7. PREFÁCIO
Duas notas são dominantes na espístola aos Filipenses: a
alegria em todas as circunstâncias - quer agradáveis, que desagradáveis
- e a união da igreja, baseada num comportamento
semelhante ao do Senhor Jesus - que assumiu a forma de servo . . .
Essas duas notas são extremamente necessárias em nossas igrejas
na atualidade. Com a crise que enfrentamos, em todas as áreas
da vida do país, é muito fácil perdermos a alegria e ganharmos
ansiedade, temor, frustração. Por outro lado, a fragmentação
das igrejas evangélicas, por diversas razões - morais, doutrinárias,
políticas - é um fato crescente e preocupante.
Nestas pregações, agora em forma escrita, o Dr. Shedd
apresenta com clareza e simplicidade a mensagem de Paulo aos
filipenses, de forma que nós, brasileiros, também possamos entendê-
la e aplicá-la às nossas vidas e igrejas. Muitos são os desafios
que esta espístola coloca diante do povo de Deus, interessado em
cumprir a Sua vontade, e esses desafios são tornados claros nesta
exposição da carta. Alegria, humildade, comunhão, firmeza
doutrinária, esforço missionário - são temas apresentados pelo
autor de maneira atraente e desafiadora, procurando recuperar
o mesmo espírito que movia Paulo e as igrejas do primeiro século.
Que o leitor destas mensagens possa, pelo poder do Espírito
Santo, colocar em ação os aspectos do Cristianismo nelas expostos.
Júlio Paulo T. Zabatiero
8.
9. CONTEÚDO
PREFÁCIO................................................................................................. 5
AS BASES DA NOSSA SEGURANÇA .................................................. 9
UMA ORAÇÃO MODELO....................................................................... 21
A FILOSOFIA DE VIDA DO CRISTÃO ................................................ 31
OS CIDADÃOS DO CÉU EM COMUNIDADE........................... 42
O CENTRO DA HISTÓRIA.................................................................... 53
DESENVOLVENDO A SALVAÇÃO.................................................... 63
HOMENS DE D EU S................................................................................. 73
PERDENDO PARA GANHAR............................................................... 80
A AMBIÇÃO DE PAULO . ............................................................... 89
O CORPO........................................................................................... .. 96
O CONTENTAMENTO........................................................................ 104
O DEUS DA PAZ SERÃ CONVOSCO................. .. ................ 112
A NECESSIDADE E O SUPRIMENTO.................................................. 121
n o ta s ................................................................................................ 128
10.
11. AS BASES DA NOSSA SEGURANÇA
Filipenses 1:1-8
Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos
em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos, que vivem em
Filipos: 2 — Graça e paz a vós outros da parte de Deus nosso
Pai e do Senhor Jesus Cristo. 3 — Dou graças ao meu Deus por
tudo que recordo de vós, 4 - fazendo sempre, com alegria, súplicas
por todos vós, em todas as minhas orações, 5 - pela
vossa cooperação no evangelho, desde o primeiro dia até agora.
6 - Estou plenamente certo de que aquele que começou boa
obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus.
7 - Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós, porque vos
trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e confirmação
do evangelho, pois todos sois participantes da graça
comigo. 8 — Pois minha testemunha é Deus, da saudade que
tenho de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus.
Creio que o leitor logo vai perceber que os quatro capítulos que formam
o livro de Filipenses me são muito caros, contando-se entre aquelas porções
bíblicas pelas quais tenho maior predileção. Nunca estive na prisão, nunca
fui acorrentado, e por isso não sei como reagiria se tivesse que enfrentar essa situação.
Mas Paulo conseguiu escrever cinco de suas cartas quando estava preso,
uma delas sendo à igreja de Filipos, na Macedônia, norte da Grécia.
Vamos começar o nosso estudo examinando só os oito primeiros versículos
desta porção tão conhecida da Palavra de Deus.
Oração: Pai, pedimos-Te agora, pelo Espírito Santo, que sintonizes
nossos corações à música verdadeiramente celestial; e que retires as barreiras
que nos impedem de ouvir Tua voz, e nos atrapalham a obedecer. Em nome de
Jesus. Amém.
Introdução
Os estudiosos, eruditos, peritos da matéria, são uma classe desafiante
porque entendem de tudo que se pode saber sobre sua área de estudo.
Apesar da perícia, entretanto, existem assuntos nos quais reinam dúvidas em
lugar de dogmatismo. Há ocasiões em que os entendidos caminham na corda
bamba entre duas posições, simplesmente porque não há provas suficientes
para se decidirem pela certa. Por este motivo, ainda ficam indecisos quanto
ao lugar onde Paulo estava quando escreveu sua carta aos Filipenses. O ponto
de vista tradicional é que se encontrava em Roma, assim como quando
compôs as cartas aos Colossenses, aos Efésios e a Filemon. Mais recentemente,
porém, eruditos britânicos e alemães, como George Duncan e Michaelis,
descobriram certos sinais indicando que possivelmente Paulo não estava na
capital do Império.
12. Um dos motivos que tradicionalmente têm levado os intérpretes a
pensarem que Paulo se achava em Roma é sua menção à guarda pretoriana
em Fp 1:13. Ali ele fala “de toda a guarda pretoriana e de todos os demais”.
No fim do capítulo 4, refere-se aos “da casa de César”. Mas descobertas arqueológicas
recentes indicam que isso não é uma prova decisiva, já que havia
guardas pretorianas além de Roma. Esta guarda era uma tropa de elite de
cerca de 9.000 guardas imperiais: os soldados mais dignos de confiança de
todos os que o imperador possuía. Eram cuidadosamente treinados e selecionados
para defender o imperador contra qualquer golpe do estado. Além
de serem uma força de segurança, também cuidavam dos prisioneiros que
eram cidadãos romanos, e que tinham apelado para César com a finalidade
de conseguirem justiça, tal como Paulo havia feito. Visto que a maioria da
guarda pretoriana servia em Roma, era natural pensar que Paulo estivesse na
capital quando escreveu Filipenses.
Mas há algumas objeções à teoria dessa carta ter sido escrita em Roma.
A dificuldade mais séria é que, num período relativamente curto, quatro ou
cinco viagens devem ter sido realizadas entre o escritor e os leitores. Alguém
informou aos filipenses que Paulo estava na prisão. A oferta que Epafrodito
trouxe (leremos a respeito no capítulo 2) exigiu outra viagem. A notícia de
que Epafrodito tinha ficado doente, e o conhecimento que Paulo tivera de
que os filipenses lamentavam profundamente a doença de Epafrodito, exigiram
ainda que outras duas viagens (ver 2:19-30). São muitas idas e voltas entre
as cidades de Roma e Filipos, consumindo talvez 7 ou 8 semanas cada
uma.
Se Paulo não estava em Roma, então a melhor alternativa para o lugar
de composição seria a cidade de Éfeso, onde o apóstolo exerceu ministério
entre os anos 54 e 56 A.D.. Essa tese ganha força quando examinamos outras
cartas de Paulo compostas na mesma época, ou seja, 1 e 2 Coríntios e
Romanos: o modo de falar do autor em Filipenses é mais próximo ao linguajar
dessas três cartas, do que ao de Efésios, Colossenses e Filemon. Observemos
também que algumas das referências, por exemplo, aquelas feitas aos
“maus obreiros” , “falsa circuncisão” e cães (3:2), fazem lembrar as cartas
aos Coríntios. Outro problema determinante da situação em Filipos é o da
falta de união (e recorde-se que esta foi a principal razão de Paulo ter escrito
1 Coríntios). É bem provável que Filipos e Corinto fossem objetos de preocupação
de Paulo durante os dois anos e meio em que ele trabalhou em
Éfeso (para conhecer a situação, leia At 20:18-35).
O problema que se levanta contra essa tese de que a carta aos Filipenses
foi escrita em Éfeso é que não temos conhecimento, pela leitura de Atos,
de que Paulo tenha sido preso ali em alguma ocasião. Em 2 Co 11:23 há uma
breve referência ao fato de ele ter estado em prisão mais de uma vez, e isso
oferece uma base para a possibilidade de sua liberdade ter sido tolhida em
Éfeso.
Há outros motivos, entretanto, que me levam a pensar que Filipenses
13. fica melhor no quadro da vida e do ministério de Paulo em Éfeso, do que em
Roma seis ou sete anos mais tarde. Em 1 Co 15, o capítulo da ressurreição,
uma parte do argumento de Paulo em favor da ressurreição é que ela explica
porque o apóstolo devia passar por todo o sofrimento que vinha provando.
Vejamos 1 Co 15:30-31: ”E porque nós também nos expomos a perigos a
toda hora? Dia após dia morro!”. Isto indica que ele estava sendo ameaçado
continuamente. No v. 32, Paulo diz: “lutei em Éfeso com feras”. Sabemos
que Paulo não poderia ter lutado literalmente com animais selvagens. Não se
permitia que um cidadão romano fosse lançado na arena. Paulo se referia a
inimigos tão ferozes que se assemelhavam a leões soltos na arena, e que a
qualquer momento poderiam matá-lo.
O primeiro capítulo de Filipenses apresenta Paulo enfrentando esse tipo
de situação. Além do mais, Paulo escreveu 2 Coríntios menos de seis
meses depois de haver escapado de Éfeso, de onde escrevera 1 Coríntios. Na
Macedônia, a poucos dias de viagem de Éfeso, ele se encontrou com Tito,
que lhe trazia boas notícias de Corinto. Escrevendo aos Coríntios, na segunda
carta, Paulo diz: “Irmãos, queremos que saibam das dificuldades que tivemos
na Ásia (Éfeso). O sofrimento que suportamos foi tão grande e tão duro
que já não tínhamos esperança de escapar de lá com vida. Nós nos sentíamos
como condenados à morte. Mas isto aconteceu para nos ensinar a confiar
não em nós mesmos, e sim em Deus, que ressuscita os mortos. Ele nos salvou
e nos salvará desses terríveis perigos de morte” (2 Co 1:8-10 — Novo
Testamento na Linguagem de Hoje).
Filipenses também revela que Paulo achava que tanto poderia ser morto
como libertado da prisão. (Fp. 2:23). Contudo, ele está muito confiante
de que, por causa das orações dos cristãos filipenses, será solto. É possível
que Paulo esteja se referindo à mesma ameaça em 2 Co 1 e Fp 1. Se for
assim, então devemos concluir que está escrevendo de Éfeso aos filipenses.
Filipos era uma colônia romana e então os membros da igreja eram cidadãos
romanos. Por não haver muitas colônias romanas, os naturais de Filipos
eram cidadãos altamente privilegiados de Roma. A cidade foi conquistada
primeiramente por Filipe da Macedônia, pai de Alexandre,o Grande, em
360 A.C., recebendo o seu nome. Foi ali em Filipos que Otávio, o mesmo
que seria mais tarde o grande imperador Augusto (que estabeleceu a Pax
Romana), venceu a batalha de Actium. Numa planície perto da cidade,
Augusto derrotou seus rivais, Antônio e Cleópatra, no ano de 42 A.C.. Por
causa daquela vitória muito importante para a conquista da coroa, Augusto
deu aos seus valorosos soldados tanto terras como posição, elevando a cidade
à condição de colônia romana. Isso explica por que havia tão poucos judeus
em Filipos. Se houvesse judeus no exército de Augusto, seriam tão poucos
que não haveria número suficiente para fundar uma sinagoga.
Quando Paulo iniciou uma igreja em Filipos, fez seus primeiros contatos
num “lugar de oração”, perto de um ribeirão. Há uns anos atrás, tive o
privilégio de visitar Filipos (que agora é uma ruína) e fiquei emocionado ao
14. conhecer o lugar onde Paulo e Lídia se encontraram, junto com outros judeus,
para adorar ao Senhor. Os filipenses eram cidadãos de Roma, e por
isso Paulo empregou duas vezes no original o termo “cidadão” (1:27; 3 :20),
palavra que não aparece em nenhum lugar em suas epístolas. Na primeira
passagem escreveu: “que sua maneira de vida (literalmente, sua cidadania)
seja digna do evangelho de Cristo” (1:27), assim como a conduta dos cidadãos
de Filipos devia ser digna de verdadeiros romanos. Em todos os sentidos,
os cidadãos daquela colônia eram iguais aos cidadãos da própria
Roma. Gozavam dos mesmos privilégios, bem como da autoridade e proteção
que a cidade de Roma estendia aos cidadãos da urbe. Naturalmente,
sentiam bastante orgulho desse status. Analogicamente, Paulo apelava aos
leitores como “cidadãos do céu ”, no capítulo 3: “Nossa cidadania está nos
céus”, de onde aguardamos, não o imperador que vem visitar nossa cidade,
mas “o Salvador, o Senhor Jesus Cristo”, que nos transformará em Sua
semelhança.
Consideremos, por um momento, o quadro de origem desses cidadãos
dos céus. A igreja se compunha de uma variedade incomum de pessoas. Organizadores
de igrejas não recomendam que se inicie um trabalho com
pessoas como as que formavam a congregação embriônica de Filipos. Primeiramente,
aquela igreja começou com uma mulher. As igrejas que eu já ajudei
a iniciar dependeram de homens, mas a igreja em Filipos foi fundada em
aproximadamente 50 A.D., com Lídia, uma mulher de negócios. Mais tarde,
haveria duas mulheres brigando naquela mesma igreja (4:2, 3). É claro que
há quem diga que a raiz de tal desentendimento está no modo como se iniciou
a igreja. Lídia de Tiatira, na Ásia, era comerciante, (At 16:14). Vendia
um corante vermelho, caro, que era produzido em Tiatira, onde uma das sete
igrejas da Ásia foi organizada (Ap 2:18-29). Depois que ela se converteu
naquela reunião de oração junto ao riacho que passava na periferia da cidade,
convidou a Paulo e seus companheiros, Silas e Timóteo, para virem à sua
casa a fim de terem onde se hospedar, e para continuar seu ministério.
O outro membro fundador foi uma jovem escrava, que tinha sido
possuída por demônios. Paulo expeliu dela os demônios, suscitando a ira dos
donos, que dela se utilizavam para tirar lucros financeiros através de feitiçaria
e profecias sobre o futuro (leia At 16:16-23). Suponho que ela se tenha
tomado cristã, membro ativo da igreja.
Paulo e Silas foram açoitados e jogados na cadeia por terem feito este
ato de misericórdia. Naquela mesma noite, por causa de um terremoto divinamente
marcado para aquela hora, o carcereiro se assustou o suficiente para
pedir aos missionários que lhe mostrassem a maneira de ser salvo, em vez
de suicidar-se (At 16:27-34). Assim ele se converteu, juntamente com sua família.
Portanto, um carcereiro, uma escrava, e uma comerciante foram escolhidos
por Deus para formarem o núcleo da igreja em Filipos.
Não temos notícia de quem mais entrou para o rol. Sabemos que houve
um certo Clemente, e um homem cujo nome pode ter sido Sízigue
15. (“companheiro de jugo” 4:2, 3), bem como as senhoras que não falavam,
mas que tinham ajudado a Paulo. Seus nomes eram Evódia e Síntique. Esse
grupo nada promissor de crentes formou a pequena igreja. Mas não podemos
esquecer que esta foi uma das igrejas prediletas de Paulo. O apóstolo não
tinha a preocupação de ver se eram as pessoas importantes da cidade que se
convertiam, como foi em Tessalônica (At 17:14), ou se Deus chamava a Si
aqueles que menos se esperava ver na igreja. “Deus escolheu as coisas humildes
do mundo, e as desprezadas e aquelas que não são, para reduzir a nada as
que são ” (1 Co 1:28). Deus se alegra em formar sua igreja de todas as camadas
da sociedade, unindo os membros ao corpo.
Ora, por que será que esta igreja era uma das preferidas de Paulo? Um
ponto positivo foi o modo em que Deus a iniciou. Acho que qualquer pessoa
que passasse por um lugar onde começasse apanhando e depois visse a mão
poderosa de Deus quebrando o prédio com um terremoto, e as portas se
abrindo de vez, seria levado a concluir que Deus tem uma preocupação muito
especial por aquela cidade e seus habitantes. A seqüência dos eventos, e a
maneira em que o mal cooperou para o bem, devem ter dado a Paulo a certeza
de que esta igreja iria ser uma expressão significante da graça de Deus.
Outra razão pela qual Paulo tinha uma consideração toda especial por
esta igreja foi o amor dos crentes de Filipos para com ele. Até então, era a
única igreja que se preocupou com o apóstolo a ponto de mandar auxilio
financeiro. Paulo dependia dos donativos, além daquilo que podia ganhar
com o trabalho. Ao ler o cap. 4, vemos que havia ocasiões em que Paulo estava
pobre de recursos materiais, quando não tinha mais que uma moeda no
bolso (se é que tinha...). O apóstolo ficava comovido ao ver que esta igreja
lhe queria bem o suficiente para associar-se materialmente na sua tribulação.
Sentia-se muito agradecido. Teriam mandado mais, se houvesse outras oportunidades.
Isto sugere que a igreja realmente amava a Paulo. Naqueles dias,
não era fácil enviar dinheiro, visto que era preciso mandar alguém junto e
havia sempre a possibilidade de essa pessoa sofrer a mesma sorte do homem
que caiu nas mãos de salteadores, como na parábola do Bom Samaritano.
Epafrodito era um homem especial. Ele não se importou em arrriscar a sua
vida para sair de casa a fim de ser portador dos filipenses, e assim suprir a
necessidade de Paulo (Fp 2:25). Esta carta aos filipenses foi escrita, em parte,
a fim de expressar a gratidão profunda que Paulo sentia para com a igreja
que tanto se preocupava com seu ministério.
A Saudação (1:1)
Agora, vejamos de perto o que Paulo tinha a dizer para esta igreja. É
bem diferente do que imaginamos. Em vez de dizer: “São Paulo e São Timóteo,
aos servos do Senhor em Filipos, com os bispos e diáconos”, ele escreve
o oposto. Nosso texto diz: “escravo Paulo e escravo Timóteo, escravos
16. de Jesus Cristo, aos santos de Cristo Jesus que moram em Filipos”. Parece
estar invertido, não é mesmo?
Dr. Harry Ironside, o famoso pastor da igreja de Moody em Chicago,
contou de uma viagem de trem de três dias que havia feito em certa ocasião,
do litoral do Pacífico até Chicago. Havia duas freiras católicas no seu vagão,
e ele, então, quis divertir-se um pouco às suas custas. Depois de ter travado
conhecimento com elas, perguntou-lhes: “Já viram um santo?”. Elas responderam
que nunca tinham visto, pensavam que seria maravilhoso ver um santo
de verdade. “Eu gostaria que vocês conhecessem um santo”, ele disse.
Ficaram entusiasmadas! Onde, como poderiam conhecer esse santo? Estaria
viajando num caixão de ouro, ou seria visto descendo do céu? (Segundo o
pensamento popular católico-romano, os santos têm que morrer primeiro.)
Dr. Ironside disse: “Eu sou Santo Harry” . Conheceram Santo Harry, mas
isso pouco as impressionou.
Não sei se foi exatamente bíblico, chamar-se de santo. É verdade que a
igreja de Filipos era composta de santos, mas não sei se havia ali alguém que
fosse mesmo um santo. Existe uma diferença. No Novo Testamento, Paulo
nunca é chamado de São Paulo. E a Bíblia sempre usa “santos” no plural
quando se refere a pessoas. A razão disso, acredito, é que o plural “santos”,
“pessoas santas”, comunica o conceito do Corpo de Cristo, que é a Igreja
santa (universal ou local) de Jesus Cristo: todos que estão na igreja, ou
“em Cristo”, compartilham de Sua santidade e tomam-se, portanto, pessoas
santas. É isso que significa a palavra “santo”.
Por outro lado, nenhuma pessoa desse mundo é individualmente um
santo, no sentido de ser santo e perfeito, tal como Deus o é. Nós temos o
mandamento para sermos santos (1 Pe 1:16), mas nenhum ser humano é
realmente santo. Nós somos todos pecadores regenerados. E a ordem que recebemos
é de mantermos a santidade como meta do nosso viver e mover-nos
nesta direção (Hb 12:14). Jesus mandou “sede vós perfeitos como perfeito
é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48). Por este motivo, creio que Paulo não se
sentisse bem com o título “São Paulo”. Não há dúvida de que ele fazia parte
da igreja de Jesus Cristo, que é a igreja “dos santos do Altíssimo” (Dn 7:18 e
seg.). O termo do Velho Testamento. Em Ex. 19:6, o povo de Israel, ao qual
Deus tinha escolhido, também foi chamado de nação santa, apesar dos seus
muitos fracassos em praticar a santidade. O título se refere antes ao relacionamento
da aliança pela qual Deus ligou Israel a si.
Aqui em Filipenses, os santos são assim chamados por causa de seu relacionamento
com Deus, e porque estão “em” Jesus Cristo. Em contraste
com isto, Paulo e Timóteo são apenas escravos, um termo bastante apropriado
para descrever um cristão. Um cristão é um escravo. Ora, o que faz
um cristão ser um escravo?
Antigamente, havia quatro maneiras pelas quais uma pessoa podia tornar-
se escrava: (1) Podia-se ser escravo por nascer na família de escravos. Se
os pais eram escravos, a pessoa automaticamente era escrava, e nada se podia
17. fazer para evitar que isso acontecesse. (2) Podia-se ser escravo por conquistas.
Quando o exército romano conquistava novas terras, o povo derrotado
automaticamente se tornava escravo. Aqueles que não eram mortos ficavam
sendo propriedades do estado romano e dos seus cidadãos. Foi assim que o
Império Romano obteve mais de 50% de sua população composta de escravos
durante o primeiro século quando Paulo estava escrevendo. (3) Podia-se
ser escravo por compra em leilões de escravos como os que se tornaram
conhecidos nos seriados da TV. Um escravo que era comprado e depois liberto
era um escravo “redimido”. (4) Podia-se ser escravo por livre escolha. Se
um senhor concordasse, um homem que tinha esperança de receber alimento,
proteção e bons tratos, entregàva-se voluntariamente a ele para ser seu
escravo.
Como Paulo e Timóteo tornaram-se escravos de Jesus Cristo? Por compra.
1 Co 6:20 esclarece que todos os cristãos foram comprados por preço.
Se você realmente conhece a Deus, então você é escravo dele — não porque
você quis sê-lo, nem porque nasceu na escravidão, ou foi tomado na batalha,
mas sim porque você foi redimido por Seu sangue precioso (Ef. 1:7). Sim,
você foi comprado do seu antigo dono, que era “o pecado”. Outrora, diz
Rm 6:17, você foi escravo do pecado. Mas agora que foi comprado por
Jesus Cristo mediante um preço elevadíssimo, glorifique a Deus em seu corpo.
Seja um escravo genuíno de Cristo Jesus, porque ele o comprou, comprou-
nos todos. Não comprou apenas a sua mente, ou sua alma, só para levá-
lo ao céu numa data futura incerta. Comprou-o e fez de você Seu escravo
aqui na terra, para que cada um de nós possa servi-Lo na plena extensão da
vida terrena e do potencial que tem.
Como os filipenses se tomaram santos? Se um escravo cristão entra
nesta condição por ser comprado pelo preço da morte de Cristo na cruz, os
santos se tornam santos sendo colocados “em Cristo Jesus”. O conceito
é um pouco difícil de se compreender. Não entendemos como uma pessoa
pode estar “em” uma Pessoa como Cristo Jesus. Será que você fica “em
Cristo” assim como nós estamos imersos ou dentro da atmosfera da Terra?
Visto que todos respiramos o ar, nós estamos dentro da atmosfera e o ar está
em nós. Um estudante da Bíblia procurou comunicar a idéia espiritual de
estar em Cristo, e Ele em nós, dessa maneira. Estar em Cristo, para ele, era
algo impessoal? Não creio que tenha sido esta a idéia de Paulo, de modo
nenhum. Qual seria então o significado dessa expressão que aparece mais de
100 vezes nas Epístolas Paulinas?
Talvez devamos captar esta realidade de estar “em Cristo”, dentro dos
moldes do pensamento hebreu. Estar em uma pessoa, segundo a mente hebraica,
é estar tão intimamente ligado a ela que tudo que se refere a ela, e
tudo que se refere a você, submete-se ao pleno controle dela. Visto que todos
estão em Adão (1 Co 15:22), a natureza adâmica caracteriza o homem
que é totalmente dominado por ela. Essa existência “em Adão” explica a
corrupção do homem tanto no sentido moral, como no sentido físico
18. (1 Co 15:22, 45). É inútil você tentar sair disso, a não ser que se converta e
conheça a Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador. Mas quando você se
transfere de Adão, deixando a personalidade, a natureza e o controle dele
para trás, e se coloca em Jesus Cristo, então é Ele que vai afetar sua nova
vida. O sinal e símbolo dessa transferência é o batismo. Quando você confia
em Jesus Cristo como seu Salvador, e o recebe como seu Senhor, você então
já está comprado, torna-se membro de Sua família, do Seu Corpo, e se entrega
livremente ao Seu controle. Portanto, se você está completamente rendido
a Jesus Cristo, então está “em Cristo”..
Observemos que estes cristãos estão “em” Cristo Jesus e vivem “em”
Filipos. O primeiro “em” indica um posicionamento; o segundo, um lugar
geográfico. São diferentes. É estar “em” Jesus Cristo que os torna santos.
Você não é santo, como já vimos, quando é melhor do que os outros. Você
deve mesmo ser melhor do que os outros, e ter personalidade santa, admirável,
se o Senhor perfeito está exercendo um controle efetivo sobre sua vida.
Mas você não passa a ser santo por se tornar uma pessoa melhor. Só será santo
entrando para o Corpo do Santo Filho de Deus, pela fé pessoal, mediante
a qual Ele o regenera. Toma-se santo porque é santificado, consagrado, separado
pelo Espírito Santo em união com Cristo (1 Co 12:12, 13). Sendo
assim, os santos de Filipos, e os escravos de Deus em Roma ou Éfeso, estão
se comunicando através de sua participação no mesmo Senhor ressurreto.
Os bispos e diáconos são mencionados especificamente por Paulo,
como receptores desta carta. “Bispos” significa simplesmente supervisores.
No primeiro século eles eram supervisores da igreja assim como hoje há supervisores
numa fábrica, para verificar se tudo está em bom andamento. Só
que esses “bispos” (episkopoi) eram supervisores de pessoas. A palavra “diáconos”,
por sua vez, significa servos, trabalhadores. Os bispos eram líderes
que desempenhavam o ministério pastoral do ensino, organização e disciplina
eclesiástica. Os diáconos serviam à igreja como assistentes dos pastores-bispos,
e como evangelistas (cf. At 20:17, 28).
A igreja no período neo-testamentário não era uma igreja a não ser
que já tivesse os líderes nomeados. Igreja é mais do que um estudo bíblico,
onde todos discutem uma determinada passagem das Escrituras. Esse grupo
de estudo não é igreja, assim como amigos que se reúnem num dia marcado
para divertir-se e conversar não constituem uma família. Um grupo de estudo
informal não possui a liderança divinamente instituída nem a responsabilidade,
como também lhe faltam as ordenanças do batismo e da Ceia do
Senhor. Contudo, os títulos que os líderes da igreja devem ter, bem como o
número deles em cada comunidade, não ficam claramente estipulados no
Novo Testamento. Na verdade, os termos “bispo”, “pastor” e “presbítero”
são usados alternadamente nos textos. Dão ênfase aos diversos aspectos do
ministério, qualquer que seja o título recebido por esses líderes eclesiásticos.
19. A Segurança de Paulo (1:2-8)
Vejamos o que esta passagem diz sobre a segurança. Que certeza
você tem hoje de que irá para o céu quando Jesus Cristo voltar, ou quando
você morrer (se isso acontecer antes da segunda vinda)?
Paulo nos apresenta as bases de uma perfeita confiança a respeito de
nosso destino eterno. Existem cinco razões a garantir que, se você se converteu
e conhece a Jesus Cristo, você irá para o céu:
1. Graça. Em primeiro lugar, está & graça. O v.2 diz “Graça e paz a vocês
da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”. Se você não recebeu
a graça de Deus, e se você não tem a paz dele em seu coração, é simplesmente
impossível ter a segurança de que Paulo fala. Graça e paz vêm primeiro,
não só como saudação, mas como alicerce.
2. Obra de Deus. Vejamos o v.6: “Estou plenamente certo de que
aquele que começou boa obra em você há de completá-la até ao dia de Cristo
Jesus”. Esta é a segunda garantia de que você é salvo: a obra de Deus. Se o
Senhor começou boa obra em você, então agora Ele está trabalhando e completando-
a eficientemente (ver 2:13).
C.S. Lewis, no seu livro Surprised by Joy (Surpreendido pela Alegria),
descreve vivamente sua conversão. Em certa noite de 1929, ele era o convertido
mais relutante, mais infeliz e abatido de toda Inglaterra. Sua situação
era pior que a do filho pródigo, pois este caminhou espontaneamente de volta
para o lar, ao contrário de Lewis que entrou na casa depois de muita resistência,
dando socos e pontapés no pai. E então mais tarde, Lewis escreve para
um amigo da América que ainda não era cristão: “Suponho que o Espírito
Santo o tenha apanhado e que você já esteja preso na sua rede. Não adianta
relutar mais. Deus começou um trabalho em você”. Sim, e em você, leitor,
Deus já começou uma obra? Você reconhece o poder com o qual Ele o está
chamando, não só para a comunhão, não só tornando agradável a participação
nos cultos da igreja, mas principalmente atraindo-o para Si? Ele deseja
realizar aquela obra da graça no seu coração. Se Deus já começou a operar
em você, cuidado, pois é muito difícil escapar de Seus braços insistentes e
amorosos (cf. Hb 12:4-11).
3. Amor Fraternal. Há uma terceira base para a grande esperança que
Paulo tem referente à igreja: o fato de ele se encontrar num relacionamento
especial com a igreja filipense. O apóstolo expressou em oração a gratidão
que sentia por esse amor mútuo: “Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo
de vocês” (v. 3).
Paulo possuía uma mente aberta ao Espírito Santo. Em vez de estar à
televisão e aos jornais de cada dia, ou à revista Veja, ou ainda a todo o trabalho
que ele estava fazendo, sua mente estava continuamente recebendo
alertas do Espírito Santo. Ele era capaz de reconhecer imediatamente qualquer
coisa que viesse à sua mente por iniciativa do Espírito. E uma das
coisas que Deus trazia à sua mente na prisão era a igreja de Filipos. Então
20. Paulo concluía que aqueles crentes deviam ser filhos de Deus, porque senão
nunca teria se lembrado deles com tanto ímpeto ou freqüência. Continuamente,
Paulo confessa “eu penso em vocês e oro por vocês” (v.4). Seus pedidos
eram oferecidos a Deus com alegria, porque a igreja naquela cidade
lhe fazia feliz, era sua “coroa de regozijo” (4:1 em uma tradução).
4. Cooperação. Paulo não só ora por seus filhos no evangelho, como
também agradece a Deus a cooperação deles neste evangelho (v.5). A palavra
“cooperação” representa a koinonia do grego, que significa comunhão ou
participação. O apóstolo se refere aqui ao auxílio financeiro que a igreja lhe
enviou pelas mão de Epafrodito (2:25). Este compartilhar de coisas materiais
com Paulo, mostrava que os filipenses estavam cooperando na propagação
do evangelho, que faziam isso “desde o primeiro dia até agora”.
Sabemos que é preciso ser salvo pelo evangelho. Entretanto, se você
assumiu algum compromisso com o evangelho sem ainda ter sido salvo, isto
é, você acreditou, mas não se entregou inteiramente a Jesus Cristo, sua atitude
vai denunciar isso. Algumas pessoas crêem no evangelho somente em
conseqüência de terem nascido em lares cristãos, mas não têm um compromisso
do coração com o evangelho, porque nunca nasceram realmente do
Espírito Santo de Deus. O principal problema de tal pessoa, provavelmente,
será a dificuldade de viver o evangelho em sua vida! Como ela está na igreja,
espera-se que faça o que os filipenses estavam fazendo, que era contribuir
(ver também 2 Co 8:1-5). Mas ela detesta dar dinheiro. O pior detalhe da
igreja com o qual ela precisa conviver, é a pressão que sente sobre si para que
dê sacrificialmente, com um coração cheio de amor.
Mas esse não era o caso dos filipenses. Sua cooperação no evangelho
não era apenas uma koinonia de fé, e oração pela missão de Paulo; era uma
cooperação prática, na qual tinham prazer em dar. É difícil uma prova maior
da operação do Espírito de Deus no coração, do que o desejo de contribuir
para suprir as necessidades daqueles a quem Deus ama. É somente o poder
sobrenatural de Deus que pode ajudá-lo a compreender que é mais abençoado
dar do que receber (At 20:35). Este, portanto, é o quarto sinal da
obra redentora do Espírito nas vidas dos filipenses.
5. Intercessão do Pastor a favor dos crentes. No versículo 7, Paulo
aponta mais uma razão da segurança que ele tem nos crentes a quem está escrevendo:
“Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós, porque vos trago
no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e confirmação do evangelho,
pois todos sois participantes da graça comigo”. Não só o Espírito os
traz sempre à memória (v.3), não só eles começaram a dar ofertas provando
que são realmente convertidos, mas também eles têm no coração de Paulo
um lugar especial que só os verdadeiros irmãos e irmãs em Jesus Cristo podem
ter. O apóstolo acrescenta: “Não só vocês se uniram a mim na minha
prisão e na defesa e confirmação do evangelho, como também Deus é minha
testemunha da saudade que tenho de vocês todos”. Esta última frase nos faz
lembrar o carinho que as mães têm pelos seus bebês. Se separarmos uma mãe
21. de sua criancinha, ela sentirá muitas “saudades” . A palavra descreve os sentimentos
de Paulo para com esta igreja.
É difícil para um pastor nutrir por sua igreja um sentimento tio profundo
a ponto de poder assegurar que todos os membros são salvos, são santos
de verdade e não apenas de aparência. Mas é possível ver alguns indícios:
a alegria com que participam nos cultos da igreja, a cooperação no evangelho
através de suas ofertas. Vê-se a prova do esforço unido em oração, e o resultado
é o pastor lembrar-se de todos continuamente.
Olhe para seu próprio coração. Deus já começou Sua boa obra em você?
Você nota que Ele já o está lapidando, polindo e trabalhando todos os
dias? Se está, então pode tomar para si o que Paulo disse: “Estou plenamente
certo de que Deus, que começou boa obra em mim, há de completá-la até
ao dia de Cristo Jesus”. O maior desejo de Deus é ter santos no céu que sejam
semelhantes ao Seu próprio Filho.
Rm 8:29 nos garante que haverá milhões de cópias de Jesus Cristo,
moldadas segundo Sua imagem e semelhança. O Senhor está trabalhando
na vida dos crentes, cada um deles com personalidades, pontos de vista, experiências,
raízes sócio-culturais e racionais diferentes, afim de transformar maravilhosamente
todos os seus filhos, de modo que sejam semelhantes a Jesus
Cristo. Assim será a população do céu: formada por cidadãos que Deus começou
a moldar nas experiências que resultaram em conversão, e continua a
modelar constantemente ao longo da vida cristã, para que tomem o formato
da perfeição de Jesus.
Conclusão
Pense em um homem como John Newton, que viveu há anos atrás,
no século 18. Começou a vida num lar cristão onde viveu por uns seis anos.
Ficou órfão e então foi criado por uma família não-crente, em que o evangelho
e o Cristianismo eram ridicularizados. Como nessa casa ele era perseguido,
fugiu para o taar, porque o pai tinha sido marinheiro na Marinha Britânica
por algum tempo. Alguma coisa não deu certo, e ele fugiu novamente,
escolhendo a África como um bom lugar para esconder-se. Tornou-se sócio
de um português, traficante de escravos.
A esta altura ele estava longe, bem longe de Deus. A péssima vida que
levava colocou-o em algumas situações horríveis. Chegou até ao ponto de ser
obrigado pela esposa do traficante a comer no chão. Foi até mesmo forçado
a ser um escravo, mas fugiu para o litoral, onde deu sinais a um navio que
passava, e que o acolheu por compaixão. Quando estava a bordo, o capitão
descobriu que ele entendia de navegação e puseram-no como imediato do
navio.
Para mostrar como Newton era irresponsável, devo acrescentar que ele
roubou o estoque de rum, distribuiu-o a todos os companheiros e, na bebe
22. deira, caiu no mar. Um marinheiro o apanhou com o arpão e o puxou para
o convés. Daquela arpoada ele ficou com uma cicatriz do tamanho de um
punho, mas ainda não sentiu Deus operando em sua vida. Porém, naquela
mesma viagem, quando se aproximavam da costa da Escócia, uma tempestade
violenta apanhou o navio. Ele teve que manejar as bombas junto com os
marinheiros, para evitar o naufrágio. Trabalhando nas bombas, foi dominado
pelo medo da morte. Foi nessa crise que começou a recordar os versículos
que havia memorizado antes dos seis anos de idade. Ao repetir essas
Escrituras, Deus lhe falou ao coração, e ele se converteu de forma maravilhosa.
Não só se converteu, como também tornou-se um pregador poderoso
e compositor de hinos. Foi ele quem escreveu o hino tão apreciado,
“Amazing Grace” (“Maravilhosa Graça”). Quando o fez, ele já sabia que, durante
toda sua vida, e através de todas as circunstâncias pelas quais tinha
passado, Deus o tivera em Sua mão. É maravilhoso o Senhor converter um
homem como Newton. E com a mesma alegria Deus vai salvá-lo se você
assim lhe pedir.
Oração: Pai celestial, tu conheces as necessidades de nossos corações.
São profundas. Contudo, sabemos que és Deus maravilhoso, e que não nos
deixará para sempre em nosso caminho de pecado. Agradecemos-Te pela vida
de John Newton. Muito obrigado pela maneira como o salvaste e o inspi-raste
a escrever hinos maravilhosos. Louvamos o Teu nome pela segurança
que podemos ter, quando tantos neste mundo estão cheios de dúvidas, e não
conseguem encontrar algo certo para esta vida e muito menos para o futuro.
Por causa dos sinais de Tua graça operante, podemos saber que nossos nomes
estão escritos no Livro da Vida do Cordeiro. Pai, que todos os Teus
possam ter essa segurança de conhecer-Te realmente. E se têm dúvidas, se
lhes falta segurança, que possam chegar-se a Cristo humildemente, receben-do-
0 como Senhor e Salvador. Muito obrigado, Senhor. Em nome de
Jesus. Amém.
23. Filipenses 1:9-11
9 - E também faço esta oração: que o vosso amor aumente
mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, 10 — para
aprovardes as cousas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis
para o dia de Cristo, 11 — cheios do fruto de justiça, o qual è
mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus.
Oração: Senhor, chegamos novamente à Tua presença, recordando a
promessa que deste aos discípulos, de que o Espírito Santo os conduziria a
toda a verdade. Pai eterno, as palavras que queremos ler na Tua presença
agora são “em tudo verdade”. Rogamos-Te que nos ensines as verdades sobre
a oração que ainda não descobrimos, ou que talvez não estejamos colocando
em prática, pois é em nome de Jesus que nos aproximamos de Ti.
Amém.
Introdução
Poucas pessoas tiveram o privilégio que eu tive, de crescer num lar cuja
primeira lembrança é a de mamãe ajoelhada junto à sua cama. Nunca vou esquecer
o seu vulto ajoelhado, embora eu não tivesse mais de quatro anos de
idade quando a cena me impressionou pela primeira vez. Durante várias
ocasiões, em silêncio, intercedendo por nós, os filhos, e pela igreja da Bolívia,
minha mãe criava em volta de si uma atmosfera sagrada. Não havia a luz
de uma auréola, nenhuma halo, mas nós crianças sempre passávamos quie-tinhos
quando mamãe orava. Foi uma experiência que se repetiu todos os
dias, um privilégio que teve realmente um papel importante na formação de
meus primeiros ideais com respeito à oração. Embora ela intercedesse muito
silenciosamente, sabíamos o que ela estava pedindo. Nós crianças estávamos
no topo da lista. Sabíamos quais os principais assuntos das suas orações porque
a nossa família sempre se reunia para orar antes do café da manhã. As
orações de meus pais eram muito longas para um garotinho: eu já acordava
com fome, e o culto doméstico atrasava o café. Dr. Donald Barnhouse (pastor
da Filadélfia, mundialmente conhecido, já falecido) costumava dizer:
“Sem Bíblia não há café!” Nossos pais se mantiveram firmes naquele moto,
que incluía também a oração.
Paulo também aprovava essa espécie de piedade cristã. Orava incessantemente.
Exortou os leitores de sua carta em Tessalônica a que orassem sem
cessar (1 Ts 5:17). Mas Paulo não estava tão sintonizado com o céu a ponto
de supor que os cristãos que liam suas epístolas soubessem automaticamente
o que pedir a Deus. Embora já tivesse escrito que estava “sempre fazendo
súplicas por eles”... “em todas as minhas orações” (v. 4), o apóstolo ocupa
algumas preciosas linhas desta “carta de agradecimento” para contar aos filipenses
como é que orava, a fim de ensinar-lhes (e a nós) como se deve orar.
24. E não se esquece de encorajá-los, dando-lhes uma lista dos resultados da
oração fervorosa que pede a Deus um abundante e crescente amor.
O Professor Stewart, da Universidade de Edinburgo, na Escócia, agora
aposentado, dizia sempre que as orações das cartas de Paulo, particularmente
as de Filipenses, Efésios e Colossenses, foram o ponto alto de sua correspondência.
Portanto, veja hoje, que petição os filipenses deviam fazer. Dedique
alguns instantes para oferecer esta oração com toda a sinceridade.
Você vai descobrir um novo nível de benção impregnando sua vida, visto
que o próprio Senhor Jesus garante que se você pedir alguma coisa em Seu
nome, segundo a Sua vontade, Ele o ouvirá (Jo 14:13,14; 1 Jo 5:14).
Observe que neste parágrafo a oração de Paulo é a continuação de sua
ação de graças. Assim, ele aponta um fato importante sobre a oração, sem
ensiná-lo declaradamente.
A primeira verdade encontra-se no v.6: “Estou plenamente certo de
que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de
Cristo Jesus”. Desta certeza apostólica seria possível concluir que você não
precisa fazer nada além de render-se passivamente, porque Deus faz toda a
parte ativa. Você poderia relaxar, dormir, descansar, em vez de orar. E nem
precisaria voltar à igreja à noite. Você poderia ir para o Guarujá ou Copacabana,
apreciar a praia e as ondas, porque Deus que começou a boa obra em
você, prometeu completá-la. Não haveria necessidade de você se preocupar
com a comunhão e o culto da igreja, nem com a leitura da Bíblia e a oração
pelas crianças, vizinhos ou mundo, nem tampouco com o seu testemunho.
Muito facilmente e com grande prazer poderíamos concluir: “já que Deus
promete que vai estar operando, e Ele é mais poderoso do que quaisquer de
nossas orações fracas e cheias de dúvidas; é só deixar que ele faça tudo!”
Isso, porém, é bem diferente daquilo que Paulo pensou ou ensinou. À medida
que você lê a oração dele, percebe claramente que o próprio Paulo está
envolvido e profundamente empenhado numa cooperação espiritual com
Deus. De fato, Paulo afirma que Deus nos manda participar ativamente em
sua obra: “Desenvolvam a sua salvação com temor e tremor” (2:12).
A oração pode ser considerada um trabalho, até mesmo uma luta
(Cl 1:29: 2:1). Deus está fazendo a Sua obra, mas a oração envolve aquele
que intercede na operação de Deus (cf. 1 Co 3:9). Mas, e se eu não pedir a
Deus que intervenha? Ele vai parar de operar? Paulo não responde tão claramente
a esta questão complexa como Tiago o faz (Tg 4:2). Visto que Deus
não ordena, clara e insistentemente, que oremos, não é necessário fazer especulações
sobre a razão pela qual ele exige que Seus filhos orem. Isto explica
porque Paulo podia exigir de si o máximo esforço em prosseguir para o alvo
e prêmio de sua soberana vocação, ou alto chamado, por um lado, ao mesmo
tempo em que mostra tolerância para com aqueles que têm atitude diferente,
preferindo esperar que Deus lhe revele quais são as suas exigências
(3:13-15).
25. Vejamos agora o incentivo que levava Paulo a interceder pelos filipenses,
no v.8. Ele ansiava de tal maneira (epipothõ) ver a igreja e confraternizar
com eles, que descreve seu afeto como localizado nos “intestinos”
(splagchnoi) de Cristo Jesus. Foi a maneira grega primitiva de expressar
como estava emocionado no seu desejo de visitar os filipenses, seus amados
filhos na fé. De fato, um pastor que ama profundamente cada membro da
sua igreja, achará que orar por eles não é tarefa difícil, pelo contrário, é um
prazer.
Um Pedido pelo Amor Crescente
Agora examinemos esta oração. Pelo que Paulo ora? Primeiro, ele roga
que Deus conceda aos filipenses um amor que aumente mais e mais (v.9).
Amor para com Deus e o próximo nunca chega a um ponto em que o cristão
pode descansar e dizer: “Bem, agora eu amo tão fervorosamente como sou
mandado amar! Esse amor agape que Deus exige de mim já é completamente
meu”. Paulo pode ter sentido que os filipenses eram as pessoas mais queridas
que ele conhecia. Ele os amava tanto que o seu amor por eles parecia o amor
de uma mãe por seus filhos (v.8): “Tenho por vocês um afeto e saudades tão
fortes que me emociono por dentro, nas próprias vísceras!” Mas isso não
significa que Paulo tinha alcançado o amor perfeito, ou que seu amor não
podia crescer mais ainda. Ele não estava tão influenciado pelo seu amor para
com a igreja de Filipos a ponto de concluir que eles não pudessem amar mais
intensamente do que quando mandaram o dinheiro tão oportuno para o
apóstolo aprisionado.
Você também é pessoa amorosa, mesmo que não seja possível medir
seu amor por nenhum sistema. O amor não pode ser medido de maneira matemática
concreta. Por ser dinâmico e relacionai, o amor cresce à medida em
que é testado. Os pais que mais amam seus filhos são aqueles que mais sofreram
por causa dos filhos. Talvez um filho de uma certa família possua algum
problema mais grave, de ordem física ou mental: pois é por aquela criança
que o pai e a mãe estão mais dispostos a se sacrificar, a fim de lhe proporcionar
alguma coisa. Os pais que têm um filho mongolóide aman-no além do
normal, indizivelmente. Seu amor foi muito provado e, em conseqüência,
transborda por aquela criança. Paulo está orando por um amor assim, trans-bordante,
que excede os limites normais da experiência, um amor que é mais
característico de Deus do que do homem egocêntrico. Tal amor é um dom
do Espírito de Deus que habita no crente (Rm 5:5, cf. G1 5:22) e, conseqüentemente,
deve surgir em nossos corações como resposta à oração
(cf. Lc 11:13).
Essa súplica por um amor que cresça e transborde sem limites é o único
pedido específico desta oração (w. 9-11). Tudo o mais que é mencionado
na passagem são conseqüências. Será que você está orando por alguém, ou —
26. o que pode ser mais significativo — alguém estaria orando por você, rogando
a Deus que seu amor continue a crescer e transbordar sempre? Talvez Paulo
peça a Deus esse amor agape, crescente e dinâmico, porque sabe que um
amor que não transborda, inevitavelmente se volta para dentro e se torna
egoísta. Limitar nosso amor àqueles que vão nos retribuir a dívida é o oposto
do amor generoso e sacrificial pelo qual Paulo orou. Este é como leite
derramado, irrecuperável, dado sacrifícialmente, sem preocupação de recompensa.
Até o fim da sua vida, ou até que Cristo volte, esse amor como o de
Cristo deve transbordar mais e mais. Na forma mais simples, essa oração pede
a Deus um crescimento diário na habilidade e no anseio de amar de cada
cristão, até o dia da formatura, quando todos passamos desta vida à outra
através da morte ou da transformação miraculosa efetuada pela volta de
Cristo (cf. 3:21).
O v. 10 (parte final) focaliza nossa atenção nesse fim, porque o amor
crescente terá o propósito de tomar os filipenses puros e imaculados, prontos
para o Dia de Cristo. Quando Jesus Cristo voltar/ele irá examinar os crentes
quanto à perfeição atingida em matéria de amor crescente e transbordante
para com os irmãos e para com Deus. É crucial reconhecer se seu amor cresce
dia a dia. Ou será que ele tem diminuído, como o primeiro amor da igreja
de Éfeso (Ap 2:4)?
Esse amor não é sentimental, não é verbal, mas é prático, encontra
expressões concretas através de ações. Certamente, desejamos que essa espécie
de amor transborde em nós, mas quem sabe não temos confiança de que
é possível receber um amor tão extraordinário assim, simplesmente pedindo
a Deus. Paulo nos dá algumas dicas importantes sobre como ganhar esse
amor abundante em resposta à oração. Se alguém está orando por você
desta maneira (talvez seja esposa, marido, pai, um filho ou um membro interessado
da igreja), de tal forma que a oração dele se une à sua, espere ver
mudanças na intensidade de seu amor. Como se uma poça parada e mal cheirosa
se transformasse em uma corrente de águas cristalinas, o amor narcisista
pode ser transformado em amor semelhante ao de Deus, que o motivou a
dar Seu Filho para nos salvar (Jo 3:16).
Os Dois Elementos do Amor
Paulo prossegue no v.9, dizendo que duas características são importantes
nesse amor transbordante. Se omitimos esses elementos básicos, o amor
não cresce muito e não transborda. Esses dois elementos são descritos pelas
palavras “conhecimento” e “percepção”.
O primeiro termo representa a palavra grega epignõsis, que se encontra
no Novo Testamento umas vinte vezes. Normalmente usado para designar o
conhecimento de Deus e da verdade, ou conhecimento da Bíblia e de Jesus
Cristo, refere-se à esfera espiritual.
27. Ora, não me sinto bem quando divido o conhecimento humano em
duas categorias, mas a esta altura pode ser proveitoso fazer isso. Possuímos
dois tipos de conhecimento.
O primeiro é o conhecimento humano, secular, orientado ao nosso viver
desta terra. Quando uma pessoa realmente sabe bastante, pode ser formada
em faculdade, ou até mesmo se tomar professor, com nível de mestrado
ou doutorado. No contexto da vida, mostra quanto sabe pelo seu sucesso.
Sabe equilibrar as coisas, como planejar, como tratar as pessoas de
modo que estas o tratem bem. Conhece a lei, e sabe como evitar as penalidades
impostas àqueles que deixam de cumpri-la (ver Lc 16:1-11). Elaé reputada
como uma pessoa bem ajustada e entendida. Para fins dessa explanação,
classificaremos essa categoria de escolhas capazes como gnõsis,
“conhecimento”.
Mas é diferente o sentido do termo “Conhecimento” (epignõsis) que é
usado no Novo Testamento. Esta palavra se refere à realidade espiritual. Tal
conhecer ultrapassa o saber do dia-a-dia, atingindo a esfera espiritual, o que
é comparável à ultrapassagem da barreira do som. As atitudes e os valores da
vida que chamamos de “secular” são transformados pelo relacionamento
com Deus e Seu povo através do Espírito. Não que o Espírito seja realmente
dissociado do psiquê ou da alma humana em qualquer sentido claro, definido.
Quando o crente ultrapassa a barreira, indo ao conhecimento dos valores
espirituais, isso o faz perceber a realidade de uma forma que o homem secular
não vê. Paulo aqui dá ênfase à idéia de que, sem esta espécie de conhecimento,
o amor sacrificial não cresce — nem o amor por Deus, nem o amor
pelo homem. O amor agape deve ter raízes no conhecimnto adquirido diretamente
através da revelação e percepção do Espírito Santo.
Em Ef 1:17, Paulo ora pelos cristãos de Éfeso na Ásia: que “Deus... o
Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno
conhecimento (epignõsei) dele. “Este uso que Paulo faz da mesma palavra
esclarece que é o Espírito Santo que nos capacita a ultrapassar a barreira do
conhecimento do mundo secular, e nos faz penetrar tal ciência. Nela alcançamos
e experimentamos a presença de Deus. O Espírito Santo não trabalha
à parte das Escrituras. Deus emprega a Bíblia para guiá-lo, quem sabe enquanto
você ouve a explicação do seu sentido, ou enquanto a lê na hora de-vocional
de manhã. E assim, o solo que proporciona as condições para o
amor crescer e transbordar tem sua origem na oração, uma Palavra de Deus,
e produz a comunhão com Deus, que por sua vez encaminha o amor transbordante
para com Deus e Sua igreja.
Uma segunda palavra que Paulo liga ao “entendimento” do v.9 é a palavra
“percepção”. Transmite o sentido do original aisthesis. Uma pessoa
que tem percepção tem o dom que muitas vezes é atribuído às mulheres
com o nome de “intuição”. O homem pode trabalhar intensamente durante
horas inteiras, lidando com os prós e contras de uma decisão importante.
Talvez escreva todos os números, a lista de vantagens e desvantagens, ten
28. tando arrazoar e chegar à melhor solução de um problema. Muitas vezes,
consulta os colegas executivos para que o ajudem a ponderar as conseqüências
favoráveis e desfavoráveis de sua opção. Depois vai para casa, pergunta à
esposa qual a opinião dela, e fica admirado ao descobrir que seu conselho
está de acordo com a conclusão estudada dele.
A intuição adianta o processo, sendo resultado da'percepção. Por
maior que seja a lógica ou a sua racionalidade, não dá ao homem a verdade
espiritual. Esta precisa resultar de uma revelação por parte de Deus e de uma
percepção por parte do homem. A teoria ou a teologia se transforma em realidade
e estilo de vida cristão. A palavra de Paulo, “percepção” ou “discernimento”,
trata especificamente de um juízo que é tanto moral como espiritual.
As Escrituras não fazem distinção entre as esferas moral, ética e espiritual,
no que diz respeito à prática. Sendo assim, portanto, viver com “percepção”
e conhecimento significa agradar a Deus.
Podemos ilustrar esse termo na vida pública-terrena de Jesus. Muitas e
muitas vezes, Ele foi pressionado em situações onde tinha que fazer escolhas.
Suas decisões eram importantes porque milhares de pessoas ouviam Suas instruções.
Não podia, pois, ensinar uma coisa na teoria e fazer outra diferente
na prática. Seu modo de escolher, repetidas vezes, ofendia as pessoas religiosas
mais respeitadas, o que não o tomava popular. O que ele percebia e declarava
com franqueza contrariava a opinião da maioria da época. Ele favorecia
os humildes, os fracos, os pobres e necessitados, em vez dos fariseus orgulhosos
que eram admirados (cf. Jo 5:44). No caso dos judeus, que conheciam
minuciosamente a Bíblia, mas não tinham o Espírito, exaltavam os valores
do mundo. Jesus, cheio do Espírito Santo, quando ouviu o cego Barti-meu
clamando por misericórdia, ordenou que lhe trouxessem o homem imediatamente,
apesar dos discípulos quererem silenciá-lo com a justificativa de
que Jesus estava ocupado demais (Mc 10:46-52). Foi esse o tipo de intuição
ou sistema dè valores que determinou as decisões de nosso Senhor. Bartimeu
era mais importante do que a multidão, os discípulos, os dignatários religiosos,
ou uma programação prévia.
Necessitamos desesperadamente de possuir esta percepção. É um discernimento
tantas vezes ausente, que explica porque nossa vida espiritual é
fria, e nosso amor parado. Onde existem águas estagnadas e temperaturas
momas, é quase certo haver mosquitos. Essas pestes não podem reproduzir-
se em águas correntes. Quando o amor é parado, os relacionamentos ficam
estragados. Em lugar do amor transbordante pelo qual Paulo ora, criam-
se ressentimentos irritantes, concebidos no ciúme, para atrapalhar o povo
de Deus como se fossem pernilongos zunindo perto dos nossos ouvidos.
Com o conhecimento experimental de Deus e o discernimento estimulado
pelo Espírito Santo, cresce o amor, e diminui o egoísmo.
O autor de Hebreus também emprega um substantivo relacionado com
o termo “percepção” (aisthêsis) quando repreende os cristãos estagnados,
que não quiseram crescer na fé além da primeira infância. Veja o apareci
29. mento divinamente inspirado dessas palavras: “Vocês já deviam ser mestres,
capazes de ensinar a Palavra de Deus, contudo têm de novo necessidade de
alguém que lhes ensine o ABC da fé cristã. Porque todo indivíduo que ainda
se alimenta de leite, não está cheio da Palavra da justiça, pois é criança. Mas
o alimento sólido é para os adultos, para os que têm as suas faculdades exercitadas
pela prática (Hb 5:12-14). A palavra “faculdades” (aisthenia) vem da
mesma raiz grega que o termo “percepção” em Fp 1:9. Visto que aos cristãos
hebreus faltava “percepção”, não tinham a capacidade de discernir entre
o bem e o mal, ou distinguir o melhor do bom. As pessoas maduras precisam
tomar decisões, à luz da vontade de Deus revelada e das conseqüências
eternas. Somente a percepção espiritual produz decisões corretas. Como é
triste constatar com tanta freqüência que cristãos estão se tornando estagnados,
sem maturidade necessária para o discernimento dos valores espirituais.
A Conseqüência do Amor Crescente
Quando o amor de Deus cresce em nós com vitalidade, no solo do
conhecimento e da percepção, o que vai produzir? Paulo dá a resposta no
v.10. Produz “aprovação”. Essa palavra interessante também foi empregada
por Paulo na segunda carta a Timóteo. Permita-me fazer uma paráfrase:
“Quero que você seja um trabalhador “aprovado” (gr. dokimon), quando
chegar no dia de sua formatura, abrir seu diploma conferido por Deus, e ler
os elogios. Espero que você se forme com prêmios, em lugar de descobrir
que foi reprovado no dia de Jesus Cristo” (cf. 2 Tm 2:15).
Como serão emocionantes para uns e chocantes para outros, as surpresas
do juízo final! Muitas pessoas esperam a aprovação da formatura, porém
vão descobrir tarde demais, para sua tristeza, que o prêmio esperado não
lhes foi conferido (cf. Fp 3:14, 2 Tm 4:8). Mas podemos ter a certeza da
aprovação de Deus se somos sinceros e inculpáveis até o Dia de Cristo”, porque
então será evidente em nós a boa obra de Deus (v. 6).
A expressão “para que vocês aprovem as coisas excelentes” (v. 10)
mostra que essa capacidade espiritual tem sua origem nas realidades do v.9.
“Aprovar” (dokimazo) significa testar e aprovar ser autêntica alguma coisa.
Mesmo em nossos dias, uma nota de papel-moeda precisa ser aprovada para
ser aceita. A alta qualidade da imitação engana os “leigos”, mas é rejeitada
pelos profissionais (veja 2:22 e a observação que Paulo faz a respeito de
Timóteo).
O Senhor Jesus empregou a palavra aqui traduzida por “excelente”
{diapherò), que se refere às coisas que precisam ser “aprovadas”, quando
procurou ensinar os discípulos a confiar em Deus, em Mt 6:26. Os lírios
do campo são de muito mais valor (“excelência”) do que o capim, todos nós
concordamos. Mas a comparação não é esta. “Vocês valem muito mais do
que os lírios!” Deus cuida dos lírios do campo; mas você vale muitas vezes
30. mais do que os lírios do campo, então os homens são de maior valor que
todas as flores silvestres, os cristãos amorosos irão distinguir o que realmente
tem significação duradoura daquilo que tem boa aparência na realidade, mas
imprescindivelmente destinados à fornalha (cf. 2 Co 4:18).
A capacidade e o desejo de fazer esta espécie de escolhas entre valores
e prioridades advêm de um conhecimento e perspicácia dados por Deus, mas
prenuncia também o Dia de Cristo. É claro que nada nos fará ficar envergonhados,
se cuidamos em escolher o caminho excelente (1 Co 13:31b).
Este versículo (10) afirma a importância de aprender a distinguir o melhor
do medíocre, “para sermos sinceros e inculpáveis” quando Cristo voltar e
estivermos todos diante do Seu tribunal (2 Co 5:10).
A palavra “sincero” tem seu significado numa prática comum do mundo
antigo. Os potes de barro eram as vasilhas domésticas habituais, usadas na
cozinha como na sala de jantar. Uma das indústrias mais movimentadas era a
de fazer potes e pratos, porque eles se quebravam com muita freqüência.
Eram fabricados de barro queimado que, depois de muito assado e moldado
na roda do oleiro, ia para o forno. Ficavam duros e quebradiços. Quando
menino, eu olhava os oleiros fazendo potes de barro. De vez em quando,
esses potes se rachavam ou ficavam com um buraco. Em vez de jogar fora o
vaso inútil, alguns oleiros sem escrúpulos passavam um pouco de cera sobre
o buraco. Quando alguém o comprava, não percebia a rachadura a não ser
que duvidasse da qualidade do artigo. Nesse caso, bastava virá-lo para o lado
do sol. A cera, sendo apenas opaca, dava passagem à luz. Portanto, a palavra
grega significa “testado pelo sol”, enquanto que a palavra “sincera” do
nosso idioma vem do latim e quer dizer “sem cera”.
Devemos sempre fazer a pergunta para nós mesmos, e para nossos
filhos, vizinhos e amigos: somos testados pelo sol? Observe que esse amor
transbordante confirma nossa segurança de sermos um cristão aprovado, testado
pelo sol, no Dia do Juízo Final.
O v.6 expressa a certeza de Paulo de que Deus há de completar a obra
da salvação que ele principiou. Agora a oração do apóstolo proclama que a
confiança de ser aprovado vem da prova do amor crescente, radicado no
conhecimento e percepção. À “sinceridade”, Paulo (que gostava de usar
dois termos paralelos) acrescenta “inculpáveis”. É a palavra que ele usou
quando se defendia perante os acusadores judeus, incluindo o Governador
Félix de Cesaréia: “Tenho vivido sem ofensa durante toda a vida. Minha
consciência está limpa” (cf. At 24:16). Ora, pode ser perigoso afirmar isso se
a consciência é meramente sua. Muitas de nossas consciências não nos estão
acusando, o que só serve para provar que não estão muito sensíveis ou bem
instruídas. Podemos ser muito bons em auto-defesa, justificando qualquer
falha ou pecado de qualquer acusação interna do coração. É mais importante
estar sem acusação na vida e na conduta, para que nenhum acusador
tenha quaisquer provas contra você, mesmo depois de examinar a fundo a
sua vida.
31. Como exemplo, vejamos um contador. Ele tem um serviço interessante,
porque o cômputo de impostos revela muito sobre a consciência secreta
de seus clientes. Eles sabem quanto deviam pagar de impostos, mas resolvem
que não, porque não há forma de um acusador provar a violação da lei. Sua
consciência não os preocupa, visto que eles racionalizam que o governo desperdiça
vastas quantias de dinheiro. Mas o problema é como eles vão se sentir
quando uma auditoria for feita por alguém que possui todas as provas
para condená-lo.
Paulo aguarda o dia do exame para o qual ninguém pode lhe trazer
nenhuma preocupação, mesmo sendo examinados os registros oficiais e todos
os documentos secretos. Para receber um veredito de isenção de culpa
naquele dia, precisamos agora de consciência pura e sinceridade completa.
As duas qualidades — “testado pelo sol” e “inacusável” (inculpável) no Dia
de Jesus Cristo — resultam de se ter percepção e conhecimento, aliados ao
amor transbordante.
O Fruto da Justiça
Finalmente, vejamos o versículo 11. Está aqui o tema desta mensagem,
e a sua conclusão. “Cheios do fruto de justiça, que vem através de
Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus”. Estamos acostumados com o
fruto (singular, não plural) do Espírito, que é o amor. O amor possui todos
os atributos de “alegria, paz, paciência, bondade, misericórdia, fidelidade,
mansidão, domínio próprio” (G1 5:22, 23), como se fossem expressões variadas
desse amor. O fruto de justiça certamente será o mesmo. Assim como
o fruto de Gálatas 5 é produzido pelo Espírito que habita no interior, o fruto
da justiça é produzido pela vida de Jesus atuante em nós. A oração que
pede muito àmor, firmado em conhecimento e percepção, irá produzir a
capacidade de se distinguir o que há de melhor, a fim de sermos puros e inculpáveis
no Dia do Juízo Final. Mas esta vida, que se torna cheia do fruto
da justiça, vem por Cristo Jesus.
Lourenço da Arábia certa vez levou alguns de seus amigos árabes a Paris.
Queria mostrar-lhes a cidade e impressioná-los. Foi há tempos, antes que
os xeques árabes possuíssem rios de dinheiro pelas vendas de petróleo. Não
conheciam bem as atrações e comodidades modernas, por isso ele queria
dar-lhes este prazer. A Torre Eifell, os lindos edifícios e pontes, o Arco do
Triunfo, nada disso os deixou atônitos. Muitas vezes, desejamos ver os turistas
interessados, mas nossos visitantes só querem voltar para o hotel, e era
isso o que acontecia com aqueles amigos. Isso porque o que os deixou realmente
admirados foi a água corrente. Para ter água éra só abrir a torneira.
Ali no seu hotel é que estava a maior maravilha do mundo. Os árabes
abriam e fechavam a torneira extasiados diante do milagre da água a jorrar
da parede. Um dia antes de voltarem para a Arábia, Lourenço ouviu uns sons
32. estranhos no banheiro. Investigando, encontrou os amigos ali com uma chave
inglesa, tentando desenroscar aquela torneira. Quando indagou o que faziam,
responderam: “Já vimos muita coisa maravilhosa em Paris, mas nada
que se compare com essa torneira. É só abrir, sai água. Queríamos levar essa
invenção tão importante para a Arábia”. Lourenço teve de convencê-los de
uma verdade muito importante. Levar uma torneira para a Arábia e enterrá-
la em uma parede não produziria água nenhuma. Não percebiam que
havia um cano e todo um sistema hidráulico para suprir a água desejada. Se
os seus amigos têm o amor que transborda em fruto de justiça, baseado em
sua ligação vital com Jesus Cristo, e as outras realidades alistadas por Paulo
em sua oração, isso deve animá-lo a procurar que Deus faça o mesmo por
você. Mas se você tenta produzir o fruto da justiça por seus próprios esforços,
terá tão pouco êxito quanto os amigos de Lourenço ao tentar produzir
a água, sem cano e sem fonte.
Conclusão
Paulo quer fazer-nos entender que, no final, Deus será louvado e glori-ficado
pela resposta a essa oração. Seja qual for o resultado produzido por
Cristo em nós em termos de vida justa, inevitavelmente, Deus será honrado e
exaltado. Bondade produzida humanamente glorifica o homem (cf. Jo 5:44).,
mas logo que descobrimos que dentro de nós “nenhum bem habita”, somos
forçados a dirigir-nos ao nosso Senhor em busca dessa justiça miraculosa
que reflete o louvor e glória de Deus (v. 1 lb). Duvido que muitas orações
tenham esta meta. É freqüente orarmos implorando alívio de aflições e dores,
ou o suprimento daquilo que supomos necessitar e desejar. Quando somos
conscientizados para orar como Paulo orou, podemos aguardar a conseqüência,
maravilhosamente apresentada nesta curta passagem de Filipenses,
além de experimentar a verdade de que Deus tem prazer em dar-nos as coisas
que desejamos, mas não pedimos (Mt 6:33),
Oração: Pai, Tu conheces a profundidade de nossas necessidades
pessoais. Sabes como estamos ressequidos, estagnados, incapazes de produzir
qualquer porção de teu amor agapê; e sabes ainda, como é impossível para
nós ultrapassarmos a barreira do som de nossos conhecimentos terreais. Pode
ser que tenhamos dominado um pouco da sabedoria deste mundo, mas
ela é tão desligada da ciência e percepção espirituais que possibilitam o amor
abundante! Ô Pai, Tu nos amas tanto, e nós Te rogamos que, por Jesus
Cristo, Tu nos faças todos aprovados por Ti, dando-nos aquela capacidade
de selecionar as prioridades verdadeiras. E através de tudo isso, pedimos, por
Jesus Cristo, que nosso Senhor seja exaltado e engrandecido. Amém.
33. A FILOSOFIA DE VIDA DO CRISTÃO
Filipenses 1:12-26
12 - Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as cousas
que me aconteceram têm antes contribuído para o progresso
do evangelho; 13 — de maneira que as minhas cadeias, em Cristo,
se tomaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de
todos os demais; 14 - e a maioria dos irmãos, estimulados no
Senhor por minhas algemas, ousam falar com mais desassom-bro
a palavra de Deus. 15 — Alguns efetivamente proclamam a
Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade;
16 - estes, por amor, sabendo que estou incumbido da
defesa do evangelho; 17 - aqueles, contudo, pregam a Cristo,
por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação às
minhas cadeias. 18 - Todavia, que importa? Uma vez que Cristo,
de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto,
quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre
me regozijarei. 19 - Porque estou certo de que isto mesmo,
pela vossa súplica e pela provisão do Espirito de Jesus Cristo,
me redundará em libertação, 20 - segundo a minha ardente
expectativa e esperança de que em nada serei envergonhado;
antes, com tôda a ousadia, como sempre, também agora, será
Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela
morte. 21 - Porquanto, para mim o viver é Cristo, e o morrer
é lucro. 22 - Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o
meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. 23 - Ora, de
um e outro lado estou constrangido, tendo o desejo de partir
e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor.
24 - Mas, por vossa causa, é mais necessário permanecer na
carne. 25 — E, convencido disto, estou certo de que ficarei, e
permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da
fé. 26 - A fim de que aumente, quanto a mim, o motivo de
vos gloriardes em Cristo Jesus, pela minha presença de novo
convosco.
Introdução
Uma biografia, para valer a pena, tem de contar mais do que os simples
fatos da vida de uma pessoa. Lendo Filipenses, capítulo 1, versos 12a
26, é preciso compreender que há mais do que meros fatos naquilo que o
apóstolo conta. Nestes versículos vemos, primeiramente, atitudes, um modo
de ver, uma maneira de avaliar as circunstâncias e as pessoas.
Confiamos no Pai, autor dessas palavras preciosas, para que ele faça
brilhar em nossos corações a glória de uma vida que lhe foi totalmente dedicada,
a fim de podermos imitar este seu servo, Paulo, compreendendo como
tornar nossas as suas atitudes e o seu modo de pensar. Que Deus desafie a
34. nossa vontade enquanto estudamos a Palavra e abrimos os corações ao ministério
do Espírito.
Os versículos 1 a 11 que já examinamos, revelam como Paulo agradecia
e orava a Deus pelos cristãos de Filipos. Os versículos 12-26, no entanto,
são seu testemunho pessoal. Aqui, vemos Paulo erguendo os olhos para o
mundo ao redor, para seu passado, seu presente e seu futuro. Ele os examina
de um certo ponto de vista.
A avaliação correta da vida e até mesmo a pessoa que somos, não depende
do que nos aconteceu durante a vida, nem de onde temos morado.
Depende basicamente da atitude com que encaramos a nossa vida - nosso
passado, presente e futuro. Creio que foi Elton Trueblood quem disse: “Estou
plenamente convencido de que a humanidade não mudou nem um til. O
que tem mudado, naturalmente, são as circunstâncias que lhe cercam a vida.
Mas o homem é o mesmo. Reage de modo igual; pensa de modo igual; dadas
as mesmas oportunidades, deseja de modo igual; há de cobiçar as mesmas
coisas, como sempre fez”.
Acredito que seja uma observação perspicaz e verdadeira. Paulo não só
nos conta aqui quais eram as circunstâncias em que se achava, mas também
nos mostra como uma pessoa age e reage, uma vez que colocou Cristo no
centro absoluto de sua vida. E. Stanley Jones denominou-o de “hipótese
central de sua vida”. Se você faz com que Cristo seja o eixo giratório, o vértice
de tudo — a pessoa para quem todos os aspectos de sua vida são voltados,
o alvo a quem todos os minutos de sua vida consciente apontam, então
as conseqüências, inevitavelmente, aparecerão em sua vida e atitudes, como
aconteceu com Paulo. Comecemos por um exame das perspectivas múltiplas
com que Paulo enxergava suas circunstâncias e adversários.
Paulo Avaliava os seus Sofrimentos Positivamente
Primeiramente, vejamos com Paulo o seu passado. Nos versículos 12 e
13 encontramos o apóstolo dizendo: “Quero que percebam que o sofrimento
pelo que passei, o meu sofrimento pessoal, não é nada que deva nos entristecer
Ou desanimar”. A prisão e as aflições que sofreu não o fizeram sentir
que devia reclamar bem alto e esperar que os outros tivessem pena dele
pelos maus-tratos que recebera. Sabemos como podemos nos sentir quando
alguém nos trata com injustiça. Acho que Paulo poderia muito bem ter-se
considerado a pessoa mais injustiçada de todo o mundo. Era um homem que
não tinha feito nenhum mal, que dedicara sua vida somente para servir os
outros. Entretanto, estava confinado sob acusação falsa. Por inveja e ódio
diabólicos, planos foram arquitetados para se livrarem dele; de fato, mais de
quarenta homens chegaram a jurar que se não o pudessem matar, cometeriam
o suicídio com greve de fome (At 23:12-21). Tal foi a intensidade do
ódio dirigido contra a sua pessoa. Estivera preso por dois anos em Cesaréia
35. (aceitando que Filipenses foi escrito de Roma), pelo simples motivo de que
ninguém aparecera com dinheiro suficiente para subornar o governador a
fim de que o soltasse.
O tratamento injusto do passado continuava no presente. Paulo ainda
estava preso em Roma porque tinha apelado para César. Mais dois anos se
passariam antes que fosse solto, durante os quais Paulo pagaria o aluguel da
casa que lhe servia de prisão, acorrentado dia e noite a um guarda pretoria-no.
Contudo, com o tempo ficou provado que todas essas coisas que lhe
aconteceram no passado, mesmo os naufrágios, visavam o bem. Vamos para
2 Co 11, por um momento, onde se pode ver uma série de experiências às
quais Paulo tinha sobrevivido nos versículos 23 a 28. Diz ele: “Falo como
louco (como fora de mim) — muito mais trabalhamos, muito mais apri-sionamentos,
com incontáveis açoites (Paulo diz: “Já esqueci quantas vezes
fui açoitado, todas as cicatrizes praticamente se uniram”), muitas vezes em
perigos de morte. Cinco vezes recebi das mãos dos judeus os “quarenta açoites
menos um” (sempre menos um, para que a pessoa não morresse, pois
nenhum judeu queria ser julgado diante de Deus pela morte da pessoa fustigada).
Três vezes apanhei de vara (referindo-se ao modo como os romanos
açoitavam); uma vez fui apedrejado. Três vezes sofri naufrágio; uma noite e
um dia fiquei à deriva no mar; em viagens muitas vezes, em perigos de rios,
em perigos de ladrões e salteadores (tudo, diz Paulo, contribuiu para o
bem)”.P
ara esclarecer: se você tem o ponto de vista de Paulo sobre o que lhe
acontece na vida, você já avançou bastante na estrada da maturidade cristã
ou santificação. A santidade não é aquele ideal religioso elevado, pelo qual a
pessoa se torna um religioso solitário fanático ou um eremita que passa o
tempo todo num cubículo, com as mãos cruzadas e as costas cada vez mais
curvadas num arco santificado. Isso pode ter muito pouco a ver com a santidade
que pode ser descrita como um ponto de vista, uma maneira cristã
(de Cristo) de avaliar o que está acontecendo com você.
Nas palavras de Rm 8:28, Paulo escreveu o conhecido “Biotônico Fontoura”
do crente, como podemos denominá-lo. O crente tem a Palavra inviolável
e eterna de Deus para assegurar-lhe que, se realmente ama a Deus e
foi chamado para compartilhar de seu divino propósito, só o bem poderá resultar
de todas as circunstâncias exteriores que afetam a sua vida. É semelhante
ao que Isaías diz: “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai, nós somos
o barro, e tu o nosso oleiro; e todos nós obra das tuas mãos” (Is 64:8). À
medida que Paulo observava seu mundo e experimentava tudo que lhe acontecia,
reconheceu o maravilhoso trabalho do oleiro que formava e moldava a
massa flexível e receptiva do seu coração. Ele se regozijava então nos seus
sofrimentos (Cl 1:24), reagindo sempre com atitude de aceitação positiva e
nunca com amargura ou auto-piedade com relação àquilo que Deus estava fazendo
em sua vida.
36. Olhemos agora, mais uma vez, para o versículo 12: “As coisas que me
acontecem têm antes contribuído para o progresso do evangelho”. Paulo
não disse que gostou de suas circunstâncias. Não estava dizendo: “Eu estou
completamente louco e por isso gosto desses acontecimentos dolorosos,
ruins, pois minha mente não está funcionando bem.” Porém, o que Paulo
afirmou foi o seguinte: “Eu avalio as coisas más que têm acontecido em
minha vida em termos de como elas contribuem para o bem superior, o que
realmente faz valer a pena e torna o investimento compensador. Esse bem é
o progresso do evangelho”.
No original, a palavra traduzida por “progresso” é um termo militar
que retrata trabalhadores com machetes e machados abrindo caminho através
da mata, a fim de preparar a passagem para o exército. Era de máxima
importância abrir caminho para o exército avançar. Paulo estaria dizendo
assim: “Já estive ali na frente, sofrendo os ferimentos bem como a oposição
do inimigo, mas louvo a Deus porque o nosso exército está avançando — o
Evangelho tem progredido porque o caminho foi aberto. Esta palavra que
ele usa novamente um pouco adiante, fornece uma chave para compreendermos
o entusiasmo de Paulo. No versículo 25, o “progresso” que Paulo espera
ver na igreja filipense se refere ao crescimento deles na fé e na maturidade
espiritual. Aqui ele fala no “progresso do evangelho” no sentido de o evangelho
“se tornar conhecido em toda a guarda pretoriana” (v. 13).
Antes que a arqueologia nos informasse melhor sobre esta palavra,
pensávamos que o pretório se referisse somente ao palácio do imperador
em Roma ou do governador na capital de uma província (At 23:35; Mt
27:27). Através de algumas inscrições descobrimos agora que o pretório também
pode referir-se à guarda, que era especialmente os “olhos e ouvidos” do
imperador nas principais cidades em todo o mundo romano. É possível
mesmo que Filipenses tivesse sido escrito em Éfeso porque devem ter havido
componentes da guarda pretoriana para zelar pelos interesses do imperador
ali. Fm Roma, a guarda pretoriana se compunha de cerca de nove mil homens,
escolhidos dentre a elite das tropas de todo o império. Não sò tinham
de ter o porte físico correto — altos, de ombros largos, fortes — também
tinham que ter a lealdade de coração e ser homens dignos de confiança,
mesmo sob pressão. Recebiam salário duplo, para assegurar que trabalhassem
satisfeitos. Eram responsáveis pela guarda dos prisioneiros do imperador, incluindo
Paulo nesta ocasião.
Imagine um guarda pretoriano sendo algemado com Paulo. Tinha que
dormir ao lado desse homem para garantir que ele não escapasse. É possível
que Paulo nem sempre dormisse bem. Imagine o guarda ter que escutar a
Paulo na escuridão silenciosa da noite. E Paulo falava sobre Jesus, outro
Senhor, outro kúrios, em lugar do imperador. Mas esse soldado pretoriano
estava lá justamente para proteger a posição ímpar e autoridade suprema daquele
único imperador através de todo o mundo civilizado. Contudo ali estava
Paulo falando em outro Senhor (kúrios, no grego) cujo nome era Jesus
37. Cristo. Aqueles guardas militares devem ter saído de perto dele meneando a
cabeça. Devem ter considerado Paulo um obcecado, visto que ele falava sobre
este Senhor dia e noite. Certamente, pensavam em quem seria esse Jesus,
o que lhe aconteceu, por que Paulo tinha tanta certeza da sua ressurreição.
Naturalmente teriam aguçado os ouvidos quando Paulo contava do julgamento
e crucificação dele sob Pilatos, um governador romano. Talvez, a
princípio, nada disso lhes fizesse sentido, mas no outro dia teriam um pouco
mais clara desta vez, e assim, um por um, ouviam as boas novas do evangelho.
É possível que não haja lugar mais propício para proclamar o evangelho do
que uma prisão, o público cativo não podia escapar nem forçar o evangelista
a silenciar-se. Pobres guardas pretorianos! Se não quisessem receber a Cristo
como seu Senhor, deviam então pedir demissão da força. Sem dúvida, alguns
deles se renderam ao kúrios de Paulo.
Além disso, veja o final de Filipenses, onde o texto diz: “Todos os santos
vos saúdam, especialmente os da casa de César” (4:22). Paulo estava se
referindo ao lugar onde estava preso, onde tinha tido o privilégio de proclamar
o evangelho e ver o seu progresso entre aqueles que estavam algemados
com ele, aqui descritos como sendo da casa do imperador.
Notemos que as algemas a que Paulo se refere são suas “cadeias, em
Cristo, que se tomaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de todos
os demais” — as cadeias são em Cristo e sua prisão é por Cristo, e esta é uma
segunda conseqüência dos sofrimentos de Paulo que ele considera positivamente.
Não só os guardas pretorianos aprendiam sobre Jesus e sobre o evangelho,
como também, ele acrescenta, “todos os demais” : as outras pessoas
também ficavam sabendo disso. O povo em geral não estava separado dos
guardas. Os escravos e a população da cidade estavam logo discutindo sobre
Paulo e suas “boas novas”.
A terceira conseqüência afetava os cristãos de Roma ou Éfeso, que cjo-meçavam
a falar sobre o Senhor mais ousada e livremente (v. 14). Além dos
guardas que tinham de ouvir a Paulo, além da difusão das novas pelos guardas
e todas as pessoas da casa de César, os cristãos também começavam a dar
testemunho do amor e da graça salvadora de Deus. Você deve saber, por certo,
que a maioria dos cristãos não testemunha, pelo menos a maior parte do
tempo. Um membro “normal” de uma igreja não percebe que na sua vida
diária deve ser um missionário, considerando a causa missionária como sua
própria missão. Algumas poucas pessoas são assim, mas não existem muitas.
Era o que acontecia na cidade onde Paulo estava preso. Nesse aspecto, não
havia nada de realmente fora do comum que diferenciasse a igreja de Roma
ou Éfeso das nossas igrejas hoje. Muitos cristãos escolhem um método de dar
testemunho que podemos chamar “método silencioso”. Não dizem nada. Vivem
sua vida cristã tão calma e prazeirosamente quanto possível. E as
pessoas que vivem acima deles, as que moram em baixo ou ao lado deles no
seu prédio de apartamentos nem suspeitam que aqueles cristãos possam ser
estrangeiros, cidadãos de outro país chamado céu (cf. 1:27; 3:20). Como
38. poderiam saber? Entretanto, quando Paulo estava na prisão por amor ao
evangelho, correu a notícia de que esse homem era diferente; ele não conseguia
deixar de anunciar a boa nova sobre o Salvador.
Em 1 Co 9, Paulo revela uma parte do segredo sobre a obrigação que
pesava sobre ele e o impulsionava. Ele estava sob uma maldição, um tipo estranho
de maldição, é lógico, porque não dá para sabermos quem a pronunciava.
É possível que fosse Paulo amaldiçoando a si mesmo. Ele dizia: “Ai de
mim se não pregar o evangelho” (v.16); quer dizer, que um “ai” (maldição)
o alcançaria no caso de ele deixar de falar sobre Jesus Cristo a todos com
quem estivesse em contato íntimo. Quando aqueles cristãos do primeiro século'viam
alguém sofrer pelo evangelho, a consciência de cada um começava a
apertá-lo tanto, a ponto de não conseguir ficar calado acerca de Cristo. Não
se limitavam a falar a respeito dele, mas como Paulo faz questão de frisar no
v.l4, comunicavam a Palavra de Deus ousadamente e com desassombro. Antes
de Paulo ser preso, haviam sido derrotados pelo medo de serem presos
por promover a causa de outro Rei. Mas a experiência de Paulo na prisão
não lhes parecia assim tão má. Ele não parecia nada infeliz ou deprimido.
Uma das principais razões para temermos a prisão é, naturalmente, o medo
de ficarmos tristes e detestarmos muito o lugar. Paulo, porém, parecia prosperar
naquela situação. Avaliava as circunstâncias de um modo tão diferente,
que os cristãos estavam chegando a conclusão: “É, não deve ser tão ruim
como eu pensava”. Então se inflamavam com o fogo ardente do amor pelo
Senhor. Em toda parte, na cidade de Roma ou Éfeso, podia-se encontrar
cristãos que estavam testemunhando sobre o Senhorio, a Soberania de Jesus
Cristo, ousadamente e com desassombro.
Se alguém fosse avaliar os eventos propriamente ditos que cercavam
o apóstolo, não compreenderia a situação. Mas como Paulo tinha uma atitude
que podemos chamar de positiva, otimista, missionária, isso estimulou
o surgimento desse tipo de cristianismo, primeiro na casa de César e mais
tarde através de toda a cidade.
Paulo Reagiu Diante da Oposição dos Cristãos Positivamente
Dessa consideração das circunstâncias passadas e presentes de Paulo,
com a interpretação que ele lhes dava, voltamo-nos a uma apreciação da atitude
de Paulo para com uma igreja dividida. Às vezes, não obstante nosso
desejo e esforço de evitá-lo, uma igreja pode dividir-se. Lendo os versículos
15 a 18 podemos observar que havia uma comunidade cristã dividida na cidade
onde Paulo estava preso. Ele escreve: “Alguns efetivamente proclamam
a Cristo por inveja e porfia”.
Será possível existir isso? Ali alguns cristãos não estavam pregando a
Cristo porque o amavam, mas por rivalidade, por inveja de Paulo e daqueles
que eram a seu favor. Em outras palavras, sua idéia era que pregar o evan
39. gelho fazia parte de um jogo político. Provavelmente, irritavam-se com a
fama e o êxito de Paulo no piogresso do evangelho, e por isso escolhiam ser
da oposição e considerar a Paulo como rival. Se eram legalistas, certamente
criticavam o seu evangelho de salvação pela graça. Podemos reconstruir seus
pensamentos da seguinte forma: “Paulo diz que você deve receber a Jesus
Cristo sem obras e sem a necessidade de observar a lei, pois a cerimônia e o
ritual nada significam para ele. Veja o que vai acontecer ao cristianismo se as
pessoas o seguirem. Cairá por terra por falta de substância, regras e rituais
definidos”. Essas pessoas não viam nenhum problema em seguir a Cristo. Estes
sim, tinham acertado porque falaram favoravelmente da lei, como podemos
ver em Mateus, mas Paulo parecia ter-se tornado um antinomiano.
• Podemos então entender porque os adversários estavam transtornados
com a maneira em que Paulo avançava, mesmo estando na prisão. Podemos
comparar a situação de Paulo com a de uma pessoa que está contra o governo,
e é colocada na cadeia por isso, mas enquanto ela está lá o seu partido
cresce. Assim os críticos, os inimigos de Paulo, decidiram fazer uma campanha
contra ele. Ficamos admirados ao ver que o melhor modo que acharam
para diminuir a Paulo ou vencê-lo, foi pregar o evangelho, tentar converter
mais pessoas do que Paulo convertia.
O desejo de realizar uma campanha dessa natureza veio da inveja e rivalidade
ou porfia. Há várias palavras aqui para descrever sua motivação:
“por discórdia”, “insinceramente” (v.17), “por pretexto” (v.18). Todos os
motivos que tinham p"ara pregar o evangelho estavam errados, contudo estavam
pregando a Cristo (v. 18).
E a reação de Paulo, qual devia ser? Muitos pregadores de hoje aconselhariam
assim: “Paulo, se eu fosse você, acabaria com essa raça. Colocaria
uma propaganda de página inteira na Folha de Roma e contaria a todo mundo
seus defeitos; faria propaganda de todos os seus pontos negativos; fulano
e sicrano são hereges, não acreditam no evangelho verdadeiro, pregam a
Cristo por motivos falsos”. Mas Paulo não seguiu esse caminho de modo algum.
Por que Paulo não os condenou como carnais? Por que não começou a
pregar contra irmãos tão sem amor, tão críticos, causadores de dissensões?
Por que não apelou à autoridade suprema de sua apostolicidade? Afinal de
contas, ele era o “papa” daquela cidade, pelo menos na ocasião, porque era
o único apóstolo presente ali, ainda que seu trono fosse provavelmente uma
velha esteira no chão da prisão. Por que não os excomungava a todos de uma
vez? Entretanto não encontramos esse tipo de espírito em Paulo, por causa
de sua atitude missionária positiva e encantadora.
Vamos parar e examinar por um minuto uma das expressões mais
admiráveis de Filipenses. Paulo, em uma passagem singular, mostTa sua atitude
despreocupada. Uma frase curta revela seu ponto de vista: “Todavia,
que importa?” (v. 18). “Que importa o que acham de mim contanto que
Jesus Cristo esteja sendo pregado? Eu sou feliz como um pássaro. Ficaria
contente em ter todo mundo como rival, se isso incentivasse mais pessoas a
40. proclamarem a boa nova de Jesus Cristo. Pensam que estão contra mim, mas
na verdade estão a meu favor. Pensam que vão salgar minhas feridas, mas
quando a questão é pregar o evangelho, eu não tenho feridas”. Uma atitude
assim só pode ser demonstrada por um cristão maduro. Quando você não se
importa com o que as pessoas pensam ou dizem sobre você, quando a oposição
e os insultos delas não o incomodam de maneira nenhuma, você chegou
então a um ponto que o Dr. Hans Bürk chama de “integração” num nível
tal que suas preocupações principais se focalizam em tudo menos em si
próprio.
Paulo estava imitando o exemplo de Jesus que demonstrava uma integração
perfeita ao ser falsamente acusado, insultado e finalmente condenado
(cf. 1 Pe 1:18-24). Quando as pessoas eram invejosas, críticas, insinceras,
buscando “suscitar tribulação” às suas cadeias (v. 17), isso se tornava uma
oportunidade para o apóstolo mostrar sua “moderação ” (4:5) a todos. Paulo
sabia alegrar-se voluntária e espontaneamente nas circunstâncias presentes
(“me regozijo” v. 18b) e ter certeza de que qualquer dificuldade futura não
haveria de afetar sua alegria em Cristo (“sim, sempre me regozijarei” v. 18).
E só podia mesmo regozijar-se com o fato de que o nome de Jesus estava
sendo proclamado e o evangelho apresentado.
Paulo Encarava o Futuro Positivamente
Vamos observar agora o modo como Paulo encarava o futuro.Tinha
muita confiança em relação ao futuro, embora não soubesse se Deus o permitiria
sobreviver à crise presente. No passado, muitas vezes fora colocado
diante da morte, e em cada uma dessas ocasiões Deus o havia resguardado.
Mas, neste trecho de Filipenses, ele abriu o coração aos leitores, revelando
seu pensamento maduro sobre a morte em si. A expressão chave de sua avaliação
do futuro encontra-se no v.21: “Porquanto, para mim o viver é Cristo,
e o morrer é lucro”. Devemos voltar ao cap. 3 onde Paulo apresentou o
mesmo ponto de vista novamente, num testemunho bastante pessoal que se
encontra no v.8: “Perdi todas as coisas e as considero como refugo, para
ganhar a Cristo ”. Quando Paulo olhou seu futuro tão incerto, ele desconhecia
o número de dias ou meses de sua prisão, não sabia que sentença lhe da-riam
quando seu caso fosse julgado, mas sabia uma coisa: conhecia a Cristo.
E porque conhecia a Cristo, para ele faria muito pouca diferença o ser solto
ou decapitado, pois qualquer dos dois caminhos iria manter sua “hipótese
central”, que era a comunhão contínua com seu amado Senhor. Continuaria
uma pessoa bem realizada e alegre, acontecesse o que acontecesse, pois é
assim que se deve enfrentar o futuro. Quando a pessoa tem sua confiança total
no Deus onipotente, nada de ruim pode sobrevir, porque os eventos e as
circunstâncias são controlados por Ele. Só haviam duas opções, e qualquer delas
que Deus escolhesse para Paulo tinha que ser a melhor.
41. Vamos fazer agora uma paráfrase do versículo 19: “Regozijo-me — estou
feliz da vida mesmo nessa prisão. Primeiramente sei que suas orações vão
trazer-me um suprimento do Espírito de Jesus Cristo”. É uma frase difícil,
esta última. Não sabemos se Paulo queria dizer: “Serei mais cheio do Espírito”,
ou se ele afirma: “O Espírito Santo vai me dar tudo de que necessito
para enfrentar qualquer provação que terei de enfrentar, a fim de que eu
atravesse sem perder nem um pouco da minha alegria no Senhor”. Além do
mais, esse “suprimento do Espírito” que viria em resposta às orações dos
filipenses redundaria em sua “libertação” ou salvação. Paulo não tem certeza
se será libertado, livrado da morte, mas ele tem certeza de sua salvação (v.6).
Se ele for solto, será salvação no nível humano. Se for para a glória, será salvação
na dimensão celestial.
A expressão “minha ardente expectativa ” (v.20), descreve uma pessoa
que aguarda com a mesma emoção e antecipação de uma criancinha que sabe
que vai participar da melhor experiência imaginável, quem sabe um piquenique
ou uma visita ao zoológico. Paulo reconhece que o Espírito está
operando seu salvamento, acompanhado pela expectativa e esperança do
apóstolo de que em nada será “envergonhado”. Não que Paulo se envergonharia
de Cristo, mas contemplava a possibilidade de perder sua coragem
na hora crucial. Poderia dizer algo ou agir de alguma maneira que levasse as
pessoas a crer que Jesus Cristo não era real. Se ele estivesse no banco dos
réus durante seu julgamento e o promotor público lhe pedisse seu depoimento,
poderia, por algum motivo, calar-se ou deixar de dar testemunho claro
e destemido em favor de seu Senhor. Afinal de contas, Pedro negou seu
Mestre, não só uma vez, mas três vezes. Que vergonha terrível deve ter oprimido
o apóstolo veterano quando confessou seu ato covarde a Paulo. Por
isso, Paulo pede as orações fervorosas de seus amigos de Filipos, para que
não fique envergonhado quando chegar o momento de tomar posição
por Cristo, a fim de que o faça da maneira mais perfeita possível. E assim
continua seu pensamento: “Em nada serei envergonhado; antes, com toda a
ousadia, como sempre, também agora, será Cristo engrandecido no meu corpo,
quer pela vida quer pela morte ” (v. 20).
O importante é que aqui se ensina como devemos encarar o corpo,
aquela nossa parte que valorizamos tanto. Sem dúvida alguma, ele é muito importante.
A maior parte do tempo, trabalhamos e lutamos pelo corpo, para
que ele esteja vestido, alimentado, bem agasalhado debaixo de um teto,
aquecido, subimos e descemos as ruas da cidade como também pagamos
bem para transportá-lo aos lugares mais lindos e confortáveis do mundo.
Não se pode negar que o corpo seja importante. Mas Paulo tinha apreendido
na prisão outra coisa sobre o corpo, que influenciava seu ponto de vista.
Ele descobrira que o mais importante com relação a seu corpo não era
nenhuma das coisas que nos preocupam a maior parte do tempo. A grande
preocupação dele é que seu corpo seja um sacrifício sem mácula, perfeito,
para Jesus Cristo. Se o seu sangue fosse derramado no altar de mártir e sua
42. cabeça rolasse no pó, não seria nenhuma tragédia. Antes, sua morte haveria
de glorificar a Deus de modo maravilhoso. Através da morte e através de
meu corpo sacrificado, afirma Paulo, Cristo será exaltado. Ora, esta é realmente
a coisa mais importante do mundo, que todo corpo seja um sacrifício
na morte ou na vida (Rm 12:1).
Mas, e se Deus o deixar viver? Nesse caso, esse corpo terá que viajar
um pouco mais. O apóstolo tinha muita vontade de ver de novo os filipenses.
Se Deus o levasse nessa direção, uma série de bênçãos viriam a acontecer.
Em primeiro lugar, Paulo aguarda um trabalho frutífero (v.22), que
nesse caso seria o crescimento espiritual e numérico da igreja em Filipos.
Paulo precisa de seu corpo lá na Macedônia para que isso se realize. Em segundo
lugar, ele diz: “Poderei dar-lhes mais assistência” (v.24). E em terceiro
lugar, ele tem esperança de estimulá-los no progresso na fé e incrementar
sua alegria em Cristo. A igreja filipense amava muito a Paulo, então esperava
ansiosamente que ele viesse visitá-la e lhe pregasse outra vez as maravilhosas
verdades de Jesus Cristo.
Mas, e se ele morrer? Será lucro para o apóstolo. Cristo será ganho
completamente (cf. 3:7,8). Paulo reconhecia que após a morte estaria com
Cristo. João nos dá a certeza de que seremos como Ele (1 Jo 3:2). Por fim,
Paulo diz que é bem melhor estar na companhia de Cristo.
Conclusão
Nesse pequeno resumo autobiográfico, temos o retrato de um homem
que tem um ponto de vista cristão integrado sobre a vida e a morte. Já foi
dito, e é verdade, que quem não tem o ponto de vista certo sobre a morte,
não terá também o conceito correto sobre a vida.
E. Stanley Jones nos deixou um exemplo de uma atitude correta para
com a vida e a morte, quando viajava num avião que sobrevoava o aeroporto
de Saint Louis nos Estados Unidos. 0 aeroporto estava fechado, e o avião
dava voltas por duas horas. Temos aqui o que o veterano missionário escreveu
quando pensou que estava vivendo os últimos instantes de sua vida: “Estou
em paz espiritualmente, sem tensões, porque creio que a hipótese central
de minha vida está correta. A vida é só uma longa verificação desta hipótese
central. Esse fato me dá um senso de estabilidade. Estou aqui em cima,
neste avião. Há duas horas o avião dá voltas acima destas nuvens. Se não
aterrisarmos com segurança, gostaria de deixar meu último testamento para
meus amigos e companheiros seguidores de Cristo. Ei-lo: Existe paz, a perfeita
paz, independente de minha fidelidade ao Soberano. Não tenho pesares
ou remorsos sobre o curso geral de minha vida. A vida com Cristo é a maneira
de viver. Nesta hora, há segurança, há Deus por fundamento, debaixo de
todas as incertezas da existência humana. Portanto, descanso em Deus. Que
ele dê o melhor para todos vocês. Vivendo ou morrendo, eu sou dele, só dele.