Reportagem apresenta impactos das obras da Copa do Mundo no Brasil, destacando as cerca de 200 mil famílias que foram expulsas de suas casas, dentre as quais a de um funcionário da obra do estádio de Itaquera, em São Paulo.
1. 8
DOMINGO, 8 DE ABRIL DE 2012 -
brasil
Obras com a justificativa de
preparar as cidades para o
Mundial de 2014 devem
expulsar ao menos 170 mil
moradores de suas casas
Copa
do despejo
ritmo acelerado: Fundações e parte da estrutura
de um lance de arquibancada do Itaquerão
Fernando Poffo
fernando.poffo@folhauniversal.com.br
M
fotos: demetrio koch
orador de Itaquera desde que nasceu, há 27 anos, o
corintiano Marcelo Roberto Salvador tinha todos
os motivos para sorrir com o
anúncio da Copa do Mundo no
Brasil: a construção de um estádio para a competição e para o
seu clube de coração ao lado de
casa – e no qual passou a trabalhar após três meses de desemprego. Mas a expectativa de um
futuro promissor, com a região
cada vez mais desenvolvida,
passou a ser obscura. Salvador
teme ser obrigado a deixar
Sem teto?: Marcelo Salvador trabalha na construção do estádio do Corinthians em Itaquera, na zona leste de São Paulo,
programado para receber o jogo de abertura da Copa, mas ele pode perder a casa onde mora há 27 anos nos arredores da obra
2. brasil
9
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- DOMINGO, 8 DE ABRIL DE 2012
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dessas áreas, pois
va Orlando Alves “Mas isso porque no Distrito cidade em razão da Copa (leia
o setor imobiliário
dos Santos Júnior, Federal o conceito de cidade de mais na página 10).
A Folha Universal apubrasileiro não trabaprofessor da UFRJ exclusão vem de um processo
lha com margem de
e relator do Direito à histórico. O DF tem a maior rou nas 12 cidades-sede da
Cidade – Plataforma
Dhesca
(Plataforma
Brasileira de Direitos Humanos
Eu me sinto um otário. Festejei quando o
Teve morador que aceitou indenização de
Econômicos, Sociais, Culturais
e Ambientais). “O que impresBrasil foi escolhido como sede da Olimpíada.
R$ 15 mil, o que não permitiu o reassentamento
siona é a violência no procediFiquei buzinando igual um bobão. Mas não
no mesmo bairro. E família que perdeu o
mento, que não respeita nem o
pode passar uma avenida por cima do pobre
comércio e não recebeu pelo lucro perdido
direito do cidadão de participar
do que vai acontecer com a sua
Michel Souza dos Santos, comerciante da Restinga (RJ):
Joviano Mayer, advogado das Brigadas
cidade”, espanta-se o professor.
ele perdeu imóvel e até hoje não recebeu indenização
Populares de Belo Horizonte (MG)
O comportamento no estilo
sua casa e já nem
consegue aproveitar bem o dinheiro que recebe
por trabalhar na
Arena Itaquera.
“Eu preciso
reformar a minha
casa, mas não dá
para gastar nada lá
agora, porque a gente não tem certeza do que vai
acontecer. Como vou gastar se
não sei se vou ficar lá?”, questiona Salvador, com medo dos
rumores de uma possível remoção da comunidade do Goiti,
que fica a 10 minutos do estádio
da abertura da Copa. “Agora
que tem tudo no bairro vão me
mandar para onde?”, pergunta
o ajudante de produção, que
nem sabe se terá mesmo de sair
de casa devido às obras de mobilidade urbana que se ancoram
no Mundial de 2014.
A apreensão de Salvador se
justifica. Outras comunidades
da região sofreram remoções
depois de conviver com “boa-
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a entrega de sacos de dinheiro
a moradores na calada da noite foram relatadas ao Comitê
Popular. Outro expediente registrado no Rio e em São Paulo
é a derrubada ligeira de casas
após negociações obscuras, com
ações que comprometem imóveis vizinhos ou simplesmente
os deixam em meio a escombros, longe de uma condição
digna de se viver.
Apesar dos vários casos já
registrados e da expectativa
MARCADAS PARA sumir: Casas numeradas para orientar
o trator na Vila Recreio II, no Rio, por causa da obra da Transoeste
PROTESTO: Faixa no Largo do Campinho, atingido pela obra que vai
ligar o aeroporto internacional Tom Jobim à Barra da Tijuca
Querem passar por cima dos nossos direitos
e nos mandar para 20 km daqui. Mostramos
áreas próximas ociosas e só sairemos
trocando chave por chave. Está decidido
josé Araújo, de 71 anos, aposentado, ameaçado de remoção em
Santa Tereza, Porto Alegre (RS)
conservadora feita pela Articulação Nacional dos Comitês
Populares da Copa e das Olimpíadas, que prevê a remoção
de 170 mil moradores em todo
o Brasil, os afetados têm como
fazer valer o direito à moradia
adequada, que protege o cidadão de remoções forçadas e
garante, entre outras coisas, a
permanência no bairro, moradia com acesso a serviços
e infraestrutura. Depois de
o poder público esclarecer a
real necessidade de remoção
com a comunidade, os moradores podem exigir uma casa
na região, em condições iguais
ou melhores. “Essa casa não
é uma dádiva do poder públi-
co, é um direito do cidadão”,
alerta Santos Júnior. Para isso,
os moradores precisam se unir
e não negociar nada individualmente. Existem exemplos
de sucesso, como no Metrô
Mangueira, onde a comunidade conseguiu se mudar para
a região, ou os moradores da
Vila Autódromo, também no
Rio, que resistem e podem até
seguir em suas casas. Portanto,
se unir a entidades de defesa
dos bairros, procurar comitês
populares, defensoria pública
e se articular com vizinhos são
atitudes para evitar um cartão
vermelho arbitrário e ser obrigado a sair da casa em que vive
há anos por causa da Copa.
Situação nas demais cidades-sede
Belo Horizonte
Obras vão afetar 500 imóveis. Já
houve remoção das 70 famílias da
Vila Recanto e de moradores das
Torres Gêmeas, que receberam
auxílio-aluguel de R$ 400. Há preocupação com mil famílias da Dandara, área vizinha ao Mineirão.
Manaus
Por onde passará o monotrilho
BRT (transporte coletivo), 900
casas foram marcadas. Haverá
mais remoção se o monotrilho
sair mesmo do papel.
Cuiabá
Expectativa de 5 mil atingidos. A
maior preocupação é com o VLT
(transporte coletivo), segundo Inácio Werner, do Fórum de Direitos
Humanos e da Terra. “O representante da Secopa disse que só
vai indenizar propriedade em solo
ocupado de forma regular”, diz.
Fortaleza
Há cerca de 10 mil famílias sob
o risco de remoção. O maior
problema é o VLT (transporte),
que afeta 11 bairros.
Brasília
Sem problema de moradia, mas a
empresa que gere as terras públicas
repassa verba às obras do estádio e
deixa de investir em casas populares.
A Universidade de Brasília resolveu
reformar moradias estudantis.
Salvador
“Teremos 500 remoções no centro
histórico”, diz Célio Maranhão,
do Comitê Salvador, preocupado
com outras obras, como a via que
cruzará o Bairro da Paz, onde vivem 100 mil pessoas.
Recife
Para as obras do Terminal Cosme e Damião, 200 casas devem ser
demolidas. Há dúvidas em outras
obras, como no binário de São
Lourenço da Mata: “Inexiste o diálogo. Pelo traçado serão ao menos
600 famílias atingidas”, diz Evanildo da Silva, do Comitê Popular.
Natal
Serão demolidas 269 casas e 119
lojas. Ainda há 11 projetos de mobilidade que podem afetar outras
700 propriedades.