O documento discute o veto ao PL do ato médico e argumenta que:
1) O veto manteve a integralidade nas políticas de saúde brasileiras e a saúde como um direito, não um negócio.
2) O projeto de lei visava garantir procedimentos exclusivos para médicos em busca de honorários, não a segurança do povo.
3) Qualquer profissional de saúde pode ser o primeiro contato e atender pacientes de forma integral e multiprofissional.
1. O veto aos artigos do PL do ato médico representa a manutenção da
INTEGRALIDADE nas nossas Políticas de Saúde.
Saúde é um direito. Não é um negócio
Prof. Dr. Eduardo Santana de Araujo
Fisioterapeuta, Mestre e Doutor em Saúde Pública
Segundo Maurício Tapajós e Aldir Blanc, o Brasil não conhece o Brasil. Trata-se de
um país que não se caracteriza pelo culto da sua história, pela preservação documental de
sua memória.
Ao longo da formação cultural do país, a arte teve papel importante. Um dos ideais
mais cultuados foi o da brasilidade. No início do período republicano é o de estabelecimento
do país como uma unidade independente.
Uma das maiores dicotomias enfrentadas pela sociedade brasileira no período da
Primeira República (talvez ainda seja assim até hoje) foi o contraste entre a dificuldade de
reconhecimento e absorção dos valores nacionais como valores culturais pelas elites
urbanas, que ainda buscavam identificar-se com a maneira europeia de viver, e a massa
populacional para quem esta preocupação inexistia.
É exatamente esta relação dicotômica entre a formação clássica dos “intelectuais”
brasileiros e o povo que provocou uma discussão crítica sobre a situação política, social e
econômica do país. Estabeleceu-se uma grande distância entre a “alta” sociedade e o povo
brasileiro.
A Primeira República difere do período que a precede, sobretudo no sentido da
rapidez das mudanças sociais e seus consequentes reflexos. Mesmo assim, tais mudanças
não foram detalhadamente observadas e estudas, pois, a força da elite dominante se
sobrepôs diante dos interesses dos mais necessitados.
Na época da Primeira Guerra Mundial, vivenciávamos um surto capitalista,
estimulado pela própria guerra, que gerava diferentes comportamentos frente às novas
possibilidades de negociação e intermediação financeiras
Vivemos, a partir daí, o lento “abrasileiramento” de nossa sociedade. Aos poucos, o
foco no Brasil foi se tornando o próprio Brasil. Na primeira década do Século XXI, uma
identidade bem mais definida chega à nossa sociedade e a força da elite começa a dar sinais
de enfraquecimento.
Tal força, mostrada, por exemplo, na República Brasileira de 64 até 84, marcada pelo
controle do povo e pelo esforço por seu emburrecimento, já não é mais a mesma.
Documentos publicados posteriormente comprovam a valiosa contribuição estrangeira na
destruição do Governo Federal e da liberdade deste País J
Já em 84, se esperava por uma vitória de uma sociedade atingisse um real estágio
de convivência e responsabilidade política, quando na verdade, a nova fase representava
nova composição das forças dominantes na sociedade.
Como dizia Dom Pedro II: “Minha política – a Justiça – não é a dos Partidos”, pois
“obro conforme e só conforme o que julgo exigir o bem do País”. Não era necessário o povo,
bastava a cabeça do Imperador.
O PLS 268, que tinha por objetivo regulamentar NOVAMENTE a medicina no Brasil,
nada mais foi do que a representação clara do que sempre houve neste país pobre e
dependente. Representa o de sempre: o grupo hegemônico CONTRA os interesses do povo.
A medicina já era regulamentada no Brasil por uma lei da década de 30
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D20931.htm). Ela é só antiga,
mas o que isso importa? A verdade é que algumas entidades médicas queriam regulamentar
"atos" porque achavam que as outras profissões da saúde praticavam atos que por eles eram
entendidos como "de exclusividade médica".
Por isso, é bem fácil entender que trata-se apenas de uma competição por
honorários. Atos são traduzidos em PROCEDIMENTOS. Assim, o projeto (e toda sua
confusão de palavras) está longe de ter como objetivo a segurança do POVO. O objetivo era
apenas assegurar que procedimentos fossem realizados com exclusividade por médicos para
que apenas eles recebam os tais honorários. Por que o projeto não reforça que a assistência
de saúde deva ser integral e universal? Por que o Congresso quer (re)regulamentar só a
medicina, já que muitas profissões foram regulamentadas durante a ditadura? Se o interesse
é o povo, se a saúde no Brasil precisa de novas normas, se consideramos que leis protegem
o povo, por que não regulamentamos TODAS as profissões de saúde novamente? Que
ditadura é essa??? De novo???
2. Há outra coisa que os que são contra os vetos deixam de lado e temem em dizer
claramente: sobre o primeiro contato do paciente com um serviço de saúde. Apesar do texto
original não dizer isso de forma clara e aberta, ele induz o leitor a pensar dessa forma. Um
simples esclarecimento sobre isso resolveria a situação. Uma simples frase que explicasse
que os profissionais de saúde devem receber seus pacientes e se responsabilizarem por suas
ações, independentemente de haver uma “indicação” médica, seria a solução da discussão.
Em linhas gerais, a intenção parece tornar o médico sempre o profissional de
primeiro contato, depois, ele indica o que deve ser feito, como, por exemplo, fazer o
paciente procurar por outro profissional de saúde. Em primeiro lugar, o médico NÃO TEM
formação mais ampla que os outros. O médico se forma em medicina, o fonoaudiólogo em
fonoaudiologia, o odontólogo em odontologia, e assim por diante. Cada um se forma em uma
área. A medicina é SÓ MEDICINA. A medicina não é odontologia, não é fonoaudiologia, não é
qualquer outra profissão da saúde diferente de medicina. TODO MUNDO SABE que os
problemas de saúde têm causa multifatorial. Uma doença, pode ser resultado de um fator
ambiental. Por que vou esperar uma pessoa desenvolver uma doença se antes posso intervir
no fator ambiental? A saúde é tão complexa que só uma intervenção multiprofissional poderá
realmente surtir os resultados esperados. Assim, QUALQUER PROFISSIONAL DE SAÚDE
PODE SER O DE PRIMEIRO CONTATO. Os leigos (incluindo médicos que dizem não aos vetos)
não têm noção da diferença que fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais fariam
nas escolas públicas e privadas deste país e, como consequência, na qualidade da
Educação.
Além disso, regulamentar "atoS" é uma tremenda falta de inteligência. Quem não se
lembra da pressão negativa para ventilar pacientes (o pulmão de aço)? Hoje, se faz o
contrário (pressão positiva)? Os atos mudam, os procedimentos mudam, tudo evolui.
Regulamentar atos é um ato medíocre, sem razão. O Congresso teria de regulamentar a
ATIVIDADE. É só usar a cabeça: É ATIVIDADE PRIVATIVA DO MÉDICO EXECUTAR MÉTODOS
E TÉCNICAS MÉDICAS COM O OBJETIVO DE AUXILIAR NA MANUTENÇÃO,
DESENVOLVIMENTO E RECUPERAÇÃO DA SAÚDE DO CLIENTE. Os métodos e técnicas
evoluem e a lei dura pra sempre.
Por que não se pára pra pensar? Vamos deixar o MERCADO de lado e vamos cuidar
da vida na Terra? Meu Deus! A LÓGICA DE MERCADO NÃO CABE NA ÁREA DA SAÚDE.
O projeto original era tão ruim, que se contradizia. O próprio "diagnóstico nosológico" não
garante a "primeira consulta" sempre com o médico. Se era isso que queriam, mais uma vez
ficariam querendo. Isso permite interpretação dúbia. A PRESIDENTA DILMA FOI
EXTREMAMENTE SÁBIA, pois o texto era tecnicamente péssimo. Como definir numa lei, algo
que nem tem base na literatura científica? Definir doença numa lei? Isso é um equívoco
tremendo. Como fazer com a definição das doenças crônicas? Há um trecho bem claro de um
artigo científico intitulado "O papel das Classificações da OMS - CID e CIF nas definições de
deficiência e incapacidade", publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia em 2008: Os
termos “queixas médicas, moléstia, enfermidade, doença crônica, distúrbio, limitações
funcionais, deficiência e incapacidade para
3. o trabalho” representam fenômenos complexos e mal definidos. (...) Danos à saúde que
causam deficiência precisam ser avaliados medicamente, mas a certificação clínica de dano,
embora seja necessária, pode não ser suficiente para atestar a incapacidade para o trabalho
ou elegibilidade para benefícios. (...) Ao utilizar habitualmente os códigos da CID-10 para
cobrir exigências legais, os médicos e outros profissionais podem questionar quais são os
limites, dentro de um conjunto de situações muito vasto e heterogêneo.
Portanto, "definir numa lei algo sem definição científica" só pra garantir a hegemonia e a
lógica de mercado na saúde seria, novamente, falta de inteligência.
Que o Congresso acorde e mantenha os vetos no caso de apreciação e que os
princípios éticos e morais prevaleçam.
Os vetos aos principais pontos discutíveis da lei a colocaram nos eixos que garantem
a INTEGRALIDADE dentro das Políticas Públicas do Brasil, sem interferência dos interesses da
elite dentro da Saúde.
Saúde é um direito, não um negócio!