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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
   DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA
       PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA




          LUCIANA FERREIRA NASCIMENTO




         “FLOR DO LÁCIO: O LATIM.
   O QUE QUER, O QUE PODE ESTA LÍNGUA?”




                   Conceição do Coité
                         2012
LUCIANA FERREIRA NASCIMENTO




      “FLOR DO LÁCIO: O LATIM.
O QUE QUER, O QUE PODE ESTA LÍNGUA?”




            Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
            de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e
            Literaturas - Licenciatura, da Universidade do Estado da
            Bahia (UNEB – campus XIV) para obtenção do título de
            Licenciada.

            Orientador: Prof. José Luís Costa Bulcão




            Conceição do Coité
                   2012
[...] o espírito de romanidade, transmitido pelos nossos
antepassados, não deixará de ser mantido e propagado,
enquanto estivermos em contacto, através da língua
latina, com a fonte criadora e propulsora dessa energia
vivificante.
                     (Vandick L. da Nóbrega, 1962, p. 16)
Dedico este trabalho à sociedade em geral, a qual sei que faz parte
dele pois, ao tratar de língua e cultura latina, estamos voltando o nosso
olhar para aqueles que nos antecederam e que construíram para nós as
bases para a vida social. Em especial, dedico esta pesquisa à
comunidade acadêmica, para que, se desejarem, possam dela usufruir
e aprofundar seus conhecimentos acerca do latim e sua incontestável
importância para a compreensão de nós mesmos enquanto seres
participantes de uma sociedade; e ao meu mestre e professor de Latim,
Luís Bulcão, como forma de agradecer e mostrar que sua dedicação e
amor a essa língua transmite a sensação e o desejo de amá-la com
semelhante intensidade.
AGRADECIMENTOS



Agradecer é sempre a melhor maneira de, sem muitas palavras, lembrar de todos aqueles que,
direta ou indiretamente, contribuíram para você ser o que é.

Agradeço, sem dúvida e sempre em primeiro lugar, ao meu grande e divino amigo Deus, pela
graça de viver e poder realizar os meus sonhos; por ter escolhido para mim uma família tão
humilde e feliz;

A meus pais, pelo amor, pela paciência e apoio incondicionais, estando sempre ao meu lado e
me impulsionando a seguir em frente;

Aos meus irmãos, Cassiano e Tanísia, os quais amo e sempre me deram palavras de apoio e
carinho;

A Robson, pela parceria, cumplicidade, pelo apoio aos meus estudos e por acreditar nos meus
objetivos, dando-me atenção e amor;

À UNEB, pela oportunidade de ingressar em um mundo onde pude conhecer melhor as
pessoas, a vida em sociedade e a mim mesma. Aos funcionários, bibliotecários, professores e
alunos, pelo respeito, consideração e auxílio;

Aos meus professores, todos os que passaram pela sala de aula: pelo carinho, pelos momentos
de aprendizagem e entretenimento, pelas viagens e encontros, pelos conselhos e pela
dedicação em transmitir seus conhecimentos;

Em especial, ao meu professor de Língua, Literatura e Cultura Latinas, Luís Bulcão, por ter
aceito a minha proposta de pesquisa e me orientado, sendo transparente e mostrando-me os
erros e acertos; pelo seu amor ao latim, que é claramente perceptível e, por isso, instigou- me
a também amar essa língua; e por sua amizade, a qual sei que permanecerá fora dos muros
desta Universidade;

À turma de Letras Vernáculas 2008.1, sem distinção, incluindo aqueles que, por um motivo
ou outro, desistiram do curso. A todos os meus colegas e parceiros, por todos os momentos
que passamos juntos, bons e ruins, como uma grande família;

Às minhas amigas Ana Elma, Daiane, Grasiele, Maeli, Vigna e Cíntia, pelo coleguismo, pela
parceria e cumplicidade, pelos momentos de distração e diversão, pelo carinho e pela sincera
amizade.

A todos, muito obrigada! Amo vocês!
RESUMO


Este trabalho sobre língua e cultura latinas trata de um estudo suscinto e aprofundado sobre a
importância do Latim, enfocando o legado construído e perpetuado pelo Império Romano por
seu intermédio, especialmente sob os pontos de vista linguístico e literário, os quais mostram
que a herança deixada pelos romanos foram de extrema relevância para fundamentar a
sociedade contemporânea. O objetivo desta monografia é fazer-se (re)conhecer o legado
cultural erigido por essa antiga civilização, o qual manteve-se vivo graças a um idioma que
sobreviveu ao tempo e que, eternizado nas chamadas línguas românicas, a exemplo do
português, propicia um estudo conciso de si próprio, facilitando a compreensão das regras e
valores que permeiam a sociedade atual. O estudo recorre à origem de Roma, desde o Lácio
até a formação e queda do Império. De cunho bibliográfico, os teóricos mais utilizados para a
realização deste trabalho foram: Cunha (1982), Napoleão Mendes de Almeida (1992), Zélia
Cardoso (1999) e (2003), Maurer Jr (1962), apud Rossi (2001) e Oswaldo Furlan (2006).

Palavras-chave: Legado romano. Língua. Literatura.
ABSTRACT


This work about Latin language and culture is a succinct and thorough study about the
importance of Latin, focusing on the legacy built and perpetuated by the Roman Empire
through them, especially in the views of language and literature, which show that the
inheritance the Romans were extremely important to support the contemporary society. The
purpose of this monograph is to be (re) learn the cultural legacy built by this ancient
civilization, which remained alive thanks to a language that survived the time and that,
immortalized in so-called Romance languages, like Portuguese, provides a brief study of
itself, facilitating the understanding of the rules and values that permeate today's society. The
study refers to the origin of Rome, from Lazio to the formation and fall of the Empire. Of
bibliographical, theorists commonly used for this study were: Cunha (1982), Napoleon
Mendes de Almeida (1992), Zelia Cardoso (1999) and (2003), Maurer Jr (1962), cited in
Rossi (2001) and Oswaldo Furlan (2006).

Key words: Roman Heritage. Language. Literature.
SUMÁRIO



INTRODUÇÃO                   .................................................................................................. 09




CAPÍTULO 1                   O LATIM E O SEU LEGADO CULTURAL ....................                                             11


1.1                          Do Lácio a Roma ................................................................... 12
1.2                          A língua na formação de um povo ....................................... 16
1.3                          A herança deixada para a humanidade ..............................                               18




CAPÍTULO 2                   A LÍNGUA LATINA ............................................................                     23


2.1                          Os aspectos vulgar e clássico da língua ...............................                          24
2.2                          As línguas românicas ............................................................                27
2.3                          Uma fonte de conhecimento do Português .......................... 29




CAPÍTULO 3                   A LITERATURA LATINA .................................................                            33


3.1                          Um breve histórico ................................................................ 34
3.2                          A poesia latina .......................................................................          36
3.3                          A prosa literária ....................................................................           41




CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................                       45
REFERÊNCIAS
9




                                       INTRODUÇÃO




        Entre os mais distintos e sofisticados meios de comunicação, a língua é, sem dúvida
nenhuma, o mais importante e valioso sistema comunicativo de uma civilização. Desde que o
homem sabiamente criou a escrita e as diversas formas de comunicar-se, a língua tornou-se a
mais relevante delas por carregar consigo não somente aspectos semânticos e pragmáticos,
mas também a história (e a memória) de um povo. Assim, como qualquer outra língua, com o
latim não foi diferente. Estabelecido como língua oficial do Império Romano, passou a ser
vigente inclusive nas áreas conquistadas e, propagado pelos diversos territórios, era usado
cada vez mais como língua de comunicação entre os romanos e os povos das províncias,
tornando-se uma língua universalizante, que unia as civilizações. Surgiram, então, variedades
no latim falado, ou seja, dialetos que, em parte, diferenciavam-no do latim literário, o erudito.
O uso daquele latim foi então disseminado por todo o império e também por outros povos, o
que permitiu o surgimento das línguas românicas, como é o caso do português.
        Entretanto, o objetivo deste trabalho não se reduz ao estudo do latim enquanto língua
clássica e/ou vulgar, mas ao legado linguístico, literário e, sobretudo, cultural que foi deixado
pelo povo romano para o mundo ocidental. Cabe aqui um estudo linear e suscinto de como o
latim deixou de ser a língua de um povo para fazer parte da vida de toda uma civilização, seja
nos aspectos linguísticos ou culturais. Para tanto, compõe-se de pesquisas bibliográficas e
suportes teóricos de autores tradicionais e contemporâneos que se debruçam sobre a história
do latim.
       Estudar a herança latina significa, pois, resgatar a história que antecedeu a nossa e
valorizar os resquícios desta antiga civilização, que proporcionou ao mundo atual técnicas e
conhecimentos para se viver em sociedade. Sendo assim, cada capítulo deste trabalho
abordará aspectos que demonstram e comprovam a concretude deste legado que deve ser cada
vez mais reconhecido e valorizado. Portanto, far-se-á conseguinte uma sintética exposição do
que dispõe cada seção e os estudos feitos acerca da importância do latim.
       O primeiro capítulo destina-se a uma análise, do ponto de vista histórico, de como a
língua latina propiciou uma herança cultural para as civilizações posteriores, bem como sua
10



relevância. Para tanto, é relatada a história e a origem do povo latino, a evolução do latim ao
longo da consolidação do império e seu uso pelo povo romano e pelos conquistados,
demonstrando sua forte presença na formação do caráter daquela nação. Ressalta-se que neste
capítulo são tratados muitos aspectos desse legado, mas para o estudo aqui realizado o que
interessa são as heranças linguística e literária. O capítulo 2 refere-se ao legado linguístico e a
tudo que estiver ligado a este aspecto, como a etimologia, a lexicologia, a morfologia etc.
Neste item, é mostrado inclusive como o estudo desta língua proporciona um aporte seguro
para a aprendizagem do português (o que não significa, porém, que se deva tomá-lo somente
como base para isso).
       Considerando-se o latim como arte de ler e escrever bem, o terceiro e último capítulo
trata da literatura latina, abordando suscintamente a história da criação da poesia e prosa
latinas (fases, épocas e obras mais relevantes). Trata também dos literatos que contavam,
cantavam e encantavam com suas belas criações literárias. Pretende-se, pois, com este
capítulo, mostrar que a vida em Roma também era contada principalmente pela arte da escrita,
através das obras literárias, e como estas serviram, e ainda servem, de inspiração para
escritores de épocas distintas.
       Para os antigos romanos, legatus,i era um embaixador, um emissário, um comissário
encarregado de regular os negócios de um povo vencido assistido por mais nove romanos. Já
para o mundo contemporâneo, como um bem que alguém deixa a outrem por meio de
testamento, um legado é uma riqueza; quando cultural, uma fortuna de valor inestimável.
Assim, estudar o surgimento dos povos latinos sob os pontos de vista linguístico e literário é
um retorno à origem daqueles que contribuíram para a gênese de nossa sociedade. Portanto,
pode-se dizer que o latim é um dos mais importantes legados culturais deixado pelo Império
Romano, que ainda se faz presente na sociedade contemporânea.
11




         CAPÍTULO 1: A LÍNGUA LATINA E O SEU LEGADO CULTURAL




       A língua latina foi, por muito tempo, o mais influente e importante sistema linguístico
das antigas civilizações, não só por ser parte significativa da consolidação do grande Império
Romano, mas porque através dela o seu mundo se fez conhecido. É possível ratificar essa
afirmativa uma vez que, historicamente, a luta pela extensão territorial de Roma, e mais tarde
as conquistas desta civilização, permitiu a unificação entre vários povos, tanto pela língua,
fonte de comunicação entre todos, como por meio da integração de culturas e costumes. Cada
povo dava um pouco e recebia do outro, numa espécie de “troca” que tornou possível a
globalização – prodígio romano, outrora chamada romanização – entre as etnias e, assim,
mudou a história da sociedade ocidental como um todo.
       Aprender latim significa, portanto, resgatar uma língua que fundamentou a nossa
civilização e transmitiu através de si a história de seu povo: costumes, pensamentos,
tecnologias, concepções de vida em sociedade, lazer, consumo diário, ofícios e ocupações,
estruturas familiares, política, conquistas, enfim, tudo o que diz respeito ao modo de viver de
um povo e que só foi possível o conhecimento porque essa língua sobreviveu ao tempo e à
queda do Império Romano que, mesmo deposto como supremo e poderoso, não deixou sua
história “jogada ao vento”, transmitindo-a a todos por meio do idioma. Isso é legado, é
herança passada de geração em geração.
       A própria definição de legado vem inclusive do latim legatus,i que etmologicamente
vem de legare (delegar, transmitir a alguém, enviar com uma missão), de acordo com Cunha
(1982), e denomina um “valor previamente determinado que alguém deixa por testamento”.
Na definição atual, legado é sim um valor deixado, mas um bem cultural, social e existencial.
Assim, dizer que o latim é um legado romano significa afirmar que essa língua tem não
somente uma função sistemática de comunicação, mas sobretudo de conhecimento,
transmissão de valores culturais e sociais.
        O estudo sociolinguístico é um trabalho interdisciplinar que possibilita o
conhecimento da estrutura social de um povo por intermédio da análise de sua língua. É uma
das grandes ferramentas do saber que a ciência moderna possui, dando uma grande
oportunidade não só de resgatar e exclarecer fatos históricos, como também de descobrir e
12



contá-los sobre outra ótica. Logo, como compreender o mundo contemporâneo, em toda sua
complexidade, sem conceber nossas raízes latinas? Como entender o mundo medieval e a
história do cristianismo sem uma incursão pelo latim? Para a História, Filosofia, Direito,
Filologia etc, os grandes tratados da antiguidade foram escritos em latim, sem os quais é
impossível um trabalho de pesquisa mais sério.
       Outrossim, encontra-se a presença da língua latina na atualidade em outros campos
científicos, mesmo em áreas que não foram trabalhadas ou mesmo conhecidas pelos antigos
romanos, como o caso de determinados ramos da Biologia. Toda nomenclatura da Zoologia e
da Botânica está em latim; na classificação periódica dos elementos da Química, esses são
abreviados levando em consideração a terminologia em latim; na Medicina, utiliza-se desta
língua clássica para, em anatomia, nomear ossos, sistemas, órgãos, músculos etc. Áreas
humanas e exatas “beberam e bebem” desta fonte.
       Entretanto, para se compreender melhor o estudo aqui realizado sobre o latim e seu
legado, dando destaque ao linguístico e literário, acredita-se que é pertinente algumas
considerações prévias acerca dessa língua, tais como sua origem, ascensão e declínio, pois o
que se quer neste trabalho é fazer-se (re)conhecer a grande contribuição dada por ela ao
mundo atual. As fontes bibliográficas para este estudo foram principalmente proporcionadas
pelo módulo do professor Luís Bulcão, mas também de autores que tratam da língua e cultura
latinas. Com tais referências, pretende-se, pois, mostrar que em nossa sociedade e na maioria
das civilizações contemporâneas ocidentais, de uma forma ou de outra, a presença do latim é
visível, não aos olhos, mas ao olhar crítico de quem conhece (ou se permite conhecer) a
herança deixada por essa língua.




1.1 Do Lácio a Roma




       Localizada às margens do rio Tibre, em região que facilitava a comunicação entre a
Etrúria e a Magna Grécia, principais áreas da Península Itálica, entre os séculos VIII e VI a.
C., o Lácio tem relevantes motivos para ser preservado pela história. Território de solo rico,
onde os latinos – pastores e agricultores – levavam uma vida simples, situava-se na parte
central da Itália, entre o mar Tyrreno (hoje Mediterrâneo), à margem esquerda do Tibre, os
Apenninos e os montes Albanos. Esta região é o berço de três importantes marcos da
humanidade: o latim, o Império Romano e indiretamente, o Cristianismo.
13



       Como ponto estratégico por sua localização e por seu solo rico, os latinos sofriam
invasões e saques diversos. Em uma tentativa inicial de mera proteção, acabam se tornando
grandes guerreiros que erguem a cidade de Roma. A fundação de Roma é cercada de
mistérios e belezas, pois tanto pode ser contada pela Mitologia, com os irmãos gêmeos
Rômulo e Remo, como pela Literatura – através da chegada de Eneias, descendente troiano
que vai para o Lácio – ou mesmo pela História, com a unificação das tribos que viviam na
península tendo como líderes os etruscos.
       Há 2500 anos o latim era apenas uma das línguas faladas na região central da
Península Itálica. Língua usada pelos latinos, convivia na situação limítrofe com outros
idiomas locais: osco, volsco, samnita, umbro, etrusco, falisco etc. As inscrições em latim mais
antigas que se conhecem datam do século VI a.C. e foram feitas em várias versões do alfabeto
grego, o qual havia sido levado para a Itália por colonos gregos. Este alfabeto, com
adaptações ao romano, é o que se utiliza hoje. A princípio, nota-se a influência da língua
latina para a disseminação da cultura romana, a qual só foi possível graças ao triunfo de um
idioma que por séculos foi sinônimo de supremacia, poder e erudição.
        Fundada, inicialmente Roma se torna uma Monarquia, a qual teve o comando da
dinastia etrusca: Tarquínio, o Antigo, Sérvio Túlio e Tarquínio, o Soberbo. Fim do regime, a
cidade dos irmãos amamentados por uma loba passa a uma República. Neste novo regime
político, os romanos conquistam os povos vizinhos, fazendo com que Roma adquirisse
hegemonia sobre os habitantes da península e o latim, em 272 a. C, se tornasse língua oficial.
O maior nome republicano é Júlio César. Após ser assassinado, Roma se torna um Império, e
o nome César, sinônimo de imperador. Enquanto Império, os romanos conhecem vários
imperadores, mas dois nomes se destacam pela importância com a cultura: Augusto e
Adriano. É nesta fase que Roma conquista o mundo, ampliando seus horizontes e levando sua
cultura para os quatro cantos conhecidos da Terra. O latim torna-se, então, o grande
mensageiro romano.
        Roma, durante algum tempo, após a morte de Júlio César, foi marcada por guerras
civis, pelo sentimento de impotência do povo em reverter a situação e trazer de volta os anos
de glória do império. Sobre o comando de Augusto, os literatos da época responsabilizaram-
se, então, por esta missão. Como o poeta Virgílio, sensível às reações populares diante dos
acontecimentos, tentavam, através de suas obras, trazer à memória recordações de um tempo
próspero, onde o campo era um ambiente de paz e o trabalho gerava o progresso. A história de
Roma, desde a sua fundação, era recontada em poemas para que fosse percebida a grandeza
da nação e a indiscutível contribuição de seu povo para tal.
14



         Ao longo do tempo, o Império Romano estendeu-se por grande parte da Europa, norte
da África e Oriente Médio. O latim era usado em todo império como língua oficial da lei, da
administração e, cada vez mais, como a língua do dia-a-dia. A literatura era comum entre os
cidadãos romanos e as obras de grandes autores latinos eram lidas por muitos. Neste meio
tempo, no leste do Mediterrâneo, o grego continuava sendo língua franca e os romanos cultos
falavam tanto o latim quanto o grego. Os exemplos mais antigos de literatura latina são as
traduções das peças gregas e o manual de agricultura de Cato, os quais datam de 150 a.C. A
linguagem usada na literatura latina ancestral, o latim clássico, era algo diferente do latim
falado, conhecido como latim vulgar.
         O declínio do latim como língua oficial e dominante corresponde ao enfraquecimento
do Império Romano, o que, mais uma vez, ratifica a indissociável relação entre linguagem e
história. A unidade linguística ia sendo desfeita, assim como a unidade social definhava
devido ao momento pelo qual Roma passava. Todavia as marcas romanas já estavam tão
impregnadas na humanidade que, mesmo perdendo o poder político e lingüístico, Roma irá
legar a base de culturas vindouras. O Cristianismo, assim, passa a ser o grande responsável
por tal feito.
         O quadro a seguir mostra, sinteticamente, a origem, ascensão e o declínio do Império
Romano e, consequentemente, da língua latina1:


    Período           Roma                                Língua
    753 a.C           Fundação      de   Roma     pelos Vestígios       arqueológicos      de    um
                      gêmeos       Rômulo    e   Remo vilarejo (Lácio) habitado por pastores
                      (segundo a lenda).                  e lavradores latinos.
    509 a.C           Até então uma monarquia, os
                      latinos de Roma a tornam uma Surgem as primeiras inscrições em
                      república.                          latim.
    272 a.C           Roma dominava a Itália.             O latim torna-se língua oficial da
                                                          Península Itálica.
    58-44 a.C         Júlio César é declarado ditador Desenvolvimento do latim arcaico sob
                      perpétuo pelo Senado, mas é o influxo da literatura grega.
                      morto.

1
  Quadro elaborado a partir das informações contidas no módulo de Língua, Literatura e Cultura Latinas
organizado pelo Professor Luís Bulcão.
15



27 a.C e 14 d.C   Após       uma         guerra     civil, Produção literária de Virgilio, Horácio
                  Otaviano          (Augusto)          vira e outros escritores.
                  imperador         e     consolida     os O latim é usado em todo o Império
                  domínios no Mediterrâneo.                  como      língua       oficial    da   lei,    da
                                                             administração e cada vez mais como
                                                             língua do dia-a-dia.
116               Com        Trajano,       o     império
                  alcança sua extensão máxima. Os romanos cultos falam tanto o
                  O auge dura até as invasões latim quanto o grego.
                  dos povos bárbaros.
313               Constantino confere liberdade Enfraquece o prestígio da língua
                  religiosa ao império e lança as literária e a separação entre o latim
                  bases      para        transformar     o clássico e vulgar diminue.
                  cristianismo           em       religião
                  oficial.
395               Antes de morrer, o imperador Ao longo do tempo o latim se
                  Teodósio divide os domínios dialectaliza                      e      os      romanismos
                  de Roma em               Império do desenvolvem-se cada vez mais.
                  Ocidente e Império do Oriente.
476                                                          Com a queda do Império, a oposição
                  Rômulo        Augusto,           último entre unidade e diversidade, entre
                  imperador         do     Ocidente,     é latim culto e popular foi eliminada
                  deposto em 476 e, em 1453, o definitivamente em benefício deste
                  Império do Oriente cai.                    último.
639                                                          A língua escrita tornou-se quase
                  Isolamento das diversas partes impossível                 pelo        alto    preço      dos
                  do Império e colapso cultural.             pergaminhos e pela falta total de
                                                             papiro; condenação da literatura.
813               Renascimento                  carolíngio
                  (renascimento da literatura e Morte do latim culto e nascimento dos
                  das artes que teria ocorrido romanços, rompendo a unidade do
                  principalmente no reinado de latim e favorecendo sua diversificação.
                  Carlos Magno).
16




        Pode-se observar pelo quadro-síntese que, mesmo após o colapso do Império Romano
ocidental, em 476 d.C, o latim continuou a ser usado como linguagem literária por toda a
Europa central e ocidental. Durante o século XV, começou a perder sua posição dominante na
Europa como língua de pesquisadores e religiosos e foi amplamente substituída por versões
escritas das línguas vernáculas europeias, muitas das quais eram descendentes ou haviam sido
fortemente influenciadas pelo latim.
       As fases pelas quais passou a língua latina, assim como a história de Roma e de seu
povo, mostram o quanto essa nação lutou pela estabilidade política, social e cultural, na busca
da perfeição que Augusto almejava em seu governo. A divisão do Império, as lutas sociais, o
descontentamento, as guerras, a instabilidade linguística e, principalmente, o fim do glorioso
momento histórico romano facilitaram as invasões dos chamados bárbaros. Junto com suas
terras, com seu povo agora conquistado, a língua também perde sua autonomia. Levada para
vários povos e distintos lugares resulta, tempos depois, na criação de outras línguas.




1.2 A língua na formação de um povo




       Uma nação se estabelece a partir de seu povo e de sua língua. Quando uma língua
deixa de existir, pode-se dizer que, junto com esta, “morre” um povo. Da mesma forma é
possível afiançar que um povo que cultiva suas letras faz parte de uma nação rica. É o que os
romanos, inicialmente, perceberam ao contatar com os etruscos e, posteriormente, ratificaram,
quando do convivio com a civilização helênica. Se para muitos Roma foi mestra, dos gregos
foi aprendiz. E isto pode ser verificado em sua trajetória.
       Desde que Roma foi fundada, seus governadores sempre buscaram a comunicação
entre os povos do Lácio e as províncias conquistadas. Através de estradas e vias públicas, eles
pretendiam extender tanto o território romano como a cultura de sua nação, pois teriam a
garantia de um império sólido e unificado. Por tal motivo, o latim foi imprescindível.
       Os cidadãos romanos tinham direitos e deveres bem estabelecidos e, durante a
República, por exemplo, as leis eram bem rígidas e deviam ser seguidas à risca. A
organização da sociedade romana era feita por meio dessas leis que se tornaram fundamentais
para uma vida sociável. Quando os imperadores impuseram seu poder, a cidadania passou a
ser um dos principais requisitos para um romano. Assim, Roma era dividida entre plebeus (o
17



povo) e patrícios (os cidadãos). Aqueles poderiam conseguir o status de cidadão se fossem
grandes proprietários de terras, e os que não conseguiam teriam que suportar as obrigações de
subordinado. No entanto, o significado de cidadania foi ampliado e, atualmente, cidadão é
todo aquele que tem direitos e deveres para com a sociedade em que vive.
       Em se tratando da vida em Roma, pode-se dizer que os romanos viviam de modo
semelhante ao mundo de hoje, numa cidade grande: ruas cheias de pessoas, casas
aglomeradas, mendigos, estradas e construções imponentes, tudo quanto diz respeito a uma
metrópole. Festas e eventos com comida e bebida em abundância, seguidos de muita orgia e
embriaguez, eram típicos da burguesia. Com a expansão do império, o convívio com outros
povos permitiu a transmissão do latim para estes e, consequentemente, os aspectos culturais
romanos. Isso implica que as províncias que iam sendo conquistadas tinham contato com a
vida social romana através do latim, que era usado por todos em Roma.
       Com a propagação do latim e a relação com outros povos, torna-se evidente o contato
com outras línguas e, mais ainda, os fatores que condicionam uma mudança, seja em que
âmbito for. Isso ocorre porque, inevitavelmente, toda língua carrega consigo aspectos
culturais e sociais de seu falante que, em contato com outra(s), é influenciada direta ou
indiretamente. Assim ocorreu com a língua latina ao longo do Império Romano: ao conquistar
novos territórios, o latim passou a ser influenciado por outras línguas, como o grego e o
etrusco, que juntamente com a língua de Roma faziam parte do cotidiano desses povos.
       Na época da consagração do imperador Augusto, a proposta da pax augusta parecia
entorpecer e alegrar os ânimos de uma população desgastada por guerras civis. A volta ao
campo, o trabalho manual e a luta pelo progresso eram forças propulsoras que impulsionavam
os romanos a seguir o instinto patriota de elevar sua nação. O momento magno quase que
exigia isso do povo, entretanto a sensação de estabilidade não duraria eternamente.
      O latim começa a perder sua posição de língua oficial e dominante, quando a cultura
desses outros povos passa a influenciar consideravelmente a de Roma. Entretanto, no período
de gestão do imperador Constantino, a religião que viria mais tarde a se espalhar pelo mundo
– o Cristianismo – passou a utilizar a língua latina como principal difusora de seus ideais. O
latim propagou-se de tal maneira pelos territórios romanos que ocorreu a sua dialetação,
tornando o latim clássico, usado mais frequentemente pela burguesia e pelos literatos, muito
diferente do latim falado pelo povo, o chamado vulgar.
       Deve-se ressaltar, contudo, que ao estudar o latim vulgar e suas variações linguísticas
é indispensável destacar a contribuição daqueles escritores que utilizaram em suas obras esse
dialeto, tornando possível o estudo e a comprovação da diversidade do idioma e,
18



especialmente, de sua importância enquanto língua do povo e pedra basilar para a formação
de outras línguas. Produto de uma contribuição variada, o sermo vulgaris possibilitou que
línguas como o português viessem a surgir, tornando-se patrimônio de uma nação. Torna-se
indiscutível afirmar que toda e qualquer língua é um valioso bem a ser preservado pelo seu
povo. O latim, surgido na região do Lácio, formou seu povo, os latinos, que por sua vez,
constituiu o Império Romano que, mais tarde, proporcionou ao mundo, através de sua língua,
o surgimento de outras que fariam dela uma língua eterna, vivida e revivida no cotidiano dos
“neoromanos” da contemporaneidade.




 1.3 A herança deixada para a humanidade




       Pode-se afirmar que o latim teve e tem importante influência na sociedade atual e,
como visto, não somente no aspecto linguístico. Além das diversas línguas românicas geradas
que são importantes campos de estudo, há várias outras áreas científicas e artísticas em que
ele se faz presente, seja em parte ou no todo, e que, mesmo parecendo díspares, conferem a
esta língua a sua contribuição, tais como: Biologia, Medicina, Direito, Filosofia, Sociologia,
História, Religião, Literatura, Escultura, Arquitetura, Música, Cinema, dentre outras.


                       [...] há uma rica literatura deixada pelo mundo romano, que não só nos permite o
                       desfrute de autênticas obras de arte como estende seu alcance por outras áreas do
                       conhecimento: pela historiografia, pela filosofia, pela antropologia, pela teoria
                       literária em todos os seus matizes, pela ciência, pelo teatro. [...] há o interesse
                       linguístico pelo latim. [...] Sendo uma das mais antigas línguas indo-europeias [...]
                       fornece-nos explicações para fenômenos aparentemente inexplicáveis de nosso
                       idioma e das línguas irmãs do português. (CARDOSO, 1999, p. 10)


        Para a ciência, o sistema de nomenclatura binominal, que foi criado por Carolus
Linnaeus em 1755, utiliza o latim nas nomenclaturas científicas em geral, em nomes de
plantas e animais. Os biólogos usam a terminologia latina, assim como os paleontólogos e
outros cientistas, a fim de nomear gêneros e espécies. Na medicina, Nero foi o precursor do
parto em “cesariana”, pois este imperador, um dos doze Césares, nasceu em circunstâncias
especiais. Assim, o Latim exerceu enorme influência sobre diversas línguas vivas, ao servir de
fonte vocabular para a ciência, o mundo acadêmico e o Direito, em especial.
19



       O aspecto religioso ocidental até hoje apresenta muitas semelhanças com a religião
romana, sendo o Cristianismo o maior destaque nesse caso, já que se apresenta como religião
oficial praticamente em todo esse hemisfério planetário. O latim eclesiástico ainda é usado
pela Igreja Católica em liturgias e documentos oficiais, apesar das missas atualmente serem
celebradas em línguas vernáculas. Há, no entanto, indícios de que em algumas regiões do
Brasil, por exemplo, a igreja opte por rezar missas em latim, como eram feitas originalmente.
Pode-se observar também que geralmente palavras escritas em latim aparecem em emblemas,
símbolos e brasões de instituições como igrejas, universidades e fóruns, representando o lema
ao qual defendem.
       O Direito romano, para muitos especialistas, é a mais significativa contribuição desse
povo para a sociedade moderna, pois esta rígida ciência ainda é a base da legislação brasileira
e de outras nações. Em textos jurídicos, encontram-se expressões como habeas corpus, álibi,
data vênia, animus decipiendi, animus ambulandi, animus abutendi e animus confitendi. Até
mesmo os conceitos de cidadania, expansão e civilização têm procedências na mitologia
romana.
       Num pequeno núcleo urbano originou-se um grandioso império e sua trajetória de
organização política se divide entre Monarquia, República e Império, fato acontecido também
na estruturação política brasileira. As instituições políticas romanas inspiraram filósofos
iluministas ao criarem também os senados (em latim: Senatus é a mais remota assembleia
política da Roma antiga, com origem nos Conselhos de Anciãos da Antiguidade oriental
surgidos após o ano 4000 a.C. Daí a origem de seu nome, senex, "velho", "idoso").
       Dois outros motivos pelos quais Roma deve ser constantemente lembrada são a
Literatura e a Filosofia. Vários estilos literários praticados atualmente são de origem romana,
como é o caso da sátira. É uma literatura que supera em quantidade e qualidade qualquer outra
literatura nacional durante o mesmo período, pois basta lembrar as grandes obras da Teologia
como o hinário e as coletâneas de lendas cristãs. Também, no lado profano, nomes como os
de Dante, Petrarca, Boccaccio, Erasmo, Bacon, Descartes e Newton produziram obras e
tratados valiosíssimos em latim. Até mesmo o termo literatura vem do latim "litterae" que
significa "letras", possivelmente uma tradução do grego "grammatikee". Em latim, literatura
significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se
relaciona com as artes da gramática, da retórica e da poética.


                        Os escritores romanos deixaram para as futuras gerações uma visão detalhada da
                        vida cotidiana e de sua diversão, de suas angústias, de seus prazeres e de suas dores.
                        Praticamente podemos sentir o gosto das refeições das pessoas comuns: o pão
20



                       integral, o queijo fresco prensado à mão, os figos verdes de segunda safra e, é claro,
                       o pequeno peixe de grande popularidade, o arenque. Podemos caminhar pelas
                       fazendas romanas graças à poesia de Virgílio e ouvir conselhos de como trabalhar a
                       terra. Considerava-se que o sétimo dia da Lua trazia sorte para laçar e domar o gado
                       selvagem e, no verão, o feno de um prado seco deveria ser cortado depois do
                       anoitecer para melhores resultados, uma das regras da produção de feno que era
                       seguida com frequência na Itália e que persiste na lembrança de muitos. (BLAINEY,
                       2008, apud COSTA, 2009)


      A Filosofia apresenta-se como base da moral romana, da qual se destaca Horácio como
um poeta cuja obra está marcada pelos valores do estoicismo (corrente filosófica que
fundamentava-se num universal materialismo e dispensava qualquer transcendência) e do
epicurismo, o qual foi uma das respostas dadas pelas escolas filosóficas ao momento histórico
em que vivia a Grécia da época helenística. Ambas são, entretanto, correntes da filosofia que
retornam à metafísica naturalista dos pré-socráticos e foram de extrema relevância para a
concepção de valores dos romanos para a vida em sociedade.
       Os romanos foram introdutores de novos componentes arquitetônicos, dos quais se
destacam os arcos, as cúpulas e as abóbadas, além dos aspectos monumentais de suas
construções, a exemplo de estradas e pontes, imprescindíveis para facilitar a comunicação e o
comércio entre as cidades, assim como para garantir a união do Império através da melhor
locomoção do exército e de pessoas. Sem falar nos arcos de triunfo, anfiteatros, templos,
circos, basílicas e casas de banhos (termas). Muitos desses monumentos sobrevivem até os
dias atuais, como é o caso das ruínas do Coliseu.
       Na escultura, sempre houve a preocupação de reproduzir de forma realista as
características da fisionomia dos modelos, mormente cabeças ou bustos, principalmente das
grandes personagens públicas, dando grande valor ainda à técnica dos afrescos e mosaicos.
Isso mostra a inovação dos romanos em relação aos gregos, uma vez que estes, ao
representarem um imperador ou filósofo importante, os endeusavam e davam-lhes uma forma
escultural divinizada. Quanto ao esporte, as lutas de gladiadores nas arenas (termo que
significa areia), o lançamento de dardos, as corridas, o levantamento de pesos e a natação,
praticados pelos romanos, exerceram muita influência nas modalidades esportivas atuais,
tendo até mesmo a estrutura dos estádios de futebol inserida neste legado (uma analogia ao
Coliseu, que estruturalmente pode ter dado origem a esses espaços esportivos).
       A publicidade faz parte de uma importante atividade econômica que move o setor de
consumo, tendo como principal interesse a difusão maciça de apelos que instigam a compra
de produtos e serviços. O termo publicidade, de acordo com Cunha (1982), vem do
substantivo latino publicus e do verbo publicare, sendo originalmente vocacionado para a
21



livre circulação das idéias. Ao redor do mundo, ela interfere decisivamente nas decisões
tomadas pelos consumidores por meio do intensivo investimento na propagação de marcas.
Pertencentes a esse paradigma, marcas como ADIDAS e OLYMPIKUS, ambas produtoras de
materiais esportivos, possuem, na investigação da sua raiz etimológica, origem no latim:
ADIDAS - do verbo latino addo, -is, -ere, -didi, -ditum = 1) colocar junto de, pôr juntamente,
aplicar, adaptar; 2) ajuntar, acrescentar, aumentar, redobrar a velocidade; 3) tornar-se mais
corajoso, dar coragem. No português adido (adj. sm.); e OLYMPIKUS - do adjetivo latino
olympicus, -a, -um = Olímpico, do substantivo latino Olympus, i = Olimpo, montanha entre a
Tessália e a Macedônia, morada dos deuses.
       Percebe-se, lexicalmente, (Cunha, 1982) que até mesmo nas relações mais intrínsecas
do homem, esta cultura está presente: o termo “família”, derivado do latim “famulus”, que
significa “escravo doméstico”, foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social
que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas a agricultura e a escravidão
legalizadas. Até mesmo “amor” é latino: o verbo amare é a base para a palavra amor; diligere
tem a noção de "ser afetuoso de", "a estima", e seria adequado para descrever a amizade de
dois homens; caritas é usado em traduções da Bíblia para significar "amor caritativo".
       Socialmente, a noiva como figura central na cerimônia de casamento, bem vestida e
arrumada com flores de laranjeiras no véu, é mais um artifício romano. Como este, outros
hábitos diários desse povo prevalecem no cotidiano, a saber: tomar vinho por razões etílicas
ou de saúde; tomar banho em locais públicos; valorizar os avanços tecnológicos; lutar pelos
direitos de um cidadão etc. Diante de tanta exuberância e riqueza, porém, não se engane em
pensar que antigamente não existiam práticas como a prostituição, o homossexualismo e o
ócio; atitudes imorais como propina, orgia e luxúrias (os aristocratas viviam em versões
luxuosas da domus, a tradicional casa da nobreza romana, que possuía água corrente e
piscinas aquecidas); as diferenças sociais e a escravização.
        Esta antiga língua está ainda nas tecnologias mais modernas (segundo BLAINEY,
2008 apud COSTA, 2009): na fecundação in vitro, no fax (abreviação de fac simile, que
significa "faça de maneira semelhante"), num curriculum vitae, na renda per capita, déficits,
superávits, e da pós-graduação lato ou stricto sensu ao doutor honoris causa. Mesmo muitas
palavras importadas do inglês remontam ao latim: na informática usa-se o verbo deletar, do
inglês to delete, que vem do verbo deleo, delere (latim) e significa "destruo, apago”.
Aproximadamente oitenta por cento das palavras da língua portuguesa são oriundas ou ainda
escritas em latim, como, por exemplo, as expressões idem, o supra summum, o et caetera.
22



      Alguns filmes, como A Paixão de Cristo, apresentam diálogos em latim; muitas
organizações e governos ainda hoje ostentam lemas em latim, como o estado brasileiro de
Minas Gerais (libertas quæ sera tamen). A tradução para o latim de obras "best-sellers",
como Harry Potter, além da presença da língua latina em jogos de videogame e em letras de
músicas de bandas conhecidas se tornam fatores de interesse por jovens para seu estudo.
Encontra-se ainda vivo o gênero épico no cinema, em que naquela época, os gladiadores
apareciam a serviço das narrativas no começo do Cristianismo. Outro legado romano é a
forma de contar os dias do ano e o próprio calendário gregoriano usado atualmente. A
denominação do mês de julho, por exemplo, é emprestado do nome Júlio César, tendo César,
por sua vez, virado sinônimo de imperador e derivado em alemão kaiser e em russo czar.
       Em relação ao seu valor linguístico, não se pode deixar de falar que o latim vulgar é o
ancestral das línguas neolatinas (italiano, francês, espanhol, português, romeno, catalão, reto-
românico e outros idiomas e dialetos regionais da área); assim também como muitas palavras
adaptadas e/ou originadas do latim foram adotadas por outras línguas modernas não
neolatinas, como o inglês e o alemão. O fato de haver sido a língua franca do mundo ocidental
por mais de mil anos é prova de sua influência. Após sua transformação nas línguas
românicas, o latim continuou a fornecer um repertório de termos para muitos campos
semânticos, especialmente culturais e técnicos, para uma ampla variedade de línguas.
       Das cidades aos campos, das termas aos teatros, da literatura à filosofia, da ciência à
engenharia, da história à mitologia, enfim, todo esse legado romano assegura a perpetuação de
um passado que está recriado na sociedade contemporânea, através da língua latina. Portanto,
essa grande herança deixada pela civilização romana marca um elo entre o seu passado e o
presente, tornando-se um patrimônio de valor inestimável, que deve ser preservado e estudado
ao longo dos tempos.
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                            CAPÍTULO 2: A LÍNGUA LATINA




       A língua, de um modo geral, pode ser definida como um sistema de signos
convencionais que articula a comunicação entre pessoas de uma determinada comunidade.
Este sistema, por não compor uma realidade estática, possui um dinamismo que o leva de uma
imperceptível variação a uma notória mudança. A língua latina, portanto, foi a linguagem que
predominou, inicialmente, na região do Lácio até estender-se por toda a Roma e, tempos
depois, para diversos lugares do mundo. Isso mostra desde já a influência desse sistema
linguístico para a formação de outras línguas.
        Entre vários outros falados na Península Itálica, o latim era o idioma de simples
pastores e rústicos agricultores, pessoas que viviam diretamente da terra e apenas o utilizavam
como meio de comunicação. Com a romanização, os latinos, além de entrarem em contato
com povos cujo modelo social era mais estruturado, acabaram incorporando elementos de
culturas diversas para formar o que viria a ser o Império Romano. Assim, a priori serviram-se
dos etruscos, dos quais possivelmente herdaram o alfabeto que nos foi legado. Por fim,
enriqueceram-se com os gregos, de quem não só se inspiraram no apreço pelas artes como, e
sobretudo, no cultivo das letras.
        Uma vez com uma sociedade politicamente ordenada e fazendo uso da língua para
fins inclusive estéticos, os romanos passam a conhecer a literatura como arte, e o latim passa a
ter dois padrões de fala: o vulgar e o literário. Fundamentais para a história do antigo império,
estas duas modalidades de articulação da mesma língua convivem lado a lado por muito
tempo, até que tenham desfechos diferentes: uma transformar-se-á, gerando falares, enquanto
a outra será preservada em obras de arte.
        Para Maurer Jr. (1962, p. 53 apud ROSSI, 2001) na Roma antiga, as três principais
manifestações do latim eram: a língua literária, utilizada por grandes escritores como Cícero e
Horácio; a língua coloquial urbana, usada pela sociedade aristocrática; e a língua vulgar, que
era falada pelo povo. É interessante ainda constatar algumas características do latim clássico:
a primeira delas é a estabilidade linguística, pois era extremamente rígido. Isso se deve por se
tratar de uma língua empregada por uma elite dominante – os patrícios – zelosa de proteger
24



seu poder político, econômico e social, uma vez que tinha costumes e educação muito
refinada.
        Outra característica é a formalidade da língua, sempre tendendo para o sintético, e a
estabilidade do latim literário, uma espécie de suporte documental para o latim utilizado por
essa minoria. Vê-se aí o idioma como fator de dominação, como instrumento de poder, uma
espécie de subestimação da cultura do dominado, como se o fato de saber uma língua de
extrema rigidez gramatical, como o latim clássico, conferisse direitos quase divinos aos seus
falantes, e qualquer outra manifestação linguística diferente desta seria quase uma ofensa aos
deuses. Daí a marginalização por parte dos patrícios do latim dito vulgar. Apesar disso, alguns
escritores, como Cícero e Petrônio, usaram-no em suas obras.
        Quando o latim, através da sua repercussão como língua oficial do Império Romano,
foi aos poucos sendo integrado à cultura local de outras comunidades, sofreu direta e
indiretamente modificações em sua estrutura, sobretudo no que diz respeito à fala, resultando
então na sua dialetação. Com o passar do tempo, este continuou a se distanciar do padrão
literário e acabou evoluindo para as línguas românicas. Por outro lado, muitas palavras
adaptadas e/ou originadas do latim foram adotadas por outras línguas não neolatinas, como o
inglês e o alemão.
        O fato de haver sido a língua franca do mundo ocidental por mais de mil anos é prova
maior de sua influência. Esta influência pode ser muito bem detectada em diversas áreas
sociais, verificando-se os elementos linguisticos de diferentes povos. Após sua transformação
nas línguas românicas, o latim continuou a fornecer um repertório de termos a muitos campos
semânticos, especialmente para o português que, apesar de ser formado com a contribuição
linguistica de várias culturas, tem a língua dos antigos romanos como sua matriz principal.




2.1 Os aspectos vulgar e clássico da língua




       O latim foi transmitido de geração em geração e para povos de lugares distantes que,
em contato com esta língua, assimilaram-na e disseminaram-na por onde passaram, levando
consigo resquícios da cultura romana. Com o passar do tempo, aqueles que com ela tiveram
contato, a seu modo, utilizaram-na em suas próprias culturas e fizeram, portanto, do latim
uma língua universal. Segundo Cardoso (1999, p. 06), “durante o longo período de tempo em
que foi utilizado como língua viva, o latim sofreu, evidentemente, profundas transformações”,
25



Para atestar a afirmação, basta notar as grandes dessemelhanças entre os primeiros textos
literários produzidos no início do século I a.C. e os da era cristã, no final do século V.
       Este fato faz com que, de acordo com o período e a situação social predominante,
caracterize-se historicamente o latim. Assim, denomina-se latim pré-histórico à língua falada
pelos primeiros habitantes do Lácio, aproximadamente no século XI a.C, quando não se tem
vestígios de nenhum documento escrito. Ao surgiram os primeiros documentos escritos,
aproximadamente entre os séculos VII e IV a.C., este é chamado latim proto-histórico. O
latim utilizado entre o século III e I a.C. e que manifestava-se, sobretudo, nos textos literários
é nomeado arcaico. A partir do momento em que essa língua enriquece sua estrutura
gramatical, graças à literatura e à influência da cultura helenística, surge o latim clássico, no
segundo quartel do século I a.C. quando foram criadas obras literárias que marcaram a poesia
e a prosa latinas. Por fim, considera-se o latim pós-clássico, recorrente nos primeiros séculos
da era cristã, entre I e V, o que já não carrega a pureza e o vigor gramatical que marcaram a
fase anterior, percebendo-se, logo, a dialetação do mesmo.
       É possível compreender que as fases pelas quais esta língua passou acarretaram
variações e condicionamentos, o que justifica as mudanças ocorridas e a concepção de que o
latim poderia, com o tempo, se extinguir, o que felizmente, não aconteceu. Fato é que, a partir
do período arcaico, Roma passa a conviver com duas “modalidades linguisticamente
acentuadas”: o latim clássico e o latim vulgar.


                        Uma língua tem dois empregos distintos: o literário, quase sempre escrito, usado
                        pelos artistas da palavra e pela sociedade culta, difundido nas escolas e Academias –
                        e o popular, falado quase sempre, de que se serve o povo despreocupado e inculto.
                        (NETO apud CARVALHO e NASCIMENTO, 1984, p.13)


       O latim falado, denominado vulgar ou sermo vulgaris, floresceu durante o Império
Romano e permaneceu quando então os povos bárbaros invadiram e conquistaram essa nação.
Os fatores que diferenciam-no do latim erudito estão além da dialetação. Sendo aquele usado
pelas classes populares e estas, portanto, em maior número, funcionava “como um
instrumento familiar de comunicação diária” (Coutinho, 1976, p. 30). A principal
consequência do processo de romanização do latim foi o descontrole da variação linguística
que ocorreu na língua. Os indícios do latim vulgar podem ser encontrados em algumas obras
literárias da época, e isso permite ratificar as fases do latim. Entretanto, como era uma
variedade da língua oral, dificultava o estudo da gramática por ser muito distinta.
26



                               No estudo do latim vulgar, deve-se salientar a importância das obras dos
                               escritores da decadência romana, sobretudo daqueles que, visando a um
                               objetivo superior, escreviam com simplicidade, sem a preocupação da
                               gramática e do estilo. Neste número, estão os escritores cristãos.
                               (COUTINHO, 1976, p. 31)


          Como afirma o autor, as construções gramaticais eram mais simples, caracterizando-se
o latim vulgar por mudanças no vocabulário quando, por exemplo, acrescentou novos
significados a uma mesma palavra ou na criação de outras; na fonética, pela supressão,
inserção ou transformação de segmentos fônicos, tais como encontros vocálicos;                      na
morfologia, ao reduzir o número de declinações e casos do latim clássico etc; e na sintaxe,
principalmente pelas construções analíticas (muitas destas transformações estão presentes em
gramáticas das línguas novilatinas, como o português). De acordo com Furlan (2006, p. 31),
porém, “entendê-lo no sentido depreciativo de vulgarismo, de uso linguístico condenável,
implicaria equívoco resultante de visão linguística superada”. Isso porque, segundo ele, a
variação falada do latim não significa que houve corrupção do latim clássico, tampouco que o
latim vulgar o sucedeu, uma vez que caracteriza-se como uma evolução e perpetuação da
língua.
          Já o latim clássico, também chamado de sermo urbanus, é o latim em sua essência
culta e bela, uma língua sintética que prima pela objetividade. Segundo Coutinho (1976, p.
29) “caracteriza-se pelo apuro do vocabulário, pela correção gramatical e pela elegância do
estilo”. Em outras palavras, era uma forma que, em um número menor de vocábulos,
transmitia a mesma mensagem que frases complexas de línguas analíticas. A pureza e
sofisticação desta modalidade é ainda sinônimo de admiração de estudiosos da língua. Por ser
de extrema rigidez gramatical, era utilizada especialmente pelas classes mais prestigiadas e
pelos autores literários. Por tal motivo, para uns o latim é tão aclamado e por outros tão
repudiado: a gramática latina exige muita atenção e estudo, portanto, o esforço para uma
aprendizagem significativa varia conforme a motivação de cada um.
          Importante notar que o latim clássico está diretamente relacionado ao latim literário,
usado nas obras. Para Furlan (2006, p.32) “o latim clássico é o da língua literária e da língua
escrita em situação formal, com preocupações estéticas ou didáticas pelos escritores do
período áureo da literatura latina”. Isso faz, segundo ele, com que a língua e a literatura latinas
diferenciem-se do grego, por exemplo, pois por ser sintética, não era produto somente do
intelecto, mas de elementos que a tornaram suprema, erudita, símbolo do poder romano. Foi
através da língua latina, especialmente do latim clássico, que Roma instituiu seu Império, por
meio das grandes obras literárias que foram escritas na época. O próprio César Augusto
27



percebeu o valor que a língua tinha e, por isso, instigava os poetas e prosadores latinos a
comporem textos que transmitissem ao povo, principalmente, aos conquistados, as glórias do
Império Romano.
       A relevância de estudar o latim clássico vai muito além das dúvidas recorrentes em
línguas como o português, o qual a maior parte do vernáculo se compõe de palavras latinas. O
confronto de línguas sintéticas com línguas analíticas, especialmente quando estas são
oriundas daquelas, permitem a comparação entre elas e influenciam no estudo concentrado da
língua em suas especificidades (aspectos morfológicos, sintáticos, semânticos etc).
       O latim vulgar era usado pelas diversas classes populares (sermo quotidianus,
urbanus, plebeius, rusticus, ruralis, pedestris, castrensis etc). O latim clássico, apesar de
cultivado e preservado pela classe mais culta da sociedade romana, foi cedendo espaço para o
padrão coloquial. No período considerado pós-clássico, a língua literária começou a perder a
pureza e sua característica sintética para dar lugar a formas analíticas, dialetações oriundas da
disseminação do latim vulgar. O latim vulgar, comum a todos, é, portanto, o ancestral das
línguas neolatinas.




2.2 As línguas românicas




       A queda do Império fez com que o latim perdesse o poder de língua normativa. As
sociedades que haviam sido conquistadas e o absorveram como língua, tornaram-no tão
diversificado que isso implicou, geograficamente, na consequente formação de sistemas
linguísticos distintos. Naturalmente, foi um processo lento, mas decorridos os séculos, eles
foram se concretizando.
       Herança valiosa para as sociedades que as tem como línguas oficiais, ou mesmo um
segundo falar, as línguas românicas formam um grupo de idiomas evoluído do latim vulgar.
Sabendo-se que a língua, de uma forma geral, é viva e dinâmica e, por este motivo, carrega
consigo aspectos histórico-culturais de um povo, tornando-se o elemento básico para a
construção e o desenvolvimento de uma civilização, pode-se afirmar que as línguas neolatinas
são responsáveis pela formação de um novo mundo: a civilização latina.


                        Será que, realmente com propriedade, o Latim deve ser chamado de língua morta?
                        [...] E se afirmássemos que o Latim, mesmo não sendo a língua de um povo, é,
28



                        talvez por isso a língua de uma civilização, a nossa civilização ocidental? (SILVA
                        ROSA, 1974).


        Com o enfraquecimento da unidade linguística, no século V, o latim vulgar se
dialetou, passando a se desenvolver distintamente em localidades e contextos diversos.
Surgem, assim, falares regionais que, mesmo oriundos do latim, devido às grandes
modificações apresentadas, já não se poderia concebê-los como tal. Por outro lado, também
não poderiam ser considerados como línguas literárias, por faltar-lhes “instrumentos
linguísticos” (CARVALHO; NASCIMENTO, 1984) para as novas composições sociais e
políticas. A esses múltiplos falares intermediários (castelhano, leonês, galo-provençal,
romanço lusitânico etc) entre o latim vulgar e as línguas românicas atuais, chama-se romanços
ou romances. Logo, conclui-se que as línguas românicas têm raiz mediata no latim vulgar e
imediata nos romanços.
        Passada a fase de transição que caracterizou os romanços, paulatinamente com o
surgimento de textos redigidos atesta-se, então, o nascimento das línguas românicas.
Importante lembrar que o registro literário de aparecimento de alguns desses idiomas
acompanham simultaneamente o surgimento de determinada nação. Isto para citar a
importância política de uma língua. Assim, tem-se: francês (séc. IX); espanhol ou castelhano
(séc. X); italiano (séc. X); sardo (séc. XI); provençal (séc. XII); rético ou reto-românico (séc.
XII); catalão (séc. XII, ou princípios do séc. XIII); português (séc. XIII); franco-provençal
(séc. XIII); dálmata ou dalmático (séc. XIV) e romeno (séc. XVI).
       As línguas românicas encontram-se presentes nos sete continentes, atuando em seis
países como línguas oficiais. Delas, apenas o dalmático – falado até fins do século XIX na
Dalmácia, antiga região da Iugoslávia – está morto. Estes idiomas não só comprovam que o
latim vive, como também trazem consigo uma gama imensa do apogeu do Império Romano,
servindo de fonte formadora para novas sociedades.


                              Talvez como ascendentes têm de morrer para que a vida exploda, o Latim,
                              mesmo não sendo língua de um grupamento social (logo “morreu”), está cada
                              vez mais vivo como o repositório, a fonte de solução dos problemas
                              linguísticos aflorados pela angústia criadora deste inventor insaciável que é o
                              homem moderno. (SILVA ROSA, 1974)


       Embora o latim não seja mais língua de um grupo que nasça falando-o, estudiosos
aceitam a concepção de que, pela herança linguística, literária e sócio-cultural deixada, este
encontra-se vivo, de uma forma diferente, no mundo atual. Além disso, seu conhecimento é
29



fundamental para a compreensão das línguas românicas, e estas, por sua vez, fortalecem a
necessidade de estudá-lo. Para Bearzoti Filho (2002, p.9) “Dentre elas, muitas tiveram curso
de vida breve. Outras sobreviveram, ganharam tradição escrita e tornaram-se línguas oficiais
de Estados Modernos independentes”. Segundo o autor, as línguas de origem latina mais
influentes e disseminadas, no presente e no passado, são o português, o galego, o espanhol, o
catalão, o francês, o provençal, o italiano e o romeno. Atualmente, dos dez idiomas mais
falados no mundo três são românicos (o espanhol, o português e o francês) e dois receberam
bastante influência do latim (o inglês e o alemão); e dos cinco principais difundidos com a
colonização (o inglês, o francês, o espanhol, o holandês e o português), mais uma vez a língua
dos romanos se faz presente.




2.3 Uma fonte de conhecimento do Português




     No prefácio de seu livro Gramática Latina, Napoleão Mendes de Almeida (1992) trata
da verdadeira importância do latim, no qual aponta, dentre outras, sua relevância para o
conhecimento da língua materna brasileira, o português. Afirma que não se pode pensar no
estudo do latim apenas como benefício para a aprendizagem exclusiva do próprio idioma,
muito menos que esta é a sua primeira finalidade, pois deste “podemos retirar a utilidade para
todo o vernáculo”. Sabendo-se, porém, que a língua portuguesa possui influência quase
unânime da língua latina, a qual abrange cerca de oitenta por cento do léxico, o autor defende
que o estudo do idioma dos antigos romanos possibilita um entendimento conciso da língua
nacional e, para tanto, propõe a inserção do latim nas salas de aula, desde a formação básica à
superior.
     Almeida afirma ainda que, para qualquer outro fim, o estudo do latim proporciona maior
desenvolvimento do raciocínio lógico e da coordenação mental, aguçando o hábito de análise
e o espírito de observação, como deve ser todo trabalho educativo. Entretanto, hábilidades
cognitivas à parte, sendo a língua portuguesa uma extensão do latim, que em processo de
romanização chegou à Península Ibérica no século III a. C., em todos os aspectos linguísticos
de sua formação encontram-se elementos da língua dos césares. É possível, portanto, detectar
atualmente na gramática vernácula brasileira indicíos pertencentes tanto ao latim vulgar como
ao clássico, já que ambos conviveram e, até certo ponto, se misturaram.
30



      Na fonética, com o latim vulgar, a tendência na fala do povo era tornar palavras
proparoxítonas em paroxítonas. Esse fator explica porque em português há um número
considerável de palavras paroxítonas em relação às demais. Exemplo: álacrem (latim
clássico) > alácre (latim vulgar) > alegre (português); cáthedram (latim clássico) > cathédra
(latim vulgar) > cadeira (português). No léxico também houve a predominância do uso de
palavras populares e afetivas com sufixos diminutivos. Por exemplo: o vocábulo auris (latim
clássico) era mais utilizado na forma diminutiva auricula (latim vulgar). A evolução dessa
palavra, através de processos fonéticos e fonológicos, resultou em orelha; a palavra equus
(latim clássico) jamais era usada pelo povo que preferia caballu (latim vulgar), culminando
em cavalo.
     Ainda em relação ao léxico, a formação do português brasileiro foi muito influenciado
pelos empréstimos linguísticos, mas o latim sobressaiu a todos, por meio da variação falada, a
qual agregou palavras de todos os povos da Península Ibérica. Deste modo, a contribuição
latina para a compreensão de algumas palavras em português parece ser indispensável, pois
possibilita ao aprendiz a percepção do sentido amplo de um vernáculo e a análise de
vocábulos aparentemente da mesma “família”. Exemplos: água fluvial (lat. fluvius, i: rio);
água pluvial (lat. pluvius, i: chuva), daí pluviômetro, instrumento que mede as preciptações
das chuvas; cavalo alado (lat. ala, ae: asa) e inverno (lat. hibernu), por isso a palavra
portuguesa hibernar, que diz respeito ao ato dos animais permanecerem em sua toca
repousando durante o inverno.
      Na morfologia, verifica-se uma quantidade enorme de estrutura que não só facilita o
entendimento do português, como também o coloca em contato direto com o latim. É o caso
das formas comparativas e superlativas de adjetivos, que mesmo existindo uma tendência para
o analitismo, nota-se ambas convivendo na gramática portuguesa. Exemplo de comparativo:
dulcior, no latim clássico (forma sintética); magis ou plus dulce, no latim vulgar (forma
analítica); mais doce em português. Exemplo de superlativo: dulcissimus, no latim clássico
(forma sintética); multo dulce, no vulgar (forma analítica); docíssimo e muito doce em
português. O mesmo se dá na formação da voz passiva na língua portuguesa: enquanto a
passiva analítica segue a predominância do latim corrente, a passiva sintética ou de infinitivo
seguem a forma do latim clássico.
       Dando continuidade à morfologia, a regra do plural em muitas palavras na língua
portuguesa consiste apenas no acréscimo da desinência S, o que não ocorre em latim. Assim,
o estudo da língua latina esclarece que as diferentes formas de plural do português, sobretudo
terminadas em ão, podem ser naturalmente explicadas. A terminação plural ões tem sua
31



origem na terminação latina one ou ones, a exemplo de orationes (orações) e nationes
(nações); o plural ães, nasceu de palavras terminadas em an, ane ou anes, como canes (cães) e
panes (pães); o plural ãos teve duas formações: anu, anus, como em manus (mãos) e granus
(grãos) e palavras paroxítonas terminadas em ãos, como bênção (bênçãos) e órfão (órfãos).
Há, ainda algumas palavras na língua portuguesa que permitem mais de uma forma de plural,
mas a tendência é a predominância do plural ões, como ancião, que pode ser anciãos, anciões
ou anciães.
       Na sintaxe, também se encontram várias estruturas que só podem ser entendidas e
explicadas a partir do conhecimento da língua dos romanos. Citemos o caso das orações
subordinadas substantivas que no português possuem mais de uma forma: as substantivas
reduzidas de infinitivo, as quais seguem o latim clássico. Exemplo: O povo diz ser a Terra
redonda (Vulgus dicit terram esse rotundam); e as substantivas desenvolvidas, que mediante a
conjunção integrante segue o analitismo do latim vulgar. Exemplo: O povo diz que a terra é
redonda (Vulgus dicit quod Terra est rotunda).
      Como meio para um conhecimento mais específico sobre uma língua, observa-se
também a etimologia. A etimologia é a ciência que estuda a origem das palavras em seu
sentido mais verdadeiro possível, desde a raiz linguística a qual se originou. Se no português
as palavras originaram-se, em sua maioria, do latim, logo, muitos vocábulos têm sentido
conciso com a busca pela origem etimológica latina. Entender o processo de formação das
palavras a partir do latim facilita a compreensão de termos aparentemente ilógicos. É o caso
da palavra dominus,i (senhor) que aparece nos vocábulos dominar, domínio, condomínio;
ager,agri (campo) origem das palavras agrário, agrícola, agricultor; e nauta,ae (marinheiro)
formadora de náutico, astronauta, internauta etc.
       A título de curiosidade, ainda etimológica, os dias da semana têm seus nomes na
língua portuguesa devido a palavras de origem latina. Nas liturgias, os dias da semana da
Páscoa eram considerados dias santos, por isso não se deveria trabalhar: O shabbat (o sábado)
era o dia em que os judeus se uniam para fazer sua reunião de fé e de mercado, último dia de
seu calendário semanal, sendo este, portanto, o dia de descanso. Em 189 d.C., o Papa Vítor I
muda o dia de descanso dos cristãos para o domingo, em homenagem à ressurreição de Cristo.
Em 325 d.C., as orientações decididas no Primeiro Concílio de Niceia, reafirmaram a decisão
de Vítor I, mudando o nome de Solis Dies, que significa Dia do Sol - forma como os pagãos
se referiam ao domingo - para Dominica Dies, depois para Dominus Dei, que em português
quer dizer “Dia do Senhor” e evoluiu para o vernáculo domingo.
32



       Como descreve Arruda (2011, p. 18) o conhecimento de uma língua está muito além
de sua estrutura ou gramática, pois possui também aspectos culturais e históricos. Então,
conhecer a língua latina, bem como a sua formação, conferem ao usuário do idioma português
a capacidade de entender sua própria origem e elucidar as dúvidas relacionadas às mudanças
de uma língua para outra.
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                        CAPÍTULO 3: A LITERATURA LATINA




    A Literatura é uma das principais expressões artísticas que prima por criar um universo
paralelo ao mundo real, mas com traços que se assemelham a este. Fatos históricos, problemas
sociais, vida em comunidade, guerras, conquistas etc, tudo o que marca o cotidiano de um
povo pode se tornar objeto de inspiração para esta arte. Vale ressaltar, no entanto, que
Literatura não deve ser confundida com História, apesar delas se relacionarem. Ocorre que a
arte literária, de um modo geral, permite ao ser humano a sensação de parecer possível o
mundo ficcional, colocando-o próximo do mundo real e conferindo ao seu contexto social
uma similaridade com o ambiente descrito na obra. Evidente que este não é o objetivo da
literatura, tampouco sua função, mas se a vida ao redor do Lácio inspirava os escritores a
utilizarem-no como espaço privilegiado em suas obras, não tinha razão para não sê-lo.
     Assim, este capítulo trata, de maneira específica e suscinta, da Literatura Latina,
apresentando um breve relato sobre o surgimento desta arte, alguns momentos importantes da
sociedade romana, os quais influenciaram os artistas a compor seus trabalhos, e uma
classificação em “fases” e “épocas” que, conquanto convencionais, guardam características
bem marcantes. Outrossim, serão citados alguns escritores e obras de extrema relevância para
o conhecimento acadêmico, bem como a importância que essa literatura teve em sua época e
ainda tem para as civilizações posteriores, pois, embora a criação de obras literárias em Roma
tenha sido inicialmente lenta e imitadora, o que denominar-se-á Literatura Latina é o resultado
de um “ato criador” inigualável que contará e encantará a humanidade, como define Coelho
(1980, p. 22). Ressalta-se que, para a conceituação de literatura num âmbito geral foram
utilizadas as teorias de Nelly Coelho (1980) e, para o estudo da Literatura Latina, (prosa e
poesia), os teóricos foram Zélia Cardoso (2003) e Oswaldo Furlan (2006), além de estudos
complementares.
34



3.1 Um breve histórico




       A arte de contar histórias é conhecida desde a Grécia antiga, e os romanos tinham o
entendimento de que, para ser uma nação independente e de cultura própria, deveriam ter a
sua forma diferente de fazê-la. Inspirados nos gregos, mas não copistas, os latinos
introduziram e fundamentaram sua literatura para, tempos depois, fazer parte da história.
Tomando como exemplo a Ilíada e a Odisséia, ambas atribuídas ao escritor grego Homero,
poetas e prosadores latinos começaram a escrever sobre a vida em Roma. Assim, surgem
obras que tanto contam o cotidiano romano como os grandes feitos dos imperadores. Além
disso, o próprio latim torna-se o elo de ligação entre a arte falada e a escrita, e a literatura
passa a ser contemplada como forma de manifestar o belo e o inspirador.
       Segundo Cardoso (2003), “o estudo de uma literatura, portanto, deve ser precedido de
uma coleta de informações sobre a época em que ela nasceu e floresceu”, assim como “a
compreensão das manifestações culturais de um povo pressupõe o conhecimento das
circunstâncias em que elas se produziram”. Logo, para que se possa dar início ao estudo da
Literatura Latina torna-se conveniente compreender como essa arte originou-se em Roma e
em que contexto social.
       A literatura de Roma, assim como qualquer outra, estava intrinsecamente relacionada à
vida social, havendo períodos em que esta foi mais ou menos favorecida e valorizada. Seu
nascimento, evolução, apogeu e, por fim, declínio acompanham o ritmo da própria história
romana. A consequência da romanização impôs aos latinos o convívio com vários povos,
atuando em determinados momentos como aprendiz e, em outros, como mestre. Aprenderam
muito, a princípio, com os etruscos, dos quais possivelmente legaram o alfabeto, e
posteriormente com os gregos de quem, dentre tantas heranças culturais, desenvolveram o
cultivo das letras.
       Sob a boa influência helênica, desde o século III a. C., o latim praticado com intuito
artístico foi sendo gradativamente enriquecido, até alcançar, no século I a. C., como afirma
Cunha (1986, p.12), “a alta perfeição da prosa de Cícero e César, ou da poesia de Vergílio e
Horácio”. Em 240 a.C., o épico grego Odisseia foi traduzido para a língua latina por Lívio
Andrônico, um grego de Tarento que morava e ensinava em Roma. E isso marcaria
oficialmente o início da literatura local.
      No entanto, foi em meados dos séculos VII ou VI a.C que a literatura realmente começa
a surgir, restringindo-se, até então, a manifestações orais. O surgimento de Roma, contado
35



mitologicamente pela lenda dos irmãos Rômulo e Remo, ou mesmo pela História, a partir dos
povos que habitaram o Lácio, passando pelas conquistas territoriais, as guerras, as vitórias e
perdas, o triunfo do Império Romano, as invasões etc eram temas recorrentes dessas obras de
arte.
        Todas as transformações sofridas por Roma, desde o seu “nascimento”, transcorrendo
a Monarquia, a República até a queda do Império, são documentadas e registradas pela
literatura e, quando a criação destas produções cresce em grande escala, vê-se a necessidade
de organizá-las. Cardoso (2003) diz que “embora saibamos que a tentativa de classificar as
manifestações literárias por períodos, épocas ou escolas é arbitrária e convencional” [...], esta
é uma forma de especificar os pensamentos de cada momento que foram, sem dúvida
nenhuma, distintos entre si por possuírem, sobretudo, características definidas. Logo, a
história desta literatura foi dividida didaticamente em períodos, e os trabalhos produzidos,
classificados em gêneros para, compreendendo o contexto da época, poder ser feito o
entendimento adequado das obras.
        Classifica-se, pois, a literatura latina em quatro fases, as quais se distinguem pelo
período em que determinados fatos ocorreram e que marcaram a história romana: a primeira, a
fase primitiva: corresponde às primeiras obras traduzidas para o latim e às primeiras
inscrições nesta língua; a segunda, a helenística: os romanos inspiram-se nas produções
gregas para criar as suas primeiras poesias; a terceira fase é a clássica: período em que a
literatura alcança seu auge, pois é justamente o momento de esplendor do Império Romano, e
os seus governantes dão o aval para que os poetas e prosadores latinos escrevam as glórias e o
poder que nessa época o mundo mediterrâneo pôde conhecer. Por ocorrer nesta fase
acontecimentos distintos, foi sub-dividida em três épocas: a época de Cícero, criador de uma
literatura clássica; a de Augusto, considerada a mais elevada pois este imperador usou a
literatura inclusive a serviço da política; e a época dos imperadores julio-claudianos, em que
Roma já começa a perder seu poder hegemônico, mas ainda florescem obras literárias.
        Quando o Império entra em decadência, inicia-se a quarta e última fase, a pós-clássica,
a qual, mesmo não contendo o brilho da anterior, revela grandes escritores. Esta fase, também
por características diferentes, se divide em duas épocas: a neoclássica, em que ainda se tem a
escrita de obras relevantes tanto na poesia como na prosa; e a cristã, no final do século II, que
abre espaço para produções de caráter estritamente religioso.
        A queda do Império Romano enfraquece em muito a produção literária latina, uma
vez que o Cristianismo, implantado por Constantino como religião oficial, e a dialetação da
língua latina, aliados a outros fatores político-culturais, prenunciam um novo período na
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história da humanidade: a Idade Média. A Igreja Católica Romana passa a ser a grande
matenedora dos trabalhos produzidos em latim. Prova disso é que, nos séculos posteriores, as
epístolas e poesias líricas de conteúdo religioso serão os tipos mais comuns de obras literárias
e, especialmente nos séculos IV e V, as Cartas de São Jerônimo serão exemplos marcantes
para estudo da língua latina. Com isso, “os textos escritos em latim só atingiam um público
reduzido” e “a produção literária definhava” (CARDOSO, 2003, p.210). Assim, a
continuidade da Literatura Latina se deu, desse momento em diante, com obras eclesiásticas e
escritores ligados a assuntos espirituais e morais.
       Importante ressaltar que, em 395 d.C. após o falecimento de Teodósio, na tentativa de
evitar o desmoronamento, o vasto Império Romano foi dividido em duas partes: Ocidente e
Oriente. A parte ocidental é a primeira a ser invadida e dominada pelos povos bárbaros,
sucumbindo em 476. Já o Império do Oriente duraria tempo suficiente para que o latim se
tornasse uma língua universalizante (através do surgimento das línguas românicas) e para que
sua escrita fosse cada vez mais utilizada pela religião e entre as classes sociais cultas da
sociedade.
       Para Coelho (1980, p. 23) “a arte é na realidade, em suas expressões mais variadas, o
fenômeno que descobre o mundo à Humanidade”, buscando entender o universo do homem e
sua existência, por isso deixa de ser a imitação do real para tornar-se a verdade do mundo
ficcional. Assim, o que se produziu em Roma é resultado da essência que a literatura
encontrou no ser humano, sobretudo na vida do povo romano, com seus mistérios e conflitos
existenciais. Estudar e entender a Literatura Latina é buscar no passado um sentido para o
presente, já que muito do que foi escrito compõe hoje a nossa história. A partir desse sintético
estudo, busca-se compreender como os gêneros literários romanos se difundiram,
transformando sobremaneira suas obras em clássicos da literatura universal e fontes de
inspiração para escritores contemporâneos.




3.2 A poesia latina




         Tanto na Grécia como em Roma, as primeiras obras de arte inspiravam-se em mitos
acerca da origem dessas civilizações. A pequena região conhecida como Lácio foi, através da
mitologia romana, transfigurada em um ambiente onde o mágico e o extraordinário aconteceu:
duas crianças são encontradas e alimentadas por uma loba. Com o passar do tempo, essas
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crianças crescem e se tornam as precussoras de um futuro grande império. A lenda dos irmãos
Rômulo e Remo é muito conhecida e hoje permite estudar a história do povo latino sob outros
aspectos, pois detalhes dessa narrativa mostram como essa sociedade foi se formando. Apesar
de o mito ser considerado “como criação estética da imaginação humana” (CHASE apud
FURLAN, 2006, p. 250), sem dúvida, as histórias criadas sobre a formação de Roma foram
imprescindíveis para que estudos mais completos fossem feitos sobre essa antiga civilização.
         A literatura em verso “é obra de fantasia, de ficção ou imaginação” (FURLAN, p.
253), a qual favorece a diversidade de interpretações através da utilização de metáforas e
outras figuras de linguagem. Em Roma, a criação poética estava mais ligada à musicalidade;
muitos poemas eram, inicialmente, escritos para serem cantados. Assim, os cânticos podem
ter sido os anunciadores dos futuros gêneros literários romanos. Deste modo, considera-se
que, em Roma, as produções escritas em caráter de poesia pertencem às formas lírica, épica,
satírica, dramática (tragédia e comédia) e didática.
         A poesia lírica é geralmente definida como uma escrita em versos criada, em sua
maioria, de forma subjetiva, em que o autor encontra na beleza do universo ao seu redor (a
natureza, os seres, os sentimentos e emoções, as relações humanas etc) inspiração para
escrever. Composta em pequenas estrofes, na Antiguidade era acompanhada por um
instrumento musical (em especial a lira; daí os nomes lírica e lirismo), num tom harmônico
entre palavra e melodia.
         Mesmo antes da invasão cultural helênica, impondo a poesia grega como modelo de
imitação, em Roma, assim como em outros povos do Mediterrâneo, já existia manifestações
rudimentares do lirismo expressas através do canto. Os cantos heroicos, os fesceninos, tais
quais os religiosos e funerários podem ser enquadrados na natureza de líricos, todavia todos
com características pré-literárias. Somente com a primeira composição de forma helênica do
poema-canção em homenagem ao deus Juno, escrito em 207 a.C. – também atribuído a Lívio
Andrônico – é que o lirismo assume proporções peculiarmente artísticas entre os romanos.
        Os romanos adotaram teorias de Platão para criar sua poesia e, no caso da lírica,
inaugurada pelos latinos aproximadamente no século VII a.C., era calcada sobretudo na
preocupação do poeta com seus sentimentos. O mundo exterior era desconsiderado e o que
importava era a resolução de problemas e conflitos intrínsecos. Além disso, muito da
mitologia romana inspirava a criação dos ambientes e a idealização da realidade. São
exemplos de consagrados escritores líricos de Roma os poetas Catulo, Virgílio, Tibulo,
Propércio, Horácio e Ovídio, os quais compunham em diversas espécies de poesias líricas
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(odes, elegias, éclogas etc), incitando a beleza textual vários escritores da literatura universal
pela magistral elegância poética.
         A poesia épica é uma forma escrita caracterizada pela narração de acontecimentos
grandiosos, heroicos, tais como batalhas e conquistas territoriais, em que os personagens
principais possuem uma força física incomum e assemelham-se, pela coragem e astúcia, aos
deuses. É criada com o intuito de ser recitada ao público e sua estrutura compõe-se de estrofes
longas. Em Roma, esse estilo de poesia teve grande destaque sobretudo no período em que o
Império Romano se expandia e alcançava seu auge: Virgílio cria a Eneida. Inspirada na
formação e consolidação do império, esta obra de arte clássica e universal, segundo seu autor
não foi terminada. Por isso, antes de sua morte, Virgílio pede que o manuscrito seja destruído,
mas o então imperador Augusto intervem e mantém a obra. A epopeia virgiliana conta a
história latina por meio da vida do heroi Eneias, sobrevivente da guerra de Troia e que,
através da ajuda dos deuses e de sua força sobrenatural, chega ao Lácio, onde funda a futura e
gloriosa Roma.
         É importante considerar que, apesar de Eneida ter sido criada a partir do exemplo
grego do poeta Homero, é uma obra que constitui valor inestímavel e, como afirma Cardoso
(2003, p. 5) “a literatura latina conseguiu ser criativa e original”. Dessa maneira, por ser a
epopeia uma narrativa que engrandece a nação a que faz referência, Virgílio sente a
necessidade e oportunidade de contribuir com essa glória, criando uma história que por muito
tempo passou a ser considerada uma verdade. O incentivo vem também do imperador
Augusto, que deseja que Roma faça-se conhecida ao mundo mediterrâneo. O que ele e muito
menos Virgílio esperavam é que a Eneida tivesse a repercussão que teve para a época e, mais
ainda, a possibilidade de tornar-se uma literatura de âmbito universal, fonte de inspiração para
futuras epopeias, a exemplo de África de Francesco Petrarca, escrita em latim em 1342, e Os
lusíadas, de Camões, em 1572, em pleno Humanismo.


                        Durante toda a antiguidade romana, a Idade Média e o Renascentismo, o poema
                        virgiliano constituiu modelo de composição e foi reproduzido em múltiplas edições,
                        entre elas a versão do Codex Vatticanus, que data do século IV, e a edição ilustrada
                        do século XIII de Henri de Veldecke. A idealização do Império Romano e sua
                        identificação com a expansão do Cristianismo levaram Dante Alighieri a escolher
                        Virgílio como parceiro na viagem aos infernos, que ele narra em A divina comédia, e
                        a Eneida como modelo de composição poética para aquele que foi um dos maiores
                        poemas da literatura medieval. A Eneida inspirou também Os lusíadas. Assim como
                        a poesia lírica de Camões anunciou e depois permeou sua epopéia, nas Eglogas e
                        Geórgicas de Virgílio é possível também perceber o sopro da Eneida. (CLARET,
                        2007, p.16)
39



        Outros escritores romanos que compunham poesias épicas foram Névio e Ênio,
merecendo destaque Lucano, autor de Pharsália – poema sobre uma guerra civil – Públio
Papínio Estácio, que escreveu Tebaida, e Claudiano com Sobre o rápto de Prosérpina, a qual,
segundo Claret (2007, p. 9) “consegue reviver o gênero já em seu período de decadência”.
         Já a poesia satírica merece destaque por ser um produto sui generis, nascido em
Roma e sem influências helenísticas. Segundo Cardoso (2003, p. 89), “não só desperta
interesse por suas próprias características, por afigurar-se como uma espécie de crônica social
em versos, como também por ter sido amiúde considerada como um gênero poético original”.
Essa forma de poesia caracteriza-se pela crítica, pela censura, pelo ataque a comportamentos e
condutas morais; pela ridicularização de costumes, defeitos e vícios. E tudo feito com um
toque de humor e ironia.
        Com uma coletânea composta de poemas variados, com metros diversos e agrupados
em quatro volumes, foi Ênio a inaugurar o gênero, nomeando-o de Sátiras (Satirae, oriundo
do latim satura, saturado, misturado, carregado). Contudo, conforme Furlan (2006, p. 254),
foi com Horácio que a sátira “alcançou o mais alto grau de perfeição” e, com o poeta Juvenal,
“ela se tornou um dos gêneros mais respeitáveis e apreciados da literatura latina”. Merecem
destaque também o romano Marcial, o qual criou sátiras com caricaturas muito bem
detalhadas, Varrão – autor de uma imensa e variada obra – e Lucílio, o qual pela liberdade
de escrita é considerado “o verdadeiro criador da sátira latina” (CARDOSO, 2003, p. 91). Vê-
se, pois, que a produção literária em Roma possuía, para todos os gêneros, representantes de
alta qualidade e estilo próprio, o que proporcionou uma vasta e rica literatura. A sátira foi um
sucesso entre os romanos, que utilizavam-na para escancarar os problemas e dilemas sociais
de forma lúdica e artística e uma herança para os dias atuais.
         A poesia dramática envolvia uma série de episódios complicados ou patéticos, assim
como acontecimentos terríveis ou catastróficos. Tal qual a epopeia, a dramaturgia também
tem origem grega, ainda assim nos primordios da civilização latina são encontrados resquícios
embrionários, sobretudo de caráter religioso, que contribuíram para a formação desta espécie
poética. Este estilo de poesia compreendia duas formas distintas de manifestação: a comédia e
a tragédia. A primeira é uma espécie de poesia cuja representação teatral transmite ao público,
como afirma Coelho (1980, p. 38), “o mundo do materialismo grosseiro. O ridículo ou a
mediocridade do mundo real, concreto e mesquinho” [...]. Em outras palavras, é uma forma de
satirizar pessoas e determinadas situações, a inferioridade humana perante os deuses,
costumes, valores morais etc. Pela definição, é possível perceber que a comédia contrapõe-se
a idealizar a realidade – pelo contrário, procura demonstrar de forma concreta o mundo a que
40



os homens comuns estão submetidos. A comédia latina teve predileção por temas gregos já
em discussão, e são representantes dessa modalidade dramaturgos como os poetas Plauto e
Terêncio, os quais assumiam as diversas funções de autor, ator e diretor de cena, tendo seus
textos a proeza de alcançar os dias atuais.
       A tragédia, por sua vez, caracteriza-se por representar em versos a linguagem comum,
recitada com um ritmo próximo à fala cotidiana. Em geral, é uma poesia dialogada e atuada,
as personagens são seres em conflito com o mundo exterior e o seu final, na maioria das
vezes, é trágico e irreversível. Ainda que de raiz helênica e também trazida por Lívio
Andrônico, a tragédia teve o seu início em Roma por volta do século II a.C. com os poetas
Pacúvio, dotado de linguagem solene e eloquente, e Ácio, possuidor de grande habilidade
descritiva. Outros nomes como Névio e Ênio tiveram relevância, porém Sêneca foi o mais
conhecido dramaturgo, autor de dez peças. Foi esse estilo de poesia, em comunhão com a
comédia e a sátira, que infuenciou a criação do teatro. No entanto, vale lembrar que a
dramaturgia foi mais comum na Grécia do que em Roma, uma vez que os latinos preferiam
usar os grandes teatros (como o Coliseu) para o combate de gladiadores e animais.
         Atualmente muito do que se vê da dramaturgia vem da arte greco-romana. As linhas
teóricas de estudo, as concepções cênicas, as peças teatrais revisitadas são demonstrações de
como a Antiguidade Clássica greco-latina ainda é basilar na sociedade pós-moderna. Inclusive
ciências como a Psicologia bebem na fonte para desenvolverem trabalhos, a exemplo do
Psicodrama.
         A poesia denominada didática, por fim, é considerada uma categoria especial de
poesia que prima transmitir informações e conhecimentos, tendo sido muito utilizada como
material pedagógico em Roma. Entretanto, mesmo objetivando o caráter didático mantinha
elementos e recursos próprios da linguagem poética. Segundo Cardoso


                        [...] poderia parecer estranha a utilização da poesia para transmitir o saber. Em
                        Roma, contudo [...] foi freqüente essa prática. [...] O romano sempre demonstrou ter
                        espírito prático e pragmático. Ao aprender a manejar o verso, foi levado,
                        evidentemente, a descobrir-lhe uma função utilitária. E nasceu dessa forma a poesia
                        didática, que coexistiu com os demais gêneros poéticos em todas as fases da
                        literatura latina. (CARDOSO, 2003, p.102-103)


         Apesar de apresentar indícios desde a fase primitiva com pequenos textos em versos
(oráculos, predições, provérbios), a poesia didática foi realmente introduzida em Roma
através de poemas filosóficos do escritor Ênio, aproximadamente em II a.C. Catão também
compôs poesias de caráter didático, mas foi no século I a.C que ela alcançou seu auge com os
41



poetas Lucrécio, Virgílio, Horácio e Ovídio. As principais obras poéticas de valor didático
foram Sobre a natureza, de Lucrécio, as Geórgicas, de Virgílio, os Fastos, de Ovídio e as
Fábulas, de Fedro.
         Mesmo se obtendo pouco conhecimento acerca de suas primeiras manifestações, a
poesia didática foi muito importante para a formação de jovens e para o conhecimento da
literatura in loco, além da sua transmissão de doutrinas e valores morais. Sua importância
ainda está presente no mundo hodierno e se faz representar em fabulistas como La Fontaine e,
quiçá, na literatura intitulada autoajuda.
         A poesia latina, segundo Furlan (2006, p.253), “produziu, sobretudo, em seu período
áureo, acervo considerável de obras de valor perene e universal, em todos os seus gêneros”.
Daí pode-se ratificar a importância da literatura de Roma para o mundo e reconhecer que a
contribuição dos romanos para esta criação artística é incontestável. Além disso, o estudo da
poesia latina propicia ainda uma análise de como as obras contemporâneas podem ter sido
influenciadas direta ou indiretamente, seja na estrutura, na composição, nos temas, e
demonstra a vitalidade de uma língua que transmitiu através da arte romana os valores da sua
época e a vivência do seu povo.




3.3 A prosa literária




        A prosa latina tem início já desde a fase primitiva, quando aparecem as primeiras
inscrições em latim. Elas possuem um imenso valor histórico, contudo falta-lhes o apuro
artístico que identifica o trabalho literário. A princípio, a maioria foi escrita sem preocupações
estilísticas, sendo, portanto, utilizada como documento. Para Cardoso


                         só podemos falar, realmente, em prosa literária quando, no início da chamada época
                         helenística, a influência grega se tornar sensível e a linguagem poética, estruturada
                         nas obras em verso, for utilizada também nos textos em prosa. (CARDOSO, 2003, p.
                         124)


       Já prosa latina de cunho literário, em relação à poesia, foi pouco desenvolvida em
Roma. Boa parte dos prosadores romanos eram homens da aristocracia, em geral senadores,
enquanto os poetas eram de origem mais humilde. A literatura em verso tendia a ser mais
valorizada devido ao seu caráter estético, que se distanciava da linguagem comum, e os temas,
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Flor do lácio o latim o que quer, oque pode esta língua

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA LUCIANA FERREIRA NASCIMENTO “FLOR DO LÁCIO: O LATIM. O QUE QUER, O QUE PODE ESTA LÍNGUA?” Conceição do Coité 2012
  • 2. LUCIANA FERREIRA NASCIMENTO “FLOR DO LÁCIO: O LATIM. O QUE QUER, O QUE PODE ESTA LÍNGUA?” Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas - Licenciatura, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB – campus XIV) para obtenção do título de Licenciada. Orientador: Prof. José Luís Costa Bulcão Conceição do Coité 2012
  • 3. [...] o espírito de romanidade, transmitido pelos nossos antepassados, não deixará de ser mantido e propagado, enquanto estivermos em contacto, através da língua latina, com a fonte criadora e propulsora dessa energia vivificante. (Vandick L. da Nóbrega, 1962, p. 16)
  • 4. Dedico este trabalho à sociedade em geral, a qual sei que faz parte dele pois, ao tratar de língua e cultura latina, estamos voltando o nosso olhar para aqueles que nos antecederam e que construíram para nós as bases para a vida social. Em especial, dedico esta pesquisa à comunidade acadêmica, para que, se desejarem, possam dela usufruir e aprofundar seus conhecimentos acerca do latim e sua incontestável importância para a compreensão de nós mesmos enquanto seres participantes de uma sociedade; e ao meu mestre e professor de Latim, Luís Bulcão, como forma de agradecer e mostrar que sua dedicação e amor a essa língua transmite a sensação e o desejo de amá-la com semelhante intensidade.
  • 5. AGRADECIMENTOS Agradecer é sempre a melhor maneira de, sem muitas palavras, lembrar de todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para você ser o que é. Agradeço, sem dúvida e sempre em primeiro lugar, ao meu grande e divino amigo Deus, pela graça de viver e poder realizar os meus sonhos; por ter escolhido para mim uma família tão humilde e feliz; A meus pais, pelo amor, pela paciência e apoio incondicionais, estando sempre ao meu lado e me impulsionando a seguir em frente; Aos meus irmãos, Cassiano e Tanísia, os quais amo e sempre me deram palavras de apoio e carinho; A Robson, pela parceria, cumplicidade, pelo apoio aos meus estudos e por acreditar nos meus objetivos, dando-me atenção e amor; À UNEB, pela oportunidade de ingressar em um mundo onde pude conhecer melhor as pessoas, a vida em sociedade e a mim mesma. Aos funcionários, bibliotecários, professores e alunos, pelo respeito, consideração e auxílio; Aos meus professores, todos os que passaram pela sala de aula: pelo carinho, pelos momentos de aprendizagem e entretenimento, pelas viagens e encontros, pelos conselhos e pela dedicação em transmitir seus conhecimentos; Em especial, ao meu professor de Língua, Literatura e Cultura Latinas, Luís Bulcão, por ter aceito a minha proposta de pesquisa e me orientado, sendo transparente e mostrando-me os erros e acertos; pelo seu amor ao latim, que é claramente perceptível e, por isso, instigou- me a também amar essa língua; e por sua amizade, a qual sei que permanecerá fora dos muros desta Universidade; À turma de Letras Vernáculas 2008.1, sem distinção, incluindo aqueles que, por um motivo ou outro, desistiram do curso. A todos os meus colegas e parceiros, por todos os momentos que passamos juntos, bons e ruins, como uma grande família; Às minhas amigas Ana Elma, Daiane, Grasiele, Maeli, Vigna e Cíntia, pelo coleguismo, pela parceria e cumplicidade, pelos momentos de distração e diversão, pelo carinho e pela sincera amizade. A todos, muito obrigada! Amo vocês!
  • 6. RESUMO Este trabalho sobre língua e cultura latinas trata de um estudo suscinto e aprofundado sobre a importância do Latim, enfocando o legado construído e perpetuado pelo Império Romano por seu intermédio, especialmente sob os pontos de vista linguístico e literário, os quais mostram que a herança deixada pelos romanos foram de extrema relevância para fundamentar a sociedade contemporânea. O objetivo desta monografia é fazer-se (re)conhecer o legado cultural erigido por essa antiga civilização, o qual manteve-se vivo graças a um idioma que sobreviveu ao tempo e que, eternizado nas chamadas línguas românicas, a exemplo do português, propicia um estudo conciso de si próprio, facilitando a compreensão das regras e valores que permeiam a sociedade atual. O estudo recorre à origem de Roma, desde o Lácio até a formação e queda do Império. De cunho bibliográfico, os teóricos mais utilizados para a realização deste trabalho foram: Cunha (1982), Napoleão Mendes de Almeida (1992), Zélia Cardoso (1999) e (2003), Maurer Jr (1962), apud Rossi (2001) e Oswaldo Furlan (2006). Palavras-chave: Legado romano. Língua. Literatura.
  • 7. ABSTRACT This work about Latin language and culture is a succinct and thorough study about the importance of Latin, focusing on the legacy built and perpetuated by the Roman Empire through them, especially in the views of language and literature, which show that the inheritance the Romans were extremely important to support the contemporary society. The purpose of this monograph is to be (re) learn the cultural legacy built by this ancient civilization, which remained alive thanks to a language that survived the time and that, immortalized in so-called Romance languages, like Portuguese, provides a brief study of itself, facilitating the understanding of the rules and values that permeate today's society. The study refers to the origin of Rome, from Lazio to the formation and fall of the Empire. Of bibliographical, theorists commonly used for this study were: Cunha (1982), Napoleon Mendes de Almeida (1992), Zelia Cardoso (1999) and (2003), Maurer Jr (1962), cited in Rossi (2001) and Oswaldo Furlan (2006). Key words: Roman Heritage. Language. Literature.
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 09 CAPÍTULO 1 O LATIM E O SEU LEGADO CULTURAL .................... 11 1.1 Do Lácio a Roma ................................................................... 12 1.2 A língua na formação de um povo ....................................... 16 1.3 A herança deixada para a humanidade .............................. 18 CAPÍTULO 2 A LÍNGUA LATINA ............................................................ 23 2.1 Os aspectos vulgar e clássico da língua ............................... 24 2.2 As línguas românicas ............................................................ 27 2.3 Uma fonte de conhecimento do Português .......................... 29 CAPÍTULO 3 A LITERATURA LATINA ................................................. 33 3.1 Um breve histórico ................................................................ 34 3.2 A poesia latina ....................................................................... 36 3.3 A prosa literária .................................................................... 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 45
  • 10. 9 INTRODUÇÃO Entre os mais distintos e sofisticados meios de comunicação, a língua é, sem dúvida nenhuma, o mais importante e valioso sistema comunicativo de uma civilização. Desde que o homem sabiamente criou a escrita e as diversas formas de comunicar-se, a língua tornou-se a mais relevante delas por carregar consigo não somente aspectos semânticos e pragmáticos, mas também a história (e a memória) de um povo. Assim, como qualquer outra língua, com o latim não foi diferente. Estabelecido como língua oficial do Império Romano, passou a ser vigente inclusive nas áreas conquistadas e, propagado pelos diversos territórios, era usado cada vez mais como língua de comunicação entre os romanos e os povos das províncias, tornando-se uma língua universalizante, que unia as civilizações. Surgiram, então, variedades no latim falado, ou seja, dialetos que, em parte, diferenciavam-no do latim literário, o erudito. O uso daquele latim foi então disseminado por todo o império e também por outros povos, o que permitiu o surgimento das línguas românicas, como é o caso do português. Entretanto, o objetivo deste trabalho não se reduz ao estudo do latim enquanto língua clássica e/ou vulgar, mas ao legado linguístico, literário e, sobretudo, cultural que foi deixado pelo povo romano para o mundo ocidental. Cabe aqui um estudo linear e suscinto de como o latim deixou de ser a língua de um povo para fazer parte da vida de toda uma civilização, seja nos aspectos linguísticos ou culturais. Para tanto, compõe-se de pesquisas bibliográficas e suportes teóricos de autores tradicionais e contemporâneos que se debruçam sobre a história do latim. Estudar a herança latina significa, pois, resgatar a história que antecedeu a nossa e valorizar os resquícios desta antiga civilização, que proporcionou ao mundo atual técnicas e conhecimentos para se viver em sociedade. Sendo assim, cada capítulo deste trabalho abordará aspectos que demonstram e comprovam a concretude deste legado que deve ser cada vez mais reconhecido e valorizado. Portanto, far-se-á conseguinte uma sintética exposição do que dispõe cada seção e os estudos feitos acerca da importância do latim. O primeiro capítulo destina-se a uma análise, do ponto de vista histórico, de como a língua latina propiciou uma herança cultural para as civilizações posteriores, bem como sua
  • 11. 10 relevância. Para tanto, é relatada a história e a origem do povo latino, a evolução do latim ao longo da consolidação do império e seu uso pelo povo romano e pelos conquistados, demonstrando sua forte presença na formação do caráter daquela nação. Ressalta-se que neste capítulo são tratados muitos aspectos desse legado, mas para o estudo aqui realizado o que interessa são as heranças linguística e literária. O capítulo 2 refere-se ao legado linguístico e a tudo que estiver ligado a este aspecto, como a etimologia, a lexicologia, a morfologia etc. Neste item, é mostrado inclusive como o estudo desta língua proporciona um aporte seguro para a aprendizagem do português (o que não significa, porém, que se deva tomá-lo somente como base para isso). Considerando-se o latim como arte de ler e escrever bem, o terceiro e último capítulo trata da literatura latina, abordando suscintamente a história da criação da poesia e prosa latinas (fases, épocas e obras mais relevantes). Trata também dos literatos que contavam, cantavam e encantavam com suas belas criações literárias. Pretende-se, pois, com este capítulo, mostrar que a vida em Roma também era contada principalmente pela arte da escrita, através das obras literárias, e como estas serviram, e ainda servem, de inspiração para escritores de épocas distintas. Para os antigos romanos, legatus,i era um embaixador, um emissário, um comissário encarregado de regular os negócios de um povo vencido assistido por mais nove romanos. Já para o mundo contemporâneo, como um bem que alguém deixa a outrem por meio de testamento, um legado é uma riqueza; quando cultural, uma fortuna de valor inestimável. Assim, estudar o surgimento dos povos latinos sob os pontos de vista linguístico e literário é um retorno à origem daqueles que contribuíram para a gênese de nossa sociedade. Portanto, pode-se dizer que o latim é um dos mais importantes legados culturais deixado pelo Império Romano, que ainda se faz presente na sociedade contemporânea.
  • 12. 11 CAPÍTULO 1: A LÍNGUA LATINA E O SEU LEGADO CULTURAL A língua latina foi, por muito tempo, o mais influente e importante sistema linguístico das antigas civilizações, não só por ser parte significativa da consolidação do grande Império Romano, mas porque através dela o seu mundo se fez conhecido. É possível ratificar essa afirmativa uma vez que, historicamente, a luta pela extensão territorial de Roma, e mais tarde as conquistas desta civilização, permitiu a unificação entre vários povos, tanto pela língua, fonte de comunicação entre todos, como por meio da integração de culturas e costumes. Cada povo dava um pouco e recebia do outro, numa espécie de “troca” que tornou possível a globalização – prodígio romano, outrora chamada romanização – entre as etnias e, assim, mudou a história da sociedade ocidental como um todo. Aprender latim significa, portanto, resgatar uma língua que fundamentou a nossa civilização e transmitiu através de si a história de seu povo: costumes, pensamentos, tecnologias, concepções de vida em sociedade, lazer, consumo diário, ofícios e ocupações, estruturas familiares, política, conquistas, enfim, tudo o que diz respeito ao modo de viver de um povo e que só foi possível o conhecimento porque essa língua sobreviveu ao tempo e à queda do Império Romano que, mesmo deposto como supremo e poderoso, não deixou sua história “jogada ao vento”, transmitindo-a a todos por meio do idioma. Isso é legado, é herança passada de geração em geração. A própria definição de legado vem inclusive do latim legatus,i que etmologicamente vem de legare (delegar, transmitir a alguém, enviar com uma missão), de acordo com Cunha (1982), e denomina um “valor previamente determinado que alguém deixa por testamento”. Na definição atual, legado é sim um valor deixado, mas um bem cultural, social e existencial. Assim, dizer que o latim é um legado romano significa afirmar que essa língua tem não somente uma função sistemática de comunicação, mas sobretudo de conhecimento, transmissão de valores culturais e sociais. O estudo sociolinguístico é um trabalho interdisciplinar que possibilita o conhecimento da estrutura social de um povo por intermédio da análise de sua língua. É uma das grandes ferramentas do saber que a ciência moderna possui, dando uma grande oportunidade não só de resgatar e exclarecer fatos históricos, como também de descobrir e
  • 13. 12 contá-los sobre outra ótica. Logo, como compreender o mundo contemporâneo, em toda sua complexidade, sem conceber nossas raízes latinas? Como entender o mundo medieval e a história do cristianismo sem uma incursão pelo latim? Para a História, Filosofia, Direito, Filologia etc, os grandes tratados da antiguidade foram escritos em latim, sem os quais é impossível um trabalho de pesquisa mais sério. Outrossim, encontra-se a presença da língua latina na atualidade em outros campos científicos, mesmo em áreas que não foram trabalhadas ou mesmo conhecidas pelos antigos romanos, como o caso de determinados ramos da Biologia. Toda nomenclatura da Zoologia e da Botânica está em latim; na classificação periódica dos elementos da Química, esses são abreviados levando em consideração a terminologia em latim; na Medicina, utiliza-se desta língua clássica para, em anatomia, nomear ossos, sistemas, órgãos, músculos etc. Áreas humanas e exatas “beberam e bebem” desta fonte. Entretanto, para se compreender melhor o estudo aqui realizado sobre o latim e seu legado, dando destaque ao linguístico e literário, acredita-se que é pertinente algumas considerações prévias acerca dessa língua, tais como sua origem, ascensão e declínio, pois o que se quer neste trabalho é fazer-se (re)conhecer a grande contribuição dada por ela ao mundo atual. As fontes bibliográficas para este estudo foram principalmente proporcionadas pelo módulo do professor Luís Bulcão, mas também de autores que tratam da língua e cultura latinas. Com tais referências, pretende-se, pois, mostrar que em nossa sociedade e na maioria das civilizações contemporâneas ocidentais, de uma forma ou de outra, a presença do latim é visível, não aos olhos, mas ao olhar crítico de quem conhece (ou se permite conhecer) a herança deixada por essa língua. 1.1 Do Lácio a Roma Localizada às margens do rio Tibre, em região que facilitava a comunicação entre a Etrúria e a Magna Grécia, principais áreas da Península Itálica, entre os séculos VIII e VI a. C., o Lácio tem relevantes motivos para ser preservado pela história. Território de solo rico, onde os latinos – pastores e agricultores – levavam uma vida simples, situava-se na parte central da Itália, entre o mar Tyrreno (hoje Mediterrâneo), à margem esquerda do Tibre, os Apenninos e os montes Albanos. Esta região é o berço de três importantes marcos da humanidade: o latim, o Império Romano e indiretamente, o Cristianismo.
  • 14. 13 Como ponto estratégico por sua localização e por seu solo rico, os latinos sofriam invasões e saques diversos. Em uma tentativa inicial de mera proteção, acabam se tornando grandes guerreiros que erguem a cidade de Roma. A fundação de Roma é cercada de mistérios e belezas, pois tanto pode ser contada pela Mitologia, com os irmãos gêmeos Rômulo e Remo, como pela Literatura – através da chegada de Eneias, descendente troiano que vai para o Lácio – ou mesmo pela História, com a unificação das tribos que viviam na península tendo como líderes os etruscos. Há 2500 anos o latim era apenas uma das línguas faladas na região central da Península Itálica. Língua usada pelos latinos, convivia na situação limítrofe com outros idiomas locais: osco, volsco, samnita, umbro, etrusco, falisco etc. As inscrições em latim mais antigas que se conhecem datam do século VI a.C. e foram feitas em várias versões do alfabeto grego, o qual havia sido levado para a Itália por colonos gregos. Este alfabeto, com adaptações ao romano, é o que se utiliza hoje. A princípio, nota-se a influência da língua latina para a disseminação da cultura romana, a qual só foi possível graças ao triunfo de um idioma que por séculos foi sinônimo de supremacia, poder e erudição. Fundada, inicialmente Roma se torna uma Monarquia, a qual teve o comando da dinastia etrusca: Tarquínio, o Antigo, Sérvio Túlio e Tarquínio, o Soberbo. Fim do regime, a cidade dos irmãos amamentados por uma loba passa a uma República. Neste novo regime político, os romanos conquistam os povos vizinhos, fazendo com que Roma adquirisse hegemonia sobre os habitantes da península e o latim, em 272 a. C, se tornasse língua oficial. O maior nome republicano é Júlio César. Após ser assassinado, Roma se torna um Império, e o nome César, sinônimo de imperador. Enquanto Império, os romanos conhecem vários imperadores, mas dois nomes se destacam pela importância com a cultura: Augusto e Adriano. É nesta fase que Roma conquista o mundo, ampliando seus horizontes e levando sua cultura para os quatro cantos conhecidos da Terra. O latim torna-se, então, o grande mensageiro romano. Roma, durante algum tempo, após a morte de Júlio César, foi marcada por guerras civis, pelo sentimento de impotência do povo em reverter a situação e trazer de volta os anos de glória do império. Sobre o comando de Augusto, os literatos da época responsabilizaram- se, então, por esta missão. Como o poeta Virgílio, sensível às reações populares diante dos acontecimentos, tentavam, através de suas obras, trazer à memória recordações de um tempo próspero, onde o campo era um ambiente de paz e o trabalho gerava o progresso. A história de Roma, desde a sua fundação, era recontada em poemas para que fosse percebida a grandeza da nação e a indiscutível contribuição de seu povo para tal.
  • 15. 14 Ao longo do tempo, o Império Romano estendeu-se por grande parte da Europa, norte da África e Oriente Médio. O latim era usado em todo império como língua oficial da lei, da administração e, cada vez mais, como a língua do dia-a-dia. A literatura era comum entre os cidadãos romanos e as obras de grandes autores latinos eram lidas por muitos. Neste meio tempo, no leste do Mediterrâneo, o grego continuava sendo língua franca e os romanos cultos falavam tanto o latim quanto o grego. Os exemplos mais antigos de literatura latina são as traduções das peças gregas e o manual de agricultura de Cato, os quais datam de 150 a.C. A linguagem usada na literatura latina ancestral, o latim clássico, era algo diferente do latim falado, conhecido como latim vulgar. O declínio do latim como língua oficial e dominante corresponde ao enfraquecimento do Império Romano, o que, mais uma vez, ratifica a indissociável relação entre linguagem e história. A unidade linguística ia sendo desfeita, assim como a unidade social definhava devido ao momento pelo qual Roma passava. Todavia as marcas romanas já estavam tão impregnadas na humanidade que, mesmo perdendo o poder político e lingüístico, Roma irá legar a base de culturas vindouras. O Cristianismo, assim, passa a ser o grande responsável por tal feito. O quadro a seguir mostra, sinteticamente, a origem, ascensão e o declínio do Império Romano e, consequentemente, da língua latina1: Período Roma Língua 753 a.C Fundação de Roma pelos Vestígios arqueológicos de um gêmeos Rômulo e Remo vilarejo (Lácio) habitado por pastores (segundo a lenda). e lavradores latinos. 509 a.C Até então uma monarquia, os latinos de Roma a tornam uma Surgem as primeiras inscrições em república. latim. 272 a.C Roma dominava a Itália. O latim torna-se língua oficial da Península Itálica. 58-44 a.C Júlio César é declarado ditador Desenvolvimento do latim arcaico sob perpétuo pelo Senado, mas é o influxo da literatura grega. morto. 1 Quadro elaborado a partir das informações contidas no módulo de Língua, Literatura e Cultura Latinas organizado pelo Professor Luís Bulcão.
  • 16. 15 27 a.C e 14 d.C Após uma guerra civil, Produção literária de Virgilio, Horácio Otaviano (Augusto) vira e outros escritores. imperador e consolida os O latim é usado em todo o Império domínios no Mediterrâneo. como língua oficial da lei, da administração e cada vez mais como língua do dia-a-dia. 116 Com Trajano, o império alcança sua extensão máxima. Os romanos cultos falam tanto o O auge dura até as invasões latim quanto o grego. dos povos bárbaros. 313 Constantino confere liberdade Enfraquece o prestígio da língua religiosa ao império e lança as literária e a separação entre o latim bases para transformar o clássico e vulgar diminue. cristianismo em religião oficial. 395 Antes de morrer, o imperador Ao longo do tempo o latim se Teodósio divide os domínios dialectaliza e os romanismos de Roma em Império do desenvolvem-se cada vez mais. Ocidente e Império do Oriente. 476 Com a queda do Império, a oposição Rômulo Augusto, último entre unidade e diversidade, entre imperador do Ocidente, é latim culto e popular foi eliminada deposto em 476 e, em 1453, o definitivamente em benefício deste Império do Oriente cai. último. 639 A língua escrita tornou-se quase Isolamento das diversas partes impossível pelo alto preço dos do Império e colapso cultural. pergaminhos e pela falta total de papiro; condenação da literatura. 813 Renascimento carolíngio (renascimento da literatura e Morte do latim culto e nascimento dos das artes que teria ocorrido romanços, rompendo a unidade do principalmente no reinado de latim e favorecendo sua diversificação. Carlos Magno).
  • 17. 16 Pode-se observar pelo quadro-síntese que, mesmo após o colapso do Império Romano ocidental, em 476 d.C, o latim continuou a ser usado como linguagem literária por toda a Europa central e ocidental. Durante o século XV, começou a perder sua posição dominante na Europa como língua de pesquisadores e religiosos e foi amplamente substituída por versões escritas das línguas vernáculas europeias, muitas das quais eram descendentes ou haviam sido fortemente influenciadas pelo latim. As fases pelas quais passou a língua latina, assim como a história de Roma e de seu povo, mostram o quanto essa nação lutou pela estabilidade política, social e cultural, na busca da perfeição que Augusto almejava em seu governo. A divisão do Império, as lutas sociais, o descontentamento, as guerras, a instabilidade linguística e, principalmente, o fim do glorioso momento histórico romano facilitaram as invasões dos chamados bárbaros. Junto com suas terras, com seu povo agora conquistado, a língua também perde sua autonomia. Levada para vários povos e distintos lugares resulta, tempos depois, na criação de outras línguas. 1.2 A língua na formação de um povo Uma nação se estabelece a partir de seu povo e de sua língua. Quando uma língua deixa de existir, pode-se dizer que, junto com esta, “morre” um povo. Da mesma forma é possível afiançar que um povo que cultiva suas letras faz parte de uma nação rica. É o que os romanos, inicialmente, perceberam ao contatar com os etruscos e, posteriormente, ratificaram, quando do convivio com a civilização helênica. Se para muitos Roma foi mestra, dos gregos foi aprendiz. E isto pode ser verificado em sua trajetória. Desde que Roma foi fundada, seus governadores sempre buscaram a comunicação entre os povos do Lácio e as províncias conquistadas. Através de estradas e vias públicas, eles pretendiam extender tanto o território romano como a cultura de sua nação, pois teriam a garantia de um império sólido e unificado. Por tal motivo, o latim foi imprescindível. Os cidadãos romanos tinham direitos e deveres bem estabelecidos e, durante a República, por exemplo, as leis eram bem rígidas e deviam ser seguidas à risca. A organização da sociedade romana era feita por meio dessas leis que se tornaram fundamentais para uma vida sociável. Quando os imperadores impuseram seu poder, a cidadania passou a ser um dos principais requisitos para um romano. Assim, Roma era dividida entre plebeus (o
  • 18. 17 povo) e patrícios (os cidadãos). Aqueles poderiam conseguir o status de cidadão se fossem grandes proprietários de terras, e os que não conseguiam teriam que suportar as obrigações de subordinado. No entanto, o significado de cidadania foi ampliado e, atualmente, cidadão é todo aquele que tem direitos e deveres para com a sociedade em que vive. Em se tratando da vida em Roma, pode-se dizer que os romanos viviam de modo semelhante ao mundo de hoje, numa cidade grande: ruas cheias de pessoas, casas aglomeradas, mendigos, estradas e construções imponentes, tudo quanto diz respeito a uma metrópole. Festas e eventos com comida e bebida em abundância, seguidos de muita orgia e embriaguez, eram típicos da burguesia. Com a expansão do império, o convívio com outros povos permitiu a transmissão do latim para estes e, consequentemente, os aspectos culturais romanos. Isso implica que as províncias que iam sendo conquistadas tinham contato com a vida social romana através do latim, que era usado por todos em Roma. Com a propagação do latim e a relação com outros povos, torna-se evidente o contato com outras línguas e, mais ainda, os fatores que condicionam uma mudança, seja em que âmbito for. Isso ocorre porque, inevitavelmente, toda língua carrega consigo aspectos culturais e sociais de seu falante que, em contato com outra(s), é influenciada direta ou indiretamente. Assim ocorreu com a língua latina ao longo do Império Romano: ao conquistar novos territórios, o latim passou a ser influenciado por outras línguas, como o grego e o etrusco, que juntamente com a língua de Roma faziam parte do cotidiano desses povos. Na época da consagração do imperador Augusto, a proposta da pax augusta parecia entorpecer e alegrar os ânimos de uma população desgastada por guerras civis. A volta ao campo, o trabalho manual e a luta pelo progresso eram forças propulsoras que impulsionavam os romanos a seguir o instinto patriota de elevar sua nação. O momento magno quase que exigia isso do povo, entretanto a sensação de estabilidade não duraria eternamente. O latim começa a perder sua posição de língua oficial e dominante, quando a cultura desses outros povos passa a influenciar consideravelmente a de Roma. Entretanto, no período de gestão do imperador Constantino, a religião que viria mais tarde a se espalhar pelo mundo – o Cristianismo – passou a utilizar a língua latina como principal difusora de seus ideais. O latim propagou-se de tal maneira pelos territórios romanos que ocorreu a sua dialetação, tornando o latim clássico, usado mais frequentemente pela burguesia e pelos literatos, muito diferente do latim falado pelo povo, o chamado vulgar. Deve-se ressaltar, contudo, que ao estudar o latim vulgar e suas variações linguísticas é indispensável destacar a contribuição daqueles escritores que utilizaram em suas obras esse dialeto, tornando possível o estudo e a comprovação da diversidade do idioma e,
  • 19. 18 especialmente, de sua importância enquanto língua do povo e pedra basilar para a formação de outras línguas. Produto de uma contribuição variada, o sermo vulgaris possibilitou que línguas como o português viessem a surgir, tornando-se patrimônio de uma nação. Torna-se indiscutível afirmar que toda e qualquer língua é um valioso bem a ser preservado pelo seu povo. O latim, surgido na região do Lácio, formou seu povo, os latinos, que por sua vez, constituiu o Império Romano que, mais tarde, proporcionou ao mundo, através de sua língua, o surgimento de outras que fariam dela uma língua eterna, vivida e revivida no cotidiano dos “neoromanos” da contemporaneidade. 1.3 A herança deixada para a humanidade Pode-se afirmar que o latim teve e tem importante influência na sociedade atual e, como visto, não somente no aspecto linguístico. Além das diversas línguas românicas geradas que são importantes campos de estudo, há várias outras áreas científicas e artísticas em que ele se faz presente, seja em parte ou no todo, e que, mesmo parecendo díspares, conferem a esta língua a sua contribuição, tais como: Biologia, Medicina, Direito, Filosofia, Sociologia, História, Religião, Literatura, Escultura, Arquitetura, Música, Cinema, dentre outras. [...] há uma rica literatura deixada pelo mundo romano, que não só nos permite o desfrute de autênticas obras de arte como estende seu alcance por outras áreas do conhecimento: pela historiografia, pela filosofia, pela antropologia, pela teoria literária em todos os seus matizes, pela ciência, pelo teatro. [...] há o interesse linguístico pelo latim. [...] Sendo uma das mais antigas línguas indo-europeias [...] fornece-nos explicações para fenômenos aparentemente inexplicáveis de nosso idioma e das línguas irmãs do português. (CARDOSO, 1999, p. 10) Para a ciência, o sistema de nomenclatura binominal, que foi criado por Carolus Linnaeus em 1755, utiliza o latim nas nomenclaturas científicas em geral, em nomes de plantas e animais. Os biólogos usam a terminologia latina, assim como os paleontólogos e outros cientistas, a fim de nomear gêneros e espécies. Na medicina, Nero foi o precursor do parto em “cesariana”, pois este imperador, um dos doze Césares, nasceu em circunstâncias especiais. Assim, o Latim exerceu enorme influência sobre diversas línguas vivas, ao servir de fonte vocabular para a ciência, o mundo acadêmico e o Direito, em especial.
  • 20. 19 O aspecto religioso ocidental até hoje apresenta muitas semelhanças com a religião romana, sendo o Cristianismo o maior destaque nesse caso, já que se apresenta como religião oficial praticamente em todo esse hemisfério planetário. O latim eclesiástico ainda é usado pela Igreja Católica em liturgias e documentos oficiais, apesar das missas atualmente serem celebradas em línguas vernáculas. Há, no entanto, indícios de que em algumas regiões do Brasil, por exemplo, a igreja opte por rezar missas em latim, como eram feitas originalmente. Pode-se observar também que geralmente palavras escritas em latim aparecem em emblemas, símbolos e brasões de instituições como igrejas, universidades e fóruns, representando o lema ao qual defendem. O Direito romano, para muitos especialistas, é a mais significativa contribuição desse povo para a sociedade moderna, pois esta rígida ciência ainda é a base da legislação brasileira e de outras nações. Em textos jurídicos, encontram-se expressões como habeas corpus, álibi, data vênia, animus decipiendi, animus ambulandi, animus abutendi e animus confitendi. Até mesmo os conceitos de cidadania, expansão e civilização têm procedências na mitologia romana. Num pequeno núcleo urbano originou-se um grandioso império e sua trajetória de organização política se divide entre Monarquia, República e Império, fato acontecido também na estruturação política brasileira. As instituições políticas romanas inspiraram filósofos iluministas ao criarem também os senados (em latim: Senatus é a mais remota assembleia política da Roma antiga, com origem nos Conselhos de Anciãos da Antiguidade oriental surgidos após o ano 4000 a.C. Daí a origem de seu nome, senex, "velho", "idoso"). Dois outros motivos pelos quais Roma deve ser constantemente lembrada são a Literatura e a Filosofia. Vários estilos literários praticados atualmente são de origem romana, como é o caso da sátira. É uma literatura que supera em quantidade e qualidade qualquer outra literatura nacional durante o mesmo período, pois basta lembrar as grandes obras da Teologia como o hinário e as coletâneas de lendas cristãs. Também, no lado profano, nomes como os de Dante, Petrarca, Boccaccio, Erasmo, Bacon, Descartes e Newton produziram obras e tratados valiosíssimos em latim. Até mesmo o termo literatura vem do latim "litterae" que significa "letras", possivelmente uma tradução do grego "grammatikee". Em latim, literatura significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com as artes da gramática, da retórica e da poética. Os escritores romanos deixaram para as futuras gerações uma visão detalhada da vida cotidiana e de sua diversão, de suas angústias, de seus prazeres e de suas dores. Praticamente podemos sentir o gosto das refeições das pessoas comuns: o pão
  • 21. 20 integral, o queijo fresco prensado à mão, os figos verdes de segunda safra e, é claro, o pequeno peixe de grande popularidade, o arenque. Podemos caminhar pelas fazendas romanas graças à poesia de Virgílio e ouvir conselhos de como trabalhar a terra. Considerava-se que o sétimo dia da Lua trazia sorte para laçar e domar o gado selvagem e, no verão, o feno de um prado seco deveria ser cortado depois do anoitecer para melhores resultados, uma das regras da produção de feno que era seguida com frequência na Itália e que persiste na lembrança de muitos. (BLAINEY, 2008, apud COSTA, 2009) A Filosofia apresenta-se como base da moral romana, da qual se destaca Horácio como um poeta cuja obra está marcada pelos valores do estoicismo (corrente filosófica que fundamentava-se num universal materialismo e dispensava qualquer transcendência) e do epicurismo, o qual foi uma das respostas dadas pelas escolas filosóficas ao momento histórico em que vivia a Grécia da época helenística. Ambas são, entretanto, correntes da filosofia que retornam à metafísica naturalista dos pré-socráticos e foram de extrema relevância para a concepção de valores dos romanos para a vida em sociedade. Os romanos foram introdutores de novos componentes arquitetônicos, dos quais se destacam os arcos, as cúpulas e as abóbadas, além dos aspectos monumentais de suas construções, a exemplo de estradas e pontes, imprescindíveis para facilitar a comunicação e o comércio entre as cidades, assim como para garantir a união do Império através da melhor locomoção do exército e de pessoas. Sem falar nos arcos de triunfo, anfiteatros, templos, circos, basílicas e casas de banhos (termas). Muitos desses monumentos sobrevivem até os dias atuais, como é o caso das ruínas do Coliseu. Na escultura, sempre houve a preocupação de reproduzir de forma realista as características da fisionomia dos modelos, mormente cabeças ou bustos, principalmente das grandes personagens públicas, dando grande valor ainda à técnica dos afrescos e mosaicos. Isso mostra a inovação dos romanos em relação aos gregos, uma vez que estes, ao representarem um imperador ou filósofo importante, os endeusavam e davam-lhes uma forma escultural divinizada. Quanto ao esporte, as lutas de gladiadores nas arenas (termo que significa areia), o lançamento de dardos, as corridas, o levantamento de pesos e a natação, praticados pelos romanos, exerceram muita influência nas modalidades esportivas atuais, tendo até mesmo a estrutura dos estádios de futebol inserida neste legado (uma analogia ao Coliseu, que estruturalmente pode ter dado origem a esses espaços esportivos). A publicidade faz parte de uma importante atividade econômica que move o setor de consumo, tendo como principal interesse a difusão maciça de apelos que instigam a compra de produtos e serviços. O termo publicidade, de acordo com Cunha (1982), vem do substantivo latino publicus e do verbo publicare, sendo originalmente vocacionado para a
  • 22. 21 livre circulação das idéias. Ao redor do mundo, ela interfere decisivamente nas decisões tomadas pelos consumidores por meio do intensivo investimento na propagação de marcas. Pertencentes a esse paradigma, marcas como ADIDAS e OLYMPIKUS, ambas produtoras de materiais esportivos, possuem, na investigação da sua raiz etimológica, origem no latim: ADIDAS - do verbo latino addo, -is, -ere, -didi, -ditum = 1) colocar junto de, pôr juntamente, aplicar, adaptar; 2) ajuntar, acrescentar, aumentar, redobrar a velocidade; 3) tornar-se mais corajoso, dar coragem. No português adido (adj. sm.); e OLYMPIKUS - do adjetivo latino olympicus, -a, -um = Olímpico, do substantivo latino Olympus, i = Olimpo, montanha entre a Tessália e a Macedônia, morada dos deuses. Percebe-se, lexicalmente, (Cunha, 1982) que até mesmo nas relações mais intrínsecas do homem, esta cultura está presente: o termo “família”, derivado do latim “famulus”, que significa “escravo doméstico”, foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas a agricultura e a escravidão legalizadas. Até mesmo “amor” é latino: o verbo amare é a base para a palavra amor; diligere tem a noção de "ser afetuoso de", "a estima", e seria adequado para descrever a amizade de dois homens; caritas é usado em traduções da Bíblia para significar "amor caritativo". Socialmente, a noiva como figura central na cerimônia de casamento, bem vestida e arrumada com flores de laranjeiras no véu, é mais um artifício romano. Como este, outros hábitos diários desse povo prevalecem no cotidiano, a saber: tomar vinho por razões etílicas ou de saúde; tomar banho em locais públicos; valorizar os avanços tecnológicos; lutar pelos direitos de um cidadão etc. Diante de tanta exuberância e riqueza, porém, não se engane em pensar que antigamente não existiam práticas como a prostituição, o homossexualismo e o ócio; atitudes imorais como propina, orgia e luxúrias (os aristocratas viviam em versões luxuosas da domus, a tradicional casa da nobreza romana, que possuía água corrente e piscinas aquecidas); as diferenças sociais e a escravização. Esta antiga língua está ainda nas tecnologias mais modernas (segundo BLAINEY, 2008 apud COSTA, 2009): na fecundação in vitro, no fax (abreviação de fac simile, que significa "faça de maneira semelhante"), num curriculum vitae, na renda per capita, déficits, superávits, e da pós-graduação lato ou stricto sensu ao doutor honoris causa. Mesmo muitas palavras importadas do inglês remontam ao latim: na informática usa-se o verbo deletar, do inglês to delete, que vem do verbo deleo, delere (latim) e significa "destruo, apago”. Aproximadamente oitenta por cento das palavras da língua portuguesa são oriundas ou ainda escritas em latim, como, por exemplo, as expressões idem, o supra summum, o et caetera.
  • 23. 22 Alguns filmes, como A Paixão de Cristo, apresentam diálogos em latim; muitas organizações e governos ainda hoje ostentam lemas em latim, como o estado brasileiro de Minas Gerais (libertas quæ sera tamen). A tradução para o latim de obras "best-sellers", como Harry Potter, além da presença da língua latina em jogos de videogame e em letras de músicas de bandas conhecidas se tornam fatores de interesse por jovens para seu estudo. Encontra-se ainda vivo o gênero épico no cinema, em que naquela época, os gladiadores apareciam a serviço das narrativas no começo do Cristianismo. Outro legado romano é a forma de contar os dias do ano e o próprio calendário gregoriano usado atualmente. A denominação do mês de julho, por exemplo, é emprestado do nome Júlio César, tendo César, por sua vez, virado sinônimo de imperador e derivado em alemão kaiser e em russo czar. Em relação ao seu valor linguístico, não se pode deixar de falar que o latim vulgar é o ancestral das línguas neolatinas (italiano, francês, espanhol, português, romeno, catalão, reto- românico e outros idiomas e dialetos regionais da área); assim também como muitas palavras adaptadas e/ou originadas do latim foram adotadas por outras línguas modernas não neolatinas, como o inglês e o alemão. O fato de haver sido a língua franca do mundo ocidental por mais de mil anos é prova de sua influência. Após sua transformação nas línguas românicas, o latim continuou a fornecer um repertório de termos para muitos campos semânticos, especialmente culturais e técnicos, para uma ampla variedade de línguas. Das cidades aos campos, das termas aos teatros, da literatura à filosofia, da ciência à engenharia, da história à mitologia, enfim, todo esse legado romano assegura a perpetuação de um passado que está recriado na sociedade contemporânea, através da língua latina. Portanto, essa grande herança deixada pela civilização romana marca um elo entre o seu passado e o presente, tornando-se um patrimônio de valor inestimável, que deve ser preservado e estudado ao longo dos tempos.
  • 24. 23 CAPÍTULO 2: A LÍNGUA LATINA A língua, de um modo geral, pode ser definida como um sistema de signos convencionais que articula a comunicação entre pessoas de uma determinada comunidade. Este sistema, por não compor uma realidade estática, possui um dinamismo que o leva de uma imperceptível variação a uma notória mudança. A língua latina, portanto, foi a linguagem que predominou, inicialmente, na região do Lácio até estender-se por toda a Roma e, tempos depois, para diversos lugares do mundo. Isso mostra desde já a influência desse sistema linguístico para a formação de outras línguas. Entre vários outros falados na Península Itálica, o latim era o idioma de simples pastores e rústicos agricultores, pessoas que viviam diretamente da terra e apenas o utilizavam como meio de comunicação. Com a romanização, os latinos, além de entrarem em contato com povos cujo modelo social era mais estruturado, acabaram incorporando elementos de culturas diversas para formar o que viria a ser o Império Romano. Assim, a priori serviram-se dos etruscos, dos quais possivelmente herdaram o alfabeto que nos foi legado. Por fim, enriqueceram-se com os gregos, de quem não só se inspiraram no apreço pelas artes como, e sobretudo, no cultivo das letras. Uma vez com uma sociedade politicamente ordenada e fazendo uso da língua para fins inclusive estéticos, os romanos passam a conhecer a literatura como arte, e o latim passa a ter dois padrões de fala: o vulgar e o literário. Fundamentais para a história do antigo império, estas duas modalidades de articulação da mesma língua convivem lado a lado por muito tempo, até que tenham desfechos diferentes: uma transformar-se-á, gerando falares, enquanto a outra será preservada em obras de arte. Para Maurer Jr. (1962, p. 53 apud ROSSI, 2001) na Roma antiga, as três principais manifestações do latim eram: a língua literária, utilizada por grandes escritores como Cícero e Horácio; a língua coloquial urbana, usada pela sociedade aristocrática; e a língua vulgar, que era falada pelo povo. É interessante ainda constatar algumas características do latim clássico: a primeira delas é a estabilidade linguística, pois era extremamente rígido. Isso se deve por se tratar de uma língua empregada por uma elite dominante – os patrícios – zelosa de proteger
  • 25. 24 seu poder político, econômico e social, uma vez que tinha costumes e educação muito refinada. Outra característica é a formalidade da língua, sempre tendendo para o sintético, e a estabilidade do latim literário, uma espécie de suporte documental para o latim utilizado por essa minoria. Vê-se aí o idioma como fator de dominação, como instrumento de poder, uma espécie de subestimação da cultura do dominado, como se o fato de saber uma língua de extrema rigidez gramatical, como o latim clássico, conferisse direitos quase divinos aos seus falantes, e qualquer outra manifestação linguística diferente desta seria quase uma ofensa aos deuses. Daí a marginalização por parte dos patrícios do latim dito vulgar. Apesar disso, alguns escritores, como Cícero e Petrônio, usaram-no em suas obras. Quando o latim, através da sua repercussão como língua oficial do Império Romano, foi aos poucos sendo integrado à cultura local de outras comunidades, sofreu direta e indiretamente modificações em sua estrutura, sobretudo no que diz respeito à fala, resultando então na sua dialetação. Com o passar do tempo, este continuou a se distanciar do padrão literário e acabou evoluindo para as línguas românicas. Por outro lado, muitas palavras adaptadas e/ou originadas do latim foram adotadas por outras línguas não neolatinas, como o inglês e o alemão. O fato de haver sido a língua franca do mundo ocidental por mais de mil anos é prova maior de sua influência. Esta influência pode ser muito bem detectada em diversas áreas sociais, verificando-se os elementos linguisticos de diferentes povos. Após sua transformação nas línguas românicas, o latim continuou a fornecer um repertório de termos a muitos campos semânticos, especialmente para o português que, apesar de ser formado com a contribuição linguistica de várias culturas, tem a língua dos antigos romanos como sua matriz principal. 2.1 Os aspectos vulgar e clássico da língua O latim foi transmitido de geração em geração e para povos de lugares distantes que, em contato com esta língua, assimilaram-na e disseminaram-na por onde passaram, levando consigo resquícios da cultura romana. Com o passar do tempo, aqueles que com ela tiveram contato, a seu modo, utilizaram-na em suas próprias culturas e fizeram, portanto, do latim uma língua universal. Segundo Cardoso (1999, p. 06), “durante o longo período de tempo em que foi utilizado como língua viva, o latim sofreu, evidentemente, profundas transformações”,
  • 26. 25 Para atestar a afirmação, basta notar as grandes dessemelhanças entre os primeiros textos literários produzidos no início do século I a.C. e os da era cristã, no final do século V. Este fato faz com que, de acordo com o período e a situação social predominante, caracterize-se historicamente o latim. Assim, denomina-se latim pré-histórico à língua falada pelos primeiros habitantes do Lácio, aproximadamente no século XI a.C, quando não se tem vestígios de nenhum documento escrito. Ao surgiram os primeiros documentos escritos, aproximadamente entre os séculos VII e IV a.C., este é chamado latim proto-histórico. O latim utilizado entre o século III e I a.C. e que manifestava-se, sobretudo, nos textos literários é nomeado arcaico. A partir do momento em que essa língua enriquece sua estrutura gramatical, graças à literatura e à influência da cultura helenística, surge o latim clássico, no segundo quartel do século I a.C. quando foram criadas obras literárias que marcaram a poesia e a prosa latinas. Por fim, considera-se o latim pós-clássico, recorrente nos primeiros séculos da era cristã, entre I e V, o que já não carrega a pureza e o vigor gramatical que marcaram a fase anterior, percebendo-se, logo, a dialetação do mesmo. É possível compreender que as fases pelas quais esta língua passou acarretaram variações e condicionamentos, o que justifica as mudanças ocorridas e a concepção de que o latim poderia, com o tempo, se extinguir, o que felizmente, não aconteceu. Fato é que, a partir do período arcaico, Roma passa a conviver com duas “modalidades linguisticamente acentuadas”: o latim clássico e o latim vulgar. Uma língua tem dois empregos distintos: o literário, quase sempre escrito, usado pelos artistas da palavra e pela sociedade culta, difundido nas escolas e Academias – e o popular, falado quase sempre, de que se serve o povo despreocupado e inculto. (NETO apud CARVALHO e NASCIMENTO, 1984, p.13) O latim falado, denominado vulgar ou sermo vulgaris, floresceu durante o Império Romano e permaneceu quando então os povos bárbaros invadiram e conquistaram essa nação. Os fatores que diferenciam-no do latim erudito estão além da dialetação. Sendo aquele usado pelas classes populares e estas, portanto, em maior número, funcionava “como um instrumento familiar de comunicação diária” (Coutinho, 1976, p. 30). A principal consequência do processo de romanização do latim foi o descontrole da variação linguística que ocorreu na língua. Os indícios do latim vulgar podem ser encontrados em algumas obras literárias da época, e isso permite ratificar as fases do latim. Entretanto, como era uma variedade da língua oral, dificultava o estudo da gramática por ser muito distinta.
  • 27. 26 No estudo do latim vulgar, deve-se salientar a importância das obras dos escritores da decadência romana, sobretudo daqueles que, visando a um objetivo superior, escreviam com simplicidade, sem a preocupação da gramática e do estilo. Neste número, estão os escritores cristãos. (COUTINHO, 1976, p. 31) Como afirma o autor, as construções gramaticais eram mais simples, caracterizando-se o latim vulgar por mudanças no vocabulário quando, por exemplo, acrescentou novos significados a uma mesma palavra ou na criação de outras; na fonética, pela supressão, inserção ou transformação de segmentos fônicos, tais como encontros vocálicos; na morfologia, ao reduzir o número de declinações e casos do latim clássico etc; e na sintaxe, principalmente pelas construções analíticas (muitas destas transformações estão presentes em gramáticas das línguas novilatinas, como o português). De acordo com Furlan (2006, p. 31), porém, “entendê-lo no sentido depreciativo de vulgarismo, de uso linguístico condenável, implicaria equívoco resultante de visão linguística superada”. Isso porque, segundo ele, a variação falada do latim não significa que houve corrupção do latim clássico, tampouco que o latim vulgar o sucedeu, uma vez que caracteriza-se como uma evolução e perpetuação da língua. Já o latim clássico, também chamado de sermo urbanus, é o latim em sua essência culta e bela, uma língua sintética que prima pela objetividade. Segundo Coutinho (1976, p. 29) “caracteriza-se pelo apuro do vocabulário, pela correção gramatical e pela elegância do estilo”. Em outras palavras, era uma forma que, em um número menor de vocábulos, transmitia a mesma mensagem que frases complexas de línguas analíticas. A pureza e sofisticação desta modalidade é ainda sinônimo de admiração de estudiosos da língua. Por ser de extrema rigidez gramatical, era utilizada especialmente pelas classes mais prestigiadas e pelos autores literários. Por tal motivo, para uns o latim é tão aclamado e por outros tão repudiado: a gramática latina exige muita atenção e estudo, portanto, o esforço para uma aprendizagem significativa varia conforme a motivação de cada um. Importante notar que o latim clássico está diretamente relacionado ao latim literário, usado nas obras. Para Furlan (2006, p.32) “o latim clássico é o da língua literária e da língua escrita em situação formal, com preocupações estéticas ou didáticas pelos escritores do período áureo da literatura latina”. Isso faz, segundo ele, com que a língua e a literatura latinas diferenciem-se do grego, por exemplo, pois por ser sintética, não era produto somente do intelecto, mas de elementos que a tornaram suprema, erudita, símbolo do poder romano. Foi através da língua latina, especialmente do latim clássico, que Roma instituiu seu Império, por meio das grandes obras literárias que foram escritas na época. O próprio César Augusto
  • 28. 27 percebeu o valor que a língua tinha e, por isso, instigava os poetas e prosadores latinos a comporem textos que transmitissem ao povo, principalmente, aos conquistados, as glórias do Império Romano. A relevância de estudar o latim clássico vai muito além das dúvidas recorrentes em línguas como o português, o qual a maior parte do vernáculo se compõe de palavras latinas. O confronto de línguas sintéticas com línguas analíticas, especialmente quando estas são oriundas daquelas, permitem a comparação entre elas e influenciam no estudo concentrado da língua em suas especificidades (aspectos morfológicos, sintáticos, semânticos etc). O latim vulgar era usado pelas diversas classes populares (sermo quotidianus, urbanus, plebeius, rusticus, ruralis, pedestris, castrensis etc). O latim clássico, apesar de cultivado e preservado pela classe mais culta da sociedade romana, foi cedendo espaço para o padrão coloquial. No período considerado pós-clássico, a língua literária começou a perder a pureza e sua característica sintética para dar lugar a formas analíticas, dialetações oriundas da disseminação do latim vulgar. O latim vulgar, comum a todos, é, portanto, o ancestral das línguas neolatinas. 2.2 As línguas românicas A queda do Império fez com que o latim perdesse o poder de língua normativa. As sociedades que haviam sido conquistadas e o absorveram como língua, tornaram-no tão diversificado que isso implicou, geograficamente, na consequente formação de sistemas linguísticos distintos. Naturalmente, foi um processo lento, mas decorridos os séculos, eles foram se concretizando. Herança valiosa para as sociedades que as tem como línguas oficiais, ou mesmo um segundo falar, as línguas românicas formam um grupo de idiomas evoluído do latim vulgar. Sabendo-se que a língua, de uma forma geral, é viva e dinâmica e, por este motivo, carrega consigo aspectos histórico-culturais de um povo, tornando-se o elemento básico para a construção e o desenvolvimento de uma civilização, pode-se afirmar que as línguas neolatinas são responsáveis pela formação de um novo mundo: a civilização latina. Será que, realmente com propriedade, o Latim deve ser chamado de língua morta? [...] E se afirmássemos que o Latim, mesmo não sendo a língua de um povo, é,
  • 29. 28 talvez por isso a língua de uma civilização, a nossa civilização ocidental? (SILVA ROSA, 1974). Com o enfraquecimento da unidade linguística, no século V, o latim vulgar se dialetou, passando a se desenvolver distintamente em localidades e contextos diversos. Surgem, assim, falares regionais que, mesmo oriundos do latim, devido às grandes modificações apresentadas, já não se poderia concebê-los como tal. Por outro lado, também não poderiam ser considerados como línguas literárias, por faltar-lhes “instrumentos linguísticos” (CARVALHO; NASCIMENTO, 1984) para as novas composições sociais e políticas. A esses múltiplos falares intermediários (castelhano, leonês, galo-provençal, romanço lusitânico etc) entre o latim vulgar e as línguas românicas atuais, chama-se romanços ou romances. Logo, conclui-se que as línguas românicas têm raiz mediata no latim vulgar e imediata nos romanços. Passada a fase de transição que caracterizou os romanços, paulatinamente com o surgimento de textos redigidos atesta-se, então, o nascimento das línguas românicas. Importante lembrar que o registro literário de aparecimento de alguns desses idiomas acompanham simultaneamente o surgimento de determinada nação. Isto para citar a importância política de uma língua. Assim, tem-se: francês (séc. IX); espanhol ou castelhano (séc. X); italiano (séc. X); sardo (séc. XI); provençal (séc. XII); rético ou reto-românico (séc. XII); catalão (séc. XII, ou princípios do séc. XIII); português (séc. XIII); franco-provençal (séc. XIII); dálmata ou dalmático (séc. XIV) e romeno (séc. XVI). As línguas românicas encontram-se presentes nos sete continentes, atuando em seis países como línguas oficiais. Delas, apenas o dalmático – falado até fins do século XIX na Dalmácia, antiga região da Iugoslávia – está morto. Estes idiomas não só comprovam que o latim vive, como também trazem consigo uma gama imensa do apogeu do Império Romano, servindo de fonte formadora para novas sociedades. Talvez como ascendentes têm de morrer para que a vida exploda, o Latim, mesmo não sendo língua de um grupamento social (logo “morreu”), está cada vez mais vivo como o repositório, a fonte de solução dos problemas linguísticos aflorados pela angústia criadora deste inventor insaciável que é o homem moderno. (SILVA ROSA, 1974) Embora o latim não seja mais língua de um grupo que nasça falando-o, estudiosos aceitam a concepção de que, pela herança linguística, literária e sócio-cultural deixada, este encontra-se vivo, de uma forma diferente, no mundo atual. Além disso, seu conhecimento é
  • 30. 29 fundamental para a compreensão das línguas românicas, e estas, por sua vez, fortalecem a necessidade de estudá-lo. Para Bearzoti Filho (2002, p.9) “Dentre elas, muitas tiveram curso de vida breve. Outras sobreviveram, ganharam tradição escrita e tornaram-se línguas oficiais de Estados Modernos independentes”. Segundo o autor, as línguas de origem latina mais influentes e disseminadas, no presente e no passado, são o português, o galego, o espanhol, o catalão, o francês, o provençal, o italiano e o romeno. Atualmente, dos dez idiomas mais falados no mundo três são românicos (o espanhol, o português e o francês) e dois receberam bastante influência do latim (o inglês e o alemão); e dos cinco principais difundidos com a colonização (o inglês, o francês, o espanhol, o holandês e o português), mais uma vez a língua dos romanos se faz presente. 2.3 Uma fonte de conhecimento do Português No prefácio de seu livro Gramática Latina, Napoleão Mendes de Almeida (1992) trata da verdadeira importância do latim, no qual aponta, dentre outras, sua relevância para o conhecimento da língua materna brasileira, o português. Afirma que não se pode pensar no estudo do latim apenas como benefício para a aprendizagem exclusiva do próprio idioma, muito menos que esta é a sua primeira finalidade, pois deste “podemos retirar a utilidade para todo o vernáculo”. Sabendo-se, porém, que a língua portuguesa possui influência quase unânime da língua latina, a qual abrange cerca de oitenta por cento do léxico, o autor defende que o estudo do idioma dos antigos romanos possibilita um entendimento conciso da língua nacional e, para tanto, propõe a inserção do latim nas salas de aula, desde a formação básica à superior. Almeida afirma ainda que, para qualquer outro fim, o estudo do latim proporciona maior desenvolvimento do raciocínio lógico e da coordenação mental, aguçando o hábito de análise e o espírito de observação, como deve ser todo trabalho educativo. Entretanto, hábilidades cognitivas à parte, sendo a língua portuguesa uma extensão do latim, que em processo de romanização chegou à Península Ibérica no século III a. C., em todos os aspectos linguísticos de sua formação encontram-se elementos da língua dos césares. É possível, portanto, detectar atualmente na gramática vernácula brasileira indicíos pertencentes tanto ao latim vulgar como ao clássico, já que ambos conviveram e, até certo ponto, se misturaram.
  • 31. 30 Na fonética, com o latim vulgar, a tendência na fala do povo era tornar palavras proparoxítonas em paroxítonas. Esse fator explica porque em português há um número considerável de palavras paroxítonas em relação às demais. Exemplo: álacrem (latim clássico) > alácre (latim vulgar) > alegre (português); cáthedram (latim clássico) > cathédra (latim vulgar) > cadeira (português). No léxico também houve a predominância do uso de palavras populares e afetivas com sufixos diminutivos. Por exemplo: o vocábulo auris (latim clássico) era mais utilizado na forma diminutiva auricula (latim vulgar). A evolução dessa palavra, através de processos fonéticos e fonológicos, resultou em orelha; a palavra equus (latim clássico) jamais era usada pelo povo que preferia caballu (latim vulgar), culminando em cavalo. Ainda em relação ao léxico, a formação do português brasileiro foi muito influenciado pelos empréstimos linguísticos, mas o latim sobressaiu a todos, por meio da variação falada, a qual agregou palavras de todos os povos da Península Ibérica. Deste modo, a contribuição latina para a compreensão de algumas palavras em português parece ser indispensável, pois possibilita ao aprendiz a percepção do sentido amplo de um vernáculo e a análise de vocábulos aparentemente da mesma “família”. Exemplos: água fluvial (lat. fluvius, i: rio); água pluvial (lat. pluvius, i: chuva), daí pluviômetro, instrumento que mede as preciptações das chuvas; cavalo alado (lat. ala, ae: asa) e inverno (lat. hibernu), por isso a palavra portuguesa hibernar, que diz respeito ao ato dos animais permanecerem em sua toca repousando durante o inverno. Na morfologia, verifica-se uma quantidade enorme de estrutura que não só facilita o entendimento do português, como também o coloca em contato direto com o latim. É o caso das formas comparativas e superlativas de adjetivos, que mesmo existindo uma tendência para o analitismo, nota-se ambas convivendo na gramática portuguesa. Exemplo de comparativo: dulcior, no latim clássico (forma sintética); magis ou plus dulce, no latim vulgar (forma analítica); mais doce em português. Exemplo de superlativo: dulcissimus, no latim clássico (forma sintética); multo dulce, no vulgar (forma analítica); docíssimo e muito doce em português. O mesmo se dá na formação da voz passiva na língua portuguesa: enquanto a passiva analítica segue a predominância do latim corrente, a passiva sintética ou de infinitivo seguem a forma do latim clássico. Dando continuidade à morfologia, a regra do plural em muitas palavras na língua portuguesa consiste apenas no acréscimo da desinência S, o que não ocorre em latim. Assim, o estudo da língua latina esclarece que as diferentes formas de plural do português, sobretudo terminadas em ão, podem ser naturalmente explicadas. A terminação plural ões tem sua
  • 32. 31 origem na terminação latina one ou ones, a exemplo de orationes (orações) e nationes (nações); o plural ães, nasceu de palavras terminadas em an, ane ou anes, como canes (cães) e panes (pães); o plural ãos teve duas formações: anu, anus, como em manus (mãos) e granus (grãos) e palavras paroxítonas terminadas em ãos, como bênção (bênçãos) e órfão (órfãos). Há, ainda algumas palavras na língua portuguesa que permitem mais de uma forma de plural, mas a tendência é a predominância do plural ões, como ancião, que pode ser anciãos, anciões ou anciães. Na sintaxe, também se encontram várias estruturas que só podem ser entendidas e explicadas a partir do conhecimento da língua dos romanos. Citemos o caso das orações subordinadas substantivas que no português possuem mais de uma forma: as substantivas reduzidas de infinitivo, as quais seguem o latim clássico. Exemplo: O povo diz ser a Terra redonda (Vulgus dicit terram esse rotundam); e as substantivas desenvolvidas, que mediante a conjunção integrante segue o analitismo do latim vulgar. Exemplo: O povo diz que a terra é redonda (Vulgus dicit quod Terra est rotunda). Como meio para um conhecimento mais específico sobre uma língua, observa-se também a etimologia. A etimologia é a ciência que estuda a origem das palavras em seu sentido mais verdadeiro possível, desde a raiz linguística a qual se originou. Se no português as palavras originaram-se, em sua maioria, do latim, logo, muitos vocábulos têm sentido conciso com a busca pela origem etimológica latina. Entender o processo de formação das palavras a partir do latim facilita a compreensão de termos aparentemente ilógicos. É o caso da palavra dominus,i (senhor) que aparece nos vocábulos dominar, domínio, condomínio; ager,agri (campo) origem das palavras agrário, agrícola, agricultor; e nauta,ae (marinheiro) formadora de náutico, astronauta, internauta etc. A título de curiosidade, ainda etimológica, os dias da semana têm seus nomes na língua portuguesa devido a palavras de origem latina. Nas liturgias, os dias da semana da Páscoa eram considerados dias santos, por isso não se deveria trabalhar: O shabbat (o sábado) era o dia em que os judeus se uniam para fazer sua reunião de fé e de mercado, último dia de seu calendário semanal, sendo este, portanto, o dia de descanso. Em 189 d.C., o Papa Vítor I muda o dia de descanso dos cristãos para o domingo, em homenagem à ressurreição de Cristo. Em 325 d.C., as orientações decididas no Primeiro Concílio de Niceia, reafirmaram a decisão de Vítor I, mudando o nome de Solis Dies, que significa Dia do Sol - forma como os pagãos se referiam ao domingo - para Dominica Dies, depois para Dominus Dei, que em português quer dizer “Dia do Senhor” e evoluiu para o vernáculo domingo.
  • 33. 32 Como descreve Arruda (2011, p. 18) o conhecimento de uma língua está muito além de sua estrutura ou gramática, pois possui também aspectos culturais e históricos. Então, conhecer a língua latina, bem como a sua formação, conferem ao usuário do idioma português a capacidade de entender sua própria origem e elucidar as dúvidas relacionadas às mudanças de uma língua para outra.
  • 34. 33 CAPÍTULO 3: A LITERATURA LATINA A Literatura é uma das principais expressões artísticas que prima por criar um universo paralelo ao mundo real, mas com traços que se assemelham a este. Fatos históricos, problemas sociais, vida em comunidade, guerras, conquistas etc, tudo o que marca o cotidiano de um povo pode se tornar objeto de inspiração para esta arte. Vale ressaltar, no entanto, que Literatura não deve ser confundida com História, apesar delas se relacionarem. Ocorre que a arte literária, de um modo geral, permite ao ser humano a sensação de parecer possível o mundo ficcional, colocando-o próximo do mundo real e conferindo ao seu contexto social uma similaridade com o ambiente descrito na obra. Evidente que este não é o objetivo da literatura, tampouco sua função, mas se a vida ao redor do Lácio inspirava os escritores a utilizarem-no como espaço privilegiado em suas obras, não tinha razão para não sê-lo. Assim, este capítulo trata, de maneira específica e suscinta, da Literatura Latina, apresentando um breve relato sobre o surgimento desta arte, alguns momentos importantes da sociedade romana, os quais influenciaram os artistas a compor seus trabalhos, e uma classificação em “fases” e “épocas” que, conquanto convencionais, guardam características bem marcantes. Outrossim, serão citados alguns escritores e obras de extrema relevância para o conhecimento acadêmico, bem como a importância que essa literatura teve em sua época e ainda tem para as civilizações posteriores, pois, embora a criação de obras literárias em Roma tenha sido inicialmente lenta e imitadora, o que denominar-se-á Literatura Latina é o resultado de um “ato criador” inigualável que contará e encantará a humanidade, como define Coelho (1980, p. 22). Ressalta-se que, para a conceituação de literatura num âmbito geral foram utilizadas as teorias de Nelly Coelho (1980) e, para o estudo da Literatura Latina, (prosa e poesia), os teóricos foram Zélia Cardoso (2003) e Oswaldo Furlan (2006), além de estudos complementares.
  • 35. 34 3.1 Um breve histórico A arte de contar histórias é conhecida desde a Grécia antiga, e os romanos tinham o entendimento de que, para ser uma nação independente e de cultura própria, deveriam ter a sua forma diferente de fazê-la. Inspirados nos gregos, mas não copistas, os latinos introduziram e fundamentaram sua literatura para, tempos depois, fazer parte da história. Tomando como exemplo a Ilíada e a Odisséia, ambas atribuídas ao escritor grego Homero, poetas e prosadores latinos começaram a escrever sobre a vida em Roma. Assim, surgem obras que tanto contam o cotidiano romano como os grandes feitos dos imperadores. Além disso, o próprio latim torna-se o elo de ligação entre a arte falada e a escrita, e a literatura passa a ser contemplada como forma de manifestar o belo e o inspirador. Segundo Cardoso (2003), “o estudo de uma literatura, portanto, deve ser precedido de uma coleta de informações sobre a época em que ela nasceu e floresceu”, assim como “a compreensão das manifestações culturais de um povo pressupõe o conhecimento das circunstâncias em que elas se produziram”. Logo, para que se possa dar início ao estudo da Literatura Latina torna-se conveniente compreender como essa arte originou-se em Roma e em que contexto social. A literatura de Roma, assim como qualquer outra, estava intrinsecamente relacionada à vida social, havendo períodos em que esta foi mais ou menos favorecida e valorizada. Seu nascimento, evolução, apogeu e, por fim, declínio acompanham o ritmo da própria história romana. A consequência da romanização impôs aos latinos o convívio com vários povos, atuando em determinados momentos como aprendiz e, em outros, como mestre. Aprenderam muito, a princípio, com os etruscos, dos quais possivelmente legaram o alfabeto, e posteriormente com os gregos de quem, dentre tantas heranças culturais, desenvolveram o cultivo das letras. Sob a boa influência helênica, desde o século III a. C., o latim praticado com intuito artístico foi sendo gradativamente enriquecido, até alcançar, no século I a. C., como afirma Cunha (1986, p.12), “a alta perfeição da prosa de Cícero e César, ou da poesia de Vergílio e Horácio”. Em 240 a.C., o épico grego Odisseia foi traduzido para a língua latina por Lívio Andrônico, um grego de Tarento que morava e ensinava em Roma. E isso marcaria oficialmente o início da literatura local. No entanto, foi em meados dos séculos VII ou VI a.C que a literatura realmente começa a surgir, restringindo-se, até então, a manifestações orais. O surgimento de Roma, contado
  • 36. 35 mitologicamente pela lenda dos irmãos Rômulo e Remo, ou mesmo pela História, a partir dos povos que habitaram o Lácio, passando pelas conquistas territoriais, as guerras, as vitórias e perdas, o triunfo do Império Romano, as invasões etc eram temas recorrentes dessas obras de arte. Todas as transformações sofridas por Roma, desde o seu “nascimento”, transcorrendo a Monarquia, a República até a queda do Império, são documentadas e registradas pela literatura e, quando a criação destas produções cresce em grande escala, vê-se a necessidade de organizá-las. Cardoso (2003) diz que “embora saibamos que a tentativa de classificar as manifestações literárias por períodos, épocas ou escolas é arbitrária e convencional” [...], esta é uma forma de especificar os pensamentos de cada momento que foram, sem dúvida nenhuma, distintos entre si por possuírem, sobretudo, características definidas. Logo, a história desta literatura foi dividida didaticamente em períodos, e os trabalhos produzidos, classificados em gêneros para, compreendendo o contexto da época, poder ser feito o entendimento adequado das obras. Classifica-se, pois, a literatura latina em quatro fases, as quais se distinguem pelo período em que determinados fatos ocorreram e que marcaram a história romana: a primeira, a fase primitiva: corresponde às primeiras obras traduzidas para o latim e às primeiras inscrições nesta língua; a segunda, a helenística: os romanos inspiram-se nas produções gregas para criar as suas primeiras poesias; a terceira fase é a clássica: período em que a literatura alcança seu auge, pois é justamente o momento de esplendor do Império Romano, e os seus governantes dão o aval para que os poetas e prosadores latinos escrevam as glórias e o poder que nessa época o mundo mediterrâneo pôde conhecer. Por ocorrer nesta fase acontecimentos distintos, foi sub-dividida em três épocas: a época de Cícero, criador de uma literatura clássica; a de Augusto, considerada a mais elevada pois este imperador usou a literatura inclusive a serviço da política; e a época dos imperadores julio-claudianos, em que Roma já começa a perder seu poder hegemônico, mas ainda florescem obras literárias. Quando o Império entra em decadência, inicia-se a quarta e última fase, a pós-clássica, a qual, mesmo não contendo o brilho da anterior, revela grandes escritores. Esta fase, também por características diferentes, se divide em duas épocas: a neoclássica, em que ainda se tem a escrita de obras relevantes tanto na poesia como na prosa; e a cristã, no final do século II, que abre espaço para produções de caráter estritamente religioso. A queda do Império Romano enfraquece em muito a produção literária latina, uma vez que o Cristianismo, implantado por Constantino como religião oficial, e a dialetação da língua latina, aliados a outros fatores político-culturais, prenunciam um novo período na
  • 37. 36 história da humanidade: a Idade Média. A Igreja Católica Romana passa a ser a grande matenedora dos trabalhos produzidos em latim. Prova disso é que, nos séculos posteriores, as epístolas e poesias líricas de conteúdo religioso serão os tipos mais comuns de obras literárias e, especialmente nos séculos IV e V, as Cartas de São Jerônimo serão exemplos marcantes para estudo da língua latina. Com isso, “os textos escritos em latim só atingiam um público reduzido” e “a produção literária definhava” (CARDOSO, 2003, p.210). Assim, a continuidade da Literatura Latina se deu, desse momento em diante, com obras eclesiásticas e escritores ligados a assuntos espirituais e morais. Importante ressaltar que, em 395 d.C. após o falecimento de Teodósio, na tentativa de evitar o desmoronamento, o vasto Império Romano foi dividido em duas partes: Ocidente e Oriente. A parte ocidental é a primeira a ser invadida e dominada pelos povos bárbaros, sucumbindo em 476. Já o Império do Oriente duraria tempo suficiente para que o latim se tornasse uma língua universalizante (através do surgimento das línguas românicas) e para que sua escrita fosse cada vez mais utilizada pela religião e entre as classes sociais cultas da sociedade. Para Coelho (1980, p. 23) “a arte é na realidade, em suas expressões mais variadas, o fenômeno que descobre o mundo à Humanidade”, buscando entender o universo do homem e sua existência, por isso deixa de ser a imitação do real para tornar-se a verdade do mundo ficcional. Assim, o que se produziu em Roma é resultado da essência que a literatura encontrou no ser humano, sobretudo na vida do povo romano, com seus mistérios e conflitos existenciais. Estudar e entender a Literatura Latina é buscar no passado um sentido para o presente, já que muito do que foi escrito compõe hoje a nossa história. A partir desse sintético estudo, busca-se compreender como os gêneros literários romanos se difundiram, transformando sobremaneira suas obras em clássicos da literatura universal e fontes de inspiração para escritores contemporâneos. 3.2 A poesia latina Tanto na Grécia como em Roma, as primeiras obras de arte inspiravam-se em mitos acerca da origem dessas civilizações. A pequena região conhecida como Lácio foi, através da mitologia romana, transfigurada em um ambiente onde o mágico e o extraordinário aconteceu: duas crianças são encontradas e alimentadas por uma loba. Com o passar do tempo, essas
  • 38. 37 crianças crescem e se tornam as precussoras de um futuro grande império. A lenda dos irmãos Rômulo e Remo é muito conhecida e hoje permite estudar a história do povo latino sob outros aspectos, pois detalhes dessa narrativa mostram como essa sociedade foi se formando. Apesar de o mito ser considerado “como criação estética da imaginação humana” (CHASE apud FURLAN, 2006, p. 250), sem dúvida, as histórias criadas sobre a formação de Roma foram imprescindíveis para que estudos mais completos fossem feitos sobre essa antiga civilização. A literatura em verso “é obra de fantasia, de ficção ou imaginação” (FURLAN, p. 253), a qual favorece a diversidade de interpretações através da utilização de metáforas e outras figuras de linguagem. Em Roma, a criação poética estava mais ligada à musicalidade; muitos poemas eram, inicialmente, escritos para serem cantados. Assim, os cânticos podem ter sido os anunciadores dos futuros gêneros literários romanos. Deste modo, considera-se que, em Roma, as produções escritas em caráter de poesia pertencem às formas lírica, épica, satírica, dramática (tragédia e comédia) e didática. A poesia lírica é geralmente definida como uma escrita em versos criada, em sua maioria, de forma subjetiva, em que o autor encontra na beleza do universo ao seu redor (a natureza, os seres, os sentimentos e emoções, as relações humanas etc) inspiração para escrever. Composta em pequenas estrofes, na Antiguidade era acompanhada por um instrumento musical (em especial a lira; daí os nomes lírica e lirismo), num tom harmônico entre palavra e melodia. Mesmo antes da invasão cultural helênica, impondo a poesia grega como modelo de imitação, em Roma, assim como em outros povos do Mediterrâneo, já existia manifestações rudimentares do lirismo expressas através do canto. Os cantos heroicos, os fesceninos, tais quais os religiosos e funerários podem ser enquadrados na natureza de líricos, todavia todos com características pré-literárias. Somente com a primeira composição de forma helênica do poema-canção em homenagem ao deus Juno, escrito em 207 a.C. – também atribuído a Lívio Andrônico – é que o lirismo assume proporções peculiarmente artísticas entre os romanos. Os romanos adotaram teorias de Platão para criar sua poesia e, no caso da lírica, inaugurada pelos latinos aproximadamente no século VII a.C., era calcada sobretudo na preocupação do poeta com seus sentimentos. O mundo exterior era desconsiderado e o que importava era a resolução de problemas e conflitos intrínsecos. Além disso, muito da mitologia romana inspirava a criação dos ambientes e a idealização da realidade. São exemplos de consagrados escritores líricos de Roma os poetas Catulo, Virgílio, Tibulo, Propércio, Horácio e Ovídio, os quais compunham em diversas espécies de poesias líricas
  • 39. 38 (odes, elegias, éclogas etc), incitando a beleza textual vários escritores da literatura universal pela magistral elegância poética. A poesia épica é uma forma escrita caracterizada pela narração de acontecimentos grandiosos, heroicos, tais como batalhas e conquistas territoriais, em que os personagens principais possuem uma força física incomum e assemelham-se, pela coragem e astúcia, aos deuses. É criada com o intuito de ser recitada ao público e sua estrutura compõe-se de estrofes longas. Em Roma, esse estilo de poesia teve grande destaque sobretudo no período em que o Império Romano se expandia e alcançava seu auge: Virgílio cria a Eneida. Inspirada na formação e consolidação do império, esta obra de arte clássica e universal, segundo seu autor não foi terminada. Por isso, antes de sua morte, Virgílio pede que o manuscrito seja destruído, mas o então imperador Augusto intervem e mantém a obra. A epopeia virgiliana conta a história latina por meio da vida do heroi Eneias, sobrevivente da guerra de Troia e que, através da ajuda dos deuses e de sua força sobrenatural, chega ao Lácio, onde funda a futura e gloriosa Roma. É importante considerar que, apesar de Eneida ter sido criada a partir do exemplo grego do poeta Homero, é uma obra que constitui valor inestímavel e, como afirma Cardoso (2003, p. 5) “a literatura latina conseguiu ser criativa e original”. Dessa maneira, por ser a epopeia uma narrativa que engrandece a nação a que faz referência, Virgílio sente a necessidade e oportunidade de contribuir com essa glória, criando uma história que por muito tempo passou a ser considerada uma verdade. O incentivo vem também do imperador Augusto, que deseja que Roma faça-se conhecida ao mundo mediterrâneo. O que ele e muito menos Virgílio esperavam é que a Eneida tivesse a repercussão que teve para a época e, mais ainda, a possibilidade de tornar-se uma literatura de âmbito universal, fonte de inspiração para futuras epopeias, a exemplo de África de Francesco Petrarca, escrita em latim em 1342, e Os lusíadas, de Camões, em 1572, em pleno Humanismo. Durante toda a antiguidade romana, a Idade Média e o Renascentismo, o poema virgiliano constituiu modelo de composição e foi reproduzido em múltiplas edições, entre elas a versão do Codex Vatticanus, que data do século IV, e a edição ilustrada do século XIII de Henri de Veldecke. A idealização do Império Romano e sua identificação com a expansão do Cristianismo levaram Dante Alighieri a escolher Virgílio como parceiro na viagem aos infernos, que ele narra em A divina comédia, e a Eneida como modelo de composição poética para aquele que foi um dos maiores poemas da literatura medieval. A Eneida inspirou também Os lusíadas. Assim como a poesia lírica de Camões anunciou e depois permeou sua epopéia, nas Eglogas e Geórgicas de Virgílio é possível também perceber o sopro da Eneida. (CLARET, 2007, p.16)
  • 40. 39 Outros escritores romanos que compunham poesias épicas foram Névio e Ênio, merecendo destaque Lucano, autor de Pharsália – poema sobre uma guerra civil – Públio Papínio Estácio, que escreveu Tebaida, e Claudiano com Sobre o rápto de Prosérpina, a qual, segundo Claret (2007, p. 9) “consegue reviver o gênero já em seu período de decadência”. Já a poesia satírica merece destaque por ser um produto sui generis, nascido em Roma e sem influências helenísticas. Segundo Cardoso (2003, p. 89), “não só desperta interesse por suas próprias características, por afigurar-se como uma espécie de crônica social em versos, como também por ter sido amiúde considerada como um gênero poético original”. Essa forma de poesia caracteriza-se pela crítica, pela censura, pelo ataque a comportamentos e condutas morais; pela ridicularização de costumes, defeitos e vícios. E tudo feito com um toque de humor e ironia. Com uma coletânea composta de poemas variados, com metros diversos e agrupados em quatro volumes, foi Ênio a inaugurar o gênero, nomeando-o de Sátiras (Satirae, oriundo do latim satura, saturado, misturado, carregado). Contudo, conforme Furlan (2006, p. 254), foi com Horácio que a sátira “alcançou o mais alto grau de perfeição” e, com o poeta Juvenal, “ela se tornou um dos gêneros mais respeitáveis e apreciados da literatura latina”. Merecem destaque também o romano Marcial, o qual criou sátiras com caricaturas muito bem detalhadas, Varrão – autor de uma imensa e variada obra – e Lucílio, o qual pela liberdade de escrita é considerado “o verdadeiro criador da sátira latina” (CARDOSO, 2003, p. 91). Vê- se, pois, que a produção literária em Roma possuía, para todos os gêneros, representantes de alta qualidade e estilo próprio, o que proporcionou uma vasta e rica literatura. A sátira foi um sucesso entre os romanos, que utilizavam-na para escancarar os problemas e dilemas sociais de forma lúdica e artística e uma herança para os dias atuais. A poesia dramática envolvia uma série de episódios complicados ou patéticos, assim como acontecimentos terríveis ou catastróficos. Tal qual a epopeia, a dramaturgia também tem origem grega, ainda assim nos primordios da civilização latina são encontrados resquícios embrionários, sobretudo de caráter religioso, que contribuíram para a formação desta espécie poética. Este estilo de poesia compreendia duas formas distintas de manifestação: a comédia e a tragédia. A primeira é uma espécie de poesia cuja representação teatral transmite ao público, como afirma Coelho (1980, p. 38), “o mundo do materialismo grosseiro. O ridículo ou a mediocridade do mundo real, concreto e mesquinho” [...]. Em outras palavras, é uma forma de satirizar pessoas e determinadas situações, a inferioridade humana perante os deuses, costumes, valores morais etc. Pela definição, é possível perceber que a comédia contrapõe-se a idealizar a realidade – pelo contrário, procura demonstrar de forma concreta o mundo a que
  • 41. 40 os homens comuns estão submetidos. A comédia latina teve predileção por temas gregos já em discussão, e são representantes dessa modalidade dramaturgos como os poetas Plauto e Terêncio, os quais assumiam as diversas funções de autor, ator e diretor de cena, tendo seus textos a proeza de alcançar os dias atuais. A tragédia, por sua vez, caracteriza-se por representar em versos a linguagem comum, recitada com um ritmo próximo à fala cotidiana. Em geral, é uma poesia dialogada e atuada, as personagens são seres em conflito com o mundo exterior e o seu final, na maioria das vezes, é trágico e irreversível. Ainda que de raiz helênica e também trazida por Lívio Andrônico, a tragédia teve o seu início em Roma por volta do século II a.C. com os poetas Pacúvio, dotado de linguagem solene e eloquente, e Ácio, possuidor de grande habilidade descritiva. Outros nomes como Névio e Ênio tiveram relevância, porém Sêneca foi o mais conhecido dramaturgo, autor de dez peças. Foi esse estilo de poesia, em comunhão com a comédia e a sátira, que infuenciou a criação do teatro. No entanto, vale lembrar que a dramaturgia foi mais comum na Grécia do que em Roma, uma vez que os latinos preferiam usar os grandes teatros (como o Coliseu) para o combate de gladiadores e animais. Atualmente muito do que se vê da dramaturgia vem da arte greco-romana. As linhas teóricas de estudo, as concepções cênicas, as peças teatrais revisitadas são demonstrações de como a Antiguidade Clássica greco-latina ainda é basilar na sociedade pós-moderna. Inclusive ciências como a Psicologia bebem na fonte para desenvolverem trabalhos, a exemplo do Psicodrama. A poesia denominada didática, por fim, é considerada uma categoria especial de poesia que prima transmitir informações e conhecimentos, tendo sido muito utilizada como material pedagógico em Roma. Entretanto, mesmo objetivando o caráter didático mantinha elementos e recursos próprios da linguagem poética. Segundo Cardoso [...] poderia parecer estranha a utilização da poesia para transmitir o saber. Em Roma, contudo [...] foi freqüente essa prática. [...] O romano sempre demonstrou ter espírito prático e pragmático. Ao aprender a manejar o verso, foi levado, evidentemente, a descobrir-lhe uma função utilitária. E nasceu dessa forma a poesia didática, que coexistiu com os demais gêneros poéticos em todas as fases da literatura latina. (CARDOSO, 2003, p.102-103) Apesar de apresentar indícios desde a fase primitiva com pequenos textos em versos (oráculos, predições, provérbios), a poesia didática foi realmente introduzida em Roma através de poemas filosóficos do escritor Ênio, aproximadamente em II a.C. Catão também compôs poesias de caráter didático, mas foi no século I a.C que ela alcançou seu auge com os
  • 42. 41 poetas Lucrécio, Virgílio, Horácio e Ovídio. As principais obras poéticas de valor didático foram Sobre a natureza, de Lucrécio, as Geórgicas, de Virgílio, os Fastos, de Ovídio e as Fábulas, de Fedro. Mesmo se obtendo pouco conhecimento acerca de suas primeiras manifestações, a poesia didática foi muito importante para a formação de jovens e para o conhecimento da literatura in loco, além da sua transmissão de doutrinas e valores morais. Sua importância ainda está presente no mundo hodierno e se faz representar em fabulistas como La Fontaine e, quiçá, na literatura intitulada autoajuda. A poesia latina, segundo Furlan (2006, p.253), “produziu, sobretudo, em seu período áureo, acervo considerável de obras de valor perene e universal, em todos os seus gêneros”. Daí pode-se ratificar a importância da literatura de Roma para o mundo e reconhecer que a contribuição dos romanos para esta criação artística é incontestável. Além disso, o estudo da poesia latina propicia ainda uma análise de como as obras contemporâneas podem ter sido influenciadas direta ou indiretamente, seja na estrutura, na composição, nos temas, e demonstra a vitalidade de uma língua que transmitiu através da arte romana os valores da sua época e a vivência do seu povo. 3.3 A prosa literária A prosa latina tem início já desde a fase primitiva, quando aparecem as primeiras inscrições em latim. Elas possuem um imenso valor histórico, contudo falta-lhes o apuro artístico que identifica o trabalho literário. A princípio, a maioria foi escrita sem preocupações estilísticas, sendo, portanto, utilizada como documento. Para Cardoso só podemos falar, realmente, em prosa literária quando, no início da chamada época helenística, a influência grega se tornar sensível e a linguagem poética, estruturada nas obras em verso, for utilizada também nos textos em prosa. (CARDOSO, 2003, p. 124) Já prosa latina de cunho literário, em relação à poesia, foi pouco desenvolvida em Roma. Boa parte dos prosadores romanos eram homens da aristocracia, em geral senadores, enquanto os poetas eram de origem mais humilde. A literatura em verso tendia a ser mais valorizada devido ao seu caráter estético, que se distanciava da linguagem comum, e os temas,