SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 73
A flecha de cupido
Barbara Cartland
Coleção Barbara Cartland nº 247
Publicado originalmente em: 1975
Título original: An Arrow of Love
Copyright para a língua portuguesa: 1990
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Digitalização: Palas Atenéia
Revisão: SHEYLA OLIVEIRA
Para fugir da perversa madrasta que a torturava, ameaçando chicoteá-la se não se casasse com um
insignificante comerciante rico, Melissa teve de tomar uma decisão drástica: escapar de casa e ir se
esconder, trabalhando como criada, na casa de um jovem duque. Mas, para tristeza de Melissa, o
nobre era um homem cético, autoritário, que desprezava e humilhava as mulheres. Desiludida, a jovem
descobriu logo que sua fuga tinha resultado numa tragédia pior do que viver ao lado de sua odiosa
madrasta. Até que, um dia, um lampejo de esperança surgiu em sua vida…
2
CAPÍTULO I
1820
— Senhoras e senhores, vamos beber à saúde dos noivos, com votos para que as
restrições matrimoniais não sejam tão intransigentes.
O cavalheiro jovial, de rosto congestionado, que propunha o brinde com a língua
enrolada, levantou o copo, jogou a cabeça para trás e bebeu todo o conteúdo num só
trago. Com o esforço que fez, um tanto inseguro nos pés, caiu sentado em meio às gar-
galhadas dos convidados, todos bastante "altos".
Melissa Weldon imaginou que já haviam bebido, antes mesmo de irem para a
igreja.
O banquete servido no enorme salão de Rundel Towers, residência da noiva, foi
muito farto. Os pratos suculentos e exóticos sucediam-se ininterruptamente. Mas a
maioria dos presentes estava mais interessada nos vinhos, e os copos de cristal eram
conservados cheios, o tempo todo, até a borda.
"Acho que há um lacaio atrás de cada cadeira", pensou Melissa.
Ela não podia entender como o pai aceitara aquele casamento. Em seu íntimo,
revoltava-se por ver Hesther Rundel tomando o lugar de sua mãe.
As piadas e indiretas, pronunciadas pelos homens em volta da mesa, escapavam-
lhe à compreensão. Todos os comensais tinham maneiras rudes no comer e no beber.
Quando o pai contou que pretendia casar-se com Hesther, Melissa mal pôde
acreditar.
Desde que a mãe morrera, isso era verdade, Hesther tornara suas intenções bem
claras. As visitas dela a Manor House, onde moravam os Weldon, faziam-se cada vez
mais freqüentes. Sempre aparecia com presentes, e punha seus melhores cavalos à
disposição de Denzil Weldon.
De início, Melissa duvidara que o pai se interessasse por Hesther, uma mulher sem
atrativos, perto dos quarenta anos.
"Ela tem cara de cavalo", comentara certa vez uma conhecida de Hesther. "Eu
gosto de cavalos", respondera o marido da tal senhora, "mas não em minha cama".
Talvez fosse devido a sua feiúra que Hesther não conseguira casar, apesar da
considerável fortuna que possuía. Denzil Weldon encantara-se não pela aparência da
noiva, mas sim pelo talão de cheques dela, pelos estábulos e pelo luxo sem par de
Rundel Towers.
— Como é possível, papai, que você queira se casar com uma mulher tão feia e
tão antipática? — Melissa dissera, ao saber das intenções do pai.
— Não tenho outra alternativa, minha filha. Agora que sua mãe morreu, a pequena
mesada que recebíamos de seu avô morreu também. Ele me odeia.
— E acha que vovô não me ajudaria, papai?
— Seu avô não quis nunca tomar conhecimento de sua existência.
Melissa ouvira essa história muitas vezes mas, naquele momento, achava incrível
que o avô não tivesse ficado menos intransigente no decorrer dos anos, levando em
consideração que Eloise Weldon, sua filha, fora muitíssimo feliz com o homem de sua es-
colha, apesar de toda a oposição da família.
Denzil havia sido um homem de procedimento questionável antes de se casar.
Porém, permanecera fiel à esposa nos anos em que viveram juntos.
Seria fácil entender que, sem dinheiro, a vida dele era intolerável. Denzil queria ir a
Londres. Queria praticar esportes, especialmente a equitação. Queria freqüentar cassinos
e clubes. E o que amava, acima de tudo, eram os cavalos.
— Qual a vantagem de morar neste local maravilhoso, se não posso tomar parte
nas caçadas? — perguntara ele à filha.
1
No estábulo dos Weldon havia apenas dois cavalos, e já bastante velhos. Denzil
era excelente cavaleiro, ninguém negava isso, mas apenas quando montava animais
emprestados de amigos ou de Hesther Rundel.
— Acha mesmo, papai, que cavalos e a magnífica mansão de Hesther Rundel
compensam tudo o mais?
Após curta pausa, Denzil replicou:
— Ninguém poderia jamais ocupar o lugar de sua mãe em meu coração, Melissa.
Contudo, conforto e bons cavalos constituem ótimos paliativos à minha dor.
Ele sofria. Não obstante, Melissa receava que seu pai se transformasse num
homem igual aos amigos de Hesther: um beberrão inveterado, e sem outra idéia na
cabeça além de cavalos.
Denzil Weldon era um homem amoroso e, sem dúvida, não agüentava a solidão.
Porém, Hesther Rundel?
Melissa olhava para a mulher que ocupava o lugar de sua mãe, sentada à
cabeceira da mesa. Teve vontade de chorar.
O banquete chegava ao fim, após três longas horas. Hesther levantou-se, então,
declarando que ia se preparar para a viagem.
O casal partiria para Londres, e Melissa imaginava como o pai devia estar contente
em poder renovar seu título de sócio nos famosos clubes da cidade.
Se ela não antipatizasse tanto com sua madrasta, teria pena dela, pois não existia
amor naquele casamento. Hesther comprara um marido!
Ela ordenou que a enteada a seguisse até o quarto.
— Tudo correu bem. Aliás, só se podia esperar isso em Rundel Towers — Hesther
foi logo dizendo.
Enquanto a criada desabotoava seu vestido, ela disse:
— Depressa, sua tola! Não quero ficar aqui em pé a noite inteira!
— Desculpe, miss... — replicou a criada humildemente.
— "Madame" agora, e não se esqueça! — repreendeu-a Hesther. — E saia do
quarto!
Assim que a empregada se retirou, Hesther dirigiu-se a Melissa.
— Quis lhe falar ontem, mas não houve chance, pois você não apareceu por aqui.
— Tive muito a fazer em casa — desculpou-se Melissa. Ela, de propósito, evitara
qualquer contato com a futura esposa de seu pai. Já não suportava mais ouvi-la falar
sobre os presentes que recebera e sobre a lua-de-mel.
— Não há motivo para se ocupar tanto com sua casa. É só apanhar suas coisas,
que acredito não sejam muitas, e sair de lá.
— O que significa isso? — interrogou Melissa.
— Seu pai concordou que Manor House permaneça fechada até encontrarmos um
bom inquilino.
— Oh, não!
Melissa percebeu logo a razão pela qual o pai se mostrara tão esquivo nos últimos
dias. Havia dito a ela que poderia ficar em Manor House, ao menos até o fim do verão.
Sem dúvida, posteriormente, concordara com Hesther quando ela garantira ser jogar
dinheiro fora manter duas casas.
— Já dei ordens aos empregados quanto ao fechamento da casa — prosseguiu
Hesther.
— Quando?
— Amanhã, ou depois de amanhã.
— E quer que eu venha para cá?
Hesther fitou a enteada, com olhos maldosos. Melissa era loura, elegante e
graciosa, de uma beleza marcante. Dois olhos enormes, expressivos, um nariz perfeito e
lábios de curva sedutora enfeitavam um rosto oval.
2
Não havia dúvida de que a madrasta ressentia-se de beleza tão delicada.
— Você virá para minha casa. Por enquanto, é claro — replicou Hesther de modo
rude. — Mas sei que Dan Thorpe a pediu em casamento.
— Ele quer se casar comigo, mas eu não pretendo me casar com ele.
— Isso é seu pai quem decide.
— Papai? — protestou Melissa. — Ele sempre disse que jamais me forçaria a
casar com um homem que eu não amasse.
— Seu pai fala muitas coisas sem pensar. Precisa saber Melissa, que, sem
dinheiro, não tem muitas oportunidades.
— Está querendo dizer que persuadiu meu pai a me forçar a casar com Dan
Thorpe?
— Já comuniquei a ele que seria a melhor solução para você. Dan é rico e a ama.
— Mas não me caso com ele! — retrucou Melissa.
— Você fará o que eu mandar! — gritou Hesther.
— Falarei com papai a respeito. Sei que ele não me obrigaria a casar com quem
quer que fosse, em especial com um homem que detesto como Dan Thorpe.
— Deixe-me tornar as coisas bem claras, Melissa. Não a quero aqui, não quero
mulher alguma em minha casa, agora que tenho um marido. E, se não se casar com Dan
Thorpe, pode morrer de fome que não levantarei um dedo para salvá-la.
— E julga que papai permitiria que isso acontecesse?
— Com franqueza, sim. Ele está casado comigo. Terá tudo o que quiser, tudo que
o dinheiro pode comprar, mas não admitirei que a filha de sua primeira esposa more sob
meu teto, e nem que mantenha uma casa à minha custa. Você não tem outra opção além
de se casar. Ponha isso na cabeça, Melissa!
— Arranjarei um meio de evitar esse casamento. Prefiro esfregar o chão, trabalhar
como criada, a me casar com Dan Thorpe!
Só em pensar nele, Melissa estremeceu.
Dan Thorpe era um rapaz de classe baixa, cujo pai fizera fortuna no comércio. Dan
mudara-se para aquele condado há dois anos, após a morte do pai, e começara a gastar
o dinheiro acumulado em negócios mais ou menos ilícitos.
Comprara uma casa enorme e entretinha amigos de sua classe social.
Circulavam histórias na vizinhança sobre as orgias que lá aconteciam. Dan estava
apenas com vinte e quatro anos de idade, porém aparentava muito mais. Melissa fora
apresentada a ele numa noite de inverno; seu pai o convidara à casa. Dan tinha as botas
e roupas de montaria sujas de lama, e o casaco vermelho ensopado pela chuva. Mas
mostrava-se entusiasmado.
— Foi a melhor caçada da estação — disse Denzil Weldon à filha. — Convidei Dan
Thorpe para tomar um drinque, a fim de celebrarmos o acontecimento.
Os dois homens foram para o escritório e sentaram-se junto à lareira. Melissa levou
a bandeja com os copos e colocou-a ao lado do pai.
Concluiu logo que era verdade o que se falava sobre o rapaz. A impressão que ele
lhe deu foi péssima, e Melissa teria saído imediatamente da sala, se o pai não lhe tivesse
dito:
— Venha conversar conosco, minha filha. Dan perguntou-me de você hoje, e quis
saber a razão de nunca ir às caçadas.
— Nossas estrebarias estão muito desprovidas de animais — replicou Melissa,
com um sorriso.
— Posso lhe fornecer uma montaria, miss Weldon. Acabei de comprar uma égua
que seria perfeita para seu uso.
— Muito obrigada, mas tenho muito a fazer em casa. Não me sobra tempo para
caçadas.
— Não acredito — protestou Dan. — É mesmo verdade?
3
— Vamos, Melissa, aceite a oferta de Dan — insistiu o Sr. Weldon. — Ele tem
tantos animais, que um não lhe fará falta.
Esse foi o começo de um relacionamento que Melissa não pôde evitar. Ela
escondia-se de Dan, saía de casa ao saber que ele iria aparecer, mas em vão.
Enfim, um pouco antes de Denzil Weldon decidir-se a casar com Hesther, Dan
declarou-se:
— Quando vai se casar comigo? — perguntou ele a Melissa, numa tarde em que a
encontrara sozinha.
— Muito me honra seu pedido, Sr. Thorpe, mas não pretendo me casar.
— Isso é bobagem sua! Quando freqüentar mais a sociedade, todos os homens a
pedirão em casamento. Por isso me apresso, para ser o primeiro.
— Devia ter falado com meu pai antes — replicou Melissa. — Mas, de qualquer
maneira, minha resposta é "não".
— Qual o motivo? É por acaso uma moça romântica, que prefere um pedido feito
ao luar, ou coisa parecida? Vamos, aceite, garanto que a farei me amar!
— Nunca! Nunca! — insistiu Melissa com firmeza.
Dan tentou beijá-la, mas ela resistiu com uma violência que o espantou. Correu
para o quarto e trancou a porta. Tão logo o pai voltou à casa, contou-lhe o sucedido.
— Mas ele é rico, Melissa — reiterou o Sr. Weldon.
— Não me importo se se trata do homem mais rico do mundo, e se tem ouro
pendurado no nariz! Ele é repulsivo, me enoja. Quero vê-lo longe de mim! Prometa-me,
papai, que nunca mais o convidará para vir a esta casa!
Denzil prometeu. Mais tarde, porém, cedeu à insistência da futura esposa.
Para Hesther era muito mais interessante que a enteada se casasse logo, e com
um homem rico. Não seria um peso para ela, no futuro.
E, naquele instante, no quarto da madrasta, Melissa tentava apresentar suas
razões.
— Já disse a papai e agora repito: nunca me casarei com Dan Thorpe. E ninguém
me forçará a tal coisa.
— Há meios de se fazer uma moça rebelde obedecer!
— Que pretende insinuar?
— Chicoteei um cavalariço na semana passada, por não me obedecer prontamente
— declarou Hesther. — Ele ainda está de cama.
— E agora me ameaça?
— Se seu pai não conseguir fazê-la se casar com Dan, lançarei mão de meus
próprios métodos. E posso lhe afiançar, Melissa, que sempre obtenho o que desejo.
— Acredito — replicou Melissa, pensando no casamento que acabava de se
realizar.
Hesther levantou-se da penteadeira, dizendo:
— Não quero deixar seu pai esperando por mim. Mas antes previno-a de uma
coisa: se não estiver oficialmente noiva de Dan quando voltarmos da lua-de-mel, farei de
sua vida um inferno; e refiro-me a castigos físicos! Não há ninguém como eu, no condado,
capaz de domar rapidamente um animal chucro. E acredito muito no chicote!
Hesther tocou a sineta e duas criadas surgiram imediatamente.
— Meu vestido! Meu chapéu! Minha pelerine! — gritou ela. — Temos de partir para
Londres agora.
Melissa retirou-se do quarto, horrorizada. Tinha certeza de que Hesther levaria
avante suas ameaças. Já estava no meio da escada quando viu, no hall, um grupo de
homens aguardando pela noiva.
Dan Thorpe encontrava-se entre eles. Tinha um copo na mão e foi ao encontro de
Melissa.
Ela evitou-o. Detestava-o mais ainda do que detestava a madrasta. Algo de horrível
4
naquele homem a fazia tremer. Teve vontade de fugir o mais depressa possível de
Rundel Towers. Queria ir para sua casa, para a paz de Manor House, local cheio de
recordações da mãe.
Às vezes, quando ficava a sós na sala, tinha a impressão de que a mãe estava lá:
aquela mulher de voz musical, de traços suaves, que conservara o marido apaixonado
apesar de todas as vicissitudes por que o casal passara.
Fora apenas depois da morte da esposa que Denzil começara a receber em casa
pessoas da categoria de Dan Thorpe e Hesther Rundel.
Melissa foi direto ao encontro do pai. Ele achava-se bastante "alto", mas não tanto
como os demais convidados.
— Vai cuidar bem de si, não vai, Melissa? — perguntou ele à filha.
— É verdade, papai, que concordou em fechar Manor House?
— Não tive outra saída, minha filha — replicou ele, com tanta tristeza, que Melissa
arrependeu-se de ter-lhe feito a pergunta.
— Entendo, papai. Vou empacotar as coisas de mamãe. Talvez possamos achar
um lugar para guardá-las.
Melissa quis entrar no assunto de Dan Thorpe, mas teve pena do pai. Por isso,
apenas acrescentou:
— Tudo está bem, papai. Não se preocupe com coisa alguma.
Ele pôs a mão no ombro da filha. Nesse instante, a multidão gritou:
— Aí vem a noiva!
Hesther descia as escadas lentamente, com seu vestido de seda arrastando pela
passadeira. Usava um chapéu de aba larga, com véu cobrindo o rosto, escondendo assim
sua feiúra.
Ela beijou todos os amigos, e os noivos partiram sob uma chuva de arroz.
Entraram na carruagem que os aguardava.
Dan Thorpe aproximou-se de Melissa, dizendo:
— Hesther pediu-me que lhe entregasse isto. — Estendeu-lhe o buquê de noiva e
acrescentou: — A pessoa que receber este buquê se casará logo. É o prenuncio de nosso
casamento, Melissa.
Ela não respondeu e saiu correndo. Subiu as escadas para apanhar seu agasalho.
Supondo que Dan a esperasse no hall, desceu pela escada de serviço.
No pátio, tomou sua carruagem, um veículo velho e em mau estado de
conservação, o único que possuíra por muitos anos. Conduzido apenas por um cavalo,
fazia péssima figura junto aos cobriolés, aos coches, aos faetontes, enfim aos carros de
luxo dos convidados.
Jacó, o velho cocheiro dos Weldon, tinha aspecto tão miserável quanto a
carruagem; mas o cavalo estava bem tratado e os arreios brilhavam como prata.
— Imaginei que viria logo, miss Melissa! — exclamou ele.
— Disse a você que sairia assim que pudesse, Jacó.
— Quer mesmo visitar miss Cheryl agora? Ficou um pouco tarde.
— Preciso ir! Ela me mandou um recado esta manhã, antes de sairmos para a
igreja. Não pude fazer nada por Cheryl, ainda.
— Mas levaremos uma hora até a casa dela, miss Melissa.
— Sei disso! Contudo, preciso vê-la. Acho que Cheryl está em dificuldades, Jacó.
— Não me surpreende, miss Melissa. Desgraças sempre vêm em dobro.
— Tem razão, Jacó.
O cocheiro chicoteou o animal e, durante todo o trajeto, Melissa esqueceu-se de
suas mágoas para pensar em Cheryl.
Chery era sua única amiga na vizinhança.
Lady Rudolph Byram, mãe de Cheryl, fora a amiga mais íntima da Sra. Weldon.
Não se passava uma semana sem que as duas mulheres se visitassem. Era inevitável,
5
portanto, que as filhas mantivessem uma amizade firme. Em Cheryl, Melissa encontrava a
irmã que nunca tivera.
Na mesma ocasião em que Melissa soube do casamento do pai, a desgraça
abateu-se sobre a casa dos Byram. Uma diligência conduzida por um cocheiro bêbado
abalroou a carruagem em que lorde e lady Rudolph viajavam.
Esses desastres com diligências eram comuns nas estradas, pois os cocheiros
imprimiam em geral grande velocidade a seus veículos.
O faetonte de lorde Rudolph, sendo muito mais leve, com o impacto foi reduzido a
pedaços.
Lady Rudolph teve morte instantânea, mas seu marido viveu ainda alguns dias e
faleceu em conseqüência de ferimentos recebidos.
Melissa fez companhia a Cheryl, em Byram House, durante a permanência de
lorde Rudolph no hospital. Após a morte dele, Cheryl foi para Manor House, lá
permanecendo por alguns dias.
Melissa planejara visitar Cheryl no dia seguinte ao casamento de seu pai. Porém, o
recado aflitivo da amiga a fez apressar essa visita.
"Algo de terrível me aconteceu! Por favor, venha aqui o mais rápido possível.
Preciso vê-la. Estou desesperada e não sei o que fazer.
Cheryl."
Melissa não podia imaginar o que a afligira tanto. Uma coisa, porém, era clara.
Tendo ela apenas dezessete anos, precisaria morar com um dos parentes de seu pai.
Mas, qual deles?
— Quase não os conheço — dissera ela certa vez a Melissa. — Como você sabe,
papai odiava-os, a todos, e sempre se recusou a manter contato com sua família.
Melissa entendia bem a situação, pois o mesmo acontecera com seus pais.
Denzil Weldon insistira em se casar com a filha de um nobre e rico senhor, que
alimentava pretensões bem mais elevadas para sua única filha. De fato, Denzil não tinha
muito de recomendável a seu favor; apenas charme e o fato de estar terrivelmente apai-
xonado.
Com os pais de Cheryl o problema fora mais ou menos semelhante. Nesse caso,
lorde Rudolph é que era rico, com uma carreira brilhante pela frente. Apaixonou-se pela
filha do administrador das propriedades de seu pai, e com ela se casou, contrariando a
todos.
Para que a família não anulasse seu casamento, o jovem fugiu com a esposa para
a Irlanda e lá viveram os dois por cinco anos. Finalmente voltaram para a Inglaterra, na
ocasião do nascimento de Cheryl. Todavia, os pais de lorde Rudolph recusaram-se a to-
mar conhecimento da existência da neta.
Por esse motivo, lorde Rudolph e a mulher isolaram-se em Lei Cestershire e
permaneceram no mesmo lugar por anos, sem contato com os numerosos familiares.
Era fácil de entender a razão pela qual as duas mulheres, lady Rudolph e a Sra.
Weldon, eram tão amigas.
Talvez por estar muito com Melissa, moça bastante madura, Cheryl aparentasse
mais idade que seus dezessete anos. Era bonita, com cabelos castanhos e enormes
olhos da mesma cor. O que lhe faltava em inteligência era compensado pelo charme.
Cheryl admirava Melissa e sempre seguia os conselhos da amiga.
Tinha um namorado, Charles Saunders, rapaz de vinte e um anos, filho de
fazendeiro local. Charles e Cheryl se amavam muito, vivendo um desses romances que
raramente acontecem na vida real. Ele conhecera Cheryl quando ela ainda estudava na
escola, sendo seu primeiro namorado. Lorde e lady Rudolph aceitaram-no logo, apesar da
grande diferença social existente entre os dois, pois Charles pertencia a uma família
modesta. Afinal de contas, repetia-se o romance deles. Apenas achavam que a filha
deveria esperar até os dezoito anos de idade para se casar.
6
Além disso, Charles, sendo pobre, não poderia se casar antes de sua promoção na
carreira do exército. Ele fazia parte do regimento aquartelado na aldeia.
— Quando Charles for promovido a capitão, nós nos casaremos — Cheryl
confidenciara a Melissa.
— Seus pais consentiram?
— Como hão de recusar? Papai tinha dezessete anos ao se casar com mamãe,
dois meses mais velha que ele. Não podem, com certeza, se opor a nosso casamento.
Logo após a morte dos pais, Cheryl repetira:
— Em algumas semanas Charles receberá a patente de capitão. Aí, nos
casaremos. Ele antes informará o coronel sobre mim.
— E seus parentes, Cheryl? Será que consentirão?
— Por que me preocupar com eles? Papai nunca se preocupou!
— Vai lhes comunicar acerca do casamento? — indagou Melissa, um pouco
apreensiva.
— Claro que não. Nós nos casaremos discretamente. Vou pedir a seu pai que
entre comigo na igreja.
Tudo se apresentava muito fácil aos olhos de Cheryl. Porém Melissa não
acreditava que a família Byram deixasse Cheryl agir a seu bel-prazer, agora que os pais
dela estavam mortos. Afinal, Cheryl era menor de idade.
Enquanto se dirigia à casa dos Byram, Melissa tinha quase certeza de que o
desespero da amiga relacionava-se com seus planos de casamento com Charles
Saunders.
"O que pode ter acontecido?", ela se perguntou muitas vezes durante o longo
trajeto.
Melissa deu um suspiro quando enxergou os enormes portões da linda mansão
georgiana, residência dos Rudolph.
Notou que alguém a esperava, à porta da frente. Era Cheryl.
Assim que a carruagem parou, Cheryl correu ao encontro da amiga, gritando:
— Oh, Melissa, Melissa! Graças a Deus que você veio! Estou em pânico,
simplesmente em pânico!
7
CAPÍTULO II
Cheryl conduziu Melissa bem depressa para o salão. Tão logo o lacaio retirou-se,
Melissa disse:
— O que houve?
— Achei que você nunca chegaria, Melissa. Fiquei olhando, pela janela, horas, e
sabia que você era a única pessoa que poderia me ajudar.
Cheryl estava desesperada, e Melissa abraçou-a.
— Tudo está bem agora, querida. Vamos resolver seu problema juntas. As coisas
não podem ser tão graves como você imagina.
— São piores ainda, muito piores, Melissa.
— Conte-me, então, o que se passa.
Melissa sabia que Cheryl tinha crises de histeria por qualquer pequeno problema,
mas nunca a vira tão agitada.
Ela até que se portara muito bem por ocasião da morte dos pais. Chorara muito
nos braços de Melissa quando a sós, mas, em público, controlara suas emoções e todos
a admiraram por sua coragem.
Naquele instante, porém, Cheryl tremia, bem próxima às lágrimas.
— Mas, afinal, que foi que aconteceu, Cheryl?
Como resposta, Cheryl tirou do cinto do vestido uma carta e deu-a a Melissa.
Estava amassada, e concluía-se que Cheryl a lera e relera muitas vezes.
Num pergaminho grosso, com o brasão do palácio de Aldwick, lia-se:
"Madame,
Tenho ordens de Sua Graça, o duque de Aldwick, de encaminhá-la ao palácio no
dia seguinte ao recebimento desta carta.
Duas carruagens foram enviadas a sua casa, com a devida escolta; segue também
o Sr. Hutchinson, pessoa de confiança de Sua Graça, que cuidará para que nada falte à
sua segurança. Sua Graça permite que uma dama de companhia viaje junto, ninguém
mais.
É desejo de Sua Graça que os cavalos não fiquem esperando por muito tempo;
portanto, a viagem de volta deverá ter início uma hora após a chegada das carruagens à
sua residência.
Aqui permaneço à sua inteira disposição.
Seu respeitoso e humilde servo,
Ebenezer Darwin.
Secretário de Sua Graça, o duque de Aldwick".
Melissa leu a carta e levantou os olhos para Cheryl.
— Entendeu o que isso significa? — indagou Cheryl.
— Que você deve visitar seu tio — replicou Melissa.
— Para ficar sempre lá, para morar com ele! O tio elegeu-se meu tutor. Oh,
Melissa, não posso agüentar tanto sofrimento.
— Como irmão de seu pai e chefe da família, é seu tutor legal. E, francamente,
Cheryl, eu esperava algo como isso.
— Esperava que tio Sergius mandasse me buscar? Nunca pensei em nada desse
tipo. Ele nem compareceu ao funeral!
— Ouvi dizer que mandou um representante.
— Não é a mesma coisa. Tio Sergius nunca deu atenção a mim, odiava papai, e
papai a ele.
— Não obstante, é irmão de seu pai.
— Que tem isso a ver com o caso? Ele foi horrível com papai, não aprovou o
casamento dele com mamãe. Ela me disse que tio Sergius os tratou muito mal quando
8
voltaram para a Inglaterra. Papai não se importou e sempre falou que podia viver muito
bem sem seus parentes, aves de rapina, como os chamava.
Melissa riu muito e tentou consolá-la.
— Acho, querida Cheryl, que você está fazendo uma cavalo de batalha do caso. É
natural que seu tio queira vê-la depois da morte de seus pais. Desconfio que ele deseje
falar com você sobre seu futuro; quer saber com quem você vai morar ou quem viria
morar aqui, com você, no caso de preferir continuar nesta casa.
— Sabe que quero ficar aqui, Melissa. Esta é minha casa, e não pretendo morar
com um desses horríveis Byram que maltrataram tanto papai e mamãe.
— Não há razão para eles a maltratarem agora — declarou Melissa usando de
sensatez. — Além disso, quando você tirar o luto, terá chance de ir a bailes e festas. Está
na idade exata de debutar.
Cheryl deu um pulo da cadeira como se uma serpente a tivesse mordido.
— Como pode falar em debutar? Você, entre todas as pessoas que conheço,
Melissa, sugere que eu tenha um début quando sabe que a única coisa que desejo
realmente é casar-me com Charles?
Melissa suspirou. Adivinhava que esse desejo de Cheryl não era o mesmo da
família Byram.
Tendo sido criada com Cheryl, sabia muito bem do ódio que os parentes de lorde
Rudolph nutriam contra ele, por causa do casamento.
Alegre e irresponsável como fora em toda sua vida, lorde Rudolph ria do escândalo
que provocara entre os parentes.
— Nunca me perdoarão — Melissa ouvira-o dizer muitas vezes. — Mas, a última
coisa que desejo no mundo é ser perdoado. Sinto-me feliz em viver longe deles, e esses
idiotas não têm a mínima idéia de que isso é exatamente o que desejo.
Porém, Melissa pensava que talvez lady Rudolph sentisse falta da vida social que
poderia ter, se o marido não preferisse ser banido de seu meio.
Lorde Rudolph adorava a caça. Treinava seus próprios cavalos e ocupava-se o dia
todo na imensa propriedade.
Para lady Rudolph a vida era bem mais difícil. Não tinha muitas amigas no
condado, e não se interessava por caçadas. Todavia, jamais se arrependera de ter se
casado com lorde Rudolph.
O problema crucial para Cheryl era que a mãe não tinha parentes com quem ela
pudesse morar. Seus avós maternos já haviam falecido. De qualquer maneira, ela teria
melhor vida com a família do pai; mas não seria fácil convencê-la disso. Cheryl pusera na
cabeça apenas uma idéia: casar-se com Charles. Eram, na verdade, feitos um para o
outro. Contudo, concordaria o duque de Aldwick com esse casamento?
— Acho, querida — disse Melissa — que deve obedecer seu tio. Uma vez no
palácio, conte-lhe sobre Charles e talvez ele permita que se casem lá pelo fim do ano.
— No fim do ano? Quero me casar já, assim que Charles for promovido a capitão,
e nada me impedirá! Nada e ninguém!
Melissa suspirou. Via o perigo iminente, mas preferiu não dizer nada.
— Charles sabe sobre a carta? — indagou ela.
— Mandei-lhe um recado, mas a mãe me respondeu que não sabe ao certo
quando ele estará de volta. Talvez hoje, talvez amanhã. Que posso fazer, Melissa, se
Charles chegar depois que eu tiver partido?
— Vamos esperar que isso não aconteça. Agora, Cheryl, suba para fazer as malas.
— Não vou! — protestou Cheryl.
Ela juntou as mãos ao falar e encarou Melissa com ar de desafio, atitude bem
diferente de seu usual comportamento dócil.
— Precisa ir, querida — insistiu Melissa. — Sabe muito bem que seu tio pode
forçá-la.
9
— Odeio tio Sergius! Sempre o odiei!
— Quando o viu pela última vez?
— No enterro de vovô. Papai não queria ir, mas mamãe convenceu-o. Afinal, vovô
só tinha dois filhos: tio Sergius e papai.
— Quer dizer que você se lembra do palácio?
— Sim, eu me lembro. É enorme, sufocante, horrível. Havia lá centenas de
pessoas vestidas de preto, como urubus. Papai riu muito de tudo depois, porém mamãe
achou a cerimônia comovente.
— Você falou com seu tio?
— Ele falou comigo. Um homem assustador e desagradável. Tive a impressão de
que desprezava mamãe. Ela não se queixou. Acho que receava aborrecer papai, mas sei
que se sentiu embaraçada.
— Isso foi há muito tempo. Você tinha só treze anos quando seu avô morreu. Os
sentimentos das pessoas mudam com o tempo.
— Não creio que meu tio tenha mudado. Mas, como não vou ao palácio, não posso
saber com certeza se ele mudou ou não.
— Precisa ir, Cheryl!
— Como podem me forçar? Acha que os criados dele vão me arrastar para dentro
da carruagem?
— Não será preciso, pois você fará o que é certo. Irá de boa vontade, eu sei.
— É aí que você se engana, Melissa. Acho...
Nesse instante, a porta se abriu e um homem de farda apareceu. Cheryl deu um
grito.
— Charles! Charles!
Ela abraçou-o e escondeu o rosto no ombro dele. Charles fitou Melissa e sorriu.
Era um rapaz simpático, com aspecto de pessoa confiável. Melissa logo concluiu
ser impossível suspeitar de Charles Saunders.
— Graças a Deus que veio! Graças a Deus! — gritava Cheryl, levantando para ele
os olhos cheios de lágrimas.
Charles beijou-a nas faces e dirigiu-se a Melissa:
— O que aconteceu?
Melissa estendeu-lhe a carta. Ele leu e observou:
— Esperava por isso.
— Eu não vou! Quero ficar com você, Charles — berrava Cheryl. — Dizia a mesma
coisa a Melissa, agora.
— Escute, meu amor — disse Charles. — Tenho algo a lhe contar.
— Que é? — indagou Cheryl, apreensiva.
— Meu regimento parte para a índia, dentro de três semanas.
Ela não falou nada, não teve energia. Apenas fitou Charles, tremendo de
ansiedade.
— Já conversei com o coronel sobre você — acrescentou ele. — Se pudermos nos
casar depressa, irá comigo para a índia.
Cheryl encostou o rosto no peito dele e exclamou:
— Oh, Charles, estou com tanto medo! É mesmo verdade o que me diz? É verdade
que podemos nos casar?
Ninguém deu opinião, por segundos. Enfim, Charles declarou:
— Isso depende de seu tio consentir.
— Ele vai consentir! Ele tem de consentir!
— Precisamos encarar os fatos com sensatez, querida — observou ele,
preocupado. — Vamos nos sentar e trocar idéias.
— Trocar idéias sobre o quê?
— Sobre o fato de ser pouco provável que o duque consinta em nosso casamento.
10
— Por que haverá ele de fazer objeções?
— Primeiro, porque você é jovem demais. Depois, minha querida, porque você é
uma mulher muito rica.
— E o que essas duas coisas têm a ver com nosso casamento? O amor é o que
conta, e me casarei com quem eu quiser.
Não havia muita convicção nas palavras de Cheryl, pois ela sabia bastante bem
que em geral pais ou tutores escolhiam maridos para os filhas ou tuteladas. Ela sabia que
casamentos eram arranjados, mais para a conveniência dos pais que dos noivos.
Levavam-se em consideração o dote, a fusão de propriedades. Tudo isso pesava muito
mais que o amor dos que se uniam em matrimônio.
— Por que não podemos fugir, como papai e mamãe fizeram? — indagou Cheryl.
— Você é menor, minha querida — explicou Charles. — Só conseguiremos nos
casar se mentirmos sobre sua idade. E isso tornaria o casamento automaticamente nulo,
no caso de seu tio tomar providências para tal.
— Então, que vamos fazer? Não quero deixá-lo, Charles. Recuso-me a ir para o
palácio de Aldwick, a menos que tenha absoluta certeza de me casar com você, antes de
sua ida à índia.
Vendo as coisas tomarem um rumo perigoso, Melissa interferiu:
— Acho, Charles, que Cheryl deve obedecer ao tio. Se ela se recusar a ir para a
casa dele, as coisas ficarão piores do que estão.
— E se ele disser "não" ao nosso casamento? — sussurrou Cheryl.
— Tentarei convencê-lo de que está errado — arriscou Charles, sem muito
otimismo.
Cheryl pulou nos braços dele, exclamando:
— Eu amo você, Charles! Não quero perdê-lo. Ninguém no mundo vai impedir que
eu me case com você!
— Talvez tenhamos de esperar um pouco, Cheryl — aventou Charles.
— Não quero esperar. Quero ir com você para a índia.
— Sabe que também quero que vá. Mas precisamos admitir a possibilidade,
querida, de que você não obtenha o consentimento de seu tio.
— Não posso esperar até os vinte e um anos.
Charles e Melissa se entreolharam. Ambos não ignoravam que, embora com vinte
e um anos de idade, estando ela sob a jurisdição do tio, este poderia não aceitar um
casamento que achasse indesejável.
— Não vamos antecipar os fatos, pensando no pior — sugeriu Melissa. — Acho
que, se você explicar ao duque que conhece Charles há muito tempo e que seus pais
consentiram no casamento, ele dará sua aprovação.
— Jamais conseguirei explicar isso a ele — retrucou Cheryl, meio apavorada. —
Sei que meu tio não me ouvirá. Já lhe disse, Melissa, que ele me apavora. Venha comigo
e diga-lhe tudo você.
— Não posso. Seu tio deixou bastante claro que apenas uma dama de companhia
deverá ir junto.
— Ele detesta mulheres, papai sempre disse. Tratou muito mal mamãe. Mas eu
não vou só com uma criada. Charles, ou você tem de ir comigo.
— Não posso sair daqui, até o fim da semana — declarou Charles. — Por favor,
Melissa, vá você com ela.
— Como posso ir? Se o duque odeia mulheres, não me receberá bem... — Melissa
fez uma pausa antes de continuar: — A menos que eu vá como dama de companhia.
— Dama de companhia? — repetiu Cheryl.
— Por que não? Na verdade, preciso de trabalho, pois não tenho onde morar.
— Não tem onde morar? Que quer dizer com isso, Melissa?
— Minha madrasta mandou fechar Manor House, e não me quer em Rundel
11
Towers.
— Oh, mas ela é muito cruel! É uma mulher má. Aonde pretende que você vá?
— Ela quer que me case com o Sr. Thorpe.
— Não, isso não! — protestou Cheryl. — Ele não é homem para você. É um rapaz
muito desagradável!
— Concordo — replicou Melissa. — Por isso procuro emprego. E não há muitas
opções para uma mulher. Por que não ser sua dama de companhia, Cheryl? Ou
governanta, como quiser me chamar?
O Sr. Hutchinson tinha cabelos grisalhos e expressão preocupada. Melissa
agradou-se dele imediatamente.
— Não pretendia apressá-la, miss Byram — disse ele a Cheryl. — Mas os
cocheiros já estão descansados e acho melhor iniciarmos nossa viagem. Espero chegar à
estalagem, onde vamos passar a noite, mais ou menos às seis horas.
— Sim, claro, vamos — concordou Cheryl. — Estou pronta, e você, Melissa?
O Sr. Hutchinson encarou Melissa com surpresa.
— Vai conosco? — indagou.
— Oh, meu Deus, esqueci de lhe falar que miss Weldon me acompanha! —
exclamou Cheryl. E, dirigindo-se a Melissa: — Acho que podemos confiar ao Sr.
Hutchinson nosso segredo.
Melissa sorriu e tomou a palavra:
— De fato, irei com miss Byram. Mas como Sua Graça insiste que ela se faça
acompanhar apenas por uma criada, essa será minha posição daqui por diante.
— Uma criada? — repetiu o Sr. Hutchinson, incrédulo. — Mas isso não é possível!
— Posso lhe garantir que cuidarei de miss Byram bastante bem. Sei que o duque
não me aceitaria de outra forma, a não ser na posição de empregada.
— Certo. Sua Graça jamais concorda em alterações em seus planos — confirmou
o Sr. Hutchinson.
— Então, não conte nada a ele — pediu Melissa. — Se qualquer coisa sair errada,
nós duas seremos responsáveis. A partir deste momento, sou a criada particular de miss
Cheryl. Só espero que não tenhamos de viajar em carruagens separadas.
— Não, não. A senhorita e miss Cheryl seguirão juntas, e eu atrás. Prefiro viajar
sozinho — acrescentou ele, piscando um olho.
— De acordo. — Melissa sorriu.
Cheryl deu ao mordomo uma carta, para ser entregue a Charles. Melissa teve a
impressão de que a amiga não voltaria mais à sua casa, mas não quis dizer nada para
não aborrecer. Enquanto viajavam, contudo, Cheryl declarou:
— Sinto-me como Perséfone, sendo carregada para as profundezas da Terra, de
onde não há retorno.
— Sua mitologia está um tanto falha — retrucou Melissa. — Perséfone voltou com
a primavera. E o inverno, escuro e desagradável, passou bem depressa.
— Tudo será escuro e desagradável na casa de tio Sergius. Contarei as horas, até
que Charles chegue. Temos de convencer tio Sergius, Melissa. Estive pensando, ontem à
noite, que não posso fazer nada para estragar a carreira de Charles. Ele adora o
regimento e, se tiver de abandoná-lo por minha causa, não me perdoarei.
— E por que teria ele de abandonar o regimento?
— Se acontecer o pior, sempre podemos fugir para a Irlanda.
— Não pense em fugir, Cheryl! Seria horrível para Charles deixar a carreira militar.
Não encontraria prazer em qualquer outro trabalho.
— Sempre encontrará prazer comigo — observou Cheryl, porém sem muita
convicção.
Os viajantes pararam para um pequeno almoço ao meio-dia e, à noite, chegaram
12
numa estalagem bastante luxuosa, a Flying Fox, para pernoitar.
As duas moças foram cumprimentadas pelo proprietário, e uma criada conduziu-as
a um grande quarto com comunicação para outro aposento menor.
— Que bom que você vai ficar perto de mim — disse Cheryl a Melissa. — Tive
medo de que o Sr. Hutchinson nos separasse.
— Ele não faria isso. Afinal, uma dama de companhia tem de ficar sempre junto de
sua patroa, como um cachorro policial, não acha?
— Para protegê-la contra rapazes sedutores? — indagou Cheryl. — Duvido que
haja algum neste lugar.
— A estalagem é bem melhor do que eu esperava. Acha que vão nos servir o
jantar numa sala à parte?
Melissa não gostava da idéia. Sempre que viajava com os pais e ficavam numa
estalagem, ela e a mãe divertiam-se com as histórias que o Sr. Weldon inventava sobre a
identidade e a ocupação dos hóspedes.
Denzil Weldon tinha excelente imaginação e criava histórias, atribuindo a cada um
deles aventuras e crimes, que faziam a esposa e a filha rir o tempo todo.
Assim que se trocaram, as duas moças desceram para jantar numa sala reservada,
como Melissa previra. Era uma sala pequena, com painéis de carvalho e uma grande
lareira.
Pelo caminho ouviram vozes e risadas, vindas da sala de refeições e do bar.
— Parece que há muita gente aqui esta noite — comentou Cheryl.
— Devem ser os passageiros de alguma diligência — observou Melissa. — Ou
talvez viajantes como nós, que preferem fazer o percurso em mais de um dia.
— Gostaria de vê-los.
Tão logo Cheryl falou, a porta da sala grande se abriu e o barulho de vozes
aumentou. Uma criada levava para lá uma bandeja com copos de vinho. A porta foi
fechada de novo, e Cheryl exclamou:
— Deve haver muita gente lá! Vamos espiar?
Ela apertou em seguida um botão do painel e afastou-o um pouco. Por uma fresta
puderam ver uma enorme mesa, com pessoas sentadas à volta.
Havia dois ou mais homens gordos, com aspecto de caixeiros viajantes; um padre;
sitiantes com roupas grosseiras e suas mulheres, com xales feitos a mão; e muitas
crianças. Uma senhora elegante acompanhava um homem idoso, que parecia ser o pai
dela. Porém, seria impossível descobrir a profissão da maior parte dos comensais.
Numa extremidade da sala havia várias mesinhas e, a uma delas, Melissa viu o Sr.
Hutchinson.
À outra mesa pequena estavam dois homens, um de cabelos brancos que
contrastavam com seus olhos muito escuros.
"É tal qual um vilão de novela", pensou Melissa.
Sentava-se ele ao lado de um homem pequeno, não maior que um jóquei, quase
calvo e de olhos acinzentados.
— Todos são pouco interessantes — observou Melissa. — Nem sombra de
rapazes sedutores.
Ela passou os olhos pela sala mais uma vez, só para constatar se de fato não
perdera nada. Nesse momento o homem de cabelos brancos disse:
— Precisamos de um homem que suba a grandes alturas; um consertador de
campanários, por exemplo.
Melissa fechou o painel e sorriu. Seu vilão não passava de um empreiteiro, que
necessitava de alguém para consertar campanários de alguma igreja.
Até seu pai teria dificuldade em inventar uma história sensacional sobre aquelas
pessoas ali reunidas.
— Estou com fome! — declarou Cheryl. — Espero que nos tragam logo qualquer
13
coisa para comer.
Como se fosse uma resposta ao desejo de Cheryl, duas empregadas abriram a
porta trazendo um lauto jantar: sopa de ostras, perna de carneiro com molho de
alcaparras, presunto, cabeça de porco e rosbife. Finalmente, depois de terem
experimentado uma variedade de pudins, Cheryl declarou que não agüentava mais
comer.
Elas dispensaram o queijo, e iam se levantar para sentarem-se junto à lareira,
quando a porta se abriu. Melissa supôs que fossem as criadas para tirar a mesa. Porém,
para grande surpresa das duas, entrou um homem vestido a rigor.
Seu plastrão tinha um nó muito bem-feito, e o paletó ajustava-se sem uma ruga.
Via-se que fora confeccionado por um alfaiate de primeira categoria. As botas altas
brilhavam, e um relógio de ouro sobressaía junto das pantalonas champanhe.
— Gervais Byram! É o primo Gervais, não é?! — exclamou Cheryl.
— Sou eu, sim, Cheryl — respondeu o rapaz, adiantando-se para junto das moças.
— Não imagina como me espantei ao ver a carruagem do tio no pátio, e ao saber que
você se encontrava aqui.
— Estou a caminho do palácio. Tio Sergius mandou me buscar.
— Li nos jornais acerca da morte de seus pais. Ninguém na família se deu ao
trabalho de me informar da tragédia. Sinto muito, Cheryl. Deve ter sido um grande golpe
para você.
— Foi — replicou Cheryl, contendo as lágrimas. E, com esforço, prosseguiu: —
Deixe-me apresentá-los. Melissa, este é meu primo Gervais Byram; minha amiga Melissa
Weldon.
Melissa achou-o simpático. Ao mesmo tempo, porém, seu instinto lhe dizia que
qualquer coisa de errado havia nele. Era uma impressão que não podia explicar nem a si
mesma, mas não deixava de ser inegável sentido de desconfiança contra o rapaz.
Denzil Weldon sempre brincava com a filha sobre essa clarividência. Melissa via
coisas em pessoas assim que as conhecia. E suas primeiras impressões provavam, mais
tarde, serem verdadeiras.
Freqüentemente, quando o pai a apresentava a alguém, perguntava depois:
— Bem, Melissa, que achou dele?
E o julgamento de Melissa era sempre correto. No decorrer dos anos, a verdade
vinha à tona.
— Como você pôde saber que ele não passava de um canalha? — o pai lhe
indagara certa vez, quando um homem que eles encontraram casualmente fora preso seis
meses mais tarde.
— Não posso lhe explicar, papai. Há uma convicção dentro de mim. Sempre sei
quando existe algo de errado nas pessoas.
— E quando há algo certo?
— Então, em geral, não sinto nada.
— Custa-me crer nessa sua aptidão, minha filha.
Porém, ano após ano, a intuição de Melissa provava ser autêntica.
— Deve-se isso ao seu sangue escocês, penso — dissera Denzil,um dia. — Minha
trisavô era uma Macdonald, ou uma Campbell, não me lembro bem. Sua mãe tem um
exército de antepassados escoceses; todos eles, acho, meio visionários, e devem ter sido
queimados na fogueira como bruxos!
— Não é o sangue escocês de Melissa o causador disso — admitira a Sra.
Weldon. — E sim o fato de minha avó ser russa.
— Na verdade, esse motivo conta! — exclamou Denzil. — Os eslavos são
misteriosos, introspectivos e, naturalmente, muito ligados às fadas, aos duendes, aos
demônios, e a todos os habitantes extraterrestres.
O Sr. Weldon provocava a filha, e ela ria. Porém, Melissa se perguntava se de fato
14
havia alguma coisa nela diferente dos outros. Sentia, adivinhava coisas que as pessoas
só vinham a saber depois de informadas.
Naquele momento, ela viu que existia algo errado no primo de Cheryl, apesar de o
rapaz ser muito charmoso.
Ele sentou-se e pediu um copo de vinho. Cheryl contou que o tio a mandara buscar
com urgência, não lhe dando tempo suficiente para empacotar tudo.
— É bem do jeito de Sua Graça! — exclamou Gervais. — É difícil se encontrar um
autocrata mais egoísta, mais sem consideração.
Depois de curta pausa, Cheryl declarou:
— Tenho medo de tio Sergius.
— E com razão — confirmou Gervais. — E eu o odeio! Mas todos temos de nos
curvar diante do grande monarca!
— Por que todos?
— Pela simples razão, minha linda priminha, de que ele é o dono do dinheiro.
— Não em meu caso.
— Não?
— Papai deixou-me uma grande fortuna.
Melissa achou que Gervais se surpreendia com a notícia, e percebeu que ele, de
repente, tornava-se mais atencioso com a prima.
Quando as moças se levantaram para ir ao quarto, ele beijou a mão de Cheryl.
— Espero vê-la no palácio, prima.
— Vai para lá?
— Sim, se o monstro me receber.
Cheryl não falou nada a ele sobre Charles Saunders, e Melissa estranhou. Só no
quarto, mais tarde, soube a razão.
— Que você achou do primo Gervais? — perguntou Cheryl.
— É simpático e muito elegante.
— Elegante ele é — concordou Cheryl. — Mas está sempre cheio de dívidas e
papai o descrevia como um vagabundo.
"Eu estava certa, então!", disse Melissa a si mesma. E depois, acrescentou em voz
alta:
— Você não gosta dele?
— Não.
— Por que não?
— Não viu, Melissa, como Gervais está contente por papai ter morrido?
— Cheryl! Que coisa horrível de se dizer! Como pode pensar assim?
— É verdade! Agora ele é o herdeiro de tio Sergius. Papai sempre falou que
Gervais adorava o fato de eu ser mulher e filha única! Uma vez ouvi papai dizer a mamãe:
"Gostaria de ter um filho homem, só para tirar as esperanças de Gervais ser herdeiro de
Sergius".
— Mesmo assim não posso acreditar que seu primo tenha se alegrado com o fim
trágico de seus pais — observou Melissa.
Logo que falou lembrou-se de que ele não se mostrara muito pesaroso ao dar
condolências a Cheryl.
— Por que seu tio nunca se casou? — perguntou Melissa. — Ele não é mais tão
jovem, não?
— Tem um ano mais que papai. Deixe-me pensar. Papai estava com dezoito anos
quando eu nasci, portanto, agora ele teria trinta e cinco. Tio Sergius deve ter trinta e seis.
Mas espere até vê-lo! Ele é tão velho e tão desagradável como o diabo!
— Cheryl, não diga essas coisas! — censurou-a Melissa. Não era da natureza de
Cheryl ser maldosa, mas Melissa podia entender essa agressividade depois do
tratamento cruel que fora dado a seus pais pela família.
15
De qualquer modo, não seria conveniente para o futuro de Cheryl tomar atitudes
drásticas.
Melissa imaginava se iriam encontrar Gervais no palácio, e se ele se interessaria
por Cheryl, sabendo que agora ela era rica.
— Sim, Gervais alegrou-se com a morte de papai — repetiu Cheryl, como se
falasse consigo mesma. — Será que tio Sergius vai continuar dando dinheiro para ele?
Gervais está sempre ameaçado de ir para a cadeia por causa de dívidas, e uma vez
tentou tomar emprestadas quinhentas libras de papai.
— E seu pai emprestou?
— Acho que sim. Quando mamãe perguntou se ele havia emprestado, papai
desviou o assunto. Você sabe como meu pai era generoso! Mas disse nessa ocasião:
"Dar dinheiro a Gervais é o mesmo que jogar dentro de um poço. Ele só sabe gastá-lo!"
"Não obstante, sofrer miséria é muito triste!", pensou Melissa. "Tenho quase pena
de Gervais."
Lembrava-se das duas vezes em que ela e a mãe queriam comprar coisas e não
podiam; das vezes em que o pai tinha de vender bons cavalos para angariar dinheiro.
Mas isso pertencia ao passado. Agora seu pai poderia comprar os cavalos que
quisesse... Se Hesther consentisse.
Doía-lhe pensar que o pai precisava submeter-se aos caprichos de uma mulher
como Hesther, porque ela era rica.
Mas aí Melissa disse filosoficamente a si própria:
"Nada é perfeito neste mundo, e talvez seja isso o que faz da vida uma aventura
imprevisível!"
16
CAPÍTULO III
Cheryl e Melissa não viram nem sinal de Gervais Byram quando desceram, na
manhã seguinte, do quarto da estalagem. Mas isso não lhes causou espanto, pois já era
bastante tarde. O Sr. Hutchinson dissera que não havia pressa, e que só partiriam depois
das dez horas. E foi o que fizeram.
Eles pararam no caminho para um ligeiro almoço, ao meio-dia. Depois disso teriam
apenas mais uma hora e meia de viagem até o palácio de Aldwick.
Cheryl ficava cada vez mais nervosa, à medida que se aproximavam do destino.
Ao se despedir de Charles, tivera certeza de que o tio concordaria com o
casamento. Mas, aos poucos, convencia-se de que fora otimista demais. Melissa notou
que ela estava muito agitada.
Melissa, por sua vez, também se sentia apreensiva; mas, a par disso, não
conseguia conter sua curiosidade em conhecer o palácio. Ouvira falar tanto dele!
Ao mesmo tempo que lorde Rudolph detestava os parentes vivos, não querendo
contato com eles, tinha orgulho de seus antepassados, da história de sua família e do
acervo adquirido por séculos.
Melissa lembrava-se das explicações que lorde Rudolph dera a Cheryl e a ela,
sobre as origens do palácio de Aldwick.
— Há muito poucos palácios na Inglaterra pertencentes a particulares — afirmara
ele. — Blenheim, é claro, o mais famoso, construído para o duque de Marlborough em
1705. O palácio de Buckdon, em Huntingdonshire, data do século XII, mas é mais novo
que o palácio de Aldwick, que foi sede dos reis de Byambria, muito antes dos normandos
virem à Inglaterra.
— Mas não era tão grande naquela época, como é hoje — observara Cheryl.
— Não, não era. Imagino que se tratasse somente de uma fortaleza, um castelo
que servia de baluarte contra os invasores de outros países, permanentemente em guerra
com seus vizinhos.
— E o palácio atual, quando foi construído? — indagara Cheryl.
— No reinado da rainha Elizabeth I, por um dos seus valorosos cortesãos. Foi a
própria rainha quem deu licença para que se usasse o antigo nome "palácio" à nova
construção. E, embora a casa tenha sido aumentada por várias gerações dos Byram, a
estrutura fundamental é a mesma da era Tudor.
E lorde Rudolph falara a Cheryl sobre os tesouros fabulosos contidos no palácio.
Melissa ouvia tudo com grande interesse, porém Cheryl pouca atenção prestava à
narrativa. Não dava importância à longa história de seus ancestrais, que lutaram através
dos tempos para conservar a propriedade intacta.
"Uma coisa é evidente", Melissa pensava durante a viagem. "Os Byram são muito
orgulhosos."
Fora o orgulho que os fizera furiosos, quando lorde Rudolph causara um escândalo
casando-se com uma mulher de classe social inferior. Fora o orgulho que impedira lorde
Rudolph de tentar uma aproximação com o pai e pedir-lhe perdão, em sua volta à
Inglaterra. Devia ter sido o orgulho também que mantivera os dois irmãos separados.
Melissa propunha-se a trabalhar junto de Cheryl, para fazê-la menos antagonista
em relação ao tio que, afinal de contas, agia acertadamente querendo cuidar da sobrinha
órfã.
— Ouça, Cheryl querida — disse ela a Cheryl, depois do almoço, na última etapa
da viagem. — Peço-lhe, por favor, que seja agradável e compreensiva com seu tio. Se se
portar de maneira agressiva, ele sempre poderá revidar, recusando-se a atendê-la,
quando você lhe pedir para se casar com Charles. Ele talvez até tenha outros planos para
você, e insistirá neles.
17
— Que tipo de planos, Melissa?
— Não sei, ora, mas é compreensível que pense em mandá-la Para Londres, a fim
de você tomar parte nos bailes de debutantes e ser apresentada ao Regente.
— Eu só quero ir à índia, com Charles — teimava Cheryl.
— Entendo, querida, e é claro que tentaremos persuadi-lo a permitir que você se
case antes de Charles partir. Mas não nos deixemos enganar, pensando que vai ser fácil
convencê-lo.
— Tio Sergius nunca se incomodou comigo, no passado. Por que deseja interferir
em minha vida agora?
— Sabe tanto quanto eu que não pode impedi-lo de pensar assim — respondeu
Melissa, com um suspiro.
— Eu o odeio. Você ouviu o primo Gervais dizer que ele é um monstro. É verdade,
ele assusta a todos nós. É um monstro, que usa seu poder como chefe de família para
fazer seus parentes infelizes.
— Veja bem, Cheryl, você não sabe nada ao certo — insistia Melissa, em tom
conciliatório. — Seu tio não se dava bem com seu pai, mas a briga começou muito antes
de ele adquirir o título. E, afinal, se você tivesse um filho que se casasse contra sua
vontade, também ficaria furiosa.
— Se papai houvesse se casado com uma garçonete, ou uma criada, eu poderia
entender. Mas você conheceu mamãe, e viu que amor de pessoa ela era. E meu avô
materno distinguiu-se em seu trabalho como administrador de fazendas. Foram os
orgulhosos Byram, de nariz em pé, que não a acharam digna de seu precioso des-
cendente.
— Cheryl, meu amor, não pode continuar com essa briga que se iniciou antes de
você nascer. Está tudo acabado agora. Não pense no passado, e sim no futuro: no seu
futuro!
Cheryl apertou a mão de Melissa com força e murmurou:
— Estou com medo, com um medo louco de que Charles vá para a índia sem mim,
e que eu não o veja nunca mais.
— Faremos tudo para evitar isso — confortou-a Melissa.
Prosseguiram a viagem em silêncio. Atravessaram um bosque frondoso. A um
dado momento, as árvores pareciam separar-se para exibir o palácio de Aldwick, tal qual
um diamante em meio a um engaste de veludo verde vivo.
Melissa esperava que o palácio fosse imponente, mas o que visualizou foi além
das expectativas.
De pedra clara, as cúpulas arredondadas, as chaminés e as estátuas que
decoravam o telhado silhuetavam-se contra o céu muito azul. O sol refletia-se em cheio
nas vidraças de centenas de janelas.
O palácio era tão grande, que seria difícil de acreditar que pertencesse a uma
única família.
Aproximavam-se. Passaram por uma ponte de pedra, sobre dois imensos lagos.
Tanto Melissa como Cheryl se deslumbraram ante tamanho esplendor!
Havia ao redor do palácio gramados muito verdes, e nas águas prateadas dos
lagos, circundados de papoulas douradas, deslizavam cisnes graciosos.
Tudo era tão lindo, que Melissa agradeceu a Deus ter podido visitar o local, não se
importando com as conseqüências que pudessem advir.
Nunca imaginara coisa tão grandiosa, tão linda, tão emocionante!
A carruagem parou junto aos degraus de pedra, e lacaios de peruca branca e libre
azul e prateada correram para ajudá-las a apear.
Um mordomo, pomposo como um cardeal, saudou-as:
— Bem-vindas ao palácio, senhoritas — disse ele. — Espero que tenham feito boa
viagem.
18
— Foi muito boa, obrigada — replicou Cheryl, um tanto nervosa.
— Venham por aqui, por favor — pediu o mordomo.
O interior do palácio deixou Melissa atônita. Não ficava atrás, em esplendor, da
vista externa.
Numa extremidade do hall havia uma suntuosa escadaria, com balaustrada
dourada e anjos esculpidos. No teto, viam-se cenas mitológicas, deusas e deuses
exuberantes, tudo em cores vivas que iluminavam o ambiente com seu brilho.
O mordomo seguia na frente, enquanto subiam os degraus acarpetados. Melissa
achou que estavam sendo conduzidas ao quarto, afim de se trocarem. E alegrou-se com
isso.
Na estalagem, na hora do almoço, Cheryl derramara um pouco de café no vestido
e Melissa dissera:
— Você precisa se trocar, antes de ver o duque.
— Não se preocupe, teremos muito tempo. Quando estivemos no palácio, na
última vez, só após vinte horas ele se dignou no receber.
— Que esquisito! — exclamou Melissa. — Mas por quê?
— Acho que para deixar mamãe em espinhos. Sei que trato outros parentes da
mesma maneira, porque ouvi os comentário e queixas a respeito.
Melissa não pôde deixar de concluir que o duque era, sem dúvida, uma pessoa
desagradável. Mas não disse nada a Cheryl.
E, naquela hora, seguindo o mordomo ao longo de vastos corredores cheios de
peças antigas e de telas dos antepassados dos Byram, ela pensava em como seria bom
trocar logo a roupa de viagem.
Cheryl vestia um traje muito elegante, recentemente vindo de Londres, da última
moda. Tinha mangas largas e cintura no lugar. Por anos a moda exigira que a cintura
fosse colocada acima ou abaixo do verdadeiro local. A pelerine volumosa, de tafetá, ia
bem de acordo com o que se usava na ocasião.
A roupa de Melissa era bem mais simples. De seda azul, pesada, acentuava sua
cintura muito fina e a transparência da pele.
As duas usavam chapéus de abas largas, amarrados com fitas sob o queixo. O de
Cheryl era enfeitado com carreiras e carreiras de renda, e pequenas penas de avestruz. O
de Melissa tinha somente fitas azuis; porém, essa ausência de ornamentos punha em
evidência seus enormes olhos expressivos e o rosto bem oval.
Enfim, após caminharem por mais um grande corredor, o mordomo parou em
frente à enorme porta de maçaneta dourada. Abriu-a e anunciou, para consternação das
moças, que esperavam ter chegado ao quarto:
— As senhoritas, Vossa Graça!
Cheryl e Melissa entraram, então, numa grande sala com paredes cobertas de
quadros. Mas os olhos de ambas fixaram-se no homem de pé, parado, junto da lareira.
Cheryl adiantou-se lentamente, com medo. Ao primeiro olhar Melissa considerou
ser o duque um perfeito dono para o magnífico palácio.
Alto, de ombros largos, cabelos escuros, tinha as feições de um general romano,
na opinião dela. Havia qualquer coisa de dominador em seu aspecto, como se
comandasse sempre, sem admitir uma desobediência.
Vestia-se com apuro. A roupa justa revelava um físico atlético. Calçava botas de
cano alto.
Mas era o rosto do duque o que impressionava, com expressão cética e altiva.
Nem um sorriso nos lábios firmes. E seus olhos observadores não deixavam escapar um
detalhe sequer da aparência das meninas, como se ele procurasse descobrir o que não
surgia na superfície.
Contudo, não deixava de ser muitíssimo atraente, apesar das rugas do canto da
boca, da linha agressiva do queixo, e da expressão dura do olhar.
19
Cheryl e Melissa saudaram-no.
— Faz muito tempo que nos encontramos pela última vez — disse ele a Cheryl
com voz grave, profunda, ressonante, porém fria e autoritária.
— É verdade, tio Sergius — replicou Cheryl.
— Fez boa viagem?
— Fiz, tio Sergius.
Bem devagar, o duque voltou-se para Melissa.
— Quem é essa moça?
Houve segundos de silêncio. Depois, gaguejando, Cheryl respondeu:
— Minha... dama... de companhia.
Tarde demais. Melissa deduziu que não deveria ter entrado com Cheryl, mas
esperado do lado de fora.
— Sua dama de companhia?
— Sim... tio Sergius.
— E você geralmente se faz acompanhar por sua dama de companhia, dentro do
salão?
A pausa que se seguiu foi embaraçosa. Mas Melissa logo interferiu:
— Peço-lhe que me desculpe, Vossa Graça. Julguei que estávamos indo para
nossos quartos.
Ela saudou-o e fez menção de se retirar. Porém o duque impediu-a.
— Pare! — ordenou ele. — Como é seu nome?
— Melissa Weldon, Vossa Graça.
— Há quanto tempo trabalha para minha sobrinha?
— Não... há... muito tempo, Vossa Graça.
— Onde trabalhou antes?
— Em nenhum lugar. Mas... eu...
— Responda apenas às minhas perguntas — interrompeu-a o duque.
Melissa parou de falar, com os olhos fixos nos dele.
— Há quanto tempo conhece minha sobrinha?
— Há doze anos, Vossa Graça.
— E planejaram as duas isso tudo, para que você se hospedasse em minha casa?
Foi curiosidade, certo?
— Não, Vossa Graça. Tive necessidade de um emprego.
— Por quê?
— Porque minha casa foi fechada e não posso mais morar lá.
— Por que sua casa foi fechada?
— Minha mãe... morreu, e meu pai... casou-se de novo.
— E você não pode morar com ele?
— Não. Minha madrasta não permite.
— E por isso você e minha sobrinha tramaram essa conspiração, esperando que
eu não a descobrisse?
— Garanto a Vossa Graça que serei uma dama de companhia bastante
competente.
— E dividirá seus aposentos com as criadas?
Havia um quê de desprezo nas palavras do duque, e Melissa corou.
— Por favor, tio Sergius - suplicou Cheryl. - Melissa é a minha melhor amiga,
fomos criadas juntas. Estava em dificuldade e eu não consegui arranjar ninguém para me
acompanhar. Não fique zangado com ela, pois de fato não tinha para onde ir.
— Vamos tornar as coisas bem claras, desde o início — declarou o duque. — Não
admito ser enganado, odeio subterfúgios e hipocrisia.
— Desculpe, tio Sergius — disse Cheryl, humildemente.
— E você? — indagou o duque, fitando Melissa. — Que tem a dizer?
20
— Só posso lhe pedir desculpas também, se Vossa Graça sentiu-se ludibriado,
mas não foi essa a nossa intenção — explicou Melissa. — Vim disposta a servir Cheryl,
no papel de dama de companhia. Fiquei, na verdade, muito grata, pela chance de ter
encontrado emprego.
O duque não replicou, e Melissa prosseguiu bem depressa:
— Mas estou pronta a partir, agora que Cheryl já se encontra sob sua proteção.
Talvez Vossa Graça possa fazer a gentileza de me dar transporte até o local mais
próximo onde eu possa tomar a diligência.
O duque olhou para Melissa atentamente, tentando descobrir se ela falava a
verdade. Depois perguntou:
— Se sair daqui, para onde irá?
— Para a casa de minha madrasta. Ela e meu pai estão viajando, em lua-de-mel.
— E pode ficar lá?
— Só até encontrar outro lugar para viver.
— Por favor, tio Sergius, não a mande embora — suplicou Cheryl. — A madrasta
de Melissa é cruel, é muito má. Quer forçar Melissa a se casar com um homem que ela
odeia, um homem desprezível. Preciso ajudar minha amiga, tio Sergius!
— É verdade que tem um pretendente? — indagou ele, fitando Melissa e ignorando
a súplica de Cheryl.
— É verdade, Vossa Graça.
— O homem em questão tem condições de mantê-la?
— Tem, Vossa Graça.
— Então, por que recusa a proposta dele?
— Porque, Vossa Graça... eu não... o amo. Jamais poderia amá-lo.
— E acha que o amor é essencial no casamento? — A voz do duque soava cheia
de sarcasmo.
— Na minha opinião, Vossa Graça, é essencial! — Melissa ergueu a cabeça ao
falar.
De súbito, começava a achar indiscrição da parte do duque questioná-la sobre sua
vida particular, mesmo sendo ele uma pessoa importante.
— Imagino que vá descobrir muito breve, miss Weldon, que o amor é uma ilusão,
um luxo dispensável para quem precisa trabalhar para viver.
"Que direito tem ele de ridicularizar meus ideais?!", refletia Melissa. "De me dizer o
que devo, ou não devo sentir?"
Cheryl era sobrinha do duque, mas ela não tinha relacionamento familiar nenhum
com ele. Não obstante, resolveu não se antagonizar com o homem, pelo bem da amiga.
Mas teve vontade de revelar-lhe que ainda não se desiludira da vida, que o amor para ela
significava mais que quaisquer vantagens financeiras que um casamento com alguém
como Dan Thorpe lhe pudesse prodigalizar.
Notando o conflito emocional em que Melissa se achava, o duque disse a Cheryl,
após alguns segundos:
— Considerando as circunstâncias, permito que miss Weldon fique com você. E
acho que é mais agradável para as duas que ela seja tratada, nesta casa, como amiga
sua.
— Oh, tio Sergius, como posso agradecer-lhe? Estou muito, muito contente!
— Como pretendo que more comigo, Cheryl, penso ser aconselhável que tenha
como companhia uma pessoa de sua idade.
— Obrigada, tio Sergius!
O duque tocou a sineta e o mordomo apareceu.
— Informe a governanta — declarou ele — que miss Cheryl trouxe consigo uma
amiga, e não uma dama de companhia. Diga a ela que providencie uma, breve. E peça
também que arranje dois quartos, um próximo do outro, para as senhoritas. Entendido?
21
— Sim, Vossa Graça.
O duque dirigiu-se depois a Cheryl e a Melissa:
— Penso que gostariam de descansar, agora. Eu as verei na hora do jantar.
As moças saudaram-no e saíram.
Melissa sentia-se como se tivesse vencido a fúria de um ciclone que, por milagre,
não a destruíra. Quando, enfim, encontrou-se a sós com Cheryl, esta disse:
— Ouviu o que tio Sergius falou, Melissa? Que pretende que eu more com ele!
Quando conversarei sobre Charles?
— Talvez esta noite, após o jantar. Ou talvez seja mais prudente esperar até
amanhã.
— Não, não posso esperar! Não tenho muito tempo, se quiser partir com Charles.
Tive a impressão de que tio Sergius conta com minha permanência aqui, para sempre.
— Claro. Ele não imagina que você tenha outros planos, Cheryl.
— Tio Sergius me assusta! Percebeu como ele ficou furioso ao saber que você não
era, na verdade, uma dama de companhia?
— Fui tola em não ter perguntado para onde eu devia ir, assim que chegamos.
Mas, fiquei tão encantada com a beleza, a grandiosidade do palácio, que não desconfiei,
nem por um minuto, que estávamos sendo conduzidas à presença dele.
— Nem eu! — confessou Cheryl. — Meu tio é uma pessoa impressionante, sempre
achei! E você escutou, Melissa, o que ele disse sobre o amor? Não vai entender quando
eu revelar o amor que tenho por Charles!
Melissa concordava com Cheryl, mas não fez comentários. Apavorava-se só em
pensar no momento em que a amiga falasse sobre Charles. O tio nem a ouviria.
Contudo, era melhor não aborrecer Cheryl antes da hora. Rezava para que as
coisas não fossem tão assustadoras como se apresentavam, no momento.
Depois de se trocarem, Melissa sugeriu que percorressem o palácio.
Cheryl estava muito elegante com um vestido de cetim cheio de babados e fitas de
veludo, enquanto Melissa usava um bem simples, de musseline, com uma faixa azul na
cintura.
Melissa entusiasmava-se a cada detalhe da magnífica construção. As salas todas
tinham sido pintadas pelos famosos Verrio e Laguerre.
Dentre os quadros havia alguns de artistas famosos.
A biblioteca, com livros do chão ao teto, tinha uma galeria em plano superior, ligada
ao solo por uma escada em caracol que saía do centro da sala. Lá, Melissa e Cheryl
foram apresentadas ao bibliotecário, um senhor de idade, de cabelos brancos, e que
vivera no palácio toda sua vida. Disse a Cheryl que se lembrava bem do Pai dela, em
criança.
— Podemos tomar alguns livros emprestados? — perguntou Melissa.
— Mas claro — replicou o bibliotecário com um sorriso. — Que assunto lhe
interessa, miss Weldon?
— Queria, antes de qualquer coisa, ler sobre o palácio. Nunca imaginei que uma
casa pudesse ser tão magnífica.
— Admiro muitíssimo este palácio — concordou o bibliotecário. — Deixe-me
mostrar-lhe onde se encontram os livros sobre Aldwick. Pode lê-los à vontade.
— Oh, muito obrigada! Mas acho que preciso morar aqui muitos anos, para
conhecer tudo sobre o palácio e seus tesouros.
— Papai contava-me histórias acerca dos esconderijos dos padres e das escadas
secretas — observou Cheryl. — Podemos vê-los?
— Para isso precisam da permissão de Sua Graça — informou o bibliotecário. —
Os corredores para as escadas não podem ser abertos sem ordem expressa de Sua
Graça.
— Entendo — replicou Melissa. — Há enorme quantidade de visitantes no palácio,
22
e muitos deles Sua Graça mal conhece.
— É verdade — concordou o bibliotecário. — Quando o palácio foi construído,
havia saídas secretas para que os padres católicos pudessem escapar de seus
perseguidores. E, no tempo de Cromwell, a vida de muitos realistas foi salva graças aos
esconderijos.
— É fascinante! — opinou Melissa.
— Muitos fatos históricos se desenrolaram entre as paredes deste edifício. — O
bibliotecário sorriu.
Depois, mostrou a Melissa outros livros que julgava do interesse dela. Porém,
Melissa voltou às prateleiras que continham os compêndios sobre a história dos Byram e
do palácio. Apanhou um para levá-lo ao quarto.
— Leio depressa — ela preveniu o bibliotecário. — Venho buscar outro, antes que
o senhor espere.
— Fico encantado em poder ajudá-la, miss Weldon — disse o velho.
As duas moças enveredaram pela casa, apreciando a galeria de arte, os jardins e a
capela. Esta era parte do palácio original, à qual foram acrescentadas, mais tarde,
esculturas de Grinley Gibbons.
Enfim, após percorrerem quilômetros, Cheryl e Melissa voltaram a seus respectivos
quartos, a fim de descansarem para o jantar.
Ambas estavam preocupadas com o futuro. Melissa ficou satisfeita por constatar
que seu quarto tinha uma porta de comunicação com o de Cheryl. Os aposentos davam
para o jardim cheio de fontes, estátuas e gramados muito verdes.
— Amanhã precisamos ver os quartos de hóspedes — sugeriu Cheryl. — Papai
dizia que eram mais lindos que os de qualquer outra mansão da Inglaterra.
— Adoraria vê-los — declarou Melissa. — Porém agora vamos descansar.
— Posso ficar em seu quarto, Melissa? Estou com medo de ficar só, tenho medo
de meus pensamentos.
— Tudo vai sair bem, Cheryl — replicou Melissa, longe de se sentir confiante,
todavia.
— Quem sabe tio Sergius esteja de bom humor, depois do jantar...
— Com certeza vai estar, Cheryl. — Melissa decidira encorajar a amiga.
Deitaram-se lado a lado na grande cama, e ela falou de outros assuntos, evitando
citar o nome de Charles.
Mais tarde, vestidas para o jantar, desceram. Sua Graça esperava-as num dos
grandes salões.
Mais uma vez Melissa encantou-se com o mobiliário francês; com a tapeçaria
executada a mão, datando do século anterior; e com as magníficas mesas douradas,
cheias de entalhes, obra de William Kent.
Alegrava-se por ter tido uma boa iniciação à arte, através de sua mãe e de lorde
Rudolph, quando ensinava a filha.
"Você pode distinguir, Cheryl, a diferença entre a arte Chippendale e a de seus
imitadores", dizia ele a filha, desatenta na maior parte das vezes, enquanto Melissa
escutava e aprendia.
Mas não era fácil apreciar o salão e, mais tarde, a sala de jantar do palácio,
estando ela apreensiva quanto ao resultado da conversa que Cheryl teria com o tio logo
mais.
O duque sentava-se em cadeira de espaldar alto, à cabeceira da mesa, tendo
Cheryl à direita e Melissa à esquerda.
Uma infinidade de lacaios serviu o jantar em travessas de ouro, com o brasão da
família.
Os pratos sucediam-se, um melhor que o outro, até que a sobremesa foi trazida em
porcelana de Sèvres. Consistia em pêssegos, uvas moscatel e enormes morangos
23
cultivados em estufas.
O duque falou pouco. Melissa supôs que ele não esperava que duas meninas
pudessem acompanhar uma conversa inteligente.
Ela apenas escutava, e tinha a sensação de que assistia a uma peça de teatro ou a
um bale, com o duque no papel principal. Sorriu de sua idéia.
— Parece estar se divertindo, miss Weldon — observou o duque.
— Sinto-me contente por morar aqui — replicou ela. — E por fazer parte de algo
grandioso e, de certo modo, um tanto teatral.
O duque franziu a testa e Melissa resolveu explicar-se melhor:
— Não tive intenção de ser rude, mas Vossa Graça precisa entender que, para
mim, trata-se de experiência nova e interessante! Todos aqui sabem bem seu papel,
ninguém comete erros. Quase se espera um aplauso!
O duque esboçou um sorriso.
— Penso que tencione ser amável, miss Weldon. Porém, as peças teatrais são
ilusórias, e o que acontece em minha casa é real.
— Contudo, para quem vive fora deste seu mundo, é bem irreal — argumentou
Melissa.
— Não estou interessado no mundo lá fora — contestou o duque. — No meu
mundo, espero perfeição, e consigo-a sempre.
As duas moças foram para o salão, após o jantar.
— Devo me entender com ele, assim que se unir a nós? — perguntou Cheryl a
Melissa.
— Não sei... Sim, sim, é melhor falar já.
Melissa acreditava que as coisas, que precisavam ser ditas, deviam ser ditas logo.
Passaram-se vinte minutos até o duque chegar.
Melissa admirou-o mais uma vez, em traje de noite. Seria impossível encontrar-se
homem mais elegante que ele no palácio de Buckingham, ou em Carlton House. E ela
entendia que uma criatura tão perfeita só poderia esperar perfeição ao seu redor.
Observando-o mais atentamente, concluiu que ele tinha aspecto muito jovem
quando punha de lado sua expressão sardônica.
Notara, durante o jantar, que ele comia e bebia pouco. Com certeza desejava
conservar seu corpo esbelto e saudável.
"Gostaria que houvesse um livro sobre Sua Graça na biblioteca", pensou Melissa
de repente. "Seria bom saber o que ele tem feito e... o que pensa... fazer."
O duque sentou-se junto à lareira. Era abril, mas a lenha crepitava e um aroma de
madeira queimada impregnava o ar.
— Precisam me dizer o que querem fazer amanhã — começou ele a falar. — Que
tal um passeio a cavalo?
Cheryl criou coragem e disse:
— Tenho de lhe contar uma coisa, tio Sergius.
— O quê?
— Estou... noiva. Meu noivo será promovido a capitão esta semana, e seguirá para
a índia. Eu gostaria de me casar, antes de ele partir.
— Seus pais sabiam disso? — indagou o duque, após curta pausa.
— Sabiam! Charles me ama desde que eu tinha quinze anos, mas, naturalmente,
precisou esperar. Agora estou com dezessete anos, tio Sergius, e sei que meus pais
consentiriam em que eu fosse para a índia.
— Tem provas desse consentimento?
— Provas?
— Seu casamento foi anunciado na Gazettel Foram feitos os proclamas na igreja?
— Não, teria sido impossível antes da morte de meus pais. O senhor sabe, tio
Sergius, que os subalternos do décimo primeiro batalhão de hussardos não podem casar.
24
Têm de ser promovidos a capitão, e só agora Charles conseguiu essa patente.
— E ele tem licença do coronel para se casar?
— Tem. Charles virá aqui depois de amanhã para falar com o senhor, tio Sergius.
Explicará tudo. Mas, por favor, tio Sergius, Permita que eu me case com ele!
O duque ajeitou-se melhor na poltrona e disse:
— Jamais daria meu consentimento para você se casar na idade de dezessete
anos, e certamente não com o primeiro caça-dotes que aparecesse.
— Charles não é um caça-dotes.
— Tem fortuna pessoal?
— Não — replicou Cheryl. — Mas dinheiro não é importante para nós.
— Dinheiro é sempre importante, em especial se, quando existe, é da mulher.
— Tio Sergius... eu amo Charles...
— Não teve ainda oportunidade de conhecer muitos homens, morando no campo.
Seus pais resolveram isolar-se do resto da família. Afinal, era direito deles. Mas, agora
que sou seu tutor, você está sob minha jurisdição. Não tenho intenção, Cheryl, de permitir
que se case nos próximos anos. E, quando isso acontecer, não será com um jovem sem
dinheiro e que não tenha nada que o recomende.
— Charles tem tudo que o recomenda — protestou Cheryl. — Ele me ama, sempre
me amou. Papai e mamãe aprovaram nosso casamento.
— Talvez quando esse rapaz voltar da índia, deixe-me ver, em dois ou três anos,
você já tenha mudado de idéia.
— Nunca mudarei, nunca! — gritou Cheryl. — Eu o amo desde que nos vimos pela
primeira vez, como também ele me ama. Pertencemos um ao outro. O senhor não tem
direito de interferir... não tem direito de impedir que eu me case com o homem que amo.
— Acho que tenho todo o direito do mundo, legal e moralmente. E ouça bem,
Cheryl: com os bens que possui, terá muitos homens como Charles, pondo o coração a
seus pés, enquanto terão os olhos em sua fortuna.
— Esse não é o caso de Charles. — Cheryl levantou-se, furiosa. — Como pode
dizer isso dele? Eu não tinha dinheiro enquanto papai era vivo, e Charles me amava da
mesma maneira. Não deixarei que o senhor arruine minha vida! Se não permitir que me
case com Charles, fugirei com ele, como papai e mamãe fizeram.
— Não fará nada disso! — replicou o duque, com voz autoritária. — Seu pai agiu
erradamente. E você, pelo que vejo, pretende se comportar da mesma forma! Um
escândalo é suficiente na família! — Ele encarou bem Cheryl ao continuar: — Quando
esse rapaz vier falar comigo, eu o despacharei imediatamente. Não quero caçadores de
dotes e oportunistas em volta de você, enquanto eu for seu tutor. E mais ainda: se souber
que tenta me enganar, tomarei medidas severas par tornar isso impossível.
— Pretende me mandar para seus calabouços? Ou me trancafiar nas torres do
palácio? Isso também seria um escândalo, tio Sergius!
— Não sou assim tão bobo, Cheryl. Providenciarei apenas para que tenha uma
companhia mais severa do que a que possui, no momento. Não será encarcerada, mas
achará impossível escrever cartas de amor, ou fugir. Quando eu encontrar um marido
bom para você, então permitirei que se case.
O duque falava sem ódio, mas cada palavra dele soava como uma martelada.
Ao terminar, Cheryl, que o ouvira em silêncio, os olhos nos dele como hipnotizada,
começou a gritar:
— Não fico aqui com o senhor! Vou-me embora! Quero me casar com Charles,
aconteça o que acontecer! Eu odeio o senhor, odeio! Sempre o odiei, e sei que Charles
me salvará! Eu amo Charles! Que sabe o senhor sobre estar apaixonado?
Cheryl saiu correndo da sala, as lágrimas rolando-lhe pelas faces. Melissa ergueu-
se, fitou o duque que continuava impassível, e declarou calmamente:
— Vossa Graça é cruel e injusto!
25
E, sem o saudar, retirou-se da sala e seguiu Cheryl.
26
CAPÍTULO IV
Cheryl chorou a noite toda, e nada do que Melissa fazia a confortava.
Já era madrugada quando ela, enfim exausta, caiu numa sonolência agitada.
Melissa foi para seu próprio quarto mas, duas horas mais tarde, ouviu-a soluçar.
— Controle-se, querida — aconselhou-a Melissa.
Mas Cheryl enterrou o rosto no travesseiro e rompeu em pranto copioso.
Melissa tocou a sineta. Quando a criada apareceu, pediu-lhe que chamasse a
governanta, a Sra. Meadows, uma mulher idosa que envelhecera no palácio.
— Deseja alguma coisa, miss? — disse ela a Melissa.
— Acho que miss Cheryl precisa de um médico com urgência, Sra. Meadows. Está
muito angustiada e, se continuar chorando assim, ficará muito doente.
— Não posso mandar chamar o médico sem autorização de Sua Graça — replicou
a Sra. Meadows.
Melissa quis protestar mas, antes que o fizesse, a Sra. Meadows continuou:
— Sua Graça já saiu e só voltará à tarde.
Como Melissa a fitasse surpreendida, a Sra. Meadows explicou:
— Sua Graça está inaugurando a nova prefeitura em Melchester, hoje. É um
evento muito importante. Haverá um desfile pela cidade, encabeçado pelo prefeito e pelos
vereadores.
Melissa achava que nada era mais importante, naquele momento, que a dor de
Cheryl.
— Nesse meio tempo, miss, até Sua Graça chegar, vou preparar para miss Cheryl
um chá de flores de limoeiro — sugeriu a Sra. Meadows.
— Isso vai ajudar — concordou Melissa. — Não quero que Cheryl continue
chorando. Não comeu nada até agora.
— Deixe as coisas comigo, miss — declarou a governanta, retirando-se em
seguida.
Logo depois voltou, trazendo para Cheryl uma xícara da tisana misturada com mel.
Melissa teve problemas em convencer Cheryl a tomar o chá. Mas após alguns
goles, bebeu tudo, apesar das lágrimas que lhe corriam pelas faces.
— Ela vai se sentir melhor em cinco minutos, mais ou menos — sussurrou a Sra.
Meadows, saindo do quarto.
— Que vou fazer, Melissa? — soluçou Cheryl. — Se não puder escrever a Charles,
informando-o sobre o que tio Sergius falou, ele chegará aqui esperando me ver... e será
insultado! Você sabe como ele já se sente diminuído por eu ter mais dinheiro que ele!
Charles sairá daqui... e nunca mais me procurará.
Cheryl atirou-se aos braços de Melissa e suplicou:
— Fale com tio Sergius, Melissa. Convença-o a me deixar casar com Charles. Eu
juro, que se ele for à índia sem mim... eu morrerei.
Cheryl começou a chorar de novo, mas sem a mesma intensidade de antes.
Confiava na interferência de Melissa.
— Farei o que puder — prometeu Melissa.
— Falará com tio Sergius?
— Falarei. Mas agora durma um pouco. Quando Charles vier, não a reconhecerá
com esses olhos inchados.
— Estou horrível?
— Horrível, não; mas também não é tão bonita como geralmente é.
Essa observação fez com que Cheryl se controlasse. Melissa acomodou-a nos
travesseiros e, sentando-se à beirada da cama, segurou-lhe a mão.
Após alguns minutos Cheryl fechava os olhos. Sua respiração foi ficando mais
27
profunda e Melissa concluiu que dormia.
Saiu do quarto nas pontas dos pés e deu com a Sra. Meadows, do lado de fora.
— Seu chá consistiu num sucesso — disse Melissa. — Espero que miss Cheryl
durma bem, para compensar as horas de insônia da última noite.
— E a senhora, miss Weldon? Não vai descansar?
— Já dormi um pouco, Estou preocupada com o estado de miss Cheryl, e quero
falar com Sua Graça assim que ele chegar.
— Mandarei avisar a senhora, miss. Mas, se quiser um conselho, dê uma volta
pelo jardim. Pedirei a uma criada que cuide de miss Cheryl, caso ela acorde.
— Muito obrigada — replicou Melissa. — Mas acho que preferia visitar os quartos
dos hóspedes. Miss Cheryl ia mostrá-los a mim hoje, mas acredito que não possa.
— Eu acompanharei a senhora, miss Weldon, e com prazer. Se dependesse de
minha vontade, esta casa estaria sempre cheia de hóspedes, como nos velhos tempos.
Que lindas eram nossas festas! Quando celebramos o vigésimo aniversário de Sua
Graça, havia aqui, incluindo os criados, nada menos de trezentas pessoas.
— Que festa grande! — comentou Melissa.
Enquanto a Sra. Meadows falava, iam atravessando um corredor do centro do
palácio.
No andar térreo ficavam as salas e salões; no primeiro andar estavam os
dormitórios, os quartos de hóspedes; e, mais acima, o quarto das crianças e a sala de
aula, enormes, por sinal.
Os quartos dos hóspedes, como lorde Rudolph falara, eram magníficos. Havia a
"suíte da rainha", construída especialmente para a rainha Elizabeth I: tinha uma enorme
cama com dossel na forma de coroa; o quarto de vestir, o boudoir. Os quartos para as
damas da Corte eram igualmente majestosos.
Havia muitas suítes com camas no estilo de diversas épocas, dependendo de
quando foram decoradas.
Melissa achava que se sentiria amedrontada, se tivesse de dormir numa daquelas
suítes.
Enfim, após os últimos aposentos destinados às visitas, a Sra. Meadows disse:
— Vou lhe mostrar agora o quarto da mãe de Sua Graça. É o mais lindo do palácio.
Ela abriu uma porta e as venezianas. Melissa constatou ser esse quarto, de fato, o
mais bonito de todos. As cortinas eram de veludo rosa, bordadas a mão, e o ambiente
assemelhava-se a um buquê de flores. Enormes espelhos refletiam a luz que entrava
pelas janelas e, sobre o consolo da lareira, havia uma enorme tela do duque adolescente.
Ele estava de pé, com três cachorros; ao longe, via-se o palácio.
Melissa achou-o excepcionalmente bonito, e não muito diferente do homem atual,
apenas com aspecto mais feliz.
— Este quadro foi pintado um pouco antes do vigésimo primeiro aniversário de Sua
Graça — explicou a Sra. Meadows. — Nós costumávamos dizer que nenhum jovem
poderia ser mais atraente.
— Ele tem ar de quem adora a vida — observou Melissa.
— É verdade. Sua Graça era muito feliz nessa época. Estava sempre rindo e tinha
uma palavra amável para todos. O palácio parecia um paraíso.
— E o que aconteceu depois?
— Penso não dever comentar sobre o assunto — declarou a governanta. Em
seguida, não resistindo, continuou: — Para lhe dizer a verdade, miss, nenhum de nós
sabe muito bem o que houve. Sua Graça ia se casar com uma moça bonita e meiga, lady
Pauline. Estava terrivelmente apaixonado.
— Ela morreu? — indagou Melissa.
— Não, não, nada disso. Fomos apenas informados de que não haveria mais
casamento. E Sua Graça partiu para o continente.
28
— Deve ter havido uma razão forte para isso.
— Se houve, nunca viemos a saber. Sua Graça voltou ao palácio dois anos depois,
e totalmente mudado. Não sorria mais.
A Sra. Meadows fechou as venezianas, dizendo:
— Agora, miss, vou lhe mostrar o quarto de Sua Graça. Fica aqui ao lado. Todos
dizem que foi o mais histórico da casa.
— Por que histórico?
— Porque foi daqui que o príncipe Charles fugiu, quando perseguido pelos
soldados de Cromwell. Ele refugiou-se no esconderijo dos padres, atravessou uma
passagem secreta e escapou pelo parque.
— Que interessante! — observou Melissa, olhando à volta para ver se as emoções
daqueles tempos assustadores ainda pairavam no ar.
O quarto, grande, com três janelas, tinha painéis de carvalho num tom marrom
acinzentado. A cama de quatro colunas era rodeada de cortinas vermelhas de seda
pesada, tendo na cabeceira o brasão de Aldwick bordado em tons vivos. As colunas da
cama tinham entalhes dourados. Todo o quarto, muito masculino, possuía mobiliário da
era jacobiana, as mesas com tampo de mármore.
Melissa achou o quarto de uma grandiosidade mais impressionante que os demais,
mas logo admitiu que talvez fosse por saber que o duque dormia lá.
— Deste quarto saía uma passagem secreta que levava à capela, onde os padres
católicos rezavam missa — explicou a governanta. — De acordo com a história, certa vez
um padre, traído por membros da casa, foi assassinado durante a celebração de ce-
rimônia religiosa.
— Que horror! — exclamou Melissa.
— Pergunte ao Sr. Farrow, o bibliotecário, sobre o assunto. Ele pode lhe contar
mais fatos daquela época.
— Vou perguntar — replicou Melissa, demonstrando grande interesse.
Ela e a governanta visitaram mais um ou dois quartos que, apesar de graciosos,
não causaram impressão nenhuma a Melissa, pois ficavam muito aquém dos outros.
Enfim, a Sra. Meadows conduziu Melissa ao jardim.
— Agora, miss, vá tomar um pouco de ar fresco, isso lhe fará bem. Depois, siga
meu conselho e deite-se para descansar.
— Vou obedecer, Sra. Meadows — concordou Melissa.
Ela andou pelos macios gramados, admirando as diversas fontes com suas bases
de pedra que, com certeza, haviam sido importadas da Itália.
Uma pequena cascata lançava suas águas numa canaleta ladeada por canteiros
de flores, que ia até os lagos.
Havia muito a ver, tanto a apreciar! Porém Melissa sentia-se culpada por deixar
Cheryl muito tempo sozinha. E resolveu entrar.
Todavia, constatou que não precisava ter se preocupado. A criada que ficara de
guarda contou-lhe que Cheryl dormira o tempo todo. Melissa espiou para ver se ela
continuava dormindo e retirou-se em seguida para seu quarto, tentando relaxar. Não
conseguiu, ficou remoendo suas idéias sobre o que dizer ao duque.
Não sabia como começar, como persuadi-lo a mudar de procedimento.
Almoçou sozinha, na saleta contígua aos aposentos que ela e Cheryl ocupavam. O
mordomo e dois criados a serviram.
Às três horas um lacaio informou-a de que o duque havia regressado.
Melissa pediu à empregada que cuidasse mais uma vez de Cheryl e foi ao
encontro dele.
O mordomo e seis lacaios encontravam-se no hall, e ela perguntou ao primeiro se
podia ver o duque.
— Acompanhe-me, miss — replicou o mordomo cerimoniosamente. — Eu a levarei
29
à sala particular de Sua Graça.
Os dois atravessaram vastos corredores. Melissa concluiu que era possível fazer
exercício mesmo dentro do palácio, tais as distâncias.
Enfim, chegaram à soleira de uma porta dupla de mogno. Dois lacaios postavam-
se lá, e o mordomo dirigiu-se a um deles.
— Sua Graça está ocupado com um visitante — sussurrou o mordomo a Melissa.
— Eu não sabia disso, do contrário não a teria trazido até cá. A senhora poderá esperar
na sala ao lado e eu virei chamá-la, tão logo Sua Graça esteja desocupado.
— Obrigada — replicou Melissa. — Não tenho pressa.
O mordomo abriu a porta e ela entrou numa sala de paredes decoradas com
gravuras de cenas esportivas e telas a óleo, retratando o palácio em diferentes épocas.
O mordomo fechou a porta e Melissa começou a apreciar os quadros, notando que
o palácio mudara muito no decorrer dos anos.
Quando ela se aproximou de outra porta, perto da lareira, percebeu que podia ouvir
a conversa da sala ao lado, e reconheceu a voz do duque e de Gervais, o primo de
Cheryl.
— Eu disse a você antes, Gervais, que não desejava vê-lo aqui e que não tinha
intenção de pagar nunca mais suas dívidas — falava o duque.
— O tio prefere que eu apodreça numa prisão? Seria um escândalo para a família.
Gervais Byram provocava o duque.
— Não me importa a mínima que você vá preso — insistiu d duque. — Já o
preveni, há tempos, de que não continuaria a financiar suas dívidas de jogo e
extravagâncias loucas, que ultrapassam os limites da credibilidade.
— Esquece-se de que sou seu herdeiro, o futuro duque?
— Infelizmente é coisa que não consigo esquecer. Mas isso não altera minha
determinação de não jogar dinheiro fora.
— É costume, em famílias como a nossa, que se proporciona uma mesada
adequada ao herdeiro do título.
— Desde que me tornei duque venho lhe dando considerável quantia em dinheiro,
dinheiro esse que você esbanja de maneira impressionante. Não lhe darei mais nada. E
saia de minha casa, jál
Após uma pausa, Gervais disse:
— Se essa é a sua última palavra, não tentarei mais. Não desconhece, contudo,
que posso conseguir um empréstimo contando com minhas possibilidades futuras?
— Suas possibilidades, como as chama, não são muito animadoras aos olhos dos
usurários. Sou ainda bastante jovem e não penso em morrer.
— Naturalmente, e lhe desejo boa saúde, tio. Mas, se vai viver muito ou não, isso
depende de Deus.
Havia um quê no modo como Gervais se expressava, que fez Melissa ver nas
palavras dele uma ameaça.
O duque tocou a sineta e, quando o mordomo apareceu disse-lhe:
— O Sr. Gervais vai se retirar. Quer, por favor, conduzi-lo à carruagem?
— Pois não, Vossa Graça!
Melissa só então notou que a tal porta estava entreaberta, razão pela qual ouvira
tudo. Esperava que o duque não a censurasse por haver testemunhado a entrevista
particular que tivera com o sobrinho.
Ela ficou apreciando a vista da janela. Os lagos cintilavam à luz do sol da
primavera. Mais abaixo, no pátio onde as carruagens estacionavam, viu um pequeno
coche preto e amarelo que, com certeza, pertencia a Gervais Byram. Era puxado por dois
cavalos dei cor castanha.
Em poucos minutos Gervais chegou lá. Vestia-se muito bem, melhor ainda que na
estalagem Flying Fox.
30
Ele entrou na carruagem, apanhou as rédeas, mas não partiu.
"Espera por alguém", pensou Melissa. "Quem será?"
Então, de um canto do palácio surgiu um homem que Melissa supôs ser o
cavalariço de Gervais Byram. Ele devia ter ido dar um passeio, enquanto aguardava pelo
amo. Era baixo, pequeno como um menino. Começou a correr e, na pressa, seu chapéu
caiu no solo. Nesse instante, Melissa constatou que o homem era quase calvo, e não um
menino, como imaginara de início.
Ele tomou a carruagem, que logo sumiu entre os carvalhos da longa alameda.
Melissa rezava para que a entrevista de Gervais não tivesse deixado o duque mal-
humorado. Aguardava com apreensão que o mordomo a chamasse.
— Sua Graça já está livre, miss — disse o mordomo logo a Melissa.
Ela dirigiu-se à sala onde o duque se achava, e o mordomo anunciou:
— Miss Weldon, Vossa Graça!
Foi óbvio para Melissa que o duque, sentado na poltrona, com um jornal na mão,
não contava vê-la.
Ele levantou-se e esperou que a moça se aproximasse.
Melissa usava o mesmo vestido branco de musseline, com faixa azul na cintura.
Seus cabelos brilhavam à luz dos últimos raios de sol. Tinha expressão preocupada, mas
aspecto muito jovem.
— Posso falar com Vossa Graça? — pediu ela.
— Mas claro. Sente-se, miss Weldon.
Melissa sentou-se na beirada da cadeira, apertando os dedos nervosamente.
O duque estava à vontade e não tirava os olhos dela. Melissa encontrava
dificuldade em escolher palavras para iniciar sua conversa.
— Cheryl passou a noite toda... acordada — começou enfim. — Quis falar com
Vossa Graça esta manhã para pedir-lhe que chagasse um médico, mas o senhor não se
achava no palácio.
— Crises histéricas não me farão mudar de ponto de vista — observou o duque.
Houve uma longa pausa, após a qual ele perguntou: — Não tem nada mais a me dizer,
miss Weldon?
— Tenho muito... a lhe dizer... mas é difícil, pois o senhor ma amedronta.
Cheio de surpresa, o duque declarou:
— Pensei que fosse mais valente, miss Weldon.
— Pensei também... mas agora sei que sou covarde. Nunca imaginei ter medo de
ninguém, e agora tenho pavor de minha madrasta e... do senhor!
— Lamento causar-lhe tanto medo, miss Weldon.
— Vossa Graça poderia... por favor... ouvir o que tenho a lhe expor... sem ficar
zangado até que eu termine?
— E já antecipa que vou ficar zangado? Que vai me aborrecer com o que pretende
me comunicar?
— É verdade — concordou Melissa. — Mas, mesmo assim, preciso lhe falar.
— Nesse caso, prometo que a ouvirei sem interferir.
— Obrigada.
— Sou todo ouvidos — declarou o duque.
— Estive lendo sobre um antepassado seu, um Ministro da Justiça da Inglaterra. O
livro diz que todos o admiravam e confiavam nele, porque nunca emitia uma sentença
sem antes ouvir as partes interessadas, e sempre tentava abrandar os castigos.
— Quer com isso dizer que não ouvi as razões de minha sobrinha, antes de
considerar os fatos? Conforme me disse ontem, portei-me de maneira cruel e injusta!
— Foi um atrevimento de minha parte julgá-lo mas... assim pensei, Vossa Graça.
— Então, naturalmente preciso ouvir o que tem a me relatar em defesa de Cheryl,
essa moça que, antes de atingir a idade do discernimento, decidiu arruinar sua vida e
31
fazer uma estupidez.
— Considera uma estupidez apaixonar-se? — indagou Melissa. — Sempre
acreditei ser o amor uma coisa que... quando vem não se pode evitar.
Ela notou a expressão do rosto do duque e acrescentou depressa:
— É muito fácil para um cético em matéria de amor dizer que Cheryl é jovem
demais para amar. Pelo visto, Vossa Graça assume que o amor é um sentimento restrito
à idade avançada apenas?
— Não estamos falando sobre o amor, miss Weldon, mas sobre o casamento de
Cheryl!
— Pois bem. Então Vossa Graça pretende, quando achar conveniente, fazer com
que ela se case só se houver vantagens do ponto de vista social? Como pode querer um
destino tão horrível para uma menina como Cheryl, crescida numa atmosfera de amor?
— Isso a faz diferente das outras mulheres?
— Claro que a faz! E também, de qualquer lar que venha uma mulher, ela não
deseja ser tratada como um bem de penhora, uma mercadoria vendida no balcão a quem
der a melhor oferta!
— A maior parte dos casamentos arranjados são muito felizes — disse o duque. —
A mulher tem segurança, o marido lhe dá proteção e nome. Ela adquire uma posição
social e filhos para satisfazer suas necessidades emocionais, chamadas de amor.
— E acha isso suficiente? — indagou Melissa. — Pensa que uma pessoa como
Cheryl possa se satisfazer com um teto sobre sua cabeça, ainda que suntuoso, e a
vaidade de saber que tem um título acrescentado a seu nome, e um brasão em sua
carruagem?
Melissa falava em tom tão mordaz quanto o do duque, e havia um clarão de
rebeldia em seu olhar quando prosseguiu:
— É uma atitude bem machista essa de pensar que a mulher só deseja conforto,
que não tem alma e não sente emoções, salvo a de gratidão pelo homem que lhe deu,
como diz Vossa Graça, "a proteção do nome". — Melissa fez uma pausa, antes de
continuar: — Mulheres têm sentimentos tão profundos, se não mais, quanto os dos
homens. Todavia, o senhor não hesita em nos tratar como se fôssemos marionetes que
passam de mão em mão, ou como animais que podem ser rejeitados a qualquer hora.
— A senhorita discute de maneira convincente, miss Weldon — observou o duque,
mas Melissa achou que ele caçoava. — Contudo, não se esqueça de que o casamento é
a única carreira disponível à mulher.
— Sim, mas o casamento com um homem que ela ame! — completou Melissa. —
Não com um homem cuja única função é transformá-la em máquina de fazer filhos.
— Cheryl é ainda muito jovem. Vai se apaixonar novamente, e por candidato mais
adequado.
— Por que acha que Charles Saunders não é adequado? Vossa Graça chegou a
essa conclusão só porque ele é pobre? Aí está toda a injustiça! O senhor acha que
Charles é um caça-dotes, mas ele ama Cheryl desde o primeiro instante em que a viu,
quando Cheryl não passava de uma garota de quinze anos. Esperou-a, não deu atenção
a outra mulher, contando os dias até que ela tivesse idade suficiente para tornar-se sua
esposa.
A voz de Melissa ficou mais grave ao acrescentar:
— Aí, por causa de uma tragédia do destino, justamente quando os dois iam se
unir, o senhor interfere e não permite que isso aconteça. Não por razões fortes, mas
simplesmente por um preconceito. Não acredita que as mulheres tenham o direito de
amar, e que a decisão caiba a elas, independente da fortuna dos noivos.
Melissa falava de modo agressivo. Caindo em si, percebeu que agredia o duque,
em vez de lhe dirigir uma súplica. Expressou-se, então, de maneira mais amável:
— Não estou cuidando do caso de Cheryl como deveria, reconheço. Tinha o
32
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)
Barbara cartland   a flecha de cupido(1)

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Linda Howard Straini in noapte
Linda Howard  Straini in noapteLinda Howard  Straini in noapte
Linda Howard Straini in noaptedsofia72
 
Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7
Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7
Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7Ade MA
 
Christina lauren-expertul seducător
Christina lauren-expertul  seducătorChristina lauren-expertul  seducător
Christina lauren-expertul seducătorAde MA
 
Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-
Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-
Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-Monica A
 
Sidney Sheldon os doze mandamentos - ppdf
Sidney Sheldon   os doze mandamentos - ppdfSidney Sheldon   os doze mandamentos - ppdf
Sidney Sheldon os doze mandamentos - ppdfJerônimo Ferreira
 
Orgullo y prejuicio y zombies
Orgullo y prejuicio y zombiesOrgullo y prejuicio y zombies
Orgullo y prejuicio y zombiesMonique Clement
 
Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__
Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__
Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__miha ramo
 
Cartas De Amor
Cartas De AmorCartas De Amor
Cartas De Amoreducacao f
 
El principe ceniciento
El principe cenicientoEl principe ceniciento
El principe cenicientoRob Cas Qui
 
Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)
Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)
Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)Ade MA
 
Melissa marr fascinatie
Melissa marr fascinatieMelissa marr fascinatie
Melissa marr fascinatieAde MA
 
Sepupu Ku Yang Hot Perawan
Sepupu Ku Yang Hot PerawanSepupu Ku Yang Hot Perawan
Sepupu Ku Yang Hot Perawanbeesingle41
 
Jay crownover nash
Jay crownover   nashJay crownover   nash
Jay crownover nashLaszló Wolf
 

Mais procurados (20)

Concediu prelungit
Concediu prelungitConcediu prelungit
Concediu prelungit
 
Linda Howard Straini in noapte
Linda Howard  Straini in noapteLinda Howard  Straini in noapte
Linda Howard Straini in noapte
 
Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7
Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7
Julie garwood foc si gheata-buchannan renard7
 
Christina lauren-expertul seducător
Christina lauren-expertul  seducătorChristina lauren-expertul  seducător
Christina lauren-expertul seducător
 
Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-
Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-
Penny jordan-cand-timpul-se-opreste-n-loc-
 
Sidney Sheldon os doze mandamentos - ppdf
Sidney Sheldon   os doze mandamentos - ppdfSidney Sheldon   os doze mandamentos - ppdf
Sidney Sheldon os doze mandamentos - ppdf
 
Setanta
SetantaSetanta
Setanta
 
Orgullo y prejuicio y zombies
Orgullo y prejuicio y zombiesOrgullo y prejuicio y zombies
Orgullo y prejuicio y zombies
 
Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__
Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__
Lisa kleypas diavolul-in_iarna_0.7_08__
 
Liselott
LiselottLiselott
Liselott
 
BOUND TOGETHER
BOUND TOGETHERBOUND TOGETHER
BOUND TOGETHER
 
Cartas De Amor
Cartas De AmorCartas De Amor
Cartas De Amor
 
El principe ceniciento
El principe cenicientoEl principe ceniciento
El principe ceniciento
 
Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)
Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)
Julie Garwood-O nunta de vis(soie pentru altul)
 
Melissa marr fascinatie
Melissa marr fascinatieMelissa marr fascinatie
Melissa marr fascinatie
 
Josephine
JosephineJosephine
Josephine
 
Sepupu Ku Yang Hot Perawan
Sepupu Ku Yang Hot PerawanSepupu Ku Yang Hot Perawan
Sepupu Ku Yang Hot Perawan
 
Jay crownover nash
Jay crownover   nashJay crownover   nash
Jay crownover nash
 
Pippi longstocking
Pippi longstockingPippi longstocking
Pippi longstocking
 
Lendas de-portugal
Lendas de-portugalLendas de-portugal
Lendas de-portugal
 

Destaque (7)

Sandman #13
Sandman #13Sandman #13
Sandman #13
 
Sandman #02
Sandman #02Sandman #02
Sandman #02
 
A saga do tio patinhas %23 02
A saga do tio patinhas %23 02A saga do tio patinhas %23 02
A saga do tio patinhas %23 02
 
Batman #07
Batman #07Batman #07
Batman #07
 
Barbara cartland à procura de uma noiva
Barbara cartland   à procura de uma noivaBarbara cartland   à procura de uma noiva
Barbara cartland à procura de uma noiva
 
Equações diferenciais dennis g. zill vol 01
Equações diferenciais   dennis g. zill vol 01Equações diferenciais   dennis g. zill vol 01
Equações diferenciais dennis g. zill vol 01
 
Sandman #08
Sandman #08Sandman #08
Sandman #08
 

Semelhante a Barbara cartland a flecha de cupido(1)

Barbara cartland a prisão dourada
Barbara cartland   a prisão douradaBarbara cartland   a prisão dourada
Barbara cartland a prisão douradaAriovaldo Cunha
 
marcas do destino - julianne maclean
 marcas do destino - julianne maclean marcas do destino - julianne maclean
marcas do destino - julianne macleanchinitapt
 
Razão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austen
Razão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austenRazão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austen
Razão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austenADRIANA BECKER
 
Barbara cartland a cruz do amor
Barbara cartland   a cruz do amorBarbara cartland   a cruz do amor
Barbara cartland a cruz do amorAriovaldo Cunha
 
Barbara cartland a falsa lady
Barbara cartland   a falsa ladyBarbara cartland   a falsa lady
Barbara cartland a falsa ladyAriovaldo Cunha
 
Artur azevedo joão silva
Artur azevedo   joão silvaArtur azevedo   joão silva
Artur azevedo joão silvaTulipa Zoá
 
Orgulho e preconceito mariana afonso
Orgulho e preconceito   mariana afonsoOrgulho e preconceito   mariana afonso
Orgulho e preconceito mariana afonsofantas45
 
13 histórias que até a mim assustaram alfred hitchcock
13 histórias que até a mim assustaram   alfred hitchcock13 histórias que até a mim assustaram   alfred hitchcock
13 histórias que até a mim assustaram alfred hitchcockTalles Lisboa
 
Barbara cartland a cobicada lady lindsey
Barbara cartland   a cobicada lady lindseyBarbara cartland   a cobicada lady lindsey
Barbara cartland a cobicada lady lindseyAriovaldo Cunha
 
Artur azevedo a tia aninha
Artur azevedo   a tia aninhaArtur azevedo   a tia aninha
Artur azevedo a tia aninhaTulipa Zoá
 
Anne mather -_prisioneira_da_desonra
Anne mather -_prisioneira_da_desonraAnne mather -_prisioneira_da_desonra
Anne mather -_prisioneira_da_desonraNancy Leal
 
Orgulho e Preconceito de Jane Austen
Orgulho e Preconceito de Jane AustenOrgulho e Preconceito de Jane Austen
Orgulho e Preconceito de Jane AustenRita Silva
 
Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...
Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...
Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...Priscila Hilária
 
Candace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombras
Candace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombrasCandace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombras
Candace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombrasAndreia
 

Semelhante a Barbara cartland a flecha de cupido(1) (20)

Barbara cartland a prisão dourada
Barbara cartland   a prisão douradaBarbara cartland   a prisão dourada
Barbara cartland a prisão dourada
 
Ema
EmaEma
Ema
 
marcas do destino - julianne maclean
 marcas do destino - julianne maclean marcas do destino - julianne maclean
marcas do destino - julianne maclean
 
Razão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austen
Razão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austenRazão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austen
Razão e sensibilidade_(sense_and_sensibility)_-_jane_austen
 
Barbara cartland a cruz do amor
Barbara cartland   a cruz do amorBarbara cartland   a cruz do amor
Barbara cartland a cruz do amor
 
Barbara cartland a falsa lady
Barbara cartland   a falsa ladyBarbara cartland   a falsa lady
Barbara cartland a falsa lady
 
Artur azevedo joão silva
Artur azevedo   joão silvaArtur azevedo   joão silva
Artur azevedo joão silva
 
Orgulho e preconceito mariana afonso
Orgulho e preconceito   mariana afonsoOrgulho e preconceito   mariana afonso
Orgulho e preconceito mariana afonso
 
13 histórias que até a mim assustaram alfred hitchcock
13 histórias que até a mim assustaram   alfred hitchcock13 histórias que até a mim assustaram   alfred hitchcock
13 histórias que até a mim assustaram alfred hitchcock
 
Barbara cartland a cobicada lady lindsey
Barbara cartland   a cobicada lady lindseyBarbara cartland   a cobicada lady lindsey
Barbara cartland a cobicada lady lindsey
 
Frei simao
Frei simaoFrei simao
Frei simao
 
Artur azevedo a tia aninha
Artur azevedo   a tia aninhaArtur azevedo   a tia aninha
Artur azevedo a tia aninha
 
Amaldiçoadas trecho
Amaldiçoadas trechoAmaldiçoadas trecho
Amaldiçoadas trecho
 
79
7979
79
 
Anne mather -_prisioneira_da_desonra
Anne mather -_prisioneira_da_desonraAnne mather -_prisioneira_da_desonra
Anne mather -_prisioneira_da_desonra
 
Orgulho e Preconceito de Jane Austen
Orgulho e Preconceito de Jane AustenOrgulho e Preconceito de Jane Austen
Orgulho e Preconceito de Jane Austen
 
Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...
Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...
Concepção dos personagens e perfil das relações sociais nos séculos XVII/XIX ...
 
Bingley, O Primeiro Amor
Bingley, O Primeiro AmorBingley, O Primeiro Amor
Bingley, O Primeiro Amor
 
Bingley, O Primeiro Amor
Bingley, O Primeiro AmorBingley, O Primeiro Amor
Bingley, O Primeiro Amor
 
Candace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombras
Candace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombrasCandace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombras
Candace camp trilogia dos aincourt 02 o castelo das sombras
 

Mais de Ariovaldo Cunha

A saga do tio patinhas # 01
A saga do tio patinhas # 01A saga do tio patinhas # 01
A saga do tio patinhas # 01Ariovaldo Cunha
 
A saga do tio patinhas %23 03
A saga do tio patinhas %23 03A saga do tio patinhas %23 03
A saga do tio patinhas %23 03Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2
Osprey   aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2Osprey   aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2
Osprey aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45
Osprey   aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45Osprey   aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45
Osprey aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cb
Osprey   aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cbOsprey   aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cb
Osprey aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cbAriovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2
Osprey   aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2Osprey   aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2
Osprey aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45
Osprey   aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45Osprey   aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45
Osprey aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941
Osprey   aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941Osprey   aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941
Osprey aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41
Osprey   aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41Osprey   aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41
Osprey aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war ii
Osprey   aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war iiOsprey   aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war ii
Osprey aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war iiAriovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...
Osprey   aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...Osprey   aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...
Osprey aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian front
Osprey   aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian frontOsprey   aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian front
Osprey aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian frontAriovaldo Cunha
 
Revista o pato donald edição 530
Revista o pato donald   edição 530Revista o pato donald   edição 530
Revista o pato donald edição 530Ariovaldo Cunha
 
Osprey aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war ii
Osprey   aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war iiOsprey   aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war ii
Osprey aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war iiAriovaldo Cunha
 

Mais de Ariovaldo Cunha (20)

A saga do tio patinhas # 01
A saga do tio patinhas # 01A saga do tio patinhas # 01
A saga do tio patinhas # 01
 
24 subterrâneo #04
24   subterrâneo #0424   subterrâneo #04
24 subterrâneo #04
 
24 subterrâneo #03
24   subterrâneo #0324   subterrâneo #03
24 subterrâneo #03
 
24 subterrâneo #02
24   subterrâneo #0224   subterrâneo #02
24 subterrâneo #02
 
A saga do tio patinhas %23 03
A saga do tio patinhas %23 03A saga do tio patinhas %23 03
A saga do tio patinhas %23 03
 
24 subterrâneo #05
24   subterrâneo #0524   subterrâneo #05
24 subterrâneo #05
 
24 subterrâneo #01
24   subterrâneo #0124   subterrâneo #01
24 subterrâneo #01
 
A bomba (1948)
A bomba (1948)A bomba (1948)
A bomba (1948)
 
Osprey aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2
Osprey   aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2Osprey   aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2
Osprey aircraft of the aces 017 - german jet aces of world war 2
 
Osprey aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45
Osprey   aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45Osprey   aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45
Osprey aircraft of the aces 016 - spitfire mark v aces 1941-45
 
Osprey aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cb
Osprey   aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cbOsprey   aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cb
Osprey aircraft of the aces 014 - p-38 lightning aces of the pacific and cb
 
Osprey aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2
Osprey   aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2Osprey   aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2
Osprey aircraft of the aces 015 - soviet aces of ww2
 
Osprey aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45
Osprey   aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45Osprey   aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45
Osprey aircraft of the aces 013 - japanese army air force aces 1937-45
 
Osprey aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941
Osprey   aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941Osprey   aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941
Osprey aircraft of the aces 012 - spitfire mk i&ii aces - 1939-1941
 
Osprey aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41
Osprey   aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41Osprey   aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41
Osprey aircraft of the aces 011 - bf 109 d & e aces 1939-41
 
Osprey aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war ii
Osprey   aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war iiOsprey   aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war ii
Osprey aircraft of the aces 008 - corsair aces of world war ii
 
Osprey aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...
Osprey   aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...Osprey   aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...
Osprey aircraft of the aces 007 - mustang aces of the ninth & fifteenth...
 
Osprey aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian front
Osprey   aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian frontOsprey   aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian front
Osprey aircraft of the aces 006 - focke-wulf fw 190 aces of the russian front
 
Revista o pato donald edição 530
Revista o pato donald   edição 530Revista o pato donald   edição 530
Revista o pato donald edição 530
 
Osprey aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war ii
Osprey   aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war iiOsprey   aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war ii
Osprey aircraft of the aces 005 - wildcat aces of world war ii
 

Último

Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasCassio Meira Jr.
 
trabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditaduratrabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditaduraAdryan Luiz
 
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptxQUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptxIsabellaGomes58
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024Jeanoliveira597523
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptxSlides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniModelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniCassio Meira Jr.
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Centro Jacques Delors
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesMary Alvarenga
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMVanessaCavalcante37
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasCassio Meira Jr.
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfManuais Formação
 
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptxLírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptxfabiolalopesmartins1
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfAdrianaCunha84
 
Regência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfRegência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfmirandadudu08
 
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdfGuia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdfEyshilaKelly1
 

Último (20)

Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
 
trabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditaduratrabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditadura
 
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptxQUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
 
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptxSlides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
 
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniModelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
 
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptxLírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
 
Regência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfRegência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdf
 
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdfGuia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
 

Barbara cartland a flecha de cupido(1)

  • 1. A flecha de cupido Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland nº 247 Publicado originalmente em: 1975 Título original: An Arrow of Love Copyright para a língua portuguesa: 1990 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Digitalização: Palas Atenéia Revisão: SHEYLA OLIVEIRA Para fugir da perversa madrasta que a torturava, ameaçando chicoteá-la se não se casasse com um insignificante comerciante rico, Melissa teve de tomar uma decisão drástica: escapar de casa e ir se esconder, trabalhando como criada, na casa de um jovem duque. Mas, para tristeza de Melissa, o nobre era um homem cético, autoritário, que desprezava e humilhava as mulheres. Desiludida, a jovem descobriu logo que sua fuga tinha resultado numa tragédia pior do que viver ao lado de sua odiosa
  • 2. madrasta. Até que, um dia, um lampejo de esperança surgiu em sua vida… 2
  • 3. CAPÍTULO I 1820 — Senhoras e senhores, vamos beber à saúde dos noivos, com votos para que as restrições matrimoniais não sejam tão intransigentes. O cavalheiro jovial, de rosto congestionado, que propunha o brinde com a língua enrolada, levantou o copo, jogou a cabeça para trás e bebeu todo o conteúdo num só trago. Com o esforço que fez, um tanto inseguro nos pés, caiu sentado em meio às gar- galhadas dos convidados, todos bastante "altos". Melissa Weldon imaginou que já haviam bebido, antes mesmo de irem para a igreja. O banquete servido no enorme salão de Rundel Towers, residência da noiva, foi muito farto. Os pratos suculentos e exóticos sucediam-se ininterruptamente. Mas a maioria dos presentes estava mais interessada nos vinhos, e os copos de cristal eram conservados cheios, o tempo todo, até a borda. "Acho que há um lacaio atrás de cada cadeira", pensou Melissa. Ela não podia entender como o pai aceitara aquele casamento. Em seu íntimo, revoltava-se por ver Hesther Rundel tomando o lugar de sua mãe. As piadas e indiretas, pronunciadas pelos homens em volta da mesa, escapavam- lhe à compreensão. Todos os comensais tinham maneiras rudes no comer e no beber. Quando o pai contou que pretendia casar-se com Hesther, Melissa mal pôde acreditar. Desde que a mãe morrera, isso era verdade, Hesther tornara suas intenções bem claras. As visitas dela a Manor House, onde moravam os Weldon, faziam-se cada vez mais freqüentes. Sempre aparecia com presentes, e punha seus melhores cavalos à disposição de Denzil Weldon. De início, Melissa duvidara que o pai se interessasse por Hesther, uma mulher sem atrativos, perto dos quarenta anos. "Ela tem cara de cavalo", comentara certa vez uma conhecida de Hesther. "Eu gosto de cavalos", respondera o marido da tal senhora, "mas não em minha cama". Talvez fosse devido a sua feiúra que Hesther não conseguira casar, apesar da considerável fortuna que possuía. Denzil Weldon encantara-se não pela aparência da noiva, mas sim pelo talão de cheques dela, pelos estábulos e pelo luxo sem par de Rundel Towers. — Como é possível, papai, que você queira se casar com uma mulher tão feia e tão antipática? — Melissa dissera, ao saber das intenções do pai. — Não tenho outra alternativa, minha filha. Agora que sua mãe morreu, a pequena mesada que recebíamos de seu avô morreu também. Ele me odeia. — E acha que vovô não me ajudaria, papai? — Seu avô não quis nunca tomar conhecimento de sua existência. Melissa ouvira essa história muitas vezes mas, naquele momento, achava incrível que o avô não tivesse ficado menos intransigente no decorrer dos anos, levando em consideração que Eloise Weldon, sua filha, fora muitíssimo feliz com o homem de sua es- colha, apesar de toda a oposição da família. Denzil havia sido um homem de procedimento questionável antes de se casar. Porém, permanecera fiel à esposa nos anos em que viveram juntos. Seria fácil entender que, sem dinheiro, a vida dele era intolerável. Denzil queria ir a Londres. Queria praticar esportes, especialmente a equitação. Queria freqüentar cassinos e clubes. E o que amava, acima de tudo, eram os cavalos. — Qual a vantagem de morar neste local maravilhoso, se não posso tomar parte nas caçadas? — perguntara ele à filha. 1
  • 4. No estábulo dos Weldon havia apenas dois cavalos, e já bastante velhos. Denzil era excelente cavaleiro, ninguém negava isso, mas apenas quando montava animais emprestados de amigos ou de Hesther Rundel. — Acha mesmo, papai, que cavalos e a magnífica mansão de Hesther Rundel compensam tudo o mais? Após curta pausa, Denzil replicou: — Ninguém poderia jamais ocupar o lugar de sua mãe em meu coração, Melissa. Contudo, conforto e bons cavalos constituem ótimos paliativos à minha dor. Ele sofria. Não obstante, Melissa receava que seu pai se transformasse num homem igual aos amigos de Hesther: um beberrão inveterado, e sem outra idéia na cabeça além de cavalos. Denzil Weldon era um homem amoroso e, sem dúvida, não agüentava a solidão. Porém, Hesther Rundel? Melissa olhava para a mulher que ocupava o lugar de sua mãe, sentada à cabeceira da mesa. Teve vontade de chorar. O banquete chegava ao fim, após três longas horas. Hesther levantou-se, então, declarando que ia se preparar para a viagem. O casal partiria para Londres, e Melissa imaginava como o pai devia estar contente em poder renovar seu título de sócio nos famosos clubes da cidade. Se ela não antipatizasse tanto com sua madrasta, teria pena dela, pois não existia amor naquele casamento. Hesther comprara um marido! Ela ordenou que a enteada a seguisse até o quarto. — Tudo correu bem. Aliás, só se podia esperar isso em Rundel Towers — Hesther foi logo dizendo. Enquanto a criada desabotoava seu vestido, ela disse: — Depressa, sua tola! Não quero ficar aqui em pé a noite inteira! — Desculpe, miss... — replicou a criada humildemente. — "Madame" agora, e não se esqueça! — repreendeu-a Hesther. — E saia do quarto! Assim que a empregada se retirou, Hesther dirigiu-se a Melissa. — Quis lhe falar ontem, mas não houve chance, pois você não apareceu por aqui. — Tive muito a fazer em casa — desculpou-se Melissa. Ela, de propósito, evitara qualquer contato com a futura esposa de seu pai. Já não suportava mais ouvi-la falar sobre os presentes que recebera e sobre a lua-de-mel. — Não há motivo para se ocupar tanto com sua casa. É só apanhar suas coisas, que acredito não sejam muitas, e sair de lá. — O que significa isso? — interrogou Melissa. — Seu pai concordou que Manor House permaneça fechada até encontrarmos um bom inquilino. — Oh, não! Melissa percebeu logo a razão pela qual o pai se mostrara tão esquivo nos últimos dias. Havia dito a ela que poderia ficar em Manor House, ao menos até o fim do verão. Sem dúvida, posteriormente, concordara com Hesther quando ela garantira ser jogar dinheiro fora manter duas casas. — Já dei ordens aos empregados quanto ao fechamento da casa — prosseguiu Hesther. — Quando? — Amanhã, ou depois de amanhã. — E quer que eu venha para cá? Hesther fitou a enteada, com olhos maldosos. Melissa era loura, elegante e graciosa, de uma beleza marcante. Dois olhos enormes, expressivos, um nariz perfeito e lábios de curva sedutora enfeitavam um rosto oval. 2
  • 5. Não havia dúvida de que a madrasta ressentia-se de beleza tão delicada. — Você virá para minha casa. Por enquanto, é claro — replicou Hesther de modo rude. — Mas sei que Dan Thorpe a pediu em casamento. — Ele quer se casar comigo, mas eu não pretendo me casar com ele. — Isso é seu pai quem decide. — Papai? — protestou Melissa. — Ele sempre disse que jamais me forçaria a casar com um homem que eu não amasse. — Seu pai fala muitas coisas sem pensar. Precisa saber Melissa, que, sem dinheiro, não tem muitas oportunidades. — Está querendo dizer que persuadiu meu pai a me forçar a casar com Dan Thorpe? — Já comuniquei a ele que seria a melhor solução para você. Dan é rico e a ama. — Mas não me caso com ele! — retrucou Melissa. — Você fará o que eu mandar! — gritou Hesther. — Falarei com papai a respeito. Sei que ele não me obrigaria a casar com quem quer que fosse, em especial com um homem que detesto como Dan Thorpe. — Deixe-me tornar as coisas bem claras, Melissa. Não a quero aqui, não quero mulher alguma em minha casa, agora que tenho um marido. E, se não se casar com Dan Thorpe, pode morrer de fome que não levantarei um dedo para salvá-la. — E julga que papai permitiria que isso acontecesse? — Com franqueza, sim. Ele está casado comigo. Terá tudo o que quiser, tudo que o dinheiro pode comprar, mas não admitirei que a filha de sua primeira esposa more sob meu teto, e nem que mantenha uma casa à minha custa. Você não tem outra opção além de se casar. Ponha isso na cabeça, Melissa! — Arranjarei um meio de evitar esse casamento. Prefiro esfregar o chão, trabalhar como criada, a me casar com Dan Thorpe! Só em pensar nele, Melissa estremeceu. Dan Thorpe era um rapaz de classe baixa, cujo pai fizera fortuna no comércio. Dan mudara-se para aquele condado há dois anos, após a morte do pai, e começara a gastar o dinheiro acumulado em negócios mais ou menos ilícitos. Comprara uma casa enorme e entretinha amigos de sua classe social. Circulavam histórias na vizinhança sobre as orgias que lá aconteciam. Dan estava apenas com vinte e quatro anos de idade, porém aparentava muito mais. Melissa fora apresentada a ele numa noite de inverno; seu pai o convidara à casa. Dan tinha as botas e roupas de montaria sujas de lama, e o casaco vermelho ensopado pela chuva. Mas mostrava-se entusiasmado. — Foi a melhor caçada da estação — disse Denzil Weldon à filha. — Convidei Dan Thorpe para tomar um drinque, a fim de celebrarmos o acontecimento. Os dois homens foram para o escritório e sentaram-se junto à lareira. Melissa levou a bandeja com os copos e colocou-a ao lado do pai. Concluiu logo que era verdade o que se falava sobre o rapaz. A impressão que ele lhe deu foi péssima, e Melissa teria saído imediatamente da sala, se o pai não lhe tivesse dito: — Venha conversar conosco, minha filha. Dan perguntou-me de você hoje, e quis saber a razão de nunca ir às caçadas. — Nossas estrebarias estão muito desprovidas de animais — replicou Melissa, com um sorriso. — Posso lhe fornecer uma montaria, miss Weldon. Acabei de comprar uma égua que seria perfeita para seu uso. — Muito obrigada, mas tenho muito a fazer em casa. Não me sobra tempo para caçadas. — Não acredito — protestou Dan. — É mesmo verdade? 3
  • 6. — Vamos, Melissa, aceite a oferta de Dan — insistiu o Sr. Weldon. — Ele tem tantos animais, que um não lhe fará falta. Esse foi o começo de um relacionamento que Melissa não pôde evitar. Ela escondia-se de Dan, saía de casa ao saber que ele iria aparecer, mas em vão. Enfim, um pouco antes de Denzil Weldon decidir-se a casar com Hesther, Dan declarou-se: — Quando vai se casar comigo? — perguntou ele a Melissa, numa tarde em que a encontrara sozinha. — Muito me honra seu pedido, Sr. Thorpe, mas não pretendo me casar. — Isso é bobagem sua! Quando freqüentar mais a sociedade, todos os homens a pedirão em casamento. Por isso me apresso, para ser o primeiro. — Devia ter falado com meu pai antes — replicou Melissa. — Mas, de qualquer maneira, minha resposta é "não". — Qual o motivo? É por acaso uma moça romântica, que prefere um pedido feito ao luar, ou coisa parecida? Vamos, aceite, garanto que a farei me amar! — Nunca! Nunca! — insistiu Melissa com firmeza. Dan tentou beijá-la, mas ela resistiu com uma violência que o espantou. Correu para o quarto e trancou a porta. Tão logo o pai voltou à casa, contou-lhe o sucedido. — Mas ele é rico, Melissa — reiterou o Sr. Weldon. — Não me importo se se trata do homem mais rico do mundo, e se tem ouro pendurado no nariz! Ele é repulsivo, me enoja. Quero vê-lo longe de mim! Prometa-me, papai, que nunca mais o convidará para vir a esta casa! Denzil prometeu. Mais tarde, porém, cedeu à insistência da futura esposa. Para Hesther era muito mais interessante que a enteada se casasse logo, e com um homem rico. Não seria um peso para ela, no futuro. E, naquele instante, no quarto da madrasta, Melissa tentava apresentar suas razões. — Já disse a papai e agora repito: nunca me casarei com Dan Thorpe. E ninguém me forçará a tal coisa. — Há meios de se fazer uma moça rebelde obedecer! — Que pretende insinuar? — Chicoteei um cavalariço na semana passada, por não me obedecer prontamente — declarou Hesther. — Ele ainda está de cama. — E agora me ameaça? — Se seu pai não conseguir fazê-la se casar com Dan, lançarei mão de meus próprios métodos. E posso lhe afiançar, Melissa, que sempre obtenho o que desejo. — Acredito — replicou Melissa, pensando no casamento que acabava de se realizar. Hesther levantou-se da penteadeira, dizendo: — Não quero deixar seu pai esperando por mim. Mas antes previno-a de uma coisa: se não estiver oficialmente noiva de Dan quando voltarmos da lua-de-mel, farei de sua vida um inferno; e refiro-me a castigos físicos! Não há ninguém como eu, no condado, capaz de domar rapidamente um animal chucro. E acredito muito no chicote! Hesther tocou a sineta e duas criadas surgiram imediatamente. — Meu vestido! Meu chapéu! Minha pelerine! — gritou ela. — Temos de partir para Londres agora. Melissa retirou-se do quarto, horrorizada. Tinha certeza de que Hesther levaria avante suas ameaças. Já estava no meio da escada quando viu, no hall, um grupo de homens aguardando pela noiva. Dan Thorpe encontrava-se entre eles. Tinha um copo na mão e foi ao encontro de Melissa. Ela evitou-o. Detestava-o mais ainda do que detestava a madrasta. Algo de horrível 4
  • 7. naquele homem a fazia tremer. Teve vontade de fugir o mais depressa possível de Rundel Towers. Queria ir para sua casa, para a paz de Manor House, local cheio de recordações da mãe. Às vezes, quando ficava a sós na sala, tinha a impressão de que a mãe estava lá: aquela mulher de voz musical, de traços suaves, que conservara o marido apaixonado apesar de todas as vicissitudes por que o casal passara. Fora apenas depois da morte da esposa que Denzil começara a receber em casa pessoas da categoria de Dan Thorpe e Hesther Rundel. Melissa foi direto ao encontro do pai. Ele achava-se bastante "alto", mas não tanto como os demais convidados. — Vai cuidar bem de si, não vai, Melissa? — perguntou ele à filha. — É verdade, papai, que concordou em fechar Manor House? — Não tive outra saída, minha filha — replicou ele, com tanta tristeza, que Melissa arrependeu-se de ter-lhe feito a pergunta. — Entendo, papai. Vou empacotar as coisas de mamãe. Talvez possamos achar um lugar para guardá-las. Melissa quis entrar no assunto de Dan Thorpe, mas teve pena do pai. Por isso, apenas acrescentou: — Tudo está bem, papai. Não se preocupe com coisa alguma. Ele pôs a mão no ombro da filha. Nesse instante, a multidão gritou: — Aí vem a noiva! Hesther descia as escadas lentamente, com seu vestido de seda arrastando pela passadeira. Usava um chapéu de aba larga, com véu cobrindo o rosto, escondendo assim sua feiúra. Ela beijou todos os amigos, e os noivos partiram sob uma chuva de arroz. Entraram na carruagem que os aguardava. Dan Thorpe aproximou-se de Melissa, dizendo: — Hesther pediu-me que lhe entregasse isto. — Estendeu-lhe o buquê de noiva e acrescentou: — A pessoa que receber este buquê se casará logo. É o prenuncio de nosso casamento, Melissa. Ela não respondeu e saiu correndo. Subiu as escadas para apanhar seu agasalho. Supondo que Dan a esperasse no hall, desceu pela escada de serviço. No pátio, tomou sua carruagem, um veículo velho e em mau estado de conservação, o único que possuíra por muitos anos. Conduzido apenas por um cavalo, fazia péssima figura junto aos cobriolés, aos coches, aos faetontes, enfim aos carros de luxo dos convidados. Jacó, o velho cocheiro dos Weldon, tinha aspecto tão miserável quanto a carruagem; mas o cavalo estava bem tratado e os arreios brilhavam como prata. — Imaginei que viria logo, miss Melissa! — exclamou ele. — Disse a você que sairia assim que pudesse, Jacó. — Quer mesmo visitar miss Cheryl agora? Ficou um pouco tarde. — Preciso ir! Ela me mandou um recado esta manhã, antes de sairmos para a igreja. Não pude fazer nada por Cheryl, ainda. — Mas levaremos uma hora até a casa dela, miss Melissa. — Sei disso! Contudo, preciso vê-la. Acho que Cheryl está em dificuldades, Jacó. — Não me surpreende, miss Melissa. Desgraças sempre vêm em dobro. — Tem razão, Jacó. O cocheiro chicoteou o animal e, durante todo o trajeto, Melissa esqueceu-se de suas mágoas para pensar em Cheryl. Chery era sua única amiga na vizinhança. Lady Rudolph Byram, mãe de Cheryl, fora a amiga mais íntima da Sra. Weldon. Não se passava uma semana sem que as duas mulheres se visitassem. Era inevitável, 5
  • 8. portanto, que as filhas mantivessem uma amizade firme. Em Cheryl, Melissa encontrava a irmã que nunca tivera. Na mesma ocasião em que Melissa soube do casamento do pai, a desgraça abateu-se sobre a casa dos Byram. Uma diligência conduzida por um cocheiro bêbado abalroou a carruagem em que lorde e lady Rudolph viajavam. Esses desastres com diligências eram comuns nas estradas, pois os cocheiros imprimiam em geral grande velocidade a seus veículos. O faetonte de lorde Rudolph, sendo muito mais leve, com o impacto foi reduzido a pedaços. Lady Rudolph teve morte instantânea, mas seu marido viveu ainda alguns dias e faleceu em conseqüência de ferimentos recebidos. Melissa fez companhia a Cheryl, em Byram House, durante a permanência de lorde Rudolph no hospital. Após a morte dele, Cheryl foi para Manor House, lá permanecendo por alguns dias. Melissa planejara visitar Cheryl no dia seguinte ao casamento de seu pai. Porém, o recado aflitivo da amiga a fez apressar essa visita. "Algo de terrível me aconteceu! Por favor, venha aqui o mais rápido possível. Preciso vê-la. Estou desesperada e não sei o que fazer. Cheryl." Melissa não podia imaginar o que a afligira tanto. Uma coisa, porém, era clara. Tendo ela apenas dezessete anos, precisaria morar com um dos parentes de seu pai. Mas, qual deles? — Quase não os conheço — dissera ela certa vez a Melissa. — Como você sabe, papai odiava-os, a todos, e sempre se recusou a manter contato com sua família. Melissa entendia bem a situação, pois o mesmo acontecera com seus pais. Denzil Weldon insistira em se casar com a filha de um nobre e rico senhor, que alimentava pretensões bem mais elevadas para sua única filha. De fato, Denzil não tinha muito de recomendável a seu favor; apenas charme e o fato de estar terrivelmente apai- xonado. Com os pais de Cheryl o problema fora mais ou menos semelhante. Nesse caso, lorde Rudolph é que era rico, com uma carreira brilhante pela frente. Apaixonou-se pela filha do administrador das propriedades de seu pai, e com ela se casou, contrariando a todos. Para que a família não anulasse seu casamento, o jovem fugiu com a esposa para a Irlanda e lá viveram os dois por cinco anos. Finalmente voltaram para a Inglaterra, na ocasião do nascimento de Cheryl. Todavia, os pais de lorde Rudolph recusaram-se a to- mar conhecimento da existência da neta. Por esse motivo, lorde Rudolph e a mulher isolaram-se em Lei Cestershire e permaneceram no mesmo lugar por anos, sem contato com os numerosos familiares. Era fácil de entender a razão pela qual as duas mulheres, lady Rudolph e a Sra. Weldon, eram tão amigas. Talvez por estar muito com Melissa, moça bastante madura, Cheryl aparentasse mais idade que seus dezessete anos. Era bonita, com cabelos castanhos e enormes olhos da mesma cor. O que lhe faltava em inteligência era compensado pelo charme. Cheryl admirava Melissa e sempre seguia os conselhos da amiga. Tinha um namorado, Charles Saunders, rapaz de vinte e um anos, filho de fazendeiro local. Charles e Cheryl se amavam muito, vivendo um desses romances que raramente acontecem na vida real. Ele conhecera Cheryl quando ela ainda estudava na escola, sendo seu primeiro namorado. Lorde e lady Rudolph aceitaram-no logo, apesar da grande diferença social existente entre os dois, pois Charles pertencia a uma família modesta. Afinal de contas, repetia-se o romance deles. Apenas achavam que a filha deveria esperar até os dezoito anos de idade para se casar. 6
  • 9. Além disso, Charles, sendo pobre, não poderia se casar antes de sua promoção na carreira do exército. Ele fazia parte do regimento aquartelado na aldeia. — Quando Charles for promovido a capitão, nós nos casaremos — Cheryl confidenciara a Melissa. — Seus pais consentiram? — Como hão de recusar? Papai tinha dezessete anos ao se casar com mamãe, dois meses mais velha que ele. Não podem, com certeza, se opor a nosso casamento. Logo após a morte dos pais, Cheryl repetira: — Em algumas semanas Charles receberá a patente de capitão. Aí, nos casaremos. Ele antes informará o coronel sobre mim. — E seus parentes, Cheryl? Será que consentirão? — Por que me preocupar com eles? Papai nunca se preocupou! — Vai lhes comunicar acerca do casamento? — indagou Melissa, um pouco apreensiva. — Claro que não. Nós nos casaremos discretamente. Vou pedir a seu pai que entre comigo na igreja. Tudo se apresentava muito fácil aos olhos de Cheryl. Porém Melissa não acreditava que a família Byram deixasse Cheryl agir a seu bel-prazer, agora que os pais dela estavam mortos. Afinal, Cheryl era menor de idade. Enquanto se dirigia à casa dos Byram, Melissa tinha quase certeza de que o desespero da amiga relacionava-se com seus planos de casamento com Charles Saunders. "O que pode ter acontecido?", ela se perguntou muitas vezes durante o longo trajeto. Melissa deu um suspiro quando enxergou os enormes portões da linda mansão georgiana, residência dos Rudolph. Notou que alguém a esperava, à porta da frente. Era Cheryl. Assim que a carruagem parou, Cheryl correu ao encontro da amiga, gritando: — Oh, Melissa, Melissa! Graças a Deus que você veio! Estou em pânico, simplesmente em pânico! 7
  • 10. CAPÍTULO II Cheryl conduziu Melissa bem depressa para o salão. Tão logo o lacaio retirou-se, Melissa disse: — O que houve? — Achei que você nunca chegaria, Melissa. Fiquei olhando, pela janela, horas, e sabia que você era a única pessoa que poderia me ajudar. Cheryl estava desesperada, e Melissa abraçou-a. — Tudo está bem agora, querida. Vamos resolver seu problema juntas. As coisas não podem ser tão graves como você imagina. — São piores ainda, muito piores, Melissa. — Conte-me, então, o que se passa. Melissa sabia que Cheryl tinha crises de histeria por qualquer pequeno problema, mas nunca a vira tão agitada. Ela até que se portara muito bem por ocasião da morte dos pais. Chorara muito nos braços de Melissa quando a sós, mas, em público, controlara suas emoções e todos a admiraram por sua coragem. Naquele instante, porém, Cheryl tremia, bem próxima às lágrimas. — Mas, afinal, que foi que aconteceu, Cheryl? Como resposta, Cheryl tirou do cinto do vestido uma carta e deu-a a Melissa. Estava amassada, e concluía-se que Cheryl a lera e relera muitas vezes. Num pergaminho grosso, com o brasão do palácio de Aldwick, lia-se: "Madame, Tenho ordens de Sua Graça, o duque de Aldwick, de encaminhá-la ao palácio no dia seguinte ao recebimento desta carta. Duas carruagens foram enviadas a sua casa, com a devida escolta; segue também o Sr. Hutchinson, pessoa de confiança de Sua Graça, que cuidará para que nada falte à sua segurança. Sua Graça permite que uma dama de companhia viaje junto, ninguém mais. É desejo de Sua Graça que os cavalos não fiquem esperando por muito tempo; portanto, a viagem de volta deverá ter início uma hora após a chegada das carruagens à sua residência. Aqui permaneço à sua inteira disposição. Seu respeitoso e humilde servo, Ebenezer Darwin. Secretário de Sua Graça, o duque de Aldwick". Melissa leu a carta e levantou os olhos para Cheryl. — Entendeu o que isso significa? — indagou Cheryl. — Que você deve visitar seu tio — replicou Melissa. — Para ficar sempre lá, para morar com ele! O tio elegeu-se meu tutor. Oh, Melissa, não posso agüentar tanto sofrimento. — Como irmão de seu pai e chefe da família, é seu tutor legal. E, francamente, Cheryl, eu esperava algo como isso. — Esperava que tio Sergius mandasse me buscar? Nunca pensei em nada desse tipo. Ele nem compareceu ao funeral! — Ouvi dizer que mandou um representante. — Não é a mesma coisa. Tio Sergius nunca deu atenção a mim, odiava papai, e papai a ele. — Não obstante, é irmão de seu pai. — Que tem isso a ver com o caso? Ele foi horrível com papai, não aprovou o casamento dele com mamãe. Ela me disse que tio Sergius os tratou muito mal quando 8
  • 11. voltaram para a Inglaterra. Papai não se importou e sempre falou que podia viver muito bem sem seus parentes, aves de rapina, como os chamava. Melissa riu muito e tentou consolá-la. — Acho, querida Cheryl, que você está fazendo uma cavalo de batalha do caso. É natural que seu tio queira vê-la depois da morte de seus pais. Desconfio que ele deseje falar com você sobre seu futuro; quer saber com quem você vai morar ou quem viria morar aqui, com você, no caso de preferir continuar nesta casa. — Sabe que quero ficar aqui, Melissa. Esta é minha casa, e não pretendo morar com um desses horríveis Byram que maltrataram tanto papai e mamãe. — Não há razão para eles a maltratarem agora — declarou Melissa usando de sensatez. — Além disso, quando você tirar o luto, terá chance de ir a bailes e festas. Está na idade exata de debutar. Cheryl deu um pulo da cadeira como se uma serpente a tivesse mordido. — Como pode falar em debutar? Você, entre todas as pessoas que conheço, Melissa, sugere que eu tenha um début quando sabe que a única coisa que desejo realmente é casar-me com Charles? Melissa suspirou. Adivinhava que esse desejo de Cheryl não era o mesmo da família Byram. Tendo sido criada com Cheryl, sabia muito bem do ódio que os parentes de lorde Rudolph nutriam contra ele, por causa do casamento. Alegre e irresponsável como fora em toda sua vida, lorde Rudolph ria do escândalo que provocara entre os parentes. — Nunca me perdoarão — Melissa ouvira-o dizer muitas vezes. — Mas, a última coisa que desejo no mundo é ser perdoado. Sinto-me feliz em viver longe deles, e esses idiotas não têm a mínima idéia de que isso é exatamente o que desejo. Porém, Melissa pensava que talvez lady Rudolph sentisse falta da vida social que poderia ter, se o marido não preferisse ser banido de seu meio. Lorde Rudolph adorava a caça. Treinava seus próprios cavalos e ocupava-se o dia todo na imensa propriedade. Para lady Rudolph a vida era bem mais difícil. Não tinha muitas amigas no condado, e não se interessava por caçadas. Todavia, jamais se arrependera de ter se casado com lorde Rudolph. O problema crucial para Cheryl era que a mãe não tinha parentes com quem ela pudesse morar. Seus avós maternos já haviam falecido. De qualquer maneira, ela teria melhor vida com a família do pai; mas não seria fácil convencê-la disso. Cheryl pusera na cabeça apenas uma idéia: casar-se com Charles. Eram, na verdade, feitos um para o outro. Contudo, concordaria o duque de Aldwick com esse casamento? — Acho, querida — disse Melissa — que deve obedecer seu tio. Uma vez no palácio, conte-lhe sobre Charles e talvez ele permita que se casem lá pelo fim do ano. — No fim do ano? Quero me casar já, assim que Charles for promovido a capitão, e nada me impedirá! Nada e ninguém! Melissa suspirou. Via o perigo iminente, mas preferiu não dizer nada. — Charles sabe sobre a carta? — indagou ela. — Mandei-lhe um recado, mas a mãe me respondeu que não sabe ao certo quando ele estará de volta. Talvez hoje, talvez amanhã. Que posso fazer, Melissa, se Charles chegar depois que eu tiver partido? — Vamos esperar que isso não aconteça. Agora, Cheryl, suba para fazer as malas. — Não vou! — protestou Cheryl. Ela juntou as mãos ao falar e encarou Melissa com ar de desafio, atitude bem diferente de seu usual comportamento dócil. — Precisa ir, querida — insistiu Melissa. — Sabe muito bem que seu tio pode forçá-la. 9
  • 12. — Odeio tio Sergius! Sempre o odiei! — Quando o viu pela última vez? — No enterro de vovô. Papai não queria ir, mas mamãe convenceu-o. Afinal, vovô só tinha dois filhos: tio Sergius e papai. — Quer dizer que você se lembra do palácio? — Sim, eu me lembro. É enorme, sufocante, horrível. Havia lá centenas de pessoas vestidas de preto, como urubus. Papai riu muito de tudo depois, porém mamãe achou a cerimônia comovente. — Você falou com seu tio? — Ele falou comigo. Um homem assustador e desagradável. Tive a impressão de que desprezava mamãe. Ela não se queixou. Acho que receava aborrecer papai, mas sei que se sentiu embaraçada. — Isso foi há muito tempo. Você tinha só treze anos quando seu avô morreu. Os sentimentos das pessoas mudam com o tempo. — Não creio que meu tio tenha mudado. Mas, como não vou ao palácio, não posso saber com certeza se ele mudou ou não. — Precisa ir, Cheryl! — Como podem me forçar? Acha que os criados dele vão me arrastar para dentro da carruagem? — Não será preciso, pois você fará o que é certo. Irá de boa vontade, eu sei. — É aí que você se engana, Melissa. Acho... Nesse instante, a porta se abriu e um homem de farda apareceu. Cheryl deu um grito. — Charles! Charles! Ela abraçou-o e escondeu o rosto no ombro dele. Charles fitou Melissa e sorriu. Era um rapaz simpático, com aspecto de pessoa confiável. Melissa logo concluiu ser impossível suspeitar de Charles Saunders. — Graças a Deus que veio! Graças a Deus! — gritava Cheryl, levantando para ele os olhos cheios de lágrimas. Charles beijou-a nas faces e dirigiu-se a Melissa: — O que aconteceu? Melissa estendeu-lhe a carta. Ele leu e observou: — Esperava por isso. — Eu não vou! Quero ficar com você, Charles — berrava Cheryl. — Dizia a mesma coisa a Melissa, agora. — Escute, meu amor — disse Charles. — Tenho algo a lhe contar. — Que é? — indagou Cheryl, apreensiva. — Meu regimento parte para a índia, dentro de três semanas. Ela não falou nada, não teve energia. Apenas fitou Charles, tremendo de ansiedade. — Já conversei com o coronel sobre você — acrescentou ele. — Se pudermos nos casar depressa, irá comigo para a índia. Cheryl encostou o rosto no peito dele e exclamou: — Oh, Charles, estou com tanto medo! É mesmo verdade o que me diz? É verdade que podemos nos casar? Ninguém deu opinião, por segundos. Enfim, Charles declarou: — Isso depende de seu tio consentir. — Ele vai consentir! Ele tem de consentir! — Precisamos encarar os fatos com sensatez, querida — observou ele, preocupado. — Vamos nos sentar e trocar idéias. — Trocar idéias sobre o quê? — Sobre o fato de ser pouco provável que o duque consinta em nosso casamento. 10
  • 13. — Por que haverá ele de fazer objeções? — Primeiro, porque você é jovem demais. Depois, minha querida, porque você é uma mulher muito rica. — E o que essas duas coisas têm a ver com nosso casamento? O amor é o que conta, e me casarei com quem eu quiser. Não havia muita convicção nas palavras de Cheryl, pois ela sabia bastante bem que em geral pais ou tutores escolhiam maridos para os filhas ou tuteladas. Ela sabia que casamentos eram arranjados, mais para a conveniência dos pais que dos noivos. Levavam-se em consideração o dote, a fusão de propriedades. Tudo isso pesava muito mais que o amor dos que se uniam em matrimônio. — Por que não podemos fugir, como papai e mamãe fizeram? — indagou Cheryl. — Você é menor, minha querida — explicou Charles. — Só conseguiremos nos casar se mentirmos sobre sua idade. E isso tornaria o casamento automaticamente nulo, no caso de seu tio tomar providências para tal. — Então, que vamos fazer? Não quero deixá-lo, Charles. Recuso-me a ir para o palácio de Aldwick, a menos que tenha absoluta certeza de me casar com você, antes de sua ida à índia. Vendo as coisas tomarem um rumo perigoso, Melissa interferiu: — Acho, Charles, que Cheryl deve obedecer ao tio. Se ela se recusar a ir para a casa dele, as coisas ficarão piores do que estão. — E se ele disser "não" ao nosso casamento? — sussurrou Cheryl. — Tentarei convencê-lo de que está errado — arriscou Charles, sem muito otimismo. Cheryl pulou nos braços dele, exclamando: — Eu amo você, Charles! Não quero perdê-lo. Ninguém no mundo vai impedir que eu me case com você! — Talvez tenhamos de esperar um pouco, Cheryl — aventou Charles. — Não quero esperar. Quero ir com você para a índia. — Sabe que também quero que vá. Mas precisamos admitir a possibilidade, querida, de que você não obtenha o consentimento de seu tio. — Não posso esperar até os vinte e um anos. Charles e Melissa se entreolharam. Ambos não ignoravam que, embora com vinte e um anos de idade, estando ela sob a jurisdição do tio, este poderia não aceitar um casamento que achasse indesejável. — Não vamos antecipar os fatos, pensando no pior — sugeriu Melissa. — Acho que, se você explicar ao duque que conhece Charles há muito tempo e que seus pais consentiram no casamento, ele dará sua aprovação. — Jamais conseguirei explicar isso a ele — retrucou Cheryl, meio apavorada. — Sei que meu tio não me ouvirá. Já lhe disse, Melissa, que ele me apavora. Venha comigo e diga-lhe tudo você. — Não posso. Seu tio deixou bastante claro que apenas uma dama de companhia deverá ir junto. — Ele detesta mulheres, papai sempre disse. Tratou muito mal mamãe. Mas eu não vou só com uma criada. Charles, ou você tem de ir comigo. — Não posso sair daqui, até o fim da semana — declarou Charles. — Por favor, Melissa, vá você com ela. — Como posso ir? Se o duque odeia mulheres, não me receberá bem... — Melissa fez uma pausa antes de continuar: — A menos que eu vá como dama de companhia. — Dama de companhia? — repetiu Cheryl. — Por que não? Na verdade, preciso de trabalho, pois não tenho onde morar. — Não tem onde morar? Que quer dizer com isso, Melissa? — Minha madrasta mandou fechar Manor House, e não me quer em Rundel 11
  • 14. Towers. — Oh, mas ela é muito cruel! É uma mulher má. Aonde pretende que você vá? — Ela quer que me case com o Sr. Thorpe. — Não, isso não! — protestou Cheryl. — Ele não é homem para você. É um rapaz muito desagradável! — Concordo — replicou Melissa. — Por isso procuro emprego. E não há muitas opções para uma mulher. Por que não ser sua dama de companhia, Cheryl? Ou governanta, como quiser me chamar? O Sr. Hutchinson tinha cabelos grisalhos e expressão preocupada. Melissa agradou-se dele imediatamente. — Não pretendia apressá-la, miss Byram — disse ele a Cheryl. — Mas os cocheiros já estão descansados e acho melhor iniciarmos nossa viagem. Espero chegar à estalagem, onde vamos passar a noite, mais ou menos às seis horas. — Sim, claro, vamos — concordou Cheryl. — Estou pronta, e você, Melissa? O Sr. Hutchinson encarou Melissa com surpresa. — Vai conosco? — indagou. — Oh, meu Deus, esqueci de lhe falar que miss Weldon me acompanha! — exclamou Cheryl. E, dirigindo-se a Melissa: — Acho que podemos confiar ao Sr. Hutchinson nosso segredo. Melissa sorriu e tomou a palavra: — De fato, irei com miss Byram. Mas como Sua Graça insiste que ela se faça acompanhar apenas por uma criada, essa será minha posição daqui por diante. — Uma criada? — repetiu o Sr. Hutchinson, incrédulo. — Mas isso não é possível! — Posso lhe garantir que cuidarei de miss Byram bastante bem. Sei que o duque não me aceitaria de outra forma, a não ser na posição de empregada. — Certo. Sua Graça jamais concorda em alterações em seus planos — confirmou o Sr. Hutchinson. — Então, não conte nada a ele — pediu Melissa. — Se qualquer coisa sair errada, nós duas seremos responsáveis. A partir deste momento, sou a criada particular de miss Cheryl. Só espero que não tenhamos de viajar em carruagens separadas. — Não, não. A senhorita e miss Cheryl seguirão juntas, e eu atrás. Prefiro viajar sozinho — acrescentou ele, piscando um olho. — De acordo. — Melissa sorriu. Cheryl deu ao mordomo uma carta, para ser entregue a Charles. Melissa teve a impressão de que a amiga não voltaria mais à sua casa, mas não quis dizer nada para não aborrecer. Enquanto viajavam, contudo, Cheryl declarou: — Sinto-me como Perséfone, sendo carregada para as profundezas da Terra, de onde não há retorno. — Sua mitologia está um tanto falha — retrucou Melissa. — Perséfone voltou com a primavera. E o inverno, escuro e desagradável, passou bem depressa. — Tudo será escuro e desagradável na casa de tio Sergius. Contarei as horas, até que Charles chegue. Temos de convencer tio Sergius, Melissa. Estive pensando, ontem à noite, que não posso fazer nada para estragar a carreira de Charles. Ele adora o regimento e, se tiver de abandoná-lo por minha causa, não me perdoarei. — E por que teria ele de abandonar o regimento? — Se acontecer o pior, sempre podemos fugir para a Irlanda. — Não pense em fugir, Cheryl! Seria horrível para Charles deixar a carreira militar. Não encontraria prazer em qualquer outro trabalho. — Sempre encontrará prazer comigo — observou Cheryl, porém sem muita convicção. Os viajantes pararam para um pequeno almoço ao meio-dia e, à noite, chegaram 12
  • 15. numa estalagem bastante luxuosa, a Flying Fox, para pernoitar. As duas moças foram cumprimentadas pelo proprietário, e uma criada conduziu-as a um grande quarto com comunicação para outro aposento menor. — Que bom que você vai ficar perto de mim — disse Cheryl a Melissa. — Tive medo de que o Sr. Hutchinson nos separasse. — Ele não faria isso. Afinal, uma dama de companhia tem de ficar sempre junto de sua patroa, como um cachorro policial, não acha? — Para protegê-la contra rapazes sedutores? — indagou Cheryl. — Duvido que haja algum neste lugar. — A estalagem é bem melhor do que eu esperava. Acha que vão nos servir o jantar numa sala à parte? Melissa não gostava da idéia. Sempre que viajava com os pais e ficavam numa estalagem, ela e a mãe divertiam-se com as histórias que o Sr. Weldon inventava sobre a identidade e a ocupação dos hóspedes. Denzil Weldon tinha excelente imaginação e criava histórias, atribuindo a cada um deles aventuras e crimes, que faziam a esposa e a filha rir o tempo todo. Assim que se trocaram, as duas moças desceram para jantar numa sala reservada, como Melissa previra. Era uma sala pequena, com painéis de carvalho e uma grande lareira. Pelo caminho ouviram vozes e risadas, vindas da sala de refeições e do bar. — Parece que há muita gente aqui esta noite — comentou Cheryl. — Devem ser os passageiros de alguma diligência — observou Melissa. — Ou talvez viajantes como nós, que preferem fazer o percurso em mais de um dia. — Gostaria de vê-los. Tão logo Cheryl falou, a porta da sala grande se abriu e o barulho de vozes aumentou. Uma criada levava para lá uma bandeja com copos de vinho. A porta foi fechada de novo, e Cheryl exclamou: — Deve haver muita gente lá! Vamos espiar? Ela apertou em seguida um botão do painel e afastou-o um pouco. Por uma fresta puderam ver uma enorme mesa, com pessoas sentadas à volta. Havia dois ou mais homens gordos, com aspecto de caixeiros viajantes; um padre; sitiantes com roupas grosseiras e suas mulheres, com xales feitos a mão; e muitas crianças. Uma senhora elegante acompanhava um homem idoso, que parecia ser o pai dela. Porém, seria impossível descobrir a profissão da maior parte dos comensais. Numa extremidade da sala havia várias mesinhas e, a uma delas, Melissa viu o Sr. Hutchinson. À outra mesa pequena estavam dois homens, um de cabelos brancos que contrastavam com seus olhos muito escuros. "É tal qual um vilão de novela", pensou Melissa. Sentava-se ele ao lado de um homem pequeno, não maior que um jóquei, quase calvo e de olhos acinzentados. — Todos são pouco interessantes — observou Melissa. — Nem sombra de rapazes sedutores. Ela passou os olhos pela sala mais uma vez, só para constatar se de fato não perdera nada. Nesse momento o homem de cabelos brancos disse: — Precisamos de um homem que suba a grandes alturas; um consertador de campanários, por exemplo. Melissa fechou o painel e sorriu. Seu vilão não passava de um empreiteiro, que necessitava de alguém para consertar campanários de alguma igreja. Até seu pai teria dificuldade em inventar uma história sensacional sobre aquelas pessoas ali reunidas. — Estou com fome! — declarou Cheryl. — Espero que nos tragam logo qualquer 13
  • 16. coisa para comer. Como se fosse uma resposta ao desejo de Cheryl, duas empregadas abriram a porta trazendo um lauto jantar: sopa de ostras, perna de carneiro com molho de alcaparras, presunto, cabeça de porco e rosbife. Finalmente, depois de terem experimentado uma variedade de pudins, Cheryl declarou que não agüentava mais comer. Elas dispensaram o queijo, e iam se levantar para sentarem-se junto à lareira, quando a porta se abriu. Melissa supôs que fossem as criadas para tirar a mesa. Porém, para grande surpresa das duas, entrou um homem vestido a rigor. Seu plastrão tinha um nó muito bem-feito, e o paletó ajustava-se sem uma ruga. Via-se que fora confeccionado por um alfaiate de primeira categoria. As botas altas brilhavam, e um relógio de ouro sobressaía junto das pantalonas champanhe. — Gervais Byram! É o primo Gervais, não é?! — exclamou Cheryl. — Sou eu, sim, Cheryl — respondeu o rapaz, adiantando-se para junto das moças. — Não imagina como me espantei ao ver a carruagem do tio no pátio, e ao saber que você se encontrava aqui. — Estou a caminho do palácio. Tio Sergius mandou me buscar. — Li nos jornais acerca da morte de seus pais. Ninguém na família se deu ao trabalho de me informar da tragédia. Sinto muito, Cheryl. Deve ter sido um grande golpe para você. — Foi — replicou Cheryl, contendo as lágrimas. E, com esforço, prosseguiu: — Deixe-me apresentá-los. Melissa, este é meu primo Gervais Byram; minha amiga Melissa Weldon. Melissa achou-o simpático. Ao mesmo tempo, porém, seu instinto lhe dizia que qualquer coisa de errado havia nele. Era uma impressão que não podia explicar nem a si mesma, mas não deixava de ser inegável sentido de desconfiança contra o rapaz. Denzil Weldon sempre brincava com a filha sobre essa clarividência. Melissa via coisas em pessoas assim que as conhecia. E suas primeiras impressões provavam, mais tarde, serem verdadeiras. Freqüentemente, quando o pai a apresentava a alguém, perguntava depois: — Bem, Melissa, que achou dele? E o julgamento de Melissa era sempre correto. No decorrer dos anos, a verdade vinha à tona. — Como você pôde saber que ele não passava de um canalha? — o pai lhe indagara certa vez, quando um homem que eles encontraram casualmente fora preso seis meses mais tarde. — Não posso lhe explicar, papai. Há uma convicção dentro de mim. Sempre sei quando existe algo de errado nas pessoas. — E quando há algo certo? — Então, em geral, não sinto nada. — Custa-me crer nessa sua aptidão, minha filha. Porém, ano após ano, a intuição de Melissa provava ser autêntica. — Deve-se isso ao seu sangue escocês, penso — dissera Denzil,um dia. — Minha trisavô era uma Macdonald, ou uma Campbell, não me lembro bem. Sua mãe tem um exército de antepassados escoceses; todos eles, acho, meio visionários, e devem ter sido queimados na fogueira como bruxos! — Não é o sangue escocês de Melissa o causador disso — admitira a Sra. Weldon. — E sim o fato de minha avó ser russa. — Na verdade, esse motivo conta! — exclamou Denzil. — Os eslavos são misteriosos, introspectivos e, naturalmente, muito ligados às fadas, aos duendes, aos demônios, e a todos os habitantes extraterrestres. O Sr. Weldon provocava a filha, e ela ria. Porém, Melissa se perguntava se de fato 14
  • 17. havia alguma coisa nela diferente dos outros. Sentia, adivinhava coisas que as pessoas só vinham a saber depois de informadas. Naquele momento, ela viu que existia algo errado no primo de Cheryl, apesar de o rapaz ser muito charmoso. Ele sentou-se e pediu um copo de vinho. Cheryl contou que o tio a mandara buscar com urgência, não lhe dando tempo suficiente para empacotar tudo. — É bem do jeito de Sua Graça! — exclamou Gervais. — É difícil se encontrar um autocrata mais egoísta, mais sem consideração. Depois de curta pausa, Cheryl declarou: — Tenho medo de tio Sergius. — E com razão — confirmou Gervais. — E eu o odeio! Mas todos temos de nos curvar diante do grande monarca! — Por que todos? — Pela simples razão, minha linda priminha, de que ele é o dono do dinheiro. — Não em meu caso. — Não? — Papai deixou-me uma grande fortuna. Melissa achou que Gervais se surpreendia com a notícia, e percebeu que ele, de repente, tornava-se mais atencioso com a prima. Quando as moças se levantaram para ir ao quarto, ele beijou a mão de Cheryl. — Espero vê-la no palácio, prima. — Vai para lá? — Sim, se o monstro me receber. Cheryl não falou nada a ele sobre Charles Saunders, e Melissa estranhou. Só no quarto, mais tarde, soube a razão. — Que você achou do primo Gervais? — perguntou Cheryl. — É simpático e muito elegante. — Elegante ele é — concordou Cheryl. — Mas está sempre cheio de dívidas e papai o descrevia como um vagabundo. "Eu estava certa, então!", disse Melissa a si mesma. E depois, acrescentou em voz alta: — Você não gosta dele? — Não. — Por que não? — Não viu, Melissa, como Gervais está contente por papai ter morrido? — Cheryl! Que coisa horrível de se dizer! Como pode pensar assim? — É verdade! Agora ele é o herdeiro de tio Sergius. Papai sempre falou que Gervais adorava o fato de eu ser mulher e filha única! Uma vez ouvi papai dizer a mamãe: "Gostaria de ter um filho homem, só para tirar as esperanças de Gervais ser herdeiro de Sergius". — Mesmo assim não posso acreditar que seu primo tenha se alegrado com o fim trágico de seus pais — observou Melissa. Logo que falou lembrou-se de que ele não se mostrara muito pesaroso ao dar condolências a Cheryl. — Por que seu tio nunca se casou? — perguntou Melissa. — Ele não é mais tão jovem, não? — Tem um ano mais que papai. Deixe-me pensar. Papai estava com dezoito anos quando eu nasci, portanto, agora ele teria trinta e cinco. Tio Sergius deve ter trinta e seis. Mas espere até vê-lo! Ele é tão velho e tão desagradável como o diabo! — Cheryl, não diga essas coisas! — censurou-a Melissa. Não era da natureza de Cheryl ser maldosa, mas Melissa podia entender essa agressividade depois do tratamento cruel que fora dado a seus pais pela família. 15
  • 18. De qualquer modo, não seria conveniente para o futuro de Cheryl tomar atitudes drásticas. Melissa imaginava se iriam encontrar Gervais no palácio, e se ele se interessaria por Cheryl, sabendo que agora ela era rica. — Sim, Gervais alegrou-se com a morte de papai — repetiu Cheryl, como se falasse consigo mesma. — Será que tio Sergius vai continuar dando dinheiro para ele? Gervais está sempre ameaçado de ir para a cadeia por causa de dívidas, e uma vez tentou tomar emprestadas quinhentas libras de papai. — E seu pai emprestou? — Acho que sim. Quando mamãe perguntou se ele havia emprestado, papai desviou o assunto. Você sabe como meu pai era generoso! Mas disse nessa ocasião: "Dar dinheiro a Gervais é o mesmo que jogar dentro de um poço. Ele só sabe gastá-lo!" "Não obstante, sofrer miséria é muito triste!", pensou Melissa. "Tenho quase pena de Gervais." Lembrava-se das duas vezes em que ela e a mãe queriam comprar coisas e não podiam; das vezes em que o pai tinha de vender bons cavalos para angariar dinheiro. Mas isso pertencia ao passado. Agora seu pai poderia comprar os cavalos que quisesse... Se Hesther consentisse. Doía-lhe pensar que o pai precisava submeter-se aos caprichos de uma mulher como Hesther, porque ela era rica. Mas aí Melissa disse filosoficamente a si própria: "Nada é perfeito neste mundo, e talvez seja isso o que faz da vida uma aventura imprevisível!" 16
  • 19. CAPÍTULO III Cheryl e Melissa não viram nem sinal de Gervais Byram quando desceram, na manhã seguinte, do quarto da estalagem. Mas isso não lhes causou espanto, pois já era bastante tarde. O Sr. Hutchinson dissera que não havia pressa, e que só partiriam depois das dez horas. E foi o que fizeram. Eles pararam no caminho para um ligeiro almoço, ao meio-dia. Depois disso teriam apenas mais uma hora e meia de viagem até o palácio de Aldwick. Cheryl ficava cada vez mais nervosa, à medida que se aproximavam do destino. Ao se despedir de Charles, tivera certeza de que o tio concordaria com o casamento. Mas, aos poucos, convencia-se de que fora otimista demais. Melissa notou que ela estava muito agitada. Melissa, por sua vez, também se sentia apreensiva; mas, a par disso, não conseguia conter sua curiosidade em conhecer o palácio. Ouvira falar tanto dele! Ao mesmo tempo que lorde Rudolph detestava os parentes vivos, não querendo contato com eles, tinha orgulho de seus antepassados, da história de sua família e do acervo adquirido por séculos. Melissa lembrava-se das explicações que lorde Rudolph dera a Cheryl e a ela, sobre as origens do palácio de Aldwick. — Há muito poucos palácios na Inglaterra pertencentes a particulares — afirmara ele. — Blenheim, é claro, o mais famoso, construído para o duque de Marlborough em 1705. O palácio de Buckdon, em Huntingdonshire, data do século XII, mas é mais novo que o palácio de Aldwick, que foi sede dos reis de Byambria, muito antes dos normandos virem à Inglaterra. — Mas não era tão grande naquela época, como é hoje — observara Cheryl. — Não, não era. Imagino que se tratasse somente de uma fortaleza, um castelo que servia de baluarte contra os invasores de outros países, permanentemente em guerra com seus vizinhos. — E o palácio atual, quando foi construído? — indagara Cheryl. — No reinado da rainha Elizabeth I, por um dos seus valorosos cortesãos. Foi a própria rainha quem deu licença para que se usasse o antigo nome "palácio" à nova construção. E, embora a casa tenha sido aumentada por várias gerações dos Byram, a estrutura fundamental é a mesma da era Tudor. E lorde Rudolph falara a Cheryl sobre os tesouros fabulosos contidos no palácio. Melissa ouvia tudo com grande interesse, porém Cheryl pouca atenção prestava à narrativa. Não dava importância à longa história de seus ancestrais, que lutaram através dos tempos para conservar a propriedade intacta. "Uma coisa é evidente", Melissa pensava durante a viagem. "Os Byram são muito orgulhosos." Fora o orgulho que os fizera furiosos, quando lorde Rudolph causara um escândalo casando-se com uma mulher de classe social inferior. Fora o orgulho que impedira lorde Rudolph de tentar uma aproximação com o pai e pedir-lhe perdão, em sua volta à Inglaterra. Devia ter sido o orgulho também que mantivera os dois irmãos separados. Melissa propunha-se a trabalhar junto de Cheryl, para fazê-la menos antagonista em relação ao tio que, afinal de contas, agia acertadamente querendo cuidar da sobrinha órfã. — Ouça, Cheryl querida — disse ela a Cheryl, depois do almoço, na última etapa da viagem. — Peço-lhe, por favor, que seja agradável e compreensiva com seu tio. Se se portar de maneira agressiva, ele sempre poderá revidar, recusando-se a atendê-la, quando você lhe pedir para se casar com Charles. Ele talvez até tenha outros planos para você, e insistirá neles. 17
  • 20. — Que tipo de planos, Melissa? — Não sei, ora, mas é compreensível que pense em mandá-la Para Londres, a fim de você tomar parte nos bailes de debutantes e ser apresentada ao Regente. — Eu só quero ir à índia, com Charles — teimava Cheryl. — Entendo, querida, e é claro que tentaremos persuadi-lo a permitir que você se case antes de Charles partir. Mas não nos deixemos enganar, pensando que vai ser fácil convencê-lo. — Tio Sergius nunca se incomodou comigo, no passado. Por que deseja interferir em minha vida agora? — Sabe tanto quanto eu que não pode impedi-lo de pensar assim — respondeu Melissa, com um suspiro. — Eu o odeio. Você ouviu o primo Gervais dizer que ele é um monstro. É verdade, ele assusta a todos nós. É um monstro, que usa seu poder como chefe de família para fazer seus parentes infelizes. — Veja bem, Cheryl, você não sabe nada ao certo — insistia Melissa, em tom conciliatório. — Seu tio não se dava bem com seu pai, mas a briga começou muito antes de ele adquirir o título. E, afinal, se você tivesse um filho que se casasse contra sua vontade, também ficaria furiosa. — Se papai houvesse se casado com uma garçonete, ou uma criada, eu poderia entender. Mas você conheceu mamãe, e viu que amor de pessoa ela era. E meu avô materno distinguiu-se em seu trabalho como administrador de fazendas. Foram os orgulhosos Byram, de nariz em pé, que não a acharam digna de seu precioso des- cendente. — Cheryl, meu amor, não pode continuar com essa briga que se iniciou antes de você nascer. Está tudo acabado agora. Não pense no passado, e sim no futuro: no seu futuro! Cheryl apertou a mão de Melissa com força e murmurou: — Estou com medo, com um medo louco de que Charles vá para a índia sem mim, e que eu não o veja nunca mais. — Faremos tudo para evitar isso — confortou-a Melissa. Prosseguiram a viagem em silêncio. Atravessaram um bosque frondoso. A um dado momento, as árvores pareciam separar-se para exibir o palácio de Aldwick, tal qual um diamante em meio a um engaste de veludo verde vivo. Melissa esperava que o palácio fosse imponente, mas o que visualizou foi além das expectativas. De pedra clara, as cúpulas arredondadas, as chaminés e as estátuas que decoravam o telhado silhuetavam-se contra o céu muito azul. O sol refletia-se em cheio nas vidraças de centenas de janelas. O palácio era tão grande, que seria difícil de acreditar que pertencesse a uma única família. Aproximavam-se. Passaram por uma ponte de pedra, sobre dois imensos lagos. Tanto Melissa como Cheryl se deslumbraram ante tamanho esplendor! Havia ao redor do palácio gramados muito verdes, e nas águas prateadas dos lagos, circundados de papoulas douradas, deslizavam cisnes graciosos. Tudo era tão lindo, que Melissa agradeceu a Deus ter podido visitar o local, não se importando com as conseqüências que pudessem advir. Nunca imaginara coisa tão grandiosa, tão linda, tão emocionante! A carruagem parou junto aos degraus de pedra, e lacaios de peruca branca e libre azul e prateada correram para ajudá-las a apear. Um mordomo, pomposo como um cardeal, saudou-as: — Bem-vindas ao palácio, senhoritas — disse ele. — Espero que tenham feito boa viagem. 18
  • 21. — Foi muito boa, obrigada — replicou Cheryl, um tanto nervosa. — Venham por aqui, por favor — pediu o mordomo. O interior do palácio deixou Melissa atônita. Não ficava atrás, em esplendor, da vista externa. Numa extremidade do hall havia uma suntuosa escadaria, com balaustrada dourada e anjos esculpidos. No teto, viam-se cenas mitológicas, deusas e deuses exuberantes, tudo em cores vivas que iluminavam o ambiente com seu brilho. O mordomo seguia na frente, enquanto subiam os degraus acarpetados. Melissa achou que estavam sendo conduzidas ao quarto, afim de se trocarem. E alegrou-se com isso. Na estalagem, na hora do almoço, Cheryl derramara um pouco de café no vestido e Melissa dissera: — Você precisa se trocar, antes de ver o duque. — Não se preocupe, teremos muito tempo. Quando estivemos no palácio, na última vez, só após vinte horas ele se dignou no receber. — Que esquisito! — exclamou Melissa. — Mas por quê? — Acho que para deixar mamãe em espinhos. Sei que trato outros parentes da mesma maneira, porque ouvi os comentário e queixas a respeito. Melissa não pôde deixar de concluir que o duque era, sem dúvida, uma pessoa desagradável. Mas não disse nada a Cheryl. E, naquela hora, seguindo o mordomo ao longo de vastos corredores cheios de peças antigas e de telas dos antepassados dos Byram, ela pensava em como seria bom trocar logo a roupa de viagem. Cheryl vestia um traje muito elegante, recentemente vindo de Londres, da última moda. Tinha mangas largas e cintura no lugar. Por anos a moda exigira que a cintura fosse colocada acima ou abaixo do verdadeiro local. A pelerine volumosa, de tafetá, ia bem de acordo com o que se usava na ocasião. A roupa de Melissa era bem mais simples. De seda azul, pesada, acentuava sua cintura muito fina e a transparência da pele. As duas usavam chapéus de abas largas, amarrados com fitas sob o queixo. O de Cheryl era enfeitado com carreiras e carreiras de renda, e pequenas penas de avestruz. O de Melissa tinha somente fitas azuis; porém, essa ausência de ornamentos punha em evidência seus enormes olhos expressivos e o rosto bem oval. Enfim, após caminharem por mais um grande corredor, o mordomo parou em frente à enorme porta de maçaneta dourada. Abriu-a e anunciou, para consternação das moças, que esperavam ter chegado ao quarto: — As senhoritas, Vossa Graça! Cheryl e Melissa entraram, então, numa grande sala com paredes cobertas de quadros. Mas os olhos de ambas fixaram-se no homem de pé, parado, junto da lareira. Cheryl adiantou-se lentamente, com medo. Ao primeiro olhar Melissa considerou ser o duque um perfeito dono para o magnífico palácio. Alto, de ombros largos, cabelos escuros, tinha as feições de um general romano, na opinião dela. Havia qualquer coisa de dominador em seu aspecto, como se comandasse sempre, sem admitir uma desobediência. Vestia-se com apuro. A roupa justa revelava um físico atlético. Calçava botas de cano alto. Mas era o rosto do duque o que impressionava, com expressão cética e altiva. Nem um sorriso nos lábios firmes. E seus olhos observadores não deixavam escapar um detalhe sequer da aparência das meninas, como se ele procurasse descobrir o que não surgia na superfície. Contudo, não deixava de ser muitíssimo atraente, apesar das rugas do canto da boca, da linha agressiva do queixo, e da expressão dura do olhar. 19
  • 22. Cheryl e Melissa saudaram-no. — Faz muito tempo que nos encontramos pela última vez — disse ele a Cheryl com voz grave, profunda, ressonante, porém fria e autoritária. — É verdade, tio Sergius — replicou Cheryl. — Fez boa viagem? — Fiz, tio Sergius. Bem devagar, o duque voltou-se para Melissa. — Quem é essa moça? Houve segundos de silêncio. Depois, gaguejando, Cheryl respondeu: — Minha... dama... de companhia. Tarde demais. Melissa deduziu que não deveria ter entrado com Cheryl, mas esperado do lado de fora. — Sua dama de companhia? — Sim... tio Sergius. — E você geralmente se faz acompanhar por sua dama de companhia, dentro do salão? A pausa que se seguiu foi embaraçosa. Mas Melissa logo interferiu: — Peço-lhe que me desculpe, Vossa Graça. Julguei que estávamos indo para nossos quartos. Ela saudou-o e fez menção de se retirar. Porém o duque impediu-a. — Pare! — ordenou ele. — Como é seu nome? — Melissa Weldon, Vossa Graça. — Há quanto tempo trabalha para minha sobrinha? — Não... há... muito tempo, Vossa Graça. — Onde trabalhou antes? — Em nenhum lugar. Mas... eu... — Responda apenas às minhas perguntas — interrompeu-a o duque. Melissa parou de falar, com os olhos fixos nos dele. — Há quanto tempo conhece minha sobrinha? — Há doze anos, Vossa Graça. — E planejaram as duas isso tudo, para que você se hospedasse em minha casa? Foi curiosidade, certo? — Não, Vossa Graça. Tive necessidade de um emprego. — Por quê? — Porque minha casa foi fechada e não posso mais morar lá. — Por que sua casa foi fechada? — Minha mãe... morreu, e meu pai... casou-se de novo. — E você não pode morar com ele? — Não. Minha madrasta não permite. — E por isso você e minha sobrinha tramaram essa conspiração, esperando que eu não a descobrisse? — Garanto a Vossa Graça que serei uma dama de companhia bastante competente. — E dividirá seus aposentos com as criadas? Havia um quê de desprezo nas palavras do duque, e Melissa corou. — Por favor, tio Sergius - suplicou Cheryl. - Melissa é a minha melhor amiga, fomos criadas juntas. Estava em dificuldade e eu não consegui arranjar ninguém para me acompanhar. Não fique zangado com ela, pois de fato não tinha para onde ir. — Vamos tornar as coisas bem claras, desde o início — declarou o duque. — Não admito ser enganado, odeio subterfúgios e hipocrisia. — Desculpe, tio Sergius — disse Cheryl, humildemente. — E você? — indagou o duque, fitando Melissa. — Que tem a dizer? 20
  • 23. — Só posso lhe pedir desculpas também, se Vossa Graça sentiu-se ludibriado, mas não foi essa a nossa intenção — explicou Melissa. — Vim disposta a servir Cheryl, no papel de dama de companhia. Fiquei, na verdade, muito grata, pela chance de ter encontrado emprego. O duque não replicou, e Melissa prosseguiu bem depressa: — Mas estou pronta a partir, agora que Cheryl já se encontra sob sua proteção. Talvez Vossa Graça possa fazer a gentileza de me dar transporte até o local mais próximo onde eu possa tomar a diligência. O duque olhou para Melissa atentamente, tentando descobrir se ela falava a verdade. Depois perguntou: — Se sair daqui, para onde irá? — Para a casa de minha madrasta. Ela e meu pai estão viajando, em lua-de-mel. — E pode ficar lá? — Só até encontrar outro lugar para viver. — Por favor, tio Sergius, não a mande embora — suplicou Cheryl. — A madrasta de Melissa é cruel, é muito má. Quer forçar Melissa a se casar com um homem que ela odeia, um homem desprezível. Preciso ajudar minha amiga, tio Sergius! — É verdade que tem um pretendente? — indagou ele, fitando Melissa e ignorando a súplica de Cheryl. — É verdade, Vossa Graça. — O homem em questão tem condições de mantê-la? — Tem, Vossa Graça. — Então, por que recusa a proposta dele? — Porque, Vossa Graça... eu não... o amo. Jamais poderia amá-lo. — E acha que o amor é essencial no casamento? — A voz do duque soava cheia de sarcasmo. — Na minha opinião, Vossa Graça, é essencial! — Melissa ergueu a cabeça ao falar. De súbito, começava a achar indiscrição da parte do duque questioná-la sobre sua vida particular, mesmo sendo ele uma pessoa importante. — Imagino que vá descobrir muito breve, miss Weldon, que o amor é uma ilusão, um luxo dispensável para quem precisa trabalhar para viver. "Que direito tem ele de ridicularizar meus ideais?!", refletia Melissa. "De me dizer o que devo, ou não devo sentir?" Cheryl era sobrinha do duque, mas ela não tinha relacionamento familiar nenhum com ele. Não obstante, resolveu não se antagonizar com o homem, pelo bem da amiga. Mas teve vontade de revelar-lhe que ainda não se desiludira da vida, que o amor para ela significava mais que quaisquer vantagens financeiras que um casamento com alguém como Dan Thorpe lhe pudesse prodigalizar. Notando o conflito emocional em que Melissa se achava, o duque disse a Cheryl, após alguns segundos: — Considerando as circunstâncias, permito que miss Weldon fique com você. E acho que é mais agradável para as duas que ela seja tratada, nesta casa, como amiga sua. — Oh, tio Sergius, como posso agradecer-lhe? Estou muito, muito contente! — Como pretendo que more comigo, Cheryl, penso ser aconselhável que tenha como companhia uma pessoa de sua idade. — Obrigada, tio Sergius! O duque tocou a sineta e o mordomo apareceu. — Informe a governanta — declarou ele — que miss Cheryl trouxe consigo uma amiga, e não uma dama de companhia. Diga a ela que providencie uma, breve. E peça também que arranje dois quartos, um próximo do outro, para as senhoritas. Entendido? 21
  • 24. — Sim, Vossa Graça. O duque dirigiu-se depois a Cheryl e a Melissa: — Penso que gostariam de descansar, agora. Eu as verei na hora do jantar. As moças saudaram-no e saíram. Melissa sentia-se como se tivesse vencido a fúria de um ciclone que, por milagre, não a destruíra. Quando, enfim, encontrou-se a sós com Cheryl, esta disse: — Ouviu o que tio Sergius falou, Melissa? Que pretende que eu more com ele! Quando conversarei sobre Charles? — Talvez esta noite, após o jantar. Ou talvez seja mais prudente esperar até amanhã. — Não, não posso esperar! Não tenho muito tempo, se quiser partir com Charles. Tive a impressão de que tio Sergius conta com minha permanência aqui, para sempre. — Claro. Ele não imagina que você tenha outros planos, Cheryl. — Tio Sergius me assusta! Percebeu como ele ficou furioso ao saber que você não era, na verdade, uma dama de companhia? — Fui tola em não ter perguntado para onde eu devia ir, assim que chegamos. Mas, fiquei tão encantada com a beleza, a grandiosidade do palácio, que não desconfiei, nem por um minuto, que estávamos sendo conduzidas à presença dele. — Nem eu! — confessou Cheryl. — Meu tio é uma pessoa impressionante, sempre achei! E você escutou, Melissa, o que ele disse sobre o amor? Não vai entender quando eu revelar o amor que tenho por Charles! Melissa concordava com Cheryl, mas não fez comentários. Apavorava-se só em pensar no momento em que a amiga falasse sobre Charles. O tio nem a ouviria. Contudo, era melhor não aborrecer Cheryl antes da hora. Rezava para que as coisas não fossem tão assustadoras como se apresentavam, no momento. Depois de se trocarem, Melissa sugeriu que percorressem o palácio. Cheryl estava muito elegante com um vestido de cetim cheio de babados e fitas de veludo, enquanto Melissa usava um bem simples, de musseline, com uma faixa azul na cintura. Melissa entusiasmava-se a cada detalhe da magnífica construção. As salas todas tinham sido pintadas pelos famosos Verrio e Laguerre. Dentre os quadros havia alguns de artistas famosos. A biblioteca, com livros do chão ao teto, tinha uma galeria em plano superior, ligada ao solo por uma escada em caracol que saía do centro da sala. Lá, Melissa e Cheryl foram apresentadas ao bibliotecário, um senhor de idade, de cabelos brancos, e que vivera no palácio toda sua vida. Disse a Cheryl que se lembrava bem do Pai dela, em criança. — Podemos tomar alguns livros emprestados? — perguntou Melissa. — Mas claro — replicou o bibliotecário com um sorriso. — Que assunto lhe interessa, miss Weldon? — Queria, antes de qualquer coisa, ler sobre o palácio. Nunca imaginei que uma casa pudesse ser tão magnífica. — Admiro muitíssimo este palácio — concordou o bibliotecário. — Deixe-me mostrar-lhe onde se encontram os livros sobre Aldwick. Pode lê-los à vontade. — Oh, muito obrigada! Mas acho que preciso morar aqui muitos anos, para conhecer tudo sobre o palácio e seus tesouros. — Papai contava-me histórias acerca dos esconderijos dos padres e das escadas secretas — observou Cheryl. — Podemos vê-los? — Para isso precisam da permissão de Sua Graça — informou o bibliotecário. — Os corredores para as escadas não podem ser abertos sem ordem expressa de Sua Graça. — Entendo — replicou Melissa. — Há enorme quantidade de visitantes no palácio, 22
  • 25. e muitos deles Sua Graça mal conhece. — É verdade — concordou o bibliotecário. — Quando o palácio foi construído, havia saídas secretas para que os padres católicos pudessem escapar de seus perseguidores. E, no tempo de Cromwell, a vida de muitos realistas foi salva graças aos esconderijos. — É fascinante! — opinou Melissa. — Muitos fatos históricos se desenrolaram entre as paredes deste edifício. — O bibliotecário sorriu. Depois, mostrou a Melissa outros livros que julgava do interesse dela. Porém, Melissa voltou às prateleiras que continham os compêndios sobre a história dos Byram e do palácio. Apanhou um para levá-lo ao quarto. — Leio depressa — ela preveniu o bibliotecário. — Venho buscar outro, antes que o senhor espere. — Fico encantado em poder ajudá-la, miss Weldon — disse o velho. As duas moças enveredaram pela casa, apreciando a galeria de arte, os jardins e a capela. Esta era parte do palácio original, à qual foram acrescentadas, mais tarde, esculturas de Grinley Gibbons. Enfim, após percorrerem quilômetros, Cheryl e Melissa voltaram a seus respectivos quartos, a fim de descansarem para o jantar. Ambas estavam preocupadas com o futuro. Melissa ficou satisfeita por constatar que seu quarto tinha uma porta de comunicação com o de Cheryl. Os aposentos davam para o jardim cheio de fontes, estátuas e gramados muito verdes. — Amanhã precisamos ver os quartos de hóspedes — sugeriu Cheryl. — Papai dizia que eram mais lindos que os de qualquer outra mansão da Inglaterra. — Adoraria vê-los — declarou Melissa. — Porém agora vamos descansar. — Posso ficar em seu quarto, Melissa? Estou com medo de ficar só, tenho medo de meus pensamentos. — Tudo vai sair bem, Cheryl — replicou Melissa, longe de se sentir confiante, todavia. — Quem sabe tio Sergius esteja de bom humor, depois do jantar... — Com certeza vai estar, Cheryl. — Melissa decidira encorajar a amiga. Deitaram-se lado a lado na grande cama, e ela falou de outros assuntos, evitando citar o nome de Charles. Mais tarde, vestidas para o jantar, desceram. Sua Graça esperava-as num dos grandes salões. Mais uma vez Melissa encantou-se com o mobiliário francês; com a tapeçaria executada a mão, datando do século anterior; e com as magníficas mesas douradas, cheias de entalhes, obra de William Kent. Alegrava-se por ter tido uma boa iniciação à arte, através de sua mãe e de lorde Rudolph, quando ensinava a filha. "Você pode distinguir, Cheryl, a diferença entre a arte Chippendale e a de seus imitadores", dizia ele a filha, desatenta na maior parte das vezes, enquanto Melissa escutava e aprendia. Mas não era fácil apreciar o salão e, mais tarde, a sala de jantar do palácio, estando ela apreensiva quanto ao resultado da conversa que Cheryl teria com o tio logo mais. O duque sentava-se em cadeira de espaldar alto, à cabeceira da mesa, tendo Cheryl à direita e Melissa à esquerda. Uma infinidade de lacaios serviu o jantar em travessas de ouro, com o brasão da família. Os pratos sucediam-se, um melhor que o outro, até que a sobremesa foi trazida em porcelana de Sèvres. Consistia em pêssegos, uvas moscatel e enormes morangos 23
  • 26. cultivados em estufas. O duque falou pouco. Melissa supôs que ele não esperava que duas meninas pudessem acompanhar uma conversa inteligente. Ela apenas escutava, e tinha a sensação de que assistia a uma peça de teatro ou a um bale, com o duque no papel principal. Sorriu de sua idéia. — Parece estar se divertindo, miss Weldon — observou o duque. — Sinto-me contente por morar aqui — replicou ela. — E por fazer parte de algo grandioso e, de certo modo, um tanto teatral. O duque franziu a testa e Melissa resolveu explicar-se melhor: — Não tive intenção de ser rude, mas Vossa Graça precisa entender que, para mim, trata-se de experiência nova e interessante! Todos aqui sabem bem seu papel, ninguém comete erros. Quase se espera um aplauso! O duque esboçou um sorriso. — Penso que tencione ser amável, miss Weldon. Porém, as peças teatrais são ilusórias, e o que acontece em minha casa é real. — Contudo, para quem vive fora deste seu mundo, é bem irreal — argumentou Melissa. — Não estou interessado no mundo lá fora — contestou o duque. — No meu mundo, espero perfeição, e consigo-a sempre. As duas moças foram para o salão, após o jantar. — Devo me entender com ele, assim que se unir a nós? — perguntou Cheryl a Melissa. — Não sei... Sim, sim, é melhor falar já. Melissa acreditava que as coisas, que precisavam ser ditas, deviam ser ditas logo. Passaram-se vinte minutos até o duque chegar. Melissa admirou-o mais uma vez, em traje de noite. Seria impossível encontrar-se homem mais elegante que ele no palácio de Buckingham, ou em Carlton House. E ela entendia que uma criatura tão perfeita só poderia esperar perfeição ao seu redor. Observando-o mais atentamente, concluiu que ele tinha aspecto muito jovem quando punha de lado sua expressão sardônica. Notara, durante o jantar, que ele comia e bebia pouco. Com certeza desejava conservar seu corpo esbelto e saudável. "Gostaria que houvesse um livro sobre Sua Graça na biblioteca", pensou Melissa de repente. "Seria bom saber o que ele tem feito e... o que pensa... fazer." O duque sentou-se junto à lareira. Era abril, mas a lenha crepitava e um aroma de madeira queimada impregnava o ar. — Precisam me dizer o que querem fazer amanhã — começou ele a falar. — Que tal um passeio a cavalo? Cheryl criou coragem e disse: — Tenho de lhe contar uma coisa, tio Sergius. — O quê? — Estou... noiva. Meu noivo será promovido a capitão esta semana, e seguirá para a índia. Eu gostaria de me casar, antes de ele partir. — Seus pais sabiam disso? — indagou o duque, após curta pausa. — Sabiam! Charles me ama desde que eu tinha quinze anos, mas, naturalmente, precisou esperar. Agora estou com dezessete anos, tio Sergius, e sei que meus pais consentiriam em que eu fosse para a índia. — Tem provas desse consentimento? — Provas? — Seu casamento foi anunciado na Gazettel Foram feitos os proclamas na igreja? — Não, teria sido impossível antes da morte de meus pais. O senhor sabe, tio Sergius, que os subalternos do décimo primeiro batalhão de hussardos não podem casar. 24
  • 27. Têm de ser promovidos a capitão, e só agora Charles conseguiu essa patente. — E ele tem licença do coronel para se casar? — Tem. Charles virá aqui depois de amanhã para falar com o senhor, tio Sergius. Explicará tudo. Mas, por favor, tio Sergius, Permita que eu me case com ele! O duque ajeitou-se melhor na poltrona e disse: — Jamais daria meu consentimento para você se casar na idade de dezessete anos, e certamente não com o primeiro caça-dotes que aparecesse. — Charles não é um caça-dotes. — Tem fortuna pessoal? — Não — replicou Cheryl. — Mas dinheiro não é importante para nós. — Dinheiro é sempre importante, em especial se, quando existe, é da mulher. — Tio Sergius... eu amo Charles... — Não teve ainda oportunidade de conhecer muitos homens, morando no campo. Seus pais resolveram isolar-se do resto da família. Afinal, era direito deles. Mas, agora que sou seu tutor, você está sob minha jurisdição. Não tenho intenção, Cheryl, de permitir que se case nos próximos anos. E, quando isso acontecer, não será com um jovem sem dinheiro e que não tenha nada que o recomende. — Charles tem tudo que o recomenda — protestou Cheryl. — Ele me ama, sempre me amou. Papai e mamãe aprovaram nosso casamento. — Talvez quando esse rapaz voltar da índia, deixe-me ver, em dois ou três anos, você já tenha mudado de idéia. — Nunca mudarei, nunca! — gritou Cheryl. — Eu o amo desde que nos vimos pela primeira vez, como também ele me ama. Pertencemos um ao outro. O senhor não tem direito de interferir... não tem direito de impedir que eu me case com o homem que amo. — Acho que tenho todo o direito do mundo, legal e moralmente. E ouça bem, Cheryl: com os bens que possui, terá muitos homens como Charles, pondo o coração a seus pés, enquanto terão os olhos em sua fortuna. — Esse não é o caso de Charles. — Cheryl levantou-se, furiosa. — Como pode dizer isso dele? Eu não tinha dinheiro enquanto papai era vivo, e Charles me amava da mesma maneira. Não deixarei que o senhor arruine minha vida! Se não permitir que me case com Charles, fugirei com ele, como papai e mamãe fizeram. — Não fará nada disso! — replicou o duque, com voz autoritária. — Seu pai agiu erradamente. E você, pelo que vejo, pretende se comportar da mesma forma! Um escândalo é suficiente na família! — Ele encarou bem Cheryl ao continuar: — Quando esse rapaz vier falar comigo, eu o despacharei imediatamente. Não quero caçadores de dotes e oportunistas em volta de você, enquanto eu for seu tutor. E mais ainda: se souber que tenta me enganar, tomarei medidas severas par tornar isso impossível. — Pretende me mandar para seus calabouços? Ou me trancafiar nas torres do palácio? Isso também seria um escândalo, tio Sergius! — Não sou assim tão bobo, Cheryl. Providenciarei apenas para que tenha uma companhia mais severa do que a que possui, no momento. Não será encarcerada, mas achará impossível escrever cartas de amor, ou fugir. Quando eu encontrar um marido bom para você, então permitirei que se case. O duque falava sem ódio, mas cada palavra dele soava como uma martelada. Ao terminar, Cheryl, que o ouvira em silêncio, os olhos nos dele como hipnotizada, começou a gritar: — Não fico aqui com o senhor! Vou-me embora! Quero me casar com Charles, aconteça o que acontecer! Eu odeio o senhor, odeio! Sempre o odiei, e sei que Charles me salvará! Eu amo Charles! Que sabe o senhor sobre estar apaixonado? Cheryl saiu correndo da sala, as lágrimas rolando-lhe pelas faces. Melissa ergueu- se, fitou o duque que continuava impassível, e declarou calmamente: — Vossa Graça é cruel e injusto! 25
  • 28. E, sem o saudar, retirou-se da sala e seguiu Cheryl. 26
  • 29. CAPÍTULO IV Cheryl chorou a noite toda, e nada do que Melissa fazia a confortava. Já era madrugada quando ela, enfim exausta, caiu numa sonolência agitada. Melissa foi para seu próprio quarto mas, duas horas mais tarde, ouviu-a soluçar. — Controle-se, querida — aconselhou-a Melissa. Mas Cheryl enterrou o rosto no travesseiro e rompeu em pranto copioso. Melissa tocou a sineta. Quando a criada apareceu, pediu-lhe que chamasse a governanta, a Sra. Meadows, uma mulher idosa que envelhecera no palácio. — Deseja alguma coisa, miss? — disse ela a Melissa. — Acho que miss Cheryl precisa de um médico com urgência, Sra. Meadows. Está muito angustiada e, se continuar chorando assim, ficará muito doente. — Não posso mandar chamar o médico sem autorização de Sua Graça — replicou a Sra. Meadows. Melissa quis protestar mas, antes que o fizesse, a Sra. Meadows continuou: — Sua Graça já saiu e só voltará à tarde. Como Melissa a fitasse surpreendida, a Sra. Meadows explicou: — Sua Graça está inaugurando a nova prefeitura em Melchester, hoje. É um evento muito importante. Haverá um desfile pela cidade, encabeçado pelo prefeito e pelos vereadores. Melissa achava que nada era mais importante, naquele momento, que a dor de Cheryl. — Nesse meio tempo, miss, até Sua Graça chegar, vou preparar para miss Cheryl um chá de flores de limoeiro — sugeriu a Sra. Meadows. — Isso vai ajudar — concordou Melissa. — Não quero que Cheryl continue chorando. Não comeu nada até agora. — Deixe as coisas comigo, miss — declarou a governanta, retirando-se em seguida. Logo depois voltou, trazendo para Cheryl uma xícara da tisana misturada com mel. Melissa teve problemas em convencer Cheryl a tomar o chá. Mas após alguns goles, bebeu tudo, apesar das lágrimas que lhe corriam pelas faces. — Ela vai se sentir melhor em cinco minutos, mais ou menos — sussurrou a Sra. Meadows, saindo do quarto. — Que vou fazer, Melissa? — soluçou Cheryl. — Se não puder escrever a Charles, informando-o sobre o que tio Sergius falou, ele chegará aqui esperando me ver... e será insultado! Você sabe como ele já se sente diminuído por eu ter mais dinheiro que ele! Charles sairá daqui... e nunca mais me procurará. Cheryl atirou-se aos braços de Melissa e suplicou: — Fale com tio Sergius, Melissa. Convença-o a me deixar casar com Charles. Eu juro, que se ele for à índia sem mim... eu morrerei. Cheryl começou a chorar de novo, mas sem a mesma intensidade de antes. Confiava na interferência de Melissa. — Farei o que puder — prometeu Melissa. — Falará com tio Sergius? — Falarei. Mas agora durma um pouco. Quando Charles vier, não a reconhecerá com esses olhos inchados. — Estou horrível? — Horrível, não; mas também não é tão bonita como geralmente é. Essa observação fez com que Cheryl se controlasse. Melissa acomodou-a nos travesseiros e, sentando-se à beirada da cama, segurou-lhe a mão. Após alguns minutos Cheryl fechava os olhos. Sua respiração foi ficando mais 27
  • 30. profunda e Melissa concluiu que dormia. Saiu do quarto nas pontas dos pés e deu com a Sra. Meadows, do lado de fora. — Seu chá consistiu num sucesso — disse Melissa. — Espero que miss Cheryl durma bem, para compensar as horas de insônia da última noite. — E a senhora, miss Weldon? Não vai descansar? — Já dormi um pouco, Estou preocupada com o estado de miss Cheryl, e quero falar com Sua Graça assim que ele chegar. — Mandarei avisar a senhora, miss. Mas, se quiser um conselho, dê uma volta pelo jardim. Pedirei a uma criada que cuide de miss Cheryl, caso ela acorde. — Muito obrigada — replicou Melissa. — Mas acho que preferia visitar os quartos dos hóspedes. Miss Cheryl ia mostrá-los a mim hoje, mas acredito que não possa. — Eu acompanharei a senhora, miss Weldon, e com prazer. Se dependesse de minha vontade, esta casa estaria sempre cheia de hóspedes, como nos velhos tempos. Que lindas eram nossas festas! Quando celebramos o vigésimo aniversário de Sua Graça, havia aqui, incluindo os criados, nada menos de trezentas pessoas. — Que festa grande! — comentou Melissa. Enquanto a Sra. Meadows falava, iam atravessando um corredor do centro do palácio. No andar térreo ficavam as salas e salões; no primeiro andar estavam os dormitórios, os quartos de hóspedes; e, mais acima, o quarto das crianças e a sala de aula, enormes, por sinal. Os quartos dos hóspedes, como lorde Rudolph falara, eram magníficos. Havia a "suíte da rainha", construída especialmente para a rainha Elizabeth I: tinha uma enorme cama com dossel na forma de coroa; o quarto de vestir, o boudoir. Os quartos para as damas da Corte eram igualmente majestosos. Havia muitas suítes com camas no estilo de diversas épocas, dependendo de quando foram decoradas. Melissa achava que se sentiria amedrontada, se tivesse de dormir numa daquelas suítes. Enfim, após os últimos aposentos destinados às visitas, a Sra. Meadows disse: — Vou lhe mostrar agora o quarto da mãe de Sua Graça. É o mais lindo do palácio. Ela abriu uma porta e as venezianas. Melissa constatou ser esse quarto, de fato, o mais bonito de todos. As cortinas eram de veludo rosa, bordadas a mão, e o ambiente assemelhava-se a um buquê de flores. Enormes espelhos refletiam a luz que entrava pelas janelas e, sobre o consolo da lareira, havia uma enorme tela do duque adolescente. Ele estava de pé, com três cachorros; ao longe, via-se o palácio. Melissa achou-o excepcionalmente bonito, e não muito diferente do homem atual, apenas com aspecto mais feliz. — Este quadro foi pintado um pouco antes do vigésimo primeiro aniversário de Sua Graça — explicou a Sra. Meadows. — Nós costumávamos dizer que nenhum jovem poderia ser mais atraente. — Ele tem ar de quem adora a vida — observou Melissa. — É verdade. Sua Graça era muito feliz nessa época. Estava sempre rindo e tinha uma palavra amável para todos. O palácio parecia um paraíso. — E o que aconteceu depois? — Penso não dever comentar sobre o assunto — declarou a governanta. Em seguida, não resistindo, continuou: — Para lhe dizer a verdade, miss, nenhum de nós sabe muito bem o que houve. Sua Graça ia se casar com uma moça bonita e meiga, lady Pauline. Estava terrivelmente apaixonado. — Ela morreu? — indagou Melissa. — Não, não, nada disso. Fomos apenas informados de que não haveria mais casamento. E Sua Graça partiu para o continente. 28
  • 31. — Deve ter havido uma razão forte para isso. — Se houve, nunca viemos a saber. Sua Graça voltou ao palácio dois anos depois, e totalmente mudado. Não sorria mais. A Sra. Meadows fechou as venezianas, dizendo: — Agora, miss, vou lhe mostrar o quarto de Sua Graça. Fica aqui ao lado. Todos dizem que foi o mais histórico da casa. — Por que histórico? — Porque foi daqui que o príncipe Charles fugiu, quando perseguido pelos soldados de Cromwell. Ele refugiou-se no esconderijo dos padres, atravessou uma passagem secreta e escapou pelo parque. — Que interessante! — observou Melissa, olhando à volta para ver se as emoções daqueles tempos assustadores ainda pairavam no ar. O quarto, grande, com três janelas, tinha painéis de carvalho num tom marrom acinzentado. A cama de quatro colunas era rodeada de cortinas vermelhas de seda pesada, tendo na cabeceira o brasão de Aldwick bordado em tons vivos. As colunas da cama tinham entalhes dourados. Todo o quarto, muito masculino, possuía mobiliário da era jacobiana, as mesas com tampo de mármore. Melissa achou o quarto de uma grandiosidade mais impressionante que os demais, mas logo admitiu que talvez fosse por saber que o duque dormia lá. — Deste quarto saía uma passagem secreta que levava à capela, onde os padres católicos rezavam missa — explicou a governanta. — De acordo com a história, certa vez um padre, traído por membros da casa, foi assassinado durante a celebração de ce- rimônia religiosa. — Que horror! — exclamou Melissa. — Pergunte ao Sr. Farrow, o bibliotecário, sobre o assunto. Ele pode lhe contar mais fatos daquela época. — Vou perguntar — replicou Melissa, demonstrando grande interesse. Ela e a governanta visitaram mais um ou dois quartos que, apesar de graciosos, não causaram impressão nenhuma a Melissa, pois ficavam muito aquém dos outros. Enfim, a Sra. Meadows conduziu Melissa ao jardim. — Agora, miss, vá tomar um pouco de ar fresco, isso lhe fará bem. Depois, siga meu conselho e deite-se para descansar. — Vou obedecer, Sra. Meadows — concordou Melissa. Ela andou pelos macios gramados, admirando as diversas fontes com suas bases de pedra que, com certeza, haviam sido importadas da Itália. Uma pequena cascata lançava suas águas numa canaleta ladeada por canteiros de flores, que ia até os lagos. Havia muito a ver, tanto a apreciar! Porém Melissa sentia-se culpada por deixar Cheryl muito tempo sozinha. E resolveu entrar. Todavia, constatou que não precisava ter se preocupado. A criada que ficara de guarda contou-lhe que Cheryl dormira o tempo todo. Melissa espiou para ver se ela continuava dormindo e retirou-se em seguida para seu quarto, tentando relaxar. Não conseguiu, ficou remoendo suas idéias sobre o que dizer ao duque. Não sabia como começar, como persuadi-lo a mudar de procedimento. Almoçou sozinha, na saleta contígua aos aposentos que ela e Cheryl ocupavam. O mordomo e dois criados a serviram. Às três horas um lacaio informou-a de que o duque havia regressado. Melissa pediu à empregada que cuidasse mais uma vez de Cheryl e foi ao encontro dele. O mordomo e seis lacaios encontravam-se no hall, e ela perguntou ao primeiro se podia ver o duque. — Acompanhe-me, miss — replicou o mordomo cerimoniosamente. — Eu a levarei 29
  • 32. à sala particular de Sua Graça. Os dois atravessaram vastos corredores. Melissa concluiu que era possível fazer exercício mesmo dentro do palácio, tais as distâncias. Enfim, chegaram à soleira de uma porta dupla de mogno. Dois lacaios postavam- se lá, e o mordomo dirigiu-se a um deles. — Sua Graça está ocupado com um visitante — sussurrou o mordomo a Melissa. — Eu não sabia disso, do contrário não a teria trazido até cá. A senhora poderá esperar na sala ao lado e eu virei chamá-la, tão logo Sua Graça esteja desocupado. — Obrigada — replicou Melissa. — Não tenho pressa. O mordomo abriu a porta e ela entrou numa sala de paredes decoradas com gravuras de cenas esportivas e telas a óleo, retratando o palácio em diferentes épocas. O mordomo fechou a porta e Melissa começou a apreciar os quadros, notando que o palácio mudara muito no decorrer dos anos. Quando ela se aproximou de outra porta, perto da lareira, percebeu que podia ouvir a conversa da sala ao lado, e reconheceu a voz do duque e de Gervais, o primo de Cheryl. — Eu disse a você antes, Gervais, que não desejava vê-lo aqui e que não tinha intenção de pagar nunca mais suas dívidas — falava o duque. — O tio prefere que eu apodreça numa prisão? Seria um escândalo para a família. Gervais Byram provocava o duque. — Não me importa a mínima que você vá preso — insistiu d duque. — Já o preveni, há tempos, de que não continuaria a financiar suas dívidas de jogo e extravagâncias loucas, que ultrapassam os limites da credibilidade. — Esquece-se de que sou seu herdeiro, o futuro duque? — Infelizmente é coisa que não consigo esquecer. Mas isso não altera minha determinação de não jogar dinheiro fora. — É costume, em famílias como a nossa, que se proporciona uma mesada adequada ao herdeiro do título. — Desde que me tornei duque venho lhe dando considerável quantia em dinheiro, dinheiro esse que você esbanja de maneira impressionante. Não lhe darei mais nada. E saia de minha casa, jál Após uma pausa, Gervais disse: — Se essa é a sua última palavra, não tentarei mais. Não desconhece, contudo, que posso conseguir um empréstimo contando com minhas possibilidades futuras? — Suas possibilidades, como as chama, não são muito animadoras aos olhos dos usurários. Sou ainda bastante jovem e não penso em morrer. — Naturalmente, e lhe desejo boa saúde, tio. Mas, se vai viver muito ou não, isso depende de Deus. Havia um quê no modo como Gervais se expressava, que fez Melissa ver nas palavras dele uma ameaça. O duque tocou a sineta e, quando o mordomo apareceu disse-lhe: — O Sr. Gervais vai se retirar. Quer, por favor, conduzi-lo à carruagem? — Pois não, Vossa Graça! Melissa só então notou que a tal porta estava entreaberta, razão pela qual ouvira tudo. Esperava que o duque não a censurasse por haver testemunhado a entrevista particular que tivera com o sobrinho. Ela ficou apreciando a vista da janela. Os lagos cintilavam à luz do sol da primavera. Mais abaixo, no pátio onde as carruagens estacionavam, viu um pequeno coche preto e amarelo que, com certeza, pertencia a Gervais Byram. Era puxado por dois cavalos dei cor castanha. Em poucos minutos Gervais chegou lá. Vestia-se muito bem, melhor ainda que na estalagem Flying Fox. 30
  • 33. Ele entrou na carruagem, apanhou as rédeas, mas não partiu. "Espera por alguém", pensou Melissa. "Quem será?" Então, de um canto do palácio surgiu um homem que Melissa supôs ser o cavalariço de Gervais Byram. Ele devia ter ido dar um passeio, enquanto aguardava pelo amo. Era baixo, pequeno como um menino. Começou a correr e, na pressa, seu chapéu caiu no solo. Nesse instante, Melissa constatou que o homem era quase calvo, e não um menino, como imaginara de início. Ele tomou a carruagem, que logo sumiu entre os carvalhos da longa alameda. Melissa rezava para que a entrevista de Gervais não tivesse deixado o duque mal- humorado. Aguardava com apreensão que o mordomo a chamasse. — Sua Graça já está livre, miss — disse o mordomo logo a Melissa. Ela dirigiu-se à sala onde o duque se achava, e o mordomo anunciou: — Miss Weldon, Vossa Graça! Foi óbvio para Melissa que o duque, sentado na poltrona, com um jornal na mão, não contava vê-la. Ele levantou-se e esperou que a moça se aproximasse. Melissa usava o mesmo vestido branco de musseline, com faixa azul na cintura. Seus cabelos brilhavam à luz dos últimos raios de sol. Tinha expressão preocupada, mas aspecto muito jovem. — Posso falar com Vossa Graça? — pediu ela. — Mas claro. Sente-se, miss Weldon. Melissa sentou-se na beirada da cadeira, apertando os dedos nervosamente. O duque estava à vontade e não tirava os olhos dela. Melissa encontrava dificuldade em escolher palavras para iniciar sua conversa. — Cheryl passou a noite toda... acordada — começou enfim. — Quis falar com Vossa Graça esta manhã para pedir-lhe que chagasse um médico, mas o senhor não se achava no palácio. — Crises histéricas não me farão mudar de ponto de vista — observou o duque. Houve uma longa pausa, após a qual ele perguntou: — Não tem nada mais a me dizer, miss Weldon? — Tenho muito... a lhe dizer... mas é difícil, pois o senhor ma amedronta. Cheio de surpresa, o duque declarou: — Pensei que fosse mais valente, miss Weldon. — Pensei também... mas agora sei que sou covarde. Nunca imaginei ter medo de ninguém, e agora tenho pavor de minha madrasta e... do senhor! — Lamento causar-lhe tanto medo, miss Weldon. — Vossa Graça poderia... por favor... ouvir o que tenho a lhe expor... sem ficar zangado até que eu termine? — E já antecipa que vou ficar zangado? Que vai me aborrecer com o que pretende me comunicar? — É verdade — concordou Melissa. — Mas, mesmo assim, preciso lhe falar. — Nesse caso, prometo que a ouvirei sem interferir. — Obrigada. — Sou todo ouvidos — declarou o duque. — Estive lendo sobre um antepassado seu, um Ministro da Justiça da Inglaterra. O livro diz que todos o admiravam e confiavam nele, porque nunca emitia uma sentença sem antes ouvir as partes interessadas, e sempre tentava abrandar os castigos. — Quer com isso dizer que não ouvi as razões de minha sobrinha, antes de considerar os fatos? Conforme me disse ontem, portei-me de maneira cruel e injusta! — Foi um atrevimento de minha parte julgá-lo mas... assim pensei, Vossa Graça. — Então, naturalmente preciso ouvir o que tem a me relatar em defesa de Cheryl, essa moça que, antes de atingir a idade do discernimento, decidiu arruinar sua vida e 31
  • 34. fazer uma estupidez. — Considera uma estupidez apaixonar-se? — indagou Melissa. — Sempre acreditei ser o amor uma coisa que... quando vem não se pode evitar. Ela notou a expressão do rosto do duque e acrescentou depressa: — É muito fácil para um cético em matéria de amor dizer que Cheryl é jovem demais para amar. Pelo visto, Vossa Graça assume que o amor é um sentimento restrito à idade avançada apenas? — Não estamos falando sobre o amor, miss Weldon, mas sobre o casamento de Cheryl! — Pois bem. Então Vossa Graça pretende, quando achar conveniente, fazer com que ela se case só se houver vantagens do ponto de vista social? Como pode querer um destino tão horrível para uma menina como Cheryl, crescida numa atmosfera de amor? — Isso a faz diferente das outras mulheres? — Claro que a faz! E também, de qualquer lar que venha uma mulher, ela não deseja ser tratada como um bem de penhora, uma mercadoria vendida no balcão a quem der a melhor oferta! — A maior parte dos casamentos arranjados são muito felizes — disse o duque. — A mulher tem segurança, o marido lhe dá proteção e nome. Ela adquire uma posição social e filhos para satisfazer suas necessidades emocionais, chamadas de amor. — E acha isso suficiente? — indagou Melissa. — Pensa que uma pessoa como Cheryl possa se satisfazer com um teto sobre sua cabeça, ainda que suntuoso, e a vaidade de saber que tem um título acrescentado a seu nome, e um brasão em sua carruagem? Melissa falava em tom tão mordaz quanto o do duque, e havia um clarão de rebeldia em seu olhar quando prosseguiu: — É uma atitude bem machista essa de pensar que a mulher só deseja conforto, que não tem alma e não sente emoções, salvo a de gratidão pelo homem que lhe deu, como diz Vossa Graça, "a proteção do nome". — Melissa fez uma pausa, antes de continuar: — Mulheres têm sentimentos tão profundos, se não mais, quanto os dos homens. Todavia, o senhor não hesita em nos tratar como se fôssemos marionetes que passam de mão em mão, ou como animais que podem ser rejeitados a qualquer hora. — A senhorita discute de maneira convincente, miss Weldon — observou o duque, mas Melissa achou que ele caçoava. — Contudo, não se esqueça de que o casamento é a única carreira disponível à mulher. — Sim, mas o casamento com um homem que ela ame! — completou Melissa. — Não com um homem cuja única função é transformá-la em máquina de fazer filhos. — Cheryl é ainda muito jovem. Vai se apaixonar novamente, e por candidato mais adequado. — Por que acha que Charles Saunders não é adequado? Vossa Graça chegou a essa conclusão só porque ele é pobre? Aí está toda a injustiça! O senhor acha que Charles é um caça-dotes, mas ele ama Cheryl desde o primeiro instante em que a viu, quando Cheryl não passava de uma garota de quinze anos. Esperou-a, não deu atenção a outra mulher, contando os dias até que ela tivesse idade suficiente para tornar-se sua esposa. A voz de Melissa ficou mais grave ao acrescentar: — Aí, por causa de uma tragédia do destino, justamente quando os dois iam se unir, o senhor interfere e não permite que isso aconteça. Não por razões fortes, mas simplesmente por um preconceito. Não acredita que as mulheres tenham o direito de amar, e que a decisão caiba a elas, independente da fortuna dos noivos. Melissa falava de modo agressivo. Caindo em si, percebeu que agredia o duque, em vez de lhe dirigir uma súplica. Expressou-se, então, de maneira mais amável: — Não estou cuidando do caso de Cheryl como deveria, reconheço. Tinha o 32