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ARTIGO
ARTICLE
81
O atendimento às vítimas de violência
na emergência: “prevenção numa hora dessas?”*
Medical care for victims of violence in emergency
room: is it time for prevention?
* Pesquisa desenvolvida
pelo Centro Latino-
Americano de Estudos
sobre Violência e Saúde
“Jorge Careli” da Escola
Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz,
com o apoio da Secretaria
Municipal de Saúde do Rio
de Janeiro, da Fundação
de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ), e do CNPq.
1 Instituto Fernandes
Figueira e Centro Latino-
Americano de Estudos
sobre a Violência e Saúde
“Jorge Careli”, Fundação
Oswaldo Cruz.
Av. Rui Barbosa, 716,
4o andar. Flamengo,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
desland@iff.fiocruz.br
Suely F. Deslandes 1
Abstract This paper discusses violence preven-
tion possibilities that could be raised in emer-
gency. It draws on the research data that
analysed medical care for the victims of “exter-
nal causes” in two public emergency hospitals
in Rio de Janeiro. This work deals briefly with
the main “external causes” (among accidents
and violence) which were treated there and em-
phasizes the care given to the victims of child
abuse, battered women and attempts of sui-
cides. The research methodology articulates the
descriptive study of quantitative base to a qual-
itative approach developed through field obser-
vation and interviews. Starting from the empir-
ic data, it discusses the medical care received by
the victims and the possible prevention oppor-
tunities and the necessary conditions for this
task.
Key words Violence; Prevention; Emergency
Room; Domestic Violence; Suicide
Resumo Neste artigo discutem-se as possibili-
dades de prevenção que o setor de emergência
pode desencadear diante dos casos de violên-
cias. Apóia-se nos dados de pesquisa em que se
analisaram os atendimentos feitos às vítimas de
“causas externas” em dois hospitais públicos de
emergência no Rio de Janeiro. Optou-se, neste
trabalho, por tratar de forma breve as princi-
pais “causas externas” atendidas (entre aciden-
tes e violências), enfatizando-se os atendimen-
tos de violência doméstica contra crianças, con-
tra mulheres e os de tentativas de suicídios. A
metodologia da pesquisa articulou o estudo
descritivo de base quantitativa a uma aborda-
gem qualitativa construída através de observa-
ção de campo e de entrevistas. A partir dos da-
dos empíricos, trava-se uma discussão sobre o
atendimento realizado e as oportunidades de
prevenção possíveis e as condições necessárias
para esta tarefa.
Palavras-chave Violência; Prevenção; Emer-
gência; Violência Doméstica; Suicídio
Deslandes,
S.
F.
82
Apresentação
A violência já ocupa, desde 1989, o segundo
lugar das causas de morte ocorridas no Brasil,
e o primeiro lugar para os óbitos de pessoas
entre cinco e 49 anos de idade (Minayo & Sou-
za, 1993; Souza & Minayo, 1994). Os dados so-
bre os casos de morbidade por violência ainda
são muito precários no país, mas se estima que
sejam muito superiores aos de mortalidade
(Jouvencel, 1987; Minayo, 1994; CRMES, APM,
SIMESP, 1998). Esse dado bruto (e aterrador)
representa, em outras palavras, a perda de mi-
lhares de vidas, a mutilação de pessoas, custos
significativos e uma demanda considerável de
trabalho para o setor saúde (Clancy et al.,
1994; OPS, 1995).
Apesar de uma década ter transcorrido, a
violência ainda é uma “incômoda novidade”
para a agenda de Saúde Pública. Em primeiro
lugar, porque a violência “desaloja”, ou melhor
dizendo, “desafia” os saberes hegemônicos no
campo da Saúde. Não é uma doença embora
cause lesões, dor, sofrimento e morte. Não tem
sua “origem” em ação invasiva de microorga-
nismos, sua causa não é nenhuma desordem
orgânica – campos de notório saber da atua-
ção médica e pesquisa biológica. Não se res-
tringe aos “traumas” e às “lesões” que, invaria-
velmente, constituem suas conseqüências. A
própria designação de “causas externas” reve-
la, ironicamente, o paradoxo que a violência
representa para o campo da Saúde. “Externas”
a quê, ao locus da atuação médica (as causas
“orgânicas” e os “traumas”, a lógica do trata-
mento das doenças?). “Externas” porque sem-
pre foram um “problema do social” e não da
área de Saúde? Muitos autores (Mello Jorge,
1979; Minayo, 1994), inclusive, têm discutido
a imprecisão da categoria, designada pelo Có-
digo Internacional de Doenças.
A rubrica “causas externas” abarca uma ex-
tensão imensa de eventos: todos os tipos de
acidentes (inclusive os de transporte), lesões
autoprovocadas voluntariamente, agressões,
eventos cuja intenção é indeterminada, inter-
venções legais e operações de guerra, efeitos
tardios provocados por lesões acidentais ou
violentas, e até mesmo complicações de assis-
tência médica e cirúrgica (OMS, 1996), difi-
cultando discernir a especificidade que envol-
ve cada um desses fenômenos. Se por um la-
do é, no mínimo, impróprio discutir como
conjunto os acidentes domésticos, homicídios
e acidentes de trânsito, por outro há em mui-
tas situações uma relação submersa entre even-
tos “acidentais” e violências, o que dimensio-
na superficialmente a dinâmica e a dificulda-
de em lidar com tais classificações.
Se a área da Saúde tradicionalmente tem
atuado nos “efeitos” da violência, tratando das
lesões e dos traumas, hoje esta ação não é su-
ficiente, seja em termos de enfoque e de atua-
ção (OPS, 1994; Guerrero, 1995). A violência
pertence a uma nova perspectiva que busca se
consolidar no campo da Saúde Coletiva, que
reconhece o conhecimento como produção de
complexidade, que articula as tecnociências
com as ciências humanas e filosofia, que inte-
gra as dimensões coletivas e individuais, ob-
jetivas e simbólicas, quantitativas e qualitati-
vas. A violência não se restringe enquanto um
campo da Saúde, ao contrário, é um proble-
ma que demanda a atuação interdisciplinar e
dos vários setores da sociedade civil e das or-
ganizações governamentais. E este é o segun-
do grande desafio que a violência constitui pa-
ra o setor Saúde: a demanda por articulação
interna e com outros setores.
Feito este breve preâmbulo, podemos su-
por que discutir a prevenção da violência não
é tão simples assim, contudo, é uma contri-
buição “vital” (e não uma força de expressão)
que o setor Saúde pode realizar. Se, por um
lado, a prevenção não é só um conjunto de
práticas, mas elemento do próprio ideário que
sustenta o campo da Saúde Pública, por ou-
tro, o modelo de prevenção para o problema
da violência demanda novas práticas, articu-
lações e aprendizados. Como ressalta Mina-
yo (1994: 14), “a complexidade real da expe-
riência e do fenômeno da violência exige a ul-
trapassagem de simplificações e a abertura pa-
ra integrar esforços e pontos de vista de vá-
rias disciplinas, setores, organizações e comu-
nidades”.
A prevenção da violência impõe dois gran-
des esforços adicionais: o de superar a noção
de “fatalidade” e “inevitabilidade” que envol-
ve o senso comum da visão sobre o problema;
e o de transpor a noção da violência como “um
problema do social”. Esta segunda perspecti-
va obviamente é verdadeira, mas é desfocada
para a dimensão das “mudanças estruturais”,
provocando uma certa inércia (então não há
como atuar para prevenir ou diminuir a vio-
lência até que haja mudanças na ordem políti-
ca, econômica e social?). Naturalmente que a
luta por justiça social e pelo fim da impuni-
dade não pode cessar e o setor Saúde é, histo-
ricamente, um dos atores importantes nessa
luta. Atuar nas causas sociais da violência é
importante e demanda um empreendimento
maior. Assim, cremos que os variados tipos de
violências articulam-se mais ou menos dire-
tamente às causas estruturais (embora toda
violência seja socialmente construída e reve-
le a dimensão da iniqüidade da sociedade que
a gera), necessitando de investimentos de mais
amplo espectro ou de uma atuação mais foca-
lizada. Um exemplo claro dessa questão é a
prevenção dos homicídios, que demanda uma
série de intervenções sociais de fundo (con-
trole de venda e uso de armas; oferta de tra-
balho e cidadania para uma gama imensa da
população pobre, especialmente de adolescen-
tes e jovens; punição para os grandes nego-
ciantes de armas e drogas; entre outras).
Como se pode ver, é um campo complexo
e cheio de incertezas mas acreditamos que
muito pode ser feito. Em termos de serviços,
os serviços básicos de saúde, como já aponta-
do por estudos e experiências (Machado et al.,
1994; Ynoub, 1998), podem atuar como im-
portante aliado na prevenção primária das vio-
lências domésticas contra crianças, adolescen-
tes e mulheres, seja atuando no pré-natal, no
atendimento pediátrico e no de ginecologia,
seja nas atividades dos agentes de saúde, e nos
grupos comunitários de saúde.
Contudo, em nenhum outro serviço de
saúde a violência adquire tamanha visibilida-
de como na emergência. Este serviço é, para a
maioria das vítimas de violências, a “porta de
entrada” no sistema público de saúde. Obser-
va-se que a maioria dos serviços privados não
oferece o atendimento de emergência pois os
investimentos nesse tipo de atenção são onero-
sos e de grande complexidade. Podemos mes-
mo dizer que o atendimento de emergência é
um poderoso indicador da violência que ocor-
re na cidade. É para lá que acorrem ou são le-
vadas suas vítimas em situações de trauma ou
iminência de morte. Para muitas pessoas, é a
única vez em que estará, enquanto vítima de
uma agressão, diante de um profissional de
saúde (que é um representante do poder pú-
blico). Em muitos casos, é um dos únicos mo-
mentos em que a violência será declarada. Nes-
se sentido, países como Estados Unidos e Ca-
nadá há alguns anos estão implantando nos
serviços de emergência rotinas institucionais
para desencadear o acompanhamento e a pre-
venção de reincidências. Vários itens do do-
cumento “Objetivos para a Saúde no Ano
Ciência
&
Saúde
Coletiva,
4(1):81-94,
1999
83
2000” referem-se à prevenção da violência no
âmbito das emergências (U.S. Department of
Health and Human Services, 1993). Um dos
itens estipula que cerca de 90% de todas as
emergências nos Estados Unidos tenham pro-
tocolos que rotineiramente identifiquem, tra-
tem e façam os devidos encaminhamentos pa-
ra as vítimas de estupro, violência conjugal e
outras formas de violências contra adultos
(nos casos de violência contra criança e adoles-
cente, isso já é feito). Como afirma o editorial
daquele periódico, “a emergência pode prover
a primeira oportunidade para adultos vítimas
de violência de encontrarem suporte, assistên-
cia e proteção” (U.S. Department of Health
and Human Services, 1993: 618). Atualmente
as principais “frentes” de prevenção das emer-
gências nesses países são as vítimas de violên-
cias domésticas (crianças, adolescentes, mu-
lheres e idosos), vítimas de estupro, sobrevi-
ventes de tentativas de suicídio e de homicí-
dio (Bell et al., 1994). Ainda assim, há vigoro-
sas críticas quanto à qualidade do registro que
feito de forma assistemática impede um acom-
panhamento epidemiológico adequado, difi-
cultando dimensionar o problema e planejar
ações (Davidson, 1996; Covington, 1995).
A idéia central é que a maioria dos casos
de violências reincidirá (com igual ou supe-
rior gravidade) se não houver alguma ação que
interrompa sua dinâmica. Esse raciocínio en-
contra farto respaldo em pesquisas sobre vio-
lência doméstica contra crianças e adolescen-
tes (Garbarino et al., 1988; Santos, 1991), vio-
lência doméstica contra mulheres (Bell et al.,
1994; Heise et al., 1994), e nos casos de tenta-
tivas de suicídios (Serfaty, 1998; Cassorla &
Smeke, 1994).
O presente artigo se apóia nos dados de
uma pesquisa mais abrangente (Deslandes,
1997) que pretendeu abordar todos os atendi-
mentos feitos às vítimas de “causas externas”
em dois hospitais públicos de emergência. A
partir dos dados empíricos pretendemos re-
fletir sobre o atendimento realizado e as opor-
tunidades de prevenção possíveis no âmbito
da emergência. Optamos, neste trabalho, por
tratar de forma breve as principais “causas ex-
ternas” atendidas (entre acidentes e violên-
cias) e nos deter nos atendimentos de violên-
cia doméstica e tentativas de suicídios. Os mo-
tivos para tal escolha são três: 1) por querer
dar ênfase às formas intencionais de violên-
cia, distinguindo-as dos acidentes; 2) por se
tratarem de eventos que têm grande probabi-
Deslandes,
S.
F.
84
lidade de reincidirem, caso não haja uma in-
tervenção; 3) por já existir um conjunto de ini-
ciativas (civis e governamentais) voltado pa-
ra esses problemas e que pode, potencialmen-
te, vir a integrar uma rede de atuação.
Contudo, nosso recorte exclui as “agres-
sões” (tentativas de homicídios e outras agres-
sões). As vítimas de agressões constituíram um
grupo grande dos atendimentos (364 consi-
derando-se os dois hospitais), e envolveram
uma multiplicidade de situações que não per-
mitem configurar um fenômeno único (des-
de brigas de bares, confronto com assaltantes,
até conflitos armados entre membros do “trá-
fico” e policiais). A exclusão das agressões se
deve à natureza complexa do problema, o que
demandaria uma reflexão mais substantiva e
recomendações de natureza estrutural, fugin-
do à perspectiva mais pragmática que deseja-
mos imprimir nesse primeiro momento. A
análise das possíveis perspectivas de preven-
ção das “agressões” exigiria o discernimento
das diversas relações sociais a que se vinculam
(conflito com a lei, brigas em bailes ou em ou-
tros eventos de lazer, disputas internas por
“territórios” para a prática de crimes, “disci-
plinarizações”, etc.), e só assim poder-se-ia es-
pecificar ações cabíveis e pertinentes ao âm-
bito da Saúde e de outros setores. Tal análise,
pela relevância extrema que hoje se configura
para o país, pela suma importância para o
campo da Saúde, mereceria um artigo especí-
fico e, primordialmente, maior investimento
de pesquisa e um amplo debate na sociedade.
Metodologia
A seleção dos hospitais e do período
O presente estudo foi desenvolvido em dois
hospitais públicos considerados de referência
para o atendimento de emergências: Hospital
Municipal Miguel Couto (localizado na região
rica da cidade) e Hospital Municipal Salgado
Filho (localizado na área de subúrbio). Esco-
lhemos, portanto, dois hospitais municipais
localizados em áreas socialmente diferencia-
das do município do Rio de Janeiro. O fato de
ambos os hospitais serem da rede municipal
minimizou eventuais diferenças no atendimen-
to provenientes de orientação administrativa.
Inicialmente percebemos que havia um ele-
vado montante de pessoas que procuravam so-
corro nas emergências dos hospitais selecio-
nados. A média diária anual, em 1995, no Hos-
pital Miguel Couto (HMMC) foi de 675 aten-
dimentos, com desvio padrão de 26,80. Por-
tanto, os meses que mais se aproximavam des-
te comportamento de atendimentos por mé-
dia diária seriam novembro (675), junho
(671), abril (666), maio (689) e agosto (661).
A média diária do período de julho de 1994
a junho de 1995 no Hospital Salgado Filho
(HMSF) foi de 515 atendimentos, com desvio
padrão de 35,56. Os meses mais próximos des-
ta média seriam abril (513), setembro (517),
fevereiro (520), maio (521), agosto (521) e ou-
tubro (501). Contudo, do total de atendimen-
tos não se tinha disponível o número dos casos
por “causas externas”. Diante da impossibili-
dade de traçarmos uma amostra de forma ade-
quada e da magnitude dos atendimentos men-
sais (que somariam um contingente imenso
para um período mais longo), optamos por
realizar, para o estudo quantitativo, um cen-
so de todas as “causas externas” atendidas em
um mês considerado de “rotina” nos dois hos-
pitais (maio de 1996 no HMMC, e junho de
1996 no HMSF).
O estudo qualitativo transcorreu de outu-
bro de 1995 a agosto de 1996. Baseou-se em
observação de campo e em entrevistas semi-
estruturadas realizadas com as pessoas aten-
didas e com os profissionais de saúde. O pre-
sente artigo apóia-se predominantemente nos
dados estatísticos e nas observações de cam-
po referentes aos atendimentos de violências
domésticas e de tentativas de suicídios.
A coleta de dados
Inicialmente, selecionamos e treinamos um
grupo de 14 acadêmicos de medicina para a
fase de coleta do censo. Estes auxiliares de pes-
quisa foram agrupados em sete equipes que se
revezaram em plantões de doze horas. Os au-
xiliares de pesquisa foram treinados para
preencher um questionário para cada pacien-
te que desse entrada por causa externa. Assim,
cada vítima atendida, por este motivo, respon-
dia a um questionário sobre dados sócio-de-
mográficos, o evento ocorrido (relato aberto),
o socorro prestado e o atendimento recebido.
O auxiliar de pesquisa aplicava o questioná-
rio diretamente ao paciente. Quando este não
apresentava condições, as respostas eram for-
necidas pelo socorrista e/ou acompanhante.
Este método mostrou-se eficaz uma vez que
em apenas 0.5% dos casos do Miguel Couto e
Ciência
&
Saúde
Coletiva,
4(1):81-94,
1999
85
0.3% dos casos estudados no Salgado Filho
não foi possível detectar a causa básica do
agravo violento.
Torna-se de fundamental importância in-
dicar que aferimos as causas segundo as de-
clarações do paciente ou, na impossibilidade
deste, nas do socorrista ou acompanhante. As-
sim, são as causas declaradas a nossa fonte de
discussão. Era-nos absolutamente impossível
checar a veracidade das informações presta-
das. Desta maneira, provavelmente alguns ca-
sos de violência doméstica ou violências in-
terpessoais podem ter sido declarados como
acidentes. Por outro lado, uma vez que o au-
xiliar de pesquisa mantinha um contato mais
pessoal com aquele paciente, também ocor-
reu, em algumas situações, deste contar em se-
gredo a verdadeira causa e condições em que
ocorrera o agravo, não declarando-as ao res-
to da equipe do serviço a fim de evitar o regis-
tro policial.
As informações relativas ao atendimento
prestado foram aferidas pela equipe da pes-
quisa com base na observação de campo. A ob-
servação de campo e as entrevistas com pa-
cientes e profissionais de saúde foram realiza-
das pela autora.
Apresentação e discussão dos resultados:
o perfil geral da demanda e do
atendimento prestado
As “causas externas” corresponderam, no pe-
ríodo estudado, a 2.736 casos no Miguel Cou-
to (14.3% dos atendimentos de emergência), e
a 2.415 casos no Salgado Filho (18.9% do aten-
dimento do setor). A média diária dos atendi-
mentos por “causas externas” no HMMC foi
de 88 pessoas, e no HMSF foi de 80.
Verificando a distribuição dos atendimen-
tos por hora de entrada, percebemos que os
plantões diurnos (8 às 20 horas) receberam
uma demanda maior: 71% no Salgado Filho e
69.6% no Miguel Couto. Exceções foram ob-
servadas nos finais de semana quando os plan-
tões noturnos (20 às 8 horas) eram mais pro-
curados, especialmente por acidentados no
trânsito e envolvidos em agressões. A distri-
buição da demanda segundo os dias da sema-
na não foi homogênea. Notou-se uma eleva-
ção crescente iniciando nas sextas, sábados,
diminuindo aos domingos e novamente au-
mentando às segundas-feiras. Tais dados po-
dem sugerir uma melhor adequação da com-
posição das equipes para o atendimento das
“causas externas”, assim como de rotinas que
possibilitem ações preventivas.
Quanto ao tempo de permanência do pa-
ciente no setor de emergência, observamos
que a maioria permaneceu por um período
de uma a 6 horas (64.5% no HMMC, e 62.3%
no HMSF). Entretanto, contabilizamos ape-
nas quando o paciente entrava no setor de
emergência, excluindo-se assim, o número de
horas que este esperou nas filas, nas condu-
ções ou em outros hospitais. Embora peque-
no o percentual de pacientes que ficaram mais
de 48 horas, estes permaneceram por vários
dias, sobrecarregando significativamente o se-
tor de emergência. Os motivos para tal fato
são variados: falta de vaga nas enfermarias, no
centro cirúrgico ou CTI, ou mesmo porque o
paciente era extremamente pobre e não tinha
casa ou não possuía parentes que cuidassem
de sua recuperação. Tais fatos indicam a ne-
cessidade de uma articulação interna maior
entre o setor de emergência e outros setores
do próprio hospital – medidas fundamentais
visando à prevenção numa perspectiva de
acompanhamento e de continuidade no aten-
dimento dos casos. Acrescenta-se ainda a ne-
cessária articulação entre os próprios hospi-
tais da rede pública.
Quanto ao atendimento prestado, como
pode ser visto no Gráfico 1, a grande maioria
foi cuidada apenas por um especialista, sendo
preponderante a demanda pelo ortopedista.
Contudo, 176 pessoas atendidas (7.4%) no Sal-
gado Filho, e 279 (10.5%) no Miguel Couto
receberam a atenção de mais de um especia-
lista. Esta diferença pode estar relacionada tan-
to à gravidade da lesão quanto à própria es-
trutura e recursos de cada hospital.
Se o setor de ortopedia pode ser conside-
rado um setor básico no atendimento das “cau-
sas externas”, a presença de neurologistas, ci-
rurgiões, clínicos, pediatras, oftalmologistas,
otorrinolaringologistas e odontólogos cons-
titui a garantia do atendimento dos casos espe-
cíficos, dos casos graves e os de grande com-
plexidade. Além disso, os profissionais destas
áreas são aqueles que, como mostram os da-
dos empíricos, são elementos-chave para de-
sencadear um trabalho de prevenção.
Também consideramos de fundamental
importância apontar o elevado contingente de
atendimentos realizados exclusivamente pelo
acadêmico de medicina (33.9% no Salgado Fi-
lho, e 15.8% no Miguel Couto). Este fato nos
Deslandes,
S.
F.
86
revela a necessidade de discutir mais profun-
damente o papel que estes estudantes têm de-
sempenhado, que tipo de acompanhamento e
apoio têm recebido e qual a qualidade do aten-
dimento por eles prestado. Uma vez verificado
o tipo de violência mais atendido por estes jo-
vens, predominaram as agressões, abuso de ál-
cool ou outra droga e violências domésticas.
Caberia questionar se existe algum tipo de jul-
gamento de valor que determine tal distribui-
ção ou se estes casos realmente constituem
aqueles de pequena gravidade.
A distribuição dos casos por tipo de cau-
sas específicas (excluindo-se os ignorados) foi
agrupada, diferenciando as formas de violên-
cias e os acidentes (Tabela 1).
Diante da magnitude destes dados, já me-
receriam menção as altas médias diárias de
agressões, violências domésticas, atropelamen-
tos, acidentes de trânsito em geral, e, especial-
mente, esta “entidade misteriosa” denominada
quedas. Os “outros acidentes” constituíram
aquele grupo de todos os incidentes domésti-
cos, acidentes ocorridos na prática de espor-
tes, e outros. As “balas perdidas” representa-
ram, provavelmente, tanto declarações visan-
do a esconder envolvimento com situações de
delito como o fato de ter sido um “alvo” aci-
dental de disputas armadas. Os casos de “over-
dose” referiram-se, sobretudo, à ingestão ex-
cessiva de bebidas alcoólicas. Por outro lado,
embora apresentando médias diárias discre-
tas, as tentativas de suicídios revelaram-se sur-
preendentes pois, em termos absolutos, para
um único mês de atendimento, constituíram
um número alarmante.
Passemos agora a explorar, a miúde, as cau-
sas específicas que mais despontaram no con-
junto dos atendimentos, buscando caraterizar
o atendimento prestado na emergência e as
oportunidades existentes (e perdidas) de pre-
venção:
1) As quedas ocuparam papel de destaque
no atendimento às “causas externas” (851 ca-
sos no HMSF, e 1.055 no HMMC). Esta deno-
minação abriga uma variedade imensa de si-
tuações (acidentes de trabalho ou domésticos,
fuga de agressões, acidente de locomoção, fal-
ta de controle motor por ingestão de drogas
ou por velhice, entre outros muitos motivos).
Declarar uma queda pode ainda ocultar situa-
ções de violência doméstica. Destacamos dois
casos atendidos que podem ser considerados
exemplares. No primeiro caso, uma menina de
5 anos apresentando uma lesão reta que indi-
cava o uso de um objeto penetrante e de cor-
te (faca ou tesoura) havia, segundo sua mãe,
“caído” de uma escada em cima de uma lata
de lixo onde se cortou com pedaços de garra-
fas. No segundo caso, uma criança de 3 anos
0
10
20
30
40
50
60
70
HMMC
HMSF
mais de 1
especialista
pediatra
oftalmologista
odontólogo
cirurgião
neurocirurgião
otorrino
clínico
acadêmico
ortopedista
Figura 1
Distribuição proporcional dos especialistas envolvidos no atendimento às vítimas de causas externas. HMMC* e HMSF**, 1996.
* Maio/1996, n = 2.675
** Junho/1996, n = 2.386
Ciência
&
Saúde
Coletiva,
4(1):81-94,
1999
87
que sempre brincava sozinha em cima da laje
de sua casa caiu de lá – uma altura de cerca de
3 metros (uma criança desta idade sem ne-
nhum acompanhamento em lugar tão arris-
cado pode indicar suspeita de negligência em
seus cuidados). As faixas etárias mais predo-
minantes neste tipo de evento no HMSF fo-
ram as faixas mais extremas, isto é, as crian-
ças menores de 1 ano e as de 1 a 4 anos com
15% (129 casos), e pessoas com 60 anos, ou
mais, com 12% (104 casos), sendo também
significativa a participação de jovens de 20 a
29 anos (13% – 115 casos). No HMMC, os jo-
vens são a faixa etária mais importante, em
18.6% (206 casos) do total das quedas, os adul-
tos de 30 a 39 anos corresponderam a 14%
(148), seguidos dos idosos (com 143 casos,
13,8%) e dos adultos de 40 a 49 anos (105 ca-
sos, 10,1%). As crianças de menos de 1 a 4 anos
corresponderam a 96 (9%) atendimentos. A
maioria das quedas (cerca de 50%) ocorreu
nas residências e 27.5% (HMMC) e 24%
(HMSF) ocorreram nas vias públicas. Vale des-
tacar que em apenas um mês de atendimento,
considerando-se os dois hospitais, 247 idosos
foram vítimas de quedas, sendo a maioria em
suas próprias residências, indicando que pe-
quenas medidas preventivas podem ser orien-
tadas (seja por um acadêmico, enfermeira ou
auxiliar de enfermagem), visando a adequar a
casa às dificuldades motoras destes idosos (uso
de tapetes antiderrapantes no banheiro, colo-
cação de corrimão em áreas arriscadas, elimi-
nação de tapetes soltos, ou outros obstáculos).
Mesmo raciocínio valeria para as crianças de
1 a 4 anos. De todas as quedas atendidas no
HMMC, 16% (167) foram acidentes de traba-
lho, e 12% (104) por este mesmo motivo fo-
ram registradas no HMSF.
As quedas são, a nosso ver, um elemento
“curinga” que atua sinergicamente com varia-
das formas de violências, renomeando-as e tra-
vestindo-as de “acidentalidade”. Pode ocultar
uma situação de violência doméstica; pode es-
conder o abandono e a solidão imposta aos
idosos (como num dos casos em que uma se-
nhora sofreu uma queda em seu apartamento
e ficou três dias caída no chão até que alguém,
percebendo sua ausência, arrombou a porta e
prestou-lhe socorro); e também mascarar as
precárias condições de trabalho que despre-
zam a integridade física, especialmente dos tra-
balhadores da construção civil e das emprega-
das domésticas (principais vítimas atendidas).
2) Atropelamentos e outros acidentes de
trânsito. Estes acidentes constituíram um dos
maiores grupos e o que mais levou a óbito den-
tro das “causas externas” estudadas. Das víti-
mas de atropelamento atendidas, 22.8%, no
HMMC, e 16.4%, no HMSF, declararam ter
consumido algum tipo de droga antes do in-
cidente (majoritariamente, bebidas alcoóli-
cas). Os casos em que puderam ser identifica-
das condutas irresponsáveis ou que sugeriram
uma postura de autodestruição (Cassorla &
Smeke, 1994) mereciam uma atenção especial
do setor de emergência, garantindo na própria
rede ambulatorial um atendimento de acom-
panhamento a estas pessoas. A maioria das
pessoas atendidas foi atropelada na mesma
área em que residia. A qualidade do registro
do local das ocorrências é fundamental para
Tabela 1
Distribuição dos tipos de eventos e média diária, HMMC* e HMSF**, 1996.
Tipo de evento HMMC HMSF
n Média diária n Média diária
Agressões 176 5,8 188 6,2
Violência doméstica 45 1,5 90 3,0
“Bala Perdida” 12 0,4 13 0,4
Tentativa de suicídio 5 0,2 21 0,7
“Overdose” 32 1,1 17 0,5
Atropelamentos 158 5,2 143 4,7
Acid. Trânsito 162 5,4 147 4,9
Acid. Transporte 163 5,4 132 4,4
Quedas 1055 35,1 851 28,3
Outros Acidentes 914 30,4 807 26,9
* Maio
** Junho
Deslandes,
S.
F.
88
mapear os “pontos” críticos, indicando às au-
toridades de trânsito a demanda de interven-
ção urgente. Hoje tem-se relativizado em mui-
to a noção de “acidentalidade” que envolve tais
eventos, pois a dinâmica do trânsito sugere a
necessidade de se identificar os atores (moto-
ristas leigos e profissionais, pedestres, autori-
dades do trânsito, empresários de transportes,
poder público, comunidades, fabricantes e
anunciantes de carros) e responsabilidades
(cumprir as leis de trânsito, manter as vias e
sinais de trânsito em bom funcionamento, or-
ganizar o trânsito contemplando as necessi-
dades de pedestres e comunidades; diminuir
a impunidade diante do descumprimento das
leis de trânsito; resgatar a vida como valor
maior em detrimento de outros valores como
competitividade, habilidade automobilística
diante de situações de risco e aventura) (Por-
tugal & Santos, 1991).
3) Acidentes de trabalho. Uma das questões
que consideramos como ponto de investiga-
ção foi se aquele evento (acidente ou violên-
cia) aconteceu durante uma atividade de tra-
balho da vítima. No HMSF, 15% (360 casos)
de todas as “causas externas” foram decorren-
tes de um acidente de trabalho. No HMMC,
18.7% (505) foram lesões provocadas na exe-
cução de tarefas laborais. Em outros termos,
neste hospital, em cerca de 5 atendimentos
(por “causas externas”), um deles foi por aci-
dente de trabalho. Por limitações de pesquisa,
excluímos os acidentes de trânsito ou quais-
quer outros no percurso deste trabalhador pa-
ra o local de trabalho ou residência. Se estes
fossem considerados, o montante de casos se-
ria muito superior. Tal informação sugere a
necessidade de uma adequação do atendimen-
to (sobretudo no que se refere ao apoio do se-
tor de serviço social), do registro, e de uma
maior atuação da área de saúde do trabalha-
dor nestes hospitais. Pudemos perceber em ob-
servação de campo que os pequenos inciden-
tes, embora causassem danos ao indivíduo, se-
quer eram registrados. Percebe-se que muitos
trabalhadores solicitam que o registro não se-
ja feito por conta de temerem uma demissão.
O atendimento às violências
Passemos agora a examinar os casos de violên-
cias, sejam autodirigidas (tentativas de suicí-
dios), sejam violências domésticas.
Tentativas de suicídios
Das pessoas que tentaram suicídio e foram
socorridas no HMMC, quatro eram do sexo
masculino e uma do sexo feminino. Destas,
havia um adolescente (um rapaz de 17 anos).
Das 21 vítimas socorridas no HMSF, 11 eram
do sexo masculino e 10 do sexo feminino. A
maioria (8) era adolescente (sendo 3 rapazes
e 5 moças); 4 entre 20 a 29 anos; 6 entre 30 e
39 anos; uma pessoa com mais de 40 anos, e 2
pessoas com idade ignorada.
O meio mais usado para tentar o suicídio
foi “tomar veneno”. A ingestão de “chumbi-
nho”, poderoso raticida, foi observada em 10
casos (todos ocorreram no hospital da zona
norte – HMSF). Outro meio comumente uti-
lizado foi a ingestão de “remédios” (Lexotan,
Diazepan, “calmantes”, até grandes quantida-
des de “aspirina com Novalgina”). O uso de
“coquetéis” que misturavam drogas (por exem-
plo, bebidas alcoólicas, ou cocaína) e “remé-
dios” também surgiram. Tentativas “mais dra-
máticas”, tais como cortar os pulsos, jogar-se
de um prédio, apareceram em 5 casos. Um ho-
mem jogou gasolina e ateou fogo no próprio
corpo, morrendo assim que chegou ao hospi-
tal. Os motivos alegados pelos adolescentes e
jovens (quando verbalizados) diziam respei-
to a conflitos familiares ou rompimento com
namorado(a). Os adultos relataram proble-
mas conjugais e/ou financeiros. O tempo de
permanência destes indivíduos na unidade de
emergência variou entre 2 horas e mais de 3
dias. A observação de campo e a análise dos
boletins, em ambos os hospitais, indicaram
que a maioria dos casos “ganhou alta” tão lo-
go havia condições clínicas para tal. Em ou-
tras palavras, as pessoas que tentaram se ma-
tar foram socorridas clinicamente e... manda-
das embora (até a próxima tentativa, ou o su-
cesso do intento). Ironicamente, na porta do
HMSF (a cerca de 30 metros da emergência)
vários camelôs vendiam, entre diversas quin-
quilharias, o mortal “chumbinho”.
O comportamento das pessoas que tenta-
ram suicídio sugeria uma forte depressão: o
olhar vazio ou dormindo sempre, enrolados
nas cobertas, o corpo virado para a parede. Os
profissionais falavam baixo (“aquele tentou se
matar”), reconhecendo ali uma tristeza que
não merece ser alardeada (o que falar ou
“aconselhar” para quem quer se matar?). Sen-
do assim, melhor o silêncio. Noutras situações,
comentários do tipo “não tem juízo e vem dar
Ciência
&
Saúde
Coletiva,
4(1):81-94,
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89
trabalho” evidenciam o despreparo para lidar
com o problema. Em pesquisa qualitativa fei-
ta com 140 jovens de 15 a 24 anos revelou-se
que há uma demanda para que os profissio-
nais de emergência fossem mais bem treina-
dos para lidar com jovens que tentaram sui-
cídio, oferecendo-lhes não somente o aten-
dimento clínico, mas algum suporte psicoló-
gico (Coggan et al., 1997). Estudo feito no
Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre
(Grzybowski, 1997) relata experiências e in-
dica algumas “pistas” para um atendimento
psicológico breve na emergência. Tornou-se
evidente a necessidade de pelo menos um aten-
dimento, antes da alta, com um psicólogo ou
psiquiatra no próprio serviço de emergência.
No caso de adolescentes, há a necessidade de
envolver a família para entender melhor a his-
tória e comprometê-la com o acompanhamen-
to. Além disso, essas pessoas precisariam já sair
de “alta” com a garantia de encaminhamento (e
atendimento) ambulatorial com profissionais
de saúde mental. Os serviços de auto-ajuda,
como Neuróticos Anônimos, Centro de Valo-
rização da Vida, entre outros, também pode-
riam ser indicados e poderiam funcionar como
um suporte. Além disso, a tentativa de suicí-
dio entre adolescentes pode ser indicativo de
violência doméstica, o que também demanda-
ria uma análise, ainda que mínima, sobre o
problema.
Violência doméstica contra mulheres
Em artigo anterior (Deslandes, Gomes &
Silva, 1998), analisamos 72 atendimentos (21
no HMMC, e 51 no HMSF) de mulheres que
tinham entre 15 e mais anos de idade, e que
foram vítimas de violência doméstica. Estas
mulheres foram agredidas principalmente por
maridos, namorados ou companheiros em
69,4% dos casos; sendo, na maioria, desem-
pregadas ou “do lar” (39,3%), e tendo entre 20
a 29 anos (46%).
Os golpes desferidos privilegiaram sobre-
tudo a face e cabeça (27 casos), braço e mão
(21 casos – cuja maioria relatou ter colocado a
mão para proteger a face), corpo inteiro (10
casos), tórax e membros inferiores (4 casos,
respectivamente). Conhecer a “geografia” mais
comum das lesões numa situação de violência
doméstica é importante para o profissional
suspeitar diante de casos não-declarados. O
espancamento (uso de força física) foi o meio
mais empregado pelos agressores (70%), se-
guido da “agressão com um instrumento” (pau,
barra de ferro, porrete) em 21% dos casos. A
região dos olhos e mandíbula foram as mais
atingidas, demandando quase sempre o aten-
dimento de ortopedistas e eventualmente de
dentistas e oftalmologistas. Contudo, no HMSF
a maioria dos atendimentos (42%) foi reali-
zada exclusivamente por um acadêmico.
Importante notar que todas estas mulhe-
res declararam espontaneamente que sofre-
ram violência doméstica (há que se lembrar
que muitas mulheres não tiveram esta cora-
gem, atribuindo o seu estado a um acidente
ou a uma queda). Seja um “desabafo” ou um
“apelo de ajuda”, a violência foi declarada e...
nada aconteceu. Novamente o atendimento
delimitou-se a um cuidado médico das lesões
(o que é fundamental e deve ser de boa quali-
dade). Contudo, o apoio necessário a estas mu-
lheres precisa ser entendido como um atendi-
mento que se inicia numa instituição de saú-
de mas que pode (e deve) estar articulado com
outros serviços e instituições (Abrigos para
momentos de crise, Delegacias Especiais de
Atendimento à Mulher, Conselho Estadual de
Direitos da Mulher, serviços de apoio, entre
outros já existentes).
O próprio registro hospitalar sequer dis-
põe da rubrica “violência doméstica”, sendo
anotado (eventualmente quando há anotações
médicas) como “agressão”, sendo assim diluí-
do nas estatísticas médicas. Mesmo nos Esta-
dos Unidos, onde há uma grande sensibiliza-
ção social para o problema e uma gama imen-
sa de serviços de apoio e de defesa dos direi-
tos das mulheres vitimizadas, nem todos os
casos que são atendidos nas emergências são
registrados. Segundo estudo de Bell et al.
(1994), haveria, inclusive, uma discriminação
no registro desses casos frente a outros de vio-
lência doméstica que seriam compulsórios
(contra crianças e adolescentes) ou que des-
pertariam maior comoção pública (contra ido-
sos). Pesquisa de Covington et al. (1995), rea-
lizada em um hospital de referência na Caro-
lina do Norte, mostrou que as anotações mé-
dicas nos casos de violência contra mulheres
eram feitas de forma precária (o registro hos-
pitalar e as anotações médicas nem sempre
coincidiam). A maioria dos casos em que o re-
gistro hospitalar atribuiu a lesões “não inten-
cionais”, as anotações médicas não deixavam
margem para tal suposição, ou se referiam, cla-
ramente, a agressões intencionais.
Deslandes,
S.
F.
90
Violência doméstica contra crianças
No período estudado, dez casos de violên-
cia doméstica contra crianças puderam ser
identificados no HMSF, e 8 casos no HMMC.
Naturalmente, muitos casos foram declarados
como “acidente”, não sendo incluídos nestas
estatísticas. Um relato exemplar foi o de uma
mãe que chegou com um bebê de 6 meses de
idade dizendo que o menino ao se virar no
berço bateu com a cabeça na parede (o bebê
apresentava um trauma craniano). Como é
vastamente alertado por médicos e pesquisa-
dores da área (Santoro Jr., 1989; Bueno, 1989),
os relatos de eventos que não condizem com
o tipo de lesão apresentada são um forte indi-
cativo de maus-tratos.
Segundo as declarações dos acompanhan-
tes, a absoluta maioria (13 casos) teve como
“agressor” um irmão mais velho que em brin-
cadeiras/lutas/brigas acabou machucando a
criança. Inicialmente relutamos em caracteri-
zá-los como “violência doméstica”. Afinal, dis-
putas corporais e brigas entre irmãos é fato
bem comum em nossa cultura. Decidimos por
incluí-los quando observamos que em outros
casos, de jovens de 20 a 25 anos (não contabi-
lizados aqui), também foi declarada a “agres-
são entre irmãos”. Contudo, já não eram mais
lutas/brincadeiras, mas agressões com armas.
Haveria, em algumas famílias,“uma linha con-
tínua” que perpetuaria práticas agressivas in-
trafamiliares, da infância à idade adulta, e que,
portanto, precisaria ser “trabalhada”?
Nesse conjunto de 18 casos, havia 5 aten-
dimentos que, indiscutivelmente, configura-
vam maus-tratos. Destacamos 3 casos, como
exemplares. No primeiro caso, uma mãe de-
clarou que bateu com uma tábua na mão do
seu filho de 10 anos (quebrando-lhe os dedos)
porque ele deu sumiço a uma lata de óleo e ela
não tinha dinheiro para repor. No segundo, a
mãe relatou que seu filho de 3 anos sempre
passava os finais de semana na casa da avó. Lá,
um “priminho” de 7 anos habitualmente man-
tinha relações anais com a criança. A mãe teria
descoberto porque o menino resolveu contar
finalmente. No terceiro e mais grave dos ca-
sos, uma mãe chegou com um bebê de 3 me-
ses já morto. Muito calma e apática ela rela-
tou que a criança apresentou crise convulsiva
pela manhã e ela a medicou com “fenobarbi-
tal”; como a criança “desmaiou” ela a levou
para o hospital. Contudo, a criança apresen-
tava fraturas na clavícula, tíbia e várias equi-
moses. Quando argüida sobre as fraturas, a
mãe disse que havia caído junto com o bebê
(a mãe não apresentava nenhuma lesão). No
primeiro caso percebe-se claramente a “medi-
da educativa” em bater nas mãos que supos-
tamente roubaram a lata de óleo (esse tipo de
castigo corporal é muito antigo e atravessa ou-
tras culturas). Caberia um acompanhamento
de orientação a essa mãe (que também expres-
sou passar dificuldades financeiras sérias) so-
bre as conseqüências da violência doméstica
para as crianças. No segundo caso, seria ne-
cessário primeiro saber se foi realmente um
“priminho” que abusou sexualmente da crian-
ça, e, se foi, provavelmente este primo de 7
anos também deve ter sido vítima de abuso se-
xual, precisando de atenção urgente. Ambas
as crianças (e famílias) precisariam de acom-
panhamento adequado. No terceiro caso, ain-
da que nada pudesse ser feito pelo bebê mor-
to, caberia acompanhar essa mãe, pois ela po-
de ter (ou vir a ter) outros filhos e eventual-
mente repetir o abuso. Novamente se faria ne-
cessária a articulação do setor de emergência
com os demais serviços da rede pública e com
as organizações não-governamentais que aten-
dem as vítimas da violência doméstica e seus
familiares. Cabe lembrar que as articulações
com os Conselhos Tutelares precisam se trans-
formar em realidade e os serviços existentes e
atuantes configurarem uma “rede” de atuação.
Conclusões
Resgatando o título desse artigo, que com algu-
ma licença coloquial menciona as barreiras
culturais que dificultam vislumbrar uma ação
mais integral no âmbito da emergência, rea-
firmamos que a iniciativa de prevenção às vio-
lências nesse tipo de serviço, além de possível,
constitui um dos momentos mais propícios
(talvez uma oportunidade única). Nosso in-
tuito é o de contribuir para uma perspectiva
de atuação diante da violência que critique a
visão de “fatalidade” e que não enquadre com
antolhos o problema, ou seja, não o trate ex-
clusivamente como uma demanda de atendi-
mento médico ao “trauma”. Nossa expectati-
va é que tais reflexões sejam reelaboradas pe-
los profissionais dos serviços, a fim de que es-
tes possam empreender ações concretas e com-
patíveis com a realidade dos hospitais.
É dispensável dizer que as questões apon-
tadas referem-se a uma realidade extremamen-
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Saúde
Coletiva,
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1999
91
te complexa (o serviço de emergência hospi-
talar), e que nossa investigação apenas tangen-
ciou pontualmente questões e relações que me-
recem ser mais profundamente estudadas.
Uma gama de variáveis se interligam e
compõem o contexto dessa discussão:
1) condições de trabalho do profissional
de saúde, especialmente os do setor de emer-
gência; 2) política e situação de remuneração
destes profissionais; 3) relação entre quanti-
tativo de profissionais e demanda de trabalho;
4) comportamentos corporativistas de algu-
mas categorias profissionais que possibilitam
arranjos institucionais para ausência ou não-
cumprimento de tarefas ou carga horária; 5)
desestímulo profissional; 6) fragilidade dos
mecanismos institucionais para observar o
mérito profissional; e, 7) falta de capacitação
adequada para lidar de forma mais abrangen-
te com as situações de violência.
Defendemos que para se consolidar uma
perspectiva de atendimento de emergência às
vítimas da violência, capaz de prover os cui-
dados médicos com a qualidade necessária e
que também inicie uma atuação de prevenção,
torna-se necessário investir em três aspectos
intrínsecos: a) sensibilização/capacitação dos
profissionais de emergência (de todos aqueles
que lidam diretamente com o paciente, espe-
cialmente os profissionais de enfermagem, or-
topedistas, pediatras, neurologistas, dentistas,
oftalmologistas e clínicos gerais) para a im-
portância do reconhecimento e da atuação
diante destas situações; b) criação de rotinas
institucionais diante dos casos de suicídios,
violência conjugal e violência doméstica con-
tra a criança e o adolescente (e demais casos
de violências, tais como as agressões), atri-
buindo responsabilidades e ações para os pro-
fissionais das equipes médica, de saúde men-
tal, de enfermagem, de serviço social, a fim de
que os devidos encaminhamentos sejam rea-
lizados; c) articulação de “listas de referência”
de instituições, serviços, organizações governa-
mentais e não-governamentais que possam re-
ceber os encaminhamentos para os casos aten-
didos na emergência, integrando uma rede de
prevenção; e, d) melhoria do registro hospi-
talar dos casos de violências a fim de poder
subsidiar o planejamento de ações futuras. Pas-
semos, portanto, a discutir melhor os aspec-
tos cruciais da notificação e da atuação:
A notificação
O registro e a notificação dos casos de vio-
lência doméstica contra a criança e o adoles-
cente mostraram-se absolutamente precários
nos dois hospitais estudados (e naturalmente
também o são nos demais hospitais). Como é
sabido, os profissionais de saúde demonstram
uma grande relutância em assumir uma noti-
ficação de maus-tratos. Tal resistência é fun-
damentada em: a) experiências negativas ante-
riores vividas ou relatadas (em que o próprio
profissional foi perseguido pelos familiares ou
teve que prestar depoimentos um número in-
contável de vezes); b) receio de a criança ser
enviada para a “Funabem”, ou qualquer insti-
tuição pública, causando-lhe maiores danos;
c) visão de que se trata de um “problema de
família”, não sendo de responsabilidade de
uma “instituição de saúde”; d) temor de “estar
enganado” e notificar uma “suspeita infunda-
da”; e) crença de que sua ação deve se restrin-
gir ao cuidado das lesões; e, f) descrença
quanto às reais possibilidades de intervenção
nestes casos.
Defendemos que tal quadro só poderá ser
revertido quando alguns “passos” forem da-
dos. O primeiro, dos mais fundamentais, é a
criação de uma dinâmica de responsabilidade
institucional para a notificação dos casos. Se
por um lado é de responsabilidade profissional
tal notificação (ética e legalmente), por outro
é a instituição que deve garantir esta conduta
profissional, protegendo o indivíduo de “ar-
car” com todas as pressões, compartilhando a
responsabilidade pelo caso. Há que se criar
uma “rotina institucional” para a notificação,
identificando-se etapas e atribuições: um
“quem faz o quê” entre os diversos atores, mé-
dicos(as) e enfermeiros(as), chefes de equipe
médica e de enfermagem, chefias da emergên-
cia, serviço social da emergência, Direção do
hospital e Secretaria Municipal de Saúde. A
Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Ja-
neiro tem atuado, investindo na capacitação
de profissionais da rede para a identificação
dos casos, e está implantando um documento
de notificação que os profissionais preenchem
e encaminham para a SMS e para o Conselho
Tutelar.
Precisamos criar os mecanismos sociais (e
exigir a atuação dos já existentes) para que a
“notificação” não signifique “denúncia”, no
sentido repressivo e policialesco do termo.
“Notificação” precisa significar, na prática,
Deslandes,
S.
F.
92
uma garantia de que a criança e o adolescente
e sua família terão apoio de instituições e pro-
fissionais competentes. Torna-se importante
que cada hospital de emergência estabeleça
um contato mais direto com o Conselho Tu-
telar de sua área, conhecendo melhor o traba-
lho desenvolvido e atuando em parceria. Ini-
ciativas como a do Instituto de Puericultura e
Pediatria Martagão Gesteira, do Hospital Uni-
versitário da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, que desenvolve um atendimento am-
bulatorial para acompanhar as crianças e fa-
mílias que vivenciam o problema dos maus-
tratos, precisam ser divulgadas e incentivadas.
A criação de comitês formados por diversos
profissionais que discutam os casos e estabele-
çam parcerias com instituições de apoio é uma
iniciativa que tem boa repercussão (os hospi-
tais municipais Souza Aguiar e Lourenço Jor-
ge já dispõem deste tipo de trabalho).
Se a violência doméstica contra as crian-
ças causa grande comoção, mobilizando mui-
tos profissionais a notificar o caso visando a
proteger a criança de novos abusos, a violência
doméstica contra a mulher não desfruta de tal
apelo. A “mulher que apanha do marido” nem
sempre desperta solidariedade ou iniciativas
de proteção. Muitos preconceitos existem, fa-
zendo crer que há uma certa “culpa” por par-
te da própria vítima. Ainda há que se traba-
lhar muito a percepção dos profissionais de
saúde, sensibilizando-os para a situação do fe-
minino, discutindo e conhecendo melhor a di-
nâmica da violência conjugal e despertando
uma perspectiva de apoio. Por incrível que pa-
reça, não é demais lembrar que qualquer pes-
soa tem o direito básico de ver preservada a
sua integridade física.
O registro desses casos não desfruta do
mesmo caráter de “obrigação legal” que o Es-
tatuto da Criança e do Adolescente exige ao
profissional de saúde. Assim, o registro do ca-
so raramente se dará. O registro hospitalar
quando solicitado para quaisquer ações legais
movidas pelas mulheres, limita-se a confirmar
que “no dia tal foi realizado um socorro mé-
dico”, não entrando em detalhes sobre a agres-
são sofrida.
O registro policial também nem sempre é
realizado. Entre os muitos motivos, porque ele
não é, em momento algum, estimulado a ser
feito. É visto por muitos policiais como uma
“perda de tempo” (porque a mulher se arre-
penderia e retiraria a queixa). Os policiais de
plantão no hospital são os de delegacias de
bairro, não havendo nenhum representante ou
um contato mais direto com as Delegacias Es-
peciais de Atendimento à Mulher. Quando fei-
to o registro, não é orientado quando é neces-
sário um exame de corpo delito. Obviamente,
a mulher vitimizada tem o direito de não que-
rer notificar, caso seja essa a sua vontade. Con-
tudo, ela deve se sentir amparada para usu-
fruir do direito de registrar a queixa. Mesmo
não querendo notificar o caso, ela pode rece-
ber a ajuda dos serviços de apoio à mulher vi-
timizada. No caso das tentativas de suicídios,
não cabe uma “notificação”. Contudo, o regis-
tro hospitalar precisa ser realizado com qua-
lidade, podendo até servir para identificar os
casos reincidentes que demandariam uma
atenção diferenciada.
A atuação
Uma atuação preventiva no âmbito da
emergência tem de se adequar às característi-
cas do próprio serviço. Trata-se de uma dinâ-
mica de atendimento que exige rapidez e atitu-
des imediatas, que provoca grande estresse,
onde há uma demanda sempre além do con-
tingente de profissionais disponíveis e de con-
tínua mudança de equipes (dificultando a co-
municação e a troca de impressões entre pro-
fissionais que iniciaram e aqueles que vão dar
continuidade ao atendimento). Por tais moti-
vos, torna-se fundamental a consolidação de
“rotinas” de atuação. Por exemplo, num caso
de tentativa de suicídio, quais os profissionais
que podem de imediato fazer um atendimen-
to de “suporte”? Provavelmente não se dispõe,
em todas as equipes, de um psicólogo ou psi-
quiatra. Então como se portar nesses momen-
tos de crise para, pelo menos, não piorá-la? No
atendimento ambulatorial esse profissional
existe? Seria possível esse paciente receber, an-
tes da alta, uma consulta? Esse paciente po-
derá ser agendado no atendimento ambula-
torial para iniciar um acompanhamento? Ca-
so não se disponha desse tipo de atendimen-
to no ambulatório do hospital é possível enca-
minhar (já agendando) para outro da rede?
Existem serviços de apoio (não governamen-
tais) que podem ser envolvidos para atender
esse indivíduo?
A rotina de cada serviço só pode ser pen-
sada por aqueles profissionais que irão reali-
zá-la. Contudo, a equipe de serviço social po-
de desempenhar um papel-chave na articula-
ção com demais serviços da rede SUS, com as
Ciência
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Saúde
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organizações governamentais e não-governa-
mentais que atendem a cada problema espe-
cífico, viabilizando um trabalho de referência.
Criar “listas” atualizadas dos serviços atuan-
tes é fundamental. Essa iniciativa pode ser
apoiada pelas Secretarias de Saúde e Bem-Es-
tar Social no sentido de realizar uma pesquisa
de levantamento de serviços disponíveis e de se
criarem convênios de cooperação técnica en-
tre os hospitais e tais instituições, contribuin-
do até mesmo para diminuir a descontinuida-
de de muitas iniciativas (o que é um dos pro-
blemas na hora de referenciar um paciente).
Todos esses comentários e “recomendações”
só têm um mínimo de viabilidade se houver:
a) um reconhecimento por parte das Se-
cretarias de Saúde, de que a violência deman-
da definição de estratégias de atuação; b) uma
preocupação real com tais questões por parte
das direções e chefias de equipes dos hospi-
tais; c) uma atitude de escuta às opiniões e ex-
periência dos profissionais envolvidos; d) um
trabalho de equipe que conte com uma parti-
cipação maior dos serviços de saúde mental e
serviço social (inclusive nos plantões notur-
nos e de finais de semana); e) ações de valori-
zação e estímulo ao profissional ligado ao aten-
dimento de emergência; f) uma dinâmica con-
tínua de comunicação e cooperação entre se-
tor de emergência, ambulatório e enfermarias
do mesmo hospital e a rede básica da área; g)
valorização da informação hospitalar (infor-
matizada, sistemática e de forma continuada);
e, h) articulação do hospital, através do setor
de serviço social e direção, com serviços, gru-
pos e organizações da sociedade civil e outros
setores públicos no sentido de apoiar as víti-
mas e prevenir tais agravos.
Algumas iniciativas importantes já come-
çam a se afirmar, como a do Conselho Regio-
nal de Medicina do Estado de São Paulo, Es-
cola Paulista de Medicina e Sindicato dos Mé-
dicos do Estado que juntos se engajaram na
luta contra a violência, lançando uma campa-
nha intitulada “Uso Branco pela Paz”, assu-
mindo vários compromissos, dentre estes: o
de lutar contra a omissão e o silêncio diante
da violência; alertar quanto aos custos médi-
cos e sociais da violência; exigir que o poder
público invista recursos para criar redes inte-
gradas entre serviços de pronto-socorro, resga-
te, urgência, emergência, ambulatórios e en-
fermarias; valorizar a notificação e o registro;
instruir a formação do médico e profissionais
de saúde para o atendimento das vítimas de
violências; definir estratégias de prevenção
(CRMES, APM, SIMESP, 1998). Prevenir a vio-
lência demanda, invariavelmente, construir
alianças, articulações, estabelecer diálogo e
exercitar a “escuta” profissional.
Agradecimentos
À Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e às
Diretorias dos Hospitais Municipais Miguel Couto e Sal-
gado Filho, que tornaram possível este trabalho. À Dra.
Viviane Castelo Branco e ao Dr. Édison Rodrigues da
Paixão, pela leitura atenta, crítica e amiga.
Referências
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  • 1. ARTIGO ARTICLE 81 O atendimento às vítimas de violência na emergência: “prevenção numa hora dessas?”* Medical care for victims of violence in emergency room: is it time for prevention? * Pesquisa desenvolvida pelo Centro Latino- Americano de Estudos sobre Violência e Saúde “Jorge Careli” da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e do CNPq. 1 Instituto Fernandes Figueira e Centro Latino- Americano de Estudos sobre a Violência e Saúde “Jorge Careli”, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Rui Barbosa, 716, 4o andar. Flamengo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. desland@iff.fiocruz.br Suely F. Deslandes 1 Abstract This paper discusses violence preven- tion possibilities that could be raised in emer- gency. It draws on the research data that analysed medical care for the victims of “exter- nal causes” in two public emergency hospitals in Rio de Janeiro. This work deals briefly with the main “external causes” (among accidents and violence) which were treated there and em- phasizes the care given to the victims of child abuse, battered women and attempts of sui- cides. The research methodology articulates the descriptive study of quantitative base to a qual- itative approach developed through field obser- vation and interviews. Starting from the empir- ic data, it discusses the medical care received by the victims and the possible prevention oppor- tunities and the necessary conditions for this task. Key words Violence; Prevention; Emergency Room; Domestic Violence; Suicide Resumo Neste artigo discutem-se as possibili- dades de prevenção que o setor de emergência pode desencadear diante dos casos de violên- cias. Apóia-se nos dados de pesquisa em que se analisaram os atendimentos feitos às vítimas de “causas externas” em dois hospitais públicos de emergência no Rio de Janeiro. Optou-se, neste trabalho, por tratar de forma breve as princi- pais “causas externas” atendidas (entre aciden- tes e violências), enfatizando-se os atendimen- tos de violência doméstica contra crianças, con- tra mulheres e os de tentativas de suicídios. A metodologia da pesquisa articulou o estudo descritivo de base quantitativa a uma aborda- gem qualitativa construída através de observa- ção de campo e de entrevistas. A partir dos da- dos empíricos, trava-se uma discussão sobre o atendimento realizado e as oportunidades de prevenção possíveis e as condições necessárias para esta tarefa. Palavras-chave Violência; Prevenção; Emer- gência; Violência Doméstica; Suicídio
  • 2. Deslandes, S. F. 82 Apresentação A violência já ocupa, desde 1989, o segundo lugar das causas de morte ocorridas no Brasil, e o primeiro lugar para os óbitos de pessoas entre cinco e 49 anos de idade (Minayo & Sou- za, 1993; Souza & Minayo, 1994). Os dados so- bre os casos de morbidade por violência ainda são muito precários no país, mas se estima que sejam muito superiores aos de mortalidade (Jouvencel, 1987; Minayo, 1994; CRMES, APM, SIMESP, 1998). Esse dado bruto (e aterrador) representa, em outras palavras, a perda de mi- lhares de vidas, a mutilação de pessoas, custos significativos e uma demanda considerável de trabalho para o setor saúde (Clancy et al., 1994; OPS, 1995). Apesar de uma década ter transcorrido, a violência ainda é uma “incômoda novidade” para a agenda de Saúde Pública. Em primeiro lugar, porque a violência “desaloja”, ou melhor dizendo, “desafia” os saberes hegemônicos no campo da Saúde. Não é uma doença embora cause lesões, dor, sofrimento e morte. Não tem sua “origem” em ação invasiva de microorga- nismos, sua causa não é nenhuma desordem orgânica – campos de notório saber da atua- ção médica e pesquisa biológica. Não se res- tringe aos “traumas” e às “lesões” que, invaria- velmente, constituem suas conseqüências. A própria designação de “causas externas” reve- la, ironicamente, o paradoxo que a violência representa para o campo da Saúde. “Externas” a quê, ao locus da atuação médica (as causas “orgânicas” e os “traumas”, a lógica do trata- mento das doenças?). “Externas” porque sem- pre foram um “problema do social” e não da área de Saúde? Muitos autores (Mello Jorge, 1979; Minayo, 1994), inclusive, têm discutido a imprecisão da categoria, designada pelo Có- digo Internacional de Doenças. A rubrica “causas externas” abarca uma ex- tensão imensa de eventos: todos os tipos de acidentes (inclusive os de transporte), lesões autoprovocadas voluntariamente, agressões, eventos cuja intenção é indeterminada, inter- venções legais e operações de guerra, efeitos tardios provocados por lesões acidentais ou violentas, e até mesmo complicações de assis- tência médica e cirúrgica (OMS, 1996), difi- cultando discernir a especificidade que envol- ve cada um desses fenômenos. Se por um la- do é, no mínimo, impróprio discutir como conjunto os acidentes domésticos, homicídios e acidentes de trânsito, por outro há em mui- tas situações uma relação submersa entre even- tos “acidentais” e violências, o que dimensio- na superficialmente a dinâmica e a dificulda- de em lidar com tais classificações. Se a área da Saúde tradicionalmente tem atuado nos “efeitos” da violência, tratando das lesões e dos traumas, hoje esta ação não é su- ficiente, seja em termos de enfoque e de atua- ção (OPS, 1994; Guerrero, 1995). A violência pertence a uma nova perspectiva que busca se consolidar no campo da Saúde Coletiva, que reconhece o conhecimento como produção de complexidade, que articula as tecnociências com as ciências humanas e filosofia, que inte- gra as dimensões coletivas e individuais, ob- jetivas e simbólicas, quantitativas e qualitati- vas. A violência não se restringe enquanto um campo da Saúde, ao contrário, é um proble- ma que demanda a atuação interdisciplinar e dos vários setores da sociedade civil e das or- ganizações governamentais. E este é o segun- do grande desafio que a violência constitui pa- ra o setor Saúde: a demanda por articulação interna e com outros setores. Feito este breve preâmbulo, podemos su- por que discutir a prevenção da violência não é tão simples assim, contudo, é uma contri- buição “vital” (e não uma força de expressão) que o setor Saúde pode realizar. Se, por um lado, a prevenção não é só um conjunto de práticas, mas elemento do próprio ideário que sustenta o campo da Saúde Pública, por ou- tro, o modelo de prevenção para o problema da violência demanda novas práticas, articu- lações e aprendizados. Como ressalta Mina- yo (1994: 14), “a complexidade real da expe- riência e do fenômeno da violência exige a ul- trapassagem de simplificações e a abertura pa- ra integrar esforços e pontos de vista de vá- rias disciplinas, setores, organizações e comu- nidades”. A prevenção da violência impõe dois gran- des esforços adicionais: o de superar a noção de “fatalidade” e “inevitabilidade” que envol- ve o senso comum da visão sobre o problema; e o de transpor a noção da violência como “um problema do social”. Esta segunda perspecti- va obviamente é verdadeira, mas é desfocada para a dimensão das “mudanças estruturais”, provocando uma certa inércia (então não há como atuar para prevenir ou diminuir a vio- lência até que haja mudanças na ordem políti- ca, econômica e social?). Naturalmente que a luta por justiça social e pelo fim da impuni- dade não pode cessar e o setor Saúde é, histo-
  • 3. ricamente, um dos atores importantes nessa luta. Atuar nas causas sociais da violência é importante e demanda um empreendimento maior. Assim, cremos que os variados tipos de violências articulam-se mais ou menos dire- tamente às causas estruturais (embora toda violência seja socialmente construída e reve- le a dimensão da iniqüidade da sociedade que a gera), necessitando de investimentos de mais amplo espectro ou de uma atuação mais foca- lizada. Um exemplo claro dessa questão é a prevenção dos homicídios, que demanda uma série de intervenções sociais de fundo (con- trole de venda e uso de armas; oferta de tra- balho e cidadania para uma gama imensa da população pobre, especialmente de adolescen- tes e jovens; punição para os grandes nego- ciantes de armas e drogas; entre outras). Como se pode ver, é um campo complexo e cheio de incertezas mas acreditamos que muito pode ser feito. Em termos de serviços, os serviços básicos de saúde, como já aponta- do por estudos e experiências (Machado et al., 1994; Ynoub, 1998), podem atuar como im- portante aliado na prevenção primária das vio- lências domésticas contra crianças, adolescen- tes e mulheres, seja atuando no pré-natal, no atendimento pediátrico e no de ginecologia, seja nas atividades dos agentes de saúde, e nos grupos comunitários de saúde. Contudo, em nenhum outro serviço de saúde a violência adquire tamanha visibilida- de como na emergência. Este serviço é, para a maioria das vítimas de violências, a “porta de entrada” no sistema público de saúde. Obser- va-se que a maioria dos serviços privados não oferece o atendimento de emergência pois os investimentos nesse tipo de atenção são onero- sos e de grande complexidade. Podemos mes- mo dizer que o atendimento de emergência é um poderoso indicador da violência que ocor- re na cidade. É para lá que acorrem ou são le- vadas suas vítimas em situações de trauma ou iminência de morte. Para muitas pessoas, é a única vez em que estará, enquanto vítima de uma agressão, diante de um profissional de saúde (que é um representante do poder pú- blico). Em muitos casos, é um dos únicos mo- mentos em que a violência será declarada. Nes- se sentido, países como Estados Unidos e Ca- nadá há alguns anos estão implantando nos serviços de emergência rotinas institucionais para desencadear o acompanhamento e a pre- venção de reincidências. Vários itens do do- cumento “Objetivos para a Saúde no Ano Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):81-94, 1999 83 2000” referem-se à prevenção da violência no âmbito das emergências (U.S. Department of Health and Human Services, 1993). Um dos itens estipula que cerca de 90% de todas as emergências nos Estados Unidos tenham pro- tocolos que rotineiramente identifiquem, tra- tem e façam os devidos encaminhamentos pa- ra as vítimas de estupro, violência conjugal e outras formas de violências contra adultos (nos casos de violência contra criança e adoles- cente, isso já é feito). Como afirma o editorial daquele periódico, “a emergência pode prover a primeira oportunidade para adultos vítimas de violência de encontrarem suporte, assistên- cia e proteção” (U.S. Department of Health and Human Services, 1993: 618). Atualmente as principais “frentes” de prevenção das emer- gências nesses países são as vítimas de violên- cias domésticas (crianças, adolescentes, mu- lheres e idosos), vítimas de estupro, sobrevi- ventes de tentativas de suicídio e de homicí- dio (Bell et al., 1994). Ainda assim, há vigoro- sas críticas quanto à qualidade do registro que feito de forma assistemática impede um acom- panhamento epidemiológico adequado, difi- cultando dimensionar o problema e planejar ações (Davidson, 1996; Covington, 1995). A idéia central é que a maioria dos casos de violências reincidirá (com igual ou supe- rior gravidade) se não houver alguma ação que interrompa sua dinâmica. Esse raciocínio en- contra farto respaldo em pesquisas sobre vio- lência doméstica contra crianças e adolescen- tes (Garbarino et al., 1988; Santos, 1991), vio- lência doméstica contra mulheres (Bell et al., 1994; Heise et al., 1994), e nos casos de tenta- tivas de suicídios (Serfaty, 1998; Cassorla & Smeke, 1994). O presente artigo se apóia nos dados de uma pesquisa mais abrangente (Deslandes, 1997) que pretendeu abordar todos os atendi- mentos feitos às vítimas de “causas externas” em dois hospitais públicos de emergência. A partir dos dados empíricos pretendemos re- fletir sobre o atendimento realizado e as opor- tunidades de prevenção possíveis no âmbito da emergência. Optamos, neste trabalho, por tratar de forma breve as principais “causas ex- ternas” atendidas (entre acidentes e violên- cias) e nos deter nos atendimentos de violên- cia doméstica e tentativas de suicídios. Os mo- tivos para tal escolha são três: 1) por querer dar ênfase às formas intencionais de violên- cia, distinguindo-as dos acidentes; 2) por se tratarem de eventos que têm grande probabi-
  • 4. Deslandes, S. F. 84 lidade de reincidirem, caso não haja uma in- tervenção; 3) por já existir um conjunto de ini- ciativas (civis e governamentais) voltado pa- ra esses problemas e que pode, potencialmen- te, vir a integrar uma rede de atuação. Contudo, nosso recorte exclui as “agres- sões” (tentativas de homicídios e outras agres- sões). As vítimas de agressões constituíram um grupo grande dos atendimentos (364 consi- derando-se os dois hospitais), e envolveram uma multiplicidade de situações que não per- mitem configurar um fenômeno único (des- de brigas de bares, confronto com assaltantes, até conflitos armados entre membros do “trá- fico” e policiais). A exclusão das agressões se deve à natureza complexa do problema, o que demandaria uma reflexão mais substantiva e recomendações de natureza estrutural, fugin- do à perspectiva mais pragmática que deseja- mos imprimir nesse primeiro momento. A análise das possíveis perspectivas de preven- ção das “agressões” exigiria o discernimento das diversas relações sociais a que se vinculam (conflito com a lei, brigas em bailes ou em ou- tros eventos de lazer, disputas internas por “territórios” para a prática de crimes, “disci- plinarizações”, etc.), e só assim poder-se-ia es- pecificar ações cabíveis e pertinentes ao âm- bito da Saúde e de outros setores. Tal análise, pela relevância extrema que hoje se configura para o país, pela suma importância para o campo da Saúde, mereceria um artigo especí- fico e, primordialmente, maior investimento de pesquisa e um amplo debate na sociedade. Metodologia A seleção dos hospitais e do período O presente estudo foi desenvolvido em dois hospitais públicos considerados de referência para o atendimento de emergências: Hospital Municipal Miguel Couto (localizado na região rica da cidade) e Hospital Municipal Salgado Filho (localizado na área de subúrbio). Esco- lhemos, portanto, dois hospitais municipais localizados em áreas socialmente diferencia- das do município do Rio de Janeiro. O fato de ambos os hospitais serem da rede municipal minimizou eventuais diferenças no atendimen- to provenientes de orientação administrativa. Inicialmente percebemos que havia um ele- vado montante de pessoas que procuravam so- corro nas emergências dos hospitais selecio- nados. A média diária anual, em 1995, no Hos- pital Miguel Couto (HMMC) foi de 675 aten- dimentos, com desvio padrão de 26,80. Por- tanto, os meses que mais se aproximavam des- te comportamento de atendimentos por mé- dia diária seriam novembro (675), junho (671), abril (666), maio (689) e agosto (661). A média diária do período de julho de 1994 a junho de 1995 no Hospital Salgado Filho (HMSF) foi de 515 atendimentos, com desvio padrão de 35,56. Os meses mais próximos des- ta média seriam abril (513), setembro (517), fevereiro (520), maio (521), agosto (521) e ou- tubro (501). Contudo, do total de atendimen- tos não se tinha disponível o número dos casos por “causas externas”. Diante da impossibili- dade de traçarmos uma amostra de forma ade- quada e da magnitude dos atendimentos men- sais (que somariam um contingente imenso para um período mais longo), optamos por realizar, para o estudo quantitativo, um cen- so de todas as “causas externas” atendidas em um mês considerado de “rotina” nos dois hos- pitais (maio de 1996 no HMMC, e junho de 1996 no HMSF). O estudo qualitativo transcorreu de outu- bro de 1995 a agosto de 1996. Baseou-se em observação de campo e em entrevistas semi- estruturadas realizadas com as pessoas aten- didas e com os profissionais de saúde. O pre- sente artigo apóia-se predominantemente nos dados estatísticos e nas observações de cam- po referentes aos atendimentos de violências domésticas e de tentativas de suicídios. A coleta de dados Inicialmente, selecionamos e treinamos um grupo de 14 acadêmicos de medicina para a fase de coleta do censo. Estes auxiliares de pes- quisa foram agrupados em sete equipes que se revezaram em plantões de doze horas. Os au- xiliares de pesquisa foram treinados para preencher um questionário para cada pacien- te que desse entrada por causa externa. Assim, cada vítima atendida, por este motivo, respon- dia a um questionário sobre dados sócio-de- mográficos, o evento ocorrido (relato aberto), o socorro prestado e o atendimento recebido. O auxiliar de pesquisa aplicava o questioná- rio diretamente ao paciente. Quando este não apresentava condições, as respostas eram for- necidas pelo socorrista e/ou acompanhante. Este método mostrou-se eficaz uma vez que em apenas 0.5% dos casos do Miguel Couto e
  • 5. Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):81-94, 1999 85 0.3% dos casos estudados no Salgado Filho não foi possível detectar a causa básica do agravo violento. Torna-se de fundamental importância in- dicar que aferimos as causas segundo as de- clarações do paciente ou, na impossibilidade deste, nas do socorrista ou acompanhante. As- sim, são as causas declaradas a nossa fonte de discussão. Era-nos absolutamente impossível checar a veracidade das informações presta- das. Desta maneira, provavelmente alguns ca- sos de violência doméstica ou violências in- terpessoais podem ter sido declarados como acidentes. Por outro lado, uma vez que o au- xiliar de pesquisa mantinha um contato mais pessoal com aquele paciente, também ocor- reu, em algumas situações, deste contar em se- gredo a verdadeira causa e condições em que ocorrera o agravo, não declarando-as ao res- to da equipe do serviço a fim de evitar o regis- tro policial. As informações relativas ao atendimento prestado foram aferidas pela equipe da pes- quisa com base na observação de campo. A ob- servação de campo e as entrevistas com pa- cientes e profissionais de saúde foram realiza- das pela autora. Apresentação e discussão dos resultados: o perfil geral da demanda e do atendimento prestado As “causas externas” corresponderam, no pe- ríodo estudado, a 2.736 casos no Miguel Cou- to (14.3% dos atendimentos de emergência), e a 2.415 casos no Salgado Filho (18.9% do aten- dimento do setor). A média diária dos atendi- mentos por “causas externas” no HMMC foi de 88 pessoas, e no HMSF foi de 80. Verificando a distribuição dos atendimen- tos por hora de entrada, percebemos que os plantões diurnos (8 às 20 horas) receberam uma demanda maior: 71% no Salgado Filho e 69.6% no Miguel Couto. Exceções foram ob- servadas nos finais de semana quando os plan- tões noturnos (20 às 8 horas) eram mais pro- curados, especialmente por acidentados no trânsito e envolvidos em agressões. A distri- buição da demanda segundo os dias da sema- na não foi homogênea. Notou-se uma eleva- ção crescente iniciando nas sextas, sábados, diminuindo aos domingos e novamente au- mentando às segundas-feiras. Tais dados po- dem sugerir uma melhor adequação da com- posição das equipes para o atendimento das “causas externas”, assim como de rotinas que possibilitem ações preventivas. Quanto ao tempo de permanência do pa- ciente no setor de emergência, observamos que a maioria permaneceu por um período de uma a 6 horas (64.5% no HMMC, e 62.3% no HMSF). Entretanto, contabilizamos ape- nas quando o paciente entrava no setor de emergência, excluindo-se assim, o número de horas que este esperou nas filas, nas condu- ções ou em outros hospitais. Embora peque- no o percentual de pacientes que ficaram mais de 48 horas, estes permaneceram por vários dias, sobrecarregando significativamente o se- tor de emergência. Os motivos para tal fato são variados: falta de vaga nas enfermarias, no centro cirúrgico ou CTI, ou mesmo porque o paciente era extremamente pobre e não tinha casa ou não possuía parentes que cuidassem de sua recuperação. Tais fatos indicam a ne- cessidade de uma articulação interna maior entre o setor de emergência e outros setores do próprio hospital – medidas fundamentais visando à prevenção numa perspectiva de acompanhamento e de continuidade no aten- dimento dos casos. Acrescenta-se ainda a ne- cessária articulação entre os próprios hospi- tais da rede pública. Quanto ao atendimento prestado, como pode ser visto no Gráfico 1, a grande maioria foi cuidada apenas por um especialista, sendo preponderante a demanda pelo ortopedista. Contudo, 176 pessoas atendidas (7.4%) no Sal- gado Filho, e 279 (10.5%) no Miguel Couto receberam a atenção de mais de um especia- lista. Esta diferença pode estar relacionada tan- to à gravidade da lesão quanto à própria es- trutura e recursos de cada hospital. Se o setor de ortopedia pode ser conside- rado um setor básico no atendimento das “cau- sas externas”, a presença de neurologistas, ci- rurgiões, clínicos, pediatras, oftalmologistas, otorrinolaringologistas e odontólogos cons- titui a garantia do atendimento dos casos espe- cíficos, dos casos graves e os de grande com- plexidade. Além disso, os profissionais destas áreas são aqueles que, como mostram os da- dos empíricos, são elementos-chave para de- sencadear um trabalho de prevenção. Também consideramos de fundamental importância apontar o elevado contingente de atendimentos realizados exclusivamente pelo acadêmico de medicina (33.9% no Salgado Fi- lho, e 15.8% no Miguel Couto). Este fato nos
  • 6. Deslandes, S. F. 86 revela a necessidade de discutir mais profun- damente o papel que estes estudantes têm de- sempenhado, que tipo de acompanhamento e apoio têm recebido e qual a qualidade do aten- dimento por eles prestado. Uma vez verificado o tipo de violência mais atendido por estes jo- vens, predominaram as agressões, abuso de ál- cool ou outra droga e violências domésticas. Caberia questionar se existe algum tipo de jul- gamento de valor que determine tal distribui- ção ou se estes casos realmente constituem aqueles de pequena gravidade. A distribuição dos casos por tipo de cau- sas específicas (excluindo-se os ignorados) foi agrupada, diferenciando as formas de violên- cias e os acidentes (Tabela 1). Diante da magnitude destes dados, já me- receriam menção as altas médias diárias de agressões, violências domésticas, atropelamen- tos, acidentes de trânsito em geral, e, especial- mente, esta “entidade misteriosa” denominada quedas. Os “outros acidentes” constituíram aquele grupo de todos os incidentes domésti- cos, acidentes ocorridos na prática de espor- tes, e outros. As “balas perdidas” representa- ram, provavelmente, tanto declarações visan- do a esconder envolvimento com situações de delito como o fato de ter sido um “alvo” aci- dental de disputas armadas. Os casos de “over- dose” referiram-se, sobretudo, à ingestão ex- cessiva de bebidas alcoólicas. Por outro lado, embora apresentando médias diárias discre- tas, as tentativas de suicídios revelaram-se sur- preendentes pois, em termos absolutos, para um único mês de atendimento, constituíram um número alarmante. Passemos agora a explorar, a miúde, as cau- sas específicas que mais despontaram no con- junto dos atendimentos, buscando caraterizar o atendimento prestado na emergência e as oportunidades existentes (e perdidas) de pre- venção: 1) As quedas ocuparam papel de destaque no atendimento às “causas externas” (851 ca- sos no HMSF, e 1.055 no HMMC). Esta deno- minação abriga uma variedade imensa de si- tuações (acidentes de trabalho ou domésticos, fuga de agressões, acidente de locomoção, fal- ta de controle motor por ingestão de drogas ou por velhice, entre outros muitos motivos). Declarar uma queda pode ainda ocultar situa- ções de violência doméstica. Destacamos dois casos atendidos que podem ser considerados exemplares. No primeiro caso, uma menina de 5 anos apresentando uma lesão reta que indi- cava o uso de um objeto penetrante e de cor- te (faca ou tesoura) havia, segundo sua mãe, “caído” de uma escada em cima de uma lata de lixo onde se cortou com pedaços de garra- fas. No segundo caso, uma criança de 3 anos 0 10 20 30 40 50 60 70 HMMC HMSF mais de 1 especialista pediatra oftalmologista odontólogo cirurgião neurocirurgião otorrino clínico acadêmico ortopedista Figura 1 Distribuição proporcional dos especialistas envolvidos no atendimento às vítimas de causas externas. HMMC* e HMSF**, 1996. * Maio/1996, n = 2.675 ** Junho/1996, n = 2.386
  • 7. Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):81-94, 1999 87 que sempre brincava sozinha em cima da laje de sua casa caiu de lá – uma altura de cerca de 3 metros (uma criança desta idade sem ne- nhum acompanhamento em lugar tão arris- cado pode indicar suspeita de negligência em seus cuidados). As faixas etárias mais predo- minantes neste tipo de evento no HMSF fo- ram as faixas mais extremas, isto é, as crian- ças menores de 1 ano e as de 1 a 4 anos com 15% (129 casos), e pessoas com 60 anos, ou mais, com 12% (104 casos), sendo também significativa a participação de jovens de 20 a 29 anos (13% – 115 casos). No HMMC, os jo- vens são a faixa etária mais importante, em 18.6% (206 casos) do total das quedas, os adul- tos de 30 a 39 anos corresponderam a 14% (148), seguidos dos idosos (com 143 casos, 13,8%) e dos adultos de 40 a 49 anos (105 ca- sos, 10,1%). As crianças de menos de 1 a 4 anos corresponderam a 96 (9%) atendimentos. A maioria das quedas (cerca de 50%) ocorreu nas residências e 27.5% (HMMC) e 24% (HMSF) ocorreram nas vias públicas. Vale des- tacar que em apenas um mês de atendimento, considerando-se os dois hospitais, 247 idosos foram vítimas de quedas, sendo a maioria em suas próprias residências, indicando que pe- quenas medidas preventivas podem ser orien- tadas (seja por um acadêmico, enfermeira ou auxiliar de enfermagem), visando a adequar a casa às dificuldades motoras destes idosos (uso de tapetes antiderrapantes no banheiro, colo- cação de corrimão em áreas arriscadas, elimi- nação de tapetes soltos, ou outros obstáculos). Mesmo raciocínio valeria para as crianças de 1 a 4 anos. De todas as quedas atendidas no HMMC, 16% (167) foram acidentes de traba- lho, e 12% (104) por este mesmo motivo fo- ram registradas no HMSF. As quedas são, a nosso ver, um elemento “curinga” que atua sinergicamente com varia- das formas de violências, renomeando-as e tra- vestindo-as de “acidentalidade”. Pode ocultar uma situação de violência doméstica; pode es- conder o abandono e a solidão imposta aos idosos (como num dos casos em que uma se- nhora sofreu uma queda em seu apartamento e ficou três dias caída no chão até que alguém, percebendo sua ausência, arrombou a porta e prestou-lhe socorro); e também mascarar as precárias condições de trabalho que despre- zam a integridade física, especialmente dos tra- balhadores da construção civil e das emprega- das domésticas (principais vítimas atendidas). 2) Atropelamentos e outros acidentes de trânsito. Estes acidentes constituíram um dos maiores grupos e o que mais levou a óbito den- tro das “causas externas” estudadas. Das víti- mas de atropelamento atendidas, 22.8%, no HMMC, e 16.4%, no HMSF, declararam ter consumido algum tipo de droga antes do in- cidente (majoritariamente, bebidas alcoóli- cas). Os casos em que puderam ser identifica- das condutas irresponsáveis ou que sugeriram uma postura de autodestruição (Cassorla & Smeke, 1994) mereciam uma atenção especial do setor de emergência, garantindo na própria rede ambulatorial um atendimento de acom- panhamento a estas pessoas. A maioria das pessoas atendidas foi atropelada na mesma área em que residia. A qualidade do registro do local das ocorrências é fundamental para Tabela 1 Distribuição dos tipos de eventos e média diária, HMMC* e HMSF**, 1996. Tipo de evento HMMC HMSF n Média diária n Média diária Agressões 176 5,8 188 6,2 Violência doméstica 45 1,5 90 3,0 “Bala Perdida” 12 0,4 13 0,4 Tentativa de suicídio 5 0,2 21 0,7 “Overdose” 32 1,1 17 0,5 Atropelamentos 158 5,2 143 4,7 Acid. Trânsito 162 5,4 147 4,9 Acid. Transporte 163 5,4 132 4,4 Quedas 1055 35,1 851 28,3 Outros Acidentes 914 30,4 807 26,9 * Maio ** Junho
  • 8. Deslandes, S. F. 88 mapear os “pontos” críticos, indicando às au- toridades de trânsito a demanda de interven- ção urgente. Hoje tem-se relativizado em mui- to a noção de “acidentalidade” que envolve tais eventos, pois a dinâmica do trânsito sugere a necessidade de se identificar os atores (moto- ristas leigos e profissionais, pedestres, autori- dades do trânsito, empresários de transportes, poder público, comunidades, fabricantes e anunciantes de carros) e responsabilidades (cumprir as leis de trânsito, manter as vias e sinais de trânsito em bom funcionamento, or- ganizar o trânsito contemplando as necessi- dades de pedestres e comunidades; diminuir a impunidade diante do descumprimento das leis de trânsito; resgatar a vida como valor maior em detrimento de outros valores como competitividade, habilidade automobilística diante de situações de risco e aventura) (Por- tugal & Santos, 1991). 3) Acidentes de trabalho. Uma das questões que consideramos como ponto de investiga- ção foi se aquele evento (acidente ou violên- cia) aconteceu durante uma atividade de tra- balho da vítima. No HMSF, 15% (360 casos) de todas as “causas externas” foram decorren- tes de um acidente de trabalho. No HMMC, 18.7% (505) foram lesões provocadas na exe- cução de tarefas laborais. Em outros termos, neste hospital, em cerca de 5 atendimentos (por “causas externas”), um deles foi por aci- dente de trabalho. Por limitações de pesquisa, excluímos os acidentes de trânsito ou quais- quer outros no percurso deste trabalhador pa- ra o local de trabalho ou residência. Se estes fossem considerados, o montante de casos se- ria muito superior. Tal informação sugere a necessidade de uma adequação do atendimen- to (sobretudo no que se refere ao apoio do se- tor de serviço social), do registro, e de uma maior atuação da área de saúde do trabalha- dor nestes hospitais. Pudemos perceber em ob- servação de campo que os pequenos inciden- tes, embora causassem danos ao indivíduo, se- quer eram registrados. Percebe-se que muitos trabalhadores solicitam que o registro não se- ja feito por conta de temerem uma demissão. O atendimento às violências Passemos agora a examinar os casos de violên- cias, sejam autodirigidas (tentativas de suicí- dios), sejam violências domésticas. Tentativas de suicídios Das pessoas que tentaram suicídio e foram socorridas no HMMC, quatro eram do sexo masculino e uma do sexo feminino. Destas, havia um adolescente (um rapaz de 17 anos). Das 21 vítimas socorridas no HMSF, 11 eram do sexo masculino e 10 do sexo feminino. A maioria (8) era adolescente (sendo 3 rapazes e 5 moças); 4 entre 20 a 29 anos; 6 entre 30 e 39 anos; uma pessoa com mais de 40 anos, e 2 pessoas com idade ignorada. O meio mais usado para tentar o suicídio foi “tomar veneno”. A ingestão de “chumbi- nho”, poderoso raticida, foi observada em 10 casos (todos ocorreram no hospital da zona norte – HMSF). Outro meio comumente uti- lizado foi a ingestão de “remédios” (Lexotan, Diazepan, “calmantes”, até grandes quantida- des de “aspirina com Novalgina”). O uso de “coquetéis” que misturavam drogas (por exem- plo, bebidas alcoólicas, ou cocaína) e “remé- dios” também surgiram. Tentativas “mais dra- máticas”, tais como cortar os pulsos, jogar-se de um prédio, apareceram em 5 casos. Um ho- mem jogou gasolina e ateou fogo no próprio corpo, morrendo assim que chegou ao hospi- tal. Os motivos alegados pelos adolescentes e jovens (quando verbalizados) diziam respei- to a conflitos familiares ou rompimento com namorado(a). Os adultos relataram proble- mas conjugais e/ou financeiros. O tempo de permanência destes indivíduos na unidade de emergência variou entre 2 horas e mais de 3 dias. A observação de campo e a análise dos boletins, em ambos os hospitais, indicaram que a maioria dos casos “ganhou alta” tão lo- go havia condições clínicas para tal. Em ou- tras palavras, as pessoas que tentaram se ma- tar foram socorridas clinicamente e... manda- das embora (até a próxima tentativa, ou o su- cesso do intento). Ironicamente, na porta do HMSF (a cerca de 30 metros da emergência) vários camelôs vendiam, entre diversas quin- quilharias, o mortal “chumbinho”. O comportamento das pessoas que tenta- ram suicídio sugeria uma forte depressão: o olhar vazio ou dormindo sempre, enrolados nas cobertas, o corpo virado para a parede. Os profissionais falavam baixo (“aquele tentou se matar”), reconhecendo ali uma tristeza que não merece ser alardeada (o que falar ou “aconselhar” para quem quer se matar?). Sen- do assim, melhor o silêncio. Noutras situações, comentários do tipo “não tem juízo e vem dar
  • 9. Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):81-94, 1999 89 trabalho” evidenciam o despreparo para lidar com o problema. Em pesquisa qualitativa fei- ta com 140 jovens de 15 a 24 anos revelou-se que há uma demanda para que os profissio- nais de emergência fossem mais bem treina- dos para lidar com jovens que tentaram sui- cídio, oferecendo-lhes não somente o aten- dimento clínico, mas algum suporte psicoló- gico (Coggan et al., 1997). Estudo feito no Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre (Grzybowski, 1997) relata experiências e in- dica algumas “pistas” para um atendimento psicológico breve na emergência. Tornou-se evidente a necessidade de pelo menos um aten- dimento, antes da alta, com um psicólogo ou psiquiatra no próprio serviço de emergência. No caso de adolescentes, há a necessidade de envolver a família para entender melhor a his- tória e comprometê-la com o acompanhamen- to. Além disso, essas pessoas precisariam já sair de “alta” com a garantia de encaminhamento (e atendimento) ambulatorial com profissionais de saúde mental. Os serviços de auto-ajuda, como Neuróticos Anônimos, Centro de Valo- rização da Vida, entre outros, também pode- riam ser indicados e poderiam funcionar como um suporte. Além disso, a tentativa de suicí- dio entre adolescentes pode ser indicativo de violência doméstica, o que também demanda- ria uma análise, ainda que mínima, sobre o problema. Violência doméstica contra mulheres Em artigo anterior (Deslandes, Gomes & Silva, 1998), analisamos 72 atendimentos (21 no HMMC, e 51 no HMSF) de mulheres que tinham entre 15 e mais anos de idade, e que foram vítimas de violência doméstica. Estas mulheres foram agredidas principalmente por maridos, namorados ou companheiros em 69,4% dos casos; sendo, na maioria, desem- pregadas ou “do lar” (39,3%), e tendo entre 20 a 29 anos (46%). Os golpes desferidos privilegiaram sobre- tudo a face e cabeça (27 casos), braço e mão (21 casos – cuja maioria relatou ter colocado a mão para proteger a face), corpo inteiro (10 casos), tórax e membros inferiores (4 casos, respectivamente). Conhecer a “geografia” mais comum das lesões numa situação de violência doméstica é importante para o profissional suspeitar diante de casos não-declarados. O espancamento (uso de força física) foi o meio mais empregado pelos agressores (70%), se- guido da “agressão com um instrumento” (pau, barra de ferro, porrete) em 21% dos casos. A região dos olhos e mandíbula foram as mais atingidas, demandando quase sempre o aten- dimento de ortopedistas e eventualmente de dentistas e oftalmologistas. Contudo, no HMSF a maioria dos atendimentos (42%) foi reali- zada exclusivamente por um acadêmico. Importante notar que todas estas mulhe- res declararam espontaneamente que sofre- ram violência doméstica (há que se lembrar que muitas mulheres não tiveram esta cora- gem, atribuindo o seu estado a um acidente ou a uma queda). Seja um “desabafo” ou um “apelo de ajuda”, a violência foi declarada e... nada aconteceu. Novamente o atendimento delimitou-se a um cuidado médico das lesões (o que é fundamental e deve ser de boa quali- dade). Contudo, o apoio necessário a estas mu- lheres precisa ser entendido como um atendi- mento que se inicia numa instituição de saú- de mas que pode (e deve) estar articulado com outros serviços e instituições (Abrigos para momentos de crise, Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher, Conselho Estadual de Direitos da Mulher, serviços de apoio, entre outros já existentes). O próprio registro hospitalar sequer dis- põe da rubrica “violência doméstica”, sendo anotado (eventualmente quando há anotações médicas) como “agressão”, sendo assim diluí- do nas estatísticas médicas. Mesmo nos Esta- dos Unidos, onde há uma grande sensibiliza- ção social para o problema e uma gama imen- sa de serviços de apoio e de defesa dos direi- tos das mulheres vitimizadas, nem todos os casos que são atendidos nas emergências são registrados. Segundo estudo de Bell et al. (1994), haveria, inclusive, uma discriminação no registro desses casos frente a outros de vio- lência doméstica que seriam compulsórios (contra crianças e adolescentes) ou que des- pertariam maior comoção pública (contra ido- sos). Pesquisa de Covington et al. (1995), rea- lizada em um hospital de referência na Caro- lina do Norte, mostrou que as anotações mé- dicas nos casos de violência contra mulheres eram feitas de forma precária (o registro hos- pitalar e as anotações médicas nem sempre coincidiam). A maioria dos casos em que o re- gistro hospitalar atribuiu a lesões “não inten- cionais”, as anotações médicas não deixavam margem para tal suposição, ou se referiam, cla- ramente, a agressões intencionais.
  • 10. Deslandes, S. F. 90 Violência doméstica contra crianças No período estudado, dez casos de violên- cia doméstica contra crianças puderam ser identificados no HMSF, e 8 casos no HMMC. Naturalmente, muitos casos foram declarados como “acidente”, não sendo incluídos nestas estatísticas. Um relato exemplar foi o de uma mãe que chegou com um bebê de 6 meses de idade dizendo que o menino ao se virar no berço bateu com a cabeça na parede (o bebê apresentava um trauma craniano). Como é vastamente alertado por médicos e pesquisa- dores da área (Santoro Jr., 1989; Bueno, 1989), os relatos de eventos que não condizem com o tipo de lesão apresentada são um forte indi- cativo de maus-tratos. Segundo as declarações dos acompanhan- tes, a absoluta maioria (13 casos) teve como “agressor” um irmão mais velho que em brin- cadeiras/lutas/brigas acabou machucando a criança. Inicialmente relutamos em caracteri- zá-los como “violência doméstica”. Afinal, dis- putas corporais e brigas entre irmãos é fato bem comum em nossa cultura. Decidimos por incluí-los quando observamos que em outros casos, de jovens de 20 a 25 anos (não contabi- lizados aqui), também foi declarada a “agres- são entre irmãos”. Contudo, já não eram mais lutas/brincadeiras, mas agressões com armas. Haveria, em algumas famílias,“uma linha con- tínua” que perpetuaria práticas agressivas in- trafamiliares, da infância à idade adulta, e que, portanto, precisaria ser “trabalhada”? Nesse conjunto de 18 casos, havia 5 aten- dimentos que, indiscutivelmente, configura- vam maus-tratos. Destacamos 3 casos, como exemplares. No primeiro caso, uma mãe de- clarou que bateu com uma tábua na mão do seu filho de 10 anos (quebrando-lhe os dedos) porque ele deu sumiço a uma lata de óleo e ela não tinha dinheiro para repor. No segundo, a mãe relatou que seu filho de 3 anos sempre passava os finais de semana na casa da avó. Lá, um “priminho” de 7 anos habitualmente man- tinha relações anais com a criança. A mãe teria descoberto porque o menino resolveu contar finalmente. No terceiro e mais grave dos ca- sos, uma mãe chegou com um bebê de 3 me- ses já morto. Muito calma e apática ela rela- tou que a criança apresentou crise convulsiva pela manhã e ela a medicou com “fenobarbi- tal”; como a criança “desmaiou” ela a levou para o hospital. Contudo, a criança apresen- tava fraturas na clavícula, tíbia e várias equi- moses. Quando argüida sobre as fraturas, a mãe disse que havia caído junto com o bebê (a mãe não apresentava nenhuma lesão). No primeiro caso percebe-se claramente a “medi- da educativa” em bater nas mãos que supos- tamente roubaram a lata de óleo (esse tipo de castigo corporal é muito antigo e atravessa ou- tras culturas). Caberia um acompanhamento de orientação a essa mãe (que também expres- sou passar dificuldades financeiras sérias) so- bre as conseqüências da violência doméstica para as crianças. No segundo caso, seria ne- cessário primeiro saber se foi realmente um “priminho” que abusou sexualmente da crian- ça, e, se foi, provavelmente este primo de 7 anos também deve ter sido vítima de abuso se- xual, precisando de atenção urgente. Ambas as crianças (e famílias) precisariam de acom- panhamento adequado. No terceiro caso, ain- da que nada pudesse ser feito pelo bebê mor- to, caberia acompanhar essa mãe, pois ela po- de ter (ou vir a ter) outros filhos e eventual- mente repetir o abuso. Novamente se faria ne- cessária a articulação do setor de emergência com os demais serviços da rede pública e com as organizações não-governamentais que aten- dem as vítimas da violência doméstica e seus familiares. Cabe lembrar que as articulações com os Conselhos Tutelares precisam se trans- formar em realidade e os serviços existentes e atuantes configurarem uma “rede” de atuação. Conclusões Resgatando o título desse artigo, que com algu- ma licença coloquial menciona as barreiras culturais que dificultam vislumbrar uma ação mais integral no âmbito da emergência, rea- firmamos que a iniciativa de prevenção às vio- lências nesse tipo de serviço, além de possível, constitui um dos momentos mais propícios (talvez uma oportunidade única). Nosso in- tuito é o de contribuir para uma perspectiva de atuação diante da violência que critique a visão de “fatalidade” e que não enquadre com antolhos o problema, ou seja, não o trate ex- clusivamente como uma demanda de atendi- mento médico ao “trauma”. Nossa expectati- va é que tais reflexões sejam reelaboradas pe- los profissionais dos serviços, a fim de que es- tes possam empreender ações concretas e com- patíveis com a realidade dos hospitais. É dispensável dizer que as questões apon- tadas referem-se a uma realidade extremamen-
  • 11. Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):81-94, 1999 91 te complexa (o serviço de emergência hospi- talar), e que nossa investigação apenas tangen- ciou pontualmente questões e relações que me- recem ser mais profundamente estudadas. Uma gama de variáveis se interligam e compõem o contexto dessa discussão: 1) condições de trabalho do profissional de saúde, especialmente os do setor de emer- gência; 2) política e situação de remuneração destes profissionais; 3) relação entre quanti- tativo de profissionais e demanda de trabalho; 4) comportamentos corporativistas de algu- mas categorias profissionais que possibilitam arranjos institucionais para ausência ou não- cumprimento de tarefas ou carga horária; 5) desestímulo profissional; 6) fragilidade dos mecanismos institucionais para observar o mérito profissional; e, 7) falta de capacitação adequada para lidar de forma mais abrangen- te com as situações de violência. Defendemos que para se consolidar uma perspectiva de atendimento de emergência às vítimas da violência, capaz de prover os cui- dados médicos com a qualidade necessária e que também inicie uma atuação de prevenção, torna-se necessário investir em três aspectos intrínsecos: a) sensibilização/capacitação dos profissionais de emergência (de todos aqueles que lidam diretamente com o paciente, espe- cialmente os profissionais de enfermagem, or- topedistas, pediatras, neurologistas, dentistas, oftalmologistas e clínicos gerais) para a im- portância do reconhecimento e da atuação diante destas situações; b) criação de rotinas institucionais diante dos casos de suicídios, violência conjugal e violência doméstica con- tra a criança e o adolescente (e demais casos de violências, tais como as agressões), atri- buindo responsabilidades e ações para os pro- fissionais das equipes médica, de saúde men- tal, de enfermagem, de serviço social, a fim de que os devidos encaminhamentos sejam rea- lizados; c) articulação de “listas de referência” de instituições, serviços, organizações governa- mentais e não-governamentais que possam re- ceber os encaminhamentos para os casos aten- didos na emergência, integrando uma rede de prevenção; e, d) melhoria do registro hospi- talar dos casos de violências a fim de poder subsidiar o planejamento de ações futuras. Pas- semos, portanto, a discutir melhor os aspec- tos cruciais da notificação e da atuação: A notificação O registro e a notificação dos casos de vio- lência doméstica contra a criança e o adoles- cente mostraram-se absolutamente precários nos dois hospitais estudados (e naturalmente também o são nos demais hospitais). Como é sabido, os profissionais de saúde demonstram uma grande relutância em assumir uma noti- ficação de maus-tratos. Tal resistência é fun- damentada em: a) experiências negativas ante- riores vividas ou relatadas (em que o próprio profissional foi perseguido pelos familiares ou teve que prestar depoimentos um número in- contável de vezes); b) receio de a criança ser enviada para a “Funabem”, ou qualquer insti- tuição pública, causando-lhe maiores danos; c) visão de que se trata de um “problema de família”, não sendo de responsabilidade de uma “instituição de saúde”; d) temor de “estar enganado” e notificar uma “suspeita infunda- da”; e) crença de que sua ação deve se restrin- gir ao cuidado das lesões; e, f) descrença quanto às reais possibilidades de intervenção nestes casos. Defendemos que tal quadro só poderá ser revertido quando alguns “passos” forem da- dos. O primeiro, dos mais fundamentais, é a criação de uma dinâmica de responsabilidade institucional para a notificação dos casos. Se por um lado é de responsabilidade profissional tal notificação (ética e legalmente), por outro é a instituição que deve garantir esta conduta profissional, protegendo o indivíduo de “ar- car” com todas as pressões, compartilhando a responsabilidade pelo caso. Há que se criar uma “rotina institucional” para a notificação, identificando-se etapas e atribuições: um “quem faz o quê” entre os diversos atores, mé- dicos(as) e enfermeiros(as), chefes de equipe médica e de enfermagem, chefias da emergên- cia, serviço social da emergência, Direção do hospital e Secretaria Municipal de Saúde. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Ja- neiro tem atuado, investindo na capacitação de profissionais da rede para a identificação dos casos, e está implantando um documento de notificação que os profissionais preenchem e encaminham para a SMS e para o Conselho Tutelar. Precisamos criar os mecanismos sociais (e exigir a atuação dos já existentes) para que a “notificação” não signifique “denúncia”, no sentido repressivo e policialesco do termo. “Notificação” precisa significar, na prática,
  • 12. Deslandes, S. F. 92 uma garantia de que a criança e o adolescente e sua família terão apoio de instituições e pro- fissionais competentes. Torna-se importante que cada hospital de emergência estabeleça um contato mais direto com o Conselho Tu- telar de sua área, conhecendo melhor o traba- lho desenvolvido e atuando em parceria. Ini- ciativas como a do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, do Hospital Uni- versitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que desenvolve um atendimento am- bulatorial para acompanhar as crianças e fa- mílias que vivenciam o problema dos maus- tratos, precisam ser divulgadas e incentivadas. A criação de comitês formados por diversos profissionais que discutam os casos e estabele- çam parcerias com instituições de apoio é uma iniciativa que tem boa repercussão (os hospi- tais municipais Souza Aguiar e Lourenço Jor- ge já dispõem deste tipo de trabalho). Se a violência doméstica contra as crian- ças causa grande comoção, mobilizando mui- tos profissionais a notificar o caso visando a proteger a criança de novos abusos, a violência doméstica contra a mulher não desfruta de tal apelo. A “mulher que apanha do marido” nem sempre desperta solidariedade ou iniciativas de proteção. Muitos preconceitos existem, fa- zendo crer que há uma certa “culpa” por par- te da própria vítima. Ainda há que se traba- lhar muito a percepção dos profissionais de saúde, sensibilizando-os para a situação do fe- minino, discutindo e conhecendo melhor a di- nâmica da violência conjugal e despertando uma perspectiva de apoio. Por incrível que pa- reça, não é demais lembrar que qualquer pes- soa tem o direito básico de ver preservada a sua integridade física. O registro desses casos não desfruta do mesmo caráter de “obrigação legal” que o Es- tatuto da Criança e do Adolescente exige ao profissional de saúde. Assim, o registro do ca- so raramente se dará. O registro hospitalar quando solicitado para quaisquer ações legais movidas pelas mulheres, limita-se a confirmar que “no dia tal foi realizado um socorro mé- dico”, não entrando em detalhes sobre a agres- são sofrida. O registro policial também nem sempre é realizado. Entre os muitos motivos, porque ele não é, em momento algum, estimulado a ser feito. É visto por muitos policiais como uma “perda de tempo” (porque a mulher se arre- penderia e retiraria a queixa). Os policiais de plantão no hospital são os de delegacias de bairro, não havendo nenhum representante ou um contato mais direto com as Delegacias Es- peciais de Atendimento à Mulher. Quando fei- to o registro, não é orientado quando é neces- sário um exame de corpo delito. Obviamente, a mulher vitimizada tem o direito de não que- rer notificar, caso seja essa a sua vontade. Con- tudo, ela deve se sentir amparada para usu- fruir do direito de registrar a queixa. Mesmo não querendo notificar o caso, ela pode rece- ber a ajuda dos serviços de apoio à mulher vi- timizada. No caso das tentativas de suicídios, não cabe uma “notificação”. Contudo, o regis- tro hospitalar precisa ser realizado com qua- lidade, podendo até servir para identificar os casos reincidentes que demandariam uma atenção diferenciada. A atuação Uma atuação preventiva no âmbito da emergência tem de se adequar às característi- cas do próprio serviço. Trata-se de uma dinâ- mica de atendimento que exige rapidez e atitu- des imediatas, que provoca grande estresse, onde há uma demanda sempre além do con- tingente de profissionais disponíveis e de con- tínua mudança de equipes (dificultando a co- municação e a troca de impressões entre pro- fissionais que iniciaram e aqueles que vão dar continuidade ao atendimento). Por tais moti- vos, torna-se fundamental a consolidação de “rotinas” de atuação. Por exemplo, num caso de tentativa de suicídio, quais os profissionais que podem de imediato fazer um atendimen- to de “suporte”? Provavelmente não se dispõe, em todas as equipes, de um psicólogo ou psi- quiatra. Então como se portar nesses momen- tos de crise para, pelo menos, não piorá-la? No atendimento ambulatorial esse profissional existe? Seria possível esse paciente receber, an- tes da alta, uma consulta? Esse paciente po- derá ser agendado no atendimento ambula- torial para iniciar um acompanhamento? Ca- so não se disponha desse tipo de atendimen- to no ambulatório do hospital é possível enca- minhar (já agendando) para outro da rede? Existem serviços de apoio (não governamen- tais) que podem ser envolvidos para atender esse indivíduo? A rotina de cada serviço só pode ser pen- sada por aqueles profissionais que irão reali- zá-la. Contudo, a equipe de serviço social po- de desempenhar um papel-chave na articula- ção com demais serviços da rede SUS, com as
  • 13. Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):81-94, 1999 93 organizações governamentais e não-governa- mentais que atendem a cada problema espe- cífico, viabilizando um trabalho de referência. Criar “listas” atualizadas dos serviços atuan- tes é fundamental. Essa iniciativa pode ser apoiada pelas Secretarias de Saúde e Bem-Es- tar Social no sentido de realizar uma pesquisa de levantamento de serviços disponíveis e de se criarem convênios de cooperação técnica en- tre os hospitais e tais instituições, contribuin- do até mesmo para diminuir a descontinuida- de de muitas iniciativas (o que é um dos pro- blemas na hora de referenciar um paciente). Todos esses comentários e “recomendações” só têm um mínimo de viabilidade se houver: a) um reconhecimento por parte das Se- cretarias de Saúde, de que a violência deman- da definição de estratégias de atuação; b) uma preocupação real com tais questões por parte das direções e chefias de equipes dos hospi- tais; c) uma atitude de escuta às opiniões e ex- periência dos profissionais envolvidos; d) um trabalho de equipe que conte com uma parti- cipação maior dos serviços de saúde mental e serviço social (inclusive nos plantões notur- nos e de finais de semana); e) ações de valori- zação e estímulo ao profissional ligado ao aten- dimento de emergência; f) uma dinâmica con- tínua de comunicação e cooperação entre se- tor de emergência, ambulatório e enfermarias do mesmo hospital e a rede básica da área; g) valorização da informação hospitalar (infor- matizada, sistemática e de forma continuada); e, h) articulação do hospital, através do setor de serviço social e direção, com serviços, gru- pos e organizações da sociedade civil e outros setores públicos no sentido de apoiar as víti- mas e prevenir tais agravos. Algumas iniciativas importantes já come- çam a se afirmar, como a do Conselho Regio- nal de Medicina do Estado de São Paulo, Es- cola Paulista de Medicina e Sindicato dos Mé- dicos do Estado que juntos se engajaram na luta contra a violência, lançando uma campa- nha intitulada “Uso Branco pela Paz”, assu- mindo vários compromissos, dentre estes: o de lutar contra a omissão e o silêncio diante da violência; alertar quanto aos custos médi- cos e sociais da violência; exigir que o poder público invista recursos para criar redes inte- gradas entre serviços de pronto-socorro, resga- te, urgência, emergência, ambulatórios e en- fermarias; valorizar a notificação e o registro; instruir a formação do médico e profissionais de saúde para o atendimento das vítimas de violências; definir estratégias de prevenção (CRMES, APM, SIMESP, 1998). Prevenir a vio- lência demanda, invariavelmente, construir alianças, articulações, estabelecer diálogo e exercitar a “escuta” profissional. Agradecimentos À Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e às Diretorias dos Hospitais Municipais Miguel Couto e Sal- gado Filho, que tornaram possível este trabalho. À Dra. Viviane Castelo Branco e ao Dr. Édison Rodrigues da Paixão, pela leitura atenta, crítica e amiga. Referências Bell CC, Jenkins EJ, Kpo W & Rhodes H 1994. Response of Emergency Rooms to Victims of Interpersonal Violence. Hospital and Community Psychiatry 45(2): 142-146. Bueno AR 1989. Vitimização Física: Identificando o Fenômeno, p. 105-113. In MA Azevedo & VN Guer- ra (orgs.) – Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pe- queno Poder. Iglu, São Paulo. Cassorla RMS & Smeke ELM 1994. Autodestruição Hu- mana. Cadernos de Saúde Pública 10 (Supl.): 61-73. Clancy TV, Misick LN, Covington D, Churchill MP & Maxwell JG 1994. The Financial Impact of Inten- tional Violence on Community Hospitals. The Jour- nal of Trauma 37: 1-3. Coggan C, Patterson P & Fill J 1997. Suicide: Qualita- tive Data from Focus Group Interviews with Youth. Social Science and Medicine 45(10): 1563-1570.
  • 14. Deslandes, S. F. 94 Covington DL et al. 1995. Poor Hospital Documenta- tion of Violence against Women. The Journal of Trauma 38(3): 412-416. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRMES)/Associação Paulista de Medicina (APM)/ Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (SIMESP) 1998. A Epidemia da Violência. s/d., São Paulo. Davidson LL 1996. Editorial: Preventing Injuries from Violence towards Women. American Journal of Pub- lic Health 86(1): 12-14. Deslandes SF 1997. O Impacto da Violência na Emergên- cia Hospitalar. Centro Latino-Americano de Estu- dos sobre a Violência e Saúde “Jorge Careli”. Re- latório Final de Pesquisa. Escola Nacional de Saúde Pública. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, mimeo. Deslandes SF, Gomes R & Silva CMFP 1998. Estudo de Casos de Violência Doméstica contra a Mulher Aten- didos em Dois Hospitais Públicos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, mimeo. Garbarino J, Guittmann E & Seeley JM 1988. The Psy- chologically Battered Child. Jorsey-Bass, London, 286p. Grzybowski LS 1997. Tentativa de Suicídio: Intervenção Psicológica em Hospital do Trauma. Psico 28(2): 47- 60. Guerrero R 1995. Programas DESEPAZ – Desarrolo, Se- guridad y Paz: Epidemiología de la Violencia. s/ed., Washington, D.C., mimeo. Heise L, Pitnguy J & Germain A 1994. Violence Against Women: The Hiden Health Burden. World Bank Dis- cussion Papers 225, Washington, D.C. Jouvencel MR 1987. Salud, Educación y Violencia. G.J. Knapp Editora, Madrid, 316p. Machado CV, Lima LD, Deslandes SF & Minayo MCS 1994. Prevenção Primária dos Maus-Tratos na In- fância: Um Desafio para o Pré-Natal. Jornal Brasi- leiro de Ginecologia 104(1-2): 11-15. Mello Jorge MH 1979. Mortalidade por Causas Violen- tas no Município de São Paulo. Tese de Doutorado. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo, São Paulo, 199p. Minayo MCS 1994. A Violência Social sob a Perspectiva da Saúde Pública. Cadernos de Saúde Pública 10 (Su- pl.): 7-18. Minayo MCS & Souza ER 1993. Violência para Todos. Cadernos de Saúde Pública 9(1): 65-78. Portugal LS & Santos MPS 1991. Trânsito Urbano: A Violência e o seu Contexto Político. Revista de Ad- ministração Pública 25(3): 185-97. Organização Mundial de Saúde (OMS) 1996. CID-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Editora da Uni- versidade de São Paulo, São Paulo, 389p. Organização Pan-Americana de Saúde (OPS) 1994. Pro- tocolo para el Estudio del Maltrato Físico Interper- sonal de los Niños. OPS, Genève, mimeo. Organização Pan-Americana de Saúde (OPS) 1995. Re- comendaciones para el Estudio de los Costos de la Vio- lencia. OPS, Caracas, mimeo. Santoro JR. M 1989.Vitimização Física: A Conduta Médi- ca, p.115-122. In MA Azevedo & VN Guerra (orgs.) – Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder. Iglu, São Paulo. Santos HO 1991. Crianças Violadas. FCBIA, São Paulo, 97p. Serfaty E 1998. Suicidio en la Adolescencia. Revista Ado- lescencia Latinoamericana 1(2): 105-110. Souza ER & Minayo MCS 1994. O Impacto da Violên- cia Social na Saúde Pública do Brasil: Década de 80, p. 87-116. In MSC Minayo (org.) – Os Muito Bra- sis: Saúde e População na Década de 80. Editora Hucitec, São Paulo. U.S. Department Of Health And Human Services 1993. Emergency Department Response to Domestic Vi- olence – California, 1992. MWWR 42(32): 617-620. Ynoub RC 1998. Caracterización de los Servicios de Atención en Violencia Familiar del Área Metropoli- tana de Buenos Ayres, Argentina. Cadernos de Saúde Pública 14(1) 71-83.