Pessoas com restrições físicas ou mentais vêm ganhando espaço no mercado de trabalho. Apesar disso, mais empresas precisam entender que deficiência não é sinônimo de incapacidade
1. 16
b rasil
DOMINGO, 22 DE janeiro 2012 -
Inclusão dá
trabalho
Fernando Poffo
fernando.poffo@folhauniversal.com.br
arquivo pessoal
H
á mais de 20 anos,
a chamada Lei de
Cotas obriga as
empresas com mais
de 100 funcionários a contratar
pessoas com deficiência (PCD).
Mas em muitos casos a desculpa
da suposta falta de qualificação
ainda prevalece para justificar
o não cumprimento da lei. Um
exemplo é o deficiente visual
e cadeirante Robinson Wanderley. Formado em comércio
exterior e cursando MBA em
administração e negócios internacionais, ele jamais teve a carteira de trabalho assinada.
“Busco qualificação para o
mercado, mas nunca tive emprego com carteira assinada, esse é
meu sonho. Estou extremamente vivo e só no começo de uma
vida profissional. É inaceitável
um cidadão viver sem acesso ao
emprego”, pontua. Pai de dois
filhos, Robinson afirma que toparia até atuar fora de sua área,
desde que tivesse competên-
o brasil não trata
a deficiência como
uma dificuldade
a ser transposta
com pequenas
adaptações
simples: A empresa em que trabalha o analista Alessandro Fernandes
construiu um banheiro adaptado para ele
Pessoas com restrições físicas ou mentais vêm ganhando espaço
no mercado de trabalho. Apesar disso, mais empresas precisam
entender que deficiência não é sinônimo de incapacidade
cia e contribuísse com a empresa, pois não quer caridade.
Ele entende as dificuldades de
acessibilidade e acha que o ideal
seria trabalhar em casa. A mobilidade é realmente um empecilho para os cadeirantes, que
perdem empregos em razão da
falta de vontade das empresas
em se adaptar ou pelo serviço
público de transporte não atender às suas necessidades.
O cadeirante Alessandro
Ribeiro Fernandes, de Belo
Horizonte, chegou a ser aprovado em um processo seletivo,
mas, em razão de uma escada,
não foi contratado. Mas ele não
desistiu e conseguiu um emprego formal ao passar em um
concurso para analista de gestão empresarial em 2010. “Eu
entrei na vaga aberta a todos,
e não para deficiente”, conta
Fernandes, que viu a empresa
Gasmig agir diferente da
2. - DOMINGO, 22 DE janeiro 2012
brasil
17
"Estou na empresa há pouco
mais de um ano e já fui
promovido. Quero usar as
oportunidades para crescer
aqui dentro"
William Roberto da Silva, de 29 anos,
Assistente administrativo
que participou do pacto com o
Ministério do Trabalho.
Entre os vários exemplos na
S.A. Paulista, está o de Willian
Roberto da Silva, de 29 anos,
que começou como apontador
de almoxarifado e foi promovido a assistente administrativo.
A contratação lhe devolveu a
autoestima perdida em um acidente que lhe custou um braço. No mesmo cargo, Nelma
Gomes Martins, de 23 anos,
considera que a Lei de Cotas
não foi fundamental para sua
contratação. “Trabalho com a
mão direita muito mais rapidamente do que pessoas que têm
as duas mãos.”
eficiente: Willian perdeu um braço num acidente e
hoje controla os gastos da empresa em que trabalha
Milhões de pessoas
têm deficiência
e mobilidade
reduzida no brasil
empresa anterior e, apesar de
ter de esperar uma semana para
começar, conseguiu que um banheiro adaptado fosse construído para ele.
“A cultura brasileira não
trata a deficiência como uma
dificuldade que pode ser transposta com pequenas adaptações. As poucas empresas que se
dispõem a contratar optam por
pessoas com deficiências não
aparentes, mas infelizmente não
investem em capacitação e contratam pela imposição da lei”,
lamenta o também cadeirante
Joaquim Santos, analista de sistemas do HSBC.
Mas a situação vem melhorando. Em 2001, por exemplo,
havia 601 pessoas com deficiência contratadas, e esse número
fotos: acervo s.a. paulista
27
já passava de 100 mil, dez anos
depois, em São Paulo, Estado
em que há um exemplo enaltecido pelo auditor fiscal da
Superintendência do Trabalho
e Emprego, José Carlos do Carmo, sobre a inclusão de PCDs
na construção pesada, no qual,
ao invés da autuação, ele abriu
a negociação para as empresas
cumprirem
gradativamente
até chegar ao exigido pela lei.
“Mudou a visão dos profissionais da empresa e aumentou a
satisfação das pessoas. As equipes com PCDs são mais produtivas e não registram acidentes”,
diz Sérgio Melo, coordenador
administrador de obras e qualidade da S.A. Paulista, empresa
"Já ouvi colegas
comentarem que fui
promovida devido
à minha deficiência.
Mas sei que mereci"
Nelma Martins, de 23 anos,
Assistente administrativa
agilidade: A falta do antebraço esquerdo não impede que Nelma
acione os comandos do teclado e digite com rapidez