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CONSELHO EDITORIAL - EDIÇÕES LEITURA CRÍTICA
Ezequiel Theodoro da Silva (Coordenador), Universidade Estadual
de Campinas. Carlos Humberto Alves Corrêa, Universidade Federal
do Amazonas. Carolina Cuesta, Universidade Nacional de La Plata -
Argentina. Juan Daniel Ramirez Garrido, Universidade Pablo de Olavide
- Espanha. Regina Zilberman, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Rodney Zorzo Eloy, Universidade Paulista. Rubens Queiroz de
Almeida, Centro de Computação da Unicamp.
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Eliana Ayoub
Elaine Prodócimo
Guilherme do Val Toledo Prado
(Organizadores)
Coleção:
Formação Docente em Diálogo
Volume 4
PIBID-UNICAMP
Experiências e reflexões
sobre a formação docente
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Copyright © 2015
Elaboração da ficha catalográfica 	 Editoração e acabamento
Gildenir Carolino Santos (Bibliotecário)
Tiragem
200 exemplares
Coleção
Formação docente em diálogo – v. 4
Edições Leitura Crítica
Rua Carlos Guimarães, 150 - Cambuí
13024-200 Campinas – SP
Email: emarthi@outlook.com.br
Impresso no Brasil
1ª edição - Julho - 2015
ISBN: 978-85-64440-26-5
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907. Todos os direitos para a língua
portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer
modo ou por qualquer meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização por
escrito do Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propried intelectual: violação do
direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir
na reprodução por qualquer meio da obra intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa
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www.lercritica.com
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Catalogação na Publicação (CIP) elaborada por
Gildenir Carolino Santos – CRB-8ª/5447
Ex71			Experiências e reflexões sobre a formação docente / Eliana Ayoub,
						Elaine Prodócimo, Guilherme do Val Toledo Prado (organizado-
						res). - Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015.
						112 p. (Coleção formação docente em diálogo; v. 4)
						PIBID-UNICAMP: Experiências e reflexões sobre a formação
						docente
						ISBN: 978-85-64440-26-5
						PIBID-UNICAMP
						1. Formação de professores. 2. Docentes - Experiências.
					3. PIBID. I. Ayoub, Eliana. II. Prodócimo, Elaine. III. Prado,
					Guilherme do Val Toledo. IV. Série.
15-004 								 20a
CDD – 370.71
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Agradecimentos
Ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
À Reitoria da Unicamp e à Pró-Reitoria de Graduação (PRG), na pessoa
do Prof. Dr. Luis Alberto Magna, Pró-Reitor de Graduação.
À Profa
Dra
Franciana Carneiro de Castro,  do Centro de Educação, Letras
e Artes da Universidade Federal do Acre, que prontamente aceitou prefaciar
este livro.
À equipe administrativo-acadêmica da Comissão Permanente de For-
mação de Professores, representada por Marinez Bonillo e José Adailton de
Oliveira, da Comissão Central Graduação da PRG e das unidades participantes
do PIBID.
Aos coordenadores de área, supervisores e bolsistas de iniciação à do-
cência do PIBID-Unicamp.
Às escolas participantes do PIBID-Unicamp, sua equipe de gestão, pro-
fessores, estudantes e funcionários.
Aos docentes, coordenadores e diretores dos Cursos de Formação de
Professores da Unicamp.
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Sumário
Prefácio .....................................................................................................................9
Franciana Carneiro de Castro
Apresentação ..........................................................................................................15
Eliana Ayoub, Elaine Prodócimo e Guilherme do Val Toledo Prado
Capítulo 1 - PIBID e os novos modos de formar professores:
uma leitura da experiência da UNICAMP ........................................................19
Alessandra Santos de Assis
Capítulo 2 - Aquém da literatura: o declínio da formação
humanista e os estudantes de letras ....................................................................37
Marcos Lopes
Capítulo 3 - Algumas considerações sobre a difícil tarefa de se
tornar um professor contador de histórias ........................................................47
Ana Archangelo e Aletéia Eleutério Alves Chevbotar
Capítulo 4 - O ensino de pré-história: interdisciplinaridade e
conteúdos transversais aplicados ao sexto ano .................................................63
Néri de Barros Almeida
Capítulo 5 - PIBID-Geografia: práticas e reflexões sobre o processo de
formação do professor pesquisador ....................................................................85
Anniele Sarah Ferreira de Freitas e Rafael Straforini
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Capítulo 6 - O valor da experiência - o PIBID na formação de
uma professora ......................................................................................................97
Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros
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9
Prefácio
(…) escrever é primeiro um impor silêncio: calar as palavras da comunicação
mais banal, a que responde às necessidades da vida mais banais, para buscar,
em uma solidão silenciosa, o que não pode dizer: “...mas isto que não se pode
dizer, é o que se tem que escrever”. (ZAMBRANO apud LARROSA, 2004, p. 35)1
A organização deste livro é a continuidade da escrita de um projeto que
vem se consolidando nas universidades brasileiras, particularmente nos cursos
de formação de professores. O PIBID assume um lugar na formação profissio-
nal como uma ferramenta importante de intervenção na qualidade das escolas
de educação básica, bem como contribui para com o processo formativo dos
licenciandos frente à complexidade da organização do trabalho docente.
O PIBID, ao assumir a formação de professores como questão nuclear,
traduz o que Larrosa nos fala “sobre a sala de aula como um dos lugares da
voz, como um dos lugares em que a palavra se diz viva voz, e se recebe de ou-
vido, escutando atentamente” (2004, p.37). Nesses lugares ou, podemos dizer,
nesse lugar onde professores e estudantes da universidade em parceria com
professores e estudantes da escola vêm construindo um processo de escuta
atenta, real e colaborativa, revestidos do intuito de compreender e trabalhar
num processo pedagógico através do qual o binômio ensinar e aprender se faz
por meio da escuta de muitas vozes.
Este livro apresenta a experiência de vários projetos que objetivam rela-
tar, de forma particular, os encontros vivenciados – encontros que resultaram
em um processo de estudo, investigação e intervenção. Tal processo procurou
superar simplificações, reducionismos, automatismos e ausências de bases
teórico-metodológicas, que são encontrados ao longo desse processo de escuta
entre saberes e fazeres do ofício de professor durante o processo formativo.
1	 LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
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Algumas palavras contribuíram para dar voz ao silêncio, tendo como
ponto de partida a reflexão e análise sobre os conteúdos acadêmicos e escolares
na relação uni, multi e interdisciplinar, a concepção de ensinar e aprender, a
organização escolar, a tarefa do professor na sala de aula, bem como os novos
desafios para formação de professores. Essas palavras determinaram a imbrica-
ção entre teoria e prática no desenvolvimento das ações propostas por projeto,
uma vez que a experiência traduz “o modo de viver próprio desse vivente que é
o homem [e que] se dá na palavra e como palavra” (LARROSA, 2004, p. 152).
A experiência do PIBID, que se fez na escuta de si e do outro, revelada por
meio de palavras que constituíram textos deste livro, transmutam significados
num tempo e espaço de aprendizagens na relação entre o pensar, o sentir, o
imaginar e o realizar em ações educativas de forma coletiva e interativa.
As primeiras palavras… da escuta...
A primeira escuta permite um olhar da relação do passado presente que
constitui a leitura dos três primeiros volumes da coleção “Formação Docente
em Diálogo”, produzida pelo PIBID-Unicamp. Nesse tempo do passado pre-
sente, o PIBID é um programa marcado, no tempo de formação, como o tempo
da novela, é um movimento que conduz à confluência de um ponto mágico
(situado, assim, fora do tempo) de uma sucessão de círculos excêntricos. “[...]
é o ponto magnético da confluência” (LARROSA, 1999, p.79)2
, que reúne, nos
momentos da formação, pessoas, histórias, lugares, saberes que marcam sig-
nificados na ação que transforma e reconstrói espaços e tempos de formação.
O PIBID se nos apresenta como um programa que constrói e tenciona
uma prática profissional que convive no processo de transformação, que vai
constituindo uma ação pedagógica com base nos conhecimentos que compõem
a formação profissional, por meio da reflexão sobre as políticas de formação
de professores na busca da qualidade socialmente referenciada visando à for-
mação plena do professor; a escola, como lócus de formação docente, expressa
no compromisso da universidade com a escola, reconhece-se como espaço
singular de aprendizagens, de produção de conhecimento, de vivência das
relações sociais e, ao mesmo tempo, espaço de formação docente; e a iniciação
à docência como a inserção do estudante de licenciatura em um conjunto de
práticas próprias da profissão docente, realizadas dentro de um espaço concreto
de ensino-aprendizagem. É importante destacar como o PIBID vem se configu-
rando como espaço formativo por meio da valorização da formação docente.
2	 LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. (2a
ed.) Belo Hori­
zonte: Autêntica, 1999.
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A segunda escuta ocorre a partir da reflexão sobre os modelos de docência
que presidem o imaginário e a formação literária nos cursos de Licenciatura
em Letras, frente aos novos desafios postos aos professores quanto ao traba-
lho que realizam e à formação requerida por esse trabalho. Nesse processo,
há uma busca incessante na produção do trabalho intelectual de ‘professores’
e ‘pesquisadores’, ou seja, na produção do intelectual do globetrotter e do
promoter. O que esperar da formação literária do professor que trabalhará na
escola? Que perspectiva de conhecimento literário, ou ainda, que repertório
literário é desenvolvido na formação do professor de Letras? Qual o papel ético
e humanizador da Literatura? São questões para análise que podem silenciar
ou revelar o saber fazer pedagógico, marcado por uma linguagem própria na
relação poética com o conhecimento, com o ensinar e aprender Literatura.
A terceira escuta nos convida a refletir sobre a importância do brincar e da
narrativa para o desenvolvimento do humano. Assim, somos informados como
foidesenvolvidooprojeto“contação”emsuastrêsetapas:acontaçãodehistória,
a conversa após a história e a atividade escrita, envolvendo bolsistas do PIBID,
professores e estudantes da escola. Esse texto nos apresenta uma escuta que
traz a fantasia, a imaginação, o sentir, o ouvir e a emoção como aprendizagens
importantes para a formação humana da criança. Além disso, a importância
do papel do professor que é o contador e condutor no desenvolvimento da
atividade e sua disponibilidade para acolher os interesses e as necessidades da
criança, bem como resgatar o aprender por meio da história oral que, ao longo
da história da humanidade, foi a marca da referência de geração após geração
na construção de narrativas. Escutar a história na relação entre quem ensina e
quem aprende, é também experienciar o brincar com as palavras.
A quarta escuta mostra como ocorre um processo reflexivo na interação
entre escola-universidade, que se pautou por dois aspectos que estruturam a
concepção de ensino: o alcance interdisciplinar do conhecimento e a comuni-
cação transversais (ética, meio ambiente e diversidade cultural). Nessa reflexão,
foram envolvidos os professores de História da escola e bolsistas do PIBID por
meio de atividade de observação e intervenção na sala de aula do 6º ano do
ensino fundamental II. Para tanto, o conteúdo de ensino abordado referiu-se
à pré-história, enfatizando as teorias que tratam da evolução social e visando
a que o ensinar e aprender ocorresse de forma interdisciplinar, ou seja, que na
exposição dos conteúdos os estudantes pudessem aprofundar-se na experiência
conjunta da dimensão biológica e histórica do homem. O conhecimento da
pré-história nos reeduca a ver a unidade da qual viemos e com a qual nunca
deixaremos de estar ligados. Pensar de forma crítica e interdisciplinar ainda é
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um desafio para todos, tanto no que refere à formação de professores, quanto
no que se refere aos professores que estão na ativa na escola. Precisamos educar
e reeducar a sensibilidade e a inteligência como uma forma de compreender a
nossa trajetória biológica e histórica de destruição do meio ambiente e do outro.
A quinta escuta deste livro pauta-se pela reflexão sobre a relação dialó-
gica entre os conhecimentos escolares e científicos que compõem o ofício de
professor. Assim, os elementos balizadores dessa escuta foram as práticas e
reflexões desenvolvidas no processo de formação do professor pesquisador por
meio do PIBID-Geografia. Os autores refletiram sobre a formação inicial do
professor, compreendendo-a como um processo complexo, longo e inconcluso.
Ao longo dessa compreensão, o desafio foi a possibilidade de experienciar a
práxis no cotidiano escolar por meio da observação e intervenção de práticas
curriculares dos professores e bolsistas, ou seja, o cotidiano escolar como lugar
central de estudo e investigação. Esse mergulho trouxe novos significados e
interpretações sobre o trabalho do professor, que potencializaram a formação
profissional dos bolsistas.
A sexta escuta é a marca da experiência: uma ex-bolsista do PIBID re-
lata o seu ritual de passagem de estudante da licenciatura para professora de
Educação Física. No primeiro momento, tece uma reflexão sobre o trabalho do
estágio institucional e as ações desenvolvidas pelo PIBID na escola. No segundo
momento, relata a experiência como bolsista na iniciação à docência. No ano
de 2011, relata a participação em um projeto multidisciplinar com o objetivo
de tematizar as relações humanas entre os diferentes sujeitos que compõem
o cotidiano escolar, identificando problemas de violência, agressividade,
bullying e outros preconceitos; e, no ano de 2012, relata a sua participação em
um grupo constituído de alunos do curso de Educação Física e Dança, com
uma abordagem voltada à construção de estratégias pedagógicas focando as
relações de gênero dentro da escola, com ênfase nas aulas de Educação Física.
O que resultou dessa experiência? A escuta da cultura dos jovens na escola para
a melhoria do planejamento de ensino e a promoção de um ensino de Educa-
ção Física mais inclusivo para as meninas, por ter vivenciado e relacionado as
experiências de gênero no seu período de estudante. Essa escuta experienciada
permitiu ressignificar a prática docente, oportunizando a formação de um(a)
professor(a) consciente do seu fazer pedagógico.
Ao escrever, com minhas palavras, sobre os autores e todas as vozes
que experienciaram o PIBID, dialogo com Larrosa, que argumenta que a ex-
periência é o que nos acontece, é atenção, escuta, abertura, disponibilidade,
sensibilidade, exposição. Foi nessa experiência de compartilhar palavras que
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os textos foram compostos por meio da escuta de um processo formativo que
tem a ética, a estética, a fantasia, a criatividade, a poesia como balizadores da
emancipação do humano na interconexão de várias vozes que nos deixam uma
melodia a ser lida.
Continuando a escuta... boa leitura “e viagem em que ele [leitor] apren-
derá sua própria leitura de si mesmo e do mundo, não é uma primeira viagem
mas uma viagem que repete [renova] outras” (LARROSA, 1999, p.62). É nesse
renovar-se que convido os leitores a experienciarem a leitura desses textos que
foram construídos partilhando as palavras de muitas memórias que constituí­
ram o PIBID.
Franciana Carneiro de Castro
Centro de Educação, Letras e Artes
Universidade Federal do Acre
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Apresentação
É com grande satisfação que apresentamos o volume 4 da coleção “For-
mação Docente em Diálogo”. A continuidade dessa coleção, que já inicia seu
segundo ano, demonstra a potência do PIBID na produção de conhecimentos
sobre a formação de professores.
As ações de iniciação à docência em circulação na Unicamp têm possi-
bilitado ricas interlocuções, levando-nos a um adensamento das experiências
e reflexões sobre a formação docente.
Neste livro, trazemos, sobretudo, as vozes dos coordenadores de área para
a roda de conversa, sempre em diálogo com as múltiplas vozes que fazem parte
da grande equipe do PIBID-Unicamp. Atualmente, temos um grupo composto
por 244 bolsistas de iniciação à docência, 33 supervisores e 20 coordenadores
de área, além dos colaboradores diretamente envolvidos com o Programa e
outros profissionais da escola e da universidade que partilham com essa nossa
equipe a busca por uma formação docente de qualidade.
Mas, afinal, o que é uma formação docente de qualidade?
Essa indagação comporta inúmeras respostas e, certamente, não temos
a pretensão de respondê-la. Porém, ousaremos mencionar três aspectos que
consideramos fundamentais: uma formação docente de qualidade precisa en-
frentar a necessidade e a premência de se estabelecer uma intensa articulação
entre teoria e prática; a necessidade e a premência de se instituir uma efetiva
parceria entre a universidade e a escola pública; a necessidade e a premência
de se constituir um fecundo diálogo colaborativo entre os sujeitos diretamente
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implicados na ação educativa (estudantes, professores e gestores das escolas;
estudantes, professores e gestores da universidade).
Sem sombra de dúvidas, o PIBID vem atuando diretamente nesse sentido,
o que podemos constatar não somente por meio do trabalho desenvolvido nos
inúmeros projetos realizados Brasil afora (compartilhados em eventos, publi-
cações, sites, blogs, redes sociais etc.), como também a partir de investigações
que avaliam os impactos do PIBID na educação brasileira.
Bernardete Gatti et al (2014)1
desenvolveram uma ampla pesquisa sobre
o PIBID, realizando uma análise qualitativa de questionários disponibilizados
no sistema google-drive, os quais foram respondidos por mais de 20 mil partici-
pantes dos diversos segmentos do Programa (bolsistas de iniciação à docência,
supervisores e coordenadores). Com o objetivo de avaliar os significados do
PIBID pela ótica de seus vários atores, os resultados da pesquisa apontaram
tanto as conquistas já implementadas pelo PIBID, como sugestões e críticas
voltadas, sobretudo, para o seu aperfeiçoamento.
Observou-se que as respostas foram majoritariamente muito positivas e
que o PIBID é bastante reconhecido e valorizado em todos os níveis como uma
iniciativa que colabora para uma formação docente de qualidade.
Dentre as inúmeras contribuições constatadas, no que se refere à relação
entre as instituições de ensino superior e as escolas públicas, Gatti et al (2014,
p.106) destacam que:
•	 Favorece um diálogo mais efetivo entre a IES e a escolas públicas de educação
básica, renovando práticas e reflexões teóricas.
•	 Propicia avanço das pesquisas voltadas ao ensino.
•	 Cria ações compartilhadas entre Licenciandos Bolsistas, Professores Super-
visores e Coordenadores de Área com responsabilidades também compar-
tilhadas.
•	 Estimula e favorece o trabalho coletivo e/ou a interdisciplinaridade.
•	 Mobiliza para a realização de feiras, mostras e eventos culturais em copartici-
pação, dando visibilidade às realizações dos projetos e atraindo a participação
dos alunos e licenciandos para as atividades propostas.
•	 Cria espaço de discussão sobre as práticas docentes e sobre a formação de
docentes entre a IES e as escolas.
1	 GATTI, Bernardete A.; ANDRÉ, Marli E. D. A.; GIMENES, Nelson A. S.; FERRAGUT,
Laurizete. Um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (Pibid). São Paulo: FCC/SEP, 2014.
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•	 Renova a motivação dos professores e alunos da educação básica com a pre-
sença dos Licenciandos Bolsistas.
•	 Fortalece e valoriza o magistério e o trabalho do professor na escola.
Podemos observar, no cotidiano das ações de iniciação à docência que
acompanhamos aqui na Unicamp, que, de fato, assim como concluíram os
autores desta pesquisa, “[...] o Pibid vem criando condições para um processo
de formação consequente para o desenvolvimento profissional dos docentes
de modo que possam participar do processo de emancipação das pessoas, o
qual não pode ocorrer sem a apropriação dos conhecimentos” (GATTI et al,
2014, p.107).
Nos capítulos que compõem esta obra, os leitores terão acesso a um
conjunto de discussões que dão a ver a riqueza das propostas e conhecimentos
desenvolvidos, como também os dilemas que os envolvem.
No primeiro capítulo, convidamos a professora Alessandra Assis, coorde-
nadora institucional do PIBID da Universidade Federal da Bahia e presidente
do Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do PIBID (FORPIBID),
para fazer uma análise do material produzido nos três primeiros volumes da
coleção. Segundo a autora, os textos “[...] revelam a diversidade e a comple-
xidade dos mecanismos criados pelo PIBID para atender o desafio de formar
professores na contemporaneidade.” (p. 31) Afirma, igualmente, que se trata
de uma obra que congrega visões “[...] dos diversos atores envolvidos com o
Programa, criando condições para o diálogo entre o conhecimento produzido
historicamente sobre a educação e os saberes que emergem de suas experiências
em espaço-tempo concreto.” (p. 31)
Nos quatro capítulos subsequentes, os coordenadores de área e seus co-
laboradores conduzem-nos a diferentes itinerários reflexivos, a partir de temas
relacionados à literatura e à formação humanista dos estudantes de letras; à
ousada tarefa de se tornar um professor contador de histórias; ao desafio do
ensinodepré-históriaesuaspossibilidadesinterdisciplinaresnumtrabalhocom
conteúdos transversais; e às práticas e reflexões sobre o processo de formação
do professor pesquisador no contexto do ensino de geografia.
Por fim, no último capítulo, é a vez de uma professora da rede pública de
ensino, ex-bolsista de iniciação à docência, compartilhar o valor da experiência
no PIBID para sua formação profissional.
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18
Venham conosco conhecer essas experiências e reflexões e, quem sabe,
inspirar-se nessa escuta, como nos convidou a professora Franciana Castro que
prefaciou este volume, cujos sentidos e significados não estão dados, mas aguar-
dam para serem produzidos nesse encontro dialógico entre leitores e autores.
Boa leitura!
Eliana Ayoub
Coordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais
do PIBID-Unicamp
Elaine Prodócimo
Coordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais
do PIBID-Unicamp
Guilherme do Val Toledo Prado
Coordenador Institucional do PIBID-Unicamp
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PIBID e os novos modos de formar professores:
uma leitura da experiência na Unicamp
Alessandra Santos de Assis1
Coordenadora Institucional do PIBID-UFBA
Introdução
Este texto traz reflexões elaboradas a partir do conteúdo da coleção
“Formação Docente em Diálogo”. Foram analisados os três primeiros volumes
dessa obra, produzidos pelo PIBID-Unicamp em 2014. O convite foi recebido
como uma honra, embora tenha delimitado um tempo bastante curto para a
entrega da versão final. O encurtamento do tempo parece uma condição da
vida contemporânea, que impacta o mundo acadêmico. Nos acostumamos a
ver museus de grandes novidades e nos damos conta de que o tempo não para,
como dizia o poeta. Uma cultura marcada pela acelerada circulação e produção
de informações e bens, por mudanças velozes de valores e costumes. Tudo aqui
e agora, em uma imbricação complexa entre o local e o global.
Na contemporaneidade, aliar rigor científico às demandas por respostas
rápidas requer novos aprendizados. Assim como os vírus que vêm ameaçando
a vida no planeta, os problemas da educação rapidamente adquirem grandes
proporções e complexidade. Em meio ao turbilhão de acontecimentos, segui-
mos aprendendo a nos equilibrar sem deixar de tomar uma atitude, de correr
riscos, de cometer erros. Agindo conscientemente, a compreensão sobre a
realidade se aprofunda e, com isso, requalificamos a própria ação.
Uma demanda emergencial deu origem ao Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), criado em 2007 pelo Governo Federal
e implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). O Programa foi motivado pela escassez de professores da
1	 Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia.
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20
educação básica formados em áreas de conhecimento específicas2
. Por isso,
voltou-se inicialmente para o apoio às áreas de Física, Química, Matemática
e Biologia.
O Programa foi apresentado por meio de edital que convidava as Ins-
tituições de Ensino Superior (IES) a participarem da empreitada. Entre os
objetivos iniciais estavam: a preocupação em valorizar o magistério, com
vistas a incentivar os estudantes que optam pela formação docente; promover
a cooperação entre universidades e escolas como condição para a formação
docente comprometida com a qualidade da educação básica, entre outros. Na
prática, um projeto institucional elaborado na IES e aprovado na Capes passou
a oferecer bolsas para licenciandos desenvolverem atividades formativas nas
escolaspúblicas,sobacoordenaçãodeumprofessorda licenciaturaesupervisão
de um professor da educação básica3
.
Condicionado ou não pela oferta de bolsas, é fato que o Programa vem
ganhando destaque. O crescimento do número de bolsas tem sido exponencial.
Além disso, o Programa foi incorporado ao texto da Lei 9.396/96 - Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Também foi incluído no Decreto
6.755/09, que dispõe sobre Política Nacional de Formação de Profissionais do
Magistério da Educação Básica, e citado na Lei 13.005/14, que aprova o Plano
Nacional de Educação 2014-2024. Por outra via, é notória a presença do PIBID
nos espaços tradicionais de socialização de conhecimento sobre a educação,
bem como a presença de seus representantes em diversos fóruns, contribuindo
com as discussões sobre a formação docente.
Um aspecto predominante no PIBID é a centralidade da escola pública
como lócus de construção de conhecimento e de formação crítica, uma vez que
importa formar professores conscientes das contradições que marcam o seu
campo de atuação. Nesse espaço de aprendizagem, ao mesmo tempo em que
se revelam o descaso com as camadas mais populares e seu direito à educação,
configura-se a postura de resistência e propositividade, fazendo desse espaço
um lugar de potencialidades latentes, uma escola viva.
Com o PIBID na escola, novos modos de aprender, ensinar, pensar,
trabalhar e conviver passaram a fazer parte da profissionalização do professor.
2	 O Censo Escolar de 2013 mostra que chega a 67,2% o percentual de professores dos anos
finais do Ensino Fundamental no Brasil que não têm licenciatura na disciplina que ensinam.
No Ensino Médio, a parcela de docentes sem a formação adequada é de 51,7%.
3	 Constam na Portaria CAPES 096/2013 mais informações sobre o Programa; seus objetivos;
características dos projetos institucionais; atribuições das instituições envolvidas; moda-
lidades e quantitativos de bolsas; requisitos e deveres dos bolsistas, entre outros assuntos.
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Trata-se de uma nova cultura de formação, produzida coletivamente e vivida
com intensidade. As reflexões sobre a experiência sistematizadas na coleção
“Formação Docente em Diálogo” são, portanto, uma fonte importante para
compreender e se posicionar diante dessa nova realidade.
O ato de interpretar e de expressar uma leitura particular da coleção
parte de três considerações hermenêuticas fundamentais. A obra foi tomada
como um evento em si, produto e processo histórico, plena de valores, im-
bricada com um novo modo de agir e pensar no campo da formação de pro-
fessores. A obra foi compreendida como um canal polifônico que mobilizou,
reuniu, harmonizou e veiculou as diferentes vozes dos diversos atores que
dão sentido à experiência construída no PIBID-Unicamp. Os textos foram
lidos em um movimento de ir e vir, em um estado de interlocução perma-
nente, que desafiava qualquer pressuposto inicial, suscitando identificações
e estranhamentos.
Assim, nesse diálogo com os autores da coleção, propomos uma reflexão
em três movimentos: análise do contexto das políticas de formação de profes-
sores; exame da escola (e sua centralidade) como lócus de formação docente;
por fim, um diálogo com as ações e concepção de iniciação à docência.
A formação de professores enquanto política para a melhoria da
qualidade da Educação
A formação docente para a educação básica é objeto de debates, um
território de disputas que requer atenção e prudência, visto que estão em jogo
concepções de sujeito, de conhecimento, de educação e de sociedade. Por um
lado, vozes se levantam em defesa da educação como um direito do cidadão,
certas de que conhecer significa poder, pois instrumentaliza o sujeito a agir
com discernimento e a participar ativamente da vida em sociedade. Por outro
lado, prevalece a tendência de manutenção de uma sociedade hierarquizada e
marcada pelas desigualdades, cujas relações são reproduzidas na escola.
Discursos dos diversos setores sociais atribuem incontestável valor à edu-
cação, mas no cotidiano das escolas predomina a precariedade e indiferença. O
trabalho docente é considerado indispensável para qualidade do ensino, mas,
de modo ambíguo, os professores são submetidos a condições desumanas de
trabalho. A sua formação também é objeto de controvertidas soluções, ações
emergenciais, pontuais, desarticuladas, descontínuas. São contradições a serem
problematizadas, especialmente quando falamos da formação de professores
da escola pública, lugar para onde converge a maior parcela da população.
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Para pensar sobre o quanto estamos avançando e em que direção,
é essencial dialogar com o ponto de vista apresentado por Helena Freitas
(Vol.2)4
. Certamente, o processo histórico no qual estamos inseridos aponta
como inadiável a formulação de uma política nacional de formação, profissio-
nalização e valorização dos educadores. Nessa perspectiva, o enfrentamento
dos desafios estruturais da educação, vinculados ao modo como formamos
os professores, requer, de fato, uma ação sistêmica, metódica, planejada,
contínua, regular.
Vale retomar brevemente os quatro princípios centrais anunciados
pela referida autora para a construção de tal política. É fundamental que haja
a expansão da formação de professores nas universidades, invertendo os
números de oferta de vagas em instituições não universitárias e privadas, não
necessariamente interessadas em compor um sistema de educação. O desafio
não é só quantitativo, mas precisamos formar mais e melhor, o que implica
busca da qualidade socialmente referenciada visando à formação plena do
professor. Para a melhoria das condições de trabalho/estudo, uma educação
de qualidade requer investimento público destinado ao sistema público de
ensino.Orquestrarosistemapensadodessemodorequerampliaraparticipação
dos diversos atores envolvidos, para que tomem parte no processo decisório e
atuem na gestão democrática das ações de formação de professores.
Assim, para além de medidas burocráticas, o compromisso social da uni-
versidade com a escola pública inclui: a ampliação e diversificação da oferta de
cursos de licenciatura com base nas demandas sociais; a necessidade de apoio
para a permanência de estudantes nesses cursos; o estímulo ao ingresso dos
jovens no ensino médio; a reforma dos currículos; o acolhimento das demandas
por universalização da educação infantil e ensino médio, bem como educação
em tempo integral; o fortalecimento das Faculdades de Educação como ele-
mento articulador dos demais Institutos das áreas específicas, corresponsável
pela integração da pesquisa à formação; a abertura à participação dos sujeitos
em formação na gestão do currículo, em prol da formação crítica que estimule
4	 Aqui e ao longo do texto, autorizamo-nos a mencionar os nomes dos autores que contribuí-
ram para a coleção “Formação Docente em Diálogo”, bem como indicamos entre parênteses
o volume da obra em que o seu texto está publicado. Tal “desobediência” aos cânones da
citação bibliográfica nos pareceu a forma mais adequada de apresentar reflexões em diálogo,
ao estilo das rodas de conversa de Freinet, em uma abstração que representa o desejo de
sentarmos juntos e em círculo, contarmos novidades, ouvirmos opiniões, avaliarmos o que
foi feito, planejarmos juntos as próximas ações, participarmos efetivamente do processo
de construção do conhecimento sobre o PIBID. Em todo caso, as informações sobre cada
texto consultado estão descritas nas referências bibliográficas.
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o olhar investigativo e ajude na construção da autonomia do professor; amplia-
ção de oportunidades de socialização das experiências, entre outros aspectos.
Quando analisa o PIBID, considerando o contexto das políticas de
formação de professores, Helena Freitas (Vol.2) levanta aspectos relevantes a
serem considerados, como: expansão equitativa do PIBID, dando oportunidade
de acesso a todos que escolhem o curso de licenciatura; maior envolvimento
dos professores de tais cursos, responsabilizando todo o corpo docente com
o processo formativo dos licenciandos, bem como definindo claramente o
papel específico dos coordenadores de área; reconhecimento da função de co-
-formador exercida pelos professores da educação básica como parte de sua
carreira docente; articulação do PIBID a outras iniciativas e fomento e apoio à
formação, promovendo o enraizamento do Programa na política de formação
de professores na universidade; gestão participativa que favoreça a dimensão
política da formação do professor, a ser vivenciada desde a universidade.
Educar com dignidade as crianças, jovens e adultos das camadas popu-
lares é uma ação atrelada ao modo como formamos e apoiamos os atores do
trabalho docente. É possível reunirmos esforços por uma formação docente
universitária realizada com a devida prudência diante das pressões e embates
que não deixarão de existir. Se surgiu como uma ação pontual, com o tempo
o PIBID parece criar condições que extrapolam as intenções originais, pro-
blematizando a fragilidade das soluções anteriores, analisando criticamente os
seus pressupostos, compreendendo o modo como foram produzidas e atuando
no sentido de sua superação.
Um aspecto importante nessa discussão é a articulação entre o PIBID e
o currículo das licenciaturas. Edson Pfutzenreuter, Milena Quarttrer e Giova-
na Delegracia (Vol.3) fazem referência à contribuição dos estudos feitos nas
disciplinas do currículo para a atuação dos bolsistas de iniciação à docência na
escola. Entretanto, a disciplina estágio é recorrente alvo de comparações que
apontam, na verdade, dificuldades oriundas da falta de institucionalização e
apoio para a sua realização, sem que a relação de complementaridade com o
PIBID seja evidenciada. A formação plena e de qualidade precisa ser defendida
como um direito dos licenciandos e compromisso da universidade, concreti-
zada em projeto político pedagógico para as licenciaturas, no qual a prática de
iniciação à docência é parte integrante do currículo.
A formação docente pode ser reinventada na medida em que envolve
ações articuladas e comprometidas com mudanças estruturantes na educação.
Isso não significa deixar de cuidar das questões emergenciais, o que agravaria
os problemas hoje vivenciados. O desafio consiste em formar-se sem deixar de
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comprometer-se com o momento histórico, sem deixar de mirar o horizonte
de transformações estruturais, a ser construído coletivamente, pedra sobre
pedra, com vistas a uma sociedade efetivamente democrática. Parafraseando
Santos (2006), acreditamos que uma formação prudente tem relação direta
com uma educação decente.
A escola como lócus de formação docente
Hélder Eterno da Silveira (Vol.1) argumenta que o nome do Programa
não reflete a sua dimensão e amplitude. Mais que dar apoio com o pagamento
de bolsas, os agenciamentos produzidos pelo PIBID, por meio do trabalho de
diversos atores reunidos em torno do projeto institucional, alteram o cenário
da formação de professores no ensino superior, envolvendo a escola pública e
os professores da educação básica, articulando cursos de licenciatura no interior
da universidade, dando condições para a materialização de ações pedagógicas
concebidas coletivamente.
Na mesma linha, Guilherme Prado e Eliana Ayoub apontam o sentido
de inovação do Programa dado pela “acurada articulação criativa entre escola
básica e a universidade” (Vol.1, p.27). De fato, a centralidade da escola públi-
ca como lócus da formação docente é uma condição significativa no bojo do
trabalho realizado no PIBID. É nessa dimensão que se expressa o compro-
misso da universidade com a escola, reconhecendo-a como espaço singular
de aprendizagens, de produção de conhecimento, de vivência das relações
sociais e, ao mesmo tempo, espaço de formação docente. Nesse lugar, a ação
docente ganha sentido, criando condições para a efetiva reflexão, pesquisa,
crítica e inovação e os saberes docentes, de caráter plural, são continuamente
mobilizados, atualizados e reconstruídos.
Valorizar a escola pública é o mesmo que defender o direito à educação
plena, umas das questões centrais no pensamento de Anísio Teixeira. Sua
visão de mundo e de educação se traduziu em ideias e ações que marcaram a
história, rompendo com a ideia de que educação é um privilégio, provando que
outra escola é possível, diferente daquela que prevalecia no Brasil à sua época.
Defendia que na escola pública as camadas populares teriam acesso ao ensino
de qualidade, que se faz pelo trabalho e não pela exposição oral e reprodução
verbal, pois a formação na escola deveria servir para desenvolver o hábito de
pensar, fazer, trabalhar, conviver e de participar de uma sociedade democrática.
Teixeira (1994) preconizava uma escola pública de tempo integral, proposta
materializada com a construção da Escola Parque. Voltada para a formação
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plena e integrada a um conjunto de escolas “classe” direcionadas para ensino
do currículo tradicional, tal escola foi pensada como um espaço concreto de
estudo, trabalho, recreação e arte, uma escola enraizada no meio local, dirigida
e servida por professores da região, identificada com seus costumes.
Remonta ao pensamento desse autor, ainda, a importância de um siste-
ma de educação. Na sua visão, um sistema centralizado que prestaria serviço
à escola, dando apoio a suas realizações, orientadas pelo projeto pedagógico
elaborado pela escola, ainda que de acordo com diretrizes gerais. Alinhando-se
a essa perspectiva, implementar o PIBID exigiu uma relação mais horizontal
com o poder central que definiu diretrizes e destinou recursos, cabendo às
instituições de ensino superior elaborar um projeto próprio, identificado com
demandas locais. O diálogo e a divisão de responsabilidades diferenciam o
PIBID de outras propostas de formação de professores baseadas em decisões
centralizadas, padronizadas e universalizantes.
Entretanto, apesar dos avanços, sabemos que mudanças não são simples,
com destaque para as escolhas sobre o que ensinar. A crise na educação é es-
trutural, resultado do processo histórico de embates entre diferentes visões de
mundo. Movida por contradições, a organização da escola revela a prevalência
das forças mais conservadoras. É forte a sensação de que estamos aprisionados
na escola, sem livre acesso à vida. Os conteúdos, métodos, recursos e processos
vividos na escola são insuficientes para formar pessoas aptas a enfrentar os
desafios do nosso tempo. Nesse lugar, o conhecimento é tratado como mer-
cadoria e a experiência formativa é fragmentada.
Contudo, ampliar a interação entre universidade e escola para formar
professores altera estruturas e transforma as relações entre sujeitos na escola.
Experiências realizadas no PIBID revelam alterações na visão de mundo dos
licenciandos, que passam a ter uma percepção ampliada e sensível aos modos
de vida dos atores sociais presentes na escola e aos modos de organização
da instituição escolar. Sobre isso, o bolsista de Física, citado por Maria Inês
Petrucci Rosa, assim se expressa: “aprendi a observar os alunos [...] e assim
entendê-los melhor [...] aprendi que há muito mais em um ambiente escolar
do que eu imaginava...” (Vol.1, p.47).
Parte do aprendizado a ser construído diz respeito a perceber a hetero-
geneidade como marca de uma realidade educacional complexa. Para além
de uma experiência formativa concentrada em uma escola idealizada como
modelo, os contrastes evidenciados por meio do PIBID nos autorizam a falar
em escolas, no plural. Lidamos com escolas de localidades variadas, com dis-
tintos perfis socioeconômicos, interesses, finalidades, condições de trabalho,
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relações entre sujeitos. Ao mesmo tempo, como dizem Vicente Alves e Vanessa
Diniz (Vol.1), as escolas inseridas numa totalidade social, situadas numa dada
cidade, no país e no planeta, conectando a sala de aula como parte do espaço
geográfico local e global e apontando para necessária ruptura com a rigidez e
os reducionismos ainda preservados pelos professores. Mais que definir um
referencial teórico em relação ao qual classificamos cada escola como mais ou
menos adequada, para refletir sobre fracassos e contrastes, os estudos já sis-
tematizados nos ajudam a formular perguntas. Dessa forma, empreendemos
esforços para compreender melhor cada realidade específica, o modo como é
produzida nas ações cotidianas de sujeitos históricos. Esse é um dos caminhos
para pensar em possibilidades de superação no sentido de formar, nas escolas,
sujeitos que contribuam para uma sociedade mais justa.
Santos (2005) alerta que o princípio a ser afirmado é o compromisso
da universidade com a escola pública. A partir daí, trata-se de estabelecer
mecanismos institucionais de colaboração através dos quais seja construída
uma integração efetiva entre formação profissional e prática de ensino. Essa
não é uma tarefa simples, pois não são raros os conflitos entre a universidade
e a escola. Mas a integração tem início desde quando nos perguntarmos sobre
que professores queremos formar para atuar em que escola, criando condições
para a construção coletiva de um projeto de formação de professores articulado
e comprometido com o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico
da escola.
O PIBID desestabiliza estruturas cristalizadas, mobilizando saberes dos
licenciandos e professores formadores, afetando a experiência formativa de
ambos. Para a sua operacionalização é mister que tanto a escola quanto a uni-
versidade sejam compreendidas em suas limitações, mas instigadas em suas
potencialidades. A superação dos problemas que comprometem a qualidade do
ensino e da formação de professores pode ser construída conjuntamente, dando
sentido ao trabalho docente enquanto ação de sujeitos históricos que defendem
um projeto de educação e de sociedade, bem como formam e transformam-se.
Afinal, o que é iniciação à docência?
Após caracterizar o PIBID-Unicamp, Guilherme Prado e Eliana Ayoub
apresentam ideias-chave para compreender a prática de iniciação à docência.
Tomam como pressupostos a importância de pensar nas pessoas, nas relações
humanas como parte do processo de construção de conhecimento, no encontro
entre visões de mundo como parte da formação. Assim, apontam a conexão
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entre iniciação à docência e o compromisso com uma nova cultura formativa no
processo de profissionalização docente, “assentada no diálogo entre os sujeitos
da escola e de outros espaços educativos e os sujeitos da universidade, todos
com seus saberes e conhecimentos, múltiplos, diversos, plurais”. (Vol.1, p.19)
Essa perspectiva nos aproxima da proposta de Freire (1967) de pensar a
educação como prática de liberdade. O diálogo e a interação ativa entre seres
humanos eram para ele a condição essencial para a conscientização acerca do
mundo e seus problemas, bem como para o desenvolvimento da criticidade,
objetivos da prática educativa. O processo dialógico, voltado para a respon-
sabilidade social e política da educação, ao estimular formas de vida interro-
gadoras, inquietas e dialogais, em oposição a formas de vida “mudas”, liberta
o sujeito, contribui com a construção da autonomia, destinando-o à própria
humanização.
Tal experiência formativa, vivenciada no bojo de uma nova cultura
anunciada pelo PIBID, revela novos modos de aprender a ser professor. Na
experiência relatada por Dolores Assaritti, Flávia Ferreira e Rebeca Miguel
(Vol.1), o ato de “estar na escola”, de modo pleno, apoiado por um projeto
de formação no qual o bolsista é o próprio autor, desperta inquietações. O
contato possibilita estranhar o ritmo caótico, interagir com a comunidade
escolar, reconhecer os alunos, contribuir para a reorganização do espaço físico
e dinamização do ensino, a ponto de sentir-se em casa. Os diferentes modos
de interação vivenciados no espaço-tempo escolar dinamizam o processo de
identificação do futuro professor com a sua profissão, fazendo-o dialogar com
costumes, práticas, saberes, normas, implicando-o em seu contexto específico e
dando início a um processo de comprometimento por meio do qual ele torna-
-se um autêntico professor.
Nesse conjunto de práticas, condições especiais e diversificadas são cria-
das para o empoderamento do licenciando como sujeito da própria formação.
Rogério Adolfo Moura (Vol.1) faz referência ao desempenho de funções de ges-
tãoentrebolsistas,indicandoocaráterformativodapráticadeauto-organização
no processo de iniciação à docência. Na narrativa de Dolores Assaritti, Flávia
Ferreira e Rebeca Miguel (Vol.1) aparece uma segunda condição essencial: o
trabalho colaborativo no Programa cria uma rede de apoio mútuo, amparando
o licenciando nas suas primeiras descobertas, surpresas, choques em relação
à complexa tarefa de educar no mundo contemporâneo. Elaine Prodócimo e
Eliana Ayoub (Vol.2) evidenciam a observação como ponto de partida para
compreender, acolher, humanizar, instaurar nova ética das relações na escola,
bem como destacam a afetividade como ingrediente da formação e prática do-
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cente. Adriana Mendes e Patrícia Cesar (Vol.3) falam das trocas que precisam
fazer para ouvir as preferências musicais dos alunos e propor novas referên-
cias para os mesmos. Assim, de modo contínuo, o licenciando é instigado a
desenvolver o hábito de “reparar”, pensar, compartilhar, conviver, negociar,
arriscar, experimentar, refletir e agir, cada vez mais, de modo consciente, crítico,
propositivo e – porque não? – apaixonado.
Provocando a pensar no papel das teorias, em especial da Sociologia, nas
práticas de iniciação à docência, Andreia Galvão (Vol.1) ressalta a importância
de aprender até mesmo com o que não dá certo. Se nem sempre as atividades
propostas pelos bolsistas alcançam os resultados esperados, a situação viven-
ciada precisa ser mais bem compreendida, o que exige e aciona o instrumental
teórico, bem como a escuta sensível e a atitude ética, buscando agir e pensar com
discernimento. Os “fracassos” mostram que somos seres humanos, portanto
inacabados. Também evidenciam que o processo histórico não está sob controle
unicamente das boas ou más intenções individuais e nem é, simplesmente,
determinado por forças maiores que estão fora da escola. Essa compreensão
coloca os problemas como objetos de reflexão coletiva, implicando atores co-
-responsáveis pela sua produção, significação e superação.
Aprender com a docência é ter consciência e assumir uma postura inves-
tigativa própria do ser professor. As reflexões de Bruno Hayashi, Cinthia Santos
e Paulo Lisboa (Vol.2) mostram que uma iniciação à docência marcada por
errâncias e inquietações é também oportunidade de aprimorar o olhar crítico
e de compreender e lidar com o que está instituído na escola, tornando-se ele
próprio um sujeito instituinte, capaz de forjar novas práticas, até mesmo após
o período de formação inicial, quando assume o papel de professor iniciante
na carreira. A curiosidade, a indagação, a busca e a pesquisa fazem parte da
natureza da docência, sugerindo que na sua formação permanente o profes-
sor “se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”, conforme
anuncia Freire (1996, p.32). Ou seja, não há dicotomia, não se trata de uma
qualidade ou uma característica que se encaixa no ser professor, pois é ele
próprio um pesquisador.
Tal perspectiva nos ajuda a pensar na experiência relatada por Ana Ar-
changelo e Tagiane Luz (Vol.2), que tem como pano de fundo a tendência de
articulação entre universo da pesquisa acadêmica e das práticas investigativas
na escola. Aqui, vale a ressalva de que a escola não é um laboratório, os alunos
não são objetos de pesquisa, nem supervisor e bolsistas são meros assistentes.
A aproximação entre pesquisadores universitários e professores das escolas
pode implicar empoderamento para que ambos possam observar, intervir e
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contribuir com o avanço da produção e difusão do conhecimento, como relata
Néri Almeida (Vol.3) sobre os colóquios entre historiadores, autores de livros
didáticos e bolsistas. Nessa articulação, o desafio está em desenvolver práticas
investigativas baseadas na autorreflexão coletiva, visando à compreensão e
mudança da própria realidade, como nos sugere a pesquisa-ação proposta por
Thiollent (2009). Para isso, parece indispensável uma cultura de colaboração
entre pesquisadores e professores, que pode ter início na própria universidade,
vista como espaço de formação plena.
O PIBID provoca a pensar uma concepção de formação universitária de
professores, conforme idealizava Teixeira (1994). Ele percebia a universidade
como um campo de vivência cultural para os professores em formação, um
espaço onde politização e produção científica seriam inseparáveis, o lugar do
diálogo entre diferentes campos de conhecimento e oportunidade de vivenciar a
intersecção entre ciência, filosofia e prática pedagógica. Mais que isso, a forma-
ção se daria por meio de mecanismos de enraizamento e comprometimento da
universidade com a sociedade, em especial na sua articulação com a escola real.
A metáfora do enraizamento remete à noção de trabalho em rede, cujos
indícios podem ser observados nas ações em andamento no PIBID. Adriana
Rossi (Vol.2) mostra como é possível passar de um trabalho iniciado entre um
dos grupos de bolsistas, partindo da escolha de um tema, para um processo de
mobilização ampliada que inclui outros programas de formação da universi-
dade e professores que atuam nas escolas da cidade e, para além dela, ganha o
mundo por meio da internet. André Albino de Almeida (Vol.2) refere-se ao
potencial agregador do PIBID por unir pessoas com formação em diferentes
áreas de conhecimento e fases da carreira profissional. Nesses e em outros casos,
vemos operações que dependem e são potencializadas por conta da implicação
entre os elementos envolvidos.
O trabalho e a formação em rede são constituídos por ações integradas
e dinâmicas. Essas ações são realizadas por meio de relações mais horizontais,
que se revelam interdependentes, operam em colaboração, articulam uma plu-
ralidade de saberes, compõem um sistema aberto a novas conexões e atraem
mais e mais participação. Considerando as reflexões de Castells (1999) sobre as
redes como nova morfologia social, cuja lógica modifica de forma substancial
a operação e os resultados dos processos produtivos, de experiência, enfim,
de poder, podemos supor a radicalidade das articulações inauguradas com o
PIBID. Assim sendo, um imperativo para o exercício da iniciação à docência
numa lógica de rede é, sem dúvida, a apropriação crítica e criativa dos meios
de produção e socialização de informação com uso de tecnologias. A ênfase
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dada à produção de vídeos no texto de Edson Pfutzenreuter, Milena Quarttrer
e Giovana Delegracia (Vol.3) confirma o que Pretto (1996) propõe sobre as
tecnologias de informação e comunicação: que tais tecnologias constituam-se
em elementos estruturantes de uma nova forma de ser, pensar e viver, colocar-
-se diante do mundo, criando condições para que sejamos autores e não meros
consumidores de informação.
Em especial pela iniciativa dos bolsistas, as ações do PIBID naturaliza-
ram a interação entre atores, bem como a produção e socialização de ideias
com o uso dos mais diversos dispositivos tecnológicos. São aplicativos de
trocas de mensagens nos celulares, uso de redes de relacionamento, canais
de veiculação de vídeos, web conferências, uso de ambientes virtuais de
aprendizagem, grupos de discussão, dispositivos de produção simultânea e
colaborativa, entre outras. Temos aí oportunidade de exercitar novas formas
de ensinar, bem como de tornar-se professor-autor. O espírito de autoria
presente no PIBID coloca em debate, ainda, a noção de tecnologias como
processos inovadores. Néri Almeida (Vol.3), por exemplo, faz referência ao
sucesso das sessões de trabalho pedagógico com duração máxima de vinte
minutos. Helena Altmann, Juliana Jacó e Simone Fernandes (Vol.3) citam a
introdução de atividades circenses e a prática de jogos coletivos não familiares
para os alunos, a exemplo do futebol americano, como modo de envolver
meninos e meninas, quebrando a barreira do gênero para o desenvolvimento
de uma cultura corporal de movimento. A capacidade de inovação também
se faz presente na medida em que o conhecimento sobre a realidade é uti-
lizado de modo a gerir os recursos disponíveis e condições dadas de modo
diferenciado, rompendo tradições.
As experiências vivenciadas no PIBID são singulares, dificultando
qualquer tentativa de delimitarmos um conceito universal que abarque a
diversidade de ações realizadas. Contudo, acreditamos que a iniciação à
docência pode ser definida como a inserção do estudante de licenciatura
em um conjunto de práticas próprias da profissão docente, realizadas em
um espaço concreto de ensino-aprendizagem, para as quais deverá contri-
buir com sua reflexão crítica, propositiva e teoricamente fundamentada,
ao mesmo tempo em que vivencia a dimensão científica, técnica, filosófica,
política, afetiva e humana de sua formação. Ainda que não seja suficiente
para traduzir as singularidades das relações estabelecidas no processo de
formação docente desencadeado no cotidiano das escolas, tal definição
poderá ser útil para nos confrontarmos com outras elaborações e fazermos
avançar a compreensão coletiva sobre o termo.
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Considerações finais
A formação de professor parece ganhar um novo sentido quando busca
estar mais articulada com o fazer docente que ocorre na escola. A escola é o
espaço de encontro, de mobilização do pensamento, de estudo sistemático do
conhecimento acumulado pela humanidade, de reflexão sobre a vida, sobre o
outro e sobre si mesmo. É um espaço vivo e pulsante que reúne uma diversidade
de sujeitos em diferentes fases de desenvolvimento, com diferentes papéis e
funções. É hoje referência indispensável para a formação humana, bem como
para o exercício da educação como um direito. Assim, reafirmamos, como
princípio essencial a ser assumido pelo PIBID, o compromisso da universidade
com a escola pública, considerando a centralidade da escola como lócus de
formação de professores em nível superior.
Os textos apresentados na coleção “Formação Docente em Diálogo”
revelam a diversidade e a complexidade dos mecanismos criados pelo PIBID
para atender o desafio de formar professores na contemporaneidade. É uma
obra que reúne pontos de vista dos diversos atores envolvidos com o Programa,
criando condições para o diálogo entre o conhecimento produzido historica-
mente sobre a educação e os saberes que emergem de suas experiências em
espaço-tempo concreto. São discutidos os principais problemas observados na
escola, incluindo a precariedade, o desinteresse pelos estudos, a indisciplina, a
faltadepreparodosprofessores,ofracassoescolar.Tambémsãocompartilhadas
as visões de sociedade, conhecimento, formação e currículo que norteiam as
ações realizadas. Sem dúvida, em que pese todo esforço empreendido até aqui,
há muito trabalho a ser feito.
É fato que existem demandas estruturais do campo da formação de pro-
fessores e ação docente. Na verdade, herdamos problemas cuja origem remonta
à constituição da educação e sociedade brasileira, nas suas diferentes fases. Uma
sociedade desigual produz uma educação com base em privilégios para uma
minoria. A formação de professores voltada para a educação pública vem sendo
assunto de pouco importância, a não ser pela necessidade de manter a maioria
sob controle e ocupada, servindo como força de trabalho útil à manutenção da
sociedade e conservação das relações sociais. Assim, tratar de tais demandas
implica em refazer as bases da formação dos professores, ressignificando o
próprio sentido da profissão docente e da educação.
Certamente, tal reconstrução depende de ações concretas e intencionais,
direcionadas por um plano comprometido com um novo começo, já que
não é possível desfazer o passado. Embora essa não seja uma tarefa simples,
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criamos mais dificuldades quando, na parte que cabe à nossa atuação, não
percebemos a interdependência entre as ações, não compreendemos o caráter
processual e histórico de cada ato, deixamos de compartilhar o que pensamos/
fazemos ou não dedicamos tempo para “ler” e dialogar com a experiência do
outro. O trabalho em comum a ser ampliado no PIBID é uma condição para
alinharmos ideias, estendendo a compreensão sobre a realidade que temos,
definindo mais claramente a realidade que queremos (e podemos) construir
juntos.
O PIBID deu início a um processo de valorização da formação docente
que mobilizou o principal recurso de que dispomos: as pessoas. O Programa
foi recebido com entusiasmo pelos inúmeros formadores antes desarticulados
e desamparados no interior das universidades. Mais que isso, trouxe à cena o
professor da educação básica, antes secundarizado como sujeito co-formador.
Deu, ainda, condições mais favoráveis à permanência e atendeu às inquietações
de jovens que antes decidiam ingressar em licenciaturas, mas só se deparavam
com a questão sobre o que é ser professor no final de sua formação. É a intera-
ção entre estes atores que constrói, cotidianamente, novas possibilidades para
um trabalho articulado entre universidade e escola e uma formação docente
mais significativa.
Ademais, o Programa estabeleceu como alvo novas articulações entre
teoria e prática como parte de um projeto integrado de formação do pro-
fessor. Como consequência, a iniciação à docência vem sendo concebida e
concretizada por meio de ações diversificadas, do trabalho colaborativo, do
diálogo entre sujeitos e seus saberes, da observação do cotidiano das rela-
ções e do trabalho na escola, da ação docente reflexiva, da formação de um
professor-pesquisador. O complexo conjunto de ações e estratégias é também
um exercício de reagrupar saberes no sentido de compreender as relações
pedagógicas e atuar na escola.
Desse modo, as práticas vivenciadas no PIBID constroem, pouco a pouco,
novos modos de fazer e pensar a educação e a formação de professores. Ao
evidenciarmos as lições tiradas das tantas experiências, temos a sensação de que,
para além dos resultados objetivamente obtidos no PIBID, estamos apurando
o nosso senso crítico e trilhando novos caminhos possíveis. Mais do que uma
ação pontual, o PIBID se traduziu em um movimento que vem gerando impac-
tos significativos, apontando para uma nova cultura de formação. O professor
nunca estará pronto, mas o sentimento é o de que estamos vivenciando um
processo de formação plena, uma formação em rede.
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Aquém da literatura:
o declínio da formação humanista
e os estudantes de letras1
Marcos Lopes2
Coordenador de Área do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
Instituto de Estudos da Linguagem
Introdução
Pois o campo de estudo das ciências é hoje tão extenso, que aquele que, com boas
disposições, mas não excepcionais, quer aí produzir algo, se consagrará a uma
especialidade muito particular e não terá qualquer preocupação com todas as
outras. Se na sua especialidade está acima do vulgus, para tudo mais, quer dizer,
para tudo que é importante, não se mostra diferente deste. Assim, um erudito,
exclusivamente especializado, se parece com um operário de fábrica que, durante
toda a sua vida, não faz senão fabricar certo parafuso ou certo cabo para uma
ferramenta ou uma máquina determinada, tarefa na qual ele atinge, é preciso
dizer, uma incrível virtuosidade. (NIETZSCHE, 2003, p.64)
I – Do erudito provinciano ao intelectual globetrotter
Para pensar a questão do ensino da literatura, na formação dos bol-
sistas do PIBID, cabe apresentar, ainda que nos limites deste trabalho,
1	 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no “I Seminário de Ensino de Língua
Portuguesa e suas Literaturas na Universidade Federal de Lavras”, em 04/09/2014. O
seminário teve como tema “O ensino de língua portuguesa e literatura no contexto do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)” e foi uma realização
conjunta da UFLA e Unicamp.
2	 Professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da
Unicamp.
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quais são os modelos de docência que presidem o imaginário e a formação
literária nos cursos de Licenciatura em Letras. Pequenos gestos aparen-
temente inócuos, em sala de aula, no período de formação do graduando,
formam modelos de conduta que impregnarão a maneira de pensar, sentir
e agir do corpo discente.
Lembro de um professor, em minha graduação de filosofia, que tinha o
hábito de religiosamente, antes de começar sua preleção, retirar o relógio do
pulso e colocá-lo em cima da mesa. Ao final da aula, ele novamente apanhava-
-o e o recolocava no pulso. É óbvio que o gesto de retirar e recolocar o objeto
no pulso não se limitava a uma idiossincrasia pessoal, mas pretendia indicar,
de maneira inequívoca, que o docente tinha o controle sobre o tempo de sua
exposição. Porém, desconfio, ao rememorar a situação, de que o gesto men-
cionado ensinava aos ouvintes que a organização da matéria, em um tempo
determinado,eraumvalorpedagógicoaserseguido.Nãoseisemeuscolegas,ou
aqueles que seguiram a carreira do magistério, incorporaram o hábito descrito
acima, mas qual não foi minha surpresa quando me dei conta, em um dado
momento do meu exercício docente, que repetia o mesmo gesto.
Imagino que coisas mais complexas moldam a conduta do profissional da
educação; ocorre que, nos limites deste artigo, não me cabe fazer uma descrição
densa3
dos vários dispositivos culturais responsáveis pela construção da identi-
dade social. Corre-se sempre o risco, em situações de diagnóstico pedagógico,
da reflexão se encaminhar para o relato burocrático (uma descrição objetiva
das observações das experiências docentes) ou para a narrativa proselitista (a
construção de um sentido positivo da conduta eficiente do docente). Evitarei
o relato anódino ou a narrativa testemunhal. Contudo, em um primeiro mo-
mento, um leve traço autobiográfico estará presente nas ideias que submeterei
à apreciação dos leitores.
Faço parte de um departamento de estudos da literatura que historica-
mente formou alguns nomes importantes para o cenário acadêmico. O habitus
desse departamento, para usar uma terminologia de Pierre Bourdieu, vê com
um sobrolho franzido quem se dedica a ensinar literatura ou apenas se preocupa
com o mundo do ensino. A tarefa de pensar a formação literária no ensino
superior e seu impacto na escola fundamental estaria a cargo das disciplinas
ministradas pelos professores da Faculdade de Educação. Essa disposição para
tratar o ensino da literatura como tarefa precípua dos pedagogos colocaria de
partida uma linha divisória entre o mundo da erudição, atividade cimeira dos
3	 Sobre o conceito de descrição densa, conferir: GEERTZ, 2011, p.03-21.
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que se comprometem com a pesquisa, e a realidade escolar, espaço destinado
às intervenções pedagógicas.
O capital simbólico que todo docente herda, ao ingressar nas instituições
universitárias, permite que ele invista ou aposte suas fichas naquilo que lhe dá
mais visibilidade acadêmica: a pesquisa científica ou a formação de grupos de
trabalho a partir de eixos específicos de investigação. Esse capital simbólico,
com lastro na lógica atual da produção científica, dificilmente se transforma
em capital político capaz de influenciar os rumos da escola pública. Pelo con-
trário, a divisão social do trabalho intelectual, que justapõe “professores” e
“pesquisadores”, acentua essa lógica perversa; no mais ele constitui apenas um
espelho do modo de produção de uma sociedade capitalista, em que os traba-
lhadores mais qualificados não se reconhecem como parte de uma categoria
geral: o professor.
Diante da importância relativa do ensino nos cursos de humanidades e
do aprofundamento da lógica da especialização na produção do conhecimento,
cabe perguntar sem rodeios: o que fazer?
Se para alguns docentes, a erudição se apresenta como a última trincheira
capazderepresarorelativismodevastadordomundopós-moderno,paraoutros
docentes, é preciso se ajustar às transformações da vida contemporânea. Esse
ajuste se encarna na disposição faceira para viajar o mundo como intelectual
globetrotter. Mas o que é o intelectual globetrotter? É aquele professor que a
tarde está em Paris falando da cultura caipira ou da prosa metafísica de Clarice
Lispector para uma plateia seleta na Sorbonne, e, no dia seguinte, pode estar no
Japão discorrendo sobre o vínculo entre bossa nova e a classe média carioca.
O modelo exitoso de docência para a juventude, que ingressa nos cursos de
humanidades, corresponderia grosso modo à seguinte imagem: deve-se, para
sobreviver com dignidade no ambiente acadêmico, estar sintonizado com o
circuito internacional, circular pelas feiras literárias super chics, ser um con-
vidado dos congressos mais badalados da sua área de formação e manter um
contato com um círculo de virtuoses do mundo artístico.
A erudição, em seu sentido clássico, que durante algumas décadas mo-
delou o perfil do professor de literatura, cede lugar à função do “professor
promoter”, que, não dispondo mais de tempo para lustrar seu espírito com as
luzes da tradição, se joga na eufórica empreitada de publicar, para não perecer,
e aparecer, para não deixar de ser. Waters (2006, p.51) faz um retrato preciso
da situação do intelectual contemporâneo: “O estudioso típico se parece cada
vez mais com a figura retratada por Charlie Chaplin em seu Tempos moder-
nos, trabalhando louca e insensatamente para produzir”. A imagem fílmica
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do operário apertando parafusos em uma fábrica é um símile perfeito da ideia
de especialização e produção em série. Mas, enquanto no filme a imagem do
operário condenado à rotina de apertar parafusos é confrontada com a figura
ingênua do vagabundo, em Waters a hiperprodução acadêmica produz para-
doxalmente a alienação do trabalhador intelectual e a obsessão pelo status quo.
Nesse quadro de inflação teórica e de progressiva desvalorização do valor
do trabalho intelectual, quem ainda se aventurasse em realizar uma reflexão
sobre o ensino de literatura estaria desperdiçando os melhores anos de sua vida
ou conspurcando os melhores neurônios do seu cérebro. E por quê? Porque
justamente, ao contrário do operário de Tempos modernos, cuja experiência
espacial está condicionada à rotina do chão da fábrica, o “professor promoter”
dos tempos hiperoupós-modernonãoestá presoà imobilidadedoseugabinete,
do seu campus universitário ou da sua província natal, mas de metrópole em
metrópole, de vitrine em vitrine, com a velocidade dos mega bits das conexões
digitais, ele circula sem cerimônia no cyber espaço e nas redes turbinadas de
contatos pessoais.
O desenho sucinto dos dois tipos de docentes me fez pensar que o ensino
de literatura, nos cursos de licenciatura em Letras, goza de uma triste sina:
1.	Ou é capitaneado por um campo especializado, que está up to date
com as teorias e práticas do mercado acadêmico;
2.	Ou é solenemente ignorado pelo etos da erudição, que dá como favas
contadas a derrota e a destruição da escola pública.
II – A paliçada e a militância
Qual o problema desses dois extremos? O campo especializado, que eu
diria ser comandado em parte pela linguística, pela teoria literária pós-estrutu-
ralista ou por certa sociologia da literatura, põe na berlinda o privilégio cultural
que se atribuiu comumente ao estudo da literatura. Para ser mais brutal, esse
campo rebaixa o estatuto do texto literário ou horizontaliza os gêneros textuais
a tal ponto que tanto faz ler Cinquenta tons de cinza ou Memórias póstumas de
Brás Cubas. Mas há outro desafio, para o jovem estudante, e aí a saraivada de
balas vem da frente sociológica, que resolve a questão do conceito e da função
da literatura, por um lado, com base na ideia de que não existe uma proprieda-
de ontológica e sagrada da literatura4
, um destino especial e heroico para ela
4	 Essa posição encontra sua síntese cabal no livro de Márcia Abreu (2006, p.40). Tome-se,
como exemplo, a seguinte passagem de seu livro “Cultura letrada”: “Para que uma obra
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no mundo ocidental, mas ela é simplesmente o resultado das práticas sociais,
que definem o que é ou não é literatura. Por outro lado, tal literatura, sendo
produto direto de uma prática social, tanto pode emancipar quanto manter
o indivíduo em estado de menoridade. Essa ambiguidade do texto literário
(emancipar ou inculcar os valores de uma sociedade) deve ser desmascarada
sem piedade. É preciso fazer um escrutínio rigoroso da homofobia, do racis-
mo e da misoginia presentes em muito dos nossos clássicos, antigos livros de
cabeceira das famílias mais respeitadas.
Faço aqui uma caricatura proposital, porque vejo justamente nessa situa-
ção parte do problema do ensino da literatura. Por quê? Porque eu me pergunto
qual o horizonte de interesse de um estudante de Letras que se aproxima hoje
do universo literário. Não é o do erudito. Seria o do militante, ou como diziam
maldosamente na década de 1980, o do linguista da “libertação”, referência à
teologia da libertação, vertente da intelectualidade católica disposta a ler os
textos bíblicos em um confronto radical com a realidade social?
Mas qual seria a caricatura possível do erudito (o segundo extremo do
nosso problema)? É aquele sujeito preocupado como uma formação humanista
a longo prazo, com a preservação de um patrimônio cultural5
, base dessa forma-
ção, e avesso à especialização que funda os saberes modernos (o conhecimento
científico). O erudito ambiciona um saber total e é capaz de opinar sobre quase
tudo (da política local às últimas viagens espaciais da NASA).
É de se perguntar: o leitor vestiria essa carapuça? Creio que não. Além
do mais, esse erudito integral, historicamente não é mais possível, caso con-
sidere com seriedade o excerto citado de Nietzsche no início deste trabalho.
Entretanto, haveria a figura do erudito especialista. Em outras palavras, é
aquele estudante que desde sua iniciação científica se especializa em um as-
sunto e leva adiante tal projeto em outras etapas de sua formação (mestrado
e doutorado).
	 literária seja considerada Grande Literatura ela precisa ser declarada literária pelas chama-
das ‘instâncias de legitimacão’. Essas instâncias são várias: a universidade, os suplementos
culturais dos grandes jornais, as revistas especializadas, os livros didáticos, as histórias
literárias etc.”. Esvazia-se a literatura de qualquer propriedade ontológica ou de qualquer
pretensa universalidade. O valor literário torna-se algo tão contingente como o hábito de
escovar os dentes todos os dias ou a posição da micção masculina: é uma prática cultural
e social.
5	 Vale a pena registrar que o perfil do “erudito especialista”, o profissional que se aprofun-
dou em um autor ou tema e manteve uma linha de coerência irrestrita em seu percurso
acadêmico, é o que tem mais chances de financiamento para as suas pesquisas futuras junto
aos órgãos de fomento.
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Portanto, se o primeiro extremo horizontaliza a prática de leitura do
texto literário, supostamente democratizando o acesso ao bem cultural; o
segundo, verticaliza; a tal ponto que apenas um grupo de seres excepcionais
possui talento, competência e gênio para receber o bafejo da musa. Daí que o
aluno que persevera nos estudos literários é quase um escolhido dos deuses
do Olimpo, enquanto aquele que se encaminha convicto ou ceticamente para
o magistério do ensino fundamental é tido como o proletário das letras. Ele
será apenas o professor de língua portuguesa.
III – Conclusão ou três proposições a respeito do ensino de literatura
1
Ensinar literatura não deve ser uma tarefa para especialistas. Essa primei-
ra proposição solicita uma investigação acurada a respeito do modo como os
alunos são formados nos cursos de Letras das instituições privadas ou públi-
cas. Isso implicaria fazer algumas perguntas a respeito do currículo, do modo
como a literatura é abordada nas disciplinas e até que ponto elas não estariam
subordinadas estritamente ao campo de investigação do docente. Defender
que o estudo da literatura deveria evitar a especialização precoce significa a
defesa de uma formação humanista ampla e integral, que coloque a literatura
em perspectiva interdisciplinar com os vários saberes das humanidades. O
primeiro desafio seria repensar o peso da formação linguística para o profis-
sional de Letras, questão espinhosa e que mexe diretamente com a formação
e a política científica da área.
2
O repertório de textos literários deve ser o mais amplo possível6
, sem
preconceitos ou juízos a priori. Esta segunda proposição incide em outra
questão espinhosa, a saber, a formação e a avaliação do gosto estético, assim
6	 A ideia de uma ampliação de repertório pressupõe a existência de uma formação mínima
em literatura. Os depoimentos dos bolsistas PIBID-Letras/2011 e 2014 e as observações
realizadas nas escolas parceiras indicam que a questão não é quantitativa: expor os alunos
a uma diversidade de gêneros textuais, mas qualitativa e de princípios: por que expô-los a
tais textos? De certa forma, para responder essa questão, o conceito de democracia é, no
espaço escolar, conditio sine qua non para a construção de um projeto de formação literária.
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43
como enfrenta a vetusta questão do cânone literário7
. Haveria um conjunto
de livros indispensável para a formação do aluno? Ou a estabilidade de uma
tradição literária só existe como resposta ou problematização de uma dada
circunstância histórica e social? Ou o cânone, antes de ser uma lista rígida
de livros, apresentaria um grau de patamar estético que uma certa tradição
conquistou? Não deveríamos nos cursos de Letras ler os best sellers e entendê-
-los como pontes para uma leitura dita mais exigente ou complexa? Contudo,
todas estas questões apresentadas só são possíveis porque emergem de um
contexto histórico marcado pela democracia de massas e a conquista dura e
incontornável de direitos iguais para todos os cidadãos.
3
A leitura literária deve contemplar a construção da alteridade e da iden-
tidade, bem como proporcionar ao leitor uma experiência afetiva e intelectual
da condição humana em toda a sua complexidade. Mas como isso é possível no
espaço escolar? Um dos desafios mais prementes para o professor de literatura é
a qualidade do material didático, dos métodos de aprendizagem e dos objetivos
que presidem o ensino fundamental primeiro e segundo ciclo e médio. Seria
exagero dizer que essa situação pedagógica reflete as condições de formação no
ensino superior, uma vez que, se o professor analisar com atenção, perceberá
que as abordagens didáticas dos textos literários desconsideram a acumulação
crítica de décadas de investigação no ensino superior, embora sempre se possa
questionar que não se trata de ignorância, mas da incapacidade de comuni-
cação dos dois universos; se os livros didáticos não desconsideram o que se
faz na universidade, a abordagem via de regra está relacionada ao estudo da
língua portuguesa; se eles desconsideram a acumulação crítica, acabam por
proporcionar ao aluno, no ensino médio, a velha historiografia baseada em
movimentos literários ou estilos de época.
O que importa, efetivamente, não é o déficit crítico, conceitual ou teóri-
co entre a produção acadêmica e os manuais escolares para o aprendizado de
7	 Um debate consistente sobre a questão do cânone encontra-se em Haquira Osakabe e
Ligia Chiapinni (2006) e Leyla Perrone-Moisés (2000). Guardadas as diferenças entre os
autores, assim como o público a que tais textos se destinam, pode-se extrair uma posição
comum quanto à defesa da especificidade do literário e do cânone como um padrão de
patamar estético. A revisão que Haquira Osakabe propôs dos Parâmetros Curriculares
Nacionais – Ensino Médio, no que diz respeito ao ensino da literatura, discute a tradição
não como objeto de culto, mas na perspectiva de uma tensão dialética entre o passado e
o presente.
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literatura. Supor isso, como causa precípua da destruição da apreciação estética
na escola pública, significaria, de um lado, superestimar as virtudes da teoria e
a legitimidade inconteste de um campo de investigação sujeito, como qualquer
outro, aos interesses e às rivalidades políticas. Por outro lado, seria condenar
os professores das escolas públicas a súditos da universidade, como se eles
estivessem alijados de qualquer possibilidade de reflexão autônoma. Talvez
a questão de fundo não seja nem mesmo o anacronismo historiográfico, que
orienta ainda a abordagem da literatura no ensino médio.
A questão decisiva é aquela que Todorov, de modo consistente e provo-
cador, apresenta no livro “A literatura em perigo” (2009), que curiosamente
foi muito pouco comentado em nossas licenciaturas. Trata-se do declínio da
formação humanista para os estudantes de Letras e a consequente incapacidade
de elaborar um sentido para o texto lido.
A orientação ética, que não é sinônima de regra moral, mas implica a
capacidade de sondar as várias possibilidades de conduta, proporcionada pela
leitura literária, estaria sendo sequestrada das novas gerações de leitores. To-
dorov justamente adverte para o custo da hiper teorização ou do nivelamento
do texto literário aos demais gêneros textuais. A eficácia simbólica da leitura
literária se mensuraria por essa capacidade antropológica que a narrativa, a
poesia ou o drama possui na construção da alteridade, regra de ouro para a
fundação de uma comunidade, e da identidade pessoal ou coletiva, fator in-
dispensável ao que chamamos de “humanização”.
Esse papel humanizador da literatura, que não se trata de educar seres
humanos bonzinhos, mas de colocá-los frente a frente com a instabilidade e
as contingências no processo de formação da identidade subjetiva, também é
lembrado de maneira contundente por Michèle Petit (2008, p.157):
Mascomtodaavontadededessacralizarasletras,muitosdaquelesqueclamavam
por mudanças, muitos daqueles que as puseram em prática, esqueceram que
a habilidade desigual de manejar a linguagem não sinaliza simplesmente uma
posição mais ou menos elevada na ordem social. E que a linguagem não é um
simples veículo de informações, um simples instrumento de “comunicação”.
Esqueceram que a linguagem diz respeito à construção dos sujeitos falantes
que nós somos, à elaboração de nossa relação com o mundo. E que os escritores
podem nos ajudar a elaborar nossa relação com o mundo. Não devido a uma
inefável grandeza esmagadora, mas ao contrário pelo desnudamento extremo de
seus questionamentos, por nos oferecerem textos que tocam no mais profundo
da experiência humana. (...) Ao privilegiar as técnicas de decifração do texto, as
abordagens inspiradas na semiologia e na linguística aumentavam a distância
em relação aos próprios textos.
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45
Ao identificar o tratamento que a literatura recebeu após a ascensão
meteórica dos estudos linguísticos nos cursos de Letras, Michèle Petit não
está de forma alguma questionando a importância dessa área na formação do
leitor literário, mas tocando no ponto nevrálgico que constitui a relação sub-
jetiva desse leitor com o mundo do imaginário construído pela arte literária:
a produção de sentido, que toda obra humana busca realizar, ao enfrentar e
encarnar o duro desejo de durar.
Cabe aos formadores dos futuros docentes em Letras a pergunta: qual
o perfil do aluno, com formação literária, que se deseja em uma Licenciatura
em Letras?
Referências bibliográficas
ABREU, Márcia. Cultura letrada. Literatura e leitura. São Paulo: Editora
UNESP, 2006.
BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica.
– Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.239 p.
(Orientações curriculares para o ensino médio; Volume 1, Revisão crítica de Haquira
Osakabe e Ligia Chiapinni Moraes Leite). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf. Acesso em 09 de julho de 2014.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Trajetória
Cultural, Editora da Universidade de São Paulo, 1990.
NIETZSCHE, Friederich. Escritos sobre a educação. Trad. Noéli Correia de Melo
Sobrinho. Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Editora Loyola, 2003.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Consideração intempestiva sobre o ensino da literatura.
In: Inútil poesia e outros ensaios breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2000,
p.345-351.
PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura. Trad. Celina Olga de Souza. São Paulo: Editora
34, 2008.
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro:
DIFEL, 2009.
WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança. Publicar, perecer e o eclipse da erudição.
Trad. Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora da UNESP, 2006.
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Algumas considerações sobre a difícil tarefa de se tornar
um professor contador de histórias
Ana Archangelo1
Coordenadora de Área do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp
Faculdade de Educação
Aletéia Eleutério Alves Chevbotar
Colaboradora do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp
Introdução
É vasta a literatura que afirma a importância do brincar e da narrativa
para os processos de significação do existir humano, ou seja, para o desenvol-
vimento do sujeito (WINNICOTT, 1975; BION, 1991; SAFRA, 2006; FERRO,
2005; BENJAMIN, 2002). A escola, embora supostamente preocupada com o
desenvolvimento dos alunos, raramente reconhece tal importância, o que se
evidencia no cotidiano do ensino fundamental que, desde os primeiros anos,
submete-os a objetivos de aprendizagem e a rotinas organizadas em torno de
atividades pedagógicas excessivamente estruturadas e, não raras vezes, pou-
co significativas. Em muitas ocasiões, o brincar e o narrar espontâneos são
confundidos com indisciplina e considerados indesejáveis, pouco contando a
importância vital de tais atividades para os pequenos.
Ao longo da última década, acompanhamos e investigamos alunos de
ensino fundamental I, com severas dificuldades de aprendizagem (ARCHAN-
GELO, 2007, 2010; ALVES, 2010) e identificamos forte correlação entre tais
dificuldades e a dificuldade para brincar e narrar. E não por acaso. Se os proces-
sos de significação nascem e se consolidam por meio do brincar e do narrar, é
esperado que a aprendizagem dependa dessas atividades e com elas contribua,
posto ser ela mesma um processo de significação.
1	 Professora da Faculdade de Educação da Unicamp
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A inquietação provocada pela constatação de que “crianças que não
aprendem” são, geralmente, as mesmas que “não conseguem brincar ou
construir uma narrativa própria” levou-nos a conceber o PIBID-Pedagogia
no contexto do PIBID-Unicamp, iniciado em 2011. A finalidade foi a de
promover espaços para o brincar e para o narrar na rotina escolar, de modo
a contemplar todas as crianças e, em especial, aquelas que “não aprendiam”,
“não brincavam”, e “não narravam”.
Nos primeiros dois anos, foi introduzido o “momento para o brincar”2
,
em dez salas de 1º a 5º ano de uma escola pública de Campinas. Em 2013, a
“contação” veio, progressivamente, somar-se ao “brincar”. Atualmente, são
onze turmas de 1º a 5º anos dessa mesma escola que, uma vez por semana, se
aproveitam dos baús de brinquedos, dos livros de histórias infantis, do espaço
físico especialmente preparado e, fundamentalmente, da presença de adultos
significativos – como os bolsistas e as professoras de classe –, para usufruir
desse espaço diferenciado de fruição, interação, imaginação, manifestação e
elaboração de conflitos e de criação de um existir pleno de sentido.
Dia a dia, as crianças nos dão provas de que essas oportunidades são vitais
para elas. O espaço físico, o tempo, os objetos e a presença convertem-se em
experiência de viver, em possibilidade de expansão das possibilidades de ser e
de estar no mundo (VILLELA & ARCHANGELO, 2013) e, consequentemente,
de aprender. O presente artigo tem, contudo, a finalidade modesta de refletir
apenas sobre a necessária formação do bolsista PIBID, futuro educador, para
que a experiência de contação se dê em sua máxima potência.
Oque chamamosde“contação”noprojetoenvolvetrêsetapas:a contação
da história propriamente dita – que pode ser lida ou contada de memória –, a
conversa após a história e a atividade escrita.
Assim como ocorre com o professor na escola, os bolsistas planejam
antecipadamente as atividades e avaliam o seu desenvolvimento em sala de
aula. A cada encontro com as turmas, os bolsistas elaboram um relatório com
a descrição pormenorizada das atividades, das reações das crianças, das con-
versas que a história evocou, e de como essas foram conduzidas pelos bolsistas.
Em reuniões semanais, as atividades planejadas e os relatórios são discutidos,
assim como textos de literatura especializada. Eventualmente, uma das coor-
denadoras do projeto acompanha diretamente a atividade de contação. Uma
das turmas é acompanhada sistematicamente.
2	 Sobre essa etapa do projeto, ver Capítulo 2 (“Contribuições de uma área para ‘o brincar’
em salas de aula do ensino fundamental”) do Volume 2 desta coleção.
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  • 2. CONSELHO EDITORIAL - EDIÇÕES LEITURA CRÍTICA Ezequiel Theodoro da Silva (Coordenador), Universidade Estadual de Campinas. Carlos Humberto Alves Corrêa, Universidade Federal do Amazonas. Carolina Cuesta, Universidade Nacional de La Plata - Argentina. Juan Daniel Ramirez Garrido, Universidade Pablo de Olavide - Espanha. Regina Zilberman, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rodney Zorzo Eloy, Universidade Paulista. Rubens Queiroz de Almeida, Centro de Computação da Unicamp. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 2 25/06/2015 14:16:36
  • 3. Eliana Ayoub Elaine Prodócimo Guilherme do Val Toledo Prado (Organizadores) Coleção: Formação Docente em Diálogo Volume 4 PIBID-UNICAMP Experiências e reflexões sobre a formação docente Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 3 25/06/2015 14:16:37
  • 4. Copyright © 2015 Elaboração da ficha catalográfica Editoração e acabamento Gildenir Carolino Santos (Bibliotecário) Tiragem 200 exemplares Coleção Formação docente em diálogo – v. 4 Edições Leitura Crítica Rua Carlos Guimarães, 150 - Cambuí 13024-200 Campinas – SP Email: emarthi@outlook.com.br Impresso no Brasil 1ª edição - Julho - 2015 ISBN: 978-85-64440-26-5 Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907. Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização por escrito do Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propried intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videograma, sem autorização do produtor ou de quem o represente: pena – reclusão de um a quatro anos e multa. Todos direitos reservados e protegidos por lei. Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a Lei 9.610/98. DIREITOS RESERVADOS PARA LÍNGUA PORTUGUESA: Edições Leitura Crítica www.lercritica.com Fone: (19) 98114-8940 - Campinas, SP - Brasil Email: emarthi@outlook.com.br Catalogação na Publicação (CIP) elaborada por Gildenir Carolino Santos – CRB-8ª/5447 Ex71 Experiências e reflexões sobre a formação docente / Eliana Ayoub, Elaine Prodócimo, Guilherme do Val Toledo Prado (organizado- res). - Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015. 112 p. (Coleção formação docente em diálogo; v. 4) PIBID-UNICAMP: Experiências e reflexões sobre a formação docente ISBN: 978-85-64440-26-5 PIBID-UNICAMP 1. Formação de professores. 2. Docentes - Experiências. 3. PIBID. I. Ayoub, Eliana. II. Prodócimo, Elaine. III. Prado, Guilherme do Val Toledo. IV. Série. 15-004 20a CDD – 370.71 Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 4 25/06/2015 14:16:37
  • 5. Agradecimentos Ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). À Reitoria da Unicamp e à Pró-Reitoria de Graduação (PRG), na pessoa do Prof. Dr. Luis Alberto Magna, Pró-Reitor de Graduação. À Profa Dra Franciana Carneiro de Castro,  do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre, que prontamente aceitou prefaciar este livro. À equipe administrativo-acadêmica da Comissão Permanente de For- mação de Professores, representada por Marinez Bonillo e José Adailton de Oliveira, da Comissão Central Graduação da PRG e das unidades participantes do PIBID. Aos coordenadores de área, supervisores e bolsistas de iniciação à do- cência do PIBID-Unicamp. Às escolas participantes do PIBID-Unicamp, sua equipe de gestão, pro- fessores, estudantes e funcionários. Aos docentes, coordenadores e diretores dos Cursos de Formação de Professores da Unicamp. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 5 25/06/2015 14:16:37
  • 6. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 6 25/06/2015 14:16:38
  • 7. Sumário Prefácio .....................................................................................................................9 Franciana Carneiro de Castro Apresentação ..........................................................................................................15 Eliana Ayoub, Elaine Prodócimo e Guilherme do Val Toledo Prado Capítulo 1 - PIBID e os novos modos de formar professores: uma leitura da experiência da UNICAMP ........................................................19 Alessandra Santos de Assis Capítulo 2 - Aquém da literatura: o declínio da formação humanista e os estudantes de letras ....................................................................37 Marcos Lopes Capítulo 3 - Algumas considerações sobre a difícil tarefa de se tornar um professor contador de histórias ........................................................47 Ana Archangelo e Aletéia Eleutério Alves Chevbotar Capítulo 4 - O ensino de pré-história: interdisciplinaridade e conteúdos transversais aplicados ao sexto ano .................................................63 Néri de Barros Almeida Capítulo 5 - PIBID-Geografia: práticas e reflexões sobre o processo de formação do professor pesquisador ....................................................................85 Anniele Sarah Ferreira de Freitas e Rafael Straforini Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 7 25/06/2015 14:16:38
  • 8. Capítulo 6 - O valor da experiência - o PIBID na formação de uma professora ......................................................................................................97 Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 8 25/06/2015 14:16:38
  • 9. 9 Prefácio (…) escrever é primeiro um impor silêncio: calar as palavras da comunicação mais banal, a que responde às necessidades da vida mais banais, para buscar, em uma solidão silenciosa, o que não pode dizer: “...mas isto que não se pode dizer, é o que se tem que escrever”. (ZAMBRANO apud LARROSA, 2004, p. 35)1 A organização deste livro é a continuidade da escrita de um projeto que vem se consolidando nas universidades brasileiras, particularmente nos cursos de formação de professores. O PIBID assume um lugar na formação profissio- nal como uma ferramenta importante de intervenção na qualidade das escolas de educação básica, bem como contribui para com o processo formativo dos licenciandos frente à complexidade da organização do trabalho docente. O PIBID, ao assumir a formação de professores como questão nuclear, traduz o que Larrosa nos fala “sobre a sala de aula como um dos lugares da voz, como um dos lugares em que a palavra se diz viva voz, e se recebe de ou- vido, escutando atentamente” (2004, p.37). Nesses lugares ou, podemos dizer, nesse lugar onde professores e estudantes da universidade em parceria com professores e estudantes da escola vêm construindo um processo de escuta atenta, real e colaborativa, revestidos do intuito de compreender e trabalhar num processo pedagógico através do qual o binômio ensinar e aprender se faz por meio da escuta de muitas vozes. Este livro apresenta a experiência de vários projetos que objetivam rela- tar, de forma particular, os encontros vivenciados – encontros que resultaram em um processo de estudo, investigação e intervenção. Tal processo procurou superar simplificações, reducionismos, automatismos e ausências de bases teórico-metodológicas, que são encontrados ao longo desse processo de escuta entre saberes e fazeres do ofício de professor durante o processo formativo. 1 LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 9 25/06/2015 14:16:38
  • 10. 10 Algumas palavras contribuíram para dar voz ao silêncio, tendo como ponto de partida a reflexão e análise sobre os conteúdos acadêmicos e escolares na relação uni, multi e interdisciplinar, a concepção de ensinar e aprender, a organização escolar, a tarefa do professor na sala de aula, bem como os novos desafios para formação de professores. Essas palavras determinaram a imbrica- ção entre teoria e prática no desenvolvimento das ações propostas por projeto, uma vez que a experiência traduz “o modo de viver próprio desse vivente que é o homem [e que] se dá na palavra e como palavra” (LARROSA, 2004, p. 152). A experiência do PIBID, que se fez na escuta de si e do outro, revelada por meio de palavras que constituíram textos deste livro, transmutam significados num tempo e espaço de aprendizagens na relação entre o pensar, o sentir, o imaginar e o realizar em ações educativas de forma coletiva e interativa. As primeiras palavras… da escuta... A primeira escuta permite um olhar da relação do passado presente que constitui a leitura dos três primeiros volumes da coleção “Formação Docente em Diálogo”, produzida pelo PIBID-Unicamp. Nesse tempo do passado pre- sente, o PIBID é um programa marcado, no tempo de formação, como o tempo da novela, é um movimento que conduz à confluência de um ponto mágico (situado, assim, fora do tempo) de uma sucessão de círculos excêntricos. “[...] é o ponto magnético da confluência” (LARROSA, 1999, p.79)2 , que reúne, nos momentos da formação, pessoas, histórias, lugares, saberes que marcam sig- nificados na ação que transforma e reconstrói espaços e tempos de formação. O PIBID se nos apresenta como um programa que constrói e tenciona uma prática profissional que convive no processo de transformação, que vai constituindo uma ação pedagógica com base nos conhecimentos que compõem a formação profissional, por meio da reflexão sobre as políticas de formação de professores na busca da qualidade socialmente referenciada visando à for- mação plena do professor; a escola, como lócus de formação docente, expressa no compromisso da universidade com a escola, reconhece-se como espaço singular de aprendizagens, de produção de conhecimento, de vivência das relações sociais e, ao mesmo tempo, espaço de formação docente; e a iniciação à docência como a inserção do estudante de licenciatura em um conjunto de práticas próprias da profissão docente, realizadas dentro de um espaço concreto de ensino-aprendizagem. É importante destacar como o PIBID vem se configu- rando como espaço formativo por meio da valorização da formação docente. 2 LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. (2a ed.) Belo Hori­ zonte: Autêntica, 1999. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 10 25/06/2015 14:16:38
  • 11. 11 A segunda escuta ocorre a partir da reflexão sobre os modelos de docência que presidem o imaginário e a formação literária nos cursos de Licenciatura em Letras, frente aos novos desafios postos aos professores quanto ao traba- lho que realizam e à formação requerida por esse trabalho. Nesse processo, há uma busca incessante na produção do trabalho intelectual de ‘professores’ e ‘pesquisadores’, ou seja, na produção do intelectual do globetrotter e do promoter. O que esperar da formação literária do professor que trabalhará na escola? Que perspectiva de conhecimento literário, ou ainda, que repertório literário é desenvolvido na formação do professor de Letras? Qual o papel ético e humanizador da Literatura? São questões para análise que podem silenciar ou revelar o saber fazer pedagógico, marcado por uma linguagem própria na relação poética com o conhecimento, com o ensinar e aprender Literatura. A terceira escuta nos convida a refletir sobre a importância do brincar e da narrativa para o desenvolvimento do humano. Assim, somos informados como foidesenvolvidooprojeto“contação”emsuastrêsetapas:acontaçãodehistória, a conversa após a história e a atividade escrita, envolvendo bolsistas do PIBID, professores e estudantes da escola. Esse texto nos apresenta uma escuta que traz a fantasia, a imaginação, o sentir, o ouvir e a emoção como aprendizagens importantes para a formação humana da criança. Além disso, a importância do papel do professor que é o contador e condutor no desenvolvimento da atividade e sua disponibilidade para acolher os interesses e as necessidades da criança, bem como resgatar o aprender por meio da história oral que, ao longo da história da humanidade, foi a marca da referência de geração após geração na construção de narrativas. Escutar a história na relação entre quem ensina e quem aprende, é também experienciar o brincar com as palavras. A quarta escuta mostra como ocorre um processo reflexivo na interação entre escola-universidade, que se pautou por dois aspectos que estruturam a concepção de ensino: o alcance interdisciplinar do conhecimento e a comuni- cação transversais (ética, meio ambiente e diversidade cultural). Nessa reflexão, foram envolvidos os professores de História da escola e bolsistas do PIBID por meio de atividade de observação e intervenção na sala de aula do 6º ano do ensino fundamental II. Para tanto, o conteúdo de ensino abordado referiu-se à pré-história, enfatizando as teorias que tratam da evolução social e visando a que o ensinar e aprender ocorresse de forma interdisciplinar, ou seja, que na exposição dos conteúdos os estudantes pudessem aprofundar-se na experiência conjunta da dimensão biológica e histórica do homem. O conhecimento da pré-história nos reeduca a ver a unidade da qual viemos e com a qual nunca deixaremos de estar ligados. Pensar de forma crítica e interdisciplinar ainda é Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 11 25/06/2015 14:16:38
  • 12. 12 um desafio para todos, tanto no que refere à formação de professores, quanto no que se refere aos professores que estão na ativa na escola. Precisamos educar e reeducar a sensibilidade e a inteligência como uma forma de compreender a nossa trajetória biológica e histórica de destruição do meio ambiente e do outro. A quinta escuta deste livro pauta-se pela reflexão sobre a relação dialó- gica entre os conhecimentos escolares e científicos que compõem o ofício de professor. Assim, os elementos balizadores dessa escuta foram as práticas e reflexões desenvolvidas no processo de formação do professor pesquisador por meio do PIBID-Geografia. Os autores refletiram sobre a formação inicial do professor, compreendendo-a como um processo complexo, longo e inconcluso. Ao longo dessa compreensão, o desafio foi a possibilidade de experienciar a práxis no cotidiano escolar por meio da observação e intervenção de práticas curriculares dos professores e bolsistas, ou seja, o cotidiano escolar como lugar central de estudo e investigação. Esse mergulho trouxe novos significados e interpretações sobre o trabalho do professor, que potencializaram a formação profissional dos bolsistas. A sexta escuta é a marca da experiência: uma ex-bolsista do PIBID re- lata o seu ritual de passagem de estudante da licenciatura para professora de Educação Física. No primeiro momento, tece uma reflexão sobre o trabalho do estágio institucional e as ações desenvolvidas pelo PIBID na escola. No segundo momento, relata a experiência como bolsista na iniciação à docência. No ano de 2011, relata a participação em um projeto multidisciplinar com o objetivo de tematizar as relações humanas entre os diferentes sujeitos que compõem o cotidiano escolar, identificando problemas de violência, agressividade, bullying e outros preconceitos; e, no ano de 2012, relata a sua participação em um grupo constituído de alunos do curso de Educação Física e Dança, com uma abordagem voltada à construção de estratégias pedagógicas focando as relações de gênero dentro da escola, com ênfase nas aulas de Educação Física. O que resultou dessa experiência? A escuta da cultura dos jovens na escola para a melhoria do planejamento de ensino e a promoção de um ensino de Educa- ção Física mais inclusivo para as meninas, por ter vivenciado e relacionado as experiências de gênero no seu período de estudante. Essa escuta experienciada permitiu ressignificar a prática docente, oportunizando a formação de um(a) professor(a) consciente do seu fazer pedagógico. Ao escrever, com minhas palavras, sobre os autores e todas as vozes que experienciaram o PIBID, dialogo com Larrosa, que argumenta que a ex- periência é o que nos acontece, é atenção, escuta, abertura, disponibilidade, sensibilidade, exposição. Foi nessa experiência de compartilhar palavras que Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 12 25/06/2015 14:16:38
  • 13. 13 os textos foram compostos por meio da escuta de um processo formativo que tem a ética, a estética, a fantasia, a criatividade, a poesia como balizadores da emancipação do humano na interconexão de várias vozes que nos deixam uma melodia a ser lida. Continuando a escuta... boa leitura “e viagem em que ele [leitor] apren- derá sua própria leitura de si mesmo e do mundo, não é uma primeira viagem mas uma viagem que repete [renova] outras” (LARROSA, 1999, p.62). É nesse renovar-se que convido os leitores a experienciarem a leitura desses textos que foram construídos partilhando as palavras de muitas memórias que constituí­ ram o PIBID. Franciana Carneiro de Castro Centro de Educação, Letras e Artes Universidade Federal do Acre Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 13 25/06/2015 14:16:38
  • 14. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 14 25/06/2015 14:16:38
  • 15. 15 Apresentação É com grande satisfação que apresentamos o volume 4 da coleção “For- mação Docente em Diálogo”. A continuidade dessa coleção, que já inicia seu segundo ano, demonstra a potência do PIBID na produção de conhecimentos sobre a formação de professores. As ações de iniciação à docência em circulação na Unicamp têm possi- bilitado ricas interlocuções, levando-nos a um adensamento das experiências e reflexões sobre a formação docente. Neste livro, trazemos, sobretudo, as vozes dos coordenadores de área para a roda de conversa, sempre em diálogo com as múltiplas vozes que fazem parte da grande equipe do PIBID-Unicamp. Atualmente, temos um grupo composto por 244 bolsistas de iniciação à docência, 33 supervisores e 20 coordenadores de área, além dos colaboradores diretamente envolvidos com o Programa e outros profissionais da escola e da universidade que partilham com essa nossa equipe a busca por uma formação docente de qualidade. Mas, afinal, o que é uma formação docente de qualidade? Essa indagação comporta inúmeras respostas e, certamente, não temos a pretensão de respondê-la. Porém, ousaremos mencionar três aspectos que consideramos fundamentais: uma formação docente de qualidade precisa en- frentar a necessidade e a premência de se estabelecer uma intensa articulação entre teoria e prática; a necessidade e a premência de se instituir uma efetiva parceria entre a universidade e a escola pública; a necessidade e a premência de se constituir um fecundo diálogo colaborativo entre os sujeitos diretamente Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 15 03/07/2015 09:31:11
  • 16. 16 implicados na ação educativa (estudantes, professores e gestores das escolas; estudantes, professores e gestores da universidade). Sem sombra de dúvidas, o PIBID vem atuando diretamente nesse sentido, o que podemos constatar não somente por meio do trabalho desenvolvido nos inúmeros projetos realizados Brasil afora (compartilhados em eventos, publi- cações, sites, blogs, redes sociais etc.), como também a partir de investigações que avaliam os impactos do PIBID na educação brasileira. Bernardete Gatti et al (2014)1 desenvolveram uma ampla pesquisa sobre o PIBID, realizando uma análise qualitativa de questionários disponibilizados no sistema google-drive, os quais foram respondidos por mais de 20 mil partici- pantes dos diversos segmentos do Programa (bolsistas de iniciação à docência, supervisores e coordenadores). Com o objetivo de avaliar os significados do PIBID pela ótica de seus vários atores, os resultados da pesquisa apontaram tanto as conquistas já implementadas pelo PIBID, como sugestões e críticas voltadas, sobretudo, para o seu aperfeiçoamento. Observou-se que as respostas foram majoritariamente muito positivas e que o PIBID é bastante reconhecido e valorizado em todos os níveis como uma iniciativa que colabora para uma formação docente de qualidade. Dentre as inúmeras contribuições constatadas, no que se refere à relação entre as instituições de ensino superior e as escolas públicas, Gatti et al (2014, p.106) destacam que: • Favorece um diálogo mais efetivo entre a IES e a escolas públicas de educação básica, renovando práticas e reflexões teóricas. • Propicia avanço das pesquisas voltadas ao ensino. • Cria ações compartilhadas entre Licenciandos Bolsistas, Professores Super- visores e Coordenadores de Área com responsabilidades também compar- tilhadas. • Estimula e favorece o trabalho coletivo e/ou a interdisciplinaridade. • Mobiliza para a realização de feiras, mostras e eventos culturais em copartici- pação, dando visibilidade às realizações dos projetos e atraindo a participação dos alunos e licenciandos para as atividades propostas. • Cria espaço de discussão sobre as práticas docentes e sobre a formação de docentes entre a IES e as escolas. 1 GATTI, Bernardete A.; ANDRÉ, Marli E. D. A.; GIMENES, Nelson A. S.; FERRAGUT, Laurizete. Um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid). São Paulo: FCC/SEP, 2014. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 16 03/07/2015 09:31:11
  • 17. 17 • Renova a motivação dos professores e alunos da educação básica com a pre- sença dos Licenciandos Bolsistas. • Fortalece e valoriza o magistério e o trabalho do professor na escola. Podemos observar, no cotidiano das ações de iniciação à docência que acompanhamos aqui na Unicamp, que, de fato, assim como concluíram os autores desta pesquisa, “[...] o Pibid vem criando condições para um processo de formação consequente para o desenvolvimento profissional dos docentes de modo que possam participar do processo de emancipação das pessoas, o qual não pode ocorrer sem a apropriação dos conhecimentos” (GATTI et al, 2014, p.107). Nos capítulos que compõem esta obra, os leitores terão acesso a um conjunto de discussões que dão a ver a riqueza das propostas e conhecimentos desenvolvidos, como também os dilemas que os envolvem. No primeiro capítulo, convidamos a professora Alessandra Assis, coorde- nadora institucional do PIBID da Universidade Federal da Bahia e presidente do Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do PIBID (FORPIBID), para fazer uma análise do material produzido nos três primeiros volumes da coleção. Segundo a autora, os textos “[...] revelam a diversidade e a comple- xidade dos mecanismos criados pelo PIBID para atender o desafio de formar professores na contemporaneidade.” (p. 31) Afirma, igualmente, que se trata de uma obra que congrega visões “[...] dos diversos atores envolvidos com o Programa, criando condições para o diálogo entre o conhecimento produzido historicamente sobre a educação e os saberes que emergem de suas experiências em espaço-tempo concreto.” (p. 31) Nos quatro capítulos subsequentes, os coordenadores de área e seus co- laboradores conduzem-nos a diferentes itinerários reflexivos, a partir de temas relacionados à literatura e à formação humanista dos estudantes de letras; à ousada tarefa de se tornar um professor contador de histórias; ao desafio do ensinodepré-históriaesuaspossibilidadesinterdisciplinaresnumtrabalhocom conteúdos transversais; e às práticas e reflexões sobre o processo de formação do professor pesquisador no contexto do ensino de geografia. Por fim, no último capítulo, é a vez de uma professora da rede pública de ensino, ex-bolsista de iniciação à docência, compartilhar o valor da experiência no PIBID para sua formação profissional. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 17 03/07/2015 09:31:11
  • 18. 18 Venham conosco conhecer essas experiências e reflexões e, quem sabe, inspirar-se nessa escuta, como nos convidou a professora Franciana Castro que prefaciou este volume, cujos sentidos e significados não estão dados, mas aguar- dam para serem produzidos nesse encontro dialógico entre leitores e autores. Boa leitura! Eliana Ayoub Coordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais do PIBID-Unicamp Elaine Prodócimo Coordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais do PIBID-Unicamp Guilherme do Val Toledo Prado Coordenador Institucional do PIBID-Unicamp Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 18 03/07/2015 09:31:11
  • 19. 19 PIBID e os novos modos de formar professores: uma leitura da experiência na Unicamp Alessandra Santos de Assis1 Coordenadora Institucional do PIBID-UFBA Introdução Este texto traz reflexões elaboradas a partir do conteúdo da coleção “Formação Docente em Diálogo”. Foram analisados os três primeiros volumes dessa obra, produzidos pelo PIBID-Unicamp em 2014. O convite foi recebido como uma honra, embora tenha delimitado um tempo bastante curto para a entrega da versão final. O encurtamento do tempo parece uma condição da vida contemporânea, que impacta o mundo acadêmico. Nos acostumamos a ver museus de grandes novidades e nos damos conta de que o tempo não para, como dizia o poeta. Uma cultura marcada pela acelerada circulação e produção de informações e bens, por mudanças velozes de valores e costumes. Tudo aqui e agora, em uma imbricação complexa entre o local e o global. Na contemporaneidade, aliar rigor científico às demandas por respostas rápidas requer novos aprendizados. Assim como os vírus que vêm ameaçando a vida no planeta, os problemas da educação rapidamente adquirem grandes proporções e complexidade. Em meio ao turbilhão de acontecimentos, segui- mos aprendendo a nos equilibrar sem deixar de tomar uma atitude, de correr riscos, de cometer erros. Agindo conscientemente, a compreensão sobre a realidade se aprofunda e, com isso, requalificamos a própria ação. Uma demanda emergencial deu origem ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), criado em 2007 pelo Governo Federal e implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O Programa foi motivado pela escassez de professores da 1 Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 19 06/07/2015 09:07:27
  • 20. 20 educação básica formados em áreas de conhecimento específicas2 . Por isso, voltou-se inicialmente para o apoio às áreas de Física, Química, Matemática e Biologia. O Programa foi apresentado por meio de edital que convidava as Ins- tituições de Ensino Superior (IES) a participarem da empreitada. Entre os objetivos iniciais estavam: a preocupação em valorizar o magistério, com vistas a incentivar os estudantes que optam pela formação docente; promover a cooperação entre universidades e escolas como condição para a formação docente comprometida com a qualidade da educação básica, entre outros. Na prática, um projeto institucional elaborado na IES e aprovado na Capes passou a oferecer bolsas para licenciandos desenvolverem atividades formativas nas escolaspúblicas,sobacoordenaçãodeumprofessorda licenciaturaesupervisão de um professor da educação básica3 . Condicionado ou não pela oferta de bolsas, é fato que o Programa vem ganhando destaque. O crescimento do número de bolsas tem sido exponencial. Além disso, o Programa foi incorporado ao texto da Lei 9.396/96 - Lei de Dire- trizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Também foi incluído no Decreto 6.755/09, que dispõe sobre Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, e citado na Lei 13.005/14, que aprova o Plano Nacional de Educação 2014-2024. Por outra via, é notória a presença do PIBID nos espaços tradicionais de socialização de conhecimento sobre a educação, bem como a presença de seus representantes em diversos fóruns, contribuindo com as discussões sobre a formação docente. Um aspecto predominante no PIBID é a centralidade da escola pública como lócus de construção de conhecimento e de formação crítica, uma vez que importa formar professores conscientes das contradições que marcam o seu campo de atuação. Nesse espaço de aprendizagem, ao mesmo tempo em que se revelam o descaso com as camadas mais populares e seu direito à educação, configura-se a postura de resistência e propositividade, fazendo desse espaço um lugar de potencialidades latentes, uma escola viva. Com o PIBID na escola, novos modos de aprender, ensinar, pensar, trabalhar e conviver passaram a fazer parte da profissionalização do professor. 2 O Censo Escolar de 2013 mostra que chega a 67,2% o percentual de professores dos anos finais do Ensino Fundamental no Brasil que não têm licenciatura na disciplina que ensinam. No Ensino Médio, a parcela de docentes sem a formação adequada é de 51,7%. 3 Constam na Portaria CAPES 096/2013 mais informações sobre o Programa; seus objetivos; características dos projetos institucionais; atribuições das instituições envolvidas; moda- lidades e quantitativos de bolsas; requisitos e deveres dos bolsistas, entre outros assuntos. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 20 25/06/2015 14:16:38
  • 21. 21 Trata-se de uma nova cultura de formação, produzida coletivamente e vivida com intensidade. As reflexões sobre a experiência sistematizadas na coleção “Formação Docente em Diálogo” são, portanto, uma fonte importante para compreender e se posicionar diante dessa nova realidade. O ato de interpretar e de expressar uma leitura particular da coleção parte de três considerações hermenêuticas fundamentais. A obra foi tomada como um evento em si, produto e processo histórico, plena de valores, im- bricada com um novo modo de agir e pensar no campo da formação de pro- fessores. A obra foi compreendida como um canal polifônico que mobilizou, reuniu, harmonizou e veiculou as diferentes vozes dos diversos atores que dão sentido à experiência construída no PIBID-Unicamp. Os textos foram lidos em um movimento de ir e vir, em um estado de interlocução perma- nente, que desafiava qualquer pressuposto inicial, suscitando identificações e estranhamentos. Assim, nesse diálogo com os autores da coleção, propomos uma reflexão em três movimentos: análise do contexto das políticas de formação de profes- sores; exame da escola (e sua centralidade) como lócus de formação docente; por fim, um diálogo com as ações e concepção de iniciação à docência. A formação de professores enquanto política para a melhoria da qualidade da Educação A formação docente para a educação básica é objeto de debates, um território de disputas que requer atenção e prudência, visto que estão em jogo concepções de sujeito, de conhecimento, de educação e de sociedade. Por um lado, vozes se levantam em defesa da educação como um direito do cidadão, certas de que conhecer significa poder, pois instrumentaliza o sujeito a agir com discernimento e a participar ativamente da vida em sociedade. Por outro lado, prevalece a tendência de manutenção de uma sociedade hierarquizada e marcada pelas desigualdades, cujas relações são reproduzidas na escola. Discursos dos diversos setores sociais atribuem incontestável valor à edu- cação, mas no cotidiano das escolas predomina a precariedade e indiferença. O trabalho docente é considerado indispensável para qualidade do ensino, mas, de modo ambíguo, os professores são submetidos a condições desumanas de trabalho. A sua formação também é objeto de controvertidas soluções, ações emergenciais, pontuais, desarticuladas, descontínuas. São contradições a serem problematizadas, especialmente quando falamos da formação de professores da escola pública, lugar para onde converge a maior parcela da população. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 21 25/06/2015 14:16:38
  • 22. 22 Para pensar sobre o quanto estamos avançando e em que direção, é essencial dialogar com o ponto de vista apresentado por Helena Freitas (Vol.2)4 . Certamente, o processo histórico no qual estamos inseridos aponta como inadiável a formulação de uma política nacional de formação, profissio- nalização e valorização dos educadores. Nessa perspectiva, o enfrentamento dos desafios estruturais da educação, vinculados ao modo como formamos os professores, requer, de fato, uma ação sistêmica, metódica, planejada, contínua, regular. Vale retomar brevemente os quatro princípios centrais anunciados pela referida autora para a construção de tal política. É fundamental que haja a expansão da formação de professores nas universidades, invertendo os números de oferta de vagas em instituições não universitárias e privadas, não necessariamente interessadas em compor um sistema de educação. O desafio não é só quantitativo, mas precisamos formar mais e melhor, o que implica busca da qualidade socialmente referenciada visando à formação plena do professor. Para a melhoria das condições de trabalho/estudo, uma educação de qualidade requer investimento público destinado ao sistema público de ensino.Orquestrarosistemapensadodessemodorequerampliaraparticipação dos diversos atores envolvidos, para que tomem parte no processo decisório e atuem na gestão democrática das ações de formação de professores. Assim, para além de medidas burocráticas, o compromisso social da uni- versidade com a escola pública inclui: a ampliação e diversificação da oferta de cursos de licenciatura com base nas demandas sociais; a necessidade de apoio para a permanência de estudantes nesses cursos; o estímulo ao ingresso dos jovens no ensino médio; a reforma dos currículos; o acolhimento das demandas por universalização da educação infantil e ensino médio, bem como educação em tempo integral; o fortalecimento das Faculdades de Educação como ele- mento articulador dos demais Institutos das áreas específicas, corresponsável pela integração da pesquisa à formação; a abertura à participação dos sujeitos em formação na gestão do currículo, em prol da formação crítica que estimule 4 Aqui e ao longo do texto, autorizamo-nos a mencionar os nomes dos autores que contribuí- ram para a coleção “Formação Docente em Diálogo”, bem como indicamos entre parênteses o volume da obra em que o seu texto está publicado. Tal “desobediência” aos cânones da citação bibliográfica nos pareceu a forma mais adequada de apresentar reflexões em diálogo, ao estilo das rodas de conversa de Freinet, em uma abstração que representa o desejo de sentarmos juntos e em círculo, contarmos novidades, ouvirmos opiniões, avaliarmos o que foi feito, planejarmos juntos as próximas ações, participarmos efetivamente do processo de construção do conhecimento sobre o PIBID. Em todo caso, as informações sobre cada texto consultado estão descritas nas referências bibliográficas. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 22 25/06/2015 14:16:38
  • 23. 23 o olhar investigativo e ajude na construção da autonomia do professor; amplia- ção de oportunidades de socialização das experiências, entre outros aspectos. Quando analisa o PIBID, considerando o contexto das políticas de formação de professores, Helena Freitas (Vol.2) levanta aspectos relevantes a serem considerados, como: expansão equitativa do PIBID, dando oportunidade de acesso a todos que escolhem o curso de licenciatura; maior envolvimento dos professores de tais cursos, responsabilizando todo o corpo docente com o processo formativo dos licenciandos, bem como definindo claramente o papel específico dos coordenadores de área; reconhecimento da função de co- -formador exercida pelos professores da educação básica como parte de sua carreira docente; articulação do PIBID a outras iniciativas e fomento e apoio à formação, promovendo o enraizamento do Programa na política de formação de professores na universidade; gestão participativa que favoreça a dimensão política da formação do professor, a ser vivenciada desde a universidade. Educar com dignidade as crianças, jovens e adultos das camadas popu- lares é uma ação atrelada ao modo como formamos e apoiamos os atores do trabalho docente. É possível reunirmos esforços por uma formação docente universitária realizada com a devida prudência diante das pressões e embates que não deixarão de existir. Se surgiu como uma ação pontual, com o tempo o PIBID parece criar condições que extrapolam as intenções originais, pro- blematizando a fragilidade das soluções anteriores, analisando criticamente os seus pressupostos, compreendendo o modo como foram produzidas e atuando no sentido de sua superação. Um aspecto importante nessa discussão é a articulação entre o PIBID e o currículo das licenciaturas. Edson Pfutzenreuter, Milena Quarttrer e Giova- na Delegracia (Vol.3) fazem referência à contribuição dos estudos feitos nas disciplinas do currículo para a atuação dos bolsistas de iniciação à docência na escola. Entretanto, a disciplina estágio é recorrente alvo de comparações que apontam, na verdade, dificuldades oriundas da falta de institucionalização e apoio para a sua realização, sem que a relação de complementaridade com o PIBID seja evidenciada. A formação plena e de qualidade precisa ser defendida como um direito dos licenciandos e compromisso da universidade, concreti- zada em projeto político pedagógico para as licenciaturas, no qual a prática de iniciação à docência é parte integrante do currículo. A formação docente pode ser reinventada na medida em que envolve ações articuladas e comprometidas com mudanças estruturantes na educação. Isso não significa deixar de cuidar das questões emergenciais, o que agravaria os problemas hoje vivenciados. O desafio consiste em formar-se sem deixar de Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 23 25/06/2015 14:16:38
  • 24. 24 comprometer-se com o momento histórico, sem deixar de mirar o horizonte de transformações estruturais, a ser construído coletivamente, pedra sobre pedra, com vistas a uma sociedade efetivamente democrática. Parafraseando Santos (2006), acreditamos que uma formação prudente tem relação direta com uma educação decente. A escola como lócus de formação docente Hélder Eterno da Silveira (Vol.1) argumenta que o nome do Programa não reflete a sua dimensão e amplitude. Mais que dar apoio com o pagamento de bolsas, os agenciamentos produzidos pelo PIBID, por meio do trabalho de diversos atores reunidos em torno do projeto institucional, alteram o cenário da formação de professores no ensino superior, envolvendo a escola pública e os professores da educação básica, articulando cursos de licenciatura no interior da universidade, dando condições para a materialização de ações pedagógicas concebidas coletivamente. Na mesma linha, Guilherme Prado e Eliana Ayoub apontam o sentido de inovação do Programa dado pela “acurada articulação criativa entre escola básica e a universidade” (Vol.1, p.27). De fato, a centralidade da escola públi- ca como lócus da formação docente é uma condição significativa no bojo do trabalho realizado no PIBID. É nessa dimensão que se expressa o compro- misso da universidade com a escola, reconhecendo-a como espaço singular de aprendizagens, de produção de conhecimento, de vivência das relações sociais e, ao mesmo tempo, espaço de formação docente. Nesse lugar, a ação docente ganha sentido, criando condições para a efetiva reflexão, pesquisa, crítica e inovação e os saberes docentes, de caráter plural, são continuamente mobilizados, atualizados e reconstruídos. Valorizar a escola pública é o mesmo que defender o direito à educação plena, umas das questões centrais no pensamento de Anísio Teixeira. Sua visão de mundo e de educação se traduziu em ideias e ações que marcaram a história, rompendo com a ideia de que educação é um privilégio, provando que outra escola é possível, diferente daquela que prevalecia no Brasil à sua época. Defendia que na escola pública as camadas populares teriam acesso ao ensino de qualidade, que se faz pelo trabalho e não pela exposição oral e reprodução verbal, pois a formação na escola deveria servir para desenvolver o hábito de pensar, fazer, trabalhar, conviver e de participar de uma sociedade democrática. Teixeira (1994) preconizava uma escola pública de tempo integral, proposta materializada com a construção da Escola Parque. Voltada para a formação Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 24 25/06/2015 14:16:38
  • 25. 25 plena e integrada a um conjunto de escolas “classe” direcionadas para ensino do currículo tradicional, tal escola foi pensada como um espaço concreto de estudo, trabalho, recreação e arte, uma escola enraizada no meio local, dirigida e servida por professores da região, identificada com seus costumes. Remonta ao pensamento desse autor, ainda, a importância de um siste- ma de educação. Na sua visão, um sistema centralizado que prestaria serviço à escola, dando apoio a suas realizações, orientadas pelo projeto pedagógico elaborado pela escola, ainda que de acordo com diretrizes gerais. Alinhando-se a essa perspectiva, implementar o PIBID exigiu uma relação mais horizontal com o poder central que definiu diretrizes e destinou recursos, cabendo às instituições de ensino superior elaborar um projeto próprio, identificado com demandas locais. O diálogo e a divisão de responsabilidades diferenciam o PIBID de outras propostas de formação de professores baseadas em decisões centralizadas, padronizadas e universalizantes. Entretanto, apesar dos avanços, sabemos que mudanças não são simples, com destaque para as escolhas sobre o que ensinar. A crise na educação é es- trutural, resultado do processo histórico de embates entre diferentes visões de mundo. Movida por contradições, a organização da escola revela a prevalência das forças mais conservadoras. É forte a sensação de que estamos aprisionados na escola, sem livre acesso à vida. Os conteúdos, métodos, recursos e processos vividos na escola são insuficientes para formar pessoas aptas a enfrentar os desafios do nosso tempo. Nesse lugar, o conhecimento é tratado como mer- cadoria e a experiência formativa é fragmentada. Contudo, ampliar a interação entre universidade e escola para formar professores altera estruturas e transforma as relações entre sujeitos na escola. Experiências realizadas no PIBID revelam alterações na visão de mundo dos licenciandos, que passam a ter uma percepção ampliada e sensível aos modos de vida dos atores sociais presentes na escola e aos modos de organização da instituição escolar. Sobre isso, o bolsista de Física, citado por Maria Inês Petrucci Rosa, assim se expressa: “aprendi a observar os alunos [...] e assim entendê-los melhor [...] aprendi que há muito mais em um ambiente escolar do que eu imaginava...” (Vol.1, p.47). Parte do aprendizado a ser construído diz respeito a perceber a hetero- geneidade como marca de uma realidade educacional complexa. Para além de uma experiência formativa concentrada em uma escola idealizada como modelo, os contrastes evidenciados por meio do PIBID nos autorizam a falar em escolas, no plural. Lidamos com escolas de localidades variadas, com dis- tintos perfis socioeconômicos, interesses, finalidades, condições de trabalho, Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 25 25/06/2015 14:16:38
  • 26. 26 relações entre sujeitos. Ao mesmo tempo, como dizem Vicente Alves e Vanessa Diniz (Vol.1), as escolas inseridas numa totalidade social, situadas numa dada cidade, no país e no planeta, conectando a sala de aula como parte do espaço geográfico local e global e apontando para necessária ruptura com a rigidez e os reducionismos ainda preservados pelos professores. Mais que definir um referencial teórico em relação ao qual classificamos cada escola como mais ou menos adequada, para refletir sobre fracassos e contrastes, os estudos já sis- tematizados nos ajudam a formular perguntas. Dessa forma, empreendemos esforços para compreender melhor cada realidade específica, o modo como é produzida nas ações cotidianas de sujeitos históricos. Esse é um dos caminhos para pensar em possibilidades de superação no sentido de formar, nas escolas, sujeitos que contribuam para uma sociedade mais justa. Santos (2005) alerta que o princípio a ser afirmado é o compromisso da universidade com a escola pública. A partir daí, trata-se de estabelecer mecanismos institucionais de colaboração através dos quais seja construída uma integração efetiva entre formação profissional e prática de ensino. Essa não é uma tarefa simples, pois não são raros os conflitos entre a universidade e a escola. Mas a integração tem início desde quando nos perguntarmos sobre que professores queremos formar para atuar em que escola, criando condições para a construção coletiva de um projeto de formação de professores articulado e comprometido com o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico da escola. O PIBID desestabiliza estruturas cristalizadas, mobilizando saberes dos licenciandos e professores formadores, afetando a experiência formativa de ambos. Para a sua operacionalização é mister que tanto a escola quanto a uni- versidade sejam compreendidas em suas limitações, mas instigadas em suas potencialidades. A superação dos problemas que comprometem a qualidade do ensino e da formação de professores pode ser construída conjuntamente, dando sentido ao trabalho docente enquanto ação de sujeitos históricos que defendem um projeto de educação e de sociedade, bem como formam e transformam-se. Afinal, o que é iniciação à docência? Após caracterizar o PIBID-Unicamp, Guilherme Prado e Eliana Ayoub apresentam ideias-chave para compreender a prática de iniciação à docência. Tomam como pressupostos a importância de pensar nas pessoas, nas relações humanas como parte do processo de construção de conhecimento, no encontro entre visões de mundo como parte da formação. Assim, apontam a conexão Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 26 25/06/2015 14:16:39
  • 27. 27 entre iniciação à docência e o compromisso com uma nova cultura formativa no processo de profissionalização docente, “assentada no diálogo entre os sujeitos da escola e de outros espaços educativos e os sujeitos da universidade, todos com seus saberes e conhecimentos, múltiplos, diversos, plurais”. (Vol.1, p.19) Essa perspectiva nos aproxima da proposta de Freire (1967) de pensar a educação como prática de liberdade. O diálogo e a interação ativa entre seres humanos eram para ele a condição essencial para a conscientização acerca do mundo e seus problemas, bem como para o desenvolvimento da criticidade, objetivos da prática educativa. O processo dialógico, voltado para a respon- sabilidade social e política da educação, ao estimular formas de vida interro- gadoras, inquietas e dialogais, em oposição a formas de vida “mudas”, liberta o sujeito, contribui com a construção da autonomia, destinando-o à própria humanização. Tal experiência formativa, vivenciada no bojo de uma nova cultura anunciada pelo PIBID, revela novos modos de aprender a ser professor. Na experiência relatada por Dolores Assaritti, Flávia Ferreira e Rebeca Miguel (Vol.1), o ato de “estar na escola”, de modo pleno, apoiado por um projeto de formação no qual o bolsista é o próprio autor, desperta inquietações. O contato possibilita estranhar o ritmo caótico, interagir com a comunidade escolar, reconhecer os alunos, contribuir para a reorganização do espaço físico e dinamização do ensino, a ponto de sentir-se em casa. Os diferentes modos de interação vivenciados no espaço-tempo escolar dinamizam o processo de identificação do futuro professor com a sua profissão, fazendo-o dialogar com costumes, práticas, saberes, normas, implicando-o em seu contexto específico e dando início a um processo de comprometimento por meio do qual ele torna- -se um autêntico professor. Nesse conjunto de práticas, condições especiais e diversificadas são cria- das para o empoderamento do licenciando como sujeito da própria formação. Rogério Adolfo Moura (Vol.1) faz referência ao desempenho de funções de ges- tãoentrebolsistas,indicandoocaráterformativodapráticadeauto-organização no processo de iniciação à docência. Na narrativa de Dolores Assaritti, Flávia Ferreira e Rebeca Miguel (Vol.1) aparece uma segunda condição essencial: o trabalho colaborativo no Programa cria uma rede de apoio mútuo, amparando o licenciando nas suas primeiras descobertas, surpresas, choques em relação à complexa tarefa de educar no mundo contemporâneo. Elaine Prodócimo e Eliana Ayoub (Vol.2) evidenciam a observação como ponto de partida para compreender, acolher, humanizar, instaurar nova ética das relações na escola, bem como destacam a afetividade como ingrediente da formação e prática do- Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 27 25/06/2015 14:16:39
  • 28. 28 cente. Adriana Mendes e Patrícia Cesar (Vol.3) falam das trocas que precisam fazer para ouvir as preferências musicais dos alunos e propor novas referên- cias para os mesmos. Assim, de modo contínuo, o licenciando é instigado a desenvolver o hábito de “reparar”, pensar, compartilhar, conviver, negociar, arriscar, experimentar, refletir e agir, cada vez mais, de modo consciente, crítico, propositivo e – porque não? – apaixonado. Provocando a pensar no papel das teorias, em especial da Sociologia, nas práticas de iniciação à docência, Andreia Galvão (Vol.1) ressalta a importância de aprender até mesmo com o que não dá certo. Se nem sempre as atividades propostas pelos bolsistas alcançam os resultados esperados, a situação viven- ciada precisa ser mais bem compreendida, o que exige e aciona o instrumental teórico, bem como a escuta sensível e a atitude ética, buscando agir e pensar com discernimento. Os “fracassos” mostram que somos seres humanos, portanto inacabados. Também evidenciam que o processo histórico não está sob controle unicamente das boas ou más intenções individuais e nem é, simplesmente, determinado por forças maiores que estão fora da escola. Essa compreensão coloca os problemas como objetos de reflexão coletiva, implicando atores co- -responsáveis pela sua produção, significação e superação. Aprender com a docência é ter consciência e assumir uma postura inves- tigativa própria do ser professor. As reflexões de Bruno Hayashi, Cinthia Santos e Paulo Lisboa (Vol.2) mostram que uma iniciação à docência marcada por errâncias e inquietações é também oportunidade de aprimorar o olhar crítico e de compreender e lidar com o que está instituído na escola, tornando-se ele próprio um sujeito instituinte, capaz de forjar novas práticas, até mesmo após o período de formação inicial, quando assume o papel de professor iniciante na carreira. A curiosidade, a indagação, a busca e a pesquisa fazem parte da natureza da docência, sugerindo que na sua formação permanente o profes- sor “se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”, conforme anuncia Freire (1996, p.32). Ou seja, não há dicotomia, não se trata de uma qualidade ou uma característica que se encaixa no ser professor, pois é ele próprio um pesquisador. Tal perspectiva nos ajuda a pensar na experiência relatada por Ana Ar- changelo e Tagiane Luz (Vol.2), que tem como pano de fundo a tendência de articulação entre universo da pesquisa acadêmica e das práticas investigativas na escola. Aqui, vale a ressalva de que a escola não é um laboratório, os alunos não são objetos de pesquisa, nem supervisor e bolsistas são meros assistentes. A aproximação entre pesquisadores universitários e professores das escolas pode implicar empoderamento para que ambos possam observar, intervir e Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 28 25/06/2015 14:16:39
  • 29. 29 contribuir com o avanço da produção e difusão do conhecimento, como relata Néri Almeida (Vol.3) sobre os colóquios entre historiadores, autores de livros didáticos e bolsistas. Nessa articulação, o desafio está em desenvolver práticas investigativas baseadas na autorreflexão coletiva, visando à compreensão e mudança da própria realidade, como nos sugere a pesquisa-ação proposta por Thiollent (2009). Para isso, parece indispensável uma cultura de colaboração entre pesquisadores e professores, que pode ter início na própria universidade, vista como espaço de formação plena. O PIBID provoca a pensar uma concepção de formação universitária de professores, conforme idealizava Teixeira (1994). Ele percebia a universidade como um campo de vivência cultural para os professores em formação, um espaço onde politização e produção científica seriam inseparáveis, o lugar do diálogo entre diferentes campos de conhecimento e oportunidade de vivenciar a intersecção entre ciência, filosofia e prática pedagógica. Mais que isso, a forma- ção se daria por meio de mecanismos de enraizamento e comprometimento da universidade com a sociedade, em especial na sua articulação com a escola real. A metáfora do enraizamento remete à noção de trabalho em rede, cujos indícios podem ser observados nas ações em andamento no PIBID. Adriana Rossi (Vol.2) mostra como é possível passar de um trabalho iniciado entre um dos grupos de bolsistas, partindo da escolha de um tema, para um processo de mobilização ampliada que inclui outros programas de formação da universi- dade e professores que atuam nas escolas da cidade e, para além dela, ganha o mundo por meio da internet. André Albino de Almeida (Vol.2) refere-se ao potencial agregador do PIBID por unir pessoas com formação em diferentes áreas de conhecimento e fases da carreira profissional. Nesses e em outros casos, vemos operações que dependem e são potencializadas por conta da implicação entre os elementos envolvidos. O trabalho e a formação em rede são constituídos por ações integradas e dinâmicas. Essas ações são realizadas por meio de relações mais horizontais, que se revelam interdependentes, operam em colaboração, articulam uma plu- ralidade de saberes, compõem um sistema aberto a novas conexões e atraem mais e mais participação. Considerando as reflexões de Castells (1999) sobre as redes como nova morfologia social, cuja lógica modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos, de experiência, enfim, de poder, podemos supor a radicalidade das articulações inauguradas com o PIBID. Assim sendo, um imperativo para o exercício da iniciação à docência numa lógica de rede é, sem dúvida, a apropriação crítica e criativa dos meios de produção e socialização de informação com uso de tecnologias. A ênfase Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 29 25/06/2015 14:16:39
  • 30. 30 dada à produção de vídeos no texto de Edson Pfutzenreuter, Milena Quarttrer e Giovana Delegracia (Vol.3) confirma o que Pretto (1996) propõe sobre as tecnologias de informação e comunicação: que tais tecnologias constituam-se em elementos estruturantes de uma nova forma de ser, pensar e viver, colocar- -se diante do mundo, criando condições para que sejamos autores e não meros consumidores de informação. Em especial pela iniciativa dos bolsistas, as ações do PIBID naturaliza- ram a interação entre atores, bem como a produção e socialização de ideias com o uso dos mais diversos dispositivos tecnológicos. São aplicativos de trocas de mensagens nos celulares, uso de redes de relacionamento, canais de veiculação de vídeos, web conferências, uso de ambientes virtuais de aprendizagem, grupos de discussão, dispositivos de produção simultânea e colaborativa, entre outras. Temos aí oportunidade de exercitar novas formas de ensinar, bem como de tornar-se professor-autor. O espírito de autoria presente no PIBID coloca em debate, ainda, a noção de tecnologias como processos inovadores. Néri Almeida (Vol.3), por exemplo, faz referência ao sucesso das sessões de trabalho pedagógico com duração máxima de vinte minutos. Helena Altmann, Juliana Jacó e Simone Fernandes (Vol.3) citam a introdução de atividades circenses e a prática de jogos coletivos não familiares para os alunos, a exemplo do futebol americano, como modo de envolver meninos e meninas, quebrando a barreira do gênero para o desenvolvimento de uma cultura corporal de movimento. A capacidade de inovação também se faz presente na medida em que o conhecimento sobre a realidade é uti- lizado de modo a gerir os recursos disponíveis e condições dadas de modo diferenciado, rompendo tradições. As experiências vivenciadas no PIBID são singulares, dificultando qualquer tentativa de delimitarmos um conceito universal que abarque a diversidade de ações realizadas. Contudo, acreditamos que a iniciação à docência pode ser definida como a inserção do estudante de licenciatura em um conjunto de práticas próprias da profissão docente, realizadas em um espaço concreto de ensino-aprendizagem, para as quais deverá contri- buir com sua reflexão crítica, propositiva e teoricamente fundamentada, ao mesmo tempo em que vivencia a dimensão científica, técnica, filosófica, política, afetiva e humana de sua formação. Ainda que não seja suficiente para traduzir as singularidades das relações estabelecidas no processo de formação docente desencadeado no cotidiano das escolas, tal definição poderá ser útil para nos confrontarmos com outras elaborações e fazermos avançar a compreensão coletiva sobre o termo. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 30 25/06/2015 14:16:39
  • 31. 31 Considerações finais A formação de professor parece ganhar um novo sentido quando busca estar mais articulada com o fazer docente que ocorre na escola. A escola é o espaço de encontro, de mobilização do pensamento, de estudo sistemático do conhecimento acumulado pela humanidade, de reflexão sobre a vida, sobre o outro e sobre si mesmo. É um espaço vivo e pulsante que reúne uma diversidade de sujeitos em diferentes fases de desenvolvimento, com diferentes papéis e funções. É hoje referência indispensável para a formação humana, bem como para o exercício da educação como um direito. Assim, reafirmamos, como princípio essencial a ser assumido pelo PIBID, o compromisso da universidade com a escola pública, considerando a centralidade da escola como lócus de formação de professores em nível superior. Os textos apresentados na coleção “Formação Docente em Diálogo” revelam a diversidade e a complexidade dos mecanismos criados pelo PIBID para atender o desafio de formar professores na contemporaneidade. É uma obra que reúne pontos de vista dos diversos atores envolvidos com o Programa, criando condições para o diálogo entre o conhecimento produzido historica- mente sobre a educação e os saberes que emergem de suas experiências em espaço-tempo concreto. São discutidos os principais problemas observados na escola, incluindo a precariedade, o desinteresse pelos estudos, a indisciplina, a faltadepreparodosprofessores,ofracassoescolar.Tambémsãocompartilhadas as visões de sociedade, conhecimento, formação e currículo que norteiam as ações realizadas. Sem dúvida, em que pese todo esforço empreendido até aqui, há muito trabalho a ser feito. É fato que existem demandas estruturais do campo da formação de pro- fessores e ação docente. Na verdade, herdamos problemas cuja origem remonta à constituição da educação e sociedade brasileira, nas suas diferentes fases. Uma sociedade desigual produz uma educação com base em privilégios para uma minoria. A formação de professores voltada para a educação pública vem sendo assunto de pouco importância, a não ser pela necessidade de manter a maioria sob controle e ocupada, servindo como força de trabalho útil à manutenção da sociedade e conservação das relações sociais. Assim, tratar de tais demandas implica em refazer as bases da formação dos professores, ressignificando o próprio sentido da profissão docente e da educação. Certamente, tal reconstrução depende de ações concretas e intencionais, direcionadas por um plano comprometido com um novo começo, já que não é possível desfazer o passado. Embora essa não seja uma tarefa simples, Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 31 25/06/2015 14:16:39
  • 32. 32 criamos mais dificuldades quando, na parte que cabe à nossa atuação, não percebemos a interdependência entre as ações, não compreendemos o caráter processual e histórico de cada ato, deixamos de compartilhar o que pensamos/ fazemos ou não dedicamos tempo para “ler” e dialogar com a experiência do outro. O trabalho em comum a ser ampliado no PIBID é uma condição para alinharmos ideias, estendendo a compreensão sobre a realidade que temos, definindo mais claramente a realidade que queremos (e podemos) construir juntos. O PIBID deu início a um processo de valorização da formação docente que mobilizou o principal recurso de que dispomos: as pessoas. O Programa foi recebido com entusiasmo pelos inúmeros formadores antes desarticulados e desamparados no interior das universidades. Mais que isso, trouxe à cena o professor da educação básica, antes secundarizado como sujeito co-formador. Deu, ainda, condições mais favoráveis à permanência e atendeu às inquietações de jovens que antes decidiam ingressar em licenciaturas, mas só se deparavam com a questão sobre o que é ser professor no final de sua formação. É a intera- ção entre estes atores que constrói, cotidianamente, novas possibilidades para um trabalho articulado entre universidade e escola e uma formação docente mais significativa. Ademais, o Programa estabeleceu como alvo novas articulações entre teoria e prática como parte de um projeto integrado de formação do pro- fessor. Como consequência, a iniciação à docência vem sendo concebida e concretizada por meio de ações diversificadas, do trabalho colaborativo, do diálogo entre sujeitos e seus saberes, da observação do cotidiano das rela- ções e do trabalho na escola, da ação docente reflexiva, da formação de um professor-pesquisador. O complexo conjunto de ações e estratégias é também um exercício de reagrupar saberes no sentido de compreender as relações pedagógicas e atuar na escola. Desse modo, as práticas vivenciadas no PIBID constroem, pouco a pouco, novos modos de fazer e pensar a educação e a formação de professores. Ao evidenciarmos as lições tiradas das tantas experiências, temos a sensação de que, para além dos resultados objetivamente obtidos no PIBID, estamos apurando o nosso senso crítico e trilhando novos caminhos possíveis. Mais do que uma ação pontual, o PIBID se traduziu em um movimento que vem gerando impac- tos significativos, apontando para uma nova cultura de formação. O professor nunca estará pronto, mas o sentimento é o de que estamos vivenciando um processo de formação plena, uma formação em rede. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 32 25/06/2015 14:16:39
  • 33. 33 Referências bibliográficas ALMEIDA, André. O potencial aglutinador do PIBID no Colégio Técnico de Limeira (COTIL). In: AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: construindo parcerias entre a universidade e a escola pública.ColeçãoFormaçãoDocenteemDiálogo.Campinas,SP:EdiçõesLeitura Crítica, 2014, Volume 2, p. 97-107. ALMEIDA, Néri. Do estágio escolar à docência assistida. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: ampliando horizontes na formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 3, p. 19-32. ALTMANN, Helena & JACÓ, Juliana & FERNANDES, Simone. Educação Física Escolar e gênero: construindo estratégias pedagógicas através do PIBID. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: ampliando horizontes na formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 3, p. 33-46. ALVES,Vicente&DINIZ,Vanessa.PIBID-Geografia:repensandoopapeldoprofessor e das práticas geográficas escolares. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, p. 91-108. ARCHANGELO, Ana; LUZ, Tagiane; SANTOS, Bárbara; GALLO, Francieli; FABRICIO, Ricardo. Contribuições de uma área para ‘o brincar’ em salas de aula do ensino fundamental. In: AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 2, p. 35-52. ASSARITTI, Dolores; FERREIRA, Flávia; MIGUEL, Rebeca. PIBID e formação docente: ideias e reflexões sobre o subprojeto Multidisciplinar da Unicamp. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, p. 75-90. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1997. CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. FREIRE,Paulo.Educaçãocomopráticadeliberdade.RiodeJaneiro:PazeTerra,1967. . Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 33 25/06/2015 14:16:39
  • 34. 34 FREITAS, Helena. O PIBID e as políticas de formação e valorização profissional do magistério. In: AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID- Unicamp: construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 2, p. 17-34. GALVÃO, Andreia. Entre a reflexão e a prática: os desafios do subprojeto PIBID de Sociologia. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID- Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, p. 51-74. HAYASHI, Bruno; SANTOS, Cinthia; LISBOA, Paulo. Entre a instituição e os sujeitos: reflexões sobre a prática docente equilibrista. In: AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 2, p. 109-131. MENDES, Adriana & CESAR, Patricia. O subprojeto Música do PIBID-Unicamp. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: ampliando horizontes na formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 3, p. 111-124. MOURA, Rogério. PIBIDIMPLICAÇÕES: co-laborar, criar e fazer a gestão do conhecimento. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, 109-119. PFUTZENREUTER, Edson; QUARTTRER, Milena; DELEGRACIA, Giovana. Produçãodevídeosnasaulasdeartes–umaexperiênciaemmídialiteracy. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: ampliando horizontes na formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 3, p. 93-109. PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana. PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura de valorização da profissão docente. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, p. 17-34. PRETTO, Nelson. Uma escola com ou sem futuro. Campinas, SP: Papirus, 1996. PRETTO, Nelson & PINTO, Cláudio da Costa. Tecnologias e novas educações. Revista Brasileira de Educação, v.11 n.31, p.19-30, jan./abr. 2006. PRODÓCIMO, Elaine & AYOUB, Eliana. Relações Humanas e Cotidiano Escolar: experiências interdisciplinares no PIBID-Unicamp. In: AYOUB, Eliana & PRADO, Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 34 25/06/2015 14:16:39
  • 35. 35 Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 2, p. 73-96. ROSA, Maria Inês. Identidades docentes fragmentadas em experiências interdiscipli- nares na área de Ciência da Natureza no Ensino Médio. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, p. 35-50. ROSSI, Adriana. O PIBID e a licenciatura em química num contexto institucional de pesquisa química destacada: cenário, dificuldades, perspectivas. In: AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 2, p. 53-71. SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2006. . A universidade no séc. XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. Educação, Sociedade & Culturas, n. 23, p.137-202, 2005. SILVEIRA, Hélder. Prefácio. In: Guilherme do Val Toledo & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Coleção Formação Docente em Diálogo. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, Volume 1, p. 09-12. TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2009.  Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 35 25/06/2015 14:16:39
  • 36. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 36 25/06/2015 14:16:39
  • 37. 37 Aquém da literatura: o declínio da formação humanista e os estudantes de letras1 Marcos Lopes2 Coordenador de Área do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp Instituto de Estudos da Linguagem Introdução Pois o campo de estudo das ciências é hoje tão extenso, que aquele que, com boas disposições, mas não excepcionais, quer aí produzir algo, se consagrará a uma especialidade muito particular e não terá qualquer preocupação com todas as outras. Se na sua especialidade está acima do vulgus, para tudo mais, quer dizer, para tudo que é importante, não se mostra diferente deste. Assim, um erudito, exclusivamente especializado, se parece com um operário de fábrica que, durante toda a sua vida, não faz senão fabricar certo parafuso ou certo cabo para uma ferramenta ou uma máquina determinada, tarefa na qual ele atinge, é preciso dizer, uma incrível virtuosidade. (NIETZSCHE, 2003, p.64) I – Do erudito provinciano ao intelectual globetrotter Para pensar a questão do ensino da literatura, na formação dos bol- sistas do PIBID, cabe apresentar, ainda que nos limites deste trabalho, 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no “I Seminário de Ensino de Língua Portuguesa e suas Literaturas na Universidade Federal de Lavras”, em 04/09/2014. O seminário teve como tema “O ensino de língua portuguesa e literatura no contexto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)” e foi uma realização conjunta da UFLA e Unicamp. 2 Professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 37 06/07/2015 09:09:49
  • 38. 38 quais são os modelos de docência que presidem o imaginário e a formação literária nos cursos de Licenciatura em Letras. Pequenos gestos aparen- temente inócuos, em sala de aula, no período de formação do graduando, formam modelos de conduta que impregnarão a maneira de pensar, sentir e agir do corpo discente. Lembro de um professor, em minha graduação de filosofia, que tinha o hábito de religiosamente, antes de começar sua preleção, retirar o relógio do pulso e colocá-lo em cima da mesa. Ao final da aula, ele novamente apanhava- -o e o recolocava no pulso. É óbvio que o gesto de retirar e recolocar o objeto no pulso não se limitava a uma idiossincrasia pessoal, mas pretendia indicar, de maneira inequívoca, que o docente tinha o controle sobre o tempo de sua exposição. Porém, desconfio, ao rememorar a situação, de que o gesto men- cionado ensinava aos ouvintes que a organização da matéria, em um tempo determinado,eraumvalorpedagógicoaserseguido.Nãoseisemeuscolegas,ou aqueles que seguiram a carreira do magistério, incorporaram o hábito descrito acima, mas qual não foi minha surpresa quando me dei conta, em um dado momento do meu exercício docente, que repetia o mesmo gesto. Imagino que coisas mais complexas moldam a conduta do profissional da educação; ocorre que, nos limites deste artigo, não me cabe fazer uma descrição densa3 dos vários dispositivos culturais responsáveis pela construção da identi- dade social. Corre-se sempre o risco, em situações de diagnóstico pedagógico, da reflexão se encaminhar para o relato burocrático (uma descrição objetiva das observações das experiências docentes) ou para a narrativa proselitista (a construção de um sentido positivo da conduta eficiente do docente). Evitarei o relato anódino ou a narrativa testemunhal. Contudo, em um primeiro mo- mento, um leve traço autobiográfico estará presente nas ideias que submeterei à apreciação dos leitores. Faço parte de um departamento de estudos da literatura que historica- mente formou alguns nomes importantes para o cenário acadêmico. O habitus desse departamento, para usar uma terminologia de Pierre Bourdieu, vê com um sobrolho franzido quem se dedica a ensinar literatura ou apenas se preocupa com o mundo do ensino. A tarefa de pensar a formação literária no ensino superior e seu impacto na escola fundamental estaria a cargo das disciplinas ministradas pelos professores da Faculdade de Educação. Essa disposição para tratar o ensino da literatura como tarefa precípua dos pedagogos colocaria de partida uma linha divisória entre o mundo da erudição, atividade cimeira dos 3 Sobre o conceito de descrição densa, conferir: GEERTZ, 2011, p.03-21. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 38 25/06/2015 14:16:39
  • 39. 39 que se comprometem com a pesquisa, e a realidade escolar, espaço destinado às intervenções pedagógicas. O capital simbólico que todo docente herda, ao ingressar nas instituições universitárias, permite que ele invista ou aposte suas fichas naquilo que lhe dá mais visibilidade acadêmica: a pesquisa científica ou a formação de grupos de trabalho a partir de eixos específicos de investigação. Esse capital simbólico, com lastro na lógica atual da produção científica, dificilmente se transforma em capital político capaz de influenciar os rumos da escola pública. Pelo con- trário, a divisão social do trabalho intelectual, que justapõe “professores” e “pesquisadores”, acentua essa lógica perversa; no mais ele constitui apenas um espelho do modo de produção de uma sociedade capitalista, em que os traba- lhadores mais qualificados não se reconhecem como parte de uma categoria geral: o professor. Diante da importância relativa do ensino nos cursos de humanidades e do aprofundamento da lógica da especialização na produção do conhecimento, cabe perguntar sem rodeios: o que fazer? Se para alguns docentes, a erudição se apresenta como a última trincheira capazderepresarorelativismodevastadordomundopós-moderno,paraoutros docentes, é preciso se ajustar às transformações da vida contemporânea. Esse ajuste se encarna na disposição faceira para viajar o mundo como intelectual globetrotter. Mas o que é o intelectual globetrotter? É aquele professor que a tarde está em Paris falando da cultura caipira ou da prosa metafísica de Clarice Lispector para uma plateia seleta na Sorbonne, e, no dia seguinte, pode estar no Japão discorrendo sobre o vínculo entre bossa nova e a classe média carioca. O modelo exitoso de docência para a juventude, que ingressa nos cursos de humanidades, corresponderia grosso modo à seguinte imagem: deve-se, para sobreviver com dignidade no ambiente acadêmico, estar sintonizado com o circuito internacional, circular pelas feiras literárias super chics, ser um con- vidado dos congressos mais badalados da sua área de formação e manter um contato com um círculo de virtuoses do mundo artístico. A erudição, em seu sentido clássico, que durante algumas décadas mo- delou o perfil do professor de literatura, cede lugar à função do “professor promoter”, que, não dispondo mais de tempo para lustrar seu espírito com as luzes da tradição, se joga na eufórica empreitada de publicar, para não perecer, e aparecer, para não deixar de ser. Waters (2006, p.51) faz um retrato preciso da situação do intelectual contemporâneo: “O estudioso típico se parece cada vez mais com a figura retratada por Charlie Chaplin em seu Tempos moder- nos, trabalhando louca e insensatamente para produzir”. A imagem fílmica Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 39 25/06/2015 14:16:39
  • 40. 40 do operário apertando parafusos em uma fábrica é um símile perfeito da ideia de especialização e produção em série. Mas, enquanto no filme a imagem do operário condenado à rotina de apertar parafusos é confrontada com a figura ingênua do vagabundo, em Waters a hiperprodução acadêmica produz para- doxalmente a alienação do trabalhador intelectual e a obsessão pelo status quo. Nesse quadro de inflação teórica e de progressiva desvalorização do valor do trabalho intelectual, quem ainda se aventurasse em realizar uma reflexão sobre o ensino de literatura estaria desperdiçando os melhores anos de sua vida ou conspurcando os melhores neurônios do seu cérebro. E por quê? Porque justamente, ao contrário do operário de Tempos modernos, cuja experiência espacial está condicionada à rotina do chão da fábrica, o “professor promoter” dos tempos hiperoupós-modernonãoestá presoà imobilidadedoseugabinete, do seu campus universitário ou da sua província natal, mas de metrópole em metrópole, de vitrine em vitrine, com a velocidade dos mega bits das conexões digitais, ele circula sem cerimônia no cyber espaço e nas redes turbinadas de contatos pessoais. O desenho sucinto dos dois tipos de docentes me fez pensar que o ensino de literatura, nos cursos de licenciatura em Letras, goza de uma triste sina: 1. Ou é capitaneado por um campo especializado, que está up to date com as teorias e práticas do mercado acadêmico; 2. Ou é solenemente ignorado pelo etos da erudição, que dá como favas contadas a derrota e a destruição da escola pública. II – A paliçada e a militância Qual o problema desses dois extremos? O campo especializado, que eu diria ser comandado em parte pela linguística, pela teoria literária pós-estrutu- ralista ou por certa sociologia da literatura, põe na berlinda o privilégio cultural que se atribuiu comumente ao estudo da literatura. Para ser mais brutal, esse campo rebaixa o estatuto do texto literário ou horizontaliza os gêneros textuais a tal ponto que tanto faz ler Cinquenta tons de cinza ou Memórias póstumas de Brás Cubas. Mas há outro desafio, para o jovem estudante, e aí a saraivada de balas vem da frente sociológica, que resolve a questão do conceito e da função da literatura, por um lado, com base na ideia de que não existe uma proprieda- de ontológica e sagrada da literatura4 , um destino especial e heroico para ela 4 Essa posição encontra sua síntese cabal no livro de Márcia Abreu (2006, p.40). Tome-se, como exemplo, a seguinte passagem de seu livro “Cultura letrada”: “Para que uma obra Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 40 25/06/2015 14:16:39
  • 41. 41 no mundo ocidental, mas ela é simplesmente o resultado das práticas sociais, que definem o que é ou não é literatura. Por outro lado, tal literatura, sendo produto direto de uma prática social, tanto pode emancipar quanto manter o indivíduo em estado de menoridade. Essa ambiguidade do texto literário (emancipar ou inculcar os valores de uma sociedade) deve ser desmascarada sem piedade. É preciso fazer um escrutínio rigoroso da homofobia, do racis- mo e da misoginia presentes em muito dos nossos clássicos, antigos livros de cabeceira das famílias mais respeitadas. Faço aqui uma caricatura proposital, porque vejo justamente nessa situa- ção parte do problema do ensino da literatura. Por quê? Porque eu me pergunto qual o horizonte de interesse de um estudante de Letras que se aproxima hoje do universo literário. Não é o do erudito. Seria o do militante, ou como diziam maldosamente na década de 1980, o do linguista da “libertação”, referência à teologia da libertação, vertente da intelectualidade católica disposta a ler os textos bíblicos em um confronto radical com a realidade social? Mas qual seria a caricatura possível do erudito (o segundo extremo do nosso problema)? É aquele sujeito preocupado como uma formação humanista a longo prazo, com a preservação de um patrimônio cultural5 , base dessa forma- ção, e avesso à especialização que funda os saberes modernos (o conhecimento científico). O erudito ambiciona um saber total e é capaz de opinar sobre quase tudo (da política local às últimas viagens espaciais da NASA). É de se perguntar: o leitor vestiria essa carapuça? Creio que não. Além do mais, esse erudito integral, historicamente não é mais possível, caso con- sidere com seriedade o excerto citado de Nietzsche no início deste trabalho. Entretanto, haveria a figura do erudito especialista. Em outras palavras, é aquele estudante que desde sua iniciação científica se especializa em um as- sunto e leva adiante tal projeto em outras etapas de sua formação (mestrado e doutorado). literária seja considerada Grande Literatura ela precisa ser declarada literária pelas chama- das ‘instâncias de legitimacão’. Essas instâncias são várias: a universidade, os suplementos culturais dos grandes jornais, as revistas especializadas, os livros didáticos, as histórias literárias etc.”. Esvazia-se a literatura de qualquer propriedade ontológica ou de qualquer pretensa universalidade. O valor literário torna-se algo tão contingente como o hábito de escovar os dentes todos os dias ou a posição da micção masculina: é uma prática cultural e social. 5 Vale a pena registrar que o perfil do “erudito especialista”, o profissional que se aprofun- dou em um autor ou tema e manteve uma linha de coerência irrestrita em seu percurso acadêmico, é o que tem mais chances de financiamento para as suas pesquisas futuras junto aos órgãos de fomento. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 41 25/06/2015 14:16:39
  • 42. 42 Portanto, se o primeiro extremo horizontaliza a prática de leitura do texto literário, supostamente democratizando o acesso ao bem cultural; o segundo, verticaliza; a tal ponto que apenas um grupo de seres excepcionais possui talento, competência e gênio para receber o bafejo da musa. Daí que o aluno que persevera nos estudos literários é quase um escolhido dos deuses do Olimpo, enquanto aquele que se encaminha convicto ou ceticamente para o magistério do ensino fundamental é tido como o proletário das letras. Ele será apenas o professor de língua portuguesa. III – Conclusão ou três proposições a respeito do ensino de literatura 1 Ensinar literatura não deve ser uma tarefa para especialistas. Essa primei- ra proposição solicita uma investigação acurada a respeito do modo como os alunos são formados nos cursos de Letras das instituições privadas ou públi- cas. Isso implicaria fazer algumas perguntas a respeito do currículo, do modo como a literatura é abordada nas disciplinas e até que ponto elas não estariam subordinadas estritamente ao campo de investigação do docente. Defender que o estudo da literatura deveria evitar a especialização precoce significa a defesa de uma formação humanista ampla e integral, que coloque a literatura em perspectiva interdisciplinar com os vários saberes das humanidades. O primeiro desafio seria repensar o peso da formação linguística para o profis- sional de Letras, questão espinhosa e que mexe diretamente com a formação e a política científica da área. 2 O repertório de textos literários deve ser o mais amplo possível6 , sem preconceitos ou juízos a priori. Esta segunda proposição incide em outra questão espinhosa, a saber, a formação e a avaliação do gosto estético, assim 6 A ideia de uma ampliação de repertório pressupõe a existência de uma formação mínima em literatura. Os depoimentos dos bolsistas PIBID-Letras/2011 e 2014 e as observações realizadas nas escolas parceiras indicam que a questão não é quantitativa: expor os alunos a uma diversidade de gêneros textuais, mas qualitativa e de princípios: por que expô-los a tais textos? De certa forma, para responder essa questão, o conceito de democracia é, no espaço escolar, conditio sine qua non para a construção de um projeto de formação literária. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 42 25/06/2015 14:16:39
  • 43. 43 como enfrenta a vetusta questão do cânone literário7 . Haveria um conjunto de livros indispensável para a formação do aluno? Ou a estabilidade de uma tradição literária só existe como resposta ou problematização de uma dada circunstância histórica e social? Ou o cânone, antes de ser uma lista rígida de livros, apresentaria um grau de patamar estético que uma certa tradição conquistou? Não deveríamos nos cursos de Letras ler os best sellers e entendê- -los como pontes para uma leitura dita mais exigente ou complexa? Contudo, todas estas questões apresentadas só são possíveis porque emergem de um contexto histórico marcado pela democracia de massas e a conquista dura e incontornável de direitos iguais para todos os cidadãos. 3 A leitura literária deve contemplar a construção da alteridade e da iden- tidade, bem como proporcionar ao leitor uma experiência afetiva e intelectual da condição humana em toda a sua complexidade. Mas como isso é possível no espaço escolar? Um dos desafios mais prementes para o professor de literatura é a qualidade do material didático, dos métodos de aprendizagem e dos objetivos que presidem o ensino fundamental primeiro e segundo ciclo e médio. Seria exagero dizer que essa situação pedagógica reflete as condições de formação no ensino superior, uma vez que, se o professor analisar com atenção, perceberá que as abordagens didáticas dos textos literários desconsideram a acumulação crítica de décadas de investigação no ensino superior, embora sempre se possa questionar que não se trata de ignorância, mas da incapacidade de comuni- cação dos dois universos; se os livros didáticos não desconsideram o que se faz na universidade, a abordagem via de regra está relacionada ao estudo da língua portuguesa; se eles desconsideram a acumulação crítica, acabam por proporcionar ao aluno, no ensino médio, a velha historiografia baseada em movimentos literários ou estilos de época. O que importa, efetivamente, não é o déficit crítico, conceitual ou teóri- co entre a produção acadêmica e os manuais escolares para o aprendizado de 7 Um debate consistente sobre a questão do cânone encontra-se em Haquira Osakabe e Ligia Chiapinni (2006) e Leyla Perrone-Moisés (2000). Guardadas as diferenças entre os autores, assim como o público a que tais textos se destinam, pode-se extrair uma posição comum quanto à defesa da especificidade do literário e do cânone como um padrão de patamar estético. A revisão que Haquira Osakabe propôs dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, no que diz respeito ao ensino da literatura, discute a tradição não como objeto de culto, mas na perspectiva de uma tensão dialética entre o passado e o presente. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 43 25/06/2015 14:16:39
  • 44. 44 literatura. Supor isso, como causa precípua da destruição da apreciação estética na escola pública, significaria, de um lado, superestimar as virtudes da teoria e a legitimidade inconteste de um campo de investigação sujeito, como qualquer outro, aos interesses e às rivalidades políticas. Por outro lado, seria condenar os professores das escolas públicas a súditos da universidade, como se eles estivessem alijados de qualquer possibilidade de reflexão autônoma. Talvez a questão de fundo não seja nem mesmo o anacronismo historiográfico, que orienta ainda a abordagem da literatura no ensino médio. A questão decisiva é aquela que Todorov, de modo consistente e provo- cador, apresenta no livro “A literatura em perigo” (2009), que curiosamente foi muito pouco comentado em nossas licenciaturas. Trata-se do declínio da formação humanista para os estudantes de Letras e a consequente incapacidade de elaborar um sentido para o texto lido. A orientação ética, que não é sinônima de regra moral, mas implica a capacidade de sondar as várias possibilidades de conduta, proporcionada pela leitura literária, estaria sendo sequestrada das novas gerações de leitores. To- dorov justamente adverte para o custo da hiper teorização ou do nivelamento do texto literário aos demais gêneros textuais. A eficácia simbólica da leitura literária se mensuraria por essa capacidade antropológica que a narrativa, a poesia ou o drama possui na construção da alteridade, regra de ouro para a fundação de uma comunidade, e da identidade pessoal ou coletiva, fator in- dispensável ao que chamamos de “humanização”. Esse papel humanizador da literatura, que não se trata de educar seres humanos bonzinhos, mas de colocá-los frente a frente com a instabilidade e as contingências no processo de formação da identidade subjetiva, também é lembrado de maneira contundente por Michèle Petit (2008, p.157): Mascomtodaavontadededessacralizarasletras,muitosdaquelesqueclamavam por mudanças, muitos daqueles que as puseram em prática, esqueceram que a habilidade desigual de manejar a linguagem não sinaliza simplesmente uma posição mais ou menos elevada na ordem social. E que a linguagem não é um simples veículo de informações, um simples instrumento de “comunicação”. Esqueceram que a linguagem diz respeito à construção dos sujeitos falantes que nós somos, à elaboração de nossa relação com o mundo. E que os escritores podem nos ajudar a elaborar nossa relação com o mundo. Não devido a uma inefável grandeza esmagadora, mas ao contrário pelo desnudamento extremo de seus questionamentos, por nos oferecerem textos que tocam no mais profundo da experiência humana. (...) Ao privilegiar as técnicas de decifração do texto, as abordagens inspiradas na semiologia e na linguística aumentavam a distância em relação aos próprios textos. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 44 25/06/2015 14:16:39
  • 45. 45 Ao identificar o tratamento que a literatura recebeu após a ascensão meteórica dos estudos linguísticos nos cursos de Letras, Michèle Petit não está de forma alguma questionando a importância dessa área na formação do leitor literário, mas tocando no ponto nevrálgico que constitui a relação sub- jetiva desse leitor com o mundo do imaginário construído pela arte literária: a produção de sentido, que toda obra humana busca realizar, ao enfrentar e encarnar o duro desejo de durar. Cabe aos formadores dos futuros docentes em Letras a pergunta: qual o perfil do aluno, com formação literária, que se deseja em uma Licenciatura em Letras? Referências bibliográficas ABREU, Márcia. Cultura letrada. Literatura e leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006. BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.239 p. (Orientações curriculares para o ensino médio; Volume 1, Revisão crítica de Haquira Osakabe e Ligia Chiapinni Moraes Leite). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf. Acesso em 09 de julho de 2014. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2011. JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Trajetória Cultural, Editora da Universidade de São Paulo, 1990. NIETZSCHE, Friederich. Escritos sobre a educação. Trad. Noéli Correia de Melo Sobrinho. Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Editora Loyola, 2003. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Consideração intempestiva sobre o ensino da literatura. In: Inútil poesia e outros ensaios breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.345-351. PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura. Trad. Celina Olga de Souza. São Paulo: Editora 34, 2008. TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança. Publicar, perecer e o eclipse da erudição. Trad. Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora da UNESP, 2006. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 45 25/06/2015 14:16:39
  • 46. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 46 25/06/2015 14:16:39
  • 47. 47 Algumas considerações sobre a difícil tarefa de se tornar um professor contador de histórias Ana Archangelo1 Coordenadora de Área do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp Faculdade de Educação Aletéia Eleutério Alves Chevbotar Colaboradora do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp Introdução É vasta a literatura que afirma a importância do brincar e da narrativa para os processos de significação do existir humano, ou seja, para o desenvol- vimento do sujeito (WINNICOTT, 1975; BION, 1991; SAFRA, 2006; FERRO, 2005; BENJAMIN, 2002). A escola, embora supostamente preocupada com o desenvolvimento dos alunos, raramente reconhece tal importância, o que se evidencia no cotidiano do ensino fundamental que, desde os primeiros anos, submete-os a objetivos de aprendizagem e a rotinas organizadas em torno de atividades pedagógicas excessivamente estruturadas e, não raras vezes, pou- co significativas. Em muitas ocasiões, o brincar e o narrar espontâneos são confundidos com indisciplina e considerados indesejáveis, pouco contando a importância vital de tais atividades para os pequenos. Ao longo da última década, acompanhamos e investigamos alunos de ensino fundamental I, com severas dificuldades de aprendizagem (ARCHAN- GELO, 2007, 2010; ALVES, 2010) e identificamos forte correlação entre tais dificuldades e a dificuldade para brincar e narrar. E não por acaso. Se os proces- sos de significação nascem e se consolidam por meio do brincar e do narrar, é esperado que a aprendizagem dependa dessas atividades e com elas contribua, posto ser ela mesma um processo de significação. 1 Professora da Faculdade de Educação da Unicamp Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 47 25/06/2015 14:16:39
  • 48. 48 A inquietação provocada pela constatação de que “crianças que não aprendem” são, geralmente, as mesmas que “não conseguem brincar ou construir uma narrativa própria” levou-nos a conceber o PIBID-Pedagogia no contexto do PIBID-Unicamp, iniciado em 2011. A finalidade foi a de promover espaços para o brincar e para o narrar na rotina escolar, de modo a contemplar todas as crianças e, em especial, aquelas que “não aprendiam”, “não brincavam”, e “não narravam”. Nos primeiros dois anos, foi introduzido o “momento para o brincar”2 , em dez salas de 1º a 5º ano de uma escola pública de Campinas. Em 2013, a “contação” veio, progressivamente, somar-se ao “brincar”. Atualmente, são onze turmas de 1º a 5º anos dessa mesma escola que, uma vez por semana, se aproveitam dos baús de brinquedos, dos livros de histórias infantis, do espaço físico especialmente preparado e, fundamentalmente, da presença de adultos significativos – como os bolsistas e as professoras de classe –, para usufruir desse espaço diferenciado de fruição, interação, imaginação, manifestação e elaboração de conflitos e de criação de um existir pleno de sentido. Dia a dia, as crianças nos dão provas de que essas oportunidades são vitais para elas. O espaço físico, o tempo, os objetos e a presença convertem-se em experiência de viver, em possibilidade de expansão das possibilidades de ser e de estar no mundo (VILLELA & ARCHANGELO, 2013) e, consequentemente, de aprender. O presente artigo tem, contudo, a finalidade modesta de refletir apenas sobre a necessária formação do bolsista PIBID, futuro educador, para que a experiência de contação se dê em sua máxima potência. Oque chamamosde“contação”noprojetoenvolvetrêsetapas:a contação da história propriamente dita – que pode ser lida ou contada de memória –, a conversa após a história e a atividade escrita. Assim como ocorre com o professor na escola, os bolsistas planejam antecipadamente as atividades e avaliam o seu desenvolvimento em sala de aula. A cada encontro com as turmas, os bolsistas elaboram um relatório com a descrição pormenorizada das atividades, das reações das crianças, das con- versas que a história evocou, e de como essas foram conduzidas pelos bolsistas. Em reuniões semanais, as atividades planejadas e os relatórios são discutidos, assim como textos de literatura especializada. Eventualmente, uma das coor- denadoras do projeto acompanha diretamente a atividade de contação. Uma das turmas é acompanhada sistematicamente. 2 Sobre essa etapa do projeto, ver Capítulo 2 (“Contribuições de uma área para ‘o brincar’ em salas de aula do ensino fundamental”) do Volume 2 desta coleção. Miolo_Coleção PIBID volume_04_CS 6.indd 48 25/06/2015 14:16:40