior. Ambos são intoleráveis e têm de ser combatidos. No caso da mulher negra, uma forma de discriminação potencializa a outra. Outro tema abordado nessa exposição é a relação entre a discriminação (de gênero e raça), a pobreza e a exclusão social. Muitas vezes essa discussão é feita separadamente: quem discute a questão da discriminação não discute necessariamente a questão da pobreza, e quem discute a questão da pobreza não está levando na devida conta as dimensões de gênero e raça. Existe, entretanto, uma relação muito forte entre esses dois problemas: as diversas formas de discriminação estão fortemente associadas aos fenômenos de exclusão social que dão origem à pobreza e são responsáveis pela superposição de diversos tipos de vulnerabilidade e pela criação de poderosas barreiras adicionais para que as pessoas e os grupos discriminados possam superar a pobreza e a exclusão social. A pobreza é heterogênea. Isso pode parecer óbvio, mas não é porque a maioria das análises e diagnósticos sobre a questão da pobreza, os indicadores em geral utilizados para medi-la, assim como as políticas públicas desenvolvidas para tentar combatê-la não conside- ram devidamente nem a dimensão de gênero, nem a de raça desses fenômenos. A pobreza não é neutra. A pobreza tem sexo, tem cor, tem endereço. Isso significa que os fatores ligados à condição da família, ao ciclo de vida, ao sexo, à idade, à raça e à etnia, determinam formas diferenciadas de vivenciar a pobreza, e que determinados grupos da população são mais vulneráveis e têm uma dificuldade maior de superá-la. Há alguns pro- cessos e características que são comuns na pobreza de homens e mulheres, negros e brancos, mas existem outros que são diferentes e geram maiores dificuldades e desvantagens adicionais. O sexo e a raça são os fatores que mais fortemente condicionam a forma pela qual as pessoas e suas famílias vivenciam a pobreza. No Brasil, os negros estão sobre-representados entre os pobres. Eles equivalem a 45,5% do total da população e a 69% do total das pessoas em situação de pobreza. Na mensuração da pobreza, é mais fácil ter dados desagregados por cor que por sexo, devido aos indicadores que freqüentemente são utilizados para medir a pobreza, que tomam em conta o rendimento familiar (a família é a unidade de análise, e as diferenças que existem no seu interior, entre elas a de sexo, não são devidamente consideradas). DETERMINANTES DE GÊNERO E RAÇA DA SITUAÇÃO DA POBREZA DE NEGROS E MULHERES A raça e o sexo das pessoas determinam a sua maior ou menor vulnerabilidade diante da pobreza e uma maior ou menor dificuldade de superação dessa situação. Quais são esses determinantes? Quatro deles merecem destaque: Primeiro determinante: maiores dificuldades de inserção de negros e mulheres no mercado de trabalho Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a forma fundamental de superação da pobreza é o trabalho. Não um trabalho qualquer, mas um trabalho que a OIT define como trabalho decente, ou seja, capaz de garantir condições de vida minimamente dignas para as pessoas, e se o trabalho é a via fundamental de superação da pobreza e da exclusão social, é 18 mercado de trabalho | 25 | nov 2004 ipea
  • 3. NOTA TÉCNICA necessário analisar quais as condições que têm os negros e as mulheres para uma inserção decente (de boa qualidade) no mercado de trabalho. Todos os dados indicam que as mulheres e os negros têm mais dificuldades de se inserir no mercado de trabalho e, em especial, de obter um emprego de qualidade. As principais dificuldades de cada um desses grupos não são necessariamente as mesmas. No caso das mulheres, um fator muito importante são as restrições impostas pelas responsa- bilidades reprodutivas, ou seja, toda a carga das tarefas relativas ao cuidado da casa, das crianças, dos mais velhos, que continua sendo assumida principalmente — quando não exclusivamente — pelas mulheres. Esse é um trabalho que consome um número importante de horas por dia (especialmente entre os setores mais pobres) e que não tem um valor econômico reconhecido pelo mercado. No caso dos negros, um elemento importante é a escolaridade. Apesar de aumentos importantes verificados na última década nos níveis de escolaridade do conjunto da população brasileira, ainda persiste um diferencial muito grande entre negros e brancos nesse aspecto. Esse diferencial se manteve igual ao longo de todo o século XX. Essa é uma estabilidade muito perversa. Também afetam negativamente a inserção de mulheres e de negros no mercado de trabalho a falta de qualificação profissional específica e a ausência de redes de informação, de contatos, fatores muito importantes para que as pessoas possam encontrar um trabalho. No caso das mulheres, existem também fatores culturais que não incentivam — ou desincentivam — o trabalho feminino, dentre eles a velha idéia de que cabe ao homem o papel de provedor da família e à mulher as funções de cuidado. Essa idéia continua tendo uma forte presença e capacidade de propagação, apesar do fato que, no Brasil, 27% das famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, em quase 30% das famílias brasileiras as mu- lheres são as provedoras principais — ou exclusivas. Apesar disso, continua sendo muito forte a idéia de que o papel da mulher é “cuidar” da família e da esfera reprodutiva e, mesmo quando ela trabalha, seu trabalho é secundário ou complementar ao do marido. Segundo determinante: a desigual valorização econômica e social do trabalho tanto de negros quanto de mulheres O trabalho tanto de negros como de mulheres é menos valorizado social e economicamente. Isso está na base dos preconceitos que afetam a sua inserção no mercado de trabalho, como a suposta “falta de competência” para determinados tipos de trabalho, ou uma delimitação rígida do que seriam trabalhos próprios para mulheres e próprios para homens, próprios para negros e próprios para brancos. Na verdade existem muitos preconceitos, muitos estereótipos diferentes, mas todos eles têm um elemento comum: a desqualificação das mulheres em relação aos homens e dos negros em relação aos brancos. As formas pelas quais negros e mulheres são desqualificados e desvalorizados no mercado de trabalho não são necessaria- mente as mesmas, mas esse fenômeno ocorre com ambos os grupos da população e está na base da persistência e reprodução de uma segmentação ocupacional que os desfavorece. Mesmo diante do fato de que as mulheres já têm um nível médio de escolaridade superior ao dos homens no mercado de trabalho, elas costumam se concentrar em certas ocupações e profissões que são desvalorizadas social e economicamente, e que aparecem quase como uma extensão das “funções de cuidado” exercidas no âmbito doméstico e familiar (empregadas domésticas, enfermeiras, educadoras de ensino básico etc.). Isso explica uma parte impor- tante da maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho e os diferenciais de rendimento, oportunidades de ascensão e promoção que ainda permanecem. O mesmo ocorre no caso dos negros. ipea mercado de trabalho | 25 | nov 2004 19
  • 4. NOTA TÉCNICA Terceiro determinante: acesso desigual aos recursos produtivos Em uma situação em que emprego assalariado e formal responde cada vez mais a uma menor percentagem dos postos de trabalho existentes, são cruciais as condições de acesso à terra, à tecnologia, ao crédito que possibilitem alguma alternativa de geração de trabalho e renda. Nesse aspecto também a situação de mulheres e negros é muito menos favorável. Quarto determinante: desigualdade de oportunidades para participar dos processo de tomada de decisões Essa desigualdade incide na não-inclusão dos interesses das mulheres e dos negros nas agendas de políticas públicas. Em razão disso, as políticas de combate à pobreza, de geração de emprego, ou de qualquer outra área das políticas públicas (educação, saúde, habitação etc.) não refletem adequadamente as necessidades e direitos de mulheres e negros, e as políticas aparentemente “neutras” em relação ao gênero e à raça tendem a reproduzir as desigualdades existentes entre mulheres e homens, negros e brancos. DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS Nessa parte final quatro desafios para as políticas públicas voltadas ao combate à pobreza e à geração de emprego serão apresentados, com o objetivo de incorporar adequadamente as dimensões de gênero e raça. O primeiro deles é incorporar uma dimensão de gênero e raça nos métodos de medição da pobreza e nas análises sobre a pobreza, a fim de visibilizar as características próprias da pobreza das mulheres e dos negros. Se a pobreza é heterogênea, se existe uma situação diferenciada e desigual em termos de gênero e raça na vivência da pobreza e dos processos de exclusão social, essa realidade deve refletir-se nos indicadores através dos quais esses fenômenos são mensurados, assim como nas análises e diagnósticos feitos sobre pobreza, problemas de emprego, educação, saúde, habitação etc. Outra vez, isso vale para qualquer área das políticas públicas. Para elaborar políticas mais eficazes de combate à pobreza é fundamental compreender as causas a ela associadas, identificar os grupos mais vulneráveis e gerar respostas adequadas. É fundamental, ainda, que as pessoas em situação de pobreza deixem de ser vistas apenas como beneficiárias de programas sociais, e passem a ser vistas como cidadãs e cidadãos portadores de direitos. O segundo desafio é justamente incorporar os problemas das mulheres e dos negros na agenda pública. Para isso, é muito importante estabelecer canais e mecanismos de diálogo com diferentes atores. Esses problemas são de uma magnitude tal que a sua solução supõe o concurso de diferentes atores e a criação de espaços de concertação social. Também é impor- tante identificar adequadamente as melhores opções institucionais para promover a transversalização das dimensões de gênero e raça nas políticas públicas, que podem ser dife- rentes segundo os vários contextos em que se atua. O terceiro desafio é gerar novas respostas ante os problemas das mulheres e dos negros. Rever o impacto diferenciado em homens e mulheres, brancos e negros dos programas de emprego e combate à pobreza e incorporar uma dimensão de gênero e raça nos processos de planejamento, implementação, alocação de recursos, monitoramento e avaliação de cada programa ou política. Se não existirem mecanismos ou indicadores que possam medir os efeitos dessas políticas, e se esses indicadores são sensíveis ao gênero e à raça, nunca poderemos 20 mercado de trabalho | 25 | nov 2004 ipea
  • 5. NOTA TÉCNICA saber se esses programas são eficientes ou não, se contribuem ou não para os seus objetivos, assim como para a superação das desigualdades de gênero e raça. O quarto desafio é fortalecer as capacidades institucionais dos gestores públicos e demais atores sociais para desenvolverem propostas de política e mecanismos de implementação, monitoramento e avaliação capazes de promover a igualdade de gênero e raça como um aspecto fundamental das políticas públicas. Quando falamos de políticas públicas nos refe- rimos a gestores, a formuladores de políticas, a pessoas responsáveis pela implementação dessas políticas, seu monitoramento e avaliação. Estamos falando do governo, dos funcionários públicos e também das organizações da sociedade civil que estão em constante diálogo com esses gestores públicos. Um fator central, portanto, para o êxito dessas políticas, para au- mentar sua capacidade de contribuir para a superação das desigualdades de gênero e raça é fortalecer as capacidades institucionais dos atores que são por elas responsáveis para que sejam capazes de executar tudo o que estamos propondo aqui. Não basta ter sensibilidade para a questão de gênero, sensibilidade para a questão de raça, isso é importante, mas não suficiente. Fundamental é saber como traduzir essa sensibilidade em programas e políticas concretas, em ferramentas concretas, e isso exige um grande esforço de formação e capacitação dos gestores públicos e dos demais atores sociais e a criação de espaços e mecanismos de diálogo social e de concertação em torno ao tema. As organizações sindicais, de empregadores, de mulheres e negros têm de estar presentes nessa discussão. Para isso elas também têm de se qualificar, para saber traduzir todas essas idéias e demandas em políticas e ações concretas. ipea mercado de trabalho | 25 | nov 2004 21