O documento discute a representação do cangaço na arte brasileira, especificamente os desenhos de Carlos Soares que recriam o cangaço de forma mítica substituindo a verdade histórica pela verdade artística.
3. O tema do cangaço sempre fas-
cinou o artista brasileiro, principalmente
depois do movimento modernista de 22,
do qual, os nossos pintores adquiriram
maior sentimento de brasilidade. Desse
primeiro impulso verde-amarelo, desa
declarada paixão regionalista de can-
tar e exaltar as nossas tradições mais
legítimas, tivemos bons e maus momen-
tos de arte propriamente dita. Cada um
procurando descobrir por seus próprios
meios de expressão a alma obscura do
crime no atavismo hereditário, na razão
sócio-econômica, na perplexidade da
compulsão extintiva. E foram muitos os
aspectos desse registro da passagem de
Lampião e seu bando no Nordeste bra-
sileiro, em pintura, desenhos, gravuras,
cordel e até na literatura. Assim o canga-
ço se constituiu numa permanente moti-
vação na arte e na literatura dessa nossa
última década.
O artista plástico Carlos Soares,
conhecedor das estórias sobre Lampião,
escolheu todavia outra linguagem (que
nos parece inusitada), para o seu belo
álbum de desenhos sobre fabulário do
cangaço. E nos apresenta uma proposta
na qual a verdade da vida é substituída
pela verdade da arte; o mito do canga-
ço é mais importante que o registro da
história. Não importa a Carlos Soares o
fato social, a fidelidade contextual. Re-
cria a partir do ter existido cangaço no
Nordeste brasileiro, mas recria em termos
de arte, usando o suporte da sua verda-
de interior; da sua fabulação de artista,
como se o tema migrasse de razões mui-
to mais subjetivas. Isto nos parece mate-
rial suficiente para um trabalho de cons-
ciência profissional e definitivo.
Se a verdade e a mentira, o ato e
motivo, o crime e a repressão, se perdem
em controvertidas interpretações, emer-
ge da arte de Carlos Soares sua verdade
mítica, sua recriação artística, enriqueci-
da pela sua técnica primorosa, pelo seu
artesanato no tratamento do ponto e da
linha, cobrindo os espaços reais de sua
arte.
Figuras heráldicas, belas, inquie-
tadoras, desse universo irreal do artista;
onde se convergem as vertentes do con-
to e da lenda, do ter sido e do que não
foi, para formar o desenho e a tragetória
da sua sensibilidade.
Carlos Soares
A criação mítica
Dorian Gray Caldas
na arte de