1. À Ministra da Educação
Av. 5 de Outubro, 107
1069-018 LISBOA
Assunto: os critérios do 1º concurso para professor titular e o
desperdício de professores
Lisboa, 5 de Junho de 2007
Excelentíssima Senhora Ministra da Educação,
Ensino Francês na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em
Lisboa, e sou um dos muitos professores do 10º escalão do nosso
país que não somam os 95 pontos para acederem ao 1º concurso
para professor titular.
Não venho lamentar-me e muito menos pedir um tratamento
de excepção, antes apresentar um exemplo que ajude V. Exª a
meditar sobre as injustiças dos critérios que decidiu adoptar para
este concurso.
Adianto que pertenço ao grupo de professores que defendem
uma avaliação séria da qualidade – e sublinho QUALIDADE - das
nossas prestações profissionais e mesmo da existência de duas
carreiras que se distingam, mais uma vez, pela QUALIDADE daquilo
que cada um de nós sabe fazer e do modo como o faz.
Considerar apenas os últimos sete anos em carreiras com mais
de trinta releva de um grande desrespeito pelo trabalho de uma vida;
valorizar exageradamente cargos de natureza marcadamente
administrativa em detrimento dos cargos verdadeiramente
pedagógicos é negar a intenção sobejamente anunciada de conferir
mais qualidade e mais sucesso à educação e ao ensino nas nossas
2. escolas; fixar um total de 95 pontos, fasquia agora generosamente
descida de um montante inicial quase inatingível, só gera injustiças
num enorme grupo de professores que devia aceder a titular sem ter
que saltar barreiras.
Dos critérios adoptados, Senhora Ministra, estão à vista
consequências que deveriam fazer pensar o Ministério que V. Exª
tutela, pois desperdiçam recursos humanos que empobrecem as
nossas escolas.
E aqui chego à minha situação pessoal.
Se me permite um pequeno historial, alinho de seguida as
minhas actividades dos últimos sete anos:
Professora do 8o Grupo B do Quadro da Escola Secundária Passos
Manuel - (destacada de 1999-2000 a 2003-2004 na Associação
Portuguesa dos Professores de Francês; em exercício de funções
de 2004-2005 a 2005-2006)
Orientadora de estágio pedagógico de Francês da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, realizado na Escola Secundária
Passos Manuel (2005-2006)
Presidente da Comissão Executiva da Associação Portuguesa dos
Professores de Francês (de 1993 a 2006)
Presidente da Federação Nacional das Associações de Professores
de Línguas Vivas (de 1995 a 2002)
Membro do Conselho Nacional de Educação (de 1997 a 2001)
Membro do Conselho Consultivo do Currículo Nacional do Ensino
Básico (de 1999 a 2000)
Co-autora do Currículo Nacional do Ensino Básico (de 1999 a
2000)
Autora-coordenadora dos programas de Francês do Ensino
Secundário em vigor (de 1999 a 2000)
3. Formadora certificada pelo Conselho Científico-Pedagógico da
Formação Contínua nas áreas A34 – Francês e C05 –Didácticas
Específicas (Francês), com o registo CCPFC/RFO-06415/98 (de
1998 até à presente data), com dezenas de sessões de formação
contínua de professores de Línguas dinamizadas em muitas
escolas do país.
Directora do Centro de Formação desta Associação Portuguesa dos
Professores de Francês (de 1999).
Todavia, poucas destas actividades contam. Algumas, como a
autoria de programas, só contariam se fossem simultâneas ao
trabalho efectivo na escola, o que prova que mais que a capacidade
para fazer programas conta o malabarismo em gerir a multiplicidade
de tarefas.
Aquela seriação pode parecer um exercício de imodéstia, mas é
essencial para demonstrar que no meu percurso profissional recente
houve um trabalho com parceiros muitos diversificados, forçosamente
com especialistas nacionais e estrangeiros, que me ajudaram a
construir um saber que aperfeiçoou muito significativamente a minha
prática lectiva, me permitiu compreender a Escola e a minha
profissionalidade de uma forma mais rigorosa e plural e, finalmente,
me concedeu o reconhecimento por pares e superiores hierárquicos.
Ao referir o meu caso, não esqueço o de todos aqueles colegas
que, tendo tido um percurso diferente, realizaram um trabalho de
muita qualidade e vêem igualmente negado o acesso a um patamar
que é deles de direito.
Refiro-me aos formadores de professores reconhecidos pelo
Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua que, durante
anos, dinamizaram inúmeras sessões de formação contínua.
Refiro-me aos professores que publicam a sua reflexão
pedagógica e didáctica (e não falo de elaboração manuais escolares,
4. que, pela sua natureza comercial, não deveriam constituir um critério
de admissão de professores) que fundamenta algumas das linhas de
força de muitas decisões de política educativa.
Refiro-me igualmente aos colegas que não desempenharam
cargos por terem tido horários completos, não necessitando de os
“preencher” com uma direcção de turma, uma coordenação de
disciplina ou outro. Infelizmente, a rotatividade quase obrigatória
destes e de outros cargos de gestão intermédia das escolas tem
frequentemente desvirtuado a sua vertente educativa e formadora,
quase deixando de ser importantes as pessoas que os desempenham.
Onde tem estado, em muitíssimos casos, a preocupação em
adequar o perfil do professor ao cargo que vai desempenhar? E nos
critérios de acesso a este concurso, onde esteve a preocupação em
contemplar as práticas de formação e de avaliação imprescindíveis
para futuros avaliadores dos seus colegas?
Senhora Ministra, gostaria que meditasse na orientação que
está a dar à vida das nossas escolas e revisse algumas das suas
decisões no sentido do estímulo da qualidade e da inovação.
Assim o fez a França ao atribuir-me duas condecorações em
reconhecimento do meu trabalho pela causa e pelo ensino do
Francês, trabalho que o governo do meu país não valoriza.
Os meus cumprimentos
(Zélia Sampaio Santos)