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Maria da Conceição Ruivo
História das Ideias em Física
Departamento de Física
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
2008
Índice
Introdução..................................................................................................4
A História das Ciências – a sua evolução como disciplina......................................................4
A História das Ciências no ensino...........................................................................................7
1. As Origens da Ciência............................................................................9
1. 1 O conhecimento nas civilizações primitivas.....................................................................9
1.2 A observação dos céus.....................................................................................................10
1.3 O desenvolvimento da Matemática ...................................................................................11
1.4 Os calendários e os relógios............................................................................................13
2. Teorias do Movimento e da Matéria na Antiga Grécia......................14
2.1 Os fundamentos da Astronomia.......................................................................................14
2.2 O problema de Platão......................................................................................................15
2.3 O sistema aristotélico......................................................................................................16
2.4 A teoria aristotélica do movimento local.........................................................................17
3. A Ciência em Alexandria.....................................................................21
3.1 A Escola de Alexandria...................................................................................................21
3.2 Arquimedes e as origens da Mecânica.............................................................................21
3.3 A determinação de grandezas astronómicas....................................................................22
3.4 A teoria heliocêntrica de Aristarco de Samos..................................................................23
3.5 Ptolemeu e o modelo geocêntrico....................................................................................24
4. O Saber na Idade Média.......................................................................27
4.1 Introdução.......................................................................................................................27
4.2 A compilação do saber nos primeiros séculos da Idade Média........................................28
4.3 A ciência no Oriente........................................................................................................29
4.4 A influência árabe e a filosofia escolástica......................................................................29
4.5 O declínio da Escolástica.................................................................................................32
4.6 As artes úteis na Idade Média..........................................................................................33
5. O Pensamento Científico no Renascimento.........................................35
5.1 O dealbar de uma nova era do saber................................................................................35
5.2 O modelo heliocêntrico de Copérnico.............................................................................37
2
5.3 As observações astronómicas de Tycho Brahe................................................................38
5.4 O impacte das ideias de Copérnico..................................................................................40
6. A Revolução Científica dos Séculos XVI-XVII..................................42
6.1 A revolução científica.................................................................................................... 42
6.2 A Matemática como instrumento de investigação...........................................................43
6.3 Os instrumentos científicos.............................................................................................45
6.4 Galileu e os fundamentos da ciência moderna.................................................................47
6.4.1 Os Discursos ...............................................................................................................49
6.4.2 Os Diálogos.................................................................................................................51
6.5 As Leis de Kepler............................................................................................................52
6.6 O ambiente científico no século XVII...............................................................................54
6.7 Newton e as leis da dinâmica...........................................................................................55
6.8 Newton e a Lei da Gravitação Universal...........................................................................56
6.9 Consequências da Lei da Gravitação Universal...............................................................60
6.10 A síntese newtoniana e a nova concepção de ciência....................................................62
8. História do Electromagnetismo...........................................................65
8.1 Teorias e conceitos primitivos............................................................... ........... ............65
8.2 A evolução do conhecimento sobre os fenómenos magnéticos............................... .. ... 65
8.2.1 Os primeiros instrumentos magnéticos e o conhecimento empírico................... ... .. ...65
8.2.2 O desenvolvimento da teoria..........................................................................................67
8. 3 O desenvolvimento da electrostática..............................................................................69
8.4 A descoberta da corrente eléctrica: Galvani e Volta........................................................71
8.5 A atmosfera sociocultural no século XIX........................................................................73
8.6 As experiências de Oersted e de Ampère.........................................................................75
8.7 Faraday e a indução electromagnética............................................................................76
8.8 Maxwell e a Teoria do Campo Electromagnético............................................................77
10. Leis de Conservação...........................................................................79
10.1 Significado e relevância das leis de conservação em Física.. .........................................79
10.2 A Lei de Conservação da Massa.......................................................................................79
10.3 A Lei de Conservação do Momento Linear......................................................................80
10.4 A Lei de Conservação da Energia ....................................................................................81
10.4.1 A energia mecânica........................................................................................................81
10.4.2 O desenvolvimento da Termodinca................................................................................83
10.4.3 Uma lei de conservação geral.........................................................................................85
10.5 As leis de conservação e a descoberta do neutrino............................................................86
11. O Nascimento da Física Moderna........................................................88
11.1 As limitações da Física Clássica.........................................................................................88
3
11.2 As grandes descobertas no virar do século.....................................................................88
11.2.1 O ambiente de trabalho dos físicos no final do século XIX........................................89
11.2.2 As descobertas do efeito de Zeeman e do electrão......................................................90
11.2.3 Os raios X.....................................................................................................................91
11.2.4 A radioactividade.........................................................................................................92
11.3 A Mecânica Quântica......................................................................................................92
11.4 Os modelos atómicos......................................................................................................95
11.4.1 A evolução do conceito de átomo.................................................................................95
11.4.2 Os primeiros modelos atómicos....................................................................................97
11.5 As origens da Teoria da Relatividade............................................................................98
11.5.1 A Teoria da Relatividade Especial................................................................................98
11.5.2 A Teoria da Relatividade Geral...................................................................................101
Anexo .....................................................................................................104
Textos para discussão.............................................................................................................105
Bibliografia.........................................................................................................................................123
4
Introdução
A História das Ciências – a sua evolução como disciplina
Embora a História das Ciências (HC) se tenha constituído como uma disciplina
autónoma, com o seu espaço próprio, durante a primeira metade do século XX, a HC
esteve presente desde muito cedo nos textos científicos, o relato histórico fazia, aliás,
parte do próprio conhecimento científico. A HC foi encarada como fazendo parte da
própria ciência durante séculos, desde a Antiguidade Clássica à Idade Média e tendo
repercurssões ainda em épocas posteriores. Criar conhecimento novo implicava
necessariamente estabelecer uma ligação com os predecessores, e, por isso, vamos
encontrar sempre nos escritos científicos um relato do que foi feito antes, com análises e
comentários críticos que são em geral o ponto de partida para o novo contributo do
autor. Embora a nova ciência, que surge nos século XVI e XVII, venha trazer não só
novos conceitos e teorias, mas também uma nova forma de fazer ciência, a HC continua
ainda por algum tempo a ser considerada parte do conhecimento científico, as
autoridades clássicas são frequentemente citadas com vista a apoiar e legitimar
determinados pontos de vista, como o fazem, por exemplo, Harvey e Copérnico (ver,
por exemplo, o prefácio de Copérnico (1473-1543) na sua obra, As Revoluções dos
Orbes Celestes).A importância da HC para o desenvolvimento dos conhecimentos é
defendida por Francis Bacon (1561 – 1626), um dos teorizadores da nova ciência e da
sua metodologia. A história da ciência continua a ser integrada na ciência moderna,
embora a maneira de a tratar se vá progressivamente modificando. À medida que a
ciência moderna se vai consolidando e afirmando por meios próprios, já não necessita
de recorrer às referências a autoridades clássicas como meio de se legitimar. Embora,
nos finais do século XVII, a atitude em relação à HC comece a modificar-se, é usual os
autores do século XVIII e XIX começarem as suas obras por uma história da área que
vão abordar, enfatizando a originalidade dos novos contributos face ao que tinha sido
feito anteriormente. Encontramos textos que, descrevendo resultados de investigação de
vanguarda, têm, simultaneamente, uma parte considerável da história da área científica
em questão. De entre os muitos exemplos, podemos citar a obra de Benjamin Franklin,
Expériences et Observations sur l’Électricité (1756) na tradução e edição francesa de
M. D' Alibard, onde D' Alibard começa por escrever um capítulo inicial sobre a história
5
da electricidade, o tratado de Priestley, The History and Present State Of Electricity
(1767); na obra de Darwin A Origem das Espécies (1872).
As academias e sociedades científicas, que ganham protagonismo a partir do século
XVII e desempenham um importante papel na difusão do saber, tiveram uma
contribuição relevante para a história da ciência. Muitas academias tratam de registar a
história de muitos dos seus membros, recolher e preservar os seus contributos mais
significativos, organizar a história da própria academia. É o caso de Fontenelle (1657 –
1747), secretário vitalício da Academia das Ciências francesa a partir de 1699, e que se
dedicou durante cinquenta anos ao estudo da história da academia ou de Thomas Sprat
(1635-1713) que escreveu a History of the Royal Society (1667).
O século das Luzes é marcado por um grande optimismo, que podemos até considerar
ingénuo, em relação aos poderes da ciência e ao progresso. Por outro lado, há o grande
propósito de educar o cidadão, de acabar com o obscurantismo, defender a liberdade e
criticar o autoritarismo político e religioso. A HC é frequentemente usada para servir
estes propósitos. Muitos dos relatos históricos deste período são exposições sumárias,
cronológicas, sem reflexão, onde a história da ciência é, afinal, uma história do
progresso. Nos finais do século XVIII, o movimento Naturphilosophie, que foi um dos
principais responsáveis pela difusão da ciência no Norte da Europa, contrariava esta
tendência e procurava entender a ciência antiga no seu contexto próprio.
Foi na segunda metade do século XIX que se procurou organizar a HC como disciplina.
William Whewell (1794-1866), que é considerado por muitos como o primeiro
historiador da ciência moderna, fez um inventário exaustivo do desenvolvimento das
ciências. Mas a HC continuou a ser feita essencialmente por cientistas com interesse nas
áreas de história e filosofia da ciência, como é o caso de Mach, Berthelot, Ostwald e
Duhem, ou por filósofos e historiadores. Um marco importante, que indica a crescente
autonomia da HC como disciplina e a profissionalização do historiador das ciências, é a
realização em Paris da primeira conferência internacional de HC, em 1900. Nos anos
subsequentes continua a haver regularmente conferências e colóquios e é também neste
princípio de século que se constituem sociedades nacionais para a HC (Alemanha, 1901,
1902, Estados Unidos 1924).
6
Mencionemos agora alguns nomes relevantes para constituição da nova disciplina nos
finais do século XIX e primeira metade do século XX. Paul Tannery (1843-1904), que é
considerado com tendo tido um papel dominante na organização da nova disciplina,
encarava a HC como parte da história geral da humanidade; Pierre Duhem (1861-1916),
físico e químico, interessou-se especialmente pela HC na Idade Média e no
Renascimento, encarando a nova ciência mais como uma evolução da ciência do
passado do que uma ruptura; George Sarton (1884-1956) teve um papel importante na
organização da disciplina e defendia uma história da ciência em que a unidade sintética
e a crença no progresso fossem elementos fundamentais; Charles Singer (1876-1960),
que compartilhava as muitas das ideias de Starton, foi o criador do Departamento de
História e Métodos da Ciência no University College da Universidade de Londres em
1923.
Muito brevemente, e sem pretender abordar a temática das teorias da história, vamos
referir alguns aspectos relevantes no que respeita à forma de abordar a história,
salientando duas correntes:
— A história presentista ou anacrónica, também conhecida por Whig. Esta
historiografia consiste em ver a história à luz do conhecimento actual. A
evolução da ciência é contada como uma história do progresso, uma caminhada
(por vezes gloriosa) para chegar à verdade, em que o certo e o errado são
designações de acordo com o estado actual da ciência. Os que contribuíram para
o conhecimento na sua forma presente são exaltados, os outros podem até ser
omitidos. Foi Herbert Butterfiel quem atribuiu a designação Whig a esta história.
Butterfiel criticava assim os historiadores que contavam a história da política
inglesa como a história do triunfo da democracia liberal, Whigs contra Tories.
— A história contextualista ou diacrónica (anti-Whig). Os acontecimentos
históricos não são estudados do ponto de vista do presente, mas do ponto de
vista do passado. A ciência do passado não é, pois, vista como uma má ciência
moderna, mas como uma actividade que tem que ser compreendida à luz dos
condicionalismos da época em que se desenvolveu. No extremo, esta corrente
preconizaria mesmo o “esquecimento” do presente para melhor compreender o
passado.
7
Para melhor se compreender o significado destas correntes, exemplifiquemos: do ponto
de vista anacrónico não fará muito sentido estudar a teoria do flogisto ou a teoria do
calórico, visto que foram ultrapassadas por outras melhores, mas do ponto de vista
diacrónico isso já faz todo o sentido; não é relevante estudar o pensamento e a
actividade alquímica de Newton, ou o contributo de Kepler para a astrologia, do ponto
de vista anacrónico, mas esses estudos já interessam à perspectiva diacrónica.
Quanto ao que estuda a história da ciência, há também uma diversidade grande
perspectivas. A HC pode enfatizar os chamados factores internos, isto é, privilegiar o
estudo da génese e do desenvolvimento das ideias e teorias científicas, o processo de
construção da ciência, o percurso de pensamento de um dado cientista. Pode, por outro
lado enfatizar os chamados factores externos, como a influência da comunidade
científica, das instituições, o papel do ambiente político, económico, social e religioso
na difusão, promoção ou resistência aos novos conhecimentos.
A História das Ciências no ensino
Uma temática muito actual, mas que não é nova, é da História das Ciências no ensino
das ciências. Diversas fontes defendem o recurso à HC no ensino por diversas razões,
das quais só enunciaremos algumas: é importante conhecer a história das ideias e das
descobertas científicas porque elas integram a nossa herança cultural; o conhecimento
dos procedimentos e vicissitudes associados à produção do saber científico, ao longo
dos séculos, pode ajudar os alunos a compreender melhor a natureza da ciência e a sua
interligação com a sociedade; a utilização de meios didáticos criativos com base na HC
pode ser muito motivadora e melhorar a compreensão dos próprios conceitos científicos;
finalmente, a utilização da HC pode ser uma ponte para ainterdisciplinaridade na sala de
aula. A propósito deste tema, diz-nos Joan Solomon.
Aos alunos deverão ser dadas oportunidades de desenvolver os seus
conhecimentos e a sua compreensão sobre a forma como as ideias científicas
mudaram ao longo dos tempos e de como a sua natureza e aplicação são
afectadas pelo contexto social, moral, espiritual e cultural em que se
desenvolveram. Desta forma, eles poderão reconhecer que, embora a ciência seja
uma forma importante de pensar o mundo, não é , no entanto, a única.
8
No entanto, a introdução da HC no ensino não é isenta de riscos e alguns autores
apontam alguns dos perigos da sua utilização incorrecta. Alguns problemas
frequentemente apontados são o da simplificação ― que é necessária, mas que pode
omitir factos e distorcê-los ― e o da interpretação que os autores dos manuais ou o
professor fazem da HC ― o que implica seleccionar, organizar conteúdos, segundo uma
perspectiva epistemológica específica. Muitos dos relatos históricos, feitos na sala de
aula ou nos manuais, por vezes dramatizam ou romanceiam os feitos dos cientistas, com
o objectivo de captar a atenção dos alunos. Exemplos comuns: o mérito de um trabalho
colectivo, ou de gerações, é atribuído a um só cientista (o herói), as descobertas são
feitas por acaso, os fracassos e os erros são omitidos do relato.
Uma das conclusões a tirar daqui é a necessidade de o professor estar bem documentado
sobre a história da sua disciplina, pois só assim a poderá utilizar para enriquecer as suas
aulas, evitando alguns dos erros atrás apontados. Finalmente, é de salientar alguns
aspectos da investigação sobre concepções alternativas ou pré-concepções. Esta
investigação veio mostrar que muitas das concepções que os alunos trazem para a sala
de aula, e que são resitentes à aprendisagem, têm muitas semelhanças com concepções
históricas ultrapassadas. O conhecimento dos processos históricos que levaram a que os
velhos conceitos fossem ultrapassados pode ser muito útil para o professor poder ajudar
os alunos a desmontar as suas ideia pré-concebidas e a assimilar os novos conceitos.
9
1. As Origens da Ciência
1. 1 O conhecimento nas civilizações primitivas
Os registos mais antigos da actividade racional do homem prendem-se com a satisfação
das suas necessidades quotidianas, de que são testemunho, por exemplo, as ferramentas
construídas na Idade da Pedra. No entanto, há indícios de que, desde muito cedo, à
actividade racional, que se manifesta na construção de saberes práticos necessários à
luta pela sobrevivência, estão também associadas manifestações de carácter religioso,
mágico, artístico e até científico. Exemplo disso são as grandes construções megalíticas,
monumentos construídos com finalidades religiosas e mágicas, mas, em muitos casos,
também com objectivos científicos. O templo de Stonehenge, uma construção
megalítica existente em Inglaterra, construído na Idade do Bronze, é um exemplo
clássico do que acabamos de dizer. Tratava-se de um monumento funerário ou de uma
espécie de “computador” que permitia prever a data dos eclipses e outros fenómenos
astronómicos? Este e outros monumentos revelam a preocupação com a observação
astronómica, a necessidade de dividir o tempo, de encontrar regularidades nos ciclos da
natureza e de prever o futuro.
As pinturas rupestres, para além do seu carácter artístico e mágico, são uma
manifestação da capacidade de descrição bidimensional de objectos no espaço e
representam também os primeiros passos de uma zoologia descritiva. A fim de prover
ao seu sustento, o homem aprendeu a observar as plantas e a classificá-las, era vital
distinguir as comestíveis das venenosas, saber quais as mais nutritivas, quais as que
podiam ser usadas para fins medicinais, o que representa os primórdios da Botânica e da
Medicina. No Neolítico, quando as comunidades deixaram de ser simplesmente
recolectoras e passaram a ser produtoras, as trocas de produtos entre as diferentes
comunidades (o início do comércio) implicavam a necessidade de saber contar os
produtos, o que exigia um maior desenvolvimento da linguagem. A linguagem
matemática provavelmente remonta a este período, embora o conceito de número se
tenha desenvolvido lentamente. Provavelmente, o homem começou por distinguir o
“um” e o “dois” de “muitos”. Os entalhes traçados com uma certa regularidade em paus,
rocha ou marfim, ou os nós numa corda, ou ainda agrupamentos de pedras ou de
conchas, constituem provavelmente os registos numéricos mais primitivos.
A partir do quinto milénio a.C., começaram a surgir civilizações com um considerável
grau de desenvolvimento ao longo dos grandes rios da África e da Ásia, o Nilo, o Tigre,
o Eufrates, o Indo e, mais tarde ao longo do Ganges, do Huang Ho e do Yan-Tse. Estas
civilizações, cada uma à sua maneira, encaminharam-se num sentido de organização do
conhecimento, quer este tenha aspectos essencialmente práticos, como é o caso da
civilização egípcia, quer já se desenhem fundamentos teóricos, como no caso da
mesopotâmica. A Astronomia, a Matemática, a Medicina têm um desenvolvimento
significativo, bem como os sistemas de pesos e medidas, os relógios e os calendários.
1.2 A observação dos céus
O estudo das origens da Astronomia é particularmente elucidativo da forma pela qual o
homem começou a colocar num sistema coerente e ordenado os resultados da sua
observação da natureza. Desde muito cedo os povos procuraram compreender o
movimento dos astros e as suas relações com os acontecimentos na Terra, as cartas
celestes e os calendários, feitos desde tempos muito remotos, são disso um exemplo.
Esta organização de conhecimento tem, naturalmente, incidências práticas, visto que os
mapas do céu ajudavam o viajante a orientar-se e os calendários permitiam prever a
sucessão das estações do ano, o que significava também saber de antemão quais as
melhores alturas do ano para semear e colher, aspectos certamente essenciais para
civilizações que viviam da agricultura e do comércio.
O interesse pelos astros ia, no entanto, mais longe, pois acreditava-se que eles podiam
influenciar os destinos e comportamentos dos homens. Assim os nascimentos da
Astronomia e da Astrologia estão intimamente ligados. As representações do céu são
um produto das observações do homem e construções do seu pensamento. De certo
modo, o céu era encarado como um espelho da Terra e também da imaginação e crenças
dos homens, os nomes dados às constelações eram tanto de divindades como de
objectos familiares ou animais – o mundo dos deuses e o mundo dos homens
entrecruzavam-se e os seus habitantes partilhavam amores, ódios, intrigas e aventuras.
Os registos mais significativos da observação astronómica chegam-nos da Babilónia, no
quarto milénio a.C., no entanto o estudo dos céus terá começado muito antes. Os
astrónomos babilónios fizeram um registo sistemático dos eclipses, classificaram, de
acordo com o seu brilho, as estrelas fixas, os planetas, a Lua e atribuíram números às
constelações. Em comparação, a astronomia egípcia é muito menos elaborada, o que se
compreende visto esta última ser essencialmente prática e a sua matemática muito mais
rudimentar. Um dos avanços técnicos mais impressionantes dos astrónomos babilónios
e assírios foi a capacidade de previsão de acontecimentos futuros, a partir de registos de
acontecimentos do passado que evidenciavam uma certa periodicidade. Para tal
recorriam a uma técnica matemática cuja ferramenta fundamental era uma espécie de
progressão aritmética. Podiam prever a data do aparecimento da lua nova, dos eclipses
de sol e de lua em qualquer ano futuro.
O Hindus aperceberam-se do movimento dos equinócios, que é referido num texto
sagrado do século VI a.C., e estudaram-no em pormenor. No século V a.C., o grande
astrónomo Hindu Ãryabhata desenvolveu uma teoria dos epiciclos e mencionou a
existência de um movimento de rotação da Terra. A China foi também um berço da
Astronomia, sendo notáveis os mapas celestes, os registos de eclipses do Sol e da Lua e
de outros fenómenos astronómicos, como a explosão de supernovas.
A Astronomia dos povos primitivos não limitou a ser um simples registo observacional,
procurou também dar resposta a questões mais abstractas – a estrutura e forma do
Universo, o lugar e a forma da Terra – que levariam à elaboração daquilo a que nós hoje
chamamos modelos cosmológicos. Nos modelos primitivos, o Homem tinha dificuldade
em imaginar um mundo desamparado de qualquer suporte e assim a Terra era
frequentemente imaginada como uma superfície plana, flutuando sobre as águas. Para os
Babilónios tratava-se de um disco plano, para os Chineses de um quadrado, que em
ambos os casos tinha os respectivos impérios no centro.
1.3 O desenvolvimento da matemática
A matemática desenvolvida pelos Egípcios é considerada rudimentar comparada com a
de outras civilizações. Na verdade, para este povo, confinado a uma estreita faixa de
terra ao longo do Nilo, era imperativo tirar todo o potencial das cheias do rio sagrado, e
o pragmatismo da sua ciência (que na verdade é essencialmente uma tecnologia) é disso
um reflexo. Organizar toda uma sociedade segundo os princípios da deusa Maat
(verdade, ordem e harmonia) motivou a criação de um saber organizado e rigoroso, que,
no caso da Matemática era orientado no sentido de melhor contabilizar os produtos, de
registar as trocas de mercadorias, de calcular impostos. A base da sua aritmética era a
adição, mas também efectuavam multiplicações, com base em duplicações, e a divisão
como operação inversa. Sabiam manejar fracções, extrair raízes quadradas mas
dificilmente se pode dizer que fizessem cálculos algébricos. A necessidade de medir as
áreas dos campos, para de acordo com elas fixarem as taxas dos impostos, levou-os a
desenvolver a geometria. Sabiam calcular áreas de triângulos, paralelogramos e círculos
e volumes de diversos sólidos.
Já na Mesopotâmia o desenvolvimento da Matemática foi levado mais longe: para além
de terem elaborado tabelas numéricas, do uso de operações como a adição,
multiplicação e as operações inversas, os habitantes da Mesopotâmia desenvolveram
conceitos algébricos. Embora o aspecto simbólico da Álgebra não seja explícito (a
representação de números por letras é uma invenção tardia) o aspecto conceptual está
presente em colecções de problemas, que se assemelham aos dos manuais dos nossos
dias, e que são já exercícios intelectuais e não meras aplicações práticas. Estes
desenvolvimentos permitiram-lhes resolver equações do primeiro e segundo graus. A
Álgebra é também uma das aquisições da civilização indiana. No âmbito da Geometria,
os Babilónios calcularam a área do círculo e suas propriedades, atribuindo a π o valor 3,
valor que lhe é também atribuído pelos Chineses; o valor de 3,1416 é obtido pela
primeira vez na Índia. Os Hindus foram além disso os primeiros a apresentar tabelas de
senos.
O grau de desenvolvimento da Matemática reflecte-se nos sistemas de pesos e medidas
criados pelas diferentes civilizações. Por exemplo, os Egípcios tinham um sistema
essencialmente empírico, mas pouco consistente; já os Babilónios possuíam sistemas
com carácter mais sistemático, incluindo métodos de converter umas unidades nas
outras, o que manifesta a coerência da sua matemática.
1. 4 Os calendários e os relógios
A elaboração dos primeiros calendários, apesar dos erros e das inconsistências que hoje
lhe reconhecemos, não foi de modo algum um feito menor, antes representa uma forma
primitiva de fazer ciência, que implicou anos de observação astronómica sistemática.
A Lua, com a regularidade das suas fases, parecia ser um relógio perfeito para as
comunidades primitivas, no entanto, esta regularidade escondia uma armadilha, visto
que o calendário lunar estava desfasado do calendário solar. Assim, os Babilónios, que
estabeleceram o mês lunar como o intervalo entre duas luas novas sucessivas, tiveram
que recorrer ao truque de intercalar um mês de uns tantos em tantos anos para remediar
esse problema. Os Egípcios, por seu turno, adoptaram um calendário solar, mais
adaptado aos ciclos da vida e à sucessão das estações do ano, dividindo o ano em três
estações, cada uma com quatro meses: Inundação (época das cheias), Inverno (o período
em que as lamas aluviais saiam do leito do Nilo) e Verão (o período seco). Outros
povos, noutras regiões do mundo, elaboraram os seus próprios calendários, como foi o
caso dos Maias e dos Aztecas.
Para além da divisão do ano em meses e dos meses em dias, era necessário dividir o
próprio dia, assim os relógios, que mais tarde se haviam de tornar de objectos utilitários
em instrumentos científicos, surgiram muito cedo. Os mais primitivos terão sido os
relógios de sombra, baseados no comprimento da sombra projectada por uma vara
(gnómon), já conhecido dos Egípcios e utilizado pelos Mesopotâmicos e por outros
povos. Os relógios de água, que os Gregos denominavam clepsidra, tinham a vantagem
de poderem ser usados de dia e dia noite. Um tipo de relógio desenvolvido na
Mesopotâmia era uma semiesfera oca, onde um pêndulo suspenso sobre o eixo da
cavidade desenhava nas paredes a trajectória do sol.
Os navegantes, os mercadores foram responsáveis por uma certa difusão do
conhecimento. Mas era necessária uma civilização com uma tradição de pensamento
que lhes permitisse receber o melhor das diferentes culturas e levá-lo a um expoente
maior.
2. Teorias do Movimento e da Matéria na Antiga Grécia
2.1 Os fundamentos da Astronomia
O estudo da evolução das teorias cosmológicas é particularmente elucidativo do modo
como se forma e evolui uma teoria científica, da sua relação com a actividade
intelectual e social de uma época, dos critérios que determinam a implantação dessa
mesma teoria. Este estudo ajudar-nos-á a entender melhor a natureza da Ciência.
Embora outras civilizações, em séculos anteriores e noutras partes do mundo, tenham
reunido um conjunto significativo de conhecimentos matemáticos e astronómicos, como
acabámos de referir, foram os pensadores gregos quem mais decididamente contribuiu
para uma sistematização do conhecimento científico. Herdeiros das tradições científicas
das civilizações que se desenvolveram no Egipto, na Mesopotâmia e na Índia, os Gregos
conseguiram articular as suas representações do universo e do homem num todo
coerente e globalizante, que se constituiu naquilo a que os historiadores da ciência
denominam um paradigma científico.
Os Gregos eram excelentes matemáticos e observadores. Entre os factos mais relevantes
que serviram de base ao desenvolvimento da astronomia grega, referem-se os seguintes:
— A Terra e os planetas são esferas. A ideia de que a Terra é esférica e não plana e que
está suspensa no cosmos, sem qualquer suporte, foi introduzida por Anaximandro, no
século VI a.C., e representa um progresso em relação a concepções anteriores. Por
exemplo, Tales de Mileto considerava que a Terra era um disco circular flutuando sobre
a água, o elemento primordial. As ideias de Anaximandro foram retomadas pela Escola
Pitagórica nos finais do Século VI a.C. e também pelos atomistas.
— As estrelas "fixas" e a Via Láctea pareciam mover-se no céu, como se estivessem
"coladas" numa esfera invisível, que girava em torno de um eixo passando pelo centro
da Terra e fixo num ponto do céu (o chamado "Pólo Norte Celeste"). Esse movimento
(movimento diurno) tinha um período de 24h.
— O Sol, embora partilhasse com as outras estrelas o movimento W-E, tinha também
um movimento N-S, que fazia com que em diferentes épocas do ano a sua distância
relativamente à Terra variasse (solstícios e equinócios).
— Para além das estrelas fixas e do Sol havia outras "estrelas" com movimentos
irregulares. Essas "estrelas" foram denominadas planetas (do grego − errante) e a
descrição do seu movimento constituiu durante séculos um enigma para o génio dos
Gregos.
2.2 O problema de Platão
O problema do movimento dos planetas foi equacionado por Platão (427-347 a.C.) na
seguinte forma:
— As estrelas são seres divinos, imutáveis e perfeitos, movem-se em torno da Terra
com um movimento perfeito. Um movimento perfeito é aquele que não é sujeito a
mudança nem tem princípio nem fim, isto é, um movimento circular e uniforme. Sendo
os planetas também corpos celestes, eles deveriam ter realmente esse tipo de
movimento. Platão deixou então aos seus discípulos a tarefa de resolver este problema:
encontrar uma combinação de círculos que reproduzisse o movimento, apenas
aparentemente irregular, dos planetas. Este problema ficou conhecido como o problema
de Platão e dominou o pensamento científico durante toda a Antiguidade Clássica e
Idade Média.
Este exemplo ilustra de forma clara o modo de pensar dos Gregos e a sua forma de
construir o saber científico, que podemos sistematizar da seguinte forma:
— Com base em observações preliminares, formulavam uma teoria que estivesse
satisfatoriamente de acordo com a realidade observada, com os meios disponíveis na
época. Uma teoria física era, pois, construída com base em fenómenos observáveis e
exprimia-se na linguagem do número e da geometria.
— Uma teoria física só fazia sentido no contexto de uma hipótese metafísica existente
à priori. Assim, apareciam reunidos num mesmo esquema conceptual elementos que
hoje nós distinguimos como científicos, poéticos, teológicos e éticos.
O saber na Antiga Grécia era, como já referimos, um todo coerente e globalizante.
Assim, por exemplo, pôr em causa a ideia de que os corpos celestes tinham um
movimento circular era também questionar o pressuposto metafísico da perfeição dos
corpos celestes, defender que podia haver objectos que viessem do mundo sublunar para
o supra-lunar, e vice-versa, era fatal para o pressuposto incomunicabilidade entre os dois
mundos. Estes exemplos mostram que não podemos apreciar a ciência grega à luz da
ciência actual, temos que a entender no seu contexto próprio. Para além da enorme
influência que exerceu na ciência ocidental, há que referir também a sua grande utilidade
prática na época.
2.3 O sistema aristotélico
Vamos encontrar no pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.) algumas das
características mencionadas anteriormente. O universo, para Aristóteles, estava dividido
em dois mundos: o mundo sublunar, sujeito à corrupção e à mudança, e o mundo
supra-lunar, perfeito e imutável. Como poderemos verificar, o sistema aristotélico
englobava uma teoria do movimento (dos corpos celestes e dos corpos à superfície da
Terra) e uma teoria da estrutura da matéria.
No mundo sublunar todos os corpos eram constituídos a partir de quatro elementos: a
Terra a Água, o Ar e o Fogo. Os fenómenos observados eram explicados a partir da
constituição dos diferentes corpos nestes elementos. Era nesta base que assentava, por
exemplo, a teoria do movimento local. Na verdade, cada um dos quatro elementos tinha
o seu lugar natural de repouso, que desejava e procurava sempre alcançar. O lugar
natural de repouso do elemento de Terra era o mais baixo, junto do centro da Terra.
Seguiam-se, em ordem ascendente, os lugares naturais de repouso dos outros elementos.
O movimento natural dos corpos era, por conseguinte, vertical e determinado pelo
desejo dos corpos de encontrar o seu lugar natural. A teoria aristotélica do mundo
sublunar assentava ainda na existência de quatro qualidades: o Seco, o Frio, o Quente
e o Húmido. A Terra possuía a combinação de qualidades de seco e frio, a Água a de
frio--húmido, o Ar a de húmido e quente, o Fogo a de quente e seco. A matéria era
contínua e a natureza tinha “horror ao vazio”.
Quanto ao mundo supra-lunar, neste tudo era constituído a partir de um único
elemento o Éter (ou quinta essência), que é incorruptível e perfeito e tem, por
consequência, um movimento perfeito, sem princípio nem fim e sem ser sujeito a
mudança – o movimento circular e uniforme. A Terra está no centro do universo,
imóvel. Todos os sete corpos celestes, o Sol e os seis planetas então conhecidos,
giravam em torno da Terra, no interior de esferas concêntricas, mergulhadas no Éter. A
rodear todo o universo está a esfera celeste onde estão as estrelas fixas. Para além desta
está uma entidade divina, que lhe imprime um primeiro movimento de rotação. A esfera
celeste transmite esse movimento às outras esferas onde estão os planetas, devido à
fricção através do Éter. Naturalmente, havia factos que não tinham explicação no
contexto desta teoria: um sistema de esferas concêntricas não permitia, por exemplo,
explicar porque é que o Sol, a Lua e os outros planetas pareciam mais brilhantes em
certas épocas do ano ou porque é que o movimento do Sol parecia mais rápido no Verão
do que no Inverno. Este modelo geocêntrico foi posteriormente modificado, de modo a
poder acomodar, tanto quanto possível, os dados da observação. Os modelos
alternativos não foram levados a sério.
É de notar que Aristóteles foi o herdeiro de uma tradição de pensamento que levou a um
expoente maior, na medida em que construiu uma teoria global e coerente do universo.
Nela incorporou alguns dos saberes dos seus antecessores e eliminou outros. Por
exemplo, a ideia de uma Terra móvel, que pode não ser o centro do universo, foi
rejeitada por este filósofo. No entanto, no século V a.C., Filolaus tinha apresentado o
embrião de um modelo não geocêntrico: o centro do universo seria ocupado por um
fogo central, em torno do qual giravam nove corpos celestes. Aristóteles rejeita também
a concepção atomista da descontinuidade da matéria e da existência de vazio e retoma a
Teoria dos Quatro Elementos, desenvolvida por Empédocles.
2.4 A teoria aristotélica do movimento local
Do sistema aristotélico decorria também, como já vimos, uma teoria para o movimento
dos corpos à superfície da Terra. Vejamos agora, com mais pormenor, em que consistia
essa teoria e como evoluiu.
Do pressuposto de que todos os objectos do mundo sublunar eram constituídos a partir
dos quatro elementos – Terra, Água, Ar e Fogo – cada um com o seu lugar natural de
repouso, resultava que o movimento natural dos corpos só podia ser determinado pela
sua composição. Um corpo constituído à base do elemento Terra cairia muito
rapidamente, ao passo que outro objecto com as mesmas dimensões mas mais poroso
cairia mais lentamente, pois já teria na sua composição uma percentagem mais elevada
do elemento Ar. Os objectos, largados da mesma altura, não cairiam ao mesmo tempo,
mas cairiam tanto mais depressa quanto mais pesados fossem. Uma chama subia
porque o lugar natural do Fogo era o mais elevado. Da mesma forma, o vapor de água
subia porque, pelo aquecimento, tinha sido introduzido na água o elemento Fogo. Claro
que se admitia que haveria outros factores influenciando o movimento dos objectos,
como, por exemplo, a resistência do ar, a forma e até a cor e a temperatura. Como a
abordagem da realidade de Aristóteles era essencialmente qualitativa, não era possível
ter uma ideia precisa da importância destes factores. No entanto, sabe-se que Aristóteles
pensava que o movimento de queda não era uniforme (à medida que se aproximava do
solo, a sua "casa", o corpo acelerava, tal como um cavalo corre mais depressa quando se
avizinha do estábulo).
Todo o tipo de movimentos não naturais tinha que ser explicado de outra forma.
Admitia-se, então que esses movimentos só podiam ter lugar na presença contínua de
uma força (embora o conceito de força não fosse aquele que nós temos hoje). A esses
movimentos chamava-se forçados ou violentos. Eram movimentos contrários às
inclinações naturais dos objectos. Se um corpo tinha um movimento não natural, como
for exemplo o movimento de um corpo num plano horizontal, que é puxado por alguém,
isso devia-se ao facto de uma força actuar sobre ele, na direcção do movimento. Quando
o corpo parava era porque a força tinha deixado de actuar.
Esta é a explicação do senso comum para situações que podemos observar no
quotidiano. Na verdade, nós sabemos que o objecto parou devido a uma força, a força
de atrito; se não houvesse atrito o corpo passava a ter movimento uniforme e rectilíneo e
nunca parava. Mas a noção do papel de forças "invisíveis", como o atrito, é contra-
intuitiva e difícil de aceitar, tal como a lei da inércia.
Havia problemas mais complicados, como, por exemplo, explicar porque é que uma seta
se move no ar seguindo uma trajectória típica de um movimento não natural, pois nesse
caso não era visível a presença de qualquer força. Aristóteles explicava que a seta se
movia "empurrada pelo próprio ar": a seta, ao avançar, empurrava ar à sua frente e
deixava o vazio atrás de si. Como a natureza tinha horror ao vazio, o ar de trás vinha
imediatamente preencher esse espaço, impelindo a seta para a frente.
Na Idade Média, desenvolveu-se uma correcção à teoria aristotélica do movimento − a
Teoria do Ímpeto. Esta teoria, que teve o seu embrião em Alexandria, explicava que
quando um motor punha um móvel em movimento lhe comunicava um ímpeto que o
móvel transportava consigo até que aquele se consumia, na competição com as
tendências naturais de movimento do corpo. Quando o ímpeto se gastava, o corpo ficava
então sujeito ao movimento natural. Com base nesta teoria explicava-se, se bem que
grosseiramente, a trajectória de um projéctil. Estas ideias sobre movimento só são
postas em causa mais tarde com Galileu, como teremos ocasião de estudar.
Resumo:
Aristóteles foi o herdeiro de toda uma tradição de saber. Embora alguns elementos
incorporados no seu sistema filosófico tenham sido, na verdade, desenvolvidos por
outros pensadores, em particular pelos pitagóricos, Aristóteles tem o grande mérito de
criar, de desenvolver e organizar elementos de conhecimento em diferentes áreas num
todo coerente. A harmonia deste sistema implicou, por seu turno, o negligenciar de
dados da observação e representou, nalguns aspectos, um retrocesso em relação a alguns
dos seus antecessores. Este sistema, como grande síntese do conhecimento que é,
fornece ferramentas para explorar a realidade e vai condicionar a evolução do
conhecimento durante bastante tempo. Para finalizar, destaquemos algumas ideias
centrais, que foram transmitidas às gerações seguintes:
— O universo aristotélico é um universo fechado e hierarquizado, limitado no espaço
mas não no tempo, porque não pode ser criado nem destruído.
— A Terra está imóvel no centro do universo.
— No mundo supra lunar os objectos são divinos e movem-se com movimento circular
e uniforme.
— No mundo sublunar, os objectos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são e
todo o movimento não natural pressupõe a presença contínua de uma força.
— Há, por conseguinte, um divórcio entre a mecânica celeste e a mecânica terrestre. Os
objectos celestes tornam-se, por conseguinte, inacessíveis aos homens.
— O sistema aristotélico teve inicialmente as virtudes e defeitos de qualquer teoria
científica, cuja validade é sempre limitada a um determinado contexto e que acabará por
ser corrigida ou substituída por outra melhor. No entanto, este sistema vai adquirir uma
grande rigidez, sobretudo na Idade Média, quando S. Tomás de Aquino o reorganiza em
consonância com os dogmas da Igreja Católica. Acabou por se tornar num obstáculo ao
desenvolvimento da ciência em geral e da Astronomia em particular, na medida em que
desencorajava os homens de explorar os movimentos dos corpos celestes e de procurar
neles traços comuns aos dos movimentos dos corpos terrestres.
3. A Ciência em Alexandria
3.1 A Escola de Alexandria
Após a morte de Alexandre Magno (325 a. C.), o seu império fragmentou-se. O Egipto
passou a ser governado um dos seis generais do imperador, Ptolemeu, que inaugurou
uma dinastia que durou mais de trezentos anos.
Os membros dessa dinastia estabeleceram uma tradição do saber. O segundo Ptolemeu
fundou o Museu e a Biblioteca de Alexandria. O centro cultural e científico do mundo
antigo deslocou-se de Atenas para Alexandria, homens de saber ilustres acorriam à
metrópole e eram subsidiados pelos governantes ptolemaicos. Assim nasceu uma escola
que se manteve activa durante cinco séculos (ca.300 a. C. − 200 d.C.). Por volta do ano
100 a.C., começou a enfraquecer e, no ano 200 a.C., entrou em rápido declínio.
De entre os nomes ligados à escola de Alexandria, destacam-se: Eratóstenes (que fez a
primeira estimativa do raio da Terra), Apolónio de Perga e Hiparco de Rodes, que
conceberam as primeiras alterações ao modelo geocêntrico (preparando, assim, o
caminho ao astrónomo e geógrafo Ptolemeu), Aristarco de Samos, autor da teoria
heliocêntrica mais bem fundamentada da Antiguidade, Euclides, Ptolemeu e Herão.
Outros nomes a destacar nesta época são os de Arquimedes e Galeno, que, embora
tivessem uma ligação mais indirecta com a escola de Alexandria, eram, no entanto, seus
discípulos e partilhavam o mesmo espírito dos sábios desta metrópole.
É característico da Ciência de Alexandria o desenvolvimento do conhecimento por
especialidades, contrariamente ao que se passava com a cultura ateniense. Assim, o
divórcio entre Ciência e Filosofia, que vamos encontrar mais tarde no século XVII, teve
precursores neste período.
Nos primeiros tempos da Escola de Alexandria, a Matemática tinha um papel
proeminente. Um dos primeiros membros da Academia foi Euclides (330 a.C.-260
a.C.). Educado em Atenas por um discípulo de Platão, foi o autor dos famosos
Elementos de Geometria, talvez o livro mais estudado depois da Bíblia.
Importa ainda referir Herão de Alexandria, que inventou diversos engenhos mecânicos,
alguns dos quais simples brinquedos, outros de utilidade prática. Entre os seus inventos
deve referir-se um que funciona segundo o mesmo princípio da máquina a vapor.
3.2 Arquimedes e as origens da Mecânica
Arquimedes de Siracusa (287-212 d.C.) foi o maior matemático da Antiguidade. O seu
trabalho foi tão importante que influenciou diversos domínios da actividade intelectual.
Apesar do seu empenhamento na ciência pura, procurava também aplicá-la em
engenhos práticos. Basta mencionar o célebre parafuso de Arquimedes, um engenho
para tirar água1
, e o seu empenhamento na construção de máquinas de guerra para ajudar
a defender a sua cidade natal dos romanos.
A célebre história do Princípio de Arquimedes, mostra a forma como Arquimedes põe
em jogo experiência, intuição e conhecimentos matemáticos. A sua obra Sobre os
Corpos que Flutuam é o primeiro registo conhecido do conceito de "peso específico". É
bem conhecido também o trabalho de Arquimedes sobre o mecanismo das alavancas.
Construiu também um planetário — uma esfera celeste com modelos para o Sol, a Lua,
as estrelas. No domínio da Matemática, salienta-se o seu método de medir áreas de
superfícies planas e curvas.
Infelizmente, as obras de Arquimedes estiveram perdidas para o mundo ocidental
durante séculos, só tendo sido descobertas no século XVI. De outra forma o pensamento
científico na Idade Média poderia ter sido diferente. Sabe-se que Arquimedes
influenciou muito o jovem Galileu e o inspirou no início dos seus trabalhos.
3.3 A determinação de grandezas astronómicas
A determinação dos valores de grandezas astronómicas assume grande importância, não
só para os aspectos específicos com que estão relacionadas, mas também pela alteração
das concepções que o Homem faz das dimensões do universo e do lugar que nele ocupa.
A estimativa dos valores de grandezas astronómicas é um dos legados importantes da
ciência helenística e a obra de Aristarco de Samos (século III a.C.), Sobre as dimensões
e distâncias do Sol e da Lua, é um contributo significativo neste campo. Aristarco foi o
autor da primeira tentativa científica de estimar as distâncias relativas do Sol e da Lua e
as distâncias destes astros à Terra, bem como os diâmetros destes astros. Antes de
Aristarco haviam sido feitas estimativas para valores de grandezas astronómicas,
baseadas na especulação. O grande mérito de Aristarco de Samos foi o de estimar essas
1
Inventado por Arquimedes, durante uma visita ao Egipto, para facilitar o trabalho de elevar a água do
Nilo, segundo uns; com o fim de extrair água de um navio alagado, segundo outros.
grandezas a partir da observação e da aplicação da geometria. Por exemplo, Eudóxio,
baseado nos intervalos musicais dos Pitagóricos, estimou que o diâmetro do Sol era
nove vezes o diâmetro da Lua, e Fídias, pai de Arquimedes, concluiu que era doze vezes
maior, enquanto Aristarco apresenta o valor de dezanove (o valor actual é cerca de
quatrocentos)2
. No século I d.C., Hiparco de Rodes, usando um método baseado no de
Aristarco, obteve um valor para a distância Terra-Lua já bastante próximo do actual.
Importa ainda referir que a primeira tentativa de determinação do raio da Terra foi feita
no século III a.C. por Eratóstenes, conduzindo a um valor de ≅ 6.400 km (valor actual:
6.378 km).
3.4 A teoria heliocêntrica de Aristarco de Samos
Como vimos na secção anterior, o modelo geocêntrico de Aristóteles deixava muitas
questões em aberto. A procura de uma resposta para as questões atrás enunciadas levou
a que nos séculos seguintes surgissem novas teorias ou que fossem introduzidas
alterações na antiga. São os homens da Escola de Alexandria que vão retomar este
problema e encontrar soluções diferentes, de que passaremos a falar.
Alguns pensadores gregos conceberam a ideia de uma Terra móvel, como por exemplo
Filolaus e Anaxágoras, da escola pitagórica (veja-se, nomeadamente, as referências de
Copérnico no prefácio da sua obra). A teoria heliocêntrica primitiva mais conhecida
(talvez por ser a mais bem fundamentada) foi proposta no século III a.C. por Aristarco
de Samos (310-230 a C.).
Aristarco defendia que o Sol ocupava o centro do universo e que era a Terra, bem como
os outros planetas, que giravam em volta deste. Se bem que esta teoria tivesse a
vantagem de fornecer uma explicação para o facto de a distância dos planetas
relativamente à Terra variar, ela não foi aceite pelo Mundo Antigo. As razões que terão
motivado essa recusa foram, por um lado, o facto de a teoria ir contra os pressupostos
filosóficos da teoria geocêntrica e, por outro, o de ir contra as evidências e intuições do
senso comum. Além disso, Aristarco não apresentou bases quantitativas suficientes para
2
Os valores das grandezas astronómicas obtidos por Aristarco, em unidades do diâmetro da
Terra, comparados com os valores actuais, são os seguintes (os valores actuais são indicados entre
parêntesis): diâmetro da Lua: 0,36 (0,27); diâmetro do Sol: 6,75 (108,9); distância da Terra à Lua: 9,5
(30,2); distância da Terra ao Sol: 180 (1176). Distância da Terra à Lua obtida por Hiparco: 29.5, em
unidades do diâmetro da Terra. (in History of Science - Ancient and Medieval Science, Ed. René Taton,
Basic Books, Inc, New York, 1963.)
fundamentar as suas ideias e a sua explicação para a não observação do paralaxe das
estrelas não convenceu os seus contemporâneos.
No entanto, o modelo de Aristarco não se baseou na simples especulação. Os erros
observacionais deste astrónomo na determinação dos valores de grandezas
astronómicas, compreensíveis na época, levaram-no, como vimos, a fazer algumas
estimativas grosseiras, face aos valores actuais. Uma explicação aventada para esses
erros é a de que as determinações teriam sido feitas durante a juventude de Aristarco,
numa altura em que este ainda acreditava no modelo geocêntrico.
No entanto, os cálculos deste astrónomo revestiram-se de grande importância, pois
através deles apercebeu-se de alguns factos bastante relevantes. Em particular, concluiu
que, sendo a Lua mais pequena do que a Terra, esta última era muitíssimo mais pequena
do que o Sol. É provável que esta observação tenha desempenhado um papel importante
na sua construção de uma teoria heliocêntrica: parecia improvável que um corpo tão
grande (tão pesado?) orbitasse em torno de um tão pequeno. Por outro lado, as suas
estimativas levaram-no a imaginar, correctamente, um universo de dimensões muito
maiores do que o que se acreditava na época. Assim, as estrelas fixas estariam muito
longe da Terra, o que explicaria a aparente ausência de paralaxe. De facto, o paralaxe
das estrelas é tão pequeno que, mesmo com telescópio, só foi observado pela primeira
vez em 1838.
Todavia, os seus contemporâneos imaginavam um universo muito mais familiar e
próximo. Imaginemos como seria perturbador para o homem desse tempo pensar que
não estava no centro do universo, que não assentava os seus pés sobre um terreno fixo,
mas que andava à deriva num universo imenso e desconhecido.
As teorias geocêntricas continuaram, pois, durante séculos, a ser parte integrante do
paradigma científico.
3.5 Ptolemeu e o modelo geocêntrico
Ptolemeu de Alexandria realizou, no século II d.C., a grande síntese astronómica e
geográfica do mundo antigo. Para além disso, teve também uma contribuição
importante no domínio da Óptica. Concluiu, por exemplo, que a luz das estrelas é
refractada ao entrar na atmosfera terrestre.
O expoente máximo dos esforços no sentido de aperfeiçoar o modelo aristotélico é
atingido na Teoria Geocêntrica de Ptolemeu. Alguns dos seus antecessores, como
Apolónio de Perga e o grande astrónomo Hiparco de Rodes, deram significativas
contribuições nesse sentido, nomeadamente sugerindo movimentos epicicloidais e
excêntricos.
As principais modificações introduzidas no modelo aristotélico foram as seguintes:
i) Movimento excêntrico – a Terra, estacionária, não estava exactamente no centro de
rotação das esferas, o que fornecia uma explicação para o facto de o Sol parecer mais ou
menos afastado da Terra nas diferentes épocas do ano.
ii) Movimento epicicloidal – O Sol e os planetas podiam ter dois tipos de movimentos
circulares: um movimento em torno da Terra (ou de um outro ponto se o movimento
fosse excêntrico) e outro movimento circular em torno de um ponto da primeira órbita
circular. Seria, portanto, uma combinação mais ou menos complicada de movimentos
circulares uniformes que iria reproduzir o movimento aparentemente irregular dos
planetas. Tratava-se, pois, de uma resolução do velho problema de Platão.
iii) A equante – As hipóteses anteriores não eram suficientes para resolver todos os
problemas, nomeadamente o facto de o Sol parecer descrever um movimento mais
rápido no Verão do que no Inverno. Ptolemeu pôs a hipótese de que certos astros
pudessem ter um movimento circular relativamente a um ponto (o centro do círculo)
mas esse movimento só seria uniforme relativamente a um outro ponto, que não
coincidia com o primeiro e que foi denominado equante. Para descrever o movimento
de alguns astros, bastava uma hipótese ou a combinação de duas, mas para outros era
necessário a combinação das três.
Esta teoria obrigava a cálculos extremamente complicados. No entanto, teve tal sucesso
que 14 séculos depois ainda era usada em cálculos de astronomia, astrologia e
navegação. As razões para este sucesso eram de peso:
— A teoria descrevia satisfatoriamente fenómenos que podiam ser estudados com
instrumentos da época;
— previa as trajectórias dos planetas;
— explicava porque é que não se observava paralaxe das estrelas fixas;
— harmonizava-se com os pressupostos filosóficos do sistema global;
— era evidente do ponto de vista do senso comum.
O sistema ptolemaico veio a ser introduzido na Europa pelos Árabes através da tradução
da mais importante obra de Ptolemeu, que ficou conhecida como Almagesto. No início
do século XII, foram descobertos na Europa manuscritos de Aristóteles. No século
seguinte, S. Tomás de Aquino aglutinou numa única teoria elementos do pensamento
aristotélico e da doutrina cristã, como já referimos. Esta teoria integrou um paradigma
científico, que, tendo sido já questionado no final da Idade Média, só foi seriamente
posto em causa a partir do Renascimento.
4. O Saber na Idade Média
4.1 Introdução
Com a queda do Império Romano do Ocidente (447 d. C.), dá-se um eclipse da filosofia
e da ciência, que tinham florescido em torno das metrópoles de Atenas e Alexandria. A
Idade Média (que podemos situar dentro do período que vai aproximadamente do inicio
do século V a meados do século XV 3
) não é uma era criativa do ponto de vista
conceptual. No entanto não deve aceitar-se linearmente a ideia de que se trata apenas de
um período de trevas e obscurantismo4
Alguns historiadores costumam distinguir na Idade Média dois períodos. No primeiro
período (Séculos V-XII) predomina a influência de Platão; no segundo, que vai até ao
final da Idade Média, a de Aristóteles (que chegou à Europa através dos Árabes). A
influência deste último é responsável pela revitalização da actividade intelectual através
do ressurgimento da preocupação com a observação da natureza, muito característica da
filosofia escolástica.
No entanto, outros historiadores, considerando que esta divisão cobre um intervalo de
tempo demasiado vasto, fazem uma subdivisão nestes dois períodos. Assim, teríamos o
período que vai século V ao final do século X, também chamado a Idade Negra, onde a
actividade intelectual é diminuta e se situa no âmbito da preservação e compilação do
saber. Os séculos XI e XII caracterizam-se por uma grande abertura intelectual,
sobretudo devido ao contacto com a cultura árabe. O século XIII é o grande século da
Idade Média, onde a filosofia escolástica atinge o seu apogeu e se dá grande impulso à
criação de universidades. Finalmente os últimos anos assistem ao declínio da filosofia
escolástica, à inovação tecnológica e ao grande impulso das viagens de exploração
marítima.
3
O final da Idade Média costuma ser estabelecido como o ano de 1453, ano da tomada de
Constantinopla pelos Turcos.
4
Já desde há várias décadas que a atitude dos historiadores da ciência face à Idade Média se
tem transformado bastante. A propósito desta questão, recomenda-se a leitura do trabalho de A.
Koyré "Do Mundo do mais ou menos ao Universo da Precisão" (in Galileu e Platão , A. Koyré,
ed. Gradiva).
4.2 A compilação do saber nos primeiros séculos da Idade Média
Da ciência e filosofia gregas, chegaram até esta época obras de Platão, com relevo para
o Timeu, e algumas obras de Aristóteles sobre Lógica e Retórica. Infelizmente, as obras
de Aristóteles mais relevantes do ponto de vista científico estiveram perdidas para o
mundo ocidental durante séculos, caso contrário o pensamento medieval poderia ter
seguido um rumo diferente.
Compilar o saber existente em diferentes áreas parece ter sido a grande preocupação dos
homens deste tempo. Essa preocupação manifestou-se através da escrita de
enciclopédias e da actividade de tradução. Boécio (480-524), um dos mais conhecidos
tradutores de Aristóteles, conseguiu ainda compilar alguns elementos da Matemática e
Geometria gregas. Marciano Capela (~500) elaborou uma enciclopédia com elementos
de Geometria, Retórica, Gramática, Aritmética, Astronomia e Música. A História
Natural de Plínio constitui o elemento básico para o saber médico.
De entre os homens de saber importantes desta época podemos distinguir: S. Jerónimo
(340-420); Sto. Agostinho (354-430) e, mais tarde, Sto Isidoro de Sevilha (569-630) e o
Papa Silvestre II, no século X. Nos primeiros séculos da Idade Média era corrente uma
atitude de desconfiança em relação à Astronomia, o estudo das estrelas podia ser indício
de indiferença por Deus, que estava acima das mesmas. Por exemplo, Sto. Agostinho
refere-se "...a esses impostores matemáticos (astrólogos) que não usam o sacrifício, a
prece e cujas artes a verdadeira piedade cristã rejeita e condena". Mas, à medida que o
tempo passa vamos assistindo a uma atitude progressivamente mais aberta em relação
ao saber. Por exemplo, Sto. Isidoro de Sevilha (que reuniu na sua enciclopédia,
Etimologias, a parte mais substancial do saber medieval da época) distingue entre uma
astronomia "natural" e uma "supersticiosa" aceitando criticamente algumas das
conclusões da primeira (que nós hoje classificaríamos como mais científicas5
). A figura
mais interessante deste período é o Papa Silvestre II. Entre as suas contribuições para o
desenvolvimento da actividade intelectual do seu tempo, conta-se a reintrodução do
ábaco e da esfera armilar na Europa, provavelmente devido ao seu contacto e
conhecimento da ciência árabe, da qual terá recebido uma profunda influência. De facto
o monge Gerbert d'Aurillac, que mais tarde viria a ser o Papa Silvestre II, estudou
5
Sto. Isidoro era bispo de Sevilha, onde teve grande contacto com a cultura árabe. Após a
tomada de Sevilha pelos Árabes, foi viver para a cidade de Léon, no Norte da Península, onde
continuou a desenvolver a sua actividade intelectual e a disseminar os seus conhecimentos.
matemática, astronomia, a numeração árabe, em Espanha, nas proximidades de
Barcelona, onde se fazia sentir fortemente a influência da cultura árabe.
4.3 A ciência no Oriente
Contrariamente ao que se passava no Ocidente, o mundo árabe teve desde cedo um
maior contacto com o legado intelectual dos pensadores da Antiguidade. A partir do ano
800 d. C. dá-se no Islão um verdadeiro renascimento intelectual, que só vai acontecer na
Europa por volta do ano 1200 d.C. Essa actividade tem como ponto de partida a cultura
dos Gregos, cujas obras passam a ser intensivamente traduzidas. Importa referir o nome
do filósofo árabe Ibn Ishaq Honaim (809-877), que traduziu as obras mais importantes
de Aristóteles, as obras de Galeno e principiou a tradução do Almagesto de Ptolemeu.
Para além dessa importante actividade de tradução dos clássicos, os Árabes tiveram
contribuições próprias de relevo para a ciência, nomeadamente no domínio da
Matemática e Astronomia, Alquimia, Física e Medicina. Sem a preocupação de sermos
exaustivos, podemos citar alguns nomes: Rhazes (865-925), que se distinguiu na
Alquimia e na Medicina; Avicena (980-1037), na filosofia, medicina e química; Al-
Kwarizmi (≈ 850), natural da Pérsia, publica em árabe duas obras importantes,
Aritmética e Álgebra; Alhazem (965-1038), que se distingue sobretudo no domínio da
Óptica; Averrois (1126-98), o mais importante filósofo árabe da Península Ibérica,
nascido em Córdova, que comentou as obras de Aristóteles e influenciou
profundamente o pensamento ocidental.
Lembremos que, até ao final do século X, a Península Ibérica era praticamente
dominada pelos Árabes, com excepção de alguns reinos ao Norte. A sua permanência
no Sul da Europa constituiu um importante factor de progresso e ajudou ao despertar da
actividade intelectual.
4.4 A influência árabe e a filosofia escolástica
A partir do século XI, assiste-se ao começo de uma certa abertura intelectual na Europa
Este facto tem a sua raiz na influência dos Árabes, que, como já vimos, tiveram acesso à
cultura grega muito mais cedo do que os europeus. No século XIII dá-se um autêntico
revitalizar do conhecimento no Ocidente, expresso, por exemplo, no desenvolvimento
da escolástica, na criação de universidades6
. A criação das universidades é um reflexo
6
As primeiras universidades a serem criadas foram as de Bolonha (1088) e Oxford (1167);
outras se seguiram: Paris (1200), Cambridge (1209), Salamanca (1218), Pádua (1222), Coimbra
de uma certa transformação social. As leis feudais tornaram-se mais flexíveis, as
cidades cresceram e os burgueses passam a ter mais poder. Começa a surgir uma atitude
mais laica face ao saber, embora não anticlerical. O século XIV é um período difícil na
Europa. É neste período que se dá a Guerra dos Cem Anos e que surge o flagelo da
peste negra, que dizimou uma grande parte da população da Europa e despovoou os
mosteiros. As preocupações com o saber teórico cedem lugar ao interesse pelo saber
prático. As chamadas “artes úteis”, passam a ter papel de relevo e as universidades
perdem importância. Finalmente, no século XV a filosofia escolástica perde terreno e
começa a sentir-se o espírito inovador do Renascimento.
O século XIII é, por conseguinte, um século de viragem na Idade Média. Um dos
homens que vai dar um forte impulso ao reviver do conhecimento é Robert Grosseteste
(1175-1253), bispo de Lincolm, que se dedicou ao estudo dos cometas7
e escreveu sobre
esse tema, adquiriu muitas obras de autores gregos, convidou gregos para Inglaterra a
fim de se familiarizar com o seu idioma e cultura. O seu discípulo Roger Bacon irá
escrever uma gramática de grego.
Durante este período, o realismo de Aristóteles vai substituir o abstraccionismo e
idealismo platónicos. O aristotelismo não foi, no entanto, imediatamente aceite. Houve
mesmo um concílio em Paris, em 1209, que o condenou. Estava por fazer a tarefa de
aglutinar a doutrina aristotélica com os dogmas da Igreja. No entanto, em 1225, já a
Universidade de Paris punha os livros deste autor na lista dos que deviam ser estudados.
Anos mais tarde, o dominicano Alberto Magno (1206-80) de Colónia escreveu
comentários às obras de Aristóteles, que muito iriam influenciar os seus
contemporâneos. O seu aluno mais famoso foi S. Tomás de Aquino (1227-74), que
realizou o trabalho de conciliar a doutrina de Aristóteles com a da Igreja. Isto implicou
uma reformulação do próprio pensamento religioso.
Uma das figuras mais notáveis do Século XIII foi Roger Bacon (1214-94), que muitos
consideram como uma das mentes mais científicas da Idade Média. O seu contributo
mais importante foi defender que a experiência era a única forma segura de validar o
conhecimento. Não era a palavra das autoridades, como Aristóteles, os Árabes ou os
padres da Igreja, que podia validar o conhecimento, mas sim a experiência. Apesar de
ele próprio não ser um grande experimentador e de os seus trabalhos científicos não
(1290), etc.
7
Note-se que os cometas, com a sua aparente irregularidade, eram encarados como objectos
misteriosos, portadores de más novas e, consequentemente, a procura de explicações de
racionais para a sua existência protagoniza, só por si, uma atitude aberta, própria de uma mente
científica.
serem muito notáveis (com a excepção, talvez, do seu trabalho em Óptica) ele imaginou
e sugeriu muitas aplicações novas para a ciência. Foi o primeiro a falar no uso das lentes
para óculos e imaginou a possibilidade de combinações de lentes para construir
aparelhos ópticos. Imaginou também, embora de forma um tanto vaga, aplicações da
ciência que só muito mais tarde se tornaram uma realidade, como o uso de explosivos,
máquinas voadoras, circum-navegação da Terra, propulsão mecânica. Muitos
consideram Bacon como um homem demasiado avançado para o seu tempo, outros
como um produto natural da filosofia escolástica.
Outro nome significativo do século XIII é o do monge francês Pierre de Maricourt
(também conhecido por Petrus Pereginus), que efectuou importantes estudos sobre
magnetismo, com base na experiência8
.
Fig1. Mapa-mundi de Dante
As autoridades dominantes no saber passam a ser a Bíblia e Aristóteles, frequentemente
designado simplesmente como O Filósofo. No que se refere à cosmologia, o modelo
adoptado é o ptolemaico, embora nos últimos anos da Idade Média surjam os primeiros
adeptos de um sistema heliocêntrico. Nota-se, como na filosofia grega, uma mistura de
elementos que hoje em dia nós distinguimos como científicos e não científicos. Para
exemplificar este ponto basta atentarmos nas representações cosmológicas desta época,
os chamados "mapa-múndi" (como, por exemplo, o de Dante, que data de 1300, onde
figuravam, para além da Terra e dos astros, o paraíso terrestre, o paraíso celeste, o
inferno e Jerusalém, pólo de atracção devido às Cruzadas).
É de notar que, embora nos últimos três séculos da Idade Média tenha havido um
notável florescimento da actividade intelectual, as ideias de Aristóteles vão ser
contestadas seriamente apenas num único ponto: o movimento dos projécteis
8
Este tópico será desenvolvido no capítulo 6.
(movimento violento). É provável que isso tenha sido motivado em grande parte por
interesses práticos. Na verdade, para os construtores das armas de arremesso as ideias
aristotélicas sobre os movimentos dos projécteis não deviam ser muito convincentes. Se
a explicação de que um corpo tinha um movimento não natural porque era empurrado
pelo ar poderia ser razoavelmente satisfatória para o caso de uma seta, o mesmo já não
se diria para uma bala de canhão.
A necessidade de compreender os movimentos violentos está na base da teoria do
ímpeto. A ideia terá sido primeiramente formulada no século V por um filósofo
bizantino, João Filipónio (também conhecido por João de Alexandria), que afirmava:
"...fica no corpo, depois de se lhe imprimir o movimento, uma certa propriedade motriz,
que se conserva durante um certo tempo". Os Árabes pouco se preocuparam com este
problema, no entanto conservaram a ideia transmitindo-a a outros povos. No século
XIV, Jean Buridan, reitor da Universidade de Paris, retoma a ideia de Filipónio
formulando a "Física do Ímpeto". O nome de Benedetti está intimamente associado a
esta teoria.
Outros tentam aplicar a mesma ideia aos movimentos astronómicos, como Nicolau de
Oresmo e Nicolau de Cusa. Há várias representações medievais do movimento dos
projécteis. Mais tarde, Leonardo da Vinci (século XV) vai ser o primeiro a representar
correctamente a trajectória de um projéctil. Importa ainda referir Leone Batista Alberti
(1402-72) que descobriu as leis elementares da perspectiva, sem as quais os artistas do
Renascimento dificilmente poderiam ter feito o trabalho que fizeram.
4.5 O declínio da Escolástica
A filosofia escolástica desempenhou um papel importante no seu tempo, mas viria a ser
posta em causa, começando a declinar, sobretudo no século XV. Entre os seus mais
notáveis opositores, conta-se o cardeal Nicolau de Cusa (1401-64). Este filósofo
defende que todo o conhecimento humano é mera conjectura e que Deus pode ser
apreendido por intuição mística. Faz consideráveis progressos em Matemática e Física
e, tal como alguns dos seus contemporâneos, defende o recurso a experiências. Ele
próprio recorreu à experiência para provar que o ar tem peso, o que fez registando o
peso de uma planta em crescimento. Construiu o primeiro higrómetro e recomendava o
uso de relógios de água para medir o tempo de queda dos objectos. Propôs a reforma do
calendário e rejeitou o modelo ptolemaico, afirmando que a Terra que se move.
Concebeu a ideia de um universo sem limites, indeterminado (mas não infinito, porque
infinito só Deus), o que vai claramente contra a visão aristotélico-escolástica de um
universo limitado espacialmente. Nicolau de Cusa tem uma visão panteísta de Deus e do
Universo. As suas ideias vão influenciar profundamente Giordano Bruno. No seu livro,
De docta ignorantia, Nicolau de Cusa refere:
Os antigos não chegaram às verdades que ora expusemos porque não
atingiram a "douta ignorância". A partir de agora é claro em toda a sua
verdade que a Terra se move, ainda que não pareça, porque só somos
capazes de compreender o movimento em relação a algo de fixo.
Nicolau de Cusa discutiu, a partir do exemplo do observador num navio em movimento
uniforme, o velho problema da impossibilidade de identificação do movimento do
referencial (ver texto nos Anexos). Apreciaremos melhor a profundidade destas
reflexões se nos lembrarmos que o mesmo exemplo e argumentos semelhantes são, mais
tarde, utilizados por Galileu na formulação daquilo a que hoje chamamos o Princípio da
Relatividade.
Quanto à separação entre os dois mundos, supra-lunar e sub-lunar, de natureza diferente
e tendo o último um estatuto inferior, Nicolau de Cusa foi uma das primeiras vozes a
criticar estas concepções. A Terra não seria menos digna por causa do seu tamanho, pois
outras “estrelas”, como Mercúrio, são mais pequenas, nem pelo seu aspecto “sombrio”,
visto que estaria rodeada por uma áurea de fogo, que a faria brilhante vista por um
observador exterior. Por sua vez, o Sol teria no seu núcleo um corpo sólido ou húmido,
não sendo pois de natureza diferente da Terra. Estava aberto o caminho para a
unificação destes dois mundos.
4.6 As artes úteis na Idade Média
Uma importante contribuição para o progresso intelectual (e social) nesta época foi a
inovação tecnológica, que permitiu criar as condições materiais para o eclodir da ciência
moderna. Progresso tecnológico e conceptual estão intimamente ligados e vamos
encontrar ao longo da história da ciência situações em que o primeiro condicionou o
segundo ou vice-versa. Embora muitas invenções medievais só passem a ser usadas
sistematicamente pela ciência no século XVII, elas já existiam no final da Idade Média.
Entre as chamadas artes úteis importa referir: a bússola e a cartografia, a fabricação de
lentes, a imprensa (Gutenberg 1447), a construção de relógios (clepsidras, relógios de
água), os processos e aparelhos químicos e alquímicos e a construção de armas de fogo
(a primeira arma de fogo surge na Europa em 1337).
Repare-se que o desenvolvimento da cartografia e a aplicação da bússola à navegação
estão intimamente relacionados com as viagens marítimas, que começaram durante a
Idade Média e tiveram grande impulso nos séculos XIV e XV.
Encerremos este capítulo sobre o saber medieval com uma citação de Lucien Febvre:
Já não falamos hoje em dia da Noite da Idade Média (...) nem do
Renascimento, que na postura de arqueiro vencedor lhe dissipou as trevas
para sempre (...) E isto porque nos convencemos de que a uma época que
tinha tido os arquitectos de envergadura dos que conceberam as nossas
grandes basílicas romanas (...); e as nossas grandes catedrais góticas (...) e
as poderosas fortalezas dos grandes barões (...), com todos os problemas de
geometria, de mecânica, de transporte, de suspensão, de manutenção que
tais edifícios acarretam – a uma tal época era irrisório negar, em bloco e
sem discriminação, o espírito de observação e de invenção.
5. O Pensamento Científico no Renascimento
5.1 O dealbar de uma nova era do saber
Até finais do século XV, não se tinham registado inovações significativas no domínio
do pensamento científico, a despeito do progresso tecnológico e intelectual do final da
Idade Média. Durante o Renascimento, vão florescer novas ideias e novas atitudes face
ao saber, que vão conduzir a uma viragem na tradição cultural e científica do Ocidente.
As cidades do Norte de Itália são o berço do Renascimento, um movimento artístico e
cultural que progressivamente se vai estender a outras cidades e a toda a Europa. O
Renascimento nas Letras e nas Artes é simultâneo, e o espírito renascentista vai alargar-
se a outros domínios da actividade intelectual, em particular ao do pensamento
científico. A tomada de Constantinopla pelos turcos leva a que muitos homens de saber
se desloquem para a Europa, trazendo consigo os tesouros da cultura do Oriente. As
cidades italianas eram ricas e poderosas, dispondo assim dos meios para impulsionar o
renascimento da actividade intelectual. Os artistas do renascimento vão redescobrir a
cultura grega e trilhar novos caminhos. Esses caminhos cruzam-se frequentemente com
os da actividade científica. Por exemplo, a pintura e escultura suscitam o estudo da
anatomia e revelam um grande sentido de observação da natureza.
Neste contexto, Leonardo da Vinci (1452-1519) desempenha um papel fundamental,
sendo considerado por muitos como o ponto de viragem para os tempos modernos. O
seu espírito criador desdobra-se em diferentes campos. Artista, engenheiro, inventor,
cientista, a sua obra tem uma vastidão e riqueza que transcendem a sua própria época.
Ela abarca domínios que vão da Matemática à Fisiologia. No domínio da Física, importa
referir que é Leonardo o primeiro a representar a trajectória de um projéctil como uma
linha contínua, contrariamente ao que era defendido pela Teoria do Ímpeto, e que tem a
intuição daquilo que mais tarde será a lei da conservação da energia. Apresentou um
modelo de máquina voadora e sugestões para um helicóptero e um pára-quedas; estudou
o voo dos pássaros, tendo chegado a conclusões que só recentemente foram
ultrapassadas; os seus conhecimentos sobre fisiologia, embriologia e anatomia só foram
superados centenas de anos mais tarde. O artista dominava ainda os princípios teóricos
da perspectiva.
Um contemporâneo ilustre de Leonardo é o pintor alemão Albrecht Dürer (1471- 1528),
que, para além da sua obra como artista, fez uma profunda investigação sobre as
proporções do corpo humano, observou os hábitos de vida e crescimento de animais e
plantas e, para além disso, realizou experiências de óptica, perspectiva e propriedades
do som. Outro homem importante desta época é Paracelso (1493-1541) que,
veementemente, defendeu uma visão do mundo “à luz da Natureza”. Um dos seus
contributos mais notáveis foi a modificação da doutrina aristotélica sobre Alquimia, que
havia de inflectir o caminho desta na direcção da Química.
A produção de novas tecnologias é típica do século XV e sobretudo do século XVI.
Falou-se já, no capítulo anterior, de algumas invenções do século XV, das quais a
imprensa é sem dúvida a mais importante. A invenção de novas máquinas, ou o
aperfeiçoamento das antigas, vai prosseguir. Em particular, a exploração das minas
solicita novos meios, e, simultaneamente, propicia também o estudo dos minerais.
George Agricola (1490-1555) era um estudioso de Medicina que se interessou de perto
pelo trabalho dos mineiros e que publicou, em 1546, um obra que lançou as bases da
mineralogia moderna. O estudo dos metais tem consideráveis progressos, o que leva a
que a tecnologia da madeira passe aos poucos a ser substituída pela tecnologia do metal.
O florescimento de novas ideias em diferentes domínios gera um ambiente propício à
descoberta e à criatividade. É neste contexto que as teorias dos Antigos vão ser
seriamente questionadas, culminando, posteriormente, numa nova concepção de
Ciência, que implicou uma ruptura, quer quanto a teorias e conceitos, quer quanto aos
métodos.
Entre as condições que tornaram possível uma tal ruptura, poderemos mencionar:
 O esgotamento das teorias de tradição aristotélica na tentativa, cada vez menos
conseguida, de enquadrar os dados da observação.
 A redescoberta da cultura grega, em particular o legado da civilização da Alexandria
(exemplo: as obras de Arquimedes).
 A emergência de uma nova classe, a burguesia, cujos interesses práticos exigiam um
progresso científico e tecnológico a vários níveis.
 Novas condições materiais — nomeadamente o progresso tecnológico, que inclui,
por exemplo: a invenção da imprensa (o que implica uma maior circulação do saber); a
utilização de máquinas simples, como por exemplo a azenha, grande responsável pelo
progresso na segunda metade da Idade Média.
— As viagens de exploração marítima, que alargam o conhecimento do Homem sobre
si próprio e o mundo, dando-lhe a conhecer novas culturas, novos horizontes e, ao
mesmo tempo, exigindo a construção de novos instrumentos.
Tudo isto terá dado ao Homem renascentista o gosto da aventura e da descoberta, a
confiança em si próprio e a ousadia de questionar a palavra dos mestres, submetendo-a
ao teste da experiência. O confronto entre o saber antigo e o saber novo situa-se
predominantemente no domínio das concepções de movimento – o movimento dos
objectos à superfície da Terra e o movimento dos corpos celestes. Embora a discussão e
as diversas contribuições em ambos os domínios estejam interligados, vamos referir-nos
a eles separadamente, por uma questão de simplicidade.
5.2 O modelo heliocêntrico de Copérnico
Até ao início do século XVI, não se tinham registado progressos significativos no
domínio da Astronomia. O sistema ptolemaico continuava a ser aceite, apesar de não
conseguir explicar todos os fenómenos observados e de ser extremamente complicado.
O Renascimento na Europa, marca, como já se disse, o início de uma nova era tanto do
ponto de vista económico-social como do ponto de vista intelectual. É neste contexto
que surge a obra de Nicolau Copérnico (1473-1543), monge beneditino, que, na sua
obra Seis Livros sobre as Revoluções das Orbes Celestes, propõe um novo modelo
planetário. Retomando a ideia de Aristarco de Samos, o modelo de Copérnico pressupõe
que é o Sol e não a Terra que ocupa o centro do Universo. O modelo assenta nas
seguintes hipóteses:
 Não há um centro único para todas as esferas celestes;
 A Terra não é o centro em torno do qual giram todos os planetas mas apenas o
centro de revolução da esfera da Lua.
 A Terra, bem como os outros planetas, gira em volta do Sol. Daí o movimento
aparentemente irregular dos planetas, visto da Terra.
 O movimento da esfera celeste é aparente, resulta apenas do movimento de rotação
da Terra em torno do seu eixo. É esta que tem um movimento de rotação diário,
enquanto o céu permanece imóvel.
É de notar que Copérnico continuava a aceitar a ideia de uma harmonia universal e de
que os corpos celestes tinham movimentos circulares e uniformes (logo perfeitos). O
seu ponto de vista era, no entanto, radicalmente oposto ao de Ptolemeu − a Terra
deixava de ser "o coração" do Universo. Embora Copérnico tivesse procurado exprimir
as suas ideias de forma a não pôr em causa os princípios filosóficos e religiosos da
época, que, como sabemos faziam parte integrante do sistema de pensamento global, a
sua obra acabou por ser posta no Index e o ensino da sua teoria proibido em muitas
escolas.
Para além de ir contra os preconceitos epistemológicos da época, havia ainda outras
razões que dificultavam a aceitação das ideias de Copérnico. Alguns factos que não
eram explicados pelo modelo de Ptolemeu também não o eram pelo de Copérnico.
Aparentemente este último não tinha, para além da sua simplicidade e beleza, nenhuma
outra vantagem sobre o primeiro. Pensava-se que a teoria, a ser verdadeira, deveria ser
confirmada, por exemplo, pela observação da paralaxe estelar, fenómeno que, como já
sabemos, não tinha hipótese de ser observado na época. Finalmente, era uma teoria
contrária às evidências do senso comum, o que a tornava facilmente impopular.
5.3 As observações astronómicas de Tycho Brahe
Tycho Brahe (1546-1601) não só deu um contributo inestimável à catalogação de
factos astronómicos, como foi também o criador de uma grande instituição científica.
Oriundo de uma família nobre dinamarquesa e dispondo de fortuna pessoal, teve
excelentes condições para seguir a sua a paixão pela Astronomia. Os dois famosos
observatórios − Uraniborg e Stjerneborg − que construiu na ilha de Hven, posta à sua
disposição por concessão régia, tinham não só os melhores instrumentos da época,
alguns construídos ou adaptados pelo próprio Tycho, como também uma excelente
biblioteca, oficinas para manufactura de instrumentos, um laboratório de química, uma
fábrica de papel, uma tipografia e instalações para albergar toda uma comunidade de
astrónomos. Os instrumentos em si eram muito simples: tratava-se de compassos,
teodolitos, vários tipos de quadrantes, incluindo um grande quadrante mural, relógios
mecânicos e ampulhetas.
Anos e anos a fio, Tycho Brahe olhou o céu, repetiu observações, combinou os dados de
diferentes observações, tendo deixado aos seus sucessores, entre outros contributos
importantes, um catálogo minucioso das posições estelares e planetárias, onde
apareciam registadas 1000 estrelas.
Tycho não se limitou, no entanto, a observar e catalogar os céus. Algumas das suas
descobertas de fenómenos novos perturbaram significativamente a comunidade
científica da época, visto que desafiavam os dogmas da incorruptibilidade e
imutabilidade dos céus. Em 1572, descobriu uma nova estrela na constelação de
Cassiopeia, que nunca tinha sido observada até então, mas que era mais brilhante do que
Sirius e ficava para além da órbita de Saturno. Tratava-se provavelmente da explosão de
uma supernova, mas a sua aparição mostrava que o mundo supralunar era, afinal, sujeito
a mudanças, tal como o sublumar. Por outro lado, o seu estudo dos cometas − em 1577
apareceu um grande cometa que Tycho observou sistematicamente − levou-o a concluir
que eles podiam atravessar a esfera da Lua, mostrando que era possível a comunicação
entre o mundo perfeito e o imperfeito (na época, os cometas eram considerados como
fenómenos associados a perturbações da atmosfera terrestre). Estes factos acabaram por
levantar sérias dúvidas sobre a validade das ideias dos Antigos: se estavam erradas
nestes casos particulares, porque razão haviam de ser infalíveis em tudo o mais?
Curiosamente, Tycho Brahe não era um adepto do modelo de Copérnico. A sua grande
objecção parece ter sido a não observação de paralaxe estelar. Tycho não conseguiu
observá-lo (nem tal era possível, como os meios de que dispunha) mas provavelmente
acreditava tanto no rigor das suas observações que não lhe era possível aceitar um facto
que não conseguia observar. Elaborou um modelo planetário que era um compromisso
entre os dois modelos antagónicos de Ptolemeu e de Copérnico.
5.4 O impacte das ideias de Copérnico
O modelo de Copérnico marcou início de uma nova era. As suas repercussões foram
muito mais amplas do que o próprio Copérnico terá sonhado e talvez mesmo desejado.
Apesar do carácter revolucionário do seu modelo, Copérnico era um conservador e,
como ele próprio afirma no prefácio do seu livro, foi a insatisfação relativamente ao
modelo ptolemaico, a inconsistência de interpretações entre os seus defensores, o seu
grau de complicação, que o levou a propor uma hipótese mais elegante, simples e que
melhor se adequava aos fenómenos observados. Na verdade ele procurou preservar,
tanto quanto lhe foi possível, os dogmas da teoria aristotélica, como por exemplo o
movimento circular e a finitude do universo. Segundo Copérnico:
“... nenhum outro motivo me levou a pensar num método diferente de calcular os
movimentos das esferas do Universo senão o facto de ter verificado que os matemáticos
não estão de acordo consigo próprios na investigação de tais movimentos".
Publicado em 1543, no ano da morte do seu autor, a obra As Revoluções das Orbes
Celestes (orbes que eram apenas de natureza matemática e não mecânica) foi, de início,
bem tolerada pela Igreja, para o que muito terá contribuído a protecção e aprovação de
um bispo e de um cardeal e a extrema prudência com que Copérnico geriu a sua
“revolução”. Começou por fazer circular entre as elites intelectuais e eclesiásticas um
folheto anónimo, Commentariolus, que continha um esboço das suas ideias. Mais tarde,
autorizou um discípulo a publicá-las com o nome do dito discípulo e, não tendo este
balão de ensaio sofrido qualquer explosão, decidiu-se, finalmente a publicar ele próprio
a obra completa, que dedicou ao Papa Paulo III, versado em Matemáticas, tendo o
cuidado de antecipar de antemão a defesa aos futuros ataques e proclamar a sua
ortodoxia em matéria religiosa.
Os seus sucessores puderam ir mais longe. Um nome que merece especial relevo é o de
Giordano Bruno (1547-1600). Profundamente influenciado por Nicolau de Cusa, que
afirmava ter "a máquina do mundo em qualquer ponto o seu centro e a circunferência
em parte nenhuma", Giordano Bruno concebe um universo infinito, com muitos sóis e
não apenas um, com diversos mundos habitados, um universo complexo e dinâmico,
onde tudo se move, onde não há centros nem limites.
Há só um espaço universal, uma única e vasta imensidão a que podemos livremente
chamar o vazio; neste estão inúmeros globos semelhantes a este sobre o qual vivemos e
crescemos; e declaramos ser este espaço universal, visto que nem a razão, nem a
conveniência, nem a percepção sensível, nem a natureza lhe determina limites.
Só um Universo tão grandioso, cheio de maravilhas que o homem pode apenas
imaginar, sem prisões nem limites, onde o movimento e a mudança são, ao contrário do
que pensava Aristóteles, sinais de perfeição, seria uma obra à altura do seu Criador.
Como sabemos, a Igreja não se deixou convencer com este argumento. Ao aceitar
imprudentemente um convite para ir a Veneza, Bruno caiu sob a alçada da Inquisição e,
alguns anos depois, foi queimado na praça pública.
As obras de Giordano Bruno são essencialmente de carácter especulativo, as suas ideia,
interessantes e arrojadas, não têm geralmente uma base quantitativa, como já era
corrente na época, ele foi mais um filósofo e um poeta do que um cientista. No entanto,
a riqueza e amplitude da sua visão do mundo influenciaram muitos dos cientistas do seu
tempo. Há quem defenda (ver, por exemplo Koyré, Do Mundo Fechado ao Universo
Infinito) que foi através de Bruno que a Igreja se apercebeu do carácter perturbador e
revolucionário do aparentemente académico modelo de Copérnico e que foi Giordano
Bruno a causa da condenação do modelo heliocêntrico.
6. A Revolução Científica nos Séculos XVI-XVII
6.1 A revolução científica
O historiador da ciência Thomas Kuhn formulou, no início da década de sessenta, uma
teoria do conhecimento científico em que o conceito de paradigma desempenha um
papel central. Em termos muito simples, diremos que um paradigma científico
pressupõe uma teoria solidamente estabelecida e integra um conjunto de regras e
métodos de proceder, que é aceite pela comunidade científica. O modo de validar o
conhecimento, a atitude face a resultados inesperados, ou a problemas sem resolução no
contexto do paradigma, é explicita ou tacitamente consensual no seio da comunidade
científica.
Kuhn distingue entre os períodos de ciência normal e os períodos de crise
paradigmática. Nos períodos de ciência normal há um paradigma claramente aceite.
Procura-se explicar todos os factos científicos com base na "boa teoria". Ela é o guia na
exploração de fenómenos desconhecidos. Aspectos que não se enquadrem nessa teoria
são encarados como problemas que um dia o cientista será suficiente hábil para poder
resolver de acordo com o paradigma existente (lembremos a este propósito o problema
da radiação do corpo negro). Não se admite que estes pequenos problemas ponham em
causa a teoria dominante.
O acumular de problemas não resolvidos, o esgotamento do paradigma, leva à situação
de crise e mais tarde à ruptura paradigmática. Vive-se então um período revolucionário
da ciência. São anos de polémicas apaixonadas e mesmo violentas (lembremos os
conflitos de Bruno e de Galileu com a autoridade científica e religiosa da época) em que
o velho coexiste com o novo, inclusivamente no espírito do mesmo pensador (veja-se a
propósito o modelo misto de Tycho). Finalmente um novo paradigma está
suficientemente sólido e consistente para substituir o primitivo e passa a viver-se um
novo período de "ciência normal".
Notemos que os factos podem ser os mesmos, e elementos do saber novo podem desde
há algum tempo ser de uso corrente, embora de uma forma dispersa e marginal. Mas há
uma diferença de atitude, trata-se de uma nova forma de ver.
Existem, naturalmente, outras perspectivas sobre a História das Ciências, mas é um
facto que o pensamento de Kuhn influenciou os historiadores, filósofos e sociólogos da
ciência, e não pode ser ignorado, mesmo quando se criticam muitos dos seus
pressupostos. A atribuição da designação "revolução científica" a uma teoria inovadora
é, por vezes, polémica, a incompatibilidade do paradigma velho com o paradigma novo
é discutível. No entanto, é bastante consensual a ideia de que o avanço do conhecimento
científico nem sempre se processa de forma contínua e atribuição da designação
“revolução científica” ao processo de criação e reorganização de conhecimentos e
formas de o validar, que ocorre nos séculos XVI-XVII.
Esta revolução pressupõe a criação de novos conceitos, teorias e métodos. O que
implica, naturalmente, um processo interactivo entre as novas ideias e os meios
indispensáveis ao desenvolvimento das mesmas. A nova ciência vai ser uma ciência da
medida, isto é: os fenómenos naturais devem ser mensuráveis e as relações entre eles
expressas na linguagem do número. No dizer de Koyré passa-se do "mundo do mais ou
menos" ao "universo da precisão", o que implica, na opinião do mesmo autor, a
transformação de "utensílios" em "instrumentos". Por outro lado, a criação de um saber
novo exige um desenvolvimento da Matemática, que passa a ser encarada como um
instrumento de investigação da natureza.
6.2 A Matemática como instrumento de investigação
Apesar da sua capacidade de resolver problemas práticos, o homem medieval não
dispunha de uma linguagem algébrica. O desenvolvimento de instrumentos matemáticos
adequados era, no entanto, uma condição essencial para o desenvolvimento de
concepções exactas no domínio da Física e da Astronomia. Este desenvolvimento
começou já no século XVI e continuou com maior fôlego durante o século XVII.
O advogado francês Francois Viéte (1540-1603) foi, ao que se sabe, o primeiro a usar
letras para representar números e a aplicar a álgebra à geometria, dando assim início à
fundação da geometria analítica. O seu contemporâneo Simon Stevin (1548-1620)
introduziu o esquema decimal para representar fracções. Stevin teve outras
contribuições notáveis, nomeadamente, a demonstração experimental do igual tempo de
queda dos corpos diferentes em queda livre, o estabelecimento da lei de equilíbrio no
plano inclinado, associado à primeira prova formal da impossibilidade do movimento
perpétuo. Teve também contribuições importantes no domínio da hidrostática.
Anos mais tarde, John Napier (1550-1617) inventou os logaritmos. Em 1604, Kepler
notou que as secções cónicas formavam cinco espécies de curvas: duas rectas paralelas,
hipérbole, parábola, elipse e círculo. Este trabalho vai mais tarde ser-lhe útil quando da
elaboração das suas leis cinemáticas do movimento planetário.
No entanto, as ideias mais fundamentais vieram de René Descartes (1596-1650).
Descartes, e, independentemente, Fermat deram o grande passo de aplicar
sistematicamente a álgebra à geometria, retomando um trabalho já encetado pelos
Gregos, Hindus e Árabes. A inovação mais importante de Descartes é a concepção de
movimento num campo geométrico. Conta-se que, ao observar o movimento de uma
mosca num canto do seu quarto, lhe ocorreu que a posição desta no espaço podia, em
cada instante, ser definida a partir da sua distância a três planos formados por duas
paredes adjacentes e pelo tecto. Foi este, parece, o ponto de partida para a introdução do
sistema de coordenadas cartesianas. Descartes vê a curva descrita por um ponto móvel
num plano do seguinte modo: o ponto em cada instante encontra-se na intersecção de
duas rectas paralelas aos eixos coordenados. Pode então ser estabelecida uma equação
entre estas distâncias que exprime uma propriedade da curva ( ex: y = a x + b, y = a x2).
A concepção básica de Descartes, que é mais importante do que qualquer inovação
técnica que ele tenha introduzido, é o processo analítico que estabelece a relação entre
a forma e o número. Pitágoras e Platão aperceberam-se desta correspondência, mas em
Alexandria a forma e o número foram estudados separadamente. A álgebra foi
essencialmente desenvolvida pelos Hindus e a geometria pelos Árabes e durante a Idade
Média estes dois ramos da Matemática continuaram a ser encarados separadamente. A
aplicação da álgebra à geometria foi um grande passo para o desenvolvimento das
ciências exactas.
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  • 1. Maria da Conceição Ruivo História das Ideias em Física Departamento de Física Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra 2008
  • 2. Índice Introdução..................................................................................................4 A História das Ciências – a sua evolução como disciplina......................................................4 A História das Ciências no ensino...........................................................................................7 1. As Origens da Ciência............................................................................9 1. 1 O conhecimento nas civilizações primitivas.....................................................................9 1.2 A observação dos céus.....................................................................................................10 1.3 O desenvolvimento da Matemática ...................................................................................11 1.4 Os calendários e os relógios............................................................................................13 2. Teorias do Movimento e da Matéria na Antiga Grécia......................14 2.1 Os fundamentos da Astronomia.......................................................................................14 2.2 O problema de Platão......................................................................................................15 2.3 O sistema aristotélico......................................................................................................16 2.4 A teoria aristotélica do movimento local.........................................................................17 3. A Ciência em Alexandria.....................................................................21 3.1 A Escola de Alexandria...................................................................................................21 3.2 Arquimedes e as origens da Mecânica.............................................................................21 3.3 A determinação de grandezas astronómicas....................................................................22 3.4 A teoria heliocêntrica de Aristarco de Samos..................................................................23 3.5 Ptolemeu e o modelo geocêntrico....................................................................................24 4. O Saber na Idade Média.......................................................................27 4.1 Introdução.......................................................................................................................27 4.2 A compilação do saber nos primeiros séculos da Idade Média........................................28 4.3 A ciência no Oriente........................................................................................................29 4.4 A influência árabe e a filosofia escolástica......................................................................29 4.5 O declínio da Escolástica.................................................................................................32 4.6 As artes úteis na Idade Média..........................................................................................33 5. O Pensamento Científico no Renascimento.........................................35 5.1 O dealbar de uma nova era do saber................................................................................35 5.2 O modelo heliocêntrico de Copérnico.............................................................................37 2
  • 3. 5.3 As observações astronómicas de Tycho Brahe................................................................38 5.4 O impacte das ideias de Copérnico..................................................................................40 6. A Revolução Científica dos Séculos XVI-XVII..................................42 6.1 A revolução científica.................................................................................................... 42 6.2 A Matemática como instrumento de investigação...........................................................43 6.3 Os instrumentos científicos.............................................................................................45 6.4 Galileu e os fundamentos da ciência moderna.................................................................47 6.4.1 Os Discursos ...............................................................................................................49 6.4.2 Os Diálogos.................................................................................................................51 6.5 As Leis de Kepler............................................................................................................52 6.6 O ambiente científico no século XVII...............................................................................54 6.7 Newton e as leis da dinâmica...........................................................................................55 6.8 Newton e a Lei da Gravitação Universal...........................................................................56 6.9 Consequências da Lei da Gravitação Universal...............................................................60 6.10 A síntese newtoniana e a nova concepção de ciência....................................................62 8. História do Electromagnetismo...........................................................65 8.1 Teorias e conceitos primitivos............................................................... ........... ............65 8.2 A evolução do conhecimento sobre os fenómenos magnéticos............................... .. ... 65 8.2.1 Os primeiros instrumentos magnéticos e o conhecimento empírico................... ... .. ...65 8.2.2 O desenvolvimento da teoria..........................................................................................67 8. 3 O desenvolvimento da electrostática..............................................................................69 8.4 A descoberta da corrente eléctrica: Galvani e Volta........................................................71 8.5 A atmosfera sociocultural no século XIX........................................................................73 8.6 As experiências de Oersted e de Ampère.........................................................................75 8.7 Faraday e a indução electromagnética............................................................................76 8.8 Maxwell e a Teoria do Campo Electromagnético............................................................77 10. Leis de Conservação...........................................................................79 10.1 Significado e relevância das leis de conservação em Física.. .........................................79 10.2 A Lei de Conservação da Massa.......................................................................................79 10.3 A Lei de Conservação do Momento Linear......................................................................80 10.4 A Lei de Conservação da Energia ....................................................................................81 10.4.1 A energia mecânica........................................................................................................81 10.4.2 O desenvolvimento da Termodinca................................................................................83 10.4.3 Uma lei de conservação geral.........................................................................................85 10.5 As leis de conservação e a descoberta do neutrino............................................................86 11. O Nascimento da Física Moderna........................................................88 11.1 As limitações da Física Clássica.........................................................................................88 3
  • 4. 11.2 As grandes descobertas no virar do século.....................................................................88 11.2.1 O ambiente de trabalho dos físicos no final do século XIX........................................89 11.2.2 As descobertas do efeito de Zeeman e do electrão......................................................90 11.2.3 Os raios X.....................................................................................................................91 11.2.4 A radioactividade.........................................................................................................92 11.3 A Mecânica Quântica......................................................................................................92 11.4 Os modelos atómicos......................................................................................................95 11.4.1 A evolução do conceito de átomo.................................................................................95 11.4.2 Os primeiros modelos atómicos....................................................................................97 11.5 As origens da Teoria da Relatividade............................................................................98 11.5.1 A Teoria da Relatividade Especial................................................................................98 11.5.2 A Teoria da Relatividade Geral...................................................................................101 Anexo .....................................................................................................104 Textos para discussão.............................................................................................................105 Bibliografia.........................................................................................................................................123 4
  • 5. Introdução A História das Ciências – a sua evolução como disciplina Embora a História das Ciências (HC) se tenha constituído como uma disciplina autónoma, com o seu espaço próprio, durante a primeira metade do século XX, a HC esteve presente desde muito cedo nos textos científicos, o relato histórico fazia, aliás, parte do próprio conhecimento científico. A HC foi encarada como fazendo parte da própria ciência durante séculos, desde a Antiguidade Clássica à Idade Média e tendo repercurssões ainda em épocas posteriores. Criar conhecimento novo implicava necessariamente estabelecer uma ligação com os predecessores, e, por isso, vamos encontrar sempre nos escritos científicos um relato do que foi feito antes, com análises e comentários críticos que são em geral o ponto de partida para o novo contributo do autor. Embora a nova ciência, que surge nos século XVI e XVII, venha trazer não só novos conceitos e teorias, mas também uma nova forma de fazer ciência, a HC continua ainda por algum tempo a ser considerada parte do conhecimento científico, as autoridades clássicas são frequentemente citadas com vista a apoiar e legitimar determinados pontos de vista, como o fazem, por exemplo, Harvey e Copérnico (ver, por exemplo, o prefácio de Copérnico (1473-1543) na sua obra, As Revoluções dos Orbes Celestes).A importância da HC para o desenvolvimento dos conhecimentos é defendida por Francis Bacon (1561 – 1626), um dos teorizadores da nova ciência e da sua metodologia. A história da ciência continua a ser integrada na ciência moderna, embora a maneira de a tratar se vá progressivamente modificando. À medida que a ciência moderna se vai consolidando e afirmando por meios próprios, já não necessita de recorrer às referências a autoridades clássicas como meio de se legitimar. Embora, nos finais do século XVII, a atitude em relação à HC comece a modificar-se, é usual os autores do século XVIII e XIX começarem as suas obras por uma história da área que vão abordar, enfatizando a originalidade dos novos contributos face ao que tinha sido feito anteriormente. Encontramos textos que, descrevendo resultados de investigação de vanguarda, têm, simultaneamente, uma parte considerável da história da área científica em questão. De entre os muitos exemplos, podemos citar a obra de Benjamin Franklin, Expériences et Observations sur l’Électricité (1756) na tradução e edição francesa de M. D' Alibard, onde D' Alibard começa por escrever um capítulo inicial sobre a história 5
  • 6. da electricidade, o tratado de Priestley, The History and Present State Of Electricity (1767); na obra de Darwin A Origem das Espécies (1872). As academias e sociedades científicas, que ganham protagonismo a partir do século XVII e desempenham um importante papel na difusão do saber, tiveram uma contribuição relevante para a história da ciência. Muitas academias tratam de registar a história de muitos dos seus membros, recolher e preservar os seus contributos mais significativos, organizar a história da própria academia. É o caso de Fontenelle (1657 – 1747), secretário vitalício da Academia das Ciências francesa a partir de 1699, e que se dedicou durante cinquenta anos ao estudo da história da academia ou de Thomas Sprat (1635-1713) que escreveu a History of the Royal Society (1667). O século das Luzes é marcado por um grande optimismo, que podemos até considerar ingénuo, em relação aos poderes da ciência e ao progresso. Por outro lado, há o grande propósito de educar o cidadão, de acabar com o obscurantismo, defender a liberdade e criticar o autoritarismo político e religioso. A HC é frequentemente usada para servir estes propósitos. Muitos dos relatos históricos deste período são exposições sumárias, cronológicas, sem reflexão, onde a história da ciência é, afinal, uma história do progresso. Nos finais do século XVIII, o movimento Naturphilosophie, que foi um dos principais responsáveis pela difusão da ciência no Norte da Europa, contrariava esta tendência e procurava entender a ciência antiga no seu contexto próprio. Foi na segunda metade do século XIX que se procurou organizar a HC como disciplina. William Whewell (1794-1866), que é considerado por muitos como o primeiro historiador da ciência moderna, fez um inventário exaustivo do desenvolvimento das ciências. Mas a HC continuou a ser feita essencialmente por cientistas com interesse nas áreas de história e filosofia da ciência, como é o caso de Mach, Berthelot, Ostwald e Duhem, ou por filósofos e historiadores. Um marco importante, que indica a crescente autonomia da HC como disciplina e a profissionalização do historiador das ciências, é a realização em Paris da primeira conferência internacional de HC, em 1900. Nos anos subsequentes continua a haver regularmente conferências e colóquios e é também neste princípio de século que se constituem sociedades nacionais para a HC (Alemanha, 1901, 1902, Estados Unidos 1924). 6
  • 7. Mencionemos agora alguns nomes relevantes para constituição da nova disciplina nos finais do século XIX e primeira metade do século XX. Paul Tannery (1843-1904), que é considerado com tendo tido um papel dominante na organização da nova disciplina, encarava a HC como parte da história geral da humanidade; Pierre Duhem (1861-1916), físico e químico, interessou-se especialmente pela HC na Idade Média e no Renascimento, encarando a nova ciência mais como uma evolução da ciência do passado do que uma ruptura; George Sarton (1884-1956) teve um papel importante na organização da disciplina e defendia uma história da ciência em que a unidade sintética e a crença no progresso fossem elementos fundamentais; Charles Singer (1876-1960), que compartilhava as muitas das ideias de Starton, foi o criador do Departamento de História e Métodos da Ciência no University College da Universidade de Londres em 1923. Muito brevemente, e sem pretender abordar a temática das teorias da história, vamos referir alguns aspectos relevantes no que respeita à forma de abordar a história, salientando duas correntes: — A história presentista ou anacrónica, também conhecida por Whig. Esta historiografia consiste em ver a história à luz do conhecimento actual. A evolução da ciência é contada como uma história do progresso, uma caminhada (por vezes gloriosa) para chegar à verdade, em que o certo e o errado são designações de acordo com o estado actual da ciência. Os que contribuíram para o conhecimento na sua forma presente são exaltados, os outros podem até ser omitidos. Foi Herbert Butterfiel quem atribuiu a designação Whig a esta história. Butterfiel criticava assim os historiadores que contavam a história da política inglesa como a história do triunfo da democracia liberal, Whigs contra Tories. — A história contextualista ou diacrónica (anti-Whig). Os acontecimentos históricos não são estudados do ponto de vista do presente, mas do ponto de vista do passado. A ciência do passado não é, pois, vista como uma má ciência moderna, mas como uma actividade que tem que ser compreendida à luz dos condicionalismos da época em que se desenvolveu. No extremo, esta corrente preconizaria mesmo o “esquecimento” do presente para melhor compreender o passado. 7
  • 8. Para melhor se compreender o significado destas correntes, exemplifiquemos: do ponto de vista anacrónico não fará muito sentido estudar a teoria do flogisto ou a teoria do calórico, visto que foram ultrapassadas por outras melhores, mas do ponto de vista diacrónico isso já faz todo o sentido; não é relevante estudar o pensamento e a actividade alquímica de Newton, ou o contributo de Kepler para a astrologia, do ponto de vista anacrónico, mas esses estudos já interessam à perspectiva diacrónica. Quanto ao que estuda a história da ciência, há também uma diversidade grande perspectivas. A HC pode enfatizar os chamados factores internos, isto é, privilegiar o estudo da génese e do desenvolvimento das ideias e teorias científicas, o processo de construção da ciência, o percurso de pensamento de um dado cientista. Pode, por outro lado enfatizar os chamados factores externos, como a influência da comunidade científica, das instituições, o papel do ambiente político, económico, social e religioso na difusão, promoção ou resistência aos novos conhecimentos. A História das Ciências no ensino Uma temática muito actual, mas que não é nova, é da História das Ciências no ensino das ciências. Diversas fontes defendem o recurso à HC no ensino por diversas razões, das quais só enunciaremos algumas: é importante conhecer a história das ideias e das descobertas científicas porque elas integram a nossa herança cultural; o conhecimento dos procedimentos e vicissitudes associados à produção do saber científico, ao longo dos séculos, pode ajudar os alunos a compreender melhor a natureza da ciência e a sua interligação com a sociedade; a utilização de meios didáticos criativos com base na HC pode ser muito motivadora e melhorar a compreensão dos próprios conceitos científicos; finalmente, a utilização da HC pode ser uma ponte para ainterdisciplinaridade na sala de aula. A propósito deste tema, diz-nos Joan Solomon. Aos alunos deverão ser dadas oportunidades de desenvolver os seus conhecimentos e a sua compreensão sobre a forma como as ideias científicas mudaram ao longo dos tempos e de como a sua natureza e aplicação são afectadas pelo contexto social, moral, espiritual e cultural em que se desenvolveram. Desta forma, eles poderão reconhecer que, embora a ciência seja uma forma importante de pensar o mundo, não é , no entanto, a única. 8
  • 9. No entanto, a introdução da HC no ensino não é isenta de riscos e alguns autores apontam alguns dos perigos da sua utilização incorrecta. Alguns problemas frequentemente apontados são o da simplificação ― que é necessária, mas que pode omitir factos e distorcê-los ― e o da interpretação que os autores dos manuais ou o professor fazem da HC ― o que implica seleccionar, organizar conteúdos, segundo uma perspectiva epistemológica específica. Muitos dos relatos históricos, feitos na sala de aula ou nos manuais, por vezes dramatizam ou romanceiam os feitos dos cientistas, com o objectivo de captar a atenção dos alunos. Exemplos comuns: o mérito de um trabalho colectivo, ou de gerações, é atribuído a um só cientista (o herói), as descobertas são feitas por acaso, os fracassos e os erros são omitidos do relato. Uma das conclusões a tirar daqui é a necessidade de o professor estar bem documentado sobre a história da sua disciplina, pois só assim a poderá utilizar para enriquecer as suas aulas, evitando alguns dos erros atrás apontados. Finalmente, é de salientar alguns aspectos da investigação sobre concepções alternativas ou pré-concepções. Esta investigação veio mostrar que muitas das concepções que os alunos trazem para a sala de aula, e que são resitentes à aprendisagem, têm muitas semelhanças com concepções históricas ultrapassadas. O conhecimento dos processos históricos que levaram a que os velhos conceitos fossem ultrapassados pode ser muito útil para o professor poder ajudar os alunos a desmontar as suas ideia pré-concebidas e a assimilar os novos conceitos. 9
  • 10. 1. As Origens da Ciência 1. 1 O conhecimento nas civilizações primitivas Os registos mais antigos da actividade racional do homem prendem-se com a satisfação das suas necessidades quotidianas, de que são testemunho, por exemplo, as ferramentas construídas na Idade da Pedra. No entanto, há indícios de que, desde muito cedo, à actividade racional, que se manifesta na construção de saberes práticos necessários à luta pela sobrevivência, estão também associadas manifestações de carácter religioso, mágico, artístico e até científico. Exemplo disso são as grandes construções megalíticas, monumentos construídos com finalidades religiosas e mágicas, mas, em muitos casos, também com objectivos científicos. O templo de Stonehenge, uma construção megalítica existente em Inglaterra, construído na Idade do Bronze, é um exemplo clássico do que acabamos de dizer. Tratava-se de um monumento funerário ou de uma espécie de “computador” que permitia prever a data dos eclipses e outros fenómenos astronómicos? Este e outros monumentos revelam a preocupação com a observação astronómica, a necessidade de dividir o tempo, de encontrar regularidades nos ciclos da natureza e de prever o futuro. As pinturas rupestres, para além do seu carácter artístico e mágico, são uma manifestação da capacidade de descrição bidimensional de objectos no espaço e representam também os primeiros passos de uma zoologia descritiva. A fim de prover ao seu sustento, o homem aprendeu a observar as plantas e a classificá-las, era vital distinguir as comestíveis das venenosas, saber quais as mais nutritivas, quais as que podiam ser usadas para fins medicinais, o que representa os primórdios da Botânica e da Medicina. No Neolítico, quando as comunidades deixaram de ser simplesmente recolectoras e passaram a ser produtoras, as trocas de produtos entre as diferentes comunidades (o início do comércio) implicavam a necessidade de saber contar os produtos, o que exigia um maior desenvolvimento da linguagem. A linguagem matemática provavelmente remonta a este período, embora o conceito de número se tenha desenvolvido lentamente. Provavelmente, o homem começou por distinguir o
  • 11. “um” e o “dois” de “muitos”. Os entalhes traçados com uma certa regularidade em paus, rocha ou marfim, ou os nós numa corda, ou ainda agrupamentos de pedras ou de conchas, constituem provavelmente os registos numéricos mais primitivos. A partir do quinto milénio a.C., começaram a surgir civilizações com um considerável grau de desenvolvimento ao longo dos grandes rios da África e da Ásia, o Nilo, o Tigre, o Eufrates, o Indo e, mais tarde ao longo do Ganges, do Huang Ho e do Yan-Tse. Estas civilizações, cada uma à sua maneira, encaminharam-se num sentido de organização do conhecimento, quer este tenha aspectos essencialmente práticos, como é o caso da civilização egípcia, quer já se desenhem fundamentos teóricos, como no caso da mesopotâmica. A Astronomia, a Matemática, a Medicina têm um desenvolvimento significativo, bem como os sistemas de pesos e medidas, os relógios e os calendários. 1.2 A observação dos céus O estudo das origens da Astronomia é particularmente elucidativo da forma pela qual o homem começou a colocar num sistema coerente e ordenado os resultados da sua observação da natureza. Desde muito cedo os povos procuraram compreender o movimento dos astros e as suas relações com os acontecimentos na Terra, as cartas celestes e os calendários, feitos desde tempos muito remotos, são disso um exemplo. Esta organização de conhecimento tem, naturalmente, incidências práticas, visto que os mapas do céu ajudavam o viajante a orientar-se e os calendários permitiam prever a sucessão das estações do ano, o que significava também saber de antemão quais as melhores alturas do ano para semear e colher, aspectos certamente essenciais para civilizações que viviam da agricultura e do comércio. O interesse pelos astros ia, no entanto, mais longe, pois acreditava-se que eles podiam influenciar os destinos e comportamentos dos homens. Assim os nascimentos da Astronomia e da Astrologia estão intimamente ligados. As representações do céu são um produto das observações do homem e construções do seu pensamento. De certo modo, o céu era encarado como um espelho da Terra e também da imaginação e crenças dos homens, os nomes dados às constelações eram tanto de divindades como de objectos familiares ou animais – o mundo dos deuses e o mundo dos homens entrecruzavam-se e os seus habitantes partilhavam amores, ódios, intrigas e aventuras.
  • 12. Os registos mais significativos da observação astronómica chegam-nos da Babilónia, no quarto milénio a.C., no entanto o estudo dos céus terá começado muito antes. Os astrónomos babilónios fizeram um registo sistemático dos eclipses, classificaram, de acordo com o seu brilho, as estrelas fixas, os planetas, a Lua e atribuíram números às constelações. Em comparação, a astronomia egípcia é muito menos elaborada, o que se compreende visto esta última ser essencialmente prática e a sua matemática muito mais rudimentar. Um dos avanços técnicos mais impressionantes dos astrónomos babilónios e assírios foi a capacidade de previsão de acontecimentos futuros, a partir de registos de acontecimentos do passado que evidenciavam uma certa periodicidade. Para tal recorriam a uma técnica matemática cuja ferramenta fundamental era uma espécie de progressão aritmética. Podiam prever a data do aparecimento da lua nova, dos eclipses de sol e de lua em qualquer ano futuro. O Hindus aperceberam-se do movimento dos equinócios, que é referido num texto sagrado do século VI a.C., e estudaram-no em pormenor. No século V a.C., o grande astrónomo Hindu Ãryabhata desenvolveu uma teoria dos epiciclos e mencionou a existência de um movimento de rotação da Terra. A China foi também um berço da Astronomia, sendo notáveis os mapas celestes, os registos de eclipses do Sol e da Lua e de outros fenómenos astronómicos, como a explosão de supernovas. A Astronomia dos povos primitivos não limitou a ser um simples registo observacional, procurou também dar resposta a questões mais abstractas – a estrutura e forma do Universo, o lugar e a forma da Terra – que levariam à elaboração daquilo a que nós hoje chamamos modelos cosmológicos. Nos modelos primitivos, o Homem tinha dificuldade em imaginar um mundo desamparado de qualquer suporte e assim a Terra era frequentemente imaginada como uma superfície plana, flutuando sobre as águas. Para os Babilónios tratava-se de um disco plano, para os Chineses de um quadrado, que em ambos os casos tinha os respectivos impérios no centro. 1.3 O desenvolvimento da matemática A matemática desenvolvida pelos Egípcios é considerada rudimentar comparada com a de outras civilizações. Na verdade, para este povo, confinado a uma estreita faixa de
  • 13. terra ao longo do Nilo, era imperativo tirar todo o potencial das cheias do rio sagrado, e o pragmatismo da sua ciência (que na verdade é essencialmente uma tecnologia) é disso um reflexo. Organizar toda uma sociedade segundo os princípios da deusa Maat (verdade, ordem e harmonia) motivou a criação de um saber organizado e rigoroso, que, no caso da Matemática era orientado no sentido de melhor contabilizar os produtos, de registar as trocas de mercadorias, de calcular impostos. A base da sua aritmética era a adição, mas também efectuavam multiplicações, com base em duplicações, e a divisão como operação inversa. Sabiam manejar fracções, extrair raízes quadradas mas dificilmente se pode dizer que fizessem cálculos algébricos. A necessidade de medir as áreas dos campos, para de acordo com elas fixarem as taxas dos impostos, levou-os a desenvolver a geometria. Sabiam calcular áreas de triângulos, paralelogramos e círculos e volumes de diversos sólidos. Já na Mesopotâmia o desenvolvimento da Matemática foi levado mais longe: para além de terem elaborado tabelas numéricas, do uso de operações como a adição, multiplicação e as operações inversas, os habitantes da Mesopotâmia desenvolveram conceitos algébricos. Embora o aspecto simbólico da Álgebra não seja explícito (a representação de números por letras é uma invenção tardia) o aspecto conceptual está presente em colecções de problemas, que se assemelham aos dos manuais dos nossos dias, e que são já exercícios intelectuais e não meras aplicações práticas. Estes desenvolvimentos permitiram-lhes resolver equações do primeiro e segundo graus. A Álgebra é também uma das aquisições da civilização indiana. No âmbito da Geometria, os Babilónios calcularam a área do círculo e suas propriedades, atribuindo a π o valor 3, valor que lhe é também atribuído pelos Chineses; o valor de 3,1416 é obtido pela primeira vez na Índia. Os Hindus foram além disso os primeiros a apresentar tabelas de senos. O grau de desenvolvimento da Matemática reflecte-se nos sistemas de pesos e medidas criados pelas diferentes civilizações. Por exemplo, os Egípcios tinham um sistema essencialmente empírico, mas pouco consistente; já os Babilónios possuíam sistemas com carácter mais sistemático, incluindo métodos de converter umas unidades nas outras, o que manifesta a coerência da sua matemática.
  • 14. 1. 4 Os calendários e os relógios A elaboração dos primeiros calendários, apesar dos erros e das inconsistências que hoje lhe reconhecemos, não foi de modo algum um feito menor, antes representa uma forma primitiva de fazer ciência, que implicou anos de observação astronómica sistemática. A Lua, com a regularidade das suas fases, parecia ser um relógio perfeito para as comunidades primitivas, no entanto, esta regularidade escondia uma armadilha, visto que o calendário lunar estava desfasado do calendário solar. Assim, os Babilónios, que estabeleceram o mês lunar como o intervalo entre duas luas novas sucessivas, tiveram que recorrer ao truque de intercalar um mês de uns tantos em tantos anos para remediar esse problema. Os Egípcios, por seu turno, adoptaram um calendário solar, mais adaptado aos ciclos da vida e à sucessão das estações do ano, dividindo o ano em três estações, cada uma com quatro meses: Inundação (época das cheias), Inverno (o período em que as lamas aluviais saiam do leito do Nilo) e Verão (o período seco). Outros povos, noutras regiões do mundo, elaboraram os seus próprios calendários, como foi o caso dos Maias e dos Aztecas. Para além da divisão do ano em meses e dos meses em dias, era necessário dividir o próprio dia, assim os relógios, que mais tarde se haviam de tornar de objectos utilitários em instrumentos científicos, surgiram muito cedo. Os mais primitivos terão sido os relógios de sombra, baseados no comprimento da sombra projectada por uma vara (gnómon), já conhecido dos Egípcios e utilizado pelos Mesopotâmicos e por outros povos. Os relógios de água, que os Gregos denominavam clepsidra, tinham a vantagem de poderem ser usados de dia e dia noite. Um tipo de relógio desenvolvido na Mesopotâmia era uma semiesfera oca, onde um pêndulo suspenso sobre o eixo da cavidade desenhava nas paredes a trajectória do sol. Os navegantes, os mercadores foram responsáveis por uma certa difusão do conhecimento. Mas era necessária uma civilização com uma tradição de pensamento que lhes permitisse receber o melhor das diferentes culturas e levá-lo a um expoente maior.
  • 15. 2. Teorias do Movimento e da Matéria na Antiga Grécia 2.1 Os fundamentos da Astronomia O estudo da evolução das teorias cosmológicas é particularmente elucidativo do modo como se forma e evolui uma teoria científica, da sua relação com a actividade intelectual e social de uma época, dos critérios que determinam a implantação dessa mesma teoria. Este estudo ajudar-nos-á a entender melhor a natureza da Ciência. Embora outras civilizações, em séculos anteriores e noutras partes do mundo, tenham reunido um conjunto significativo de conhecimentos matemáticos e astronómicos, como acabámos de referir, foram os pensadores gregos quem mais decididamente contribuiu para uma sistematização do conhecimento científico. Herdeiros das tradições científicas das civilizações que se desenvolveram no Egipto, na Mesopotâmia e na Índia, os Gregos conseguiram articular as suas representações do universo e do homem num todo coerente e globalizante, que se constituiu naquilo a que os historiadores da ciência denominam um paradigma científico. Os Gregos eram excelentes matemáticos e observadores. Entre os factos mais relevantes que serviram de base ao desenvolvimento da astronomia grega, referem-se os seguintes: — A Terra e os planetas são esferas. A ideia de que a Terra é esférica e não plana e que está suspensa no cosmos, sem qualquer suporte, foi introduzida por Anaximandro, no século VI a.C., e representa um progresso em relação a concepções anteriores. Por exemplo, Tales de Mileto considerava que a Terra era um disco circular flutuando sobre a água, o elemento primordial. As ideias de Anaximandro foram retomadas pela Escola Pitagórica nos finais do Século VI a.C. e também pelos atomistas. — As estrelas "fixas" e a Via Láctea pareciam mover-se no céu, como se estivessem "coladas" numa esfera invisível, que girava em torno de um eixo passando pelo centro da Terra e fixo num ponto do céu (o chamado "Pólo Norte Celeste"). Esse movimento (movimento diurno) tinha um período de 24h.
  • 16. — O Sol, embora partilhasse com as outras estrelas o movimento W-E, tinha também um movimento N-S, que fazia com que em diferentes épocas do ano a sua distância relativamente à Terra variasse (solstícios e equinócios). — Para além das estrelas fixas e do Sol havia outras "estrelas" com movimentos irregulares. Essas "estrelas" foram denominadas planetas (do grego − errante) e a descrição do seu movimento constituiu durante séculos um enigma para o génio dos Gregos. 2.2 O problema de Platão O problema do movimento dos planetas foi equacionado por Platão (427-347 a.C.) na seguinte forma: — As estrelas são seres divinos, imutáveis e perfeitos, movem-se em torno da Terra com um movimento perfeito. Um movimento perfeito é aquele que não é sujeito a mudança nem tem princípio nem fim, isto é, um movimento circular e uniforme. Sendo os planetas também corpos celestes, eles deveriam ter realmente esse tipo de movimento. Platão deixou então aos seus discípulos a tarefa de resolver este problema: encontrar uma combinação de círculos que reproduzisse o movimento, apenas aparentemente irregular, dos planetas. Este problema ficou conhecido como o problema de Platão e dominou o pensamento científico durante toda a Antiguidade Clássica e Idade Média. Este exemplo ilustra de forma clara o modo de pensar dos Gregos e a sua forma de construir o saber científico, que podemos sistematizar da seguinte forma: — Com base em observações preliminares, formulavam uma teoria que estivesse satisfatoriamente de acordo com a realidade observada, com os meios disponíveis na época. Uma teoria física era, pois, construída com base em fenómenos observáveis e exprimia-se na linguagem do número e da geometria. — Uma teoria física só fazia sentido no contexto de uma hipótese metafísica existente
  • 17. à priori. Assim, apareciam reunidos num mesmo esquema conceptual elementos que hoje nós distinguimos como científicos, poéticos, teológicos e éticos. O saber na Antiga Grécia era, como já referimos, um todo coerente e globalizante. Assim, por exemplo, pôr em causa a ideia de que os corpos celestes tinham um movimento circular era também questionar o pressuposto metafísico da perfeição dos corpos celestes, defender que podia haver objectos que viessem do mundo sublunar para o supra-lunar, e vice-versa, era fatal para o pressuposto incomunicabilidade entre os dois mundos. Estes exemplos mostram que não podemos apreciar a ciência grega à luz da ciência actual, temos que a entender no seu contexto próprio. Para além da enorme influência que exerceu na ciência ocidental, há que referir também a sua grande utilidade prática na época. 2.3 O sistema aristotélico Vamos encontrar no pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.) algumas das características mencionadas anteriormente. O universo, para Aristóteles, estava dividido em dois mundos: o mundo sublunar, sujeito à corrupção e à mudança, e o mundo supra-lunar, perfeito e imutável. Como poderemos verificar, o sistema aristotélico englobava uma teoria do movimento (dos corpos celestes e dos corpos à superfície da Terra) e uma teoria da estrutura da matéria. No mundo sublunar todos os corpos eram constituídos a partir de quatro elementos: a Terra a Água, o Ar e o Fogo. Os fenómenos observados eram explicados a partir da constituição dos diferentes corpos nestes elementos. Era nesta base que assentava, por exemplo, a teoria do movimento local. Na verdade, cada um dos quatro elementos tinha o seu lugar natural de repouso, que desejava e procurava sempre alcançar. O lugar natural de repouso do elemento de Terra era o mais baixo, junto do centro da Terra. Seguiam-se, em ordem ascendente, os lugares naturais de repouso dos outros elementos. O movimento natural dos corpos era, por conseguinte, vertical e determinado pelo desejo dos corpos de encontrar o seu lugar natural. A teoria aristotélica do mundo sublunar assentava ainda na existência de quatro qualidades: o Seco, o Frio, o Quente e o Húmido. A Terra possuía a combinação de qualidades de seco e frio, a Água a de
  • 18. frio--húmido, o Ar a de húmido e quente, o Fogo a de quente e seco. A matéria era contínua e a natureza tinha “horror ao vazio”. Quanto ao mundo supra-lunar, neste tudo era constituído a partir de um único elemento o Éter (ou quinta essência), que é incorruptível e perfeito e tem, por consequência, um movimento perfeito, sem princípio nem fim e sem ser sujeito a mudança – o movimento circular e uniforme. A Terra está no centro do universo, imóvel. Todos os sete corpos celestes, o Sol e os seis planetas então conhecidos, giravam em torno da Terra, no interior de esferas concêntricas, mergulhadas no Éter. A rodear todo o universo está a esfera celeste onde estão as estrelas fixas. Para além desta está uma entidade divina, que lhe imprime um primeiro movimento de rotação. A esfera celeste transmite esse movimento às outras esferas onde estão os planetas, devido à fricção através do Éter. Naturalmente, havia factos que não tinham explicação no contexto desta teoria: um sistema de esferas concêntricas não permitia, por exemplo, explicar porque é que o Sol, a Lua e os outros planetas pareciam mais brilhantes em certas épocas do ano ou porque é que o movimento do Sol parecia mais rápido no Verão do que no Inverno. Este modelo geocêntrico foi posteriormente modificado, de modo a poder acomodar, tanto quanto possível, os dados da observação. Os modelos alternativos não foram levados a sério. É de notar que Aristóteles foi o herdeiro de uma tradição de pensamento que levou a um expoente maior, na medida em que construiu uma teoria global e coerente do universo. Nela incorporou alguns dos saberes dos seus antecessores e eliminou outros. Por exemplo, a ideia de uma Terra móvel, que pode não ser o centro do universo, foi rejeitada por este filósofo. No entanto, no século V a.C., Filolaus tinha apresentado o embrião de um modelo não geocêntrico: o centro do universo seria ocupado por um fogo central, em torno do qual giravam nove corpos celestes. Aristóteles rejeita também a concepção atomista da descontinuidade da matéria e da existência de vazio e retoma a Teoria dos Quatro Elementos, desenvolvida por Empédocles. 2.4 A teoria aristotélica do movimento local Do sistema aristotélico decorria também, como já vimos, uma teoria para o movimento dos corpos à superfície da Terra. Vejamos agora, com mais pormenor, em que consistia essa teoria e como evoluiu.
  • 19. Do pressuposto de que todos os objectos do mundo sublunar eram constituídos a partir dos quatro elementos – Terra, Água, Ar e Fogo – cada um com o seu lugar natural de repouso, resultava que o movimento natural dos corpos só podia ser determinado pela sua composição. Um corpo constituído à base do elemento Terra cairia muito rapidamente, ao passo que outro objecto com as mesmas dimensões mas mais poroso cairia mais lentamente, pois já teria na sua composição uma percentagem mais elevada do elemento Ar. Os objectos, largados da mesma altura, não cairiam ao mesmo tempo, mas cairiam tanto mais depressa quanto mais pesados fossem. Uma chama subia porque o lugar natural do Fogo era o mais elevado. Da mesma forma, o vapor de água subia porque, pelo aquecimento, tinha sido introduzido na água o elemento Fogo. Claro que se admitia que haveria outros factores influenciando o movimento dos objectos, como, por exemplo, a resistência do ar, a forma e até a cor e a temperatura. Como a abordagem da realidade de Aristóteles era essencialmente qualitativa, não era possível ter uma ideia precisa da importância destes factores. No entanto, sabe-se que Aristóteles pensava que o movimento de queda não era uniforme (à medida que se aproximava do solo, a sua "casa", o corpo acelerava, tal como um cavalo corre mais depressa quando se avizinha do estábulo). Todo o tipo de movimentos não naturais tinha que ser explicado de outra forma. Admitia-se, então que esses movimentos só podiam ter lugar na presença contínua de uma força (embora o conceito de força não fosse aquele que nós temos hoje). A esses movimentos chamava-se forçados ou violentos. Eram movimentos contrários às inclinações naturais dos objectos. Se um corpo tinha um movimento não natural, como for exemplo o movimento de um corpo num plano horizontal, que é puxado por alguém, isso devia-se ao facto de uma força actuar sobre ele, na direcção do movimento. Quando o corpo parava era porque a força tinha deixado de actuar. Esta é a explicação do senso comum para situações que podemos observar no quotidiano. Na verdade, nós sabemos que o objecto parou devido a uma força, a força de atrito; se não houvesse atrito o corpo passava a ter movimento uniforme e rectilíneo e nunca parava. Mas a noção do papel de forças "invisíveis", como o atrito, é contra- intuitiva e difícil de aceitar, tal como a lei da inércia.
  • 20. Havia problemas mais complicados, como, por exemplo, explicar porque é que uma seta se move no ar seguindo uma trajectória típica de um movimento não natural, pois nesse caso não era visível a presença de qualquer força. Aristóteles explicava que a seta se movia "empurrada pelo próprio ar": a seta, ao avançar, empurrava ar à sua frente e deixava o vazio atrás de si. Como a natureza tinha horror ao vazio, o ar de trás vinha imediatamente preencher esse espaço, impelindo a seta para a frente. Na Idade Média, desenvolveu-se uma correcção à teoria aristotélica do movimento − a Teoria do Ímpeto. Esta teoria, que teve o seu embrião em Alexandria, explicava que quando um motor punha um móvel em movimento lhe comunicava um ímpeto que o móvel transportava consigo até que aquele se consumia, na competição com as tendências naturais de movimento do corpo. Quando o ímpeto se gastava, o corpo ficava então sujeito ao movimento natural. Com base nesta teoria explicava-se, se bem que grosseiramente, a trajectória de um projéctil. Estas ideias sobre movimento só são postas em causa mais tarde com Galileu, como teremos ocasião de estudar. Resumo: Aristóteles foi o herdeiro de toda uma tradição de saber. Embora alguns elementos incorporados no seu sistema filosófico tenham sido, na verdade, desenvolvidos por outros pensadores, em particular pelos pitagóricos, Aristóteles tem o grande mérito de criar, de desenvolver e organizar elementos de conhecimento em diferentes áreas num todo coerente. A harmonia deste sistema implicou, por seu turno, o negligenciar de dados da observação e representou, nalguns aspectos, um retrocesso em relação a alguns dos seus antecessores. Este sistema, como grande síntese do conhecimento que é, fornece ferramentas para explorar a realidade e vai condicionar a evolução do conhecimento durante bastante tempo. Para finalizar, destaquemos algumas ideias centrais, que foram transmitidas às gerações seguintes: — O universo aristotélico é um universo fechado e hierarquizado, limitado no espaço mas não no tempo, porque não pode ser criado nem destruído. — A Terra está imóvel no centro do universo.
  • 21. — No mundo supra lunar os objectos são divinos e movem-se com movimento circular e uniforme. — No mundo sublunar, os objectos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são e todo o movimento não natural pressupõe a presença contínua de uma força. — Há, por conseguinte, um divórcio entre a mecânica celeste e a mecânica terrestre. Os objectos celestes tornam-se, por conseguinte, inacessíveis aos homens. — O sistema aristotélico teve inicialmente as virtudes e defeitos de qualquer teoria científica, cuja validade é sempre limitada a um determinado contexto e que acabará por ser corrigida ou substituída por outra melhor. No entanto, este sistema vai adquirir uma grande rigidez, sobretudo na Idade Média, quando S. Tomás de Aquino o reorganiza em consonância com os dogmas da Igreja Católica. Acabou por se tornar num obstáculo ao desenvolvimento da ciência em geral e da Astronomia em particular, na medida em que desencorajava os homens de explorar os movimentos dos corpos celestes e de procurar neles traços comuns aos dos movimentos dos corpos terrestres.
  • 22. 3. A Ciência em Alexandria 3.1 A Escola de Alexandria Após a morte de Alexandre Magno (325 a. C.), o seu império fragmentou-se. O Egipto passou a ser governado um dos seis generais do imperador, Ptolemeu, que inaugurou uma dinastia que durou mais de trezentos anos. Os membros dessa dinastia estabeleceram uma tradição do saber. O segundo Ptolemeu fundou o Museu e a Biblioteca de Alexandria. O centro cultural e científico do mundo antigo deslocou-se de Atenas para Alexandria, homens de saber ilustres acorriam à metrópole e eram subsidiados pelos governantes ptolemaicos. Assim nasceu uma escola que se manteve activa durante cinco séculos (ca.300 a. C. − 200 d.C.). Por volta do ano 100 a.C., começou a enfraquecer e, no ano 200 a.C., entrou em rápido declínio. De entre os nomes ligados à escola de Alexandria, destacam-se: Eratóstenes (que fez a primeira estimativa do raio da Terra), Apolónio de Perga e Hiparco de Rodes, que conceberam as primeiras alterações ao modelo geocêntrico (preparando, assim, o caminho ao astrónomo e geógrafo Ptolemeu), Aristarco de Samos, autor da teoria heliocêntrica mais bem fundamentada da Antiguidade, Euclides, Ptolemeu e Herão. Outros nomes a destacar nesta época são os de Arquimedes e Galeno, que, embora tivessem uma ligação mais indirecta com a escola de Alexandria, eram, no entanto, seus discípulos e partilhavam o mesmo espírito dos sábios desta metrópole. É característico da Ciência de Alexandria o desenvolvimento do conhecimento por especialidades, contrariamente ao que se passava com a cultura ateniense. Assim, o divórcio entre Ciência e Filosofia, que vamos encontrar mais tarde no século XVII, teve precursores neste período. Nos primeiros tempos da Escola de Alexandria, a Matemática tinha um papel proeminente. Um dos primeiros membros da Academia foi Euclides (330 a.C.-260 a.C.). Educado em Atenas por um discípulo de Platão, foi o autor dos famosos Elementos de Geometria, talvez o livro mais estudado depois da Bíblia. Importa ainda referir Herão de Alexandria, que inventou diversos engenhos mecânicos, alguns dos quais simples brinquedos, outros de utilidade prática. Entre os seus inventos deve referir-se um que funciona segundo o mesmo princípio da máquina a vapor.
  • 23. 3.2 Arquimedes e as origens da Mecânica Arquimedes de Siracusa (287-212 d.C.) foi o maior matemático da Antiguidade. O seu trabalho foi tão importante que influenciou diversos domínios da actividade intelectual. Apesar do seu empenhamento na ciência pura, procurava também aplicá-la em engenhos práticos. Basta mencionar o célebre parafuso de Arquimedes, um engenho para tirar água1 , e o seu empenhamento na construção de máquinas de guerra para ajudar a defender a sua cidade natal dos romanos. A célebre história do Princípio de Arquimedes, mostra a forma como Arquimedes põe em jogo experiência, intuição e conhecimentos matemáticos. A sua obra Sobre os Corpos que Flutuam é o primeiro registo conhecido do conceito de "peso específico". É bem conhecido também o trabalho de Arquimedes sobre o mecanismo das alavancas. Construiu também um planetário — uma esfera celeste com modelos para o Sol, a Lua, as estrelas. No domínio da Matemática, salienta-se o seu método de medir áreas de superfícies planas e curvas. Infelizmente, as obras de Arquimedes estiveram perdidas para o mundo ocidental durante séculos, só tendo sido descobertas no século XVI. De outra forma o pensamento científico na Idade Média poderia ter sido diferente. Sabe-se que Arquimedes influenciou muito o jovem Galileu e o inspirou no início dos seus trabalhos. 3.3 A determinação de grandezas astronómicas A determinação dos valores de grandezas astronómicas assume grande importância, não só para os aspectos específicos com que estão relacionadas, mas também pela alteração das concepções que o Homem faz das dimensões do universo e do lugar que nele ocupa. A estimativa dos valores de grandezas astronómicas é um dos legados importantes da ciência helenística e a obra de Aristarco de Samos (século III a.C.), Sobre as dimensões e distâncias do Sol e da Lua, é um contributo significativo neste campo. Aristarco foi o autor da primeira tentativa científica de estimar as distâncias relativas do Sol e da Lua e as distâncias destes astros à Terra, bem como os diâmetros destes astros. Antes de Aristarco haviam sido feitas estimativas para valores de grandezas astronómicas, baseadas na especulação. O grande mérito de Aristarco de Samos foi o de estimar essas 1 Inventado por Arquimedes, durante uma visita ao Egipto, para facilitar o trabalho de elevar a água do Nilo, segundo uns; com o fim de extrair água de um navio alagado, segundo outros.
  • 24. grandezas a partir da observação e da aplicação da geometria. Por exemplo, Eudóxio, baseado nos intervalos musicais dos Pitagóricos, estimou que o diâmetro do Sol era nove vezes o diâmetro da Lua, e Fídias, pai de Arquimedes, concluiu que era doze vezes maior, enquanto Aristarco apresenta o valor de dezanove (o valor actual é cerca de quatrocentos)2 . No século I d.C., Hiparco de Rodes, usando um método baseado no de Aristarco, obteve um valor para a distância Terra-Lua já bastante próximo do actual. Importa ainda referir que a primeira tentativa de determinação do raio da Terra foi feita no século III a.C. por Eratóstenes, conduzindo a um valor de ≅ 6.400 km (valor actual: 6.378 km). 3.4 A teoria heliocêntrica de Aristarco de Samos Como vimos na secção anterior, o modelo geocêntrico de Aristóteles deixava muitas questões em aberto. A procura de uma resposta para as questões atrás enunciadas levou a que nos séculos seguintes surgissem novas teorias ou que fossem introduzidas alterações na antiga. São os homens da Escola de Alexandria que vão retomar este problema e encontrar soluções diferentes, de que passaremos a falar. Alguns pensadores gregos conceberam a ideia de uma Terra móvel, como por exemplo Filolaus e Anaxágoras, da escola pitagórica (veja-se, nomeadamente, as referências de Copérnico no prefácio da sua obra). A teoria heliocêntrica primitiva mais conhecida (talvez por ser a mais bem fundamentada) foi proposta no século III a.C. por Aristarco de Samos (310-230 a C.). Aristarco defendia que o Sol ocupava o centro do universo e que era a Terra, bem como os outros planetas, que giravam em volta deste. Se bem que esta teoria tivesse a vantagem de fornecer uma explicação para o facto de a distância dos planetas relativamente à Terra variar, ela não foi aceite pelo Mundo Antigo. As razões que terão motivado essa recusa foram, por um lado, o facto de a teoria ir contra os pressupostos filosóficos da teoria geocêntrica e, por outro, o de ir contra as evidências e intuições do senso comum. Além disso, Aristarco não apresentou bases quantitativas suficientes para 2 Os valores das grandezas astronómicas obtidos por Aristarco, em unidades do diâmetro da Terra, comparados com os valores actuais, são os seguintes (os valores actuais são indicados entre parêntesis): diâmetro da Lua: 0,36 (0,27); diâmetro do Sol: 6,75 (108,9); distância da Terra à Lua: 9,5 (30,2); distância da Terra ao Sol: 180 (1176). Distância da Terra à Lua obtida por Hiparco: 29.5, em unidades do diâmetro da Terra. (in History of Science - Ancient and Medieval Science, Ed. René Taton, Basic Books, Inc, New York, 1963.)
  • 25. fundamentar as suas ideias e a sua explicação para a não observação do paralaxe das estrelas não convenceu os seus contemporâneos. No entanto, o modelo de Aristarco não se baseou na simples especulação. Os erros observacionais deste astrónomo na determinação dos valores de grandezas astronómicas, compreensíveis na época, levaram-no, como vimos, a fazer algumas estimativas grosseiras, face aos valores actuais. Uma explicação aventada para esses erros é a de que as determinações teriam sido feitas durante a juventude de Aristarco, numa altura em que este ainda acreditava no modelo geocêntrico. No entanto, os cálculos deste astrónomo revestiram-se de grande importância, pois através deles apercebeu-se de alguns factos bastante relevantes. Em particular, concluiu que, sendo a Lua mais pequena do que a Terra, esta última era muitíssimo mais pequena do que o Sol. É provável que esta observação tenha desempenhado um papel importante na sua construção de uma teoria heliocêntrica: parecia improvável que um corpo tão grande (tão pesado?) orbitasse em torno de um tão pequeno. Por outro lado, as suas estimativas levaram-no a imaginar, correctamente, um universo de dimensões muito maiores do que o que se acreditava na época. Assim, as estrelas fixas estariam muito longe da Terra, o que explicaria a aparente ausência de paralaxe. De facto, o paralaxe das estrelas é tão pequeno que, mesmo com telescópio, só foi observado pela primeira vez em 1838. Todavia, os seus contemporâneos imaginavam um universo muito mais familiar e próximo. Imaginemos como seria perturbador para o homem desse tempo pensar que não estava no centro do universo, que não assentava os seus pés sobre um terreno fixo, mas que andava à deriva num universo imenso e desconhecido. As teorias geocêntricas continuaram, pois, durante séculos, a ser parte integrante do paradigma científico. 3.5 Ptolemeu e o modelo geocêntrico Ptolemeu de Alexandria realizou, no século II d.C., a grande síntese astronómica e geográfica do mundo antigo. Para além disso, teve também uma contribuição importante no domínio da Óptica. Concluiu, por exemplo, que a luz das estrelas é refractada ao entrar na atmosfera terrestre.
  • 26. O expoente máximo dos esforços no sentido de aperfeiçoar o modelo aristotélico é atingido na Teoria Geocêntrica de Ptolemeu. Alguns dos seus antecessores, como Apolónio de Perga e o grande astrónomo Hiparco de Rodes, deram significativas contribuições nesse sentido, nomeadamente sugerindo movimentos epicicloidais e excêntricos. As principais modificações introduzidas no modelo aristotélico foram as seguintes: i) Movimento excêntrico – a Terra, estacionária, não estava exactamente no centro de rotação das esferas, o que fornecia uma explicação para o facto de o Sol parecer mais ou menos afastado da Terra nas diferentes épocas do ano. ii) Movimento epicicloidal – O Sol e os planetas podiam ter dois tipos de movimentos circulares: um movimento em torno da Terra (ou de um outro ponto se o movimento fosse excêntrico) e outro movimento circular em torno de um ponto da primeira órbita circular. Seria, portanto, uma combinação mais ou menos complicada de movimentos circulares uniformes que iria reproduzir o movimento aparentemente irregular dos planetas. Tratava-se, pois, de uma resolução do velho problema de Platão. iii) A equante – As hipóteses anteriores não eram suficientes para resolver todos os problemas, nomeadamente o facto de o Sol parecer descrever um movimento mais rápido no Verão do que no Inverno. Ptolemeu pôs a hipótese de que certos astros pudessem ter um movimento circular relativamente a um ponto (o centro do círculo) mas esse movimento só seria uniforme relativamente a um outro ponto, que não coincidia com o primeiro e que foi denominado equante. Para descrever o movimento de alguns astros, bastava uma hipótese ou a combinação de duas, mas para outros era necessário a combinação das três. Esta teoria obrigava a cálculos extremamente complicados. No entanto, teve tal sucesso que 14 séculos depois ainda era usada em cálculos de astronomia, astrologia e navegação. As razões para este sucesso eram de peso: — A teoria descrevia satisfatoriamente fenómenos que podiam ser estudados com instrumentos da época; — previa as trajectórias dos planetas; — explicava porque é que não se observava paralaxe das estrelas fixas; — harmonizava-se com os pressupostos filosóficos do sistema global; — era evidente do ponto de vista do senso comum.
  • 27. O sistema ptolemaico veio a ser introduzido na Europa pelos Árabes através da tradução da mais importante obra de Ptolemeu, que ficou conhecida como Almagesto. No início do século XII, foram descobertos na Europa manuscritos de Aristóteles. No século seguinte, S. Tomás de Aquino aglutinou numa única teoria elementos do pensamento aristotélico e da doutrina cristã, como já referimos. Esta teoria integrou um paradigma científico, que, tendo sido já questionado no final da Idade Média, só foi seriamente posto em causa a partir do Renascimento.
  • 28. 4. O Saber na Idade Média 4.1 Introdução Com a queda do Império Romano do Ocidente (447 d. C.), dá-se um eclipse da filosofia e da ciência, que tinham florescido em torno das metrópoles de Atenas e Alexandria. A Idade Média (que podemos situar dentro do período que vai aproximadamente do inicio do século V a meados do século XV 3 ) não é uma era criativa do ponto de vista conceptual. No entanto não deve aceitar-se linearmente a ideia de que se trata apenas de um período de trevas e obscurantismo4 Alguns historiadores costumam distinguir na Idade Média dois períodos. No primeiro período (Séculos V-XII) predomina a influência de Platão; no segundo, que vai até ao final da Idade Média, a de Aristóteles (que chegou à Europa através dos Árabes). A influência deste último é responsável pela revitalização da actividade intelectual através do ressurgimento da preocupação com a observação da natureza, muito característica da filosofia escolástica. No entanto, outros historiadores, considerando que esta divisão cobre um intervalo de tempo demasiado vasto, fazem uma subdivisão nestes dois períodos. Assim, teríamos o período que vai século V ao final do século X, também chamado a Idade Negra, onde a actividade intelectual é diminuta e se situa no âmbito da preservação e compilação do saber. Os séculos XI e XII caracterizam-se por uma grande abertura intelectual, sobretudo devido ao contacto com a cultura árabe. O século XIII é o grande século da Idade Média, onde a filosofia escolástica atinge o seu apogeu e se dá grande impulso à criação de universidades. Finalmente os últimos anos assistem ao declínio da filosofia escolástica, à inovação tecnológica e ao grande impulso das viagens de exploração marítima. 3 O final da Idade Média costuma ser estabelecido como o ano de 1453, ano da tomada de Constantinopla pelos Turcos. 4 Já desde há várias décadas que a atitude dos historiadores da ciência face à Idade Média se tem transformado bastante. A propósito desta questão, recomenda-se a leitura do trabalho de A. Koyré "Do Mundo do mais ou menos ao Universo da Precisão" (in Galileu e Platão , A. Koyré, ed. Gradiva).
  • 29. 4.2 A compilação do saber nos primeiros séculos da Idade Média Da ciência e filosofia gregas, chegaram até esta época obras de Platão, com relevo para o Timeu, e algumas obras de Aristóteles sobre Lógica e Retórica. Infelizmente, as obras de Aristóteles mais relevantes do ponto de vista científico estiveram perdidas para o mundo ocidental durante séculos, caso contrário o pensamento medieval poderia ter seguido um rumo diferente. Compilar o saber existente em diferentes áreas parece ter sido a grande preocupação dos homens deste tempo. Essa preocupação manifestou-se através da escrita de enciclopédias e da actividade de tradução. Boécio (480-524), um dos mais conhecidos tradutores de Aristóteles, conseguiu ainda compilar alguns elementos da Matemática e Geometria gregas. Marciano Capela (~500) elaborou uma enciclopédia com elementos de Geometria, Retórica, Gramática, Aritmética, Astronomia e Música. A História Natural de Plínio constitui o elemento básico para o saber médico. De entre os homens de saber importantes desta época podemos distinguir: S. Jerónimo (340-420); Sto. Agostinho (354-430) e, mais tarde, Sto Isidoro de Sevilha (569-630) e o Papa Silvestre II, no século X. Nos primeiros séculos da Idade Média era corrente uma atitude de desconfiança em relação à Astronomia, o estudo das estrelas podia ser indício de indiferença por Deus, que estava acima das mesmas. Por exemplo, Sto. Agostinho refere-se "...a esses impostores matemáticos (astrólogos) que não usam o sacrifício, a prece e cujas artes a verdadeira piedade cristã rejeita e condena". Mas, à medida que o tempo passa vamos assistindo a uma atitude progressivamente mais aberta em relação ao saber. Por exemplo, Sto. Isidoro de Sevilha (que reuniu na sua enciclopédia, Etimologias, a parte mais substancial do saber medieval da época) distingue entre uma astronomia "natural" e uma "supersticiosa" aceitando criticamente algumas das conclusões da primeira (que nós hoje classificaríamos como mais científicas5 ). A figura mais interessante deste período é o Papa Silvestre II. Entre as suas contribuições para o desenvolvimento da actividade intelectual do seu tempo, conta-se a reintrodução do ábaco e da esfera armilar na Europa, provavelmente devido ao seu contacto e conhecimento da ciência árabe, da qual terá recebido uma profunda influência. De facto o monge Gerbert d'Aurillac, que mais tarde viria a ser o Papa Silvestre II, estudou 5 Sto. Isidoro era bispo de Sevilha, onde teve grande contacto com a cultura árabe. Após a tomada de Sevilha pelos Árabes, foi viver para a cidade de Léon, no Norte da Península, onde continuou a desenvolver a sua actividade intelectual e a disseminar os seus conhecimentos.
  • 30. matemática, astronomia, a numeração árabe, em Espanha, nas proximidades de Barcelona, onde se fazia sentir fortemente a influência da cultura árabe. 4.3 A ciência no Oriente Contrariamente ao que se passava no Ocidente, o mundo árabe teve desde cedo um maior contacto com o legado intelectual dos pensadores da Antiguidade. A partir do ano 800 d. C. dá-se no Islão um verdadeiro renascimento intelectual, que só vai acontecer na Europa por volta do ano 1200 d.C. Essa actividade tem como ponto de partida a cultura dos Gregos, cujas obras passam a ser intensivamente traduzidas. Importa referir o nome do filósofo árabe Ibn Ishaq Honaim (809-877), que traduziu as obras mais importantes de Aristóteles, as obras de Galeno e principiou a tradução do Almagesto de Ptolemeu. Para além dessa importante actividade de tradução dos clássicos, os Árabes tiveram contribuições próprias de relevo para a ciência, nomeadamente no domínio da Matemática e Astronomia, Alquimia, Física e Medicina. Sem a preocupação de sermos exaustivos, podemos citar alguns nomes: Rhazes (865-925), que se distinguiu na Alquimia e na Medicina; Avicena (980-1037), na filosofia, medicina e química; Al- Kwarizmi (≈ 850), natural da Pérsia, publica em árabe duas obras importantes, Aritmética e Álgebra; Alhazem (965-1038), que se distingue sobretudo no domínio da Óptica; Averrois (1126-98), o mais importante filósofo árabe da Península Ibérica, nascido em Córdova, que comentou as obras de Aristóteles e influenciou profundamente o pensamento ocidental. Lembremos que, até ao final do século X, a Península Ibérica era praticamente dominada pelos Árabes, com excepção de alguns reinos ao Norte. A sua permanência no Sul da Europa constituiu um importante factor de progresso e ajudou ao despertar da actividade intelectual. 4.4 A influência árabe e a filosofia escolástica A partir do século XI, assiste-se ao começo de uma certa abertura intelectual na Europa Este facto tem a sua raiz na influência dos Árabes, que, como já vimos, tiveram acesso à cultura grega muito mais cedo do que os europeus. No século XIII dá-se um autêntico revitalizar do conhecimento no Ocidente, expresso, por exemplo, no desenvolvimento da escolástica, na criação de universidades6 . A criação das universidades é um reflexo 6 As primeiras universidades a serem criadas foram as de Bolonha (1088) e Oxford (1167); outras se seguiram: Paris (1200), Cambridge (1209), Salamanca (1218), Pádua (1222), Coimbra
  • 31. de uma certa transformação social. As leis feudais tornaram-se mais flexíveis, as cidades cresceram e os burgueses passam a ter mais poder. Começa a surgir uma atitude mais laica face ao saber, embora não anticlerical. O século XIV é um período difícil na Europa. É neste período que se dá a Guerra dos Cem Anos e que surge o flagelo da peste negra, que dizimou uma grande parte da população da Europa e despovoou os mosteiros. As preocupações com o saber teórico cedem lugar ao interesse pelo saber prático. As chamadas “artes úteis”, passam a ter papel de relevo e as universidades perdem importância. Finalmente, no século XV a filosofia escolástica perde terreno e começa a sentir-se o espírito inovador do Renascimento. O século XIII é, por conseguinte, um século de viragem na Idade Média. Um dos homens que vai dar um forte impulso ao reviver do conhecimento é Robert Grosseteste (1175-1253), bispo de Lincolm, que se dedicou ao estudo dos cometas7 e escreveu sobre esse tema, adquiriu muitas obras de autores gregos, convidou gregos para Inglaterra a fim de se familiarizar com o seu idioma e cultura. O seu discípulo Roger Bacon irá escrever uma gramática de grego. Durante este período, o realismo de Aristóteles vai substituir o abstraccionismo e idealismo platónicos. O aristotelismo não foi, no entanto, imediatamente aceite. Houve mesmo um concílio em Paris, em 1209, que o condenou. Estava por fazer a tarefa de aglutinar a doutrina aristotélica com os dogmas da Igreja. No entanto, em 1225, já a Universidade de Paris punha os livros deste autor na lista dos que deviam ser estudados. Anos mais tarde, o dominicano Alberto Magno (1206-80) de Colónia escreveu comentários às obras de Aristóteles, que muito iriam influenciar os seus contemporâneos. O seu aluno mais famoso foi S. Tomás de Aquino (1227-74), que realizou o trabalho de conciliar a doutrina de Aristóteles com a da Igreja. Isto implicou uma reformulação do próprio pensamento religioso. Uma das figuras mais notáveis do Século XIII foi Roger Bacon (1214-94), que muitos consideram como uma das mentes mais científicas da Idade Média. O seu contributo mais importante foi defender que a experiência era a única forma segura de validar o conhecimento. Não era a palavra das autoridades, como Aristóteles, os Árabes ou os padres da Igreja, que podia validar o conhecimento, mas sim a experiência. Apesar de ele próprio não ser um grande experimentador e de os seus trabalhos científicos não (1290), etc. 7 Note-se que os cometas, com a sua aparente irregularidade, eram encarados como objectos misteriosos, portadores de más novas e, consequentemente, a procura de explicações de racionais para a sua existência protagoniza, só por si, uma atitude aberta, própria de uma mente científica.
  • 32. serem muito notáveis (com a excepção, talvez, do seu trabalho em Óptica) ele imaginou e sugeriu muitas aplicações novas para a ciência. Foi o primeiro a falar no uso das lentes para óculos e imaginou a possibilidade de combinações de lentes para construir aparelhos ópticos. Imaginou também, embora de forma um tanto vaga, aplicações da ciência que só muito mais tarde se tornaram uma realidade, como o uso de explosivos, máquinas voadoras, circum-navegação da Terra, propulsão mecânica. Muitos consideram Bacon como um homem demasiado avançado para o seu tempo, outros como um produto natural da filosofia escolástica. Outro nome significativo do século XIII é o do monge francês Pierre de Maricourt (também conhecido por Petrus Pereginus), que efectuou importantes estudos sobre magnetismo, com base na experiência8 . Fig1. Mapa-mundi de Dante As autoridades dominantes no saber passam a ser a Bíblia e Aristóteles, frequentemente designado simplesmente como O Filósofo. No que se refere à cosmologia, o modelo adoptado é o ptolemaico, embora nos últimos anos da Idade Média surjam os primeiros adeptos de um sistema heliocêntrico. Nota-se, como na filosofia grega, uma mistura de elementos que hoje em dia nós distinguimos como científicos e não científicos. Para exemplificar este ponto basta atentarmos nas representações cosmológicas desta época, os chamados "mapa-múndi" (como, por exemplo, o de Dante, que data de 1300, onde figuravam, para além da Terra e dos astros, o paraíso terrestre, o paraíso celeste, o inferno e Jerusalém, pólo de atracção devido às Cruzadas). É de notar que, embora nos últimos três séculos da Idade Média tenha havido um notável florescimento da actividade intelectual, as ideias de Aristóteles vão ser contestadas seriamente apenas num único ponto: o movimento dos projécteis 8 Este tópico será desenvolvido no capítulo 6.
  • 33. (movimento violento). É provável que isso tenha sido motivado em grande parte por interesses práticos. Na verdade, para os construtores das armas de arremesso as ideias aristotélicas sobre os movimentos dos projécteis não deviam ser muito convincentes. Se a explicação de que um corpo tinha um movimento não natural porque era empurrado pelo ar poderia ser razoavelmente satisfatória para o caso de uma seta, o mesmo já não se diria para uma bala de canhão. A necessidade de compreender os movimentos violentos está na base da teoria do ímpeto. A ideia terá sido primeiramente formulada no século V por um filósofo bizantino, João Filipónio (também conhecido por João de Alexandria), que afirmava: "...fica no corpo, depois de se lhe imprimir o movimento, uma certa propriedade motriz, que se conserva durante um certo tempo". Os Árabes pouco se preocuparam com este problema, no entanto conservaram a ideia transmitindo-a a outros povos. No século XIV, Jean Buridan, reitor da Universidade de Paris, retoma a ideia de Filipónio formulando a "Física do Ímpeto". O nome de Benedetti está intimamente associado a esta teoria. Outros tentam aplicar a mesma ideia aos movimentos astronómicos, como Nicolau de Oresmo e Nicolau de Cusa. Há várias representações medievais do movimento dos projécteis. Mais tarde, Leonardo da Vinci (século XV) vai ser o primeiro a representar correctamente a trajectória de um projéctil. Importa ainda referir Leone Batista Alberti (1402-72) que descobriu as leis elementares da perspectiva, sem as quais os artistas do Renascimento dificilmente poderiam ter feito o trabalho que fizeram. 4.5 O declínio da Escolástica A filosofia escolástica desempenhou um papel importante no seu tempo, mas viria a ser posta em causa, começando a declinar, sobretudo no século XV. Entre os seus mais notáveis opositores, conta-se o cardeal Nicolau de Cusa (1401-64). Este filósofo defende que todo o conhecimento humano é mera conjectura e que Deus pode ser apreendido por intuição mística. Faz consideráveis progressos em Matemática e Física e, tal como alguns dos seus contemporâneos, defende o recurso a experiências. Ele próprio recorreu à experiência para provar que o ar tem peso, o que fez registando o peso de uma planta em crescimento. Construiu o primeiro higrómetro e recomendava o uso de relógios de água para medir o tempo de queda dos objectos. Propôs a reforma do calendário e rejeitou o modelo ptolemaico, afirmando que a Terra que se move. Concebeu a ideia de um universo sem limites, indeterminado (mas não infinito, porque infinito só Deus), o que vai claramente contra a visão aristotélico-escolástica de um universo limitado espacialmente. Nicolau de Cusa tem uma visão panteísta de Deus e do
  • 34. Universo. As suas ideias vão influenciar profundamente Giordano Bruno. No seu livro, De docta ignorantia, Nicolau de Cusa refere: Os antigos não chegaram às verdades que ora expusemos porque não atingiram a "douta ignorância". A partir de agora é claro em toda a sua verdade que a Terra se move, ainda que não pareça, porque só somos capazes de compreender o movimento em relação a algo de fixo. Nicolau de Cusa discutiu, a partir do exemplo do observador num navio em movimento uniforme, o velho problema da impossibilidade de identificação do movimento do referencial (ver texto nos Anexos). Apreciaremos melhor a profundidade destas reflexões se nos lembrarmos que o mesmo exemplo e argumentos semelhantes são, mais tarde, utilizados por Galileu na formulação daquilo a que hoje chamamos o Princípio da Relatividade. Quanto à separação entre os dois mundos, supra-lunar e sub-lunar, de natureza diferente e tendo o último um estatuto inferior, Nicolau de Cusa foi uma das primeiras vozes a criticar estas concepções. A Terra não seria menos digna por causa do seu tamanho, pois outras “estrelas”, como Mercúrio, são mais pequenas, nem pelo seu aspecto “sombrio”, visto que estaria rodeada por uma áurea de fogo, que a faria brilhante vista por um observador exterior. Por sua vez, o Sol teria no seu núcleo um corpo sólido ou húmido, não sendo pois de natureza diferente da Terra. Estava aberto o caminho para a unificação destes dois mundos. 4.6 As artes úteis na Idade Média Uma importante contribuição para o progresso intelectual (e social) nesta época foi a inovação tecnológica, que permitiu criar as condições materiais para o eclodir da ciência moderna. Progresso tecnológico e conceptual estão intimamente ligados e vamos encontrar ao longo da história da ciência situações em que o primeiro condicionou o segundo ou vice-versa. Embora muitas invenções medievais só passem a ser usadas sistematicamente pela ciência no século XVII, elas já existiam no final da Idade Média. Entre as chamadas artes úteis importa referir: a bússola e a cartografia, a fabricação de lentes, a imprensa (Gutenberg 1447), a construção de relógios (clepsidras, relógios de água), os processos e aparelhos químicos e alquímicos e a construção de armas de fogo (a primeira arma de fogo surge na Europa em 1337).
  • 35. Repare-se que o desenvolvimento da cartografia e a aplicação da bússola à navegação estão intimamente relacionados com as viagens marítimas, que começaram durante a Idade Média e tiveram grande impulso nos séculos XIV e XV. Encerremos este capítulo sobre o saber medieval com uma citação de Lucien Febvre: Já não falamos hoje em dia da Noite da Idade Média (...) nem do Renascimento, que na postura de arqueiro vencedor lhe dissipou as trevas para sempre (...) E isto porque nos convencemos de que a uma época que tinha tido os arquitectos de envergadura dos que conceberam as nossas grandes basílicas romanas (...); e as nossas grandes catedrais góticas (...) e as poderosas fortalezas dos grandes barões (...), com todos os problemas de geometria, de mecânica, de transporte, de suspensão, de manutenção que tais edifícios acarretam – a uma tal época era irrisório negar, em bloco e sem discriminação, o espírito de observação e de invenção.
  • 36. 5. O Pensamento Científico no Renascimento 5.1 O dealbar de uma nova era do saber Até finais do século XV, não se tinham registado inovações significativas no domínio do pensamento científico, a despeito do progresso tecnológico e intelectual do final da Idade Média. Durante o Renascimento, vão florescer novas ideias e novas atitudes face ao saber, que vão conduzir a uma viragem na tradição cultural e científica do Ocidente. As cidades do Norte de Itália são o berço do Renascimento, um movimento artístico e cultural que progressivamente se vai estender a outras cidades e a toda a Europa. O Renascimento nas Letras e nas Artes é simultâneo, e o espírito renascentista vai alargar- se a outros domínios da actividade intelectual, em particular ao do pensamento científico. A tomada de Constantinopla pelos turcos leva a que muitos homens de saber se desloquem para a Europa, trazendo consigo os tesouros da cultura do Oriente. As cidades italianas eram ricas e poderosas, dispondo assim dos meios para impulsionar o renascimento da actividade intelectual. Os artistas do renascimento vão redescobrir a cultura grega e trilhar novos caminhos. Esses caminhos cruzam-se frequentemente com os da actividade científica. Por exemplo, a pintura e escultura suscitam o estudo da anatomia e revelam um grande sentido de observação da natureza. Neste contexto, Leonardo da Vinci (1452-1519) desempenha um papel fundamental, sendo considerado por muitos como o ponto de viragem para os tempos modernos. O seu espírito criador desdobra-se em diferentes campos. Artista, engenheiro, inventor, cientista, a sua obra tem uma vastidão e riqueza que transcendem a sua própria época. Ela abarca domínios que vão da Matemática à Fisiologia. No domínio da Física, importa referir que é Leonardo o primeiro a representar a trajectória de um projéctil como uma linha contínua, contrariamente ao que era defendido pela Teoria do Ímpeto, e que tem a intuição daquilo que mais tarde será a lei da conservação da energia. Apresentou um modelo de máquina voadora e sugestões para um helicóptero e um pára-quedas; estudou o voo dos pássaros, tendo chegado a conclusões que só recentemente foram ultrapassadas; os seus conhecimentos sobre fisiologia, embriologia e anatomia só foram
  • 37. superados centenas de anos mais tarde. O artista dominava ainda os princípios teóricos da perspectiva. Um contemporâneo ilustre de Leonardo é o pintor alemão Albrecht Dürer (1471- 1528), que, para além da sua obra como artista, fez uma profunda investigação sobre as proporções do corpo humano, observou os hábitos de vida e crescimento de animais e plantas e, para além disso, realizou experiências de óptica, perspectiva e propriedades do som. Outro homem importante desta época é Paracelso (1493-1541) que, veementemente, defendeu uma visão do mundo “à luz da Natureza”. Um dos seus contributos mais notáveis foi a modificação da doutrina aristotélica sobre Alquimia, que havia de inflectir o caminho desta na direcção da Química. A produção de novas tecnologias é típica do século XV e sobretudo do século XVI. Falou-se já, no capítulo anterior, de algumas invenções do século XV, das quais a imprensa é sem dúvida a mais importante. A invenção de novas máquinas, ou o aperfeiçoamento das antigas, vai prosseguir. Em particular, a exploração das minas solicita novos meios, e, simultaneamente, propicia também o estudo dos minerais. George Agricola (1490-1555) era um estudioso de Medicina que se interessou de perto pelo trabalho dos mineiros e que publicou, em 1546, um obra que lançou as bases da mineralogia moderna. O estudo dos metais tem consideráveis progressos, o que leva a que a tecnologia da madeira passe aos poucos a ser substituída pela tecnologia do metal. O florescimento de novas ideias em diferentes domínios gera um ambiente propício à descoberta e à criatividade. É neste contexto que as teorias dos Antigos vão ser seriamente questionadas, culminando, posteriormente, numa nova concepção de Ciência, que implicou uma ruptura, quer quanto a teorias e conceitos, quer quanto aos métodos. Entre as condições que tornaram possível uma tal ruptura, poderemos mencionar:  O esgotamento das teorias de tradição aristotélica na tentativa, cada vez menos conseguida, de enquadrar os dados da observação.
  • 38.  A redescoberta da cultura grega, em particular o legado da civilização da Alexandria (exemplo: as obras de Arquimedes).  A emergência de uma nova classe, a burguesia, cujos interesses práticos exigiam um progresso científico e tecnológico a vários níveis.  Novas condições materiais — nomeadamente o progresso tecnológico, que inclui, por exemplo: a invenção da imprensa (o que implica uma maior circulação do saber); a utilização de máquinas simples, como por exemplo a azenha, grande responsável pelo progresso na segunda metade da Idade Média. — As viagens de exploração marítima, que alargam o conhecimento do Homem sobre si próprio e o mundo, dando-lhe a conhecer novas culturas, novos horizontes e, ao mesmo tempo, exigindo a construção de novos instrumentos. Tudo isto terá dado ao Homem renascentista o gosto da aventura e da descoberta, a confiança em si próprio e a ousadia de questionar a palavra dos mestres, submetendo-a ao teste da experiência. O confronto entre o saber antigo e o saber novo situa-se predominantemente no domínio das concepções de movimento – o movimento dos objectos à superfície da Terra e o movimento dos corpos celestes. Embora a discussão e as diversas contribuições em ambos os domínios estejam interligados, vamos referir-nos a eles separadamente, por uma questão de simplicidade. 5.2 O modelo heliocêntrico de Copérnico Até ao início do século XVI, não se tinham registado progressos significativos no domínio da Astronomia. O sistema ptolemaico continuava a ser aceite, apesar de não conseguir explicar todos os fenómenos observados e de ser extremamente complicado. O Renascimento na Europa, marca, como já se disse, o início de uma nova era tanto do ponto de vista económico-social como do ponto de vista intelectual. É neste contexto que surge a obra de Nicolau Copérnico (1473-1543), monge beneditino, que, na sua obra Seis Livros sobre as Revoluções das Orbes Celestes, propõe um novo modelo planetário. Retomando a ideia de Aristarco de Samos, o modelo de Copérnico pressupõe
  • 39. que é o Sol e não a Terra que ocupa o centro do Universo. O modelo assenta nas seguintes hipóteses:  Não há um centro único para todas as esferas celestes;  A Terra não é o centro em torno do qual giram todos os planetas mas apenas o centro de revolução da esfera da Lua.  A Terra, bem como os outros planetas, gira em volta do Sol. Daí o movimento aparentemente irregular dos planetas, visto da Terra.  O movimento da esfera celeste é aparente, resulta apenas do movimento de rotação da Terra em torno do seu eixo. É esta que tem um movimento de rotação diário, enquanto o céu permanece imóvel. É de notar que Copérnico continuava a aceitar a ideia de uma harmonia universal e de que os corpos celestes tinham movimentos circulares e uniformes (logo perfeitos). O seu ponto de vista era, no entanto, radicalmente oposto ao de Ptolemeu − a Terra deixava de ser "o coração" do Universo. Embora Copérnico tivesse procurado exprimir as suas ideias de forma a não pôr em causa os princípios filosóficos e religiosos da época, que, como sabemos faziam parte integrante do sistema de pensamento global, a sua obra acabou por ser posta no Index e o ensino da sua teoria proibido em muitas escolas. Para além de ir contra os preconceitos epistemológicos da época, havia ainda outras razões que dificultavam a aceitação das ideias de Copérnico. Alguns factos que não eram explicados pelo modelo de Ptolemeu também não o eram pelo de Copérnico. Aparentemente este último não tinha, para além da sua simplicidade e beleza, nenhuma outra vantagem sobre o primeiro. Pensava-se que a teoria, a ser verdadeira, deveria ser confirmada, por exemplo, pela observação da paralaxe estelar, fenómeno que, como já sabemos, não tinha hipótese de ser observado na época. Finalmente, era uma teoria contrária às evidências do senso comum, o que a tornava facilmente impopular.
  • 40. 5.3 As observações astronómicas de Tycho Brahe Tycho Brahe (1546-1601) não só deu um contributo inestimável à catalogação de factos astronómicos, como foi também o criador de uma grande instituição científica. Oriundo de uma família nobre dinamarquesa e dispondo de fortuna pessoal, teve excelentes condições para seguir a sua a paixão pela Astronomia. Os dois famosos observatórios − Uraniborg e Stjerneborg − que construiu na ilha de Hven, posta à sua disposição por concessão régia, tinham não só os melhores instrumentos da época, alguns construídos ou adaptados pelo próprio Tycho, como também uma excelente biblioteca, oficinas para manufactura de instrumentos, um laboratório de química, uma fábrica de papel, uma tipografia e instalações para albergar toda uma comunidade de astrónomos. Os instrumentos em si eram muito simples: tratava-se de compassos, teodolitos, vários tipos de quadrantes, incluindo um grande quadrante mural, relógios mecânicos e ampulhetas. Anos e anos a fio, Tycho Brahe olhou o céu, repetiu observações, combinou os dados de diferentes observações, tendo deixado aos seus sucessores, entre outros contributos importantes, um catálogo minucioso das posições estelares e planetárias, onde apareciam registadas 1000 estrelas. Tycho não se limitou, no entanto, a observar e catalogar os céus. Algumas das suas descobertas de fenómenos novos perturbaram significativamente a comunidade científica da época, visto que desafiavam os dogmas da incorruptibilidade e imutabilidade dos céus. Em 1572, descobriu uma nova estrela na constelação de Cassiopeia, que nunca tinha sido observada até então, mas que era mais brilhante do que Sirius e ficava para além da órbita de Saturno. Tratava-se provavelmente da explosão de uma supernova, mas a sua aparição mostrava que o mundo supralunar era, afinal, sujeito a mudanças, tal como o sublumar. Por outro lado, o seu estudo dos cometas − em 1577 apareceu um grande cometa que Tycho observou sistematicamente − levou-o a concluir que eles podiam atravessar a esfera da Lua, mostrando que era possível a comunicação entre o mundo perfeito e o imperfeito (na época, os cometas eram considerados como fenómenos associados a perturbações da atmosfera terrestre). Estes factos acabaram por levantar sérias dúvidas sobre a validade das ideias dos Antigos: se estavam erradas nestes casos particulares, porque razão haviam de ser infalíveis em tudo o mais? Curiosamente, Tycho Brahe não era um adepto do modelo de Copérnico. A sua grande objecção parece ter sido a não observação de paralaxe estelar. Tycho não conseguiu observá-lo (nem tal era possível, como os meios de que dispunha) mas provavelmente
  • 41. acreditava tanto no rigor das suas observações que não lhe era possível aceitar um facto que não conseguia observar. Elaborou um modelo planetário que era um compromisso entre os dois modelos antagónicos de Ptolemeu e de Copérnico. 5.4 O impacte das ideias de Copérnico O modelo de Copérnico marcou início de uma nova era. As suas repercussões foram muito mais amplas do que o próprio Copérnico terá sonhado e talvez mesmo desejado. Apesar do carácter revolucionário do seu modelo, Copérnico era um conservador e, como ele próprio afirma no prefácio do seu livro, foi a insatisfação relativamente ao modelo ptolemaico, a inconsistência de interpretações entre os seus defensores, o seu grau de complicação, que o levou a propor uma hipótese mais elegante, simples e que melhor se adequava aos fenómenos observados. Na verdade ele procurou preservar, tanto quanto lhe foi possível, os dogmas da teoria aristotélica, como por exemplo o movimento circular e a finitude do universo. Segundo Copérnico: “... nenhum outro motivo me levou a pensar num método diferente de calcular os movimentos das esferas do Universo senão o facto de ter verificado que os matemáticos não estão de acordo consigo próprios na investigação de tais movimentos". Publicado em 1543, no ano da morte do seu autor, a obra As Revoluções das Orbes Celestes (orbes que eram apenas de natureza matemática e não mecânica) foi, de início, bem tolerada pela Igreja, para o que muito terá contribuído a protecção e aprovação de um bispo e de um cardeal e a extrema prudência com que Copérnico geriu a sua “revolução”. Começou por fazer circular entre as elites intelectuais e eclesiásticas um folheto anónimo, Commentariolus, que continha um esboço das suas ideias. Mais tarde, autorizou um discípulo a publicá-las com o nome do dito discípulo e, não tendo este balão de ensaio sofrido qualquer explosão, decidiu-se, finalmente a publicar ele próprio a obra completa, que dedicou ao Papa Paulo III, versado em Matemáticas, tendo o cuidado de antecipar de antemão a defesa aos futuros ataques e proclamar a sua ortodoxia em matéria religiosa. Os seus sucessores puderam ir mais longe. Um nome que merece especial relevo é o de Giordano Bruno (1547-1600). Profundamente influenciado por Nicolau de Cusa, que
  • 42. afirmava ter "a máquina do mundo em qualquer ponto o seu centro e a circunferência em parte nenhuma", Giordano Bruno concebe um universo infinito, com muitos sóis e não apenas um, com diversos mundos habitados, um universo complexo e dinâmico, onde tudo se move, onde não há centros nem limites. Há só um espaço universal, uma única e vasta imensidão a que podemos livremente chamar o vazio; neste estão inúmeros globos semelhantes a este sobre o qual vivemos e crescemos; e declaramos ser este espaço universal, visto que nem a razão, nem a conveniência, nem a percepção sensível, nem a natureza lhe determina limites. Só um Universo tão grandioso, cheio de maravilhas que o homem pode apenas imaginar, sem prisões nem limites, onde o movimento e a mudança são, ao contrário do que pensava Aristóteles, sinais de perfeição, seria uma obra à altura do seu Criador. Como sabemos, a Igreja não se deixou convencer com este argumento. Ao aceitar imprudentemente um convite para ir a Veneza, Bruno caiu sob a alçada da Inquisição e, alguns anos depois, foi queimado na praça pública. As obras de Giordano Bruno são essencialmente de carácter especulativo, as suas ideia, interessantes e arrojadas, não têm geralmente uma base quantitativa, como já era corrente na época, ele foi mais um filósofo e um poeta do que um cientista. No entanto, a riqueza e amplitude da sua visão do mundo influenciaram muitos dos cientistas do seu tempo. Há quem defenda (ver, por exemplo Koyré, Do Mundo Fechado ao Universo Infinito) que foi através de Bruno que a Igreja se apercebeu do carácter perturbador e revolucionário do aparentemente académico modelo de Copérnico e que foi Giordano Bruno a causa da condenação do modelo heliocêntrico.
  • 43. 6. A Revolução Científica nos Séculos XVI-XVII 6.1 A revolução científica O historiador da ciência Thomas Kuhn formulou, no início da década de sessenta, uma teoria do conhecimento científico em que o conceito de paradigma desempenha um papel central. Em termos muito simples, diremos que um paradigma científico pressupõe uma teoria solidamente estabelecida e integra um conjunto de regras e métodos de proceder, que é aceite pela comunidade científica. O modo de validar o conhecimento, a atitude face a resultados inesperados, ou a problemas sem resolução no contexto do paradigma, é explicita ou tacitamente consensual no seio da comunidade científica. Kuhn distingue entre os períodos de ciência normal e os períodos de crise paradigmática. Nos períodos de ciência normal há um paradigma claramente aceite. Procura-se explicar todos os factos científicos com base na "boa teoria". Ela é o guia na exploração de fenómenos desconhecidos. Aspectos que não se enquadrem nessa teoria são encarados como problemas que um dia o cientista será suficiente hábil para poder resolver de acordo com o paradigma existente (lembremos a este propósito o problema da radiação do corpo negro). Não se admite que estes pequenos problemas ponham em causa a teoria dominante. O acumular de problemas não resolvidos, o esgotamento do paradigma, leva à situação de crise e mais tarde à ruptura paradigmática. Vive-se então um período revolucionário da ciência. São anos de polémicas apaixonadas e mesmo violentas (lembremos os conflitos de Bruno e de Galileu com a autoridade científica e religiosa da época) em que o velho coexiste com o novo, inclusivamente no espírito do mesmo pensador (veja-se a propósito o modelo misto de Tycho). Finalmente um novo paradigma está suficientemente sólido e consistente para substituir o primitivo e passa a viver-se um novo período de "ciência normal".
  • 44. Notemos que os factos podem ser os mesmos, e elementos do saber novo podem desde há algum tempo ser de uso corrente, embora de uma forma dispersa e marginal. Mas há uma diferença de atitude, trata-se de uma nova forma de ver. Existem, naturalmente, outras perspectivas sobre a História das Ciências, mas é um facto que o pensamento de Kuhn influenciou os historiadores, filósofos e sociólogos da ciência, e não pode ser ignorado, mesmo quando se criticam muitos dos seus pressupostos. A atribuição da designação "revolução científica" a uma teoria inovadora é, por vezes, polémica, a incompatibilidade do paradigma velho com o paradigma novo é discutível. No entanto, é bastante consensual a ideia de que o avanço do conhecimento científico nem sempre se processa de forma contínua e atribuição da designação “revolução científica” ao processo de criação e reorganização de conhecimentos e formas de o validar, que ocorre nos séculos XVI-XVII. Esta revolução pressupõe a criação de novos conceitos, teorias e métodos. O que implica, naturalmente, um processo interactivo entre as novas ideias e os meios indispensáveis ao desenvolvimento das mesmas. A nova ciência vai ser uma ciência da medida, isto é: os fenómenos naturais devem ser mensuráveis e as relações entre eles expressas na linguagem do número. No dizer de Koyré passa-se do "mundo do mais ou menos" ao "universo da precisão", o que implica, na opinião do mesmo autor, a transformação de "utensílios" em "instrumentos". Por outro lado, a criação de um saber novo exige um desenvolvimento da Matemática, que passa a ser encarada como um instrumento de investigação da natureza. 6.2 A Matemática como instrumento de investigação Apesar da sua capacidade de resolver problemas práticos, o homem medieval não dispunha de uma linguagem algébrica. O desenvolvimento de instrumentos matemáticos adequados era, no entanto, uma condição essencial para o desenvolvimento de concepções exactas no domínio da Física e da Astronomia. Este desenvolvimento começou já no século XVI e continuou com maior fôlego durante o século XVII.
  • 45. O advogado francês Francois Viéte (1540-1603) foi, ao que se sabe, o primeiro a usar letras para representar números e a aplicar a álgebra à geometria, dando assim início à fundação da geometria analítica. O seu contemporâneo Simon Stevin (1548-1620) introduziu o esquema decimal para representar fracções. Stevin teve outras contribuições notáveis, nomeadamente, a demonstração experimental do igual tempo de queda dos corpos diferentes em queda livre, o estabelecimento da lei de equilíbrio no plano inclinado, associado à primeira prova formal da impossibilidade do movimento perpétuo. Teve também contribuições importantes no domínio da hidrostática. Anos mais tarde, John Napier (1550-1617) inventou os logaritmos. Em 1604, Kepler notou que as secções cónicas formavam cinco espécies de curvas: duas rectas paralelas, hipérbole, parábola, elipse e círculo. Este trabalho vai mais tarde ser-lhe útil quando da elaboração das suas leis cinemáticas do movimento planetário. No entanto, as ideias mais fundamentais vieram de René Descartes (1596-1650). Descartes, e, independentemente, Fermat deram o grande passo de aplicar sistematicamente a álgebra à geometria, retomando um trabalho já encetado pelos Gregos, Hindus e Árabes. A inovação mais importante de Descartes é a concepção de movimento num campo geométrico. Conta-se que, ao observar o movimento de uma mosca num canto do seu quarto, lhe ocorreu que a posição desta no espaço podia, em cada instante, ser definida a partir da sua distância a três planos formados por duas paredes adjacentes e pelo tecto. Foi este, parece, o ponto de partida para a introdução do sistema de coordenadas cartesianas. Descartes vê a curva descrita por um ponto móvel num plano do seguinte modo: o ponto em cada instante encontra-se na intersecção de duas rectas paralelas aos eixos coordenados. Pode então ser estabelecida uma equação entre estas distâncias que exprime uma propriedade da curva ( ex: y = a x + b, y = a x2). A concepção básica de Descartes, que é mais importante do que qualquer inovação técnica que ele tenha introduzido, é o processo analítico que estabelece a relação entre a forma e o número. Pitágoras e Platão aperceberam-se desta correspondência, mas em Alexandria a forma e o número foram estudados separadamente. A álgebra foi essencialmente desenvolvida pelos Hindus e a geometria pelos Árabes e durante a Idade Média estes dois ramos da Matemática continuaram a ser encarados separadamente. A aplicação da álgebra à geometria foi um grande passo para o desenvolvimento das ciências exactas.