2. BIOGRAFIA
EUGÉNIO DE ANDRADE
Pseudônimo de José Fontinhas Rato.
Poeta português nascido na freguesia de
Póvoa de Atalaia (Fundão) em 19 de
Janeiro de 1923.
Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto,
após uma doença neurológica prolongada.
“Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.”
3. Madrigal
Tu já tinhas um nome, e eu
não sei se eras fonte ou brisa
ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei
amor...
4. FRENTE A FRENTE
Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!
5. As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes, leves. Quem as escuta?
Tecidas são de luz e são a noite. Quem as recolhe, assim,
E mesmo pálidas cruéis, desfeitas,
verdes paraísos lembram ainda. nas suas conchas puras?
6. DEVIAS ESTAR AQUI
Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um
- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum...
7. O AMOR
Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.
A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.
A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.
Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável.
A marcar sobre os teus flancos
itinerários da espuma.
Assim é o amor: mortal e navegável...
8. URGÊNCIA
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente
Permanecer.
9. Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios, sabe a pedra amarga,
sabe a rosa louca, sabe à minha boca...
ao cair da noite
10. Sem Ti
E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.
Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas...
11. Que música escutas tão atentamente?
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui, Medo de quebrar o fio
mas tenho medo, com que teces os dias sem memória.
medo que toda a música cesse Com que palavras ou beijos
e tu não possas mais olhar as rosas. ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
Deixa-te estar assim, onde corpos e corpos se repetem,
ó cheia de doçura, parcimoniosamente,
sentada, olhando as rosas, no meio de sombras?
e tão alheia
que nem dás por mim...
12. Sobre Flancos e Barcos
Havia ainda outro jardim
o da minha vida
exíguo é certo mas o do meu olhar
são talvez dois pássaros que se amam
um sobre o outro ou dois cães de pé
é sempre a mesma inquietação
este delírio branco ou o rumor
da chuva sobre flancos e barcos
o inverno vai chegar
sobre a palha ainda quente a mão
uma doçura de abelha muito jovem
era o sopro distante das manhãs sobre o mar
e eu disse sentindo os seus passos nos pátios do coração
é o silêncio é por fim o silêncio
vai desabar...
13. ADEUS
Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à força de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente
tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
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14. Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus...
15. Minha singela homenagem
ao meu amado poeta de Portugal
Quase Nada
O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz...
By Eliane/2007
Pinturas: João Barcelos