Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Sonho e identidade em Pessoa
1. Sonho. Não sei quem sou
{ Poesia Ortónima de Fernando Pessoa
(“Cancioneiro”)
2. Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.
Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”
06 de Janeiro de 1923
Sonho. Não sei quem sou
3. O poema aborda temas característicos do Cancioneiro de Fernando
Pessoa, nomeadamente:
O abandono e a solidão
A confusão entre o sonho e a realidade, entre o que sonhado e o real,
entre o agora e futuro.
A fragmentação do eu, a busca pela identidade.
Sonho. Não sei quem sou
4. Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Pessoa, tentando sair da sua condição, diz que sonha - assim se perde da sua
identidade redutora. A sua inquietante incerteza em relação à sua identidade
(tema marcante da sua poesia) traz-lhe um "pensamento que esquece o
pensamento - quer dizer que, sonhando-se, deixa-se de pensar - quer ser todo
ele sonho e dormência. Nem alma deseja ter.
Análise da primeira estrofe
5. Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Tão profundo Pessoa se deixa cair no esquecimento que a vida mesma lhe
parece um erro , um erro pelo menos ele saber dela. Todo ele é um nada, que
assume que não tem desejos (nada quer), nem recordações, nem sequer destino
(nem ser nem lei).
Análise da segunda estrofe
6. Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.
O seu pensamento é-lhe como uma falha do coração, um interstício sem sentido. E o
seu lamento em direcção a si próprio serve de conclusão ao seu dramático e
elaborado pensamento nocturno - por muito dormente também claro e branco -
dizendo que vive dentro de si um coração abandonado por todos, alheio a todos os
outros corações, "coração de ninguém".
Análise da terceira estrofe
7. Sonho. Não sei quem sou
Verdadeira canção de abandonado, sem, no entanto, nunca ser completamente triste e
angustiada, os versos deste poema-canção revelam bem do que ia por dentro da
alma de Fernando Pessoa.
As palavras revelam-se como um espelho da alma deste homem complexo, mas afinal
humano, e as suas frases, mesmo que difíceis de interpretar, vertem apenas a emoção de
um homem triste, deixado sozinho, metade por opção sua, metade por opção do
destino que assim tinha desenhado a sua vida.
Trabalho realizado por:
• Catarina Cruz, nº4 – 12ºF
Português 12º ano – Escola Secundária Augusto Gomes
Junho de 2011