O documento descreve a história inicial do Sítio Conceiçãozinha em Guarujá. Os primeiros habitantes da região eram provavelmente indígenas como os Tupinambás, Tupiniquins e Carijós. Posteriormente, jesuítas estabeleceram uma missão na área. Os primeiros moradores do sítio surgiram no início do século XX, quando a região ainda era coberta por densa mata Atlântica.
Cosipamente: O marketing ambiental feito pela poluente siderurgica Cosipa
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - Guaruja Parte 2
1. SÍTIO CONCEIÇÃOZINHA EM GUARUJÁ
Carlos Eduardo Vicente
Primórdios do Sítio Conceiçãozinha
Espaço Geográfico
Distante aproximadamente um quilômetro da margem de
Santos, do Estuário, cerca de dois quilômetros da Ponta da Praia
em Santos e algo em torno de seis quilômetros da Estação das
Barcas de Vicente de Carvalho, o Sítio Conceiçãozinha, segundo
relatos de moradores mais antigos, já foi muito maior do que é
hoje. Depoimentos atestam que o hoje Sítio, no inicio do século XX
abarcava os bairros de Prainha, Jardim Boa Esperança, metade do
Pae Cara e da Vila Áurea, partes do Morrinhos e Vila Zilda, e ainda
os próprios Sitio e Jardim Conceiçãozinha, uma área que
representaria algo próximo à metade de Vicente de Carvalho
(Itapema)1.
Com o tempo, essa área foi sendo dividida e deu origem aos
bairros acima citados, e hoje, o Sitio Conceiçãozinha está restrito a
uma área de aproximadamente 450.000 metros quadrados, que seria
o equivalente a cerca de 450 metros de largura por um quilometro
de comprimento. Esta é a área ocupada pela população, o que
representa apenas metade da área total da parte conhecida como
Sitio Conceiçãozinha, pois como é claramente visível no mapa2, a
área ocupada vai somente até o rio Santo Amaro, e, no entanto a
1
Nome indígena tupi guarani, como é vulgarmente conhecido Vicente de Carvalho pela população em
geral; significa “pedra quebrada”, “muita pedras”.
2
Segue em anexo, ao final do primeiro capitulo o mapa nº 1 com localização geográfica especifica da
comunidade, no Sítio Conceiçãozinha, e o mapa nº 2 com a localização da comunidade inserida na área
dita como parte da comunidade pelos moradores (mapas de 2001).
1
2. área do Sítio vai até a linha férrea, beirando a avenida Santos
Dumont.
“... como aqui era uma mata muito grande, o que a gente entendia até a década de
1960, ou 59, por aí, a Conceiçãozinha era uma faixa muito grande, ela era aqui do Rio
Santo Amaro, perto aonde é o Yate3 hoje, ela ia até o Morro Alto nessa torre de alta
tensão grande, que já tem aqui em Vicente de Carvalho, ela ia até lá, tanto que a
Prainha, o bairro de Prainha se chamava Prainha do Sitio Conceiçãozinha, então, se
vê que o Sitio Conceiçãozinha, a Prainha é uma parte do bairro do Sítio
Conceiçãozinha, que atravessava pela linha de transmissão das torres, varava ali pela
Base Aérea, Vila Áurea, Pae Cara, Monteiro da Cruz, Boa Esperança e ia
compreendendo até lá embaixo, né, ia até o Morro Alto (bairro hoje conhecido como
morrinhos)”.4
O fragmento retirado de um dos moradores mais antigos do Sítio, e sem dúvida o
mais antigo individuo contatado com conhecimento do bairro exemplifica bem o tipo de
noção territorial vigente, pois outros moradores também fazem referência ao tamanho
do bairro como sendo de envergadura similar. Porém não podemos deixar de frisar o
fato de que na época descrita não havia parâmetros tão específicos para caracterizar os
bairros descritos, pelo menos em Guarujá (haja vista que os locais em que se
localizavam os bairros citados atualmente como fazendo parte do Sitio Conceiçãozinha
na época descrita eram somente uma grande mata). Podemos sim afirmar que o que
existia em Vicente de Carvalho era uma pequena faixa urbana próxima a Estação das
Barcas onde se concentravam o comércio e grande parte da população, e que existiam
alguns sítios espalhados pelo resto de Vicente de Carvalho (Itapema).5 Além do que,
algumas áreas foram nomeadas sem uma territorialidade especifica, o que justificaria o
tamanho conferido pelos moradores ao Sítio Conceiçãozinha.
Outro ponto importante, com certeza seria o fato de que é perceptível, quando do
depoimento dos moradores mais antigos, o apego e o carinho com que tratam a
comunidade principalmente em seus primeiros anos, o que se reflete em praticamente
todos os depoimentos como um fator de engrandecimento da comunidade.
3
Todas as vezes que nos depoimentos de moradores estiverem referindo-se ao Yate, trata-se do Yate
Clube de Santos, localizado no bairro Ponta da Praia.
4
“Seu Dito”, morador do Sítio Conceiçãozinha há cerca de 40 anos.
5
Segue em anexo, ao final do primeiro capitulo o mapa nº 3 com localização geográfica especifica da
comunidade, no Sítio Conceiçãozinha no ano de 1960, e o mapa nº 4 com a localização da comunidade
inserida na área dita como parte da comunidade pelos moradores.
2
3. O bairro Sítio Conceiçãozinha se encontra localizado em Vicente de Carvalho,
distrito de Guarujá, na ilha se Santo Amaro, litoral paulista, cerca de 23o de latitude sul e
46o de longitude Ocidental, distando 83 quilômetros de São Paulo.
O Guarujá tem limites ao Norte com o município de Santos, pelo estuário de
Santos, e ao Sul e Leste com o Oceano Atlântico. Possui uma área de 139 quilômetros
quadrados, dos quais como já foi dito, 0,5 quilômetros quadrados pertencem ao “Sitio
Conceiçãozinha”, e tem uma população de aproximadamente 260 mil habitantes, sendo
que algo em torno de 1,5% dela, está no “Sítio”.6
Chega-se ao Sítio Conceiçãozinha pela avenida Santos Dumont, seguindo de carro,
da Estação das Barcas, até cerca de cinco quilômetros, onde se entra à direita e se segue
mais um quilômetro até o inicio da comunidade, ou por via marítima, através de
embarcação pela Ponta da Praia em Santos ou outro atracadouro de embarcações da
região.
Hoje o bairro está encravado entre os terrenos das empresas Cargill, Cutrale e Dow
Química, tendo as ruas todas de terra. Ainda não possui rede de esgotos, porém já tem
iluminação e água potável.
A formação de toda a orla do bairro é de vegetação de manguezais em adiantado
estado de degradação, tanto pelo efeito de substâncias químicas lançadas pelas empresas
instaladas no estuário, quanto pelo esgoto e lixo doméstico e dos navios que vem com
as cheias e fica depositado nas margens do bairro e na margem oposta do rio Santo
Amaro, em área de vegetação ainda de mangue.7
Primeiros Habitantes
“... muita gente anda ali e não vê, não, e eu sei onde tem as três campas8, até
Newton falou pra mim que quer um dia ir lá, para mim mostrar pra ele onde que é
essas três campas, e eu sei onde que é, tem até duas fechadas e uma aberta. Aqui
também, uma vez, faz anos quando também desmataram isso aqui, foi a primeira vez
quando quiseram invadir, a portuária não deixou ninguém invadir, eu acho que tinha
6
Arquivo do IBGE e Censo de 2000.
7
Arquivo da ONG Coletivo Alternativa Verde – CAVE, e observação da área em questão.
8
Campa – forma como é vulgarmente conhecida a sepultura na região do litoral de São Paulo. Campas –
plural de campa.
3
4. uma campa aqui também, onde mais ou menos é esse terreno aqui mesmo, eu achei
uma campa antiga, ta, com a cruz de madeira, uma campa antiga, só que acho que
quando mexeram acabaram com tudo, era coisa antiga, coisa que não interessa a gente
também, né. Aí mexeram, foram fazendo casa, terreno, acabaram com tudo, mas aqui
acho que enterraram muita gente, ali no Yate Club ali, meu pai trabalhou ali, meu pai
falou pra mim, que ali é o seguinte, quando ele trabalhou ali, que era muita caixa de
osso, machadinha, e esses ossos foi tudo pra São Paulo, foi tirado caixas e mais caixas,
entendeu? Bastante machadinha, era do tempo dos índios, os índios matava e jogava
ali, jogava dentro do canal, morreu muita gente aqui, isso aqui era uma ‘matona’
deserta...”9
Podemos notar a profunda relação de respeito que o morador tem com aquilo que
seu pai dizia. No tocante à comunidade, e a outras em geral, onde não se tem uma
tradição escrita de passagem de informações, a história oral atinge um nível de
importância fundamental para a sobrevivência cultural da comunidade. Assim como nas
tribos indígenas, nas comunidades caiçaras o papel da oralidade é facilmente
comprovado na realização de uma pesquisa de campo.
Para os moradores mais antigos, e/ou, para os moradores nascidos na comunidade
com mais de vinte e cinco, trinta anos, a auto-afirmação enquanto morador é visível em
cada depoimento. Até nas conversas mais informais, a história da comunidade, os
acontecimentos considerados importantes são repetidos por moradores diferentes, e
mesmo as histórias mais incríveis, ou desagradáveis são relembradas e contadas.
Por depoimentos de moradores atuais, que moram já há varias décadas na
comunidade e que afirmam haver encontrado, durante escavações para a construção de
suas casas ou para plantio de suas pequenas roças, ossos e artefatos de uso de
indígenas, podemos deduzir que os primeiros habitantes da região, antes mesmo de se
constituir em uma comunidade, eram os indígenas:
Na análise geral feita por Bento Ribeiro para os habitantes
nativos da Serra do Mar, “Os tupis da Costa eram conhecidos pelos
nomes genéricos de Tupinambás e se dividiam em vários grupos
locais. Tupiniquim e Tupiná (ou Tapanases), viviam entre Porto
seguro na Bahia e Espírito Santo. Na mesma região viviam os
Guaitacases ou Goitacases [...] Em São Vicente estavam os
9
Ranufinho, morador do bairro a 35 anos, e filho de um dos primeiros moradores do bairro com
aproximadamente 70 de “Conceiçãozinha” e que faleceu um ano antes do início da pesquisa.
4
5. Guaianases, também tapuias (tapuia ou tapuio – nome dado outrora
pelos tupis aos gentios inimigos; designação genérica do índio
bravio)10 ancestrais”.11
Esses depoimentos podem ser endossados pela presença de ruínas de uma velha
capela, na margem oposta à comunidade, no rio Santo Amaro, caracterizando assim área
de influência jesuítica, e por depoimentos de moradores antigos que essa primeira
população pode ter sido de origem Guarani, ou talvez Tamoio, do grupo tupinambá 12
que eram o termo genérico com que eram conhecidos os tupis da costa:
“... os tupinambás que povoaram esta região exerciam domínio sobre amplos
territórios. Não há concordância absoluta quanto à extensão da área constituída [...]
Anchieta, que conhece intimamente a região situa os dois limites em Cabo Frio e São
Sebastião. (Anchieta, Cartas, págs 246 e 252) [...] Em conseqüência da guerra com os
portugueses, os Tupinambás do Rio de Janeiro foram em grande parte exterminados,
outros emigraram e alguns se submeteram aos brancos [...] Em 15 anos, 1560 a 1575,
os portugueses conseguiram conquistar terras, expulsar os franceses da região e impor
seu domínio aos aborígines [...] O Forte foi destruído pelos Tupinambás, mas logo
depois reconstruído na Ilha de Santo Amaro (Stadem págs 74 a 77) [...] em vez de
atemorizados ficaram os tamoios do Rio mais insolentes com os moradores de São
Vicente. Andavam a caça de portugueses e seus aliados [...] procurando vingar a morte
dos guerreiros tupinambás (Anchieta, Cartas, págs 222 e 223)...”.13
“... parte Tupinambá [...] Tupinikim [...] Carijó [...] Guayaná [...] Nas Regiões de
São Paulo e Rio de Janeiro, com o apoio dos Franceses fizeram aliança de guerra [...]
liderados por Cunhambebe e Aimbêre [...] para combater escravização dos indígenas
feitas pela família de João Ramalho...”14
“... semelhante audácia dos portugueses, reunida à idéia de que eles raptavam as
virgens tamoias [...] promoveu uma verdadeira fúria tupinambá, arrastando legiões
imensas de Ubatuba e São Sebastião contra Bertioga e as pequenas fortificações
existentes [...] em conseqüência da fúria tamoia despenhada sobre a região, pela altura
10
CARVALHO, Silvia Maria S de. Jurupari: Estudos de Mitologia Brasileira. São Paulo: Ática, 1979.
11
RIBEIRO, Bento G. O Índio na história do Brasil. São Paulo: Global, 1986.
12
MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: A Conquista Lusitana e o Genocídio Tupinambá. São Paulo:
Moderna, 1993.
13
FERNANDES, Florestam. Organização Social dos Tupinambás. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1963.
14
PREZIA, Benedito e Hoornaert Eduardo. Esta terra tinha dono. São Paulo: Cehila Popular CIMI FTD,
1944.
5
6. de 1557, quase todos os sitiantes e povoadores de Bertioga e Ilha de Santo Amaro15
haviam desertado, receosos de um possível e breve ataque em massa, pelos terríveis
antropófagos...”16
Como é facilmente observável, a afirmação de que esta ou
aquela tribo teria este ou aquele limite territorial se apresenta
como muito complexa, bem como a afirmação de quais tribos eram
consideradas tapuias, tamoios ou tupinambás. Logo, este trabalho
não se propõe a um aprofundamento da questão, posto que a
motivação do próprio não é a questão da territorialidade ou da
classificação de grupos indígenas.
Isto esclarecido, o termo tupinambá é empregado nesta
monografia para designar o conjunto das tribos descritas sob este
nome nos diversos trechos acima citados. Assim, estão
compreendidos nesta categoria os grupos tribais tupi, que na época
da colonização do Brasil entraram em contato com os brancos no
Rio de Janeiro, São Paulo e na Bahia, e os grupos tribais tupi que
depois povoaram o Maranhão, Paraíba e a Ilha dos Tupinambás.
Esta população que ocupava a região antes da chegada do homem branco foi
praticamente expulsa com o início da ocupação de Vicente de Carvalho por brancos,
negros e mestiços, sendo esses mestiços, oriundos predominantemente da mistura
indígena com os europeus, (em sua maioria portugueses), o grupo maior e mais
difundido na área, e conhecido vulgar e cientificamente como Caiçara.
A comunidade Caiçara segundo Antônio Carlos Diegues pode ser definida como...
“Aquelas comunidades formadas pela mescla étnico-cultural de indígenas, de
colonizadores portugueses e, em menor grau, de escravos africanos. Os caiçaras têm
uma forma de vida baseada em atividades agrícolas de agricultura itinerante, da
pequena pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato. Essa cultura se desenvolveu
principalmente nas áreas costeiras dos atuais Estados do Rio de Janeiro, São Paulo,
Paraná e norte de Santa Catarina”.17
A mistura do elemento português com o índio deu origem a uma população
extremamente peculiar. Os cabelos escuros e bem lisos, e uma tez clara e tostada pelo
15
Nome da Ilha na qual se localiza a cidade de Guarujá, e seu distrito Vicente de Carvalho, ou Itapema.
16
SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. São Vicente: Caudex, 1937. V.1.
17
DIEGUES, Antonio Carlos S. & Arruda, Rinaldo S. V. Saberes tradicionais e biodiversidade no
Brasil.
Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001.
6
7. sol, utilizando práticas artesanais de pesca e caça, bem como de plantio, confeccionando
eles próprios seus utensílios diários.18
Culturalmente essas comunidades assimilaram elementos dos vários grupos que as
formaram e estruturaram para si, manifestações culturais extremamente originais.
Autores como Antonio Carlos Diegues, afirmam que essas comunidades se
formaram entre os grandes ciclos econômicos do período colonial e que foram ficando
mais fortes na medida em que essas atividades voltadas para exportação entraram em
declínio, pois sua decadência “... incentivou as atividades de pesca e coleta em
ambientes aquáticos, sobretudo os de água salobra, como estuários e lagunas”.19
As sociedades formadas pelos caiçaras foram muito bem estruturadas, de forma
simples, porém extremamente usual e prática. As funções bem divididas entre homens,
mulheres, crianças e idosos, girando completamente em torno da pesca artesanal e da
agricultura de subsistência. Enquanto a agricultura fornece os diversos vegetais
utilizados na culinária, o pescado vai servir tanto para o consumo próprio como para o
escambo e pequenas vendas com o intuito da obtenção de produtos que não poderiam
ser facilmente plantados ou obtidos, como sal, feijão, açúcar, café, arroz, óleo,
querosene (para iluminação), fósforos, tecidos, e alguns outros materiais.20
Os homens pescam, produzem suas ferramentas, são responsáveis pela construção
de suas habitações, e por trabalhos mais pesados em seu entorno (construção
comunitária de uma ponte, abertura de uma picada, poda de uma área para cultivo). As
mulheres cuidam da casa, se preocupam com respeito à agricultura, e fazem coletas de
mariscos, caranguejos, siris, e peixes através de linhadas21, auxiliadas nisso pelas
crianças que fazem das atividades brincadeiras. Os idosos auxiliam tanto no preparo dos
instrumentos da pesca (quando são homens), quanto na casa e nos afazeres domésticos
(quando são mulheres).22
18
KARWINSK, Esther S. A. - Baronesa. O caiçara. Guarujá: Associação de Folclore e Artesanato, 1993.
19
Idem nota 15.
20
DIEGUES, Antonio Carlos S. & Arruda, Rinaldo S. V. Saberes tradicionais e biodiversidade no
Brasil.
Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001.
KARWINSK, Esther S. A. - Baronesa. O caiçara. Guarujá: Associação de Folclore e Artesanato, 1993.
21
Forma de pesca onde se utiliza apenas a linha amarrada a um anzol e um chumbo. Essa linha é enrolada
em uma garrafa de vidro pequena, segura-se a ponta, girando por sobre a cabeça e arremessando com
força, enquanto se segura com a outra mão a garrafa com o gargalo apontado para a direção em que a
linha foi jogada até o anzol mergulhar na água. Antes do advento da garrafa de vidro era costume a
confecção de um instrumento de madeira roliço, para que a linha deslizasse quando arremessada.
22
KARWINSK, Esther S. A. - Baronesa. O caiçara. Guarujá: Associação de Folclore e Artesanato, 1993.
Pesquisa de Campo.
7
8. Diversas manifestações populares são características das comunidades caiçaras,
entre elas as quadrinhas (que tem acompanhamento de viola), pregões, cânticos
religiosos, o pasquim, adivinhas, mais de trinta tipos diferentes de fandango, a Folia de
Reis, e festas de padroeiras mais regionais.23
Até a década de 50 as comunidades caiçaras permaneceram praticamente
intocadas. Porém, com o advento da implementação de meios de transportes mais
avançados, rodovias, e mais particularmente, tratando-se da Baixada Santista, com o
desenvolvimento do Porto de Santos, a explosão industrial do Pólo Petroquímico de
Cubatão, e o boom imobiliário de fins da década de 60, essas populações, que viviam
em um ritmo de vida completamente próprio, viram-se às voltas com um crescimento
demográfico e de consumo que literalmente extinguiu algumas comunidades,
descaracterizou outras, e colocou todas em risco de extinção.
Os caiçaras que se estabeleceram em Conceiçãozinha, ainda em fins do século
XIX, (segundo o depoimento de moradores publicado no jornal A Tribuna, no dia 14 de
julho de 2002 “há indícios de ocupação da área desde 1898”24) tiveram em sua maior
parte a origem de outros grupos caiçaras, e curiosamente não são em sua maioria
nativos da região. Segundo Esther Karwinsky, “a influência do elemento português e
indígena é marcante; os sulinos, de origem portuguesa, oriundos do Estado do Paraná,
instalaram-se especialmente na Praia do Perequê, Santa Cruz dos Navegantes,
Conceiçãozinha, e Praia do Tombo”.25
A incidência da população negra no Sítio Conceiçãozinha deu-se na mesma
proporção que em outras áreas da ilha de Santo Amaro, “... podemos constatar, entre os
habitantes da Ilha de Santo Amaro, pequeno índice de população negra. O africano,
aqui trazido no século XIX por navios negreiros, não se fixou tradicionalmente na ilha:
muitos negros que lotaram as fazendas locais emigraram para o interior do Estado
após a abolição da escravatura. Não se tem notícia dos descendentes das levas que
26
aqui aportaram clandestinamente em princípios ou meados do século XIX...” . Ou
seja, a incidência da população negra tanto na comunidade quanto no Guarujá como um
todo não foi tão grande como em Santos, cidade notadamente com uma maior
população negra desde seu início, com uma densidade bem maior, e com um cunho
abolicionista considerável:
23
Idem.
24
Newton, morador da comunidade a cerca de 52 anos, liderança comunitária, teve seu pai nascido na
comunidade em 1928.
25
Ibidem
26
Idem. Este idem é Newton ou a Baronesa
8
9. “... Quis mesmo o destino que a Santos coubesse, por intermédio de um santista
ilustríssimo, a primeira prova pública de abolicionismo prático. José Bonifácio, em sua
chácara dos Outeirinhos, libertava os seus escravos logo ao principio de 1820 [...]
Durante a elaboração daquele monumento de fraternidade, de mentalidade e de
cultura, parece ter-se inspirado o 'Patriarca’ no exemplo vivo de sua própria terra
natal, pequena vila então, de 4700 habitantes, dos quais 2000 eram escravos e 2700
livres, e que sofria terrivelmente as conseqüências do mal combatido, pagando-o com a
apresentação, rigorosamente demográfica de 1400 mestiços, mulatos, cafuzos e
caribocas...”27.
Francisco Martins dos Santos no capitulo XXIII, entre as páginas 213 e 240, do
livro usado como referencia traça um panorama extremamente interessante sobre a
questão da população negra em Santos. Por intermédio do trecho citado é visível a
quantidade de mestiços e negros na cidade, e no desenrolar de sua analise, ele irá situar
a ilha de Santo Amaro somente como área de passagem de escravos fugidos de fazendas
paulistas, na região de Campinas, São Paulo, Vale do Rio Paraíba, de Santos e de
Ubatuba para os grandes quilombos de Jurubatuba e Jaguareguava, nos quais, segundo o
autor se agrupavam alguns milhares de negros. Francisco Martins afirma que alguns
certamente se fixaram na ilha, porém a grande maioria tomou o caminho dos
quilombos.28
O tempo, no Sítio Conceiçãozinha, como em tantas outras
comunidades parece haver parado durante quase três séculos,
(inicio do século XVII até fins do século XIX): vegetação intocada,
poucas famílias, que se chegassem a uma dezena seria muito,
predominantemente uma mistura de índios, negros, portugueses e
mestiços da própria região.
Na primeira metade do século XX começa a primeira onda
migratória. Por intermédio de depoimento de moradores: “... há
indícios de ocupação da área desde 1898...”29, nos é fornecida uma
baliza para afirmarmos a ocupação e a configuração do local com o
nome atual Sítio Conceiçãozinha, no mínimo, desde o inicio do
século XX.
27
SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. São Vicente: Caudex, 1937. V. 2.
28
Idem.
29
Jornal “A Tribuna”, no dia 14 de julho de 2002.
9
10. Quanto a uma prova documental, temos duas reportagens em
jornais da região, que, se não são contemporâneas do inicio da
ocupação, trazem referencias a instalação da Base Aérea de Santos,
e segundo elas o nome Sítio Conceiçãozinha já seria utilizado para
designar a região desde 1920:
- “O barracão onde ficou o marco de fundação da Base
de Aviação Naval do Sítio Conceiçãozinha em 1922 –
(arquivo J. Múniz Jr.)”.30
- “A idéia da construção da Base Aérea em Guarujá
surgiu em 1920 com o projeto do capitão-tenente
Virginius De Lamare, famoso por suas proezas aéreas...
sugeriu ao presidente do Estado, Altino Arantes que se
construísse uma base no Litoral... Com uma planta da
área, um terreno de 500 m de frente por 2.000 de
fundos, na região conhecida como Sito
Conceiçãozinha, o capitão seguiu para o palácio do
Governo... Em outubro de 1922, De Lamare retornou a
Ilha de Santo Amaro acompanhado do presidente do
País, Epitácio Pessoa e de outras personalidades
políticas da época para o lançamento da pedra
fundamental da Base Aérea e a construção do
‘Barracão’, no Sítio Conceiçãozinha. As obras tiveram
início na semana seguinte, com os primeiros estudos do
solo. No início de 1923, constatou-se que o solo do
Sítio Conceiçãozinha era excessivamente pantanoso...
Procurando outra área encontrou-se a Vila Bocaina,
31
dando início ás obras em 1925”.
Entretanto, os documentos mais antigos encontrados, que
comprovam a existência da comunidade são: uma matéria no jornal
A Tribuna, do dia 17 de janeiro de 1950, na página três, que trás os
seguintes dizeres: “O Juvenil Santo Amaro preliou32 domingo
passado com o Juvenil Conceiçãozinha, registrando-se dois
30
Jornal “Cidade de Santos”, p. três, do dia 23 de outubro de 1979.
31
Jornal “1a. Hora”, p. 4b na semana de 17 a 23 de Outubro de 2002.
32
Combate; como era chamado um jogo de futebol difícil na época.
10
11. empates, pela contagem de dois a dois em ambos os jogos”33; e sem
dúvida o mais importante documento encontrado, que, não só vem
dar respaldo aos depoimentos dos moradores mais antigos, como
vem lançar uma dúvida na probabilidade da comunidade ter somente
cerca de um século, é uma nota no jornal Cidade de Santos, do dia
31 de março de 1900,34 cujo conteúdo é o seguinte: “Foi
encontrado nas proximidades de Conceiçãozinha o corpo do menino
João Couto que se afogara no dia 26, perto do Itapema”.
Este documento, até agora o mais antigo, trás a dúvida de que
talvez antes mesmo de 1898, como atestam os moradores, houvesse
já alguns moradores na área.
Entretanto como comprovação documental do inicio da
ocupação por moradores na área, tendo já configurado o nome atual
temos somente esse recorte do jornal Cidade de Santos, de 1900.
Aos elementos caiçaras dessa primeira onda migratória (a mais longa e com menor
quantidade de migrantes), foram se juntar, nas décadas de 50, 60, 70 e 80,
principalmente, grupos oriundos dos mais diversos estados do norte e nordeste
brasileiro, e no caso especifico do Guarujá, encontramos uma predominância de
migrantes vindos da Bahia, Paraíba e Sergipe, e em um recorte mais especifico ainda no
Sítio Conceiçãozinha, a maior incidência seria de Baianos e Paraibanos.35
O Nome
O nome do bairro Sítio Conceiçãozinha tem uma história que, com certeza deve ter
muitas similaridades com diversos outros bairros. É sobre a sua origem de ordem
religiosa. Porém muito mais producente seria a explicação da origem do nome pelas
palavras de um dos mais antigos moradores vivos:
“Então, Conceiçãozinha, a gente tem conhecimento, por parte
dos nossos avós, do pessoal mais antigo, foi denominado pelos
jeuítas, quando os jesuítas vieram pro sitio Conceiçãozinha.
Segundo nossos avós, os caiçaras mais antigos, os jesuítas se
33
Arquivo da Hemeroteca de Santos.
34
Arquivo do Estado de São Paulo.
35
Pesquisa de campo realizada entre os dias 18/05/01 e 14/09/02.
11
12. instalaram na Conceiçãozinha por volta de 1898, então, nessa
época, a Conceiçãozinha, segundo os nossos avós era com a
determinação do seguinte: todos os locais que os jesuítas iam pra
fundar uma localidade, os jesuítas colocavam Conceição disso,
Conceição daquilo, por exemplo, Itanhaém, né? Itanhaém era
chamado do que? Conceição de Itanhaém, conceição de Peruíbe, e
assim por diante, Conceiçãozinha por ser um local mais pequeno,
né? Menor de uma menor faixa e Conceição por causa da
Conceição Imaculada de Lourdes ou de Fátima, que era a
padroeira do povo, né? Na época dos indígenas, então Conceição
de Itanhaém, justamente Conceição Imaculada, eles queriam ligar
o seguinte, com a Conceição, com o Cristianismo, com a Conceição
Imaculada de Lourdes, ou Conceição Imaculada de Fátima, então
ligava a Conceiçãozinha pro ser uma região mais pequena, isso na
época dos jesuítas, e ficou Conceiçãozinha até hoje, ficou
Conceiçãozinha, em todo o lugar que for se conhece por
Conceiçãozinha, mas a denominação poucas pessoas sabem, nós
sabemos ainda porque tinha nossos avós”.36
Como nos relatos de outros moradores é facilmente perceptível
a importância dada à oralidade, aos conhecimentos passados de
geração a geração, ou seja um conhecimento histórico construído
com base na tradição oral, típico das comunidades indígenas, o que
nos permite afirmar a permanência de uma sociabilidade
comunitária nesse bairro. Consciente ou inconscientemente, a
história oral representa realmente um importante fator de
resistência, de auto-afirmação enquanto comunidade.
Os conhecimentos relatados por parentes mais antigos são
anexados a história da comunidade. Contados para outros
moradores são fixados como parte da história construída por eles,
não necessitando ser realmente verdade para aqueles que de fora
vejam a comunidade, contanto que seja por eles, enquanto grupo,
assimilado como verdade.37
36
Idem nota 23.
37
O embasamento teórico para essas afirmações pode ser encontrado em: Walter BENJAMIN, “O
narrador” Obras Escolhidas. Magia, e técnica, arte e política. São Paulo. Brasiliense, 1993; Alessandro
12
13. PORTELLI, “Sonhos, ucronias”,... Projeto História 15; Regina GUIMARÃES NETO, “Artes da
memória”, Revista de Historia da Universidade Federal de Uberlândia.
13