SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 40
Baixar para ler offline
BOCAGE:
250 anos, de 1765 ao século XXI
António Mateus Vilhena
João Reis Ribeiro
Maio.2015
Com afecto,
a quem nos ouve,
esperando que dêem este tempo
por bem utilizado…
«Ironia de um destino infeliz que se prolongou para além da
morte, Bocage é hoje ainda para o rural analfabeto da mais remota
aldeia, para o garoto precoce das ruas, para a regateira dos mercados
de Lisboa, apenas um grande farçola, descarado e vadio, que dava
respostas a tempo e tratava as coisas pelo nome.
Se Bocage soubesse que o seu nome assina hoje tanta piada
insulsa e ordinária, riria talvez – ele que em tantas vezes soube rir de
si mesmo – […] com aquele riso de imortalidade que já antevia, ao
sentir-se resvalar na decadência do fim.»
Esther de Lemos [n. 1929]
Magro, de olhos azuis,
carão moreno...
Júlio Pomar, 1983
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão n’altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;
[Inimigo de hipócritas e frades; ]
Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
[Num dia em que se achou cagando ao vento.]
in Bocage, Rimas, 3º vol, 1804 // [ed. Inocêncio F. da Silva, 1854]
Magro, de olhos azuis, carão moreno…
Henrique José da Silva (1805); Legrand (1841); O
Panorama (1846, nº 13); Pedro Reis (1871); Fernando
Santos (Bocage e as Musas, 1929); Luciano dos Santos
(Tríptico, 1957); Selos CTT (1965); Selo CTT (2015);
Júlio Pomar (1983)
Américo Ribeiro, Postais sobre Bocage, s/d
Registo
de
Baptismo
de
Bocage
Em 15 de
Setembro
de 1765,
nesta casa,
na Rua de
S.Domingos,
terá nascido
Manuel Maria
Barbosa du
Bocage…
Archivo Pittoresco, 1860, nº 46
A casa em que
terá nascido Bocage,
na Rua Edmond Bartissol…
1862 – Obras na casa, com armas
de bispo
1864 (Janeiro) – “Voz do
Progresso” apelou à colocação
de uma lápide
1864 (Abril) – Colocação da
lápide
1886 (Maio) – “Gazeta
Setubalense” anunciou a
venda da casa
1887 (Abril) – “Semana
Setubalense” noticiou a
compra por Bartissol
1887 (Agosto) – Bartissol
ofereceu a casa à Câmara para
ser “biblioteca municipal ou
museu bocagiano”
Como era
Setúbal na
época de
Bocage?
Setúbal em 1741
Juan Alvarez de Colmenar, Annales d’Espagne et de Portugal, 1741
Janet Schaw [1731-1801]
escocesa, viajante, 44 anos
– Visitou Setúbal em 1775 –
 “O céu estava limpo e sereno – mais de 50 navios
ancorados e mais de uma centena de barcos na pesca
da sardinha – e ouvia-se cantar. A povoação estava
toda à vista, com muitos moinhos de vento a
trabalhar lá no alto, o que dava um lindo efeito. A
costa é muito escarpada e os montes e terras altas
cobertos de trigo ou pastagens, pareciam tão frescos
que deliciavam os sentidos.”
 Vila “quase completamente arruinada, em grande parte devido ao
pavoroso terramoto, e em parte devido aos efeitos ainda mais
horrorosos do despotismo.”
 Há a “superstição grosseira, onde a religião é o mesmo que o chicote
para os escravos e cada indivíduo tem um tribunal da Inquisição dentro
de si.”
* in Journal of a Lady of Quality, Being the Narrative of a Journey from Scotland to the West Indies, North Caroline and Portugal in the Years 1774 to 1776 (1921)
Setúbal vista por
Teotónio Banha [1785-1853]
1816
“Perspectiva da Vila de Setúbal vista da Casa do Trapixe, no sítio de Tróia”
As quatro paróquias de
Setúbal em 1758
 Anunciada
800 fogos – 3223 adultos – 83 crianças
 São Julião
690 fogos – 3167 habitantes
 Sta. Maria
228 fogos – 718 habitantes
 S. Sebastião
1148 fogos – 4458 adultos – 200 crianças
TOTAIS: 2866 fogos – 11849 habitantes
Fonte: Memórias Paroquiais de 1758
São Sebastião
Habitantes – 39,3%
Fortemente abalada pelo terramoto, especialmente a igreja
Produtos: sal (500 marinhas entre Setúbal e Alcácer) e peixe (“o mais
saboroso pescado de toda a Europa”)
[1751 – nasceu Tomás Santos e Silva]
[1765 – nasceu Manuel Maria Barbosa du Bocage]
Algumas famílias importantes, como os Cabedos, e segundas residências
de fidalgos, pelos “grandes gastos da Corte”
“Toda esta vila está situada em campina ao longo da praia, menos esta
freguesia de São Sebastião, que está situada em um monte com
escoante das águas e lavada dos ares, sendo, por isso, a mais sadia da
terra.”
Fonte: P. Manuel Pereira de Carvalho, Memórias Paroquiais de 1758
JRR,19Abr2005
Contemporâneos
setubalenses de Bocage
Santos e Silva (1751-1816, por F.T.Almeida, 1815)
Morgado de Setúbal (1752-1809, por Luciano dos Santos, 1957)
Luísa Todi (1753-1833, por Louise Vigée-Lebrun, 1785)
Teotónio Banha (1785-1853, M.J. Sendim, 1832)
Ligações
de Bocage
à terra do
Sado
A entrada de Bocage para o mundo da aventura futura – de
partidas e chegadas, de conhecimento de mundos novos e de
intrigas, de amores e desamores, de prisões e contestações, de
escrita e boémia – passou pelo gesto voluntário de assentar
praça em Setúbal. Estávamos em 1781…
JRR, 15Abr2005
JRR, 15Abr2005
JRR,15Abr2005
“Regimento de Infantaria de Setúbal – Em Setembro do ano de 1781 assentou
praça voluntariamente nesta Unidade com a idade de 16 anos Manuel Maria
Barbosa du Bocage – Viria a ser um dos maiores poetas portugueses – 22-9-1980”
JRR, 15Abr2005
Assento no Livro de Registo do
Regimento de Infantaria de Setúbal
Assento no Livro de Registo do
Regimento de Infantaria de
Setúbal
Nº: 84 – 6ª Companhia
Nome: Manoel Maria Barbosa de Bocaje
Idade: 16
Altura: 5 pés e 4 polegadas
Serviço: Praça a 22 de Setembro de 1781
Cabelos: castanhos
Olhos: pardos
Nascimento: Setúbal
Assento no Livro de Registo do
Regimento de Infantaria de
Setúbal
Juramento: 22 de Setembro de 1781
Casualidades: Passagem a Goarda
Marinha Sº te 8 por Despº de 5 de
Setembro de 1783
Assento no Livro de Registo do
Regimento de Infantaria de
Setúbal
Registo dos Licenciados
Do 1º te 15 de Agosto de 1782
De 26 de Junho te 15 de Julho de 1783
De 16 te 31 de Julho de 1783
21 de Agosto te 15 de Setembro de 1783
Adeus, meu pátrio Sado...
Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado,
Mansa corrente, deleitosa, amena,
Em cuja praia o nome de Filena
Mil vezes tenho escrito e mil beijado.
Nunca mais me verás entre o meu gado
Soprando a namorada e branda avena,
A cujo som descias mais serena,
Mais vagarosa para o mar salgado.
Devo, enfim, manejar por lei da Sorte
Cajados não, mortíferos alfanges
Nos campos do colérico Mavorte;
E talvez entre impávidas falanges
Testemunhas farei da minha morte
Remotas margens, que humedece o Ganges. JRR, 26Set2004
Camões, grande Camões… e o Fado
1783 – Está na Academia dos Guardas-Marinhas. Vive em Lisboa, na Rua do Loreto.
1786 – Embarca para o Oriente, passando por Rio de Janeiro e Moçambique, até chegar a Goa.
1789 – Revolução Francesa. Desertor. Viaja na China e em Macau
1790 – Regresso a Lisboa. Entrada na “Nova Arcádia” (até 1793).
1791 – Publicação de “Rimas” (1º vol).
1797 – Primeira detenção (Limoeiro e cárceres do Santo Ofício). Inicia traduções.
«Lisboa, 7 de Outubro de 1971 – Visita melancólica ao Aljube, a recordar horas más do
passado, continuada no Limoeiro por intenção de Bocage, que a 10 de Agosto de 1797, como
consta dum velho livro de assentos guardado na cave, deu entrada naquela casa. Afonso Lopes
Vieira, em maus versos, que cito de cor, diz que «Os poetas portugueses que não passam pelas
prisões / não são dignos descendentes de Camões». Assim é, de facto. Todos os que nesta terra
empunham uma lira e se louvam no grande mestre, já que não podem acompanhá-lo nos
arroubos do génio, seguem-lhe ao menos as passadas rebeldes. Assim lhe são fiéis. E que outra
solução resta aos dirigentes dum país de conformados, senão meter na cadeia os raros
inconformados que nele erguem a voz? Mas há uma coisa de que os governantes ainda se não
lembraram, por ignorância, evidentemente: de lhes tirar, com a liberdade, a paisagem que se vê
através das grades portuguesas. A que Bocage teve diante dos olhos é tão deslumbradora que
até eu me senti roubado. Que faria Pina Manique, se soubesse que ela era assim…»
Miguel Torga [1907-1993], Diário – XI (1973)
«Convenhamos [...] que não é caso de somenos ir eu a descer a Travessa de André Valente e
dar de rosto, quase ao virar a esquina, com o poeta Manuel Maria, mais conhecido por Bocage.
São encontros que só podem ter-se madrugada alta, quando já ninguém anda pelas ruas ou só
andam os predestinados a encontros tais. E não se pense que eu ia – como dizer? – bebido.
De madrugada estou sempre lúcido, mesmo que os olhos se me fechem de sono e de fadiga.
Ouço os meus passos e a minha respiração – e estou vivo, angustiadamente vivo, por obra e
graça do silêncio e da descoberta de estar só, e outra vez só, até já não poder aguentar mais e
procurar ao menos o reflexo de um vidro, uma presença visível, embora inexistente.
Não sei se o Bocage era ali inexistente. Visível, sim. Dava-lhe na cara a luz de um candeeiro:
magro, de olhos azuis. Reconheci-o logo. Olhou para mim, muito sério, mirou-me de alto a
baixo e sorriu. Como quem não acredita no que vê ou sorri de si mesmo. Ainda agora não sei
se ele estava lúcido – ou bêbedo. Deu-me as boas-noites e as palavras soaram-me como se
tivessem sido ditas por um estrangeiro, como se viessem de país sotoposto a este no tempo.
Respondi, e ele lá me entendeu. Afinal, falávamos a mesma língua. (…)»
José Saramago. Deste mundo e do outro.
1798 – “Reeducação” no Convento de S. Bento. Liberdade em Abril.
1799 – Publicação de “Rimas” (2º vol)
1802 – Vive na Tv. André Valente, em Lisboa.
1805 – Já Bocage não sou…
… e, em Lisboa, em 21 de Dezembro, o frio invadiu a casa da Tv. André Valente…
JRR,Abr2005
1804 – Grandes dificuldades financeiras. Publicação de “Rimas” (3º vol)
1805 – Morte da sobrinha, com 5 anos. Reconcilia-se com os adversários.
Poesias Selectas de Manuel Maria Barbosa du Bocage, J. S. da Silva Ferraz (1864)
Ler Bocage
1812 – “Obras Poéticas”, por Desidério Marques Leão
1813 – “Verdadeiras Poesias Inéditas de M. M. B. Bocage”, por Nuno Álvares Pato Moniz
1853 – “Obras Completas”, por Inocêncio Francisco da Silva
1854 – “Poesias Eróticas, Satíricas e Burlescas”, por Inocêncio Francisco da Silva
1875 – “Obras Completas”, por Teófilo Braga
1968-1973 – “Opera Omnia” bocagiana, por Hernâni Cidade
2004-? – “Obra Completa”, por Daniel Pires [5 vols. até 2015]
1871 – A memória em Setúbal
(estátua de Bocage)
O poeta morrera,
Trouxera a pena e instalara-se.
Deram-lhe uma pedra fria como morada,
Um pedaço de mármore para guardar as palavras.
Derretiam-nas o sol.
A praça ficara, de repente, animada.
Os pombos esvoaçavam livremente,
Apenas a liberdade voava com eles.
No pedestal da vida, a morte aprisionou-o:
Bocage está preso.
A liberdade anda nas asas dos pombos…
Soltem o poeta…
Nídia Jerónimo Martins [n. 1956], inédito
1905 e 2005 – A memória em Setúbal
(100 e 200 anos da morte de Bocage)
JRR, 13Mar2005
JRR, 13Mar2005
JRR,18Mar2005
Setúbal,TAS,Nov2005
Mendes Estafeta, ed., s/d
Impressões sobre
Bocage
«Bocage, outro Messias literário, ofusca, dispersa, quase aniquila toda a
sinagoga arcádica. Forte igualmente com os idiomas da antiga e moderna
Itália, e com o francês, de que sabe não colher senão o necessário, o útil e o
bom, abelha delicada entre insectos impuros, que só venenos lhe sugavam dá a
ouvir pela primeira vez aos ecos multiplicados e atónitos um falar altíquo e
terso, claro e elegante, cheio e harmonioso como nenhum, em poesia, ainda por
cá se ouvira, nem se tornou a ouvir.»
António Feliciano de Castilho [1800-1875]
«[...] Resgatou-se Bocage refugiando-se a só na dor da saudade ou nos raptos
religiosos, que os tinha ardentíssimos como todos os infelizes.»
Camilo Castelo Branco [1825-1890]
«Este, quase desde a infância poeta, apareceu no mundo em toda a
efervescência dos primeiros anos, ardente cantor das paixões, entusiasta,
agitado do seu próprio natural violento, rápido, insofrido, sem cabal instrução
para poeta, com todo o talento (raro, espantoso talento!) para improvisador.
(…)
Dos sonetos há grande cópia que não tem igual nem em português, nem em
língua nenhuma, duma força, duma valentia, duma perfeição admirável.»
Almeida Garrett [1799-1854], Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa, 1826
«Da transformação literária, representada por um rompimento definido com as
tradições literárias portuguesas, pode-se considerar ponto de partida Antero de
Quental e a Escola de Coimbra, embora necessariamente precedida de
prenúncios e tentativas de tal modificação remontando até 1770, ao esquecido
José Anastácio da Cunha (poeta superior ao exageradamente apreciado e
insuportável Bocage)».
Fernando Pessoa [1888-1935], Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias
«O maior drama de Bocage, o mais pungente, foi o de ter vivido em tempo que
lhe não convinha. Poeta grande, de vocação autêntica e precoce, viu-se forçado
a arrastar o seu destino através de uma época de poesia medíocre. Nascido 30
ou 40 anos depois, não é difícil imaginar o espaço que lhe caberia no espaço do
Romantismo.»
David Mourão-Ferreira [1927-1996]
«Mais do que em qualquer outro dos escritores portugueses seus
contemporâneos, teve repercussão em Bocage, o agravamento profundo
naquele momento histórico vivido em todas as nações da nossa cultura, do
conflito permanente entre a ordem e a liberdade.»
Hernâni Cidade [1887-1975]
«O poeta consumiu-se na busca incessante de uma felicidade impossível, ora
inventando mulheres quiméricas, ora evadindo-se pela volúpia dos
sentimentos. A morte horroriza-o e ao mesmo tempo exerce nele uma poderosa
sedução: ela é o esquecimento e a paz.»
Jacinto do Prado Coelho [1920-1984]
“Irmãos”
de Bocage
Filinto Elísio
[1734-1819]
António Maria Eusébio, O Calafate
[1819-1911]
Maria Clementina
[n. 1935]
Ary dos Santos
[1937-1984]
Sebastião da Gama (1924-1952) – I
SÚPLICA
Quem me dera – ai, quem me dera! –
ter o estro de Bocage
p’ra esta paixão sincera,
em verso, cantar e a laje
do teu coração quebrar
cessando, assim, meu penar.
Moça gentil, como és, não acredito qu’exista
em Portugal, lés a lés.
Tu me ofuscaste a vista
c’o’a beleza irradiante
que posssuis, loira galante.
Já que desdém te mereço
apenas, oh amor meu,
ajoelhado te peço:
Deixa-me, ao menos, que eu
te possa ver, e amar
como a santa num altar.
inédito, Lisboa, 10 – IV – 1940
Sebastião da Gama (1924-1952) – II
15 Set 1950 – Lugar de Bocage na Nossa Poesia de Amor, CMSetúbal – apresentada
também em Estremoz (Abr 1951) e em Vila Viçosa (Jun 1951)
A ideia do Amor em Bocage:
• “resultante de um conhecimento directo, uma lição aprendida fora dos livros”
• “o Amor foi-lhe uma coisa deleitosa, um risonho prazer. Eis o que o opõe a
Camões: o contentamento de amar”
• “O desejo percorre a sua poesia toda, sequioso mas terno. (…) Era a paixão em
carne viva; nenhum romântico foi tão romântico; assim, é poderosamente que se
assenhoreia dele o Ciúme; enche-lhe o Ciúme a boca de injúrias”
• “Poesia feita de impulsos, de momentos, de estados de alma; não há pose na
poesia de Bocage: aquilo que ali está é aquilo que foi. (…) Bocage diz de frente o
que tem a dizer. (…) Seria um amante como Bocage o que encontraríamos, a
descermos à essência de cada um.”
Alexandre O’Neill (1924-1986)
“Auto-Retrato”
O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…
in Poemas com Endereço, 1962
Ary dos Santos (1937-1984)
“Ao meu falecido irmão Manuel Maria Barbosa du Bocage”
Meu sacana de versos! Meu vadio,
Fazes falta ao Rossio. Falta ao Nicola.
Lisboa é uma sarjeta. É um vazio.
E é raro o poeta que entre nós faz escola.
Mastigam ruminando o desafio.
São uns merdosos que nos pedem esmola.
Aos vinte anos cheiram a bafio,
têm joanetes culturais na tola.
Que diria Camões, nosso padrinho,
ou o Primo Fernando que acarinho
como Pessoa viva à cabeceira?
O que me vale é que não estou sozinho,
ainda se encontram alguns pés de linho
crescendo não sei como na estrumeira!
in VIII Sonetos, 1984
Manuel Ângelo Ochoa (n. 1944)
Olhos castanhos, gordo, agreste cara;
meio duro dos pés; alta postura;
aspeito incerto, ou de alegria ou de tristura;
nariz dobrado a meio, feroz, torto;
ânimo vário, mais brando agora;
co’a idade inclinado a mover-se do coração ferido;
p’los cafés matando os dias;
a sorrisos gentis, não insensível, digo, a cândidas musas;
p’lo confesso tolerando padres:
Eis Ochôa: Luas asas lhe deram desta a devaneio.
in EnconVoscoAve – É Bonito o Amor (2014)
«Bocage continua vivo entre nós; e o seu sonho de imortalidade, que a
nomeada grosseira caricaturou, realiza-se, afinal, na emoção com que
escutamos ainda a sua voz ardente.»
Esther de Lemos [n. 1929], in Bocage – Gigantes da Literatura Universal, 1972
«Bocage [define-se] como poeta, na medida em que, servido por uma
técnica excepcional, espontânea e fácil, se nos transmite, sem artifícios
retóricos ou exageros emocionais, tal qual é. Esse modo directo de dar-
se, vestido apenas pelo figurino do tempo, que ele consegue fazer
esquecer de tal maneira o supera, será porventura o sinal do seu drama
mais íntimo: Bocage foi um mendigo da ternura. (…)
Ler os versos de Bocage (…) é sofrer a dolorosa vivência de um irmão
que, servido por linguagem que não é a nossa, não pôde todavia
esconder a sua humaníssima condição.»
Rogério Peres Claro [n. 1921], in Versos de Bocage – Antologia, 1965
«Em Portugal, a arte de fazer versos chegou ao apogeu com Bocage e
depois dele decaiu. Da sua geração, e das que a precederam, foi ele o
máximo cinzelador da métrica. [..] Depois dele, Portugal teve talvez
poetas mais fortes, de surto mais alto, de mais fecunda imaginação. Mas
nenhum o excedeu nem o igualou no brilho da expressão.»
Olavo Bilac [1865-1918], in Bocage, 1917
… muito obrigado!

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Mais procurados (20)

Basilio da Gama
Basilio da GamaBasilio da Gama
Basilio da Gama
 
Literatura - Modernismo em Portugal - 3aço - Prof. Kelly Mendes
Literatura - Modernismo em Portugal - 3aço - Prof. Kelly MendesLiteratura - Modernismo em Portugal - 3aço - Prof. Kelly Mendes
Literatura - Modernismo em Portugal - 3aço - Prof. Kelly Mendes
 
Pré modernismo
Pré modernismoPré modernismo
Pré modernismo
 
Arcadismo em portugal
Arcadismo em portugalArcadismo em portugal
Arcadismo em portugal
 
Arcadismo
Arcadismo Arcadismo
Arcadismo
 
Teatro no Brasil (origem e representantes)
Teatro no Brasil (origem e representantes)Teatro no Brasil (origem e representantes)
Teatro no Brasil (origem e representantes)
 
Arcadismo
Arcadismo Arcadismo
Arcadismo
 
Ssa 1 arcadismo atividades
Ssa 1  arcadismo  atividadesSsa 1  arcadismo  atividades
Ssa 1 arcadismo atividades
 
Arcadismo em portugal
Arcadismo em portugalArcadismo em portugal
Arcadismo em portugal
 
Santa Rita durão
Santa Rita durãoSanta Rita durão
Santa Rita durão
 
Eça de queiroz
 Eça de queiroz Eça de queiroz
Eça de queiroz
 
Cesário verde
Cesário verdeCesário verde
Cesário verde
 
Arcadismo I
Arcadismo IArcadismo I
Arcadismo I
 
Arcadismo
ArcadismoArcadismo
Arcadismo
 
Simbolismo
SimbolismoSimbolismo
Simbolismo
 
Modernismo em Portugal & Fernando Pessoa
Modernismo em Portugal & Fernando PessoaModernismo em Portugal & Fernando Pessoa
Modernismo em Portugal & Fernando Pessoa
 
GregóRio De Matos Caroline
GregóRio De Matos CarolineGregóRio De Matos Caroline
GregóRio De Matos Caroline
 
Literatura aula 21 - modernismo em portugal
Literatura   aula 21 - modernismo em portugalLiteratura   aula 21 - modernismo em portugal
Literatura aula 21 - modernismo em portugal
 
Romantismo
RomantismoRomantismo
Romantismo
 
Tudo sobre Machado de Assis
Tudo sobre Machado de Assis Tudo sobre Machado de Assis
Tudo sobre Machado de Assis
 

Semelhante a Bocage 250 anos, de 1765 ao séc xxi (3)

PRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptx
PRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptxPRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptx
PRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptxPedroGonalves971738
 
Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)
Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)
Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)Jose Pinto Cardoso
 
ROMANTISMO
ROMANTISMOROMANTISMO
ROMANTISMODiego
 
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106luisprista
 
Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54
Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54
Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54luisprista
 
Abel Botelho - Visões do Douro
Abel Botelho - Visões do DouroAbel Botelho - Visões do Douro
Abel Botelho - Visões do DouroFátima Rodrigues
 
Salto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de Tavares
Salto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de TavaresSalto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de Tavares
Salto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de TavaresElton Zanoni
 
Modernismo em Portugal
Modernismo em PortugalModernismo em Portugal
Modernismo em PortugalThayne Moura
 
3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasil3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasilGabrielaLimaPereira
 

Semelhante a Bocage 250 anos, de 1765 ao séc xxi (3) (20)

Catabase
CatabaseCatabase
Catabase
 
Catabase
CatabaseCatabase
Catabase
 
Folha 187
Folha 187Folha 187
Folha 187
 
Folha 187
Folha 187Folha 187
Folha 187
 
PRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptx
PRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptxPRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptx
PRÉ MODERNISMO atualiazado 3 ANO.pptx
 
Aquilino Ribeiro
Aquilino RibeiroAquilino Ribeiro
Aquilino Ribeiro
 
Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)
Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)
Lisboa, a cidade de fernando pessoa (terceiro percurso)
 
ROMANTISMO
ROMANTISMOROMANTISMO
ROMANTISMO
 
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 105-106
 
Romantismo
RomantismoRomantismo
Romantismo
 
Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54
Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54
Apresentação para décimo ano de 2011 2, aula 54
 
Quinhentismo i
Quinhentismo iQuinhentismo i
Quinhentismo i
 
Abel Botelho - Visões do Douro
Abel Botelho - Visões do DouroAbel Botelho - Visões do Douro
Abel Botelho - Visões do Douro
 
Visões do douro
Visões do douroVisões do douro
Visões do douro
 
Salto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de Tavares
Salto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de TavaresSalto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de Tavares
Salto, por que me encanta? Histórias imperdíveis sobre a terra de Tavares
 
Estudo da Língua Portuguesa - Autores Fundamentais
Estudo da Língua Portuguesa - Autores FundamentaisEstudo da Língua Portuguesa - Autores Fundamentais
Estudo da Língua Portuguesa - Autores Fundamentais
 
Breve Notícia de Sines, Pátria de Vasco da Gama
Breve Notícia de Sines, Pátria de Vasco da GamaBreve Notícia de Sines, Pátria de Vasco da Gama
Breve Notícia de Sines, Pátria de Vasco da Gama
 
Modernismo em Portugal
Modernismo em PortugalModernismo em Portugal
Modernismo em Portugal
 
Barroco
Barroco Barroco
Barroco
 
3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasil3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasil
 

Mais de Biblioteca Esbocage

Mais de Biblioteca Esbocage (16)

Sismologia na era da comunicação digital
Sismologia na era da comunicação digitalSismologia na era da comunicação digital
Sismologia na era da comunicação digital
 
Derrubar muros, construir pontes
Derrubar muros, construir pontesDerrubar muros, construir pontes
Derrubar muros, construir pontes
 
A música na lírica medieval galego portuguesa
A música na lírica medieval galego portuguesaA música na lírica medieval galego portuguesa
A música na lírica medieval galego portuguesa
 
A música na lírica medieval galego portuguesa
A música na lírica medieval galego portuguesaA música na lírica medieval galego portuguesa
A música na lírica medieval galego portuguesa
 
Dia aberto
Dia abertoDia aberto
Dia aberto
 
Auto da barca do inferno
Auto da barca do infernoAuto da barca do inferno
Auto da barca do inferno
 
Avaliação da classe 5 da coleção da BE da ESB
Avaliação da classe 5 da coleção da BE da ESBAvaliação da classe 5 da coleção da BE da ESB
Avaliação da classe 5 da coleção da BE da ESB
 
Caderno poemas português
Caderno poemas portuguêsCaderno poemas português
Caderno poemas português
 
As palavras...
As palavras...As palavras...
As palavras...
 
Actividades realizadas em articulação com a be
Actividades realizadas em articulação com a beActividades realizadas em articulação com a be
Actividades realizadas em articulação com a be
 
Viver Fotografar Sentimentos
Viver Fotografar SentimentosViver Fotografar Sentimentos
Viver Fotografar Sentimentos
 
Mês das BE Out08
Mês das BE Out08Mês das BE Out08
Mês das BE Out08
 
Poemas Objectos no Dia das BE 2006
Poemas Objectos no Dia das BE 2006Poemas Objectos no Dia das BE 2006
Poemas Objectos no Dia das BE 2006
 
Dia Internacional das Bibliotecas Escolares 2008
Dia Internacional das Bibliotecas Escolares 2008Dia Internacional das Bibliotecas Escolares 2008
Dia Internacional das Bibliotecas Escolares 2008
 
Dia da Poesia 09
Dia da Poesia 09Dia da Poesia 09
Dia da Poesia 09
 
Árvore da Liberdade 08
Árvore da Liberdade 08Árvore da Liberdade 08
Árvore da Liberdade 08
 

Último

421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdfLeloIurk1
 
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfPROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfHELENO FAVACHO
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAPROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAHELENO FAVACHO
 
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para criançasJogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para criançasSocorro Machado
 
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEMPRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEMHELENO FAVACHO
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdfHELENO FAVACHO
 
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptxSeminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptxReinaldoMuller1
 
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdfGEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdfRavenaSales1
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesFabianeMartins35
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptxSlide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptxedelon1
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdfRecomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdfFrancisco Márcio Bezerra Oliveira
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.Mary Alvarenga
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º anoCamadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º anoRachel Facundo
 
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdfProjeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdfHELENO FAVACHO
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfWagnerCamposCEA
 

Último (20)

421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
 
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIXAula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
 
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfPROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAPROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
 
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para criançasJogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
 
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEMPRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
 
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptxSeminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
 
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdfGEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
 
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptxSlide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdfRecomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
 
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º anoCamadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
 
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdfProjeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
 

Bocage 250 anos, de 1765 ao séc xxi (3)

  • 1. BOCAGE: 250 anos, de 1765 ao século XXI António Mateus Vilhena João Reis Ribeiro Maio.2015
  • 2. Com afecto, a quem nos ouve, esperando que dêem este tempo por bem utilizado…
  • 3. «Ironia de um destino infeliz que se prolongou para além da morte, Bocage é hoje ainda para o rural analfabeto da mais remota aldeia, para o garoto precoce das ruas, para a regateira dos mercados de Lisboa, apenas um grande farçola, descarado e vadio, que dava respostas a tempo e tratava as coisas pelo nome. Se Bocage soubesse que o seu nome assina hoje tanta piada insulsa e ordinária, riria talvez – ele que em tantas vezes soube rir de si mesmo – […] com aquele riso de imortalidade que já antevia, ao sentir-se resvalar na decadência do fim.» Esther de Lemos [n. 1929]
  • 4. Magro, de olhos azuis, carão moreno... Júlio Pomar, 1983 Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão n’altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio e não pequeno; Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura, Bebendo em níveas mãos por taça escura De zelos infernais letal veneno; Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades; [Inimigo de hipócritas e frades; ] Eis Bocage, em quem luz algum talento: Saíram dele mesmo estas verdades Num dia em que se achou mais pachorrento. [Num dia em que se achou cagando ao vento.] in Bocage, Rimas, 3º vol, 1804 // [ed. Inocêncio F. da Silva, 1854]
  • 5. Magro, de olhos azuis, carão moreno… Henrique José da Silva (1805); Legrand (1841); O Panorama (1846, nº 13); Pedro Reis (1871); Fernando Santos (Bocage e as Musas, 1929); Luciano dos Santos (Tríptico, 1957); Selos CTT (1965); Selo CTT (2015); Júlio Pomar (1983)
  • 6. Américo Ribeiro, Postais sobre Bocage, s/d Registo de Baptismo de Bocage
  • 7. Em 15 de Setembro de 1765, nesta casa, na Rua de S.Domingos, terá nascido Manuel Maria Barbosa du Bocage… Archivo Pittoresco, 1860, nº 46
  • 8. A casa em que terá nascido Bocage, na Rua Edmond Bartissol… 1862 – Obras na casa, com armas de bispo 1864 (Janeiro) – “Voz do Progresso” apelou à colocação de uma lápide 1864 (Abril) – Colocação da lápide 1886 (Maio) – “Gazeta Setubalense” anunciou a venda da casa 1887 (Abril) – “Semana Setubalense” noticiou a compra por Bartissol 1887 (Agosto) – Bartissol ofereceu a casa à Câmara para ser “biblioteca municipal ou museu bocagiano”
  • 10. Setúbal em 1741 Juan Alvarez de Colmenar, Annales d’Espagne et de Portugal, 1741
  • 11. Janet Schaw [1731-1801] escocesa, viajante, 44 anos – Visitou Setúbal em 1775 –  “O céu estava limpo e sereno – mais de 50 navios ancorados e mais de uma centena de barcos na pesca da sardinha – e ouvia-se cantar. A povoação estava toda à vista, com muitos moinhos de vento a trabalhar lá no alto, o que dava um lindo efeito. A costa é muito escarpada e os montes e terras altas cobertos de trigo ou pastagens, pareciam tão frescos que deliciavam os sentidos.”  Vila “quase completamente arruinada, em grande parte devido ao pavoroso terramoto, e em parte devido aos efeitos ainda mais horrorosos do despotismo.”  Há a “superstição grosseira, onde a religião é o mesmo que o chicote para os escravos e cada indivíduo tem um tribunal da Inquisição dentro de si.” * in Journal of a Lady of Quality, Being the Narrative of a Journey from Scotland to the West Indies, North Caroline and Portugal in the Years 1774 to 1776 (1921)
  • 12. Setúbal vista por Teotónio Banha [1785-1853] 1816 “Perspectiva da Vila de Setúbal vista da Casa do Trapixe, no sítio de Tróia”
  • 13. As quatro paróquias de Setúbal em 1758  Anunciada 800 fogos – 3223 adultos – 83 crianças  São Julião 690 fogos – 3167 habitantes  Sta. Maria 228 fogos – 718 habitantes  S. Sebastião 1148 fogos – 4458 adultos – 200 crianças TOTAIS: 2866 fogos – 11849 habitantes Fonte: Memórias Paroquiais de 1758
  • 14. São Sebastião Habitantes – 39,3% Fortemente abalada pelo terramoto, especialmente a igreja Produtos: sal (500 marinhas entre Setúbal e Alcácer) e peixe (“o mais saboroso pescado de toda a Europa”) [1751 – nasceu Tomás Santos e Silva] [1765 – nasceu Manuel Maria Barbosa du Bocage] Algumas famílias importantes, como os Cabedos, e segundas residências de fidalgos, pelos “grandes gastos da Corte” “Toda esta vila está situada em campina ao longo da praia, menos esta freguesia de São Sebastião, que está situada em um monte com escoante das águas e lavada dos ares, sendo, por isso, a mais sadia da terra.” Fonte: P. Manuel Pereira de Carvalho, Memórias Paroquiais de 1758 JRR,19Abr2005
  • 15. Contemporâneos setubalenses de Bocage Santos e Silva (1751-1816, por F.T.Almeida, 1815) Morgado de Setúbal (1752-1809, por Luciano dos Santos, 1957) Luísa Todi (1753-1833, por Louise Vigée-Lebrun, 1785) Teotónio Banha (1785-1853, M.J. Sendim, 1832)
  • 17. A entrada de Bocage para o mundo da aventura futura – de partidas e chegadas, de conhecimento de mundos novos e de intrigas, de amores e desamores, de prisões e contestações, de escrita e boémia – passou pelo gesto voluntário de assentar praça em Setúbal. Estávamos em 1781… JRR, 15Abr2005 JRR, 15Abr2005 JRR,15Abr2005
  • 18. “Regimento de Infantaria de Setúbal – Em Setembro do ano de 1781 assentou praça voluntariamente nesta Unidade com a idade de 16 anos Manuel Maria Barbosa du Bocage – Viria a ser um dos maiores poetas portugueses – 22-9-1980” JRR, 15Abr2005
  • 19. Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de Setúbal
  • 20. Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de Setúbal Nº: 84 – 6ª Companhia Nome: Manoel Maria Barbosa de Bocaje Idade: 16 Altura: 5 pés e 4 polegadas Serviço: Praça a 22 de Setembro de 1781 Cabelos: castanhos Olhos: pardos Nascimento: Setúbal
  • 21. Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de Setúbal Juramento: 22 de Setembro de 1781 Casualidades: Passagem a Goarda Marinha Sº te 8 por Despº de 5 de Setembro de 1783
  • 22. Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de Setúbal Registo dos Licenciados Do 1º te 15 de Agosto de 1782 De 26 de Junho te 15 de Julho de 1783 De 16 te 31 de Julho de 1783 21 de Agosto te 15 de Setembro de 1783
  • 23. Adeus, meu pátrio Sado... Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado, Mansa corrente, deleitosa, amena, Em cuja praia o nome de Filena Mil vezes tenho escrito e mil beijado. Nunca mais me verás entre o meu gado Soprando a namorada e branda avena, A cujo som descias mais serena, Mais vagarosa para o mar salgado. Devo, enfim, manejar por lei da Sorte Cajados não, mortíferos alfanges Nos campos do colérico Mavorte; E talvez entre impávidas falanges Testemunhas farei da minha morte Remotas margens, que humedece o Ganges. JRR, 26Set2004
  • 24. Camões, grande Camões… e o Fado 1783 – Está na Academia dos Guardas-Marinhas. Vive em Lisboa, na Rua do Loreto. 1786 – Embarca para o Oriente, passando por Rio de Janeiro e Moçambique, até chegar a Goa. 1789 – Revolução Francesa. Desertor. Viaja na China e em Macau 1790 – Regresso a Lisboa. Entrada na “Nova Arcádia” (até 1793). 1791 – Publicação de “Rimas” (1º vol). 1797 – Primeira detenção (Limoeiro e cárceres do Santo Ofício). Inicia traduções. «Lisboa, 7 de Outubro de 1971 – Visita melancólica ao Aljube, a recordar horas más do passado, continuada no Limoeiro por intenção de Bocage, que a 10 de Agosto de 1797, como consta dum velho livro de assentos guardado na cave, deu entrada naquela casa. Afonso Lopes Vieira, em maus versos, que cito de cor, diz que «Os poetas portugueses que não passam pelas prisões / não são dignos descendentes de Camões». Assim é, de facto. Todos os que nesta terra empunham uma lira e se louvam no grande mestre, já que não podem acompanhá-lo nos arroubos do génio, seguem-lhe ao menos as passadas rebeldes. Assim lhe são fiéis. E que outra solução resta aos dirigentes dum país de conformados, senão meter na cadeia os raros inconformados que nele erguem a voz? Mas há uma coisa de que os governantes ainda se não lembraram, por ignorância, evidentemente: de lhes tirar, com a liberdade, a paisagem que se vê através das grades portuguesas. A que Bocage teve diante dos olhos é tão deslumbradora que até eu me senti roubado. Que faria Pina Manique, se soubesse que ela era assim…» Miguel Torga [1907-1993], Diário – XI (1973)
  • 25. «Convenhamos [...] que não é caso de somenos ir eu a descer a Travessa de André Valente e dar de rosto, quase ao virar a esquina, com o poeta Manuel Maria, mais conhecido por Bocage. São encontros que só podem ter-se madrugada alta, quando já ninguém anda pelas ruas ou só andam os predestinados a encontros tais. E não se pense que eu ia – como dizer? – bebido. De madrugada estou sempre lúcido, mesmo que os olhos se me fechem de sono e de fadiga. Ouço os meus passos e a minha respiração – e estou vivo, angustiadamente vivo, por obra e graça do silêncio e da descoberta de estar só, e outra vez só, até já não poder aguentar mais e procurar ao menos o reflexo de um vidro, uma presença visível, embora inexistente. Não sei se o Bocage era ali inexistente. Visível, sim. Dava-lhe na cara a luz de um candeeiro: magro, de olhos azuis. Reconheci-o logo. Olhou para mim, muito sério, mirou-me de alto a baixo e sorriu. Como quem não acredita no que vê ou sorri de si mesmo. Ainda agora não sei se ele estava lúcido – ou bêbedo. Deu-me as boas-noites e as palavras soaram-me como se tivessem sido ditas por um estrangeiro, como se viessem de país sotoposto a este no tempo. Respondi, e ele lá me entendeu. Afinal, falávamos a mesma língua. (…)» José Saramago. Deste mundo e do outro. 1798 – “Reeducação” no Convento de S. Bento. Liberdade em Abril. 1799 – Publicação de “Rimas” (2º vol) 1802 – Vive na Tv. André Valente, em Lisboa.
  • 26. 1805 – Já Bocage não sou… … e, em Lisboa, em 21 de Dezembro, o frio invadiu a casa da Tv. André Valente… JRR,Abr2005 1804 – Grandes dificuldades financeiras. Publicação de “Rimas” (3º vol) 1805 – Morte da sobrinha, com 5 anos. Reconcilia-se com os adversários. Poesias Selectas de Manuel Maria Barbosa du Bocage, J. S. da Silva Ferraz (1864)
  • 27. Ler Bocage 1812 – “Obras Poéticas”, por Desidério Marques Leão 1813 – “Verdadeiras Poesias Inéditas de M. M. B. Bocage”, por Nuno Álvares Pato Moniz 1853 – “Obras Completas”, por Inocêncio Francisco da Silva 1854 – “Poesias Eróticas, Satíricas e Burlescas”, por Inocêncio Francisco da Silva 1875 – “Obras Completas”, por Teófilo Braga 1968-1973 – “Opera Omnia” bocagiana, por Hernâni Cidade 2004-? – “Obra Completa”, por Daniel Pires [5 vols. até 2015]
  • 28. 1871 – A memória em Setúbal (estátua de Bocage) O poeta morrera, Trouxera a pena e instalara-se. Deram-lhe uma pedra fria como morada, Um pedaço de mármore para guardar as palavras. Derretiam-nas o sol. A praça ficara, de repente, animada. Os pombos esvoaçavam livremente, Apenas a liberdade voava com eles. No pedestal da vida, a morte aprisionou-o: Bocage está preso. A liberdade anda nas asas dos pombos… Soltem o poeta… Nídia Jerónimo Martins [n. 1956], inédito
  • 29. 1905 e 2005 – A memória em Setúbal (100 e 200 anos da morte de Bocage) JRR, 13Mar2005 JRR, 13Mar2005 JRR,18Mar2005 Setúbal,TAS,Nov2005 Mendes Estafeta, ed., s/d
  • 31. «Bocage, outro Messias literário, ofusca, dispersa, quase aniquila toda a sinagoga arcádica. Forte igualmente com os idiomas da antiga e moderna Itália, e com o francês, de que sabe não colher senão o necessário, o útil e o bom, abelha delicada entre insectos impuros, que só venenos lhe sugavam dá a ouvir pela primeira vez aos ecos multiplicados e atónitos um falar altíquo e terso, claro e elegante, cheio e harmonioso como nenhum, em poesia, ainda por cá se ouvira, nem se tornou a ouvir.» António Feliciano de Castilho [1800-1875] «[...] Resgatou-se Bocage refugiando-se a só na dor da saudade ou nos raptos religiosos, que os tinha ardentíssimos como todos os infelizes.» Camilo Castelo Branco [1825-1890] «Este, quase desde a infância poeta, apareceu no mundo em toda a efervescência dos primeiros anos, ardente cantor das paixões, entusiasta, agitado do seu próprio natural violento, rápido, insofrido, sem cabal instrução para poeta, com todo o talento (raro, espantoso talento!) para improvisador. (…) Dos sonetos há grande cópia que não tem igual nem em português, nem em língua nenhuma, duma força, duma valentia, duma perfeição admirável.» Almeida Garrett [1799-1854], Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa, 1826
  • 32. «Da transformação literária, representada por um rompimento definido com as tradições literárias portuguesas, pode-se considerar ponto de partida Antero de Quental e a Escola de Coimbra, embora necessariamente precedida de prenúncios e tentativas de tal modificação remontando até 1770, ao esquecido José Anastácio da Cunha (poeta superior ao exageradamente apreciado e insuportável Bocage)». Fernando Pessoa [1888-1935], Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias «O maior drama de Bocage, o mais pungente, foi o de ter vivido em tempo que lhe não convinha. Poeta grande, de vocação autêntica e precoce, viu-se forçado a arrastar o seu destino através de uma época de poesia medíocre. Nascido 30 ou 40 anos depois, não é difícil imaginar o espaço que lhe caberia no espaço do Romantismo.» David Mourão-Ferreira [1927-1996] «Mais do que em qualquer outro dos escritores portugueses seus contemporâneos, teve repercussão em Bocage, o agravamento profundo naquele momento histórico vivido em todas as nações da nossa cultura, do conflito permanente entre a ordem e a liberdade.» Hernâni Cidade [1887-1975] «O poeta consumiu-se na busca incessante de uma felicidade impossível, ora inventando mulheres quiméricas, ora evadindo-se pela volúpia dos sentimentos. A morte horroriza-o e ao mesmo tempo exerce nele uma poderosa sedução: ela é o esquecimento e a paz.» Jacinto do Prado Coelho [1920-1984]
  • 33. “Irmãos” de Bocage Filinto Elísio [1734-1819] António Maria Eusébio, O Calafate [1819-1911] Maria Clementina [n. 1935] Ary dos Santos [1937-1984]
  • 34. Sebastião da Gama (1924-1952) – I SÚPLICA Quem me dera – ai, quem me dera! – ter o estro de Bocage p’ra esta paixão sincera, em verso, cantar e a laje do teu coração quebrar cessando, assim, meu penar. Moça gentil, como és, não acredito qu’exista em Portugal, lés a lés. Tu me ofuscaste a vista c’o’a beleza irradiante que posssuis, loira galante. Já que desdém te mereço apenas, oh amor meu, ajoelhado te peço: Deixa-me, ao menos, que eu te possa ver, e amar como a santa num altar. inédito, Lisboa, 10 – IV – 1940
  • 35. Sebastião da Gama (1924-1952) – II 15 Set 1950 – Lugar de Bocage na Nossa Poesia de Amor, CMSetúbal – apresentada também em Estremoz (Abr 1951) e em Vila Viçosa (Jun 1951) A ideia do Amor em Bocage: • “resultante de um conhecimento directo, uma lição aprendida fora dos livros” • “o Amor foi-lhe uma coisa deleitosa, um risonho prazer. Eis o que o opõe a Camões: o contentamento de amar” • “O desejo percorre a sua poesia toda, sequioso mas terno. (…) Era a paixão em carne viva; nenhum romântico foi tão romântico; assim, é poderosamente que se assenhoreia dele o Ciúme; enche-lhe o Ciúme a boca de injúrias” • “Poesia feita de impulsos, de momentos, de estados de alma; não há pose na poesia de Bocage: aquilo que ali está é aquilo que foi. (…) Bocage diz de frente o que tem a dizer. (…) Seria um amante como Bocage o que encontraríamos, a descermos à essência de cada um.”
  • 36. Alexandre O’Neill (1924-1986) “Auto-Retrato” O’Neill (Alexandre), moreno português, cabelo asa de corvo; da angústia da cara, nariguete que sobrepuja de través a ferida desdenhosa e não cicatrizada. Se a visagem de tal sujeito é o que vês (omita-se o olho triste e a testa iluminada) o retrato moral também tem os seus quês (aqui, uma pequena frase censurada…) No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!) e tem a veleidade de o saber fazer (pois amor não há feito) das maneiras mil que são a semovente estátua do prazer. Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se do que neste soneto sobre si mesmo disse… in Poemas com Endereço, 1962
  • 37. Ary dos Santos (1937-1984) “Ao meu falecido irmão Manuel Maria Barbosa du Bocage” Meu sacana de versos! Meu vadio, Fazes falta ao Rossio. Falta ao Nicola. Lisboa é uma sarjeta. É um vazio. E é raro o poeta que entre nós faz escola. Mastigam ruminando o desafio. São uns merdosos que nos pedem esmola. Aos vinte anos cheiram a bafio, têm joanetes culturais na tola. Que diria Camões, nosso padrinho, ou o Primo Fernando que acarinho como Pessoa viva à cabeceira? O que me vale é que não estou sozinho, ainda se encontram alguns pés de linho crescendo não sei como na estrumeira! in VIII Sonetos, 1984
  • 38. Manuel Ângelo Ochoa (n. 1944) Olhos castanhos, gordo, agreste cara; meio duro dos pés; alta postura; aspeito incerto, ou de alegria ou de tristura; nariz dobrado a meio, feroz, torto; ânimo vário, mais brando agora; co’a idade inclinado a mover-se do coração ferido; p’los cafés matando os dias; a sorrisos gentis, não insensível, digo, a cândidas musas; p’lo confesso tolerando padres: Eis Ochôa: Luas asas lhe deram desta a devaneio. in EnconVoscoAve – É Bonito o Amor (2014)
  • 39. «Bocage continua vivo entre nós; e o seu sonho de imortalidade, que a nomeada grosseira caricaturou, realiza-se, afinal, na emoção com que escutamos ainda a sua voz ardente.» Esther de Lemos [n. 1929], in Bocage – Gigantes da Literatura Universal, 1972 «Bocage [define-se] como poeta, na medida em que, servido por uma técnica excepcional, espontânea e fácil, se nos transmite, sem artifícios retóricos ou exageros emocionais, tal qual é. Esse modo directo de dar- se, vestido apenas pelo figurino do tempo, que ele consegue fazer esquecer de tal maneira o supera, será porventura o sinal do seu drama mais íntimo: Bocage foi um mendigo da ternura. (…) Ler os versos de Bocage (…) é sofrer a dolorosa vivência de um irmão que, servido por linguagem que não é a nossa, não pôde todavia esconder a sua humaníssima condição.» Rogério Peres Claro [n. 1921], in Versos de Bocage – Antologia, 1965 «Em Portugal, a arte de fazer versos chegou ao apogeu com Bocage e depois dele decaiu. Da sua geração, e das que a precederam, foi ele o máximo cinzelador da métrica. [..] Depois dele, Portugal teve talvez poetas mais fortes, de surto mais alto, de mais fecunda imaginação. Mas nenhum o excedeu nem o igualou no brilho da expressão.» Olavo Bilac [1865-1918], in Bocage, 1917