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1611
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
ARTIGO ARTICLE
Parto cesáreo: quem o deseja?
Em quais circunstâncias?
Cesarean sections: who wants
them and under what circumstances?
1 Núcleo de Gênero e Saúde,
Departamento de Ciências
Sociais, Escola Nacional
de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil.
gpbarbosa@zipmail.com.br
2 Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher,
Criança e Adolescente,
Secretaria de Estado de
Saúde do Rio de Janeiro.
Rua México 128,
Rio de Janeiro, RJ
20031-142, Brasil.
3 Departamento de
Epidemiologia e Métodos
Quantitativos em Saúde,
Escola Nacional de Saúde
Pública, Fundação Oswaldo
Cruz. Rua Leopoldo Bulhões
1480, Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil.
Gisele Peixoto Barbosa 1,2
Karen Giffin 1
Antonia Angulo-Tuesta 1
Andrea de Souza Gama 1
Dóra Chor 3
Eleonora D’Orsi 1
Ana Cristina Gonçalves Vaz dos Reis 1
Abstract Brazil has extremely high cesarean rates. Among related factors, it has been suggested
that a “culture of cesarean childbirth” (or a preference for this type of delivery) exists among
Brazilian women. Our study investigates this notion. Data were collected from September 1998
to March 1999 in two maternity hospitals in Rio de Janeiro Interviews were conducted and hos-
pital records analyzed for a random representative sample of 909 women who had just given
birth (454 vaginal deliveries and 455 cesareans). In the interviews, when asked if they had want-
ed to have a cesarean, 75.5% replied in the negative, thus indicating that these women cannot be
considered as adhering to a “culture of cesarean sections” The main complaints against cesare-
ans were: slower and more difficult recovery (39.2%) and greater pain and suffering (26.8%).
However, 17% of the sample had at some point requested a cesarean, 75% of whom during labor.
Analysis revealed that the request for a cesarean section is directly proportional to time between
admission to the hospital and delivery. This suggests that (in addition to being the usual means
of access to tubal ligation) the actual circumstances of birthing are important factors in Brazil-
ian women’s requests for cesarean sections.
Key words Cesarean Section; Perinatal Care; Reproductive Health
Resumo O Brasil apresenta altos índices de cesáreas. Este estudo investigou a existência de uma
“cultura de cesárea”, ou preferência por este tipo de parto, através de uma amostra de 909 puér-
peras (454 vaginais e 455 cesáreos) em duas maternidades do Município do Rio de Janeiro, onde
entrevistas e revisão de prontuários foram realizados entre setembro de 1998 e março de 1999.
Perguntou-se às mulheres se queriam que seu parto fosse cesáreo e a maioria absoluta (75,5%)
respondeu “não”, as razões principais sendo: “recuperação mais difícil e lenta no parto cesáreo”
(39,2%) e “dor e sofrimento maior depois da cesárea” (26,8%). Apenas 17% das mulheres solicita-
ram cesárea e, destas, cerca de 75% o fizeram durante o trabalho de parto/parto. Análise mostrou
que quanto maior o intervalo de tempo entre a admissão no hospital e o parto, mais freqüente é
a solicitação. A maioria das mulheres, nas maternidades estudadas, não quer e não pede cesá-
rea; ou seja, não existe uma ‘cultura’ feminina que valorize a cesárea como preferência. Além do
desejo da laqueadura, as circunstâncias concretas da assistência no pré-parto/parto parecem in-
fluenciar no pedido da mulher.
Palavras-chave Cesárea; Assistência Perinatal; Saúde Reprodutiva
BARBOSA, G. P. et al.1612
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
Introdução
A magnitude da questão cesárea
A cesárea é um procedimento cirúrgico origi-
nalmente desenvolvido para salvar a vida da
mãe e/ou da criança, quando ocorrem compli-
cações durante a gravidez ou o parto. É, por-
tanto, um recurso utilizável quando surge al-
gum tipo de risco para a mãe, o bebê ou am-
bos, durante a evolução da gravidez e/ou do
parto. Como todo procedimento cirúrgico, a
cesárea não é isenta de riscos, estando associa-
da, no Brasil e em outros países, a maior morbi-
mortalidade materna e infantil, quando com-
parada ao parto vaginal (Faundes & Cecatti,
1991; McClain, 1990; Miller, 1988). A escolha de
qualquer intervenção médica, em termos éti-
cos, deve basear-se no balanço entre riscos e
benefícios. No Brasil e em outros países, no en-
tanto, a cesárea tem sido abusivamente utiliza-
da, sem benefícios para as mulheres e recém-
natos (Shearer, 1993).
Nos últimos 30 anos tem sido observado
um aumento progressivo das taxas de cesárea
em quase todos os países, embora não de for-
ma homogênea. A magnitude dessa tendência
foi maior nos Estados Unidos, no Canadá, em
Porto Rico e no Brasil (Sakala, 1993). Esses paí-
ses ultrapassaram, na década de 80, o índice de
15%, considerado pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) como a taxa máxima aceitável
de cesárea para qualquer região (OMS, 1996). A
maioria dos países europeus, nessa mesma
época, apresentou taxas entre 10% e 14%, com
exceção da Holanda – onde o sistema de aten-
ção ao parto privilegia o atendimento domici-
liar e conta com a participação efetiva de par-
teiras –, que apresentou taxas próximas a 7%.
(Sakala, 1993). É importante também destacar
que as taxas de cesárea podem variar dentro de
um mesmo país.
Dados nacionais recentes (BEMFAM, 1997)
confirmam a tendência de crescimento desse
tipo de parto, que alcançou 36% no Brasil, com
taxas maiores em São Paulo (52%) e na Região
Centro-Oeste (49%), sendo as menores taxas
nas Regiões Nordeste (20%) e Norte (25%). Ob-
serva-se, ainda, que o parto cesáreo é mais fre-
qüente na região urbana (41,8%) do que na re-
gião rural (20,1%) e mostra-se também forte-
mente associado ao grau de instrução da mu-
lher, aumentando progressivamente com o nú-
mero de anos de estudo (BEMFAM, 1997). Exis-
te, portanto, grande variabilidade das taxas de
cesárea segundo as diversas unidades de análi-
se: estados, municípios, bairros ou hospitais.
No município do Rio de Janeiro, em 1995, por
exemplo, a taxa de cesárea foi de 46%. Nos hos-
pitais com mais de 1.000 nascimentos/ano, es-
sa taxa variou de 9,8% a 84,5% (Campos & Car-
valho, 2000).
O uso iatrogênico da cesárea é indicado pe-
lo fato de ser esta mais freqüente em hospitais
privados e em regiões de maior renda, cujas
gestantes estão em melhores condições sociais
e de saúde, apresentando, em princípio, menor
risco gestacional (Rattner, 1996).
Ao longo das últimas décadas muito se tem
debatido sobre a assistência ao parto. Diversas
análises realizadas, que retratam a complexi-
dade de fatores que cercam o parto (e sua as-
sistência), têm suscitado uma série de ques-
tões, que envolvem desde a qualidade da aten-
ção obstétrica até a constituição do significado
da experiência do nascimento para nós, mu-
lheres e homens envolvidos na reprodução.
No Brasil, a assistência ao parto deve ser
compreendida no contexto de um conjunto
complexo de fatores característicos da atenção
à saúde reprodutiva, que inclui, além de altos
índices de esterilização e partos cirúrgicos, a
baixa qualidade da atenção obstétrica, reflexo
da precariedade do pré-natal, das condições
desumanas de assistência ao parto e da pere-
grinação de parturientes em busca de leitos
hospitalares, se quisermos destacar apenas al-
guns elementos (Berquó, 1999; Diniz, 1996; Sil-
ver, 1999; Valladares, 1999).
Entre os fatores que influenciam a opção
por um parto cesáreo têm sido relatados: (a) a
organização da atenção obstétrica, pautada
pela conveniência de uma intervenção progra-
mada e pela insegurança do médico, decorren-
te de treinamento insuficiente na gama de va-
riações que ocorrem durante o desenrolar de
um parto normal; (b) fatores institucionais li-
gados à forma de pagamento e à exclusão do
pagamento de anestesia peridural para partos
vaginais pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
situação já revista pelo Ministério da Saúde,
mas não modificada em todos os hospitais; (c)
a esterilização cirúrgica, realizada freqüente-
mente durante cesáreas eletivas; e (d) fatores
socioculturais, que levariam à preferência, por
parte das mulheres e dos profissionais de saú-
de, por um parto cirúrgico, tais como: medo da
dor no parto normal, medo de lesões na anato-
mia e fisiologia da vagina e a crença de que o
parto vaginal é mais arriscado do que uma ce-
sárea, sendo esta última considerada a forma
mais “moderna” de se ter filhos (Faundes & Ce-
catti, 1991; Rattner, 1996).
A partir de tais considerações, tem sido su-
gerida a existência de uma “cultura da cesárea”
entre as mulheres brasileiras, ou seja, uma pre-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
ferência pelo parto cirúrgico, considerado su-
perior ao parto vaginal.
Uma visão da questão a partir
de uma perspectiva de gênero
Maternidade, gravidez e parto despontam co-
mo assuntos caros no ressurgimento do movi-
mento feminista nos anos 60, que identificou a
tradução social da função reprodutora como
um ponto nevrálgico sobre o qual se assenta a
opressão feminina. Dessa perspectiva, elabo-
rou-se uma crítica à compreensão naturalizada
da reprodução e da sexualidade, tratadas como
dimensões biológicas da esfera privada da vida
dos indivíduos, como se nessa arena não se
inscrevessem relações de poder, hierarquia e
violência. Para o feminismo, as questões relati-
vas à reprodução são colocadas no plano das
relações de poder e da luta política pela auto-
determinação sobre o corpo e a sexualidade
(Ávila, 1993; Giffin, 1991).
Historicamente, o parto se constituiu em
uma arena de intensa luta de poder entre as
mulheres e a ordem médica, pelo controle so-
bre o corpo, a sexualidade e a emoção (ver, por
exemplo, Brenes, 1991). O processo histórico
de medicalização do corpo feminino traduz de
modo exemplar a idéia de que existe uma na-
tureza biológica determinante da condição fe-
minina. É justamente por meio dessa concep-
ção que a medicina construiu o discurso legiti-
mado sobre o corpo das mulheres e sobre a re-
produção (Vieira, 1999). A partir dessa óptica, o
fenômeno moderno da medicalização do nas-
cimento é apontado como mais uma – e funda-
mental – instância de expressão do poder mas-
culino.
A crítica à assistência ao parto se insere no
questionamento mais amplo que as mulheres
fazem aos serviços de saúde, e parte da propo-
sição feminista de que a situação de subordi-
nação aí experimentada pelas mulheres e ex-
pressa na medicalização do corpo feminino é
socialmente determinada, e não uma decor-
rência natural de suas características biológi-
cas (Diniz, 1996).
A reflexão feminista problematizou a pato-
logização da reprodução e a maneira como as
práticas médicas definem seu objeto de traba-
lho, e questionou as bases históricas e políticas
da concepção do feminino como “fisiologica-
mente patológico”. A patologização do parto,
articulada à construção médico-científica do
feminino como “normalmente defeituoso” e
dependente da tutela médico-cirúrgica, orien-
ta-se no século 20 por um modelo de assistên-
cia ao parto como evento de risco. A tecnologia
PARTO CESÁREO 1613
médica se apresenta, nesse sentido, como uma
resposta necessária para o controle desse risco.
Levada ao extremo, essa lógica passa a justifi-
car a utilização corriqueira da tecnologia mé-
dica nos nascimentos, a despeito de qualquer
indicação clínica mais precisa (Scavone, 1992).
No caso do Brasil, o trabalho de Mello-e-
Souza (1994) visa contribuir para a compreen-
são do processo de legitimação social do parto
cesáreo, tanto pelos médicos como pelas pa-
cientes, como um tipo de parto seguro, indo-
lor, moderno e ideal para qualquer grávida. A
autora busca elucidar a forma pela qual valores
culturais referentes à dor do parto vaginal, à
imagem corporal feminina e ao fascínio pela
tecnologia foram manipulados pela biomedici-
na a fim de acomodar essa prática dentro da
orientação geral da medicina ocidental em re-
lação à beneficência (“poupar a mulher da
dor”). Assim, o medo da dor passa a ser rotula-
do de “falta de preparo psicológico para o tra-
balho de parto”, transformando-se em justifi-
cativa médica para a cesárea. Embora não haja
fundamentação empírica para tal, a idéia de
dano rotineiro ao períneo pelo parto vaginal –
interferindo com qualidades estéticas do cor-
po e com o potencial sexual feminino, valores
entendidos como centrais à imagem corporal e
à identidade feminina entre as mulheres brasi-
leiras de estrato social superior – passa a justi-
ficar a cesárea como “medicina preventiva”.
Mello-e-Souza argumenta que o princípio
do direito da mulher ao poder e controle sobre
o próprio corpo, bandeira do feminismo dos
anos 60, foi apropriado pelos médicos para jus-
tificar a prática de cesáreas desnecessárias.
Nesse processo, tais intervenções passam a ser
denominadas “cesárea a pedido” ou “cesárea
eletiva”, insinuando que a “cultura da cesárea”
reflete um desejo feminino (Mello-e-Souza,
1994). Conforme essa interpretação, é o desejo
feminino que determina o tipo de parto, e não
o poder de promoção, legitimação e divulgação
dos médicos.
Nesse caminho, tratar a maternidade, a gra-
videz e o parto não como fenômenos mera-
mente naturais ou fisiológicos mas fundamen-
talmente como experiências socialmente cons-
truídas permite compreender a complexa di-
nâmica de construção social da parturição,
suas técnicas de assistência, seus cenários e os
principais atores envolvidos. Uma abordagem
multidimensional permite, então, analisar o fe-
nômeno da parturição como um processo fi-
siológico que é contextualizado socialmente
por um sistema complexo de valores e que en-
volve interações entre indivíduos, grupos so-
ciais e instituições (maternidades) com poder
BARBOSA, G. P. et al.1614
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
diferenciado na definição dessas relações. De-
vemos, portanto, ver o parto e, especificamen-
te, as indicações de parto cesáreo para além
das questões clínicas.
Uma cultura da cesárea?
Dados recentes mostram que, na opinião dos
médicos, a maioria das mulheres dá preferên-
cia ao parto cesáreo. O relatório da Pesquisa
sobre Saúde Reprodutiva e Práticas Obstétricas
no Brasil (Núcleo de Estudos de População,
1996) reportou que 89% dos médicos entrevis-
tados em São Paulo achavam que as mulheres
preferiam o parto cirúrgico, assinalando como
razões mais importantes dessa preferência o
medo do parto vaginal (65%), a possibilidade
de laqueadura (11%) e o não-pagamento pelo
SUS da anestesia para o parto vaginal (8%). No
mesmo relatório, médicos do Rio Grande do
Sul também apontaram como razões para expli-
car a “preferência” por partos cesáreos o medo
do parto vaginal (67,3%) e a possibilidade de
obter ligadura por meio de cesarianas (11,9%).
Por outro lado, Hopkins (2000) realizou um
estudo nas cidades de Porto Alegre (Rio Gran-
de do Sul) e Natal (Rio Grande do Norte), no
período de agosto de 1995 a maio de 1996, cu-
jos resultados demonstram que as mulheres
não buscam o parto cesáreo: a maioria das pri-
míparas referiu preferir o parto vaginal. Entre
as que tiveram filho por parto cesáreo, cerca de
75% (maternidade privada) e 80% (maternida-
de pública) afirmaram que não queriam que
seu parto tivesse sido cesáreo.
Além disso, Hopkins cita estudo desenvol-
vido em Brasília, com mulheres de média e alta
renda, que demonstra o fato de as pacientes,
pelo menos no início da gestação, desejarem
um parto vaginal (Carranza, 1994, apud Hop-
kins, 2000). A mesma autora faz referência ao
trabalho de Freitas, realizado no Sul do Brasil,
que mostrou que apenas uma minoria das mu-
lheres requisita a cesárea durante o trabalho de
parto. Nesse estudo, os obstetras raramente se
colocaram como responsáveis pelas altas taxas
de cesárea e, quando o fizeram, dividiram a res-
ponsabilidade com a organização dos serviços
de saúde (Freitas, s.d., apud Hopkins, 2000).
Potter et al. (2001) apresentam mais recen-
temente um estudo prospectivo realizado em
quatro capitais brasileiras (Porto Alegre, Belo
Horizonte, Natal e São Paulo), no período de
abril de 1998 a junho de 1999, com mulheres
atendidas nos setores público e privado em três
momentos do ciclo gravídico-puerperal (no iní-
cio da gravidez, a um mês do parto e com um
mês de pós-parto). Os autores mostram que,
apesar das diferenças existentes nas taxas de
cesárea entre o setor público e o privado, a pre-
ferência da maioria das mulheres (70% a 80%)
antes do parto era pelo parto vaginal.
Esses estudos não apóiam a idéia de uma
preferência feminina pelo parto cesáreo. O pre-
sente estudo é uma tentativa de avançar na in-
vestigação da “cultura da cesárea” a partir da
visão de um grupo de parturientes. Nesta aná-
lise, indagamos se pedir uma intervenção ci-
rúrgica é o mesmo que achar o parto cesárea
superior. Se as mulheres o solicitam, em que
contexto e por que o fazem? Esse pedido pode
ser relacionado às condições do atendimento
prestado às mulheres nos serviços de saúde, ao
desejo de laqueadura ou significa a noção de
que o parto cesáreo é a melhor opção?
Métodos
Os dados foram coletados entre setembro de
1998 e março de 1999, em duas maternidades
do município do Rio de Janeiro, sendo uma pú-
blica e outra conveniada com o SUS. Foram es-
tudadas 909 puérperas: 461 na maternidade
pública (230 partos vaginais e 231 cesáreas) e
448 na maternidade conveniada (224 partos
vaginais e 224 cesáreas), sendo esta uma amos-
tra representativa das mulheres que pariram
nessas maternidades no período do estudo. Pa-
ra o cálculo do tamanho da amostra foi utiliza-
do o programa Epi Info (módulo Statcalc, ta-
manho da amostra e poder, estudo de caso-
controle não pareado). Foi considerado um er-
ro a igual a 5% e um poder (1-b) igual a 80%.
Utilizou-se a variável estado da bolsa d’água na
admissão (íntegra ou rota) como variável de
exposição para o cálculo de tamanho de amos-
tra. As mulheres foram selecionadas segundo a
data do parto, utilizando-se o registro da sala
de parto dos hospitais. Os dados foram coleta-
dos por meio de questionários e pela revisão
dos prontuários médicos após a alta das pa-
cientes. A aplicação do questionário foi reali-
zada nas enfermarias dos hospitais, estando as
puérperas com 24 a 72 horas de pós-parto.
O questionário e a revisão dos prontuários
abordaram antecedentes obstétricos, dados da
gestação atual e do pré-natal, de acesso ao hos-
pital, internação, pré-parto, parto e puerpério,
sobre a condição do recém-nascido, aspectos
sócio-demográficos da mulher e opiniões da
mulher sobre o parto cesáreo. A análise dos da-
dos quantitativos foi feita utilizando o pacote
estatístico SPSS para Windows.
Com o objetivo de investigar se havia prefe-
rência pelo parto cesáreo, foram feitas as per-
PARTO CESÁREO 1615
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
guntas abaixo para as 909 mulheres nas duas
maternidades:
• Você queria que seu parto fosse cesáreo?
Por quê?
• Em algum momento você pediu para fazer
cesárea? Em caso de resposta afirmativa, em
que momento?
• Você ligou as trompas?
Além disso, foram realizadas entrevistas se-
mi-estruturadas em profundidade com uma
subamostra de 24 puérperas, 12 em cada ma-
ternidade, todas multíparas que haviam expe-
rimentado os dois de tipo de parto (vaginal e
cesáreo). As entrevistas foram gravadas, trans-
critas e posteriormente analisadas por tema.
Entre outras questões, foram abordadas as per-
cepções quanto ao parto cirúrgico, analisadas
a partir de categorias empíricas estabelecidas,
neste caso, para ilustrar as razões de querer ou
não o parto cesáreo, permitindo respostas múl-
tiplas.
A todas as mulheres entrevistadas foi expli-
cado que seus dados seriam utilizados anoni-
mamente numa pesquisa sobre assistência ao
parto, com objetivo de melhorar a qualidade
da atenção às mulheres, sendo facultada a to-
das a possibilidade de não participar da entre-
vista e assegurados a confidencialidade e o
anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo Co-
mitê de Ética da Fiocruz e todas mulheres que
aceitaram participar assinaram termo de con-
sentimento, tendo sido seguidas as recomen-
dações da legislação brasileira (Resolução no
196/96 do Conselho Nacional de Saúde – http://
www.conselho.saude.gov.br/docs/Reso196.
doc) e da legislação internacional – Declaração
de Helsinki (1964, reformulada em 1975, 1983,
1989, 1996 e 2000 – http://www.wma.net/e/
policy/17-c_e.html).
Resultados
Não encontramos diferenças importantes en-
tre as duas maternidades no que diz respeito às
características sociais das mulheres nem entre
os tipos de parto. Tratava-se de uma população
com baixa escolaridade (a maioria tinha o en-
sino fundamental incompleto), baixo poder
aquisitivo (cerca de 75% tinham renda per ca-
pita de até R$ 200,00 por mês), sem trabalho
remunerado (seja ele formal ou informal) e que
residia com companheiro. A maioria das mu-
lheres tinha entre 20 e 34 anos no momento da
pesquisa.
Apesar das semelhanças, sabe-se que as
maternidades têm características diferentes no
que diz respeito ao perfil de risco das pacientes
internadas. A maternidade pública dispõe de
unidade neonatal, com leitos de Unidade de
Tratamento Intensivo (UTI) e Unidade Inter-
mediária (UI), constituindo, por isso, referên-
cia para pacientes de risco, com prematurida-
de em cerca de um quarto dos partos. A mater-
nidade conveniada pode ser caracterizada co-
mo de baixo risco, tendo pequeno índice de
prematuridade e de gestantes de risco. Ambas
têm um grande volume de partos por mês e
mais de 1.000 partos por ano cada uma.
Para caracterizar a preferência das mulhe-
res pelo tipo de parto, utilizamos dados obti-
dos por meio das perguntas feitas às 909 mu-
lheres entrevistadas nas duas maternidades,
bem como pela análise das entrevistas semi-
estruturadas com as 24 mulheres que tinham
experiência com os dois tipos de parto.
As mulheres preferem cesárea?
Quando perguntadas se queriam que seu par-
to fosse cesáreo, a maioria das entrevistadas
(75,6%) respondeu que não. Esse percentual va-
riou, na maternidade pública, de 62,9% (nas
mulheres que tiveram parto cesáreo) a 81,5%
(nas que tiveram parto vaginal); na maternida-
de conveniada a resposta negativa variou de
74,2% (parto cesáreo) a 83,7% (parto vaginal).
Nas duas maternidades, apenas 24 mulheres
não relataram preferência quanto ao tipo de
parto (Tabela 1).
As razões mais freqüentemente apresenta-
das pelas mulheres para não quererem o parto
cesáreo foram: “recuperação mais difícil e len-
ta no parto cesáreo” (39,2%) e “dor e sofrimen-
to maior depois da cesárea” (26,8%). Essas duas
razões prevaleceram, também, quando anali-
samos os dados das duas maternidades sepa-
radamente e por tipo de parto (Tabela 2).
Em terceiro lugar encontra-se um conjunto
de respostas que categorizamos como “cultura
do parto vaginal”, correspondente a 23,9% das
respostas. Dentro dessa categoria foram incluí-
das as respostas que afirmam o desejo por um
parto normal, embora a razão nem sempre fos-
se clara: parto normal é melhor para mãe e pa-
ra criança; sem justificativa; não sabia por que,
apenas uma opinião; normal é natural, cesárea
é artificial; parto vaginal é mais rápido; justifi-
cativa contraditória, dúvida, mas afirma que
parto vaginal é melhor; a partir da experiência
de outra pessoa; queria viver a experiência do
parto normal (Tabela 2).
As mesmas duas categorias de respostas
mais freqüentes também se destacaram nas
entrevistas semi-estruturadas realizadas com a
subamostra que experimentara ambos os tipos
BARBOSA, G. P. et al.1616
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
de parto. Transcrevemos a seguir a resposta de
algumas dessas mulheres, apontando as des-
vantagens da cesárea:
“Todas. Não vi meu filho, não peguei meu fi-
lho, não botei ele no peito, fiquei mais de 20 dias
pra poder andar direito, muita dor nas costas,
muita dor na minha coluna, horrível. Para mim
todas as desvantagens, não gostei de nada. Eu
acho que a cesariana só devia ser opção mesmo
em caso de vida ou morte. Eu acho que todas as
mulheres deviam se conscientizar de que o par-
to normal é o melhor” (C., 29 anos, três partos
vaginais, um cesáreo e um vaginal).
“(…) No normal, no outro dia você já está
andando, conversando, e nesse a gente não pode
nem conversar muito” (V., 35 anos, um parto
vaginal e um cesáreo).
E quais seriam as razões apontadas pelas
mulheres que gostariam que o seu parto fosse
cesáreo? Nesses casos, que representam 24,4%
do total das entrevistadas, destaca-se a “dor e o
sofrimento menor durante o trabalho de par-
to” (29,2%) e o “desejo de laqueadura” (24,1%).
Aparecem também como categorias importan-
tes a “condição de saúde da mulher” (13,4%); o
“medo” (8,3%); e o “passado obstétrico da mu-
lher” (8,3%). Categorizamos como “cultura do
parto cesáreo” 11,1% das respostas, que afir-
mavam esta preferência embora a razão nem
sempre estivesse clara: sem explicação, não sa-
be por que; por curiosidade; “riscos” do parto
normal não especificados; justificativa contra-
ditória, dúvida, mas prefere cesárea; cesárea
mais rápida; a partir da experiência ou opinião
dos outros (Tabela 3).
É interessante notar que a preocupação com
danos ao períneo ou efeitos negativos na vida
sexual, sugerida pelos profissionais como ra-
zão para as mulheres desejarem o parto cesá-
reo, não figura entre as razões dadas pelas mu-
lheres entrevistadas neste estudo.
As duas primeiras categorias de razões se
mantêm importantes nas duas maternidades,
embora com maior destaque para as mulheres
Tabela 1
Preferência das mulheres por tipo de parto, segundo a maternidade e o tipo de parto atual.
Queria parto cesáreo Pública Conveniada Total
Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo
n % n % n % n %
Sim 42 18,5 83 37,1 36 16,3 55 25,8 216
Não 185 81,5 141 62,9 186 83,7 157 74,2 669
Total 227 100,0 224 100,0 222 100,0 212 100,0 885
Sem preferência 3 7 2 12 24
Tabela 2
Razões apresentadas pelas mulheres que não queriam parto cesáreo, segundo a maternidade e o tipo de parto atual.
Razões Pública Conveniada Total
Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo
n % n % n % n % n %
Recuperação mais difícil 69 37,3 50 35,5 75 40,3 68 43,3 262 39,2
e lenta da cesárea
Dor, sofrimento maior 44 23,8 46 32,6 42 22,6 47 29,9 179 26,8
depois da cesárea
“Cultura do parto vaginal” 44 23,8 38 27,0 49 26,3 29 18,5 160 23,9
Risco cirúrgico, medo da 21 11,4 6 4,3 16 8,6 10 6,4 53 7,9
anestesia, do corte, da infecção
Experiência anterior com 7 3,8 1 0,7 4 2,2 3 1,9 15 2,2
cesárea ou parto vaginal
Total 185 100,0 141 100,0 186 100,0 157 100,0 669 100,0
PARTO CESÁREO 1617
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
que tiveram parto vaginal. As outras razões/mo-
tivações apontadas pelas mulheres apresenta-
ram distribuições que variaram entre as mater-
nidades e os dois tipos de parto (Tabela 3).
Na análise das entrevistas semi-estrutura-
das, a grande vantagem atribuída ao parto ce-
sáreo é não sentir as dores no momento do
parto vaginal:
“Eu também não acho vantagem, mas a di-
ferença é essa, você não sente a dor do parto” (J.,
32 anos, um parto vaginal e um cesáreo).
“Não tem a dor na hora, mas depois as dores
vêm dobrado” (L., 25 anos, três partos vaginais
e dois cesáreos).
“Só porque a gente não sente essas dores to-
das pra ter a criança normal. Eles dão logo
aquela anestesia e eles rapidinho tiram a crian-
ça. A gente só vai sentir depois a dor, ardendo...”
(R., 25 anos, um parto vaginal e um cesáreo).
O desejo por cesárea parece ter sido influen-
ciado pela experiência anterior de parto da
mulher. Entre as 227 mulheres que já haviam
experimentado pelo menos uma cesárea, inde-
pendentemente do tipo de parto atual e da ma-
ternidade, o desejo pelo parto cesáreo foi em
média duas vezes mais freqüente, em compa-
ração às mulheres que nunca fizeram cesárea.
No grupo com cesárea anterior, as razões
apontadas com mais freqüência para querer o
parto cesáreo foram “dor, sofrimento menor”
(21,9%), “desejo de laqueadura” (21,9%) e, logo
em seguida, “experiência anterior com cesárea,
passado obstétrico” (16,2%). A última razão su-
gere a hipótese de que essas mulheres já te-
nham absorvido a “cultura” médica de “uma
vez cesárea, sempre cesárea”.
Em resposta à pergunta “Atualmente, mui-
tas mulheres fazem cesárea. Por que você acha
que isso vem acontecendo?”, a maioria das 24
mulheres entrevistadas na subamostra apon-
tou as dores, o medo, a falta de informação
com relação ao desenvolvimento do parto nor-
mal e o desejo de laqueadura como motivos
para outras mulheres pedirem cesárea.
“Porque eu acho que tem muita mulher que
não gosta de sentir dor, só que é ilusão, porque
a dor do parto é só aquela hora, mas a cesárea
vai ficar direto, a dor do parto você sente e com
uma semana você já está normal. Agora, a ce-
sárea não, ela fica ali, ela incomoda, fica aque-
la cólica por dentro, tem que vir pra tirar pon-
to...” (A., 26 anos, dois partos vaginais e um ce-
sáreo).
“Acho loucura. Medo, falta de informação,
principalmente falta de informação. E medo só
pode, porque uma pessoa querer fazer uma ce-
sárea é uma loucura, além de você ficar com
aquele corte na barriga, depois também você fi-
ca toda ruim” (M., 39 anos, um parto cesáreo e
um vaginal).
“Medo da dor e querer ligar. (...) Eu, como
passei por essas, se fosse ter outro filho agora eu
não queria assim de novo não, não queria cesá-
rea não, faria tudo pra reverter para um normal”
(J., 22 anos, um parto vaginal e um cesáreo).
“Porque tem muitas que não querem sofrer,
não querem sentir. Antes dos nove meses pedem
logo para fazer cesárea, porque não querem sen-
tir dor” (L., 27 anos, um parto cesáreo e um va-
ginal).
“Ah, sei lá. Besteira. Uma cirurgia é sempre
uma cirurgia, não deve se mexer tanto dentro
Tabela 3
Razões apresentadas pelas mulheres que queriam parto cesáreo segundo, a maternidade e o tipo de parto atual.
Razões Pública Conveniada Total
Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo
n % n % n % n % n %
Dor e sofrimento menores 14 33,3 19 22,9 14 38,9 16 29,1 63 29,2
Desejo de laqueadura 13 31,0 17 20,5 14 38,9 8 14,5 52 24,1
Condições de saúde da mulher 4 9,5 12 14,5 3 8,3 10 18,2 29 13,4
“Cultura da cesárea” 5 11,9 8 9,6 2 5,6 9 16,4 24 11,1
Medo, medo de complicação, 3 7,1 9 10,8 0 0,0 6 10,9 18 8,3
nervoso
Experiência anterior com 0 0,0 14 16,9 0 0,0 4 7,3 18 8,3
cesárea, passado obstétrico
Condições de saúde da criança 1 2,4 4 4,8 2 5,6 0 0,0 7 3,2
Recuperação melhor 2 4,8 0 0,0 1 2,8 2 3,6 5 2,3
Total 42 100,0 83 100,0 36 100,0 55 100,0 216 100,0
BARBOSA, G. P. et al.1618
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
da gente como na cesárea. Ah, pedem por causa
disso, porque quando começa a dor da contra-
ção fica estranho pra caramba” (C., 27 anos, um
parto cesáreo e um vaginal).
Nessas entrevistas, as mulheres que vive-
ram a experiência dos dois tipos de parto rela-
taram que as informações fornecidas sobre o
motivo da realização de cesárea foram insufi-
cientes, deixando-as com muitas dúvidas, o que
contribuiu para aumentar a ansiedade do mo-
mento. Além disso, relataram também o fato de
não terem sido informadas sobre os riscos e as
dificuldades para se recuperar da cirurgia.
Entre as mulheres que tinham acabado de
ter o primeiro filho, observamos um percentual
ligeiramente maior de desejo de parto vaginal,
o que reforça a idéia de uma cultura feminina
de parto vaginal. Apesar disto, o pedido de ce-
sárea foi discretamente maior entre as partu-
rientes de primeira vez. Podemos, portanto, in-
dagar se as condições no pré-parto e durante o
parto levaram as mulheres a solicitar a cesárea,
mesmo sem desejá-la a princípio.
Entre as mulheres que relataram o desejo
por cesárea, a principal razão das que tinham
pelo menos um filho foi o “desejo de laqueadu-
ra”; já nas puérperas que haviam acabado de
ter o primeiro filho, destaca-se “dor, sofrimen-
to menor”.
As mulheres pediram cesárea?
A maioria absoluta das mulheres (82,9%) infor-
mou que não pediu para fazer cesárea, tanto
aquelas que tiveram parto vaginal (81%) como
as que foram submetidas ao parto operatório
(85%).
Isso sugere, em primeiro lugar, que a maio-
ria dos partos cesáreos não foi feita “a pedido”.
A maioria das mulheres que sofreram cesárea
não o solicitaram. Ao mesmo tempo, 19% das
que tiveram parto vaginal reportaram que ha-
viam pedido cesárea. Isso revela o poder limi-
tado das mulheres em determinar o tipo de par-
to que vão fazer, seja ele vaginal ou cesárea,
nas maternidades estudadas.
Das mulheres que solicitaram a cesárea, a
maioria absoluta (77,8%) o fez durante o traba-
lho de parto e/ou parto, tendo essa proporção
variado de 89% nas mulheres que tiveram par-
to vaginal a 65% nas que tiveram cesárea (Ta-
bela 4). Ainda mais revelador é o fato de que,
entre as mulheres que não queriam cesárea,
mas que por algum motivo a solicitaram, a
maioria absoluta (93,9%) o fez durante o traba-
lho de parto e/ou parto. Esse fato parece con-
firmar a opinião das entrevistadas, que enfati-
zam que o pedido decorre da dor do parto.
O percentual de mulheres que pediram pa-
ra fazer cesárea durante o pré-natal foi maior
entre as que efetivamente foram submetidas à
cesárea, o que sugere que, nesses casos, a cesá-
rea pode ter sido acordada previamente a qual-
quer ocorrência relacionada ao parto, seja por
uma real situação de saúde da paciente, seja
por interesse na realização de laqueadura (Ta-
bela 4).
Observamos também que, quanto maior o
intervalo de tempo entre a admissão da mulher
no hospital e o parto, mais freqüente a solicita-
ção de cesárea. Do mesmo modo, o tempo entre
a admissão e o parto reflete ainda o momento
em que se dá o pedido pelo parto cesáreo, ou
seja, para aquelas mulheres para as quais o in-
tervalo foi maior, o pedido ocorreu no momen-
to do trabalho de parto e/ou parto, enquanto
para as que ficaram menos tempo o maior per-
centual de pedidos deu-se durante o pré-natal
(Figura 1).
Embora o número de laqueaduras tubá-
rias realizadas nessa amostra não tenha sido
expressivo (na maternidade pública, 3,0% dos
partos vaginais e 9,6% dos partos cesáreos; na
maternidade conveniada, 0,4% dos partos va-
ginais e 6,7% dos partos cesáreos), percebemos
haver uma relação entre laqueadura e parto
cesáreo.
Discussão e conclusões
Os dados aqui apresentados demonstram que
a maioria das mulheres pesquisadas não que-
ria ter um parto cesáreo, o que contrasta com a
noção de valorização cultural que tem sido
afirmada por obstetras em estudos brasileiros
como os já referidos anteriormente. Mesmo
quando o pedem, as mulheres não afirmam sua
superioridade, apresentando motivos mais com-
plexos e mais concretos do que os que têm si-
do relatados pelos médicos.
As circunstâncias que cercam a assistência
no momento do pré parto/parto, incluindo a
ausência de um acompanhante no momento
do parto (fato que ocorreu em quase todos os
casos), o tempo entre a admissão e o parto, e a
experiência anterior de parto, foram fatores re-
lacionados com o pedido de parto cesáreo. O
não uso rotineiro de técnicas de alívio da dor,
farmacológicas ou não, durante o pré-parto e o
parto pode, de modo especial, ter também gran-
de peso na construção do pedido da mulher
por um parto cesáreo.
A OMS, no documento “Assistência ao par-
to normal: um guia prático”, sugere uma série
de práticas úteis que devem ser estimuladas,
PARTO CESÁREO 1619
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
Tabela 4
Distribuição das mulheres que pediram para fazer cesárea nas duas maternidades,
segundo o momento do pedido e o tipo de parto.
Momento em que Pública Conveniada Total
pediu cesárea Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo
n % n % n % n % n %
Pré-natal 1 3,6 12 32,4 5 8,8 7 22,6 25 16,3
Admissão 2 7,1 0 0,0 3 5,3 4 12,9 9 5,9
Trabalho de parto e/ou parto 25 89,3 25 67,6 49 86,0 20 64,5 119 77,8
Total 28 100,0 37 100,0 57 100,0 31 100,0 153 100,0
Figura 1
Distribuição das mulheres segundo o momento do pedido de cesárea e o tempo entre a admissão e o parto.
ao mesmo tempo que desaconselha outras. En-
tre as recomendadas, gostaríamos de destacar:
respeito à escolha da mulher por um acompa-
nhante de sua preferência durante o trabalho
de parto e parto; fornecimento das formações
e explicações solicitadas; uso de métodos não
farmacológicos e não invasivos de alívio da dor,
tais como massagens e técnicas de relaxamen-
to; e liberdade de posição e movimentação du-
rante o trabalho de parto (OMS, 1996). O Mi-
nistério da Saúde (MS, 2001) aponta também
para a necessidade de mudança na assistência
à mulher no pré-natal e no nascimento, estimu-
lando procedimentos pouco invasivos que en-
volvam sua participação ativa. No entanto, tais
práticas não são rotineiramente observadas.
Com relação ao desejo de laqueadura – uma
das principais razões para a solicitação de par-
to cesáreo –, acreditamos que só com um pro-
grama de planejamento familiar efetivo, com o
oferecimento e o acesso a todos os métodos
contraceptivos, bem como a implantação real
das já mencionadas leis e portarias de planeja-
mento familiar existentes no Brasil, é que se
conseguirá quebrar a associação nociva “cesá-
rea – laqueadura”.
Uma “cultura da cesárea”, que considera es-
se tipo de parto a melhor forma de nascer, pa-
rece ainda não estar totalmente introjetada nas
mulheres. A justificativa da “cesárea a pedido
da mulher”, muitas vezes relatada pelos profis-
sionais de saúde, parece refletir mais uma cul-
0
freqüência(%)
20
40
60
80
100
trabalho de parto
e/ou parto
admissão
pré-natal
> 12 horas tempo entre
admissão e o parto
9 a 12 horas6 a 9 horas3 a 6 horas1 a 3 horas< 1 hora
BARBOSA, G. P. et al.1620
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003
Referências
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nino. In: Questões de Saúde Reprodutiva (K. Giffin
& S. H. Costa, org.), pp. 67-78, Rio de Janeiro: Edi-
tora Fiocruz.
Recebido em 20 de junho de 2002
Versão final reapresentada em 18 de dezembro de 2002
Aprovado em XX de XX de 2003
Agradecimentos
Agradecemos à Fundação Ford e ao Conselho Nacio-
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico o
apoio dado a esta pesquisa.
tura médica do que uma real preferência das
parturientes. Entretanto, deve-se levar em con-
ta que o estudo foi realizado em apenas duas
maternidades, uma pública e outra convenia-
da, não tendo sido estudada nenhuma mater-
nidade do setor privado. Um estudo que in-
cluísse outras maternidades poderia mostrar
diferenças na incorporação de uma suposta
“cultura da cesárea”.
Concluímos que devemos continuar a des-
mistificar essa idéia e investir na melhoria da
atenção durante pré-natal, pré-parto e parto,
para que a mulher se sinta apoiada e conheça
melhor o que ocorre com ela durante a gravi-
dez e o parto, diminuindo assim seus medos e
inseguranças e colocando-a como agente prin-
cipal de um momento ímpar na sua vida, o
nascimento de um filho.

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Cesarean Rates and Preferences in Brazil

  • 1. 1611 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 ARTIGO ARTICLE Parto cesáreo: quem o deseja? Em quais circunstâncias? Cesarean sections: who wants them and under what circumstances? 1 Núcleo de Gênero e Saúde, Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. gpbarbosa@zipmail.com.br 2 Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, Criança e Adolescente, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Rua México 128, Rio de Janeiro, RJ 20031-142, Brasil. 3 Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. Gisele Peixoto Barbosa 1,2 Karen Giffin 1 Antonia Angulo-Tuesta 1 Andrea de Souza Gama 1 Dóra Chor 3 Eleonora D’Orsi 1 Ana Cristina Gonçalves Vaz dos Reis 1 Abstract Brazil has extremely high cesarean rates. Among related factors, it has been suggested that a “culture of cesarean childbirth” (or a preference for this type of delivery) exists among Brazilian women. Our study investigates this notion. Data were collected from September 1998 to March 1999 in two maternity hospitals in Rio de Janeiro Interviews were conducted and hos- pital records analyzed for a random representative sample of 909 women who had just given birth (454 vaginal deliveries and 455 cesareans). In the interviews, when asked if they had want- ed to have a cesarean, 75.5% replied in the negative, thus indicating that these women cannot be considered as adhering to a “culture of cesarean sections” The main complaints against cesare- ans were: slower and more difficult recovery (39.2%) and greater pain and suffering (26.8%). However, 17% of the sample had at some point requested a cesarean, 75% of whom during labor. Analysis revealed that the request for a cesarean section is directly proportional to time between admission to the hospital and delivery. This suggests that (in addition to being the usual means of access to tubal ligation) the actual circumstances of birthing are important factors in Brazil- ian women’s requests for cesarean sections. Key words Cesarean Section; Perinatal Care; Reproductive Health Resumo O Brasil apresenta altos índices de cesáreas. Este estudo investigou a existência de uma “cultura de cesárea”, ou preferência por este tipo de parto, através de uma amostra de 909 puér- peras (454 vaginais e 455 cesáreos) em duas maternidades do Município do Rio de Janeiro, onde entrevistas e revisão de prontuários foram realizados entre setembro de 1998 e março de 1999. Perguntou-se às mulheres se queriam que seu parto fosse cesáreo e a maioria absoluta (75,5%) respondeu “não”, as razões principais sendo: “recuperação mais difícil e lenta no parto cesáreo” (39,2%) e “dor e sofrimento maior depois da cesárea” (26,8%). Apenas 17% das mulheres solicita- ram cesárea e, destas, cerca de 75% o fizeram durante o trabalho de parto/parto. Análise mostrou que quanto maior o intervalo de tempo entre a admissão no hospital e o parto, mais freqüente é a solicitação. A maioria das mulheres, nas maternidades estudadas, não quer e não pede cesá- rea; ou seja, não existe uma ‘cultura’ feminina que valorize a cesárea como preferência. Além do desejo da laqueadura, as circunstâncias concretas da assistência no pré-parto/parto parecem in- fluenciar no pedido da mulher. Palavras-chave Cesárea; Assistência Perinatal; Saúde Reprodutiva
  • 2. BARBOSA, G. P. et al.1612 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 Introdução A magnitude da questão cesárea A cesárea é um procedimento cirúrgico origi- nalmente desenvolvido para salvar a vida da mãe e/ou da criança, quando ocorrem compli- cações durante a gravidez ou o parto. É, por- tanto, um recurso utilizável quando surge al- gum tipo de risco para a mãe, o bebê ou am- bos, durante a evolução da gravidez e/ou do parto. Como todo procedimento cirúrgico, a cesárea não é isenta de riscos, estando associa- da, no Brasil e em outros países, a maior morbi- mortalidade materna e infantil, quando com- parada ao parto vaginal (Faundes & Cecatti, 1991; McClain, 1990; Miller, 1988). A escolha de qualquer intervenção médica, em termos éti- cos, deve basear-se no balanço entre riscos e benefícios. No Brasil e em outros países, no en- tanto, a cesárea tem sido abusivamente utiliza- da, sem benefícios para as mulheres e recém- natos (Shearer, 1993). Nos últimos 30 anos tem sido observado um aumento progressivo das taxas de cesárea em quase todos os países, embora não de for- ma homogênea. A magnitude dessa tendência foi maior nos Estados Unidos, no Canadá, em Porto Rico e no Brasil (Sakala, 1993). Esses paí- ses ultrapassaram, na década de 80, o índice de 15%, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a taxa máxima aceitável de cesárea para qualquer região (OMS, 1996). A maioria dos países europeus, nessa mesma época, apresentou taxas entre 10% e 14%, com exceção da Holanda – onde o sistema de aten- ção ao parto privilegia o atendimento domici- liar e conta com a participação efetiva de par- teiras –, que apresentou taxas próximas a 7%. (Sakala, 1993). É importante também destacar que as taxas de cesárea podem variar dentro de um mesmo país. Dados nacionais recentes (BEMFAM, 1997) confirmam a tendência de crescimento desse tipo de parto, que alcançou 36% no Brasil, com taxas maiores em São Paulo (52%) e na Região Centro-Oeste (49%), sendo as menores taxas nas Regiões Nordeste (20%) e Norte (25%). Ob- serva-se, ainda, que o parto cesáreo é mais fre- qüente na região urbana (41,8%) do que na re- gião rural (20,1%) e mostra-se também forte- mente associado ao grau de instrução da mu- lher, aumentando progressivamente com o nú- mero de anos de estudo (BEMFAM, 1997). Exis- te, portanto, grande variabilidade das taxas de cesárea segundo as diversas unidades de análi- se: estados, municípios, bairros ou hospitais. No município do Rio de Janeiro, em 1995, por exemplo, a taxa de cesárea foi de 46%. Nos hos- pitais com mais de 1.000 nascimentos/ano, es- sa taxa variou de 9,8% a 84,5% (Campos & Car- valho, 2000). O uso iatrogênico da cesárea é indicado pe- lo fato de ser esta mais freqüente em hospitais privados e em regiões de maior renda, cujas gestantes estão em melhores condições sociais e de saúde, apresentando, em princípio, menor risco gestacional (Rattner, 1996). Ao longo das últimas décadas muito se tem debatido sobre a assistência ao parto. Diversas análises realizadas, que retratam a complexi- dade de fatores que cercam o parto (e sua as- sistência), têm suscitado uma série de ques- tões, que envolvem desde a qualidade da aten- ção obstétrica até a constituição do significado da experiência do nascimento para nós, mu- lheres e homens envolvidos na reprodução. No Brasil, a assistência ao parto deve ser compreendida no contexto de um conjunto complexo de fatores característicos da atenção à saúde reprodutiva, que inclui, além de altos índices de esterilização e partos cirúrgicos, a baixa qualidade da atenção obstétrica, reflexo da precariedade do pré-natal, das condições desumanas de assistência ao parto e da pere- grinação de parturientes em busca de leitos hospitalares, se quisermos destacar apenas al- guns elementos (Berquó, 1999; Diniz, 1996; Sil- ver, 1999; Valladares, 1999). Entre os fatores que influenciam a opção por um parto cesáreo têm sido relatados: (a) a organização da atenção obstétrica, pautada pela conveniência de uma intervenção progra- mada e pela insegurança do médico, decorren- te de treinamento insuficiente na gama de va- riações que ocorrem durante o desenrolar de um parto normal; (b) fatores institucionais li- gados à forma de pagamento e à exclusão do pagamento de anestesia peridural para partos vaginais pelo Sistema Único de Saúde (SUS), situação já revista pelo Ministério da Saúde, mas não modificada em todos os hospitais; (c) a esterilização cirúrgica, realizada freqüente- mente durante cesáreas eletivas; e (d) fatores socioculturais, que levariam à preferência, por parte das mulheres e dos profissionais de saú- de, por um parto cirúrgico, tais como: medo da dor no parto normal, medo de lesões na anato- mia e fisiologia da vagina e a crença de que o parto vaginal é mais arriscado do que uma ce- sárea, sendo esta última considerada a forma mais “moderna” de se ter filhos (Faundes & Ce- catti, 1991; Rattner, 1996). A partir de tais considerações, tem sido su- gerida a existência de uma “cultura da cesárea” entre as mulheres brasileiras, ou seja, uma pre-
  • 3. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 ferência pelo parto cirúrgico, considerado su- perior ao parto vaginal. Uma visão da questão a partir de uma perspectiva de gênero Maternidade, gravidez e parto despontam co- mo assuntos caros no ressurgimento do movi- mento feminista nos anos 60, que identificou a tradução social da função reprodutora como um ponto nevrálgico sobre o qual se assenta a opressão feminina. Dessa perspectiva, elabo- rou-se uma crítica à compreensão naturalizada da reprodução e da sexualidade, tratadas como dimensões biológicas da esfera privada da vida dos indivíduos, como se nessa arena não se inscrevessem relações de poder, hierarquia e violência. Para o feminismo, as questões relati- vas à reprodução são colocadas no plano das relações de poder e da luta política pela auto- determinação sobre o corpo e a sexualidade (Ávila, 1993; Giffin, 1991). Historicamente, o parto se constituiu em uma arena de intensa luta de poder entre as mulheres e a ordem médica, pelo controle so- bre o corpo, a sexualidade e a emoção (ver, por exemplo, Brenes, 1991). O processo histórico de medicalização do corpo feminino traduz de modo exemplar a idéia de que existe uma na- tureza biológica determinante da condição fe- minina. É justamente por meio dessa concep- ção que a medicina construiu o discurso legiti- mado sobre o corpo das mulheres e sobre a re- produção (Vieira, 1999). A partir dessa óptica, o fenômeno moderno da medicalização do nas- cimento é apontado como mais uma – e funda- mental – instância de expressão do poder mas- culino. A crítica à assistência ao parto se insere no questionamento mais amplo que as mulheres fazem aos serviços de saúde, e parte da propo- sição feminista de que a situação de subordi- nação aí experimentada pelas mulheres e ex- pressa na medicalização do corpo feminino é socialmente determinada, e não uma decor- rência natural de suas características biológi- cas (Diniz, 1996). A reflexão feminista problematizou a pato- logização da reprodução e a maneira como as práticas médicas definem seu objeto de traba- lho, e questionou as bases históricas e políticas da concepção do feminino como “fisiologica- mente patológico”. A patologização do parto, articulada à construção médico-científica do feminino como “normalmente defeituoso” e dependente da tutela médico-cirúrgica, orien- ta-se no século 20 por um modelo de assistên- cia ao parto como evento de risco. A tecnologia PARTO CESÁREO 1613 médica se apresenta, nesse sentido, como uma resposta necessária para o controle desse risco. Levada ao extremo, essa lógica passa a justifi- car a utilização corriqueira da tecnologia mé- dica nos nascimentos, a despeito de qualquer indicação clínica mais precisa (Scavone, 1992). No caso do Brasil, o trabalho de Mello-e- Souza (1994) visa contribuir para a compreen- são do processo de legitimação social do parto cesáreo, tanto pelos médicos como pelas pa- cientes, como um tipo de parto seguro, indo- lor, moderno e ideal para qualquer grávida. A autora busca elucidar a forma pela qual valores culturais referentes à dor do parto vaginal, à imagem corporal feminina e ao fascínio pela tecnologia foram manipulados pela biomedici- na a fim de acomodar essa prática dentro da orientação geral da medicina ocidental em re- lação à beneficência (“poupar a mulher da dor”). Assim, o medo da dor passa a ser rotula- do de “falta de preparo psicológico para o tra- balho de parto”, transformando-se em justifi- cativa médica para a cesárea. Embora não haja fundamentação empírica para tal, a idéia de dano rotineiro ao períneo pelo parto vaginal – interferindo com qualidades estéticas do cor- po e com o potencial sexual feminino, valores entendidos como centrais à imagem corporal e à identidade feminina entre as mulheres brasi- leiras de estrato social superior – passa a justi- ficar a cesárea como “medicina preventiva”. Mello-e-Souza argumenta que o princípio do direito da mulher ao poder e controle sobre o próprio corpo, bandeira do feminismo dos anos 60, foi apropriado pelos médicos para jus- tificar a prática de cesáreas desnecessárias. Nesse processo, tais intervenções passam a ser denominadas “cesárea a pedido” ou “cesárea eletiva”, insinuando que a “cultura da cesárea” reflete um desejo feminino (Mello-e-Souza, 1994). Conforme essa interpretação, é o desejo feminino que determina o tipo de parto, e não o poder de promoção, legitimação e divulgação dos médicos. Nesse caminho, tratar a maternidade, a gra- videz e o parto não como fenômenos mera- mente naturais ou fisiológicos mas fundamen- talmente como experiências socialmente cons- truídas permite compreender a complexa di- nâmica de construção social da parturição, suas técnicas de assistência, seus cenários e os principais atores envolvidos. Uma abordagem multidimensional permite, então, analisar o fe- nômeno da parturição como um processo fi- siológico que é contextualizado socialmente por um sistema complexo de valores e que en- volve interações entre indivíduos, grupos so- ciais e instituições (maternidades) com poder
  • 4. BARBOSA, G. P. et al.1614 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 diferenciado na definição dessas relações. De- vemos, portanto, ver o parto e, especificamen- te, as indicações de parto cesáreo para além das questões clínicas. Uma cultura da cesárea? Dados recentes mostram que, na opinião dos médicos, a maioria das mulheres dá preferên- cia ao parto cesáreo. O relatório da Pesquisa sobre Saúde Reprodutiva e Práticas Obstétricas no Brasil (Núcleo de Estudos de População, 1996) reportou que 89% dos médicos entrevis- tados em São Paulo achavam que as mulheres preferiam o parto cirúrgico, assinalando como razões mais importantes dessa preferência o medo do parto vaginal (65%), a possibilidade de laqueadura (11%) e o não-pagamento pelo SUS da anestesia para o parto vaginal (8%). No mesmo relatório, médicos do Rio Grande do Sul também apontaram como razões para expli- car a “preferência” por partos cesáreos o medo do parto vaginal (67,3%) e a possibilidade de obter ligadura por meio de cesarianas (11,9%). Por outro lado, Hopkins (2000) realizou um estudo nas cidades de Porto Alegre (Rio Gran- de do Sul) e Natal (Rio Grande do Norte), no período de agosto de 1995 a maio de 1996, cu- jos resultados demonstram que as mulheres não buscam o parto cesáreo: a maioria das pri- míparas referiu preferir o parto vaginal. Entre as que tiveram filho por parto cesáreo, cerca de 75% (maternidade privada) e 80% (maternida- de pública) afirmaram que não queriam que seu parto tivesse sido cesáreo. Além disso, Hopkins cita estudo desenvol- vido em Brasília, com mulheres de média e alta renda, que demonstra o fato de as pacientes, pelo menos no início da gestação, desejarem um parto vaginal (Carranza, 1994, apud Hop- kins, 2000). A mesma autora faz referência ao trabalho de Freitas, realizado no Sul do Brasil, que mostrou que apenas uma minoria das mu- lheres requisita a cesárea durante o trabalho de parto. Nesse estudo, os obstetras raramente se colocaram como responsáveis pelas altas taxas de cesárea e, quando o fizeram, dividiram a res- ponsabilidade com a organização dos serviços de saúde (Freitas, s.d., apud Hopkins, 2000). Potter et al. (2001) apresentam mais recen- temente um estudo prospectivo realizado em quatro capitais brasileiras (Porto Alegre, Belo Horizonte, Natal e São Paulo), no período de abril de 1998 a junho de 1999, com mulheres atendidas nos setores público e privado em três momentos do ciclo gravídico-puerperal (no iní- cio da gravidez, a um mês do parto e com um mês de pós-parto). Os autores mostram que, apesar das diferenças existentes nas taxas de cesárea entre o setor público e o privado, a pre- ferência da maioria das mulheres (70% a 80%) antes do parto era pelo parto vaginal. Esses estudos não apóiam a idéia de uma preferência feminina pelo parto cesáreo. O pre- sente estudo é uma tentativa de avançar na in- vestigação da “cultura da cesárea” a partir da visão de um grupo de parturientes. Nesta aná- lise, indagamos se pedir uma intervenção ci- rúrgica é o mesmo que achar o parto cesárea superior. Se as mulheres o solicitam, em que contexto e por que o fazem? Esse pedido pode ser relacionado às condições do atendimento prestado às mulheres nos serviços de saúde, ao desejo de laqueadura ou significa a noção de que o parto cesáreo é a melhor opção? Métodos Os dados foram coletados entre setembro de 1998 e março de 1999, em duas maternidades do município do Rio de Janeiro, sendo uma pú- blica e outra conveniada com o SUS. Foram es- tudadas 909 puérperas: 461 na maternidade pública (230 partos vaginais e 231 cesáreas) e 448 na maternidade conveniada (224 partos vaginais e 224 cesáreas), sendo esta uma amos- tra representativa das mulheres que pariram nessas maternidades no período do estudo. Pa- ra o cálculo do tamanho da amostra foi utiliza- do o programa Epi Info (módulo Statcalc, ta- manho da amostra e poder, estudo de caso- controle não pareado). Foi considerado um er- ro a igual a 5% e um poder (1-b) igual a 80%. Utilizou-se a variável estado da bolsa d’água na admissão (íntegra ou rota) como variável de exposição para o cálculo de tamanho de amos- tra. As mulheres foram selecionadas segundo a data do parto, utilizando-se o registro da sala de parto dos hospitais. Os dados foram coleta- dos por meio de questionários e pela revisão dos prontuários médicos após a alta das pa- cientes. A aplicação do questionário foi reali- zada nas enfermarias dos hospitais, estando as puérperas com 24 a 72 horas de pós-parto. O questionário e a revisão dos prontuários abordaram antecedentes obstétricos, dados da gestação atual e do pré-natal, de acesso ao hos- pital, internação, pré-parto, parto e puerpério, sobre a condição do recém-nascido, aspectos sócio-demográficos da mulher e opiniões da mulher sobre o parto cesáreo. A análise dos da- dos quantitativos foi feita utilizando o pacote estatístico SPSS para Windows. Com o objetivo de investigar se havia prefe- rência pelo parto cesáreo, foram feitas as per-
  • 5. PARTO CESÁREO 1615 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 guntas abaixo para as 909 mulheres nas duas maternidades: • Você queria que seu parto fosse cesáreo? Por quê? • Em algum momento você pediu para fazer cesárea? Em caso de resposta afirmativa, em que momento? • Você ligou as trompas? Além disso, foram realizadas entrevistas se- mi-estruturadas em profundidade com uma subamostra de 24 puérperas, 12 em cada ma- ternidade, todas multíparas que haviam expe- rimentado os dois de tipo de parto (vaginal e cesáreo). As entrevistas foram gravadas, trans- critas e posteriormente analisadas por tema. Entre outras questões, foram abordadas as per- cepções quanto ao parto cirúrgico, analisadas a partir de categorias empíricas estabelecidas, neste caso, para ilustrar as razões de querer ou não o parto cesáreo, permitindo respostas múl- tiplas. A todas as mulheres entrevistadas foi expli- cado que seus dados seriam utilizados anoni- mamente numa pesquisa sobre assistência ao parto, com objetivo de melhorar a qualidade da atenção às mulheres, sendo facultada a to- das a possibilidade de não participar da entre- vista e assegurados a confidencialidade e o anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo Co- mitê de Ética da Fiocruz e todas mulheres que aceitaram participar assinaram termo de con- sentimento, tendo sido seguidas as recomen- dações da legislação brasileira (Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – http:// www.conselho.saude.gov.br/docs/Reso196. doc) e da legislação internacional – Declaração de Helsinki (1964, reformulada em 1975, 1983, 1989, 1996 e 2000 – http://www.wma.net/e/ policy/17-c_e.html). Resultados Não encontramos diferenças importantes en- tre as duas maternidades no que diz respeito às características sociais das mulheres nem entre os tipos de parto. Tratava-se de uma população com baixa escolaridade (a maioria tinha o en- sino fundamental incompleto), baixo poder aquisitivo (cerca de 75% tinham renda per ca- pita de até R$ 200,00 por mês), sem trabalho remunerado (seja ele formal ou informal) e que residia com companheiro. A maioria das mu- lheres tinha entre 20 e 34 anos no momento da pesquisa. Apesar das semelhanças, sabe-se que as maternidades têm características diferentes no que diz respeito ao perfil de risco das pacientes internadas. A maternidade pública dispõe de unidade neonatal, com leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e Unidade Inter- mediária (UI), constituindo, por isso, referên- cia para pacientes de risco, com prematurida- de em cerca de um quarto dos partos. A mater- nidade conveniada pode ser caracterizada co- mo de baixo risco, tendo pequeno índice de prematuridade e de gestantes de risco. Ambas têm um grande volume de partos por mês e mais de 1.000 partos por ano cada uma. Para caracterizar a preferência das mulhe- res pelo tipo de parto, utilizamos dados obti- dos por meio das perguntas feitas às 909 mu- lheres entrevistadas nas duas maternidades, bem como pela análise das entrevistas semi- estruturadas com as 24 mulheres que tinham experiência com os dois tipos de parto. As mulheres preferem cesárea? Quando perguntadas se queriam que seu par- to fosse cesáreo, a maioria das entrevistadas (75,6%) respondeu que não. Esse percentual va- riou, na maternidade pública, de 62,9% (nas mulheres que tiveram parto cesáreo) a 81,5% (nas que tiveram parto vaginal); na maternida- de conveniada a resposta negativa variou de 74,2% (parto cesáreo) a 83,7% (parto vaginal). Nas duas maternidades, apenas 24 mulheres não relataram preferência quanto ao tipo de parto (Tabela 1). As razões mais freqüentemente apresenta- das pelas mulheres para não quererem o parto cesáreo foram: “recuperação mais difícil e len- ta no parto cesáreo” (39,2%) e “dor e sofrimen- to maior depois da cesárea” (26,8%). Essas duas razões prevaleceram, também, quando anali- samos os dados das duas maternidades sepa- radamente e por tipo de parto (Tabela 2). Em terceiro lugar encontra-se um conjunto de respostas que categorizamos como “cultura do parto vaginal”, correspondente a 23,9% das respostas. Dentro dessa categoria foram incluí- das as respostas que afirmam o desejo por um parto normal, embora a razão nem sempre fos- se clara: parto normal é melhor para mãe e pa- ra criança; sem justificativa; não sabia por que, apenas uma opinião; normal é natural, cesárea é artificial; parto vaginal é mais rápido; justifi- cativa contraditória, dúvida, mas afirma que parto vaginal é melhor; a partir da experiência de outra pessoa; queria viver a experiência do parto normal (Tabela 2). As mesmas duas categorias de respostas mais freqüentes também se destacaram nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com a subamostra que experimentara ambos os tipos
  • 6. BARBOSA, G. P. et al.1616 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 de parto. Transcrevemos a seguir a resposta de algumas dessas mulheres, apontando as des- vantagens da cesárea: “Todas. Não vi meu filho, não peguei meu fi- lho, não botei ele no peito, fiquei mais de 20 dias pra poder andar direito, muita dor nas costas, muita dor na minha coluna, horrível. Para mim todas as desvantagens, não gostei de nada. Eu acho que a cesariana só devia ser opção mesmo em caso de vida ou morte. Eu acho que todas as mulheres deviam se conscientizar de que o par- to normal é o melhor” (C., 29 anos, três partos vaginais, um cesáreo e um vaginal). “(…) No normal, no outro dia você já está andando, conversando, e nesse a gente não pode nem conversar muito” (V., 35 anos, um parto vaginal e um cesáreo). E quais seriam as razões apontadas pelas mulheres que gostariam que o seu parto fosse cesáreo? Nesses casos, que representam 24,4% do total das entrevistadas, destaca-se a “dor e o sofrimento menor durante o trabalho de par- to” (29,2%) e o “desejo de laqueadura” (24,1%). Aparecem também como categorias importan- tes a “condição de saúde da mulher” (13,4%); o “medo” (8,3%); e o “passado obstétrico da mu- lher” (8,3%). Categorizamos como “cultura do parto cesáreo” 11,1% das respostas, que afir- mavam esta preferência embora a razão nem sempre estivesse clara: sem explicação, não sa- be por que; por curiosidade; “riscos” do parto normal não especificados; justificativa contra- ditória, dúvida, mas prefere cesárea; cesárea mais rápida; a partir da experiência ou opinião dos outros (Tabela 3). É interessante notar que a preocupação com danos ao períneo ou efeitos negativos na vida sexual, sugerida pelos profissionais como ra- zão para as mulheres desejarem o parto cesá- reo, não figura entre as razões dadas pelas mu- lheres entrevistadas neste estudo. As duas primeiras categorias de razões se mantêm importantes nas duas maternidades, embora com maior destaque para as mulheres Tabela 1 Preferência das mulheres por tipo de parto, segundo a maternidade e o tipo de parto atual. Queria parto cesáreo Pública Conveniada Total Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo n % n % n % n % Sim 42 18,5 83 37,1 36 16,3 55 25,8 216 Não 185 81,5 141 62,9 186 83,7 157 74,2 669 Total 227 100,0 224 100,0 222 100,0 212 100,0 885 Sem preferência 3 7 2 12 24 Tabela 2 Razões apresentadas pelas mulheres que não queriam parto cesáreo, segundo a maternidade e o tipo de parto atual. Razões Pública Conveniada Total Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo n % n % n % n % n % Recuperação mais difícil 69 37,3 50 35,5 75 40,3 68 43,3 262 39,2 e lenta da cesárea Dor, sofrimento maior 44 23,8 46 32,6 42 22,6 47 29,9 179 26,8 depois da cesárea “Cultura do parto vaginal” 44 23,8 38 27,0 49 26,3 29 18,5 160 23,9 Risco cirúrgico, medo da 21 11,4 6 4,3 16 8,6 10 6,4 53 7,9 anestesia, do corte, da infecção Experiência anterior com 7 3,8 1 0,7 4 2,2 3 1,9 15 2,2 cesárea ou parto vaginal Total 185 100,0 141 100,0 186 100,0 157 100,0 669 100,0
  • 7. PARTO CESÁREO 1617 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 que tiveram parto vaginal. As outras razões/mo- tivações apontadas pelas mulheres apresenta- ram distribuições que variaram entre as mater- nidades e os dois tipos de parto (Tabela 3). Na análise das entrevistas semi-estrutura- das, a grande vantagem atribuída ao parto ce- sáreo é não sentir as dores no momento do parto vaginal: “Eu também não acho vantagem, mas a di- ferença é essa, você não sente a dor do parto” (J., 32 anos, um parto vaginal e um cesáreo). “Não tem a dor na hora, mas depois as dores vêm dobrado” (L., 25 anos, três partos vaginais e dois cesáreos). “Só porque a gente não sente essas dores to- das pra ter a criança normal. Eles dão logo aquela anestesia e eles rapidinho tiram a crian- ça. A gente só vai sentir depois a dor, ardendo...” (R., 25 anos, um parto vaginal e um cesáreo). O desejo por cesárea parece ter sido influen- ciado pela experiência anterior de parto da mulher. Entre as 227 mulheres que já haviam experimentado pelo menos uma cesárea, inde- pendentemente do tipo de parto atual e da ma- ternidade, o desejo pelo parto cesáreo foi em média duas vezes mais freqüente, em compa- ração às mulheres que nunca fizeram cesárea. No grupo com cesárea anterior, as razões apontadas com mais freqüência para querer o parto cesáreo foram “dor, sofrimento menor” (21,9%), “desejo de laqueadura” (21,9%) e, logo em seguida, “experiência anterior com cesárea, passado obstétrico” (16,2%). A última razão su- gere a hipótese de que essas mulheres já te- nham absorvido a “cultura” médica de “uma vez cesárea, sempre cesárea”. Em resposta à pergunta “Atualmente, mui- tas mulheres fazem cesárea. Por que você acha que isso vem acontecendo?”, a maioria das 24 mulheres entrevistadas na subamostra apon- tou as dores, o medo, a falta de informação com relação ao desenvolvimento do parto nor- mal e o desejo de laqueadura como motivos para outras mulheres pedirem cesárea. “Porque eu acho que tem muita mulher que não gosta de sentir dor, só que é ilusão, porque a dor do parto é só aquela hora, mas a cesárea vai ficar direto, a dor do parto você sente e com uma semana você já está normal. Agora, a ce- sárea não, ela fica ali, ela incomoda, fica aque- la cólica por dentro, tem que vir pra tirar pon- to...” (A., 26 anos, dois partos vaginais e um ce- sáreo). “Acho loucura. Medo, falta de informação, principalmente falta de informação. E medo só pode, porque uma pessoa querer fazer uma ce- sárea é uma loucura, além de você ficar com aquele corte na barriga, depois também você fi- ca toda ruim” (M., 39 anos, um parto cesáreo e um vaginal). “Medo da dor e querer ligar. (...) Eu, como passei por essas, se fosse ter outro filho agora eu não queria assim de novo não, não queria cesá- rea não, faria tudo pra reverter para um normal” (J., 22 anos, um parto vaginal e um cesáreo). “Porque tem muitas que não querem sofrer, não querem sentir. Antes dos nove meses pedem logo para fazer cesárea, porque não querem sen- tir dor” (L., 27 anos, um parto cesáreo e um va- ginal). “Ah, sei lá. Besteira. Uma cirurgia é sempre uma cirurgia, não deve se mexer tanto dentro Tabela 3 Razões apresentadas pelas mulheres que queriam parto cesáreo segundo, a maternidade e o tipo de parto atual. Razões Pública Conveniada Total Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo n % n % n % n % n % Dor e sofrimento menores 14 33,3 19 22,9 14 38,9 16 29,1 63 29,2 Desejo de laqueadura 13 31,0 17 20,5 14 38,9 8 14,5 52 24,1 Condições de saúde da mulher 4 9,5 12 14,5 3 8,3 10 18,2 29 13,4 “Cultura da cesárea” 5 11,9 8 9,6 2 5,6 9 16,4 24 11,1 Medo, medo de complicação, 3 7,1 9 10,8 0 0,0 6 10,9 18 8,3 nervoso Experiência anterior com 0 0,0 14 16,9 0 0,0 4 7,3 18 8,3 cesárea, passado obstétrico Condições de saúde da criança 1 2,4 4 4,8 2 5,6 0 0,0 7 3,2 Recuperação melhor 2 4,8 0 0,0 1 2,8 2 3,6 5 2,3 Total 42 100,0 83 100,0 36 100,0 55 100,0 216 100,0
  • 8. BARBOSA, G. P. et al.1618 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 da gente como na cesárea. Ah, pedem por causa disso, porque quando começa a dor da contra- ção fica estranho pra caramba” (C., 27 anos, um parto cesáreo e um vaginal). Nessas entrevistas, as mulheres que vive- ram a experiência dos dois tipos de parto rela- taram que as informações fornecidas sobre o motivo da realização de cesárea foram insufi- cientes, deixando-as com muitas dúvidas, o que contribuiu para aumentar a ansiedade do mo- mento. Além disso, relataram também o fato de não terem sido informadas sobre os riscos e as dificuldades para se recuperar da cirurgia. Entre as mulheres que tinham acabado de ter o primeiro filho, observamos um percentual ligeiramente maior de desejo de parto vaginal, o que reforça a idéia de uma cultura feminina de parto vaginal. Apesar disto, o pedido de ce- sárea foi discretamente maior entre as partu- rientes de primeira vez. Podemos, portanto, in- dagar se as condições no pré-parto e durante o parto levaram as mulheres a solicitar a cesárea, mesmo sem desejá-la a princípio. Entre as mulheres que relataram o desejo por cesárea, a principal razão das que tinham pelo menos um filho foi o “desejo de laqueadu- ra”; já nas puérperas que haviam acabado de ter o primeiro filho, destaca-se “dor, sofrimen- to menor”. As mulheres pediram cesárea? A maioria absoluta das mulheres (82,9%) infor- mou que não pediu para fazer cesárea, tanto aquelas que tiveram parto vaginal (81%) como as que foram submetidas ao parto operatório (85%). Isso sugere, em primeiro lugar, que a maio- ria dos partos cesáreos não foi feita “a pedido”. A maioria das mulheres que sofreram cesárea não o solicitaram. Ao mesmo tempo, 19% das que tiveram parto vaginal reportaram que ha- viam pedido cesárea. Isso revela o poder limi- tado das mulheres em determinar o tipo de par- to que vão fazer, seja ele vaginal ou cesárea, nas maternidades estudadas. Das mulheres que solicitaram a cesárea, a maioria absoluta (77,8%) o fez durante o traba- lho de parto e/ou parto, tendo essa proporção variado de 89% nas mulheres que tiveram par- to vaginal a 65% nas que tiveram cesárea (Ta- bela 4). Ainda mais revelador é o fato de que, entre as mulheres que não queriam cesárea, mas que por algum motivo a solicitaram, a maioria absoluta (93,9%) o fez durante o traba- lho de parto e/ou parto. Esse fato parece con- firmar a opinião das entrevistadas, que enfati- zam que o pedido decorre da dor do parto. O percentual de mulheres que pediram pa- ra fazer cesárea durante o pré-natal foi maior entre as que efetivamente foram submetidas à cesárea, o que sugere que, nesses casos, a cesá- rea pode ter sido acordada previamente a qual- quer ocorrência relacionada ao parto, seja por uma real situação de saúde da paciente, seja por interesse na realização de laqueadura (Ta- bela 4). Observamos também que, quanto maior o intervalo de tempo entre a admissão da mulher no hospital e o parto, mais freqüente a solicita- ção de cesárea. Do mesmo modo, o tempo entre a admissão e o parto reflete ainda o momento em que se dá o pedido pelo parto cesáreo, ou seja, para aquelas mulheres para as quais o in- tervalo foi maior, o pedido ocorreu no momen- to do trabalho de parto e/ou parto, enquanto para as que ficaram menos tempo o maior per- centual de pedidos deu-se durante o pré-natal (Figura 1). Embora o número de laqueaduras tubá- rias realizadas nessa amostra não tenha sido expressivo (na maternidade pública, 3,0% dos partos vaginais e 9,6% dos partos cesáreos; na maternidade conveniada, 0,4% dos partos va- ginais e 6,7% dos partos cesáreos), percebemos haver uma relação entre laqueadura e parto cesáreo. Discussão e conclusões Os dados aqui apresentados demonstram que a maioria das mulheres pesquisadas não que- ria ter um parto cesáreo, o que contrasta com a noção de valorização cultural que tem sido afirmada por obstetras em estudos brasileiros como os já referidos anteriormente. Mesmo quando o pedem, as mulheres não afirmam sua superioridade, apresentando motivos mais com- plexos e mais concretos do que os que têm si- do relatados pelos médicos. As circunstâncias que cercam a assistência no momento do pré parto/parto, incluindo a ausência de um acompanhante no momento do parto (fato que ocorreu em quase todos os casos), o tempo entre a admissão e o parto, e a experiência anterior de parto, foram fatores re- lacionados com o pedido de parto cesáreo. O não uso rotineiro de técnicas de alívio da dor, farmacológicas ou não, durante o pré-parto e o parto pode, de modo especial, ter também gran- de peso na construção do pedido da mulher por um parto cesáreo. A OMS, no documento “Assistência ao par- to normal: um guia prático”, sugere uma série de práticas úteis que devem ser estimuladas,
  • 9. PARTO CESÁREO 1619 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 Tabela 4 Distribuição das mulheres que pediram para fazer cesárea nas duas maternidades, segundo o momento do pedido e o tipo de parto. Momento em que Pública Conveniada Total pediu cesárea Vaginal Cesáreo Vaginal Cesáreo n % n % n % n % n % Pré-natal 1 3,6 12 32,4 5 8,8 7 22,6 25 16,3 Admissão 2 7,1 0 0,0 3 5,3 4 12,9 9 5,9 Trabalho de parto e/ou parto 25 89,3 25 67,6 49 86,0 20 64,5 119 77,8 Total 28 100,0 37 100,0 57 100,0 31 100,0 153 100,0 Figura 1 Distribuição das mulheres segundo o momento do pedido de cesárea e o tempo entre a admissão e o parto. ao mesmo tempo que desaconselha outras. En- tre as recomendadas, gostaríamos de destacar: respeito à escolha da mulher por um acompa- nhante de sua preferência durante o trabalho de parto e parto; fornecimento das formações e explicações solicitadas; uso de métodos não farmacológicos e não invasivos de alívio da dor, tais como massagens e técnicas de relaxamen- to; e liberdade de posição e movimentação du- rante o trabalho de parto (OMS, 1996). O Mi- nistério da Saúde (MS, 2001) aponta também para a necessidade de mudança na assistência à mulher no pré-natal e no nascimento, estimu- lando procedimentos pouco invasivos que en- volvam sua participação ativa. No entanto, tais práticas não são rotineiramente observadas. Com relação ao desejo de laqueadura – uma das principais razões para a solicitação de par- to cesáreo –, acreditamos que só com um pro- grama de planejamento familiar efetivo, com o oferecimento e o acesso a todos os métodos contraceptivos, bem como a implantação real das já mencionadas leis e portarias de planeja- mento familiar existentes no Brasil, é que se conseguirá quebrar a associação nociva “cesá- rea – laqueadura”. Uma “cultura da cesárea”, que considera es- se tipo de parto a melhor forma de nascer, pa- rece ainda não estar totalmente introjetada nas mulheres. A justificativa da “cesárea a pedido da mulher”, muitas vezes relatada pelos profis- sionais de saúde, parece refletir mais uma cul- 0 freqüência(%) 20 40 60 80 100 trabalho de parto e/ou parto admissão pré-natal > 12 horas tempo entre admissão e o parto 9 a 12 horas6 a 9 horas3 a 6 horas1 a 3 horas< 1 hora
  • 10. BARBOSA, G. P. et al.1620 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(6):1611-1620, nov-dez, 2003 Referências ÁVILA, M. B., 1993. Modernidade e cidadania repro- dutiva. Estudos Feministas, 1:382-393 BEMFAM (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), 1997. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, 1996. Rio de Janeiro: BEMFAM. BERQUÓ, E.,1999. Ainda a questão da esterilização feminina. In: Questões de Saúde Reprodutiva (K. Giffin & S. H. Costa, org.), pp. 113-126, Rio de Ja- neiro: Editora Fiocruz BRENES, A. C., 1991. História da parturição no Brasil, Século XIX. Cadernos de Saúde Pública 7:135-149. CAMPOS, T. P. & CARVALHO, M. S., 2000. Assistência ao parto no município do Rio de Janeiro: Perfil das maternidades e o acesso da clientela. Cader- nos de Saúde Pública, 16:411-420. DINIZ, C. S. G., 1996. Assistência ao Parto e Relações de Gênero: Elementos para uma Releitura Médico- Social. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Facul- dade de Medicina, Universidade de São Paulo. FAUNDES, A. & CECATTI, J. G., 1991. A operação ce- sárea no Brasil. Incidência, tendências, causas, conseqüências e propostas de ação. Cadernos de Saúde Pública, 7:150-173. GIFFIN, K., 1991. Nosso corpo nos pertence: A dialéti- ca do biológico e do social. Cadernos de Saúde Pública, 7:190-200. HOPKINS, K., 2000. Are Brazilian women really choos- ing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, 51:725-740. McCLAIN, C., 1990. The making of a medical tradi- tion: vaginal birth after cesarean. Social Science and Medicine, 31:203-210. MELLO-E-SOUZA, C., 1994. C-sections as ideal births: The cultural construction of beneficence and patents’ rights in Brazil. Cambridge Quartely Health Care Ethics, 3:358-366. MILLER, J. M., 1988. Maternal and neonatal morbidi- ty and mortality in cesarean section. Obstetrics and Gynecology Clinics of North America, 15:629-638. MS (Ministério da Saúde), 2001. Parto, Aborto e Puerpé- rio: Assistência Humanizada à Mulher. Brasília: MS. NÚCLEO DE ESTUDOS DE POPULAÇÃO, 1996. Pes- quisa sobre Saúde Reprodutiva e Práticas Obsté- tricas no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População, Universidade Estadual de Campinas. OMS (Organização Mundial da Saúde), 1996. Assis- tência ao Parto Normal: Um Guia Prático. Gene- bra: OMS. POTTER, J. E.; BERQUÓ, E.; PERPÉTUO, I. H. O.; LEAL, O. F.; HOPKINS, K.; SOUZA, M. R. & FOR- MIGA, M. C. C., 2001. Unwanted cesarean sec- tions among public and private patients in Brazil: Prospective study. BMJ, 323:1155-1158. RATNNER, D., 1996. Sobre a hipótese de estabilização das taxas de cesárea do Estado de São Paulo. Re- vista de Saúde Pública, 30:19-33. SAKALA, C., 1993. Medically unnecessary cesarean section births: Introduction to a symposium. So- cial Science and Medicine, 37:1177-1198. SCAVONE, L., 1992. O impacto das tecnologias médi- cas na família. In: XVI Encontro Anual da Asso- ciação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais – ANPOCS, Anais, pp. 20-23, Caxambu: ANPOCS. (mimeo.) SHEARER, E., 1993. Cesarean section: Medical benefits and costs. Social Science and Medicine, 37:1223- 1231. SILVER, L. D., 1999. Direito à saúde ou medicalização da mulher? Implicações para avaliação dos servi- ços de saúde para as mulheres. In: Questões de Saúde Reprodutiva (K. Giffin & S. H. Costa, org.), pp. 299-317, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. VALLADARES, D. P., 1999. As ações de contracepção e assistência ao parto: A experiência do Rio de Ja- neiro. In: Questões de Saúde Reprodutiva (K. Gif- fin & S. H. Costa, org.), pp. 357-376, Rio de Janei- ro: Editora Fiocruz. VIEIRA, E. M., 1999. A medicalização do corpo femi- nino. In: Questões de Saúde Reprodutiva (K. Giffin & S. H. Costa, org.), pp. 67-78, Rio de Janeiro: Edi- tora Fiocruz. Recebido em 20 de junho de 2002 Versão final reapresentada em 18 de dezembro de 2002 Aprovado em XX de XX de 2003 Agradecimentos Agradecemos à Fundação Ford e ao Conselho Nacio- nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico o apoio dado a esta pesquisa. tura médica do que uma real preferência das parturientes. Entretanto, deve-se levar em con- ta que o estudo foi realizado em apenas duas maternidades, uma pública e outra convenia- da, não tendo sido estudada nenhuma mater- nidade do setor privado. Um estudo que in- cluísse outras maternidades poderia mostrar diferenças na incorporação de uma suposta “cultura da cesárea”. Concluímos que devemos continuar a des- mistificar essa idéia e investir na melhoria da atenção durante pré-natal, pré-parto e parto, para que a mulher se sinta apoiada e conheça melhor o que ocorre com ela durante a gravi- dez e o parto, diminuindo assim seus medos e inseguranças e colocando-a como agente prin- cipal de um momento ímpar na sua vida, o nascimento de um filho.