PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Toma lá poesia 2009-2010 - 7 artes
1. 2009-2010
Daniel Huntington, 1816-1906 Charlotte Weeks, A Young Girl Reading
«Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos
2009-2010
da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor
modo de ler bem e ser profundo.»
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
2. O Homem que Lê
2009-2010
Certeza
Se é real a luz branca Eu lia há muito. Desde que esta tarde
desta lâmpada, real com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
a mão que escreve, são reais Abstraí-me do vento lá fora:
os olhos que olham o escrito? o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
Duma palavra à outra que se ensombram pela profunda reflexão
o que digo desvanece-se. e em redor da minha leitura parava o tempo. —
Sei que estou vivo De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
entre dois parênteses. e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde... em todas elas.
Octavio Paz, in Dias Hábeis
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
Tradução de Luis Pignatelli
Ellen de Groot, Lezen - Reading or The Blue Dress, 2006 as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Os Meus Livros Então sei: sobre os jardins Georges Guequier, The final chapter, 1917
Os meus livros (que não sabem que existo) transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
São uma parte de mim, como este rosto o sol deve ter surgido de novo. —
De têmporas e olhos já cinzentos E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
Que em vão vou procurando nos espelhos o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
E que percorro com a minha mão côncava. obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
Não sem alguma lógica amargura e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
Entendo que as palavras essenciais, ouve-se o pouco que ainda acontece.
As que me exprimem, estarão nessas folhas E quando agora levantar os olhos deste livro,
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. nada será estranho, tudo grande.
Mais vale assim. As vozes desses mortos Aí fora existe o que vivo dentro de mim
Dir-me-ão para sempre. e aqui e mais além nada tem fronteiras;
Jorge Luis Borges, in A Rosa Profunda apenas me entreteço mais ainda com ele
ESCREVER É ESQUECER quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, — «A ler aprendemos a estar
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a então a terra cresce acima de si mesma. sozinhos sem estarmos sós.»
vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e E parece que abarca todo o céu:
a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer a primeira estrela é como a última casa.
dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque
usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma Rainer Maria Rilke, in O Livro das Imagens
Tradução de Maria João Costa Pereira
vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é
uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa.
2009-2010
Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que
ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso. Carla Quevedo, revista Tabu, semanário Sol
Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego
3. 2009-2010
«Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior.»
Evolução Fernando Pessoa, Livro do Desassossego A FONTE
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo Ciclicamente me revisitam
tronco ou ramo na incógnita floresta... os Cavaleiros de Hipocrene
«Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la.»
Onda, espumei, quebrando-me na aresta trazendo sempre límpidos espelhos
Do granito, antiquíssimo inimigo... nas frontes incomensuráveis.
Rugi, fera talvez, buscando abrigo Pousam em mim
«A literatura não permite caminhar, mas permite respirar.»
Na caverna que ensombra urze e giesta; o seu olhar de flecha imponderável
O, monstro primitivo, ergui a testa e jamais me questionam
No limoso paul, glauco pascigo... sobre o que quer que seja.
Sabem de mim o suficiente,
Hoje sou homem, e na sombra enorme
exactamente o mesmo que eu sei deles.
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade... Viemos do mesmo recanto do Hélicon,
crescemos sob a luz de Cassiopeia.
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Reencontramo-nos através dos milénios
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
nas mesmas ilhas de espanto...
Bertold Brecht
E aspiro unicamente à liberdade.
Roland Barthes
nesta esfera fecunda
Antero de Quental, Odes Modernas em que a vida nos espera e abandona...
Suy, 23/8/1990
Amy Hill, Reader, 2008
«A leitura é um antídoto do medo. Quem saboreia o prazer da
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leitura nunca está sozinho. Entende a transitoriedade de tudo, e a
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possibilidade de mudança. Entende-se a si mesmo, e aprende a
saber o que quer.»
Inês Pedrosa, in Expresso
4. USA-Posters Footprints in the Sand on the
North Shore Oahu-Hawaii
Joakim Ericsson, Reflection
Língua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura: O mundo estava no rosto da amada
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela O mundo estava no rosto da amada –
e logo converteu-se em nada, em
Amo-te assim, desconhecida e obscura mundo fora do alcance, mundo-além.
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela, Por que não o bebi quando o encontrei
E o arrolo da saudade e da ternura! no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo! Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", transbordei.
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
2009-2010
O génio sem ventura e o amor sem brilho! Rainer Maria Rilke
(Tradução: Augusto de Campos)
Olavo Bilac, in Poesias Toby Wright, Dogma, Seeing is Believing, 2008
5. 2009-2010
Jason Price, The Day the Music Stopped
Anton Arkhipov, Interlude
«A música pode ser o exemplo único do que poderia ter sido — se não
tivesse havido a invenção da linguagem, a formação das palavras, a
análise das ideias — a comunicação das almas.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido
2009-2010
«Linguagem: a música com a qual encantamos as serpentes que guardam
os tesouros dos outros.»
Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo
6. Fuga Exercícios ao Piano
2009-2010
O músico procura O calor cola. A tarde arde e arqueja.
Fixar em cada verso Ela arfa, sem querer, nas leves vestes
O cântico disperso e num étude enérgico despeja
Na luz, na água e no vento. a impaciência por algo que está prestes
Porém, luz, vento e água a acontecer: hoje, amanhã, quem sabe
Variam riso e mágoa, agora mesmo, oculto, do seu lado;
De momento a momento. da janela, onde um mundo inteiro cabe,
ela percebe o parque arrebicado.
E em vão a área dos dedos
Se eleva! Não traduz Desiste, enfim, o olhar distante; cruza
Os súbitos segredos as mãos; desejaria um livro; sente
Escondidos no vento, o aroma dos jasmins, mas o recusa
Nas águas e na luz... num gesto brusco. Acha que á faz doente.
Pedro Homem de Mello, in Segredo Rainer Maria Rilke
Caravaggio, 1571-1610, The Lute Player, c. 1600 (Tradução: Augusto de Campos)
Bernardo Cavallino, 1616-c.1656, Clavichord Player, s.d.
Hora Grave
Quem agora chora em algum lugar do mundo,
Sem razão chora no mundo,
Chora por mim.
Quem agora ri em algum lugar na noite,
Sem razão ri dentro da noite,
Ri-se de mim.
Quem agora caminha em algum lugar no mundo,
Sem razão caminha no mundo,
Vem a mim.
Quem agora morre em algum lugar no mundo,
Sem razão morre no mundo,
Olha para mim.
2009-2010
Rainer Maria Rilke Christian Vincent,
(Tradução: Paulo Plínio Abreu) New Skins for Old Souls, 1998-99
Caravaggio, 1571-1610, pintor italiano, The Musicians, 1595-96
7. «O vaso dá uma forma ao vazio e a música ao silêncio.»
2009-2010
Georges Braque
Oleg Zhivetin, Magic of the Music
«Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado. Quero recolher-me, retirar-
me das ocupações efémeras. Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se
aproximam e as minhas portas abrem-se...» Oleg Zhivetin, Personal Music, 2003
Rainer Maria Rilke
2009-2010
8. 2009-2010
Estrada de Santiago
(excertos finais)
Aquele que teceu uma só malha da teia
nela há-de cair.
Aquele que apenas teceu dádivas e utopias
com o linho dos dias
pode ainda ser livre,
pode ainda entrar no diálogo
pode olhar e ver a transparência,
A Trama pode ouvir e escutar o coração de todos os seres.
Esse vive em demanda e encontra.
Esse ama o espírito e a matéria
como uma sublime unidade.
Esse não desdenha a intuição e as miragens.
Esse descobrirá o lugar do encantamento.
Esse abrirá o livro em branco
e saberá ler a sua brancura.
Sobre os meus poemas
não há nada a dizer.
Tudo o que haveria a dizer
Epílogo está lá dito.
E o que não está
é símbolo que quer permanecer símbolo,
é brancura que se abre ao espírito
daqueles para quem guardar o enigma
é tão imprescindível como buscar a revelação...
Suy, 4/12/1993 Judith Leyster, 1609-1660, Young Flute Player, c. 1635
Por Entre os Sons da Música
Por entre os sons da música, ao ouvido
como a uma porta que ficou entreaberta
o que se me revela em ter sentido
é o que por essa música encoberta
acena em vão do outro lado dela
e eu sinto como a voz que respondesse
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ao que em mim não chamou nem está nela,
porque é só o desejar que aí batesse.
Sophie Anderson, Shepherd Piper, 1881 Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente 1
9. 2009-2010
«A mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da beleza
em vez da realidade material. O maior prazer está na contemplação.»
Nikolay Krusser, Giselle, Russia
Leonardo da Vinci
O Apogeu
Cada ser humano atinge o seu apogeu de maneira diferente, num dado
momento. Uma vez alcançado esse ponto alto, é sempre a descer. Fatal como o
destino. E o pior é que ninguém sabe onde é que se situa o seu próprio auge. A
linha divisória pode desenhar-se de repente, quando uma pessoa pensa que
ainda estava a pisar terreno seguro. Ninguém tem maneira de saber. Alguns
atingem esse pico aos doze anos, e depois espera-os uma vida perfeitamente
monótona e sem chama. Outros continuam sempre em ascensão até à morte;
outros morrem no seu máximo esplendor. Muitos poetas e compositores vivem
em estado de permanente arrebatamento e estão mortos quando chegam aos
trinta anos. Depois há aqueles, como é o caso de Picasso, que aos oitenta e
Nikolay Krusser, Giselle, Russia
muitos anos ainda pintava quadros cheios de vigor e teve uma morte tranquila,
sem saber o que era o declínio.
Haruki Murakami, in Dança, Dança, Dança
A borboleta continuará a pairar sobre o campo e as gotas de orvalho
ainda brilharão sobre a relva quando as pirâmides do Egipto estiverem
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destruídas e não mais existirem os arranha-céus de Nova York.
Kahlil Gibran, 1883-1931
10. 2009-2010
«O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.»
Platão
Nikolay Krusser, The Red Dragon, Rússia
Divina Música!
(…)
Inspiradora de poetas, de compositores
E dos grandes realizadores.
Unidade de pensamento dentro dos fragmentos
Das palavras.
Criadora do amor que se origina da beleza.
Vinho do coração
Que exulta num mundo de sonhos.
Encorajadora dos guerreiros,
Fortalecedora das almas.
A. Ganivet, Epistolário Oceano de perdão e mar de ternura.
Nikolay Krusser, Seme Red, Rússia Ó música.
Em tuas profundezas
«Ela dançou a dança das chamas e do fogo, a dança das espadas e das Depositamos nossos corações e almas.
lanças; e ela dançou a dança das flores ao vento. Ao terminar, virou-se para Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos
o príncipe e fez uma reverência. Ele então, pediu-lhe que viesse mais perto e E a ouvir com os corações.
perguntou-lhe: “Linda mulher, filha da graça e do encantamento, de onde
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vem tua arte e como é que comandas todos os elementos em seus ritmos e Kahlil Gibran, 1883-1931 - poeta e pintor libanês
versos?"»
Khalil Gibran, 1883-1931
Maurice Béjart