1. O caminho para o abismo médico
O PLS 268, que tem por objetivo regulamentar NOVAMENTE a medicina no Brasil, nada
mais é do que a representação clara do que sempre houve neste país pobre e dependente.
Representa o de sempre: o grupo hegemônico CONTRA os interesses do povo. A medicina já
é regulamentada no Brasil pelo Decreto de 12 de julho de 1991
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D20931.htm), que revigora uma
lei de 1932. Ela é só antiga, mas o que isso importa? A verdade é que algumas entidades
médicas querem regulamentar "atos" porque acham que as outras profissões da saúde
praticam atos que por eles são entendidos como "de exclusividade médica".
Por isso, é bem fácil entender que trata-se apenas de uma competição por honorários.
Atos são traduzidos em PROCEDIMENTOS. Muitas vezes, os profissionais de saúde são
remunerados por procedimentos (ou por atos). Assim, o projeto está longe de ter como
objetivo a segurança do POVO. O objetivo é apenas assegurar que procedimentos sejam
realizados com exclusividade por médicos para que apenas eles recebam os tais honorários.
Por que o projeto não reforça que a assistência de saúde deva ser integral e universal? Por
que o Congresso quer (re)regulamentar só a medicina, já que muitas profissões foram
regulamentadas durante a ditadura? Se o interesse é o povo, se a saúde no Brasil vai mal, se
consideramos que leis protegem o povo, por que não regulamentamos TODAS as profissões
de saúde novamente? Que ditadura é essa??? De novo???
Há outra coisa que os que são à favor do PL deixam de lado e temem em dizer claramente:
sobre o primeiro contato do paciente com um serviço de saúde. Apesar do texto não dizer
isso de forma clara e aberta, a interpretação do presidente do CFM aqui na Folha é mais
clara. Ele diz que, como o médico tem uma formação mais "ampla", ele tem que diagnosticar
a doença e prescrever o tratamento. Em linhas gerais, ele parece dizer que o médico deve
ser sempre o profissional de primeiro contato, depois, ele indica o que deve ser feito, como,
por exemplo, fazer o paciente procurar por outro profissional de saúde. Em primeiro lugar, o
médico NÃO TEM formação mais ampla que os outros. O médico se forma em medicina, o
fonoaudiólogo em fonoaudiologia, o odontólogo em odontologia, e assim por diante. Cada um
se forma em uma área. A medicina é SÓ MEDICINA. A medicina não é odontologia, não é
fonoaudiologia, não é qualquer outra profissão da saúde diferente d e medicina. TODO
MUNDO SABE que os problemas de saúde têm causa multifatorial. Uma doença, pode ser
resultado de um fator ambiental. Por que vou esperar uma pessoa desenvolver uma doença
se antes posso intervir no fator ambiental? A saúde é tão complexa que só uma intervenção
multiprofissional poderá realmente surtir os resultados esperados. Assim, QUALQUER
PROFISSIONAL DE SAÚDE PODE SER O DE PRIMEIRO CONTATO. Os leigos (incluindo
médicos que dizem sim ao PL) não têm noção da diferença que fonoaudiólogos e terapeutas
ocupacionais fariam nas escolas públicas e privadas deste país e, como consequência, na
qualidade da Educação.
Além disso, regulamentar "atoS" é uma tremenda falta de inteligência. Quem não se lembra
da pressão negativa para ventilar pacientes (o pulmão de aço)? Hoje, se faz o contrário
(pressão positiva)? Os atos mudam, os procedimentos mudam, tudo evolui. Regulamentar
atos é um ato medíocre, sem razão. O Congresso TEM de regulamentar a ATIVIDADE. É só
usar a cabeça: É ATIVIDADE PRIVATIVA DO MÉDICO EXECUTAR MÉTODOS E TÉCNICAS
MÉDICAS COM O OBJETIVO DE AUXILIAR NA MANUTENÇÃO, DESENVOLVIMENTO E
RECUPERAÇÃO DA SAÚDE DO CLIENTE. Os métodos e técnicas evoluem e a lei dura pra
sempre.
Por que não se pára pra pensar? Vamos deixar o MERCADO de lado e vamos cuidar da vida
na Terra? Meu Deus! A LÓGICA DE MERCADO NÃO CABE NA ÁREA DA SAÚDE.
O PL é tão ruim, que se contradiz. O próprio "diagnóstico nosológico" não garante a "primeira
consulta" sempre com o médico. Se é isso que querem, mais uma vez vão apenas ficar
querendo. Nada vai mudar. Às vezes é amplo, às vezes é detalhado. Ele é tecnicamente
péssimo. Como definir numa lei, algo que nem tem base na literatura científica? Definir
doença numa lei? Isso é um equívoco tremendo. Como fazer com a definição das doenças
crônicas? Há um trecho bem claro de um artigo científico intitulado "O papel das
Classificações da OMS - CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade", publicado na
Revista Brasileira de Epidemiologia em 2008: Os termos “queixas médicas, moléstia,
enfermidade, doença crônica, distúrbio, limitações funcionais, deficiência e incapacidade para
2. o trabalho” representam fenômenos complexos e mal definidos. (...) Danos à saúde que
causam deficiência precisam ser avaliados medi camente, mas a certificação clínica de dano,
embora seja necessária, pode não ser suficiente para atestar a incapacidade para o trabalho
ou elegibilidade para benefícios. (...) Ao utilizar habitualmente os códigos da CID-10 para
cobrir exigências legais, os médicos e outros profissionaispodem questionar quais são os
limites, dentro de um conjunto de situações muito vasto e heterogêneo.
Portanto, "definir numa lei algo sem definição científica" só pra garantir a hegemonia e a
lógica de mercado na saúde é, novamente, falta de inteligência.
Que o Congresso acorde e que os princípios éticos e morais prevaleçam. O único caminho
elegível pra esse projeto é o arquivamento. Em caso de aprovação, vai ser mais uma lei sem
rumo, sem fundamento, com múltiplas interpretações. O resultado será uma guerra na área
da saúde, que sairá do Congresso e entrará nos serviços de saúde. No final, como a lei é
fraca, não vai atingir o que os que dizem "sim" querem que ela atinja.
Será o abismo. Aliás, será tão triste, que os que dizem "sim" hoje vão ficar depressivos! O
ambiente será tão ruim que causará neles o aumento da pressão arterial (VIDE artigo
chamado "Indivíduos enfermos e populações enfermas" publicado em Espanhol na década de
80). O aumento da pressão poderá ser tão grande que causará sequelas vasculares e
neurológicas. Aí, só uma equipe grande, composta por psicólogos, não-psicólogos,
nutricionistas, não-nutricionistas, fisioterapeutas, não-fisioterapeutas, enfermeiros, não-
enfermeiros, entre outros e não-outros, poderá AJUDAR!
Aguardando!
Prof. Dr. Eduardo Santana de Araujo
Mestre e Doutor em Saúde Pública
Fisioterapeuta, Crefito 3/35162-F