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A Escola tem Futuro?
Rui Canário
Artmed, 2006
Rui Canário
educador português
extratos
(André Camargo :: novembro/2012)
O século XX
Foi marcado pelo triunfo do projeto de
escolarização
A hegemonia da forma escolar, a naturalização e a
persistência da configuração organizacional do
estabelecimento de ensino
Mas esse mesmo século pode ser visto como um
período de barbáries que tiveram, na Europa
civilizada e escolarizada, as suas expressões máximas
Quanto mais as nossas sociedades se escolarizam, mais
se confrontam com problemas de ordens social e
ambiental que configuram autênticos impasses de
civilização
Há um desequilíbrio acentuado entre:
- o conhecimento científico e técnico que
marca as nossas sociedades
&
- a imaturidade social e política
(expressa na incapacidade de controlar os efeitos
indesejáveis do progresso)
Escola!
Durante séculos, as
aprendizagens foram
realizadas em
continuidade com a
experiência e por
imersão na própria
realidade social.
Acontece que a escola – invenção histórica
recente – instituiu um espaço e um tempo
distintos, destinados às aprendizagens.
Consagrou, por um lado, a
dicotomia aprender-
agir e, por outro,
modalidades de
aprendizagem que se
baseiam não na
continuidade, mas na
ruptura com a
experiência.
A separação da realidade social produziu um
efeito de fechamento da escola sobre si
mesma, cujos inconvenientes estão bem
patentes no desejo recorrentemente
manifestado de “ligar a escola à vida”.
Subestimar a experiência dos aprendentes tem-
se traduzido em um déficit de sentido do
trabalho escolar, marcando negativamente a
relação com o saber.
Na prática
“é necessário que as crianças que chegam à escola sejam
rapidamente transformadas em alunos. Essa
transformação, no entanto, tem um preço: é o fim da individualidade e da
singularidade de cada sujeito, além da não-valorização de sua
experiência anterior na construção e aquisição de novos
conhecimentos, o que torna difícil dar um sentido positivo para o
trabalho e a experiência escolares.”
fonte: entrevista a Revista Impressão Pedagógica
Exemplo
Esta história diz respeito a um exame acadêmico e
se passou com o célebre físico Niels Bohr, a
quem, em prova oral, o professor teria perguntado
como se media a altura de um edifício com base na
utilização de um barômetro. A resposta esperada
tinha como base a variação dos valores da pressão
atmosférica, medida na base e no topo do edifício.
O aluno foi propondo soluções, sucessivamente
rejeitadas pelo professor por não corresponderem a
uma “boa resposta”
• Primeira solução: deixar cair o barômetro do telhado e
calcular a altura do edifício a partir da medição do tempo
gasto na queda (recorrendo a um cronômetro)
• Segunda: pendurar o barômetro com uma corda, a partir
do telhado e até tocar no chão. Descer e medir a corda
• Terceira: colocar o barômetro ao sol e determinar a altura
do edifício, a partir do conhecimento da altura do
barômetro, do comprimento de suas sombras e do próprio
edifício
• Quarta: utilizar o barômetro como unidade-padrão para
“medir” o edifício em “barômetros”
Depois de enunciar várias
outras soluções e perante um
professor previsivelmente irritado,
o aluno ainda conseguiu propor,
de forma provocativa, uma última maneira de
proceder para resolver o problema, recorrendo, desta
vez, a competências de natureza social.
Tratava-se de utilizar o barômetro como moeda
de troca para obter a informação desejada na
portaria do prédio.
As três características mais marcantes
da ESCOLA
1. Menosprezo pela experiência não-
escolar do aluno
2. Dificuldade dos alunos em atribuir sentido
às tarefas escolares impostas
3. Tendência a ensinar soluções e dar
respostas
Subestimando a capacidade de pesquisa e de
descoberta, que exige competências para equacionar
problemas e imaginar diferentes soluções.
Afinal, a maior parte dos problemas importantes tem caráter
aberto e indeterminado, admitindo uma pluralidade
de soluções possíveis
Hegemonia
Esta forma escolar de conceber o processo de aprender
foi, progressiva e tendencialmente, constituindo-se como a
única maneira de conceber a educação, o que teve duas
consequências fundamentais:
1. Conferir à escola o quase monopólio da ação
educativa (desvalorizando os saberes não adquiridos por
via escolar)
2. Contaminar todas as modalidades educativas
não-escolares, transformando-as à sua imagem e
semelhança
Esse empobrecimento do campo e do
pensamento educativos privou a própria forma
escolar de referenciais exteriores que lhe
permitiriam criticar-se e se transformar. Em
síntese, durante o século XX, a educação
tornou-se refém da forma escolar.
Naturalização
A progressiva escolarização das nossas
sociedades conduziu a quase fazer
coincidir a educação com a escola, como
se fossem a mesma coisa.
A escola corresponde
a uma invenção
histórica recente que
emerge nos
princípios da
modernidade,
coincidindo com a
transição das
sociedades de Antigo
Regime para as
modernas
sociedades liberais e
industriais.
Apesar de ser
inequivocamente uma
criação humana, a
escola, ao tornar-se
hegemônica, sofreu um
processo de
“naturalização”, que torna
difícil um distanciamento
crítico. Ou seja, a escola
não é vista como uma
realidade social, mas sim
como algo de “natural”
e, portanto, imutável.
Só coisa ruim?
Não, também uma conquista histórica
“a escola correspondeu a uma formidável invenção
organizacional, que permitiu que um mestre
pudesse ensinar simultaneamente muitos alunos,
como se fossem um só. A invenção da organização
por classes permitiu passar do ensino individual ao
ensino simultâneo e, assim, lançar a base do que
viria a ser uma escola de massas.”
fonte: entrevista a Revista Impressão Pedagógica
A escola do futuro?
Do meu ponto de vista, é desejável que, no
futuro, a escola possa ser um lugar onde se
aprende pelo trabalho, e não para o
trabalho.
Também é desejável
que a escola seja um lugar privilegiado para
desenvolver e estimular o gosto pelo ato
intelectual de aprender
 cujo valor reside na possibilidade de
investir o que se aprende
(para “ler” e intervir no mundo)
Finalmente
é bom que a escola corresponda a um lugar onde se
adquira o gosto pela política, ou seja:
• onde se vive a democracia
• onde se aprende
• a ser intolerante com as injustiças
• e a exercer o direito à palavra
É forçoso reconhecer que a escola
atual está bem longe desses anseios!
Para transformar a escola
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É preciso pensar a escola a
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1. A escola é muito dificilmente
modificável a partir da sua
própria lógica
2. Nossas aprendizagens
mais importantes são
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escola, devem ser o resultado
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que promova a realização da
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baseada em valores e em
pressupostos que sejam o seu
oposto
3.
Em Suma
“O grande problema hoje
não é só saber como será a
escola do futuro, mas
saber se há um futuro para
a escola.
De uma entrevista a
Paula Nadal
Muitas das críticas à
escolarização, particularmente
as que foram desenvolvidas
pelo filósofo austríaco Ivan
Illich (1926-2002), que
defendia uma sociedade sem
instituições oficiais de ensino,
aparecem hoje como bastante
realistas. Em muitos
aspectos, a escola deixou
de ser a solução para fazer
parte do problema.
A Educação transcende em muito as fronteiras
da escola e o modelo ali desenvolvido só terá
futuro se ele tornar-se poroso e deixar-se
contaminar por diferentes formas educativas.”
André Camargo
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A escola tem futuro

  • 1. A Escola tem Futuro? Rui Canário Artmed, 2006
  • 2.
  • 5. O século XX Foi marcado pelo triunfo do projeto de escolarização A hegemonia da forma escolar, a naturalização e a persistência da configuração organizacional do estabelecimento de ensino
  • 6. Mas esse mesmo século pode ser visto como um período de barbáries que tiveram, na Europa civilizada e escolarizada, as suas expressões máximas
  • 7. Quanto mais as nossas sociedades se escolarizam, mais se confrontam com problemas de ordens social e ambiental que configuram autênticos impasses de civilização
  • 8. Há um desequilíbrio acentuado entre: - o conhecimento científico e técnico que marca as nossas sociedades & - a imaturidade social e política (expressa na incapacidade de controlar os efeitos indesejáveis do progresso)
  • 9. Escola! Durante séculos, as aprendizagens foram realizadas em continuidade com a experiência e por imersão na própria realidade social.
  • 10. Acontece que a escola – invenção histórica recente – instituiu um espaço e um tempo distintos, destinados às aprendizagens.
  • 11. Consagrou, por um lado, a dicotomia aprender- agir e, por outro, modalidades de aprendizagem que se baseiam não na continuidade, mas na ruptura com a experiência.
  • 12. A separação da realidade social produziu um efeito de fechamento da escola sobre si mesma, cujos inconvenientes estão bem patentes no desejo recorrentemente manifestado de “ligar a escola à vida”.
  • 13. Subestimar a experiência dos aprendentes tem- se traduzido em um déficit de sentido do trabalho escolar, marcando negativamente a relação com o saber.
  • 14. Na prática “é necessário que as crianças que chegam à escola sejam rapidamente transformadas em alunos. Essa transformação, no entanto, tem um preço: é o fim da individualidade e da singularidade de cada sujeito, além da não-valorização de sua experiência anterior na construção e aquisição de novos conhecimentos, o que torna difícil dar um sentido positivo para o trabalho e a experiência escolares.” fonte: entrevista a Revista Impressão Pedagógica
  • 15. Exemplo Esta história diz respeito a um exame acadêmico e se passou com o célebre físico Niels Bohr, a quem, em prova oral, o professor teria perguntado como se media a altura de um edifício com base na utilização de um barômetro. A resposta esperada tinha como base a variação dos valores da pressão atmosférica, medida na base e no topo do edifício. O aluno foi propondo soluções, sucessivamente rejeitadas pelo professor por não corresponderem a uma “boa resposta”
  • 16. • Primeira solução: deixar cair o barômetro do telhado e calcular a altura do edifício a partir da medição do tempo gasto na queda (recorrendo a um cronômetro) • Segunda: pendurar o barômetro com uma corda, a partir do telhado e até tocar no chão. Descer e medir a corda • Terceira: colocar o barômetro ao sol e determinar a altura do edifício, a partir do conhecimento da altura do barômetro, do comprimento de suas sombras e do próprio edifício • Quarta: utilizar o barômetro como unidade-padrão para “medir” o edifício em “barômetros”
  • 17. Depois de enunciar várias outras soluções e perante um professor previsivelmente irritado, o aluno ainda conseguiu propor, de forma provocativa, uma última maneira de proceder para resolver o problema, recorrendo, desta vez, a competências de natureza social.
  • 18. Tratava-se de utilizar o barômetro como moeda de troca para obter a informação desejada na portaria do prédio.
  • 19. As três características mais marcantes da ESCOLA 1. Menosprezo pela experiência não- escolar do aluno
  • 20. 2. Dificuldade dos alunos em atribuir sentido às tarefas escolares impostas
  • 21. 3. Tendência a ensinar soluções e dar respostas Subestimando a capacidade de pesquisa e de descoberta, que exige competências para equacionar problemas e imaginar diferentes soluções.
  • 22. Afinal, a maior parte dos problemas importantes tem caráter aberto e indeterminado, admitindo uma pluralidade de soluções possíveis
  • 23. Hegemonia Esta forma escolar de conceber o processo de aprender foi, progressiva e tendencialmente, constituindo-se como a única maneira de conceber a educação, o que teve duas consequências fundamentais: 1. Conferir à escola o quase monopólio da ação educativa (desvalorizando os saberes não adquiridos por via escolar) 2. Contaminar todas as modalidades educativas não-escolares, transformando-as à sua imagem e semelhança
  • 24. Esse empobrecimento do campo e do pensamento educativos privou a própria forma escolar de referenciais exteriores que lhe permitiriam criticar-se e se transformar. Em síntese, durante o século XX, a educação tornou-se refém da forma escolar.
  • 25. Naturalização A progressiva escolarização das nossas sociedades conduziu a quase fazer coincidir a educação com a escola, como se fossem a mesma coisa.
  • 26. A escola corresponde a uma invenção histórica recente que emerge nos princípios da modernidade, coincidindo com a transição das sociedades de Antigo Regime para as modernas sociedades liberais e industriais.
  • 27. Apesar de ser inequivocamente uma criação humana, a escola, ao tornar-se hegemônica, sofreu um processo de “naturalização”, que torna difícil um distanciamento crítico. Ou seja, a escola não é vista como uma realidade social, mas sim como algo de “natural” e, portanto, imutável.
  • 28. Só coisa ruim? Não, também uma conquista histórica “a escola correspondeu a uma formidável invenção organizacional, que permitiu que um mestre pudesse ensinar simultaneamente muitos alunos, como se fossem um só. A invenção da organização por classes permitiu passar do ensino individual ao ensino simultâneo e, assim, lançar a base do que viria a ser uma escola de massas.” fonte: entrevista a Revista Impressão Pedagógica
  • 29. A escola do futuro? Do meu ponto de vista, é desejável que, no futuro, a escola possa ser um lugar onde se aprende pelo trabalho, e não para o trabalho.
  • 30. Também é desejável que a escola seja um lugar privilegiado para desenvolver e estimular o gosto pelo ato intelectual de aprender  cujo valor reside na possibilidade de investir o que se aprende (para “ler” e intervir no mundo)
  • 31. Finalmente é bom que a escola corresponda a um lugar onde se adquira o gosto pela política, ou seja: • onde se vive a democracia • onde se aprende • a ser intolerante com as injustiças • e a exercer o direito à palavra
  • 32. É forçoso reconhecer que a escola atual está bem longe desses anseios!
  • 33. Para transformar a escola É necessário agir em 3 planos fundamentais
  • 34. É preciso pensar a escola a partir da educação não- escolar 1. A escola é muito dificilmente modificável a partir da sua própria lógica 2. Nossas aprendizagens mais importantes são da ordem do não- formal 1.
  • 35. É imprescindível caminhar no sentido de desalienar o trabalho escolar, para que a ação de aprender possa ser vista como uma “obra”. 2.
  • 36. As transformações da educação, e em particular da escola, devem ser o resultado de movimentos sociais que articulem um projeto de escola com um projeto social Não será possível uma escola que promova a realização da pessoa, livre de tiranias e de exploração, em um sociedade baseada em valores e em pressupostos que sejam o seu oposto 3.
  • 37. Em Suma “O grande problema hoje não é só saber como será a escola do futuro, mas saber se há um futuro para a escola. De uma entrevista a Paula Nadal
  • 38. Muitas das críticas à escolarização, particularmente as que foram desenvolvidas pelo filósofo austríaco Ivan Illich (1926-2002), que defendia uma sociedade sem instituições oficiais de ensino, aparecem hoje como bastante realistas. Em muitos aspectos, a escola deixou de ser a solução para fazer parte do problema.
  • 39. A Educação transcende em muito as fronteiras da escola e o modelo ali desenvolvido só terá futuro se ele tornar-se poroso e deixar-se contaminar por diferentes formas educativas.”