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REPRESENTAÇÕES DA SIDA NOS JORNAIS



1. Introdução

Se, para um médico, a categoria de doença corresponde a uma realidade empírica, a
sociologia aplicada à doença e o jornalismo consideram-na uma construção social. A
construção social do conhecimento e da realidade está no centro do trabalho de Berger e
Luckmann (1999), para quem o conhecimento produzido pelas pessoas se orienta para
problemas práticos e particulares, validando realidades socialmente determinadas.
Assim, perspectiva-se a entidade doença como produto da razão e das práticas sociais,
“fabricado” através das interacções sociais. Como considera Nettleton (1995: 25), as
categorias de doença podem aplicar-se no reforço das estruturas sociais existentes, que
conformam uma aparência “natural” nas relações sociais. Para Augé e Herzlich (1995:
1), o significado da doença requer interpretação, que pode variar conforme a sociedade
em que ocorre. Também Pierret (1995: 182) fala de usos discursivos diferentes na saúde
e nos seus significados sociais. Trechler (1999: 149) representa outra visão, a da
construção cultural aplicada a uma doença particular, a sida. Para ela, a construção
cultural implica debates prolongados sobre o conhecimento humano e sobre a natureza
do mundo. A natureza da sida é constituída pela linguagem e, em especial, pelos
discursos da medicina e da ciência.

O modo como a sida se constituiu como doença e foi construída em termos de notícia é
o objecto principal deste texto, a partir de uma profunda revisão da literatura da área.


2. Do discurso científico sobre doenças às notícias

A ciência e a descoberta científica para combater uma doença passam, cada vez mais,
pelas definições saídas em textos que um especialista ou grupo de cientistas escrevem
para os seus pares e colegas, na tentativa de obterem aprovação. Ao mesmo tempo, a
novidade científica no terreno da saúde e da doença conhece também uma divulgação
rápida nos media noticiosos. A construção social da realidade, fruto da interacção de
agentes sociais que pretendem fazer triunfar as suas definições e significados
discursivos, opera naquilo a que Bourdieu (1997) chamou campo jornalístico e que aqui
adaptamos para campo científico das notícias.

Como analisa Treichler (1999: 167), a profissão médica pode resultar de lutas sociais e
políticas. O nome VIH como agente viral que provoca a sida resultou de lutas científicas
desencadeadas entre Luc Montagnier e Robert Gallo, dois cientistas de mérito
internacional. Ambos usaram as designações LAV e HTLV-III para exprimir o vírus,
em 1983. Durante cerca de três anos, muitos cientistas e jornais científicos empregaram


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o nome LAV/HTLV-III (ou HTLV-III/LAV) – a barra marcava a identidade do vírus
como construída e disputada culturalmente. A recomendação do emprego do acrónimo
VIH (HIV em inglês) pela comissão internacional de taxonomia de vírus seria adoptada
pelos institutos a que pertenciam os aqueles cientistas. A questão do nome escondeu
também interesses económicos e políticos dos países dos dois investigadores, França e
Estados Unidos (fármacos e vacinas). Patentear, produzir e comercializar medicamentos
significa ganhar muito dinheiro, conforme confirmariam notícias de 1994, após se
reconhecer a Luc Montagnier a paternidade da descoberta do VIH.

No sentido de manter o domínio do seu saber, o campo científico hegemónico trabalha o
seu discurso, passando da vulgarização à mediatização dos conhecimentos (Zappalà,
1997: 181; Wolton, 1997: 11). Para Wolton, se a vulgarização é transmissão de valores
e conhecimentos do meio científico para o público, a mediatização garante visibilidade.
Esta não permaneceria o único elemento principal da divulgação da ciência; as
controvérsias científicas geradas entre especialistas, quando se define uma nova área do
conhecimento e os efeitos e causas a ele associados, também contribui para despertar a
atenção dos jornalistas, dados os valores-notícia envolvidos. Como aponta Foucault
(1997: 15), a vontade de verdade do discurso, reforça-se com práticas, procedimentos e
regras, e que conduzem o discurso a um jogo ambíguo de segredo e divulgação.

Nas notícias da sida há dois outros lados que marcam o sentido da construção social e
cultural. Numa perspectiva dramática, as notícias remetem constantemente para a
doença e a morte. A dramatização fácil resulta da ausência de cura do mal, da
improbabilidade da sua descoberta, que se faz acompanhar de ingredientes clássicos
como o amor, a solidariedade, o sofrimento, a morte e o “preço do pecado” (Grandi,
1995: 36; Mattoso, 1998: 22). A imagem que acompanhava uma notícia fala do abraço,
ideia de reconforto retomada nas cadeias humanas de solidariedade em recordação dos
doentes com sida já falecidos. Porém, a representação do doente com sida raramente
ocorre nas notícias (Traquina, 2000).

As notícias da sida atiram também para a vontade permanente e eterna da humanidade
lutar contra a doença, para atingir a vitória sobre o imprevisível, o caos e o perecível. Os
quadros de referência da morte e das tentativas de vitória sobre a morte e a doença
enformam todas as notícias da sida. O remédio, a vacina e a cura pairam constantemente
nos textos jornalísticos.



3. Doença, riscos e estilos de vida

A doença associa-se ao risco, conceito que emergiu nas últimas décadas devido a
ameaças de consequências devastadoras e incalculáveis para a humanidade, caso de



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acidentes nucleares, genéticos, ecológicos e da probabilidade de ataques terroristas com
armas químicas ou bacteriológicas. Ligam-se o aumento do nível de risco e a ansiedade
no indivíduo e nos grupos sociais (Douglas, 1991, 1992; Giddens, 1997, 1995; Beck,
1997, 1996; Lupton, 1999, 1999a). Aquilo a que Giddens (1997: 73) chama de
sentimentos de desorientação e mal-estar provocados pelo fin-de-siècle, Beck (1997: 15)
opõe obsolescência da sociedade industrial à emergência da sociedade do risco, com
esta última a caracterizar-se pelos prejuízos dos efeitos colaterais e pelo retorno da
incerteza. Há, nesses dois autores, o problema da insegurança. Para o sociólogo alemão,
o “«retorno da incerteza à sociedade» significa aqui, antes de tudo, que um número cada
vez maior de conflitos sociais não é mais tratado como problemas de ordem, mas como
problemas de risco” (Beck, 1997: 19).

Se as desgraças (pragas e fomes) nas sociedades pré-industriais eram atribuídas a Deus
ou à magia e a desastres naturais, os riscos modernos devem-se a processos sociais e
económicos da industrialização feita pelo homem (Beck, 1996: 30), e que conduzem à
emergência dos sistemas de seguros (Lupton, 1999a). Segurar significa tomar uma
decisão perante o imprevisto e o risco. Beck considera que a transição da época
industrial para a civilização do risco é não intencional, compulsiva e não se vê. Tais
ideias, que Beck e Giddens partilham, servem de comentário a Scott Lash (Giddens,
Beck e Lash, 1997: 169), para quem os riscos se encaram como perigos, na medida em
que a sociedade actual aumenta o individualismo e os riscos são assumidos
especialmente pelos indivíduos.

Antropólogos como Mary Douglas estudaram e examinaram a influência dos factores
políticos, culturais e sociais na percepção do risco. O risco age na sociedade e cria
ameaças à ordem social, mas também à ordem do corpo – se a sociedade está em perigo,
também está o corpo. Com base nesse princípio, Douglas (1991) discute os modos
simbólicos e rituais em que se classifica o mundo. O corpo humano é conceptualizado
como possuído por fronteiras para fora e para dentro, as aberturas do corpo; também a
sociedade tem uma forma, com fronteiras externas, margens e estrutura interna. “Sujo”
e “poluído” são coisas fora do sítio, que transcendem as fronteiras e as classificações
aceites socialmente no corpo e no mundo. A teoria sobre pureza, poluição e perigo
acaba, assim, por apoiar o peso do risco na sociedade ocidental contemporânea,
particularmente o uso do risco como conceito de culpa e marginalização do “outro”.

Manter a estabilidade significa controlar a desordem, a contaminação e a poluição. O
controlo corporal é, em Douglas, o equivalente a controlo social. Como corolário do
argumento, se se relaxam os controlos sociais sobre as margens, também se distendem
os controlos sobre as aberturas do corpo individual. As noções contemporâneas de




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impureza e limpeza não são o efeito do interesse sobre os microrganismos mas de
interesses simbólicos.

As ideias sobre poluição operam em dois níveis de significado. No primeiro nível,
instrumental, reforça-se a pressão sobre leis sociais, que sustentam códigos morais. Para
Nelkin et al. (1991: 4), o juízo sobre um risco pode traduzir um comentário social e
reflectir pontos de tensão e conflitos sociais. Na sida, o pânico levou a propostas
controversas, como as de colocar os seropositivos em quarentena, para além do rastreio
obrigatório e do fecho de bares de homossexuais, de obstáculos em casamentos e nos
cuidados de crianças e exclusão das pessoas infectadas em empregos e lugares públicos.
Tal escassa tolerância levaria a fortes distinções entre normal e perverso, legal e
criminal. Pela sida, culpabiliza-se quem a contraiu, na tentativa de isolamento das fontes
de contaminação e de contágio.

A um nível mais simbólico, as crenças na poluição actuam como analogias para
interesses mais vastos sobre o sistema social e que reflectem ideias sobre hierarquias ou
simetrias nas relações sociais. O risco compreende-se, assim, como resposta cultural à
transgressão (Lupton, 1999): o resultado de uma quebra de tabu, atravessar um limite,
cometer um pecado. A transgressão evoca ainda emoções e sentimentos de
conflitualidade, tais como fascínio, excitação e desejo. Na vida diária, o risco traduz a
organização social e as suas decisões. Nettleton (1995: 37) associa riscos e estilos de
vida. Por exemplo, fumar aumenta o risco de contrair cancro de pulmão, enquanto a
prática de sexo seguro faz baixar a possibilidade de contrair sida. Assume-se um sentido
duplo da palavra risco: a sorte implica o que é incontrolável, acaso e irracional (sucesso
nos desportos radicais ou na empresa), o azar liga-se à probabilidade matemática, à
racionalidade e ao controlo (acidente ambiental).

Numa retoma da ideia do indivíduo que assume o risco, Mary Douglas, em Risk and
blame (1992), trabalha a teoria do contágio face à sida. Na sociedade contemporânea, o
risco substituiu as antigas ideias sobre a desgraça, caso do pecado. A diferença entre
perigo no contexto do tabu e risco como tema central do perigo contemporâneo é que o
tabu reside na retórica da retribuição e acusação contra um indivíduo específico e o
risco é invocado para proteger os indivíduos contra os outros (Douglas, 1992: 27-28).
Reforçam-se as ideias de corpo e infecção face à invasão da sida. Se, na sida, o vírus
invade o corpo, descreve-se a doença como invasora da sociedade inteira. Contínuo
assalto viral, com contaminação e vulnerabilidade, a sida torna o corpo do indivíduo ou
a sociedade incapazes de reagir. Por isso, Paula Treichler (1999: 171) descreve a sida
como falha sismológica, com o corpo a perder a imunidade. Já para Lupton (1999: 55),
que interpreta o modelo de Douglas, os grupos sociais dominantes reagem aos que se
posicionam como “desviantes” e de “risco”, e tentam marginalizá-los e exclui-los,


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através de um cordon sanitaire de estratégias higiénicas que delimitam as fronteiras,
tendência clara na história da sida.

O risco associa-se, pois, às ideias de contaminação, impureza e imunidade. A sida, mais
do que qualquer outra doença, possui diversas analogias com a poluição e ordem social.
O VIH-sida constitui uma ameaça para os indivíduos, e as reacções dos grupos sociais
sugerem que são uma ameaça à ordem social. A uma percepção elevada de risco
correspondem reacções de pouca tolerância pessoal e social face aos perigos
comportados por esses riscos. Para Sontag (1988/1998: 174), as epidemias provocam
sempre um clamor contra a complacência ou tolerância, assimiladas ao laxismo, à
fraqueza, à desordem e à corrupção.

A sida é uma doença epidémica que vem de fora, que estabelece uma fronteira.
Normalmente, as epidemias qualificam-se de peste quando o risco vem de fora. A
origem do VIH reside algures; nos outros países, no “outro” e no “diferente”,
presumidos como grupos “desviantes” sociais (Nettleton, 1995: 61). A doença liga-se a
fronteiras geográficas, caso da África, e às identidades sociais, que incluem os estilos de
vida. Como alguns cientistas pensavam que os estilos de vida eram a causa da sida,
quando a doença surgiu nos começos dos anos de 1980, os grupos de risco
(homossexuais, por exemplo) foram postos no “outro” lado da fronteira. Na moral e,
muitas vezes, no discurso médico, a culpa da sida incidiu nos estilos de vida. Como
resultado, o pânico instalado levou à formulação de ideias e valores mais favoráveis a
intervenções repressivas.

Vimos atrás que a doença é uma construção social e cultural da realidade. A doença tem
um discurso por trás de si. O discurso da sida comporta um conjunto de metáforas que o
dominam (Herzlich e Pierret, 1977/1984; Sontag, 1988/1998; Treichler, 1999). A
metáfora é um discurso e um contexto, caracterizados em relação a outro discurso ou
contexto com espaço para negociar uma posição. Nenhum discurso é autónomo, mas
formado nas lutas diárias de sobrevivência e legitimidade, dentro dos processos de
significação. Sontag descreve a sida como invasão, batalha, guerra e peste, enquanto
que, para Treichler (1999: 170-171), a riqueza conotativa das metáforas permite
compará-las, criticá-las e redefini-las na sua utilidade e eficácia. Na Austrália, a
linguagem da campanha de comunicação “Grim Reaper” (1987) usou várias metáforas
(Tulloch e Lupton, 1997; Lupton, 1999). O “Grim Reaper” (ceifeiro austero) era um
ícone da morte com séculos de idade e a metáfora “Grim Reaper é a morte” tornou-se a
imagem dominante da publicidade, que criaria uma nova frase-metáfora – “Grim Reaper
é a sida”. Lupton (1999) salienta que a figura grotesca e medieval da imagem ficou, em
definitivo, o sinal da sida, trazendo consigo os velhos significados de morte, fome e
praga.



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Uma última característica a assinalar. Notou-se, na segunda metade do século XX, uma
mudança significativa na responsabilidade da doença. Para além das preocupações a ter
com as doenças temporárias, passou a cuidar-se das doenças crónicas (cancro,
reumatismo, doenças coronárias), com a preocupação quer pela intervenção cirúrgica
quer pela vigilância, pela cura como pelo cuidado (Berridge, 1996: 4; Berridge, 1993:
3). As doenças crónicas ocupariam o centro da consciência moderna sobre o significado
da doença, porque se instalou a incerteza das causas e da cura dessas doenças. Contudo,
as melhorias nos fármacos e o cuidado médico permanente inclinaram a sida para o
terreno das doenças crónicas. Em simultâneo, as preocupações clínicas e sociais
ligavam-se a questões da linguagem: a partir de 1987, os discursos oficiais alteram a
referência “grupos de risco” da sida para “comportamentos de risco” na sida.

Há uma mudança de modelo: do epidémico para o de doença crónica. Isto traz uma
chamada de atenção para os estilos de vida, o que leva os mais propensos a contraírem
uma doença crónica a fazerem esforços que eliminem os riscos. Claro que o
envelhecimento individual conduz a uma maior probabilidade de contrair uma doença
crónica, mas as pessoas conseguem viver com elas durante muitos anos, graças à
vigilância e ao cuidado permanentes. Mas a doença pode fragilizar. Para Raidley (1994:
147), o doente tem uma vida mais restrita de contactos sociais e uma ideia de descrédito
de si mesmo, no que pode constituir um fardo para outros (família, amigos, assistência
social). À culpa junta-se a vergonha de ter a doença, com frequência um estigma letal.



4. Sida e outras doenças

Nas duas últimas décadas do séc. XX, a sida constituiu-se em importante tema
noticioso. De início, olhada como a doença do século, de fácil transmissão e associada a
comportamentos sexuais considerados de risco, o medo de a contrair estendeu-se
progressivamente a todas as camadas sociais e culturais e tornou-se um problema
político central na segunda metade dos anos 1980. Mas os media noticiosos não deram
atenção imediata à doença. Para Cook (1997: 221), uma explicação para a entrada
demorada da sida na agenda política reside na possibilidade de o seu anúncio público
gerar pânico, o que colocou os meios noticiosos em situação delicada. Apesar dos
avanços e recuos, a opinião pública conseguiu que medidas sociais e políticas fossem
tomadas com razoável rapidez e disponibilizados meios apreciáveis.

A cobertura noticiosa da sida em vários países partilhou alguns traços comuns. Por um
lado, as notícias enfatizaram a doença como se ela se confinasse a homossexuais,
tinham uma tendência para relatos noticiosos dramáticos que incitam ao pânico, com
presença enfática de determinados grupos sociais e ausência de outros. Por outro lado,
algumas individualidades distinguiam-se pela sua enorme capacidade de influência na


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cobertura da sida, relacionada ou não com a especialização médica ou a experiência
pessoal. Um terceiro traço, como enfatizam Williams e Miller (1995: 416), foi a própria
descrição da sida, invocadora de metáforas e imagens associadas à homofobia, medo,
violência, contaminação, invasão, racismo, sexo, desvio e xenofobia.

Para Montagnier et al. (1989: 546), a sida associou-se a tudo o que é mau –
sensacionalismo, aventureirismo, medo. Por seu lado, Mattoso (1998: 18) nota que a
morte por doença contagiosa sempre despertou horrores maiores do que a morte natural.
Tal medo conduz o homem a quase perder a sua razão social, a excluir os contagiados, a
procurar culpados e castigar e exorcizar os desmandos sexuais, numa permanente
demonização e sentido de pecado dos considerados grupos de risco (homossexuais,
toxicodependentes, prostitutas). Se o risco se associa à representação da doença e da
morte, a sua elisão passa por procedimentos aperfeiçoados de diagnóstico e anulação de
doenças parasitárias e infecciosas (Giddens, 1994: 107).

O medo do contacto de risco, do parceiro sexual que transmite a doença sem o saber,
constitui sinal distintivo da sida face às outras doenças contagiosas, em termos sociais e
mentais. A contaminação não anunciada atravessou as notícias sobre a doença, com a
valorização do preservativo enquanto instrumento que estanca a doença, e, em Portugal,
alcançou um ponto de chegada quando a agência governamental deu início à campanha
de troca de agulhas para não infectar companheiros e parceiros de toxicodependentes
(1993). A sida seria a primeira epidemia numa sociedade de comunicação de massa,
com quantidade de informação, características emocionais e indicações
comportamentais paralelas ao acidente nuclear de Chernobyl (Zanini et al., 1991: 81). A
epidemia continha os ingredientes jornalísticos suficientes para atrair a atenção:
novidade, ausência de cura, sofrimento físico e infecção.
Como doença, a sida ocorre num tempo de maturação e concorrência dos canais de
televisão, com as imagens da, e sobre, a doença a adaptarem-se ao meio noticioso. A
sida e a seropositividade descrevem estados emocionais e de saúde de indivíduos
jovens, que afectam jovens (ao contrário da concepção habitual de doença, identificada
com a velhice e o consequente desaparecimento físico). Por outro lado, a história clínica
da sida mostra a ausência da autoridade absoluta do médico sobre o doente. Sem cura à
vista, e com grande incidência nos jovens (caso dos toxicodependentes), a
experimentação de fármacos para prolongamento de qualidade de vida dos seropositivos
e dos doentes com sida tem sido feita em simultâneo pelo clínico e pelo doente, o que
torna este tão especialista como o médico (Epstein, 1996). A interacção social e a
negociação de uns com os outros faz da sida uma doença construída social e
culturalmente. Entretanto, os meios noticiosos ampliam a situação: as notícias de




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televisão, mais orientadas para o acontecimento, aproveitam-se da dor e apropriam-se
do escândalo, como no caso do sangue contaminado, estudado por Marchetti (1998).

Existem outras razões que justificam o lugar especial que a sida tem no conjunto das
doenças relativamente ao seu tratamento jornalístico. Primeiro, há fortes lutas na
obtenção de subsídios à investigação de fármacos, o que conduz a uma permanente
tomada de posições de médicos e outros especialistas em congressos e nas notícias em
termos de divulgação de vacinas para a cura da doença, individuais (médicos e
investigadores) e empresariais (companhias multinacionais).

Segundo, a doença é atribuída, no início, a grupos de risco – um dos quais, o
homossexual, lutava pelo sua legitimidade social, política e cultural –, numa sociedade
pretendente à limpeza e à liofilização, em luta constante contra os micróbios. Daí,
acentua Giddens (1994/1997: 23), o contorno político da luta dos homossexuais, que
estruturavam organizações de garantia da tolerância pública e do pluralismo sexual e
contestavam a terminologia da perversão e do desvio, contra uma sociedade que não
aceita a diferença e se mostra alheada ao sofrimento.

A sida marcou uma nova atitude moral no acto sexual e na sua representação noticiosa.
A rejeição da sexualidade periférica, na designação de Foucault (1994), fez-se
acompanhar, em sentidos contrários, pelas noções de poluição e impureza e pela
libertação de vocabulário reprimido. Higiene e linguagem inseriam-se na discussão dos
campos jornalístico e científico. Dava-se, por via disso, uma moralização de costumes:
as tomadas de certas forças – casos do presidente americano Ronald Reagan, do
ministério britânico do Interior (1989), das entidades religiosas – centraram-se nos
costumes sexuais. A sexualidade, balanceada entre a liberdade e o constrangimento, foi
uma marca da nossa sociedade. Assim, ao longo da história da sida, registaram-se lutas
políticas (costumes e moral, apoios económicos), lutas sociais (homossexuais e
hemofílicos), lutas económicas (pressão das multinacionais para o reconhecimento e
aceitação de fármacos que experimentam, na perspectiva de produção massiva e lucros
correspondentes) e lutas culturais (homossexuais) que se espelharam no tratamento da
epidemia e no seu noticiário.

Podemos associar doenças diferentes como a lepra, o cancro e a sida, em termos de
medo, discriminação e vergonha. Béniac (1997: 133-137) salienta que, caracterizada
pela reabsorção de músculos, insensibilidade das extremidades e afecções cutâneas, a
lepra possuía um significado específico: a impureza, a falta, o pecado dos homens.
Separado do convívio dos indivíduos não afectados e expulso de casa, a interdição do
leproso era de ordem sanitária: ele usava um fato comprido, luvas e um chapéu grande
para dissimular as deformidades. Se não estava internado numa leprosaria e mendigava,
a sua passagem fazia-se anunciar por uma matraca.


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Afastada a lepra do universo horroroso das doenças que deformam o homem, o cancro
invadiu o universo psicológico e social da humanidade. Considerado doença
vergonhosa, consequência de um pecado desconhecido (Imbault-Huart, 1997: 184), com
o cancro o homem redescobriu a estigmatização (Sontag, 1998: 105). A maior parte das
vezes, o doente preferia não reconhecer a sua doença, embora nos anos mais recentes o
médico anuncie abertamente o mal que padece o doente. Já na sida, o medo reside no
vírus e na ideia de contaminação e vulnerabilidade permanentes. Com as defesas
imunitárias enfraquecidas em milhões de indivíduos em todo o mundo afectados com o
VIH, ressurgiu o medo das doenças contagiosas consideradas debeladas ou controladas
– a tuberculose e outras doenças infecciosas e parasitárias (Montagnier, 1993).

As notícias sobre a doença reflectiram esses medos colectivos, situações de pânico e
horror a que corresponderam representações de estigma e discriminação. Devido à falta
de tempo, espaço e recursos materiais por parte dos jornalistas, bem como à
representação social que jornalistas, fontes noticiosas e audiências constroem da sida –
doença não tratável, associação a grupos de risco, medos morais e punições religiosas –,
há lugar para a formulação ideológica que cria uma primeira definição. No conjunto
geral das notícias, para além da orientação para o acontecimento, o jornalista é
conduzido ao acontecimento previamente marcado.

No nosso país, nas notícias sobre sida, em especial entre 1982 e 1989, especialistas,
médicos e membros da agência governamental fizeram passar as suas mensagens sem
qualquer dificuldade junto dos jornalistas. A definição da doença, os quadros clínicos e
estatísticos e as campanhas de comunicação pública de prevenção constituíram alguns
dos temas dentro da problemática que as fontes de informação forneceram aos
jornalistas. No entanto, os jornalistas ultrapassam o papel de elementos secundários na
definição do enquadramento da notícia, ao assumirem a decisão de atribuir importância
a uma determinada fonte. A presença da ONG Abraço nas notícias indica tal postura,
iniciada no começo da década de 90. A associação, apesar de funcionar como entidade
de lobbying, veicularia críticas acerca da actividade da agência governamental,
possibilidade para os jornalistas divulgarem novas perspectivas nas notícias. A presença
de mais fontes de informação na problemática da sida permitiria ao jornalista investigar
situações e construir quadros de referência diferentes dos proporcionados pelas fontes
oficiais.



5. Perspectivas científicas e políticas

A cobertura noticiosa do VIH-sida reflectiu o apoio que, nomeadamente nos países
ocidentais, se deu às campanhas governamentais, com governo e fontes médico-
científicas a dominarem o enquadramento noticioso. Na Inglaterra, nas reportagens de


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finais de 1986, sentiu-se a ideia de “emergência nacional”, em que os jornalistas se
identificavam com as perspectivas governamentais, caso do tema da transmissão
heterossexual do VIH. Na agenda televisiva, houve uma coligação de interesses
(consenso liberal-médico), apoiado pela classe médica e científica e pelos líderes de
opinião liberais (Glasgow Media Group, 1998). Por oposição a esta perspectiva –
assente na estratégia de que, à falta de uma vacina, se tinha de promover a educação
pública –, surgiram três outros pontos de vista: conservador-moralista, libertário e
crítico. Para a corrente conservadora, as campanhas visaram a permissividade, ao
insinuarem que o governo cedera ao lobby homossexual, enquanto a linha libertária viu
em todas as acções do governo tentativas de regulamentação das matérias sexuais. Ao
invés, os críticos concluíram pelo atraso dos esforços governamentais, o que permitiu
ideias como pânico moral (Watney, 1997; Thompson, 1998), estigma reforçado,
racismo legitimado e identificação médica com as práticas sexuais.

Uma ideia que atravessou os diversos estudos sobre a cobertura da sida é que a relação
entre meio de noticioso e especialista opera dentro da lógica de benefícios partilhados
(Noyer, 1994): para um meio noticioso, uma forma de construir ou consolidar a sua
credibilidade ancora-se na competência do especialista; para o especialista, a
visibilidade conferida pelo meio noticioso é a oportunidade de, junto das instâncias de
decisão, se tornar um meio de pressão para orientação das decisões (financiamento das
actividades e reconhecimento do sector de investigação). À lógica de benefícios
partilhados juntemos a contínua necessidade de acontecimentos por parte dos jornalistas
e das fontes.

Um número elevado de factores influenciou as estratégias das fontes oficiais e
poderosas na interacção com os meios noticiosos, de modo a organizarem agendas
(Glasgow Media Group, 1998). De entre os factores, destacaram-se a desconfiança dos
técnicos de saúde face à veracidade dos relatos dos meios noticiosos, o baixo estatuto
dos técnicos de saúde, sem a credibilidade e autoridade do médico ou cientista, a
tentativa de controlo de uns departamentos governamentais sobre outros, o que retirava
eficácia às campanhas, o peso de “quem” falava, que vedava às fontes oficiais certas
afirmações mas permitia que outras organizações as defendessem, e a publicitação de
alguns cientistas nos meios noticiosos, mesmo sem serem especialistas do VIH-sida. O
campo jornalístico tornava-se, assim, um palco de múltiplas vozes que procuravam
aceder aos jornalistas.

Outra questão importante na cobertura jornalística da sida foi a levantada por Epstein
(1996), sobre as causas da síndroma, que originou uma controvérsia. Vindos de um
ponto zero de total incerteza, os grupos rivais de produção de pressupostos e
reivindicações, que procuravam estabelecer a “propriedade” sobre a epidemia,



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avançaram várias hipóteses. Entre 1984 e 1986, após grupos de investigadores
descreverem um vírus anteriormente desconhecido no sangue dos doentes com sida, o
VIH formou-se a perspectiva cientificamente aceite de que ele era o agente da causa
mortal (como se viu no começo deste artigo).

A associação de imagens da doença junto do público gerou uma análise profunda. Na
Austrália, por exemplo, lançada a 5 de Abril de 1987 e destinada ao público em geral,
tornou-se conhecida a campanha do Grim Reaper (ceifeiro austero), devido ao ícone
central empregue. Os anúncios na televisão, cinema e imprensa mostravam uma
imagem medieval do horror (Tulloch e Lupton, 1997: 40), representada pelo ceifeiro, e
que despertaram uma reacção de medo e choque semelhante à da campanha inglesa
Don't die of ignorance. A campanha (três semanas na televisão e seis semanas na
imprensa) tornou-se uma das mais controversas e recordadas, marcada pela
intensificação, dramatização, controvérsia e debate público da cobertura da doença.
Muitos artigos, reportagens e cartas ao director foram publicados na imprensa.
Além do medo e do risco, a doença apareceu ligada ao escândalo, como escreveu
Marchetti (1998). Durante anos, houve pouca mediatização do caso dos hemofílicos,
por duas razões: a culpabilidade de pais que não ignorava o risco de hemofilia desde a
concepção dos filhos; o medo de associação a homossexuais e toxicodependentes. No
final dos anos 80, as associações de hemofílicos e transfusionados rompiam o silêncio e
recorriam aos meios noticiosos. Falava-se já em escândalo, na lentidão da acção do
Estado e no receio de prescrição dos processos em tribunal. Ao mesmo tempo, os
hemofílicos eram apresentados como vítimas inocentes por oposição a doentes
culpados, nomeadamente na imprensa de extrema-direita.
No interior dos meios noticiosos franceses, o escândalo constituiu rapidamente um
espaço de luta entre rubricas (Champagne e Marchetti, 1994: 53). Em menos de dez
anos, o grupo restrito de jornalistas especialistas em medicina alargava-se e sentia-se
uma concorrência e conflitualidade interpares. A politização da questão levou a que as
notícias sobre sangue contaminado feitas por jornalistas especialistas em medicina e
saúde se transferissem para jornalistas políticos, editorialistas e jornalistas dos processos
judiciais. Funcionava a hierarquia das secções dos meios noticiosos. Se, inicialmente, a
informação médica era garantida pelas instâncias médicas oficiais e os jornalistas
mantinham um interesse profissional com as suas fontes, a sida e o sangue contaminado
contribuíram para acelerar as transformações jornalísticas. Os editorialistas e os
jornalistas de política punham em causa a informação positiva sobre os progressos da
ciência. A ciência e a medicina perdiam a auréola de serviço público para adquirirem a
dimensão de competição económica, política e militar.




                                             11
6. Cientistas e jornalistas científicos e de saúde nas notícias

Sem ser fácil articular o discurso científico (formulação de hipóteses explicativas) com
a produção jornalística (procura de respostas curtas e em linguagem acessível), as
actividades da ciência e da saúde atingiram um elevado ponto de publicitação nas
notícias da sida. Muitos jornalistas ainda não possuem uma formação específica em
temas científicos, o que os pode levar a aceitar com passividade os pontos de vista
transmitidos pelas fontes de informação. Mas, com frequência, os jornalistas
questionam as fontes, nomeadamente os cientistas e os especialistas, quando não há
respostas rápidas e precisas a problemas de grande dimensão e impacto na vida das
pessoas, como a resistência das bactérias aos antibióticos, o Ebola, as doenças das vacas
loucas, a gripe das aves, a sida.

A facilidade com que os cientistas surgem nos meios noticiosos dá a estes razões
positivas para esquecerem enganos ou omissões das suas teorias ou sugestões. A
promoção mediática dos cientistas, a percepção de que deixaram as “torres de marfim” e
se tornaram pessoas com dúvidas e convicções como os outros cidadãos, trouxe a
vantagem de tornar acessível a divulgação das grandes temáticas científicas, ainda que
em versão digerida.

Ao visar a popularização ou a vulgarização da ciência, nas notícias aligeiram-se
conceitos científicos ou técnicos, o que causa problemas à compreensão do corpo
científico tratado e à reputação das fontes que originam ou promovem a informação. Na
televisão, isso é muito perceptível: o reduzido tempo para explicar um assunto leva o
cientista a construir um enquadramento perceptível à audiência. Quando o programa
inclui público a assistir – que pretende “democratizar” a discussão mas nivela gostos e
conhecimentos por baixo –, o cientista sente-se inibido em desenvolver as suas ideias
próprias, pelo que fica na pequena frase ou pequena conversa. Enganos, imprecisões ou
omissões sobre a ciência atribuem-se aos jornalistas, mas a responsabilidade também se
imputa aos cientistas: estes não esperam pelas reacções dos colegas aos textos
publicados nas revistas científicas, mas publicitam os trabalhos através de conferências
de imprensa, como no anúncio das qualidades do Virodene.

O trabalho de Marchetti (1998) sobre jornalismo médico oferece elementos importantes
para a sua compreensão. Ainda em meados dos anos 70, em França, os textos sobre
medicina eram escritos por médicos com propensão para as humanidades e o
jornalismo. Os textos celebravam as conquistas da medicina. Nas duas décadas
seguintes, formou-se uma geração de jornalistas especialistas em novas áreas de saber,
como a ciência e a saúde, libertos das deferências dos avanços tecnológicos, quando os
não punham mesmo em causa. Fez-se a “desmedicalização” da informação (Marchetti,
1998). A necessidade de divulgar dados sobre a sida, no sentido de tornar comum o


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conhecimento científico complexo perante uma doença em rápida expansão, vulgarizou
conceitos e medidas de prevenção. Depois, a par da dessacralização da medicina,
sucedeu a lógica do escândalo, caso do sangue contaminado com VIH.

Do lado do cientista exige-se-lhe ser um especialista apto a responder a tudo. Mas o
especialista não é nem sábio, nem investigador, nem par (Wolton, 1997: 13), embora a
sua especialização legitime e reforce a autoridade do seu saber (Monnoyer, 1997: 162) e
alargue mesmo a sua área de competência a outras actividades. Por isso, há cientistas
abordados a qualquer hora ou local para comentarem qualquer assunto. De modo
idêntico ao político, constrói-se a ideia de spin doctors científicos, que elaboram
discursos em busca de visibilidade, prestígio e notabilidade, traduzíveis em lugares,
poder e angariação de fundos. Neste sistema de teorias simplificadas, os cientistas
escrevem livros, limitam o jargão técnico ao mínimo indispensável, descrevem os
fenómenos científicos com uma construção narrativa semelhante a um romance, com
histórias, humor, drama emotivo e ficção, e formam fortes grupos de pressão.

Cientistas, médicos, pessoal paramédico, associações de classe e laboratórios movem-se
em grande actividade e esforço propagandístico, evidente na recomendação de dietas
alimentares e na discussão dos factores de origem e relação das doenças. A autoridade
científica rodeia-se de uma auréola mítica – muitas vezes, o médico é caracterizado
como sábio, padre ou mágico (Zappalà, 1997: 183). Nas notícias sobre a sida, a assídua
presença dos grupos de pressão detecta-se na profusão de propostas de vacinas para a
cura da sida e de medicamentos para atenuar os efeitos da doença. As propostas provêm
de países distintos, através de comunicações de médicos e investigadores e
apresentações públicas de remédios por parte de laboratórios. As palavras e os projectos
científicos ganham, desta maneira, uma grande extensão de credibilidade.
O aparecimento de agências não governamentais – com o seu aspecto de alerta e de
consciencialização sobre alguns assuntos, como os ambientais – tem muitas vezes, por
detrás de si, a obtenção de financiamentos e cargos, com vedetização dos seus líderes.
As notícias sobre a ciência enchem-se de porta-vozes, fontes oficiais e fontes não
oficiais (ONGs e outras associações), que produzem discursos não coincidentes como
outros já elaborados e apresentados publicamente, numa arena de luta permanente na
produção de significados e em busca do reconhecimento e compensação pública, em
especial junto dos decisores políticos.

Por isso, a autoridade científica aparece contestada com frequência. A imprevisibilidade
e o impacto de riscos e catástrofes geram ansiedade e descrença, na população em geral,
quanto à capacidade real dos cientistas. Temos, assim, um duplo registo: o da euforia e
optimismo do saber científico, muito mediatizado; o da insegurança e pessimismo no




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saber comum, também mediatizado. São dois pólos distintos, cada um capaz de produzir
noticiabilidade nos seus acontecimentos ou estórias e que os jornalistas trabalham.

No campo científico, distinguem-se algumas outras premissas. Se a relação entre fonte
política e jornalista se baseia na oportunidade do momento e na eficácia do gesto e da
acção, divergem, no campo científico, os tempos do cientista e do jornalista. A
investigação científica prolonga-se pelo tempo, resulta de muitas hipóteses
equacionadas e trabalho dedutivo e valoriza a citação de trabalhos em artigos publicados
em revistas internacionais e livros. O tempo do jornalista é de ruptura, não adaptado ao
do cientista. Para o jornalista não importa o estudo do cientista ao longo dos anos
(Cook, 1997: 226; Weiss e Singer, 1988: 151) nem as citações dos seus pares, mas o
que traz de novo e o modo como ele é contado.

Enquanto o político está habilitado a lidar com as incorrecções das notícias, ao falar
com os jornalistas graças a linguagem simples e redundante, o cientista sente ainda
dificuldade em expressar conceitos por meio de palavras acessíveis ao público. Daí que
as relações entre cientistas e jornalistas balanceiem entre a cooperação e a desconfiança.
Se um artigo traz uma referência ou citação incorrecta ao trabalho do cientista, este
mostra-se indisponível para contactos posteriores com o jornalista. Quando um cientista
tem acesso fácil aos jornalistas, os outros especialistas podem afastar-se dele, se
considerarem a mediatização um processo de abastardar a ciência (Ussher, 1994: 123).



7. Conclusão

No campo científico em geral, se a preocupação inicial consistia na divulgação das
descobertas, mais recentemente a ciência tem procurado a mediatização, através de
controvérsias. A querela em torno da origem do VIH tornou-se um bom exemplo.
Assim, o campo científico é um palco onde se defrontam agentes sociais dotados de
legitimidade especializada e que procuram a definição dominante da descoberta
científica. A mediatização, a controvérsia e a tentativa da definição “vencedora” num
domínio científico permitem amealhar prestígio, útil para obter recursos financeiros de
entidades governamentais ou privadas e lugares de decisão.

A querela atinge também contornos políticos. O campo científico é um lugar de disputa
entre organizações governamentais (fontes oficiais) e outras organizações como
associações, grupos de pressão e movimentos sociais. Muitas ONGs têm falta de
recursos simbólicos, financeiros e culturais, mas a visibilidade adquirida nas notícias
serve para os jornalistas as incluírem como fontes de informação alternativas às oficiais.
Funciona o que Noyer (1994) referiu como benefícios partilhados: se os jornalistas




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obtêm subsídios de informação de outras fontes, as fontes não oficiais ganham cobertura
jornalística.

A sida surgiu como doença associada a grupos de risco, com muitas das notícias a
serem estórias de homossexualidade. A partir de 1987, com a redefinição da sida como
doença transmissível sexualmente e por transfusão de sangue a todas as categorias
sociais e de género, cresceu o pânico e a necessidade de os governos iniciarem fortes
campanhas públicas de prevenção. A poluição e a impureza associam-se ao doente com
VIH-sida e levam-no a ser considerado como o “outro”, o “diferente”.

Doença recente e não anunciada, o seu conhecimento foi sendo acompanhado pela
comunidade científica e pelos doentes, nomeadamente jovens. Inconformados com a
doença, tornaram-se activistas enquanto a doença os não atirava, em definitivo, para a
cama e a morte. O seu activismo possibilitou a aquisição de um conhecimento paralelo
ao dos médicos e a discussão dos tipos e doses de medicamentos receitados.

A entrada de novas fontes de informação no campo jornalístico – como as associações
não governamentais – permitiu, no caso português, chamar a atenção para a situação dos
seropositivos e dos doentes com sida, em especial os que estavam em tratamento
hospitalar permanente. A luta por melhores condições de vida, a denúncia de carências
em número de médicos, instalações hospitalares e fornecimento de remédios,
constituiria uma das batalhas mais importantes a travar na década de 90.



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Representações da sida nos jornais

  • 1. REPRESENTAÇÕES DA SIDA NOS JORNAIS 1. Introdução Se, para um médico, a categoria de doença corresponde a uma realidade empírica, a sociologia aplicada à doença e o jornalismo consideram-na uma construção social. A construção social do conhecimento e da realidade está no centro do trabalho de Berger e Luckmann (1999), para quem o conhecimento produzido pelas pessoas se orienta para problemas práticos e particulares, validando realidades socialmente determinadas. Assim, perspectiva-se a entidade doença como produto da razão e das práticas sociais, “fabricado” através das interacções sociais. Como considera Nettleton (1995: 25), as categorias de doença podem aplicar-se no reforço das estruturas sociais existentes, que conformam uma aparência “natural” nas relações sociais. Para Augé e Herzlich (1995: 1), o significado da doença requer interpretação, que pode variar conforme a sociedade em que ocorre. Também Pierret (1995: 182) fala de usos discursivos diferentes na saúde e nos seus significados sociais. Trechler (1999: 149) representa outra visão, a da construção cultural aplicada a uma doença particular, a sida. Para ela, a construção cultural implica debates prolongados sobre o conhecimento humano e sobre a natureza do mundo. A natureza da sida é constituída pela linguagem e, em especial, pelos discursos da medicina e da ciência. O modo como a sida se constituiu como doença e foi construída em termos de notícia é o objecto principal deste texto, a partir de uma profunda revisão da literatura da área. 2. Do discurso científico sobre doenças às notícias A ciência e a descoberta científica para combater uma doença passam, cada vez mais, pelas definições saídas em textos que um especialista ou grupo de cientistas escrevem para os seus pares e colegas, na tentativa de obterem aprovação. Ao mesmo tempo, a novidade científica no terreno da saúde e da doença conhece também uma divulgação rápida nos media noticiosos. A construção social da realidade, fruto da interacção de agentes sociais que pretendem fazer triunfar as suas definições e significados discursivos, opera naquilo a que Bourdieu (1997) chamou campo jornalístico e que aqui adaptamos para campo científico das notícias. Como analisa Treichler (1999: 167), a profissão médica pode resultar de lutas sociais e políticas. O nome VIH como agente viral que provoca a sida resultou de lutas científicas desencadeadas entre Luc Montagnier e Robert Gallo, dois cientistas de mérito internacional. Ambos usaram as designações LAV e HTLV-III para exprimir o vírus, em 1983. Durante cerca de três anos, muitos cientistas e jornais científicos empregaram 1
  • 2. o nome LAV/HTLV-III (ou HTLV-III/LAV) – a barra marcava a identidade do vírus como construída e disputada culturalmente. A recomendação do emprego do acrónimo VIH (HIV em inglês) pela comissão internacional de taxonomia de vírus seria adoptada pelos institutos a que pertenciam os aqueles cientistas. A questão do nome escondeu também interesses económicos e políticos dos países dos dois investigadores, França e Estados Unidos (fármacos e vacinas). Patentear, produzir e comercializar medicamentos significa ganhar muito dinheiro, conforme confirmariam notícias de 1994, após se reconhecer a Luc Montagnier a paternidade da descoberta do VIH. No sentido de manter o domínio do seu saber, o campo científico hegemónico trabalha o seu discurso, passando da vulgarização à mediatização dos conhecimentos (Zappalà, 1997: 181; Wolton, 1997: 11). Para Wolton, se a vulgarização é transmissão de valores e conhecimentos do meio científico para o público, a mediatização garante visibilidade. Esta não permaneceria o único elemento principal da divulgação da ciência; as controvérsias científicas geradas entre especialistas, quando se define uma nova área do conhecimento e os efeitos e causas a ele associados, também contribui para despertar a atenção dos jornalistas, dados os valores-notícia envolvidos. Como aponta Foucault (1997: 15), a vontade de verdade do discurso, reforça-se com práticas, procedimentos e regras, e que conduzem o discurso a um jogo ambíguo de segredo e divulgação. Nas notícias da sida há dois outros lados que marcam o sentido da construção social e cultural. Numa perspectiva dramática, as notícias remetem constantemente para a doença e a morte. A dramatização fácil resulta da ausência de cura do mal, da improbabilidade da sua descoberta, que se faz acompanhar de ingredientes clássicos como o amor, a solidariedade, o sofrimento, a morte e o “preço do pecado” (Grandi, 1995: 36; Mattoso, 1998: 22). A imagem que acompanhava uma notícia fala do abraço, ideia de reconforto retomada nas cadeias humanas de solidariedade em recordação dos doentes com sida já falecidos. Porém, a representação do doente com sida raramente ocorre nas notícias (Traquina, 2000). As notícias da sida atiram também para a vontade permanente e eterna da humanidade lutar contra a doença, para atingir a vitória sobre o imprevisível, o caos e o perecível. Os quadros de referência da morte e das tentativas de vitória sobre a morte e a doença enformam todas as notícias da sida. O remédio, a vacina e a cura pairam constantemente nos textos jornalísticos. 3. Doença, riscos e estilos de vida A doença associa-se ao risco, conceito que emergiu nas últimas décadas devido a ameaças de consequências devastadoras e incalculáveis para a humanidade, caso de 2
  • 3. acidentes nucleares, genéticos, ecológicos e da probabilidade de ataques terroristas com armas químicas ou bacteriológicas. Ligam-se o aumento do nível de risco e a ansiedade no indivíduo e nos grupos sociais (Douglas, 1991, 1992; Giddens, 1997, 1995; Beck, 1997, 1996; Lupton, 1999, 1999a). Aquilo a que Giddens (1997: 73) chama de sentimentos de desorientação e mal-estar provocados pelo fin-de-siècle, Beck (1997: 15) opõe obsolescência da sociedade industrial à emergência da sociedade do risco, com esta última a caracterizar-se pelos prejuízos dos efeitos colaterais e pelo retorno da incerteza. Há, nesses dois autores, o problema da insegurança. Para o sociólogo alemão, o “«retorno da incerteza à sociedade» significa aqui, antes de tudo, que um número cada vez maior de conflitos sociais não é mais tratado como problemas de ordem, mas como problemas de risco” (Beck, 1997: 19). Se as desgraças (pragas e fomes) nas sociedades pré-industriais eram atribuídas a Deus ou à magia e a desastres naturais, os riscos modernos devem-se a processos sociais e económicos da industrialização feita pelo homem (Beck, 1996: 30), e que conduzem à emergência dos sistemas de seguros (Lupton, 1999a). Segurar significa tomar uma decisão perante o imprevisto e o risco. Beck considera que a transição da época industrial para a civilização do risco é não intencional, compulsiva e não se vê. Tais ideias, que Beck e Giddens partilham, servem de comentário a Scott Lash (Giddens, Beck e Lash, 1997: 169), para quem os riscos se encaram como perigos, na medida em que a sociedade actual aumenta o individualismo e os riscos são assumidos especialmente pelos indivíduos. Antropólogos como Mary Douglas estudaram e examinaram a influência dos factores políticos, culturais e sociais na percepção do risco. O risco age na sociedade e cria ameaças à ordem social, mas também à ordem do corpo – se a sociedade está em perigo, também está o corpo. Com base nesse princípio, Douglas (1991) discute os modos simbólicos e rituais em que se classifica o mundo. O corpo humano é conceptualizado como possuído por fronteiras para fora e para dentro, as aberturas do corpo; também a sociedade tem uma forma, com fronteiras externas, margens e estrutura interna. “Sujo” e “poluído” são coisas fora do sítio, que transcendem as fronteiras e as classificações aceites socialmente no corpo e no mundo. A teoria sobre pureza, poluição e perigo acaba, assim, por apoiar o peso do risco na sociedade ocidental contemporânea, particularmente o uso do risco como conceito de culpa e marginalização do “outro”. Manter a estabilidade significa controlar a desordem, a contaminação e a poluição. O controlo corporal é, em Douglas, o equivalente a controlo social. Como corolário do argumento, se se relaxam os controlos sociais sobre as margens, também se distendem os controlos sobre as aberturas do corpo individual. As noções contemporâneas de 3
  • 4. impureza e limpeza não são o efeito do interesse sobre os microrganismos mas de interesses simbólicos. As ideias sobre poluição operam em dois níveis de significado. No primeiro nível, instrumental, reforça-se a pressão sobre leis sociais, que sustentam códigos morais. Para Nelkin et al. (1991: 4), o juízo sobre um risco pode traduzir um comentário social e reflectir pontos de tensão e conflitos sociais. Na sida, o pânico levou a propostas controversas, como as de colocar os seropositivos em quarentena, para além do rastreio obrigatório e do fecho de bares de homossexuais, de obstáculos em casamentos e nos cuidados de crianças e exclusão das pessoas infectadas em empregos e lugares públicos. Tal escassa tolerância levaria a fortes distinções entre normal e perverso, legal e criminal. Pela sida, culpabiliza-se quem a contraiu, na tentativa de isolamento das fontes de contaminação e de contágio. A um nível mais simbólico, as crenças na poluição actuam como analogias para interesses mais vastos sobre o sistema social e que reflectem ideias sobre hierarquias ou simetrias nas relações sociais. O risco compreende-se, assim, como resposta cultural à transgressão (Lupton, 1999): o resultado de uma quebra de tabu, atravessar um limite, cometer um pecado. A transgressão evoca ainda emoções e sentimentos de conflitualidade, tais como fascínio, excitação e desejo. Na vida diária, o risco traduz a organização social e as suas decisões. Nettleton (1995: 37) associa riscos e estilos de vida. Por exemplo, fumar aumenta o risco de contrair cancro de pulmão, enquanto a prática de sexo seguro faz baixar a possibilidade de contrair sida. Assume-se um sentido duplo da palavra risco: a sorte implica o que é incontrolável, acaso e irracional (sucesso nos desportos radicais ou na empresa), o azar liga-se à probabilidade matemática, à racionalidade e ao controlo (acidente ambiental). Numa retoma da ideia do indivíduo que assume o risco, Mary Douglas, em Risk and blame (1992), trabalha a teoria do contágio face à sida. Na sociedade contemporânea, o risco substituiu as antigas ideias sobre a desgraça, caso do pecado. A diferença entre perigo no contexto do tabu e risco como tema central do perigo contemporâneo é que o tabu reside na retórica da retribuição e acusação contra um indivíduo específico e o risco é invocado para proteger os indivíduos contra os outros (Douglas, 1992: 27-28). Reforçam-se as ideias de corpo e infecção face à invasão da sida. Se, na sida, o vírus invade o corpo, descreve-se a doença como invasora da sociedade inteira. Contínuo assalto viral, com contaminação e vulnerabilidade, a sida torna o corpo do indivíduo ou a sociedade incapazes de reagir. Por isso, Paula Treichler (1999: 171) descreve a sida como falha sismológica, com o corpo a perder a imunidade. Já para Lupton (1999: 55), que interpreta o modelo de Douglas, os grupos sociais dominantes reagem aos que se posicionam como “desviantes” e de “risco”, e tentam marginalizá-los e exclui-los, 4
  • 5. através de um cordon sanitaire de estratégias higiénicas que delimitam as fronteiras, tendência clara na história da sida. O risco associa-se, pois, às ideias de contaminação, impureza e imunidade. A sida, mais do que qualquer outra doença, possui diversas analogias com a poluição e ordem social. O VIH-sida constitui uma ameaça para os indivíduos, e as reacções dos grupos sociais sugerem que são uma ameaça à ordem social. A uma percepção elevada de risco correspondem reacções de pouca tolerância pessoal e social face aos perigos comportados por esses riscos. Para Sontag (1988/1998: 174), as epidemias provocam sempre um clamor contra a complacência ou tolerância, assimiladas ao laxismo, à fraqueza, à desordem e à corrupção. A sida é uma doença epidémica que vem de fora, que estabelece uma fronteira. Normalmente, as epidemias qualificam-se de peste quando o risco vem de fora. A origem do VIH reside algures; nos outros países, no “outro” e no “diferente”, presumidos como grupos “desviantes” sociais (Nettleton, 1995: 61). A doença liga-se a fronteiras geográficas, caso da África, e às identidades sociais, que incluem os estilos de vida. Como alguns cientistas pensavam que os estilos de vida eram a causa da sida, quando a doença surgiu nos começos dos anos de 1980, os grupos de risco (homossexuais, por exemplo) foram postos no “outro” lado da fronteira. Na moral e, muitas vezes, no discurso médico, a culpa da sida incidiu nos estilos de vida. Como resultado, o pânico instalado levou à formulação de ideias e valores mais favoráveis a intervenções repressivas. Vimos atrás que a doença é uma construção social e cultural da realidade. A doença tem um discurso por trás de si. O discurso da sida comporta um conjunto de metáforas que o dominam (Herzlich e Pierret, 1977/1984; Sontag, 1988/1998; Treichler, 1999). A metáfora é um discurso e um contexto, caracterizados em relação a outro discurso ou contexto com espaço para negociar uma posição. Nenhum discurso é autónomo, mas formado nas lutas diárias de sobrevivência e legitimidade, dentro dos processos de significação. Sontag descreve a sida como invasão, batalha, guerra e peste, enquanto que, para Treichler (1999: 170-171), a riqueza conotativa das metáforas permite compará-las, criticá-las e redefini-las na sua utilidade e eficácia. Na Austrália, a linguagem da campanha de comunicação “Grim Reaper” (1987) usou várias metáforas (Tulloch e Lupton, 1997; Lupton, 1999). O “Grim Reaper” (ceifeiro austero) era um ícone da morte com séculos de idade e a metáfora “Grim Reaper é a morte” tornou-se a imagem dominante da publicidade, que criaria uma nova frase-metáfora – “Grim Reaper é a sida”. Lupton (1999) salienta que a figura grotesca e medieval da imagem ficou, em definitivo, o sinal da sida, trazendo consigo os velhos significados de morte, fome e praga. 5
  • 6. Uma última característica a assinalar. Notou-se, na segunda metade do século XX, uma mudança significativa na responsabilidade da doença. Para além das preocupações a ter com as doenças temporárias, passou a cuidar-se das doenças crónicas (cancro, reumatismo, doenças coronárias), com a preocupação quer pela intervenção cirúrgica quer pela vigilância, pela cura como pelo cuidado (Berridge, 1996: 4; Berridge, 1993: 3). As doenças crónicas ocupariam o centro da consciência moderna sobre o significado da doença, porque se instalou a incerteza das causas e da cura dessas doenças. Contudo, as melhorias nos fármacos e o cuidado médico permanente inclinaram a sida para o terreno das doenças crónicas. Em simultâneo, as preocupações clínicas e sociais ligavam-se a questões da linguagem: a partir de 1987, os discursos oficiais alteram a referência “grupos de risco” da sida para “comportamentos de risco” na sida. Há uma mudança de modelo: do epidémico para o de doença crónica. Isto traz uma chamada de atenção para os estilos de vida, o que leva os mais propensos a contraírem uma doença crónica a fazerem esforços que eliminem os riscos. Claro que o envelhecimento individual conduz a uma maior probabilidade de contrair uma doença crónica, mas as pessoas conseguem viver com elas durante muitos anos, graças à vigilância e ao cuidado permanentes. Mas a doença pode fragilizar. Para Raidley (1994: 147), o doente tem uma vida mais restrita de contactos sociais e uma ideia de descrédito de si mesmo, no que pode constituir um fardo para outros (família, amigos, assistência social). À culpa junta-se a vergonha de ter a doença, com frequência um estigma letal. 4. Sida e outras doenças Nas duas últimas décadas do séc. XX, a sida constituiu-se em importante tema noticioso. De início, olhada como a doença do século, de fácil transmissão e associada a comportamentos sexuais considerados de risco, o medo de a contrair estendeu-se progressivamente a todas as camadas sociais e culturais e tornou-se um problema político central na segunda metade dos anos 1980. Mas os media noticiosos não deram atenção imediata à doença. Para Cook (1997: 221), uma explicação para a entrada demorada da sida na agenda política reside na possibilidade de o seu anúncio público gerar pânico, o que colocou os meios noticiosos em situação delicada. Apesar dos avanços e recuos, a opinião pública conseguiu que medidas sociais e políticas fossem tomadas com razoável rapidez e disponibilizados meios apreciáveis. A cobertura noticiosa da sida em vários países partilhou alguns traços comuns. Por um lado, as notícias enfatizaram a doença como se ela se confinasse a homossexuais, tinham uma tendência para relatos noticiosos dramáticos que incitam ao pânico, com presença enfática de determinados grupos sociais e ausência de outros. Por outro lado, algumas individualidades distinguiam-se pela sua enorme capacidade de influência na 6
  • 7. cobertura da sida, relacionada ou não com a especialização médica ou a experiência pessoal. Um terceiro traço, como enfatizam Williams e Miller (1995: 416), foi a própria descrição da sida, invocadora de metáforas e imagens associadas à homofobia, medo, violência, contaminação, invasão, racismo, sexo, desvio e xenofobia. Para Montagnier et al. (1989: 546), a sida associou-se a tudo o que é mau – sensacionalismo, aventureirismo, medo. Por seu lado, Mattoso (1998: 18) nota que a morte por doença contagiosa sempre despertou horrores maiores do que a morte natural. Tal medo conduz o homem a quase perder a sua razão social, a excluir os contagiados, a procurar culpados e castigar e exorcizar os desmandos sexuais, numa permanente demonização e sentido de pecado dos considerados grupos de risco (homossexuais, toxicodependentes, prostitutas). Se o risco se associa à representação da doença e da morte, a sua elisão passa por procedimentos aperfeiçoados de diagnóstico e anulação de doenças parasitárias e infecciosas (Giddens, 1994: 107). O medo do contacto de risco, do parceiro sexual que transmite a doença sem o saber, constitui sinal distintivo da sida face às outras doenças contagiosas, em termos sociais e mentais. A contaminação não anunciada atravessou as notícias sobre a doença, com a valorização do preservativo enquanto instrumento que estanca a doença, e, em Portugal, alcançou um ponto de chegada quando a agência governamental deu início à campanha de troca de agulhas para não infectar companheiros e parceiros de toxicodependentes (1993). A sida seria a primeira epidemia numa sociedade de comunicação de massa, com quantidade de informação, características emocionais e indicações comportamentais paralelas ao acidente nuclear de Chernobyl (Zanini et al., 1991: 81). A epidemia continha os ingredientes jornalísticos suficientes para atrair a atenção: novidade, ausência de cura, sofrimento físico e infecção. Como doença, a sida ocorre num tempo de maturação e concorrência dos canais de televisão, com as imagens da, e sobre, a doença a adaptarem-se ao meio noticioso. A sida e a seropositividade descrevem estados emocionais e de saúde de indivíduos jovens, que afectam jovens (ao contrário da concepção habitual de doença, identificada com a velhice e o consequente desaparecimento físico). Por outro lado, a história clínica da sida mostra a ausência da autoridade absoluta do médico sobre o doente. Sem cura à vista, e com grande incidência nos jovens (caso dos toxicodependentes), a experimentação de fármacos para prolongamento de qualidade de vida dos seropositivos e dos doentes com sida tem sido feita em simultâneo pelo clínico e pelo doente, o que torna este tão especialista como o médico (Epstein, 1996). A interacção social e a negociação de uns com os outros faz da sida uma doença construída social e culturalmente. Entretanto, os meios noticiosos ampliam a situação: as notícias de 7
  • 8. televisão, mais orientadas para o acontecimento, aproveitam-se da dor e apropriam-se do escândalo, como no caso do sangue contaminado, estudado por Marchetti (1998). Existem outras razões que justificam o lugar especial que a sida tem no conjunto das doenças relativamente ao seu tratamento jornalístico. Primeiro, há fortes lutas na obtenção de subsídios à investigação de fármacos, o que conduz a uma permanente tomada de posições de médicos e outros especialistas em congressos e nas notícias em termos de divulgação de vacinas para a cura da doença, individuais (médicos e investigadores) e empresariais (companhias multinacionais). Segundo, a doença é atribuída, no início, a grupos de risco – um dos quais, o homossexual, lutava pelo sua legitimidade social, política e cultural –, numa sociedade pretendente à limpeza e à liofilização, em luta constante contra os micróbios. Daí, acentua Giddens (1994/1997: 23), o contorno político da luta dos homossexuais, que estruturavam organizações de garantia da tolerância pública e do pluralismo sexual e contestavam a terminologia da perversão e do desvio, contra uma sociedade que não aceita a diferença e se mostra alheada ao sofrimento. A sida marcou uma nova atitude moral no acto sexual e na sua representação noticiosa. A rejeição da sexualidade periférica, na designação de Foucault (1994), fez-se acompanhar, em sentidos contrários, pelas noções de poluição e impureza e pela libertação de vocabulário reprimido. Higiene e linguagem inseriam-se na discussão dos campos jornalístico e científico. Dava-se, por via disso, uma moralização de costumes: as tomadas de certas forças – casos do presidente americano Ronald Reagan, do ministério britânico do Interior (1989), das entidades religiosas – centraram-se nos costumes sexuais. A sexualidade, balanceada entre a liberdade e o constrangimento, foi uma marca da nossa sociedade. Assim, ao longo da história da sida, registaram-se lutas políticas (costumes e moral, apoios económicos), lutas sociais (homossexuais e hemofílicos), lutas económicas (pressão das multinacionais para o reconhecimento e aceitação de fármacos que experimentam, na perspectiva de produção massiva e lucros correspondentes) e lutas culturais (homossexuais) que se espelharam no tratamento da epidemia e no seu noticiário. Podemos associar doenças diferentes como a lepra, o cancro e a sida, em termos de medo, discriminação e vergonha. Béniac (1997: 133-137) salienta que, caracterizada pela reabsorção de músculos, insensibilidade das extremidades e afecções cutâneas, a lepra possuía um significado específico: a impureza, a falta, o pecado dos homens. Separado do convívio dos indivíduos não afectados e expulso de casa, a interdição do leproso era de ordem sanitária: ele usava um fato comprido, luvas e um chapéu grande para dissimular as deformidades. Se não estava internado numa leprosaria e mendigava, a sua passagem fazia-se anunciar por uma matraca. 8
  • 9. Afastada a lepra do universo horroroso das doenças que deformam o homem, o cancro invadiu o universo psicológico e social da humanidade. Considerado doença vergonhosa, consequência de um pecado desconhecido (Imbault-Huart, 1997: 184), com o cancro o homem redescobriu a estigmatização (Sontag, 1998: 105). A maior parte das vezes, o doente preferia não reconhecer a sua doença, embora nos anos mais recentes o médico anuncie abertamente o mal que padece o doente. Já na sida, o medo reside no vírus e na ideia de contaminação e vulnerabilidade permanentes. Com as defesas imunitárias enfraquecidas em milhões de indivíduos em todo o mundo afectados com o VIH, ressurgiu o medo das doenças contagiosas consideradas debeladas ou controladas – a tuberculose e outras doenças infecciosas e parasitárias (Montagnier, 1993). As notícias sobre a doença reflectiram esses medos colectivos, situações de pânico e horror a que corresponderam representações de estigma e discriminação. Devido à falta de tempo, espaço e recursos materiais por parte dos jornalistas, bem como à representação social que jornalistas, fontes noticiosas e audiências constroem da sida – doença não tratável, associação a grupos de risco, medos morais e punições religiosas –, há lugar para a formulação ideológica que cria uma primeira definição. No conjunto geral das notícias, para além da orientação para o acontecimento, o jornalista é conduzido ao acontecimento previamente marcado. No nosso país, nas notícias sobre sida, em especial entre 1982 e 1989, especialistas, médicos e membros da agência governamental fizeram passar as suas mensagens sem qualquer dificuldade junto dos jornalistas. A definição da doença, os quadros clínicos e estatísticos e as campanhas de comunicação pública de prevenção constituíram alguns dos temas dentro da problemática que as fontes de informação forneceram aos jornalistas. No entanto, os jornalistas ultrapassam o papel de elementos secundários na definição do enquadramento da notícia, ao assumirem a decisão de atribuir importância a uma determinada fonte. A presença da ONG Abraço nas notícias indica tal postura, iniciada no começo da década de 90. A associação, apesar de funcionar como entidade de lobbying, veicularia críticas acerca da actividade da agência governamental, possibilidade para os jornalistas divulgarem novas perspectivas nas notícias. A presença de mais fontes de informação na problemática da sida permitiria ao jornalista investigar situações e construir quadros de referência diferentes dos proporcionados pelas fontes oficiais. 5. Perspectivas científicas e políticas A cobertura noticiosa do VIH-sida reflectiu o apoio que, nomeadamente nos países ocidentais, se deu às campanhas governamentais, com governo e fontes médico- científicas a dominarem o enquadramento noticioso. Na Inglaterra, nas reportagens de 9
  • 10. finais de 1986, sentiu-se a ideia de “emergência nacional”, em que os jornalistas se identificavam com as perspectivas governamentais, caso do tema da transmissão heterossexual do VIH. Na agenda televisiva, houve uma coligação de interesses (consenso liberal-médico), apoiado pela classe médica e científica e pelos líderes de opinião liberais (Glasgow Media Group, 1998). Por oposição a esta perspectiva – assente na estratégia de que, à falta de uma vacina, se tinha de promover a educação pública –, surgiram três outros pontos de vista: conservador-moralista, libertário e crítico. Para a corrente conservadora, as campanhas visaram a permissividade, ao insinuarem que o governo cedera ao lobby homossexual, enquanto a linha libertária viu em todas as acções do governo tentativas de regulamentação das matérias sexuais. Ao invés, os críticos concluíram pelo atraso dos esforços governamentais, o que permitiu ideias como pânico moral (Watney, 1997; Thompson, 1998), estigma reforçado, racismo legitimado e identificação médica com as práticas sexuais. Uma ideia que atravessou os diversos estudos sobre a cobertura da sida é que a relação entre meio de noticioso e especialista opera dentro da lógica de benefícios partilhados (Noyer, 1994): para um meio noticioso, uma forma de construir ou consolidar a sua credibilidade ancora-se na competência do especialista; para o especialista, a visibilidade conferida pelo meio noticioso é a oportunidade de, junto das instâncias de decisão, se tornar um meio de pressão para orientação das decisões (financiamento das actividades e reconhecimento do sector de investigação). À lógica de benefícios partilhados juntemos a contínua necessidade de acontecimentos por parte dos jornalistas e das fontes. Um número elevado de factores influenciou as estratégias das fontes oficiais e poderosas na interacção com os meios noticiosos, de modo a organizarem agendas (Glasgow Media Group, 1998). De entre os factores, destacaram-se a desconfiança dos técnicos de saúde face à veracidade dos relatos dos meios noticiosos, o baixo estatuto dos técnicos de saúde, sem a credibilidade e autoridade do médico ou cientista, a tentativa de controlo de uns departamentos governamentais sobre outros, o que retirava eficácia às campanhas, o peso de “quem” falava, que vedava às fontes oficiais certas afirmações mas permitia que outras organizações as defendessem, e a publicitação de alguns cientistas nos meios noticiosos, mesmo sem serem especialistas do VIH-sida. O campo jornalístico tornava-se, assim, um palco de múltiplas vozes que procuravam aceder aos jornalistas. Outra questão importante na cobertura jornalística da sida foi a levantada por Epstein (1996), sobre as causas da síndroma, que originou uma controvérsia. Vindos de um ponto zero de total incerteza, os grupos rivais de produção de pressupostos e reivindicações, que procuravam estabelecer a “propriedade” sobre a epidemia, 10
  • 11. avançaram várias hipóteses. Entre 1984 e 1986, após grupos de investigadores descreverem um vírus anteriormente desconhecido no sangue dos doentes com sida, o VIH formou-se a perspectiva cientificamente aceite de que ele era o agente da causa mortal (como se viu no começo deste artigo). A associação de imagens da doença junto do público gerou uma análise profunda. Na Austrália, por exemplo, lançada a 5 de Abril de 1987 e destinada ao público em geral, tornou-se conhecida a campanha do Grim Reaper (ceifeiro austero), devido ao ícone central empregue. Os anúncios na televisão, cinema e imprensa mostravam uma imagem medieval do horror (Tulloch e Lupton, 1997: 40), representada pelo ceifeiro, e que despertaram uma reacção de medo e choque semelhante à da campanha inglesa Don't die of ignorance. A campanha (três semanas na televisão e seis semanas na imprensa) tornou-se uma das mais controversas e recordadas, marcada pela intensificação, dramatização, controvérsia e debate público da cobertura da doença. Muitos artigos, reportagens e cartas ao director foram publicados na imprensa. Além do medo e do risco, a doença apareceu ligada ao escândalo, como escreveu Marchetti (1998). Durante anos, houve pouca mediatização do caso dos hemofílicos, por duas razões: a culpabilidade de pais que não ignorava o risco de hemofilia desde a concepção dos filhos; o medo de associação a homossexuais e toxicodependentes. No final dos anos 80, as associações de hemofílicos e transfusionados rompiam o silêncio e recorriam aos meios noticiosos. Falava-se já em escândalo, na lentidão da acção do Estado e no receio de prescrição dos processos em tribunal. Ao mesmo tempo, os hemofílicos eram apresentados como vítimas inocentes por oposição a doentes culpados, nomeadamente na imprensa de extrema-direita. No interior dos meios noticiosos franceses, o escândalo constituiu rapidamente um espaço de luta entre rubricas (Champagne e Marchetti, 1994: 53). Em menos de dez anos, o grupo restrito de jornalistas especialistas em medicina alargava-se e sentia-se uma concorrência e conflitualidade interpares. A politização da questão levou a que as notícias sobre sangue contaminado feitas por jornalistas especialistas em medicina e saúde se transferissem para jornalistas políticos, editorialistas e jornalistas dos processos judiciais. Funcionava a hierarquia das secções dos meios noticiosos. Se, inicialmente, a informação médica era garantida pelas instâncias médicas oficiais e os jornalistas mantinham um interesse profissional com as suas fontes, a sida e o sangue contaminado contribuíram para acelerar as transformações jornalísticas. Os editorialistas e os jornalistas de política punham em causa a informação positiva sobre os progressos da ciência. A ciência e a medicina perdiam a auréola de serviço público para adquirirem a dimensão de competição económica, política e militar. 11
  • 12. 6. Cientistas e jornalistas científicos e de saúde nas notícias Sem ser fácil articular o discurso científico (formulação de hipóteses explicativas) com a produção jornalística (procura de respostas curtas e em linguagem acessível), as actividades da ciência e da saúde atingiram um elevado ponto de publicitação nas notícias da sida. Muitos jornalistas ainda não possuem uma formação específica em temas científicos, o que os pode levar a aceitar com passividade os pontos de vista transmitidos pelas fontes de informação. Mas, com frequência, os jornalistas questionam as fontes, nomeadamente os cientistas e os especialistas, quando não há respostas rápidas e precisas a problemas de grande dimensão e impacto na vida das pessoas, como a resistência das bactérias aos antibióticos, o Ebola, as doenças das vacas loucas, a gripe das aves, a sida. A facilidade com que os cientistas surgem nos meios noticiosos dá a estes razões positivas para esquecerem enganos ou omissões das suas teorias ou sugestões. A promoção mediática dos cientistas, a percepção de que deixaram as “torres de marfim” e se tornaram pessoas com dúvidas e convicções como os outros cidadãos, trouxe a vantagem de tornar acessível a divulgação das grandes temáticas científicas, ainda que em versão digerida. Ao visar a popularização ou a vulgarização da ciência, nas notícias aligeiram-se conceitos científicos ou técnicos, o que causa problemas à compreensão do corpo científico tratado e à reputação das fontes que originam ou promovem a informação. Na televisão, isso é muito perceptível: o reduzido tempo para explicar um assunto leva o cientista a construir um enquadramento perceptível à audiência. Quando o programa inclui público a assistir – que pretende “democratizar” a discussão mas nivela gostos e conhecimentos por baixo –, o cientista sente-se inibido em desenvolver as suas ideias próprias, pelo que fica na pequena frase ou pequena conversa. Enganos, imprecisões ou omissões sobre a ciência atribuem-se aos jornalistas, mas a responsabilidade também se imputa aos cientistas: estes não esperam pelas reacções dos colegas aos textos publicados nas revistas científicas, mas publicitam os trabalhos através de conferências de imprensa, como no anúncio das qualidades do Virodene. O trabalho de Marchetti (1998) sobre jornalismo médico oferece elementos importantes para a sua compreensão. Ainda em meados dos anos 70, em França, os textos sobre medicina eram escritos por médicos com propensão para as humanidades e o jornalismo. Os textos celebravam as conquistas da medicina. Nas duas décadas seguintes, formou-se uma geração de jornalistas especialistas em novas áreas de saber, como a ciência e a saúde, libertos das deferências dos avanços tecnológicos, quando os não punham mesmo em causa. Fez-se a “desmedicalização” da informação (Marchetti, 1998). A necessidade de divulgar dados sobre a sida, no sentido de tornar comum o 12
  • 13. conhecimento científico complexo perante uma doença em rápida expansão, vulgarizou conceitos e medidas de prevenção. Depois, a par da dessacralização da medicina, sucedeu a lógica do escândalo, caso do sangue contaminado com VIH. Do lado do cientista exige-se-lhe ser um especialista apto a responder a tudo. Mas o especialista não é nem sábio, nem investigador, nem par (Wolton, 1997: 13), embora a sua especialização legitime e reforce a autoridade do seu saber (Monnoyer, 1997: 162) e alargue mesmo a sua área de competência a outras actividades. Por isso, há cientistas abordados a qualquer hora ou local para comentarem qualquer assunto. De modo idêntico ao político, constrói-se a ideia de spin doctors científicos, que elaboram discursos em busca de visibilidade, prestígio e notabilidade, traduzíveis em lugares, poder e angariação de fundos. Neste sistema de teorias simplificadas, os cientistas escrevem livros, limitam o jargão técnico ao mínimo indispensável, descrevem os fenómenos científicos com uma construção narrativa semelhante a um romance, com histórias, humor, drama emotivo e ficção, e formam fortes grupos de pressão. Cientistas, médicos, pessoal paramédico, associações de classe e laboratórios movem-se em grande actividade e esforço propagandístico, evidente na recomendação de dietas alimentares e na discussão dos factores de origem e relação das doenças. A autoridade científica rodeia-se de uma auréola mítica – muitas vezes, o médico é caracterizado como sábio, padre ou mágico (Zappalà, 1997: 183). Nas notícias sobre a sida, a assídua presença dos grupos de pressão detecta-se na profusão de propostas de vacinas para a cura da sida e de medicamentos para atenuar os efeitos da doença. As propostas provêm de países distintos, através de comunicações de médicos e investigadores e apresentações públicas de remédios por parte de laboratórios. As palavras e os projectos científicos ganham, desta maneira, uma grande extensão de credibilidade. O aparecimento de agências não governamentais – com o seu aspecto de alerta e de consciencialização sobre alguns assuntos, como os ambientais – tem muitas vezes, por detrás de si, a obtenção de financiamentos e cargos, com vedetização dos seus líderes. As notícias sobre a ciência enchem-se de porta-vozes, fontes oficiais e fontes não oficiais (ONGs e outras associações), que produzem discursos não coincidentes como outros já elaborados e apresentados publicamente, numa arena de luta permanente na produção de significados e em busca do reconhecimento e compensação pública, em especial junto dos decisores políticos. Por isso, a autoridade científica aparece contestada com frequência. A imprevisibilidade e o impacto de riscos e catástrofes geram ansiedade e descrença, na população em geral, quanto à capacidade real dos cientistas. Temos, assim, um duplo registo: o da euforia e optimismo do saber científico, muito mediatizado; o da insegurança e pessimismo no 13
  • 14. saber comum, também mediatizado. São dois pólos distintos, cada um capaz de produzir noticiabilidade nos seus acontecimentos ou estórias e que os jornalistas trabalham. No campo científico, distinguem-se algumas outras premissas. Se a relação entre fonte política e jornalista se baseia na oportunidade do momento e na eficácia do gesto e da acção, divergem, no campo científico, os tempos do cientista e do jornalista. A investigação científica prolonga-se pelo tempo, resulta de muitas hipóteses equacionadas e trabalho dedutivo e valoriza a citação de trabalhos em artigos publicados em revistas internacionais e livros. O tempo do jornalista é de ruptura, não adaptado ao do cientista. Para o jornalista não importa o estudo do cientista ao longo dos anos (Cook, 1997: 226; Weiss e Singer, 1988: 151) nem as citações dos seus pares, mas o que traz de novo e o modo como ele é contado. Enquanto o político está habilitado a lidar com as incorrecções das notícias, ao falar com os jornalistas graças a linguagem simples e redundante, o cientista sente ainda dificuldade em expressar conceitos por meio de palavras acessíveis ao público. Daí que as relações entre cientistas e jornalistas balanceiem entre a cooperação e a desconfiança. Se um artigo traz uma referência ou citação incorrecta ao trabalho do cientista, este mostra-se indisponível para contactos posteriores com o jornalista. Quando um cientista tem acesso fácil aos jornalistas, os outros especialistas podem afastar-se dele, se considerarem a mediatização um processo de abastardar a ciência (Ussher, 1994: 123). 7. Conclusão No campo científico em geral, se a preocupação inicial consistia na divulgação das descobertas, mais recentemente a ciência tem procurado a mediatização, através de controvérsias. A querela em torno da origem do VIH tornou-se um bom exemplo. Assim, o campo científico é um palco onde se defrontam agentes sociais dotados de legitimidade especializada e que procuram a definição dominante da descoberta científica. A mediatização, a controvérsia e a tentativa da definição “vencedora” num domínio científico permitem amealhar prestígio, útil para obter recursos financeiros de entidades governamentais ou privadas e lugares de decisão. A querela atinge também contornos políticos. O campo científico é um lugar de disputa entre organizações governamentais (fontes oficiais) e outras organizações como associações, grupos de pressão e movimentos sociais. Muitas ONGs têm falta de recursos simbólicos, financeiros e culturais, mas a visibilidade adquirida nas notícias serve para os jornalistas as incluírem como fontes de informação alternativas às oficiais. Funciona o que Noyer (1994) referiu como benefícios partilhados: se os jornalistas 14
  • 15. obtêm subsídios de informação de outras fontes, as fontes não oficiais ganham cobertura jornalística. A sida surgiu como doença associada a grupos de risco, com muitas das notícias a serem estórias de homossexualidade. A partir de 1987, com a redefinição da sida como doença transmissível sexualmente e por transfusão de sangue a todas as categorias sociais e de género, cresceu o pânico e a necessidade de os governos iniciarem fortes campanhas públicas de prevenção. A poluição e a impureza associam-se ao doente com VIH-sida e levam-no a ser considerado como o “outro”, o “diferente”. Doença recente e não anunciada, o seu conhecimento foi sendo acompanhado pela comunidade científica e pelos doentes, nomeadamente jovens. Inconformados com a doença, tornaram-se activistas enquanto a doença os não atirava, em definitivo, para a cama e a morte. O seu activismo possibilitou a aquisição de um conhecimento paralelo ao dos médicos e a discussão dos tipos e doses de medicamentos receitados. A entrada de novas fontes de informação no campo jornalístico – como as associações não governamentais – permitiu, no caso português, chamar a atenção para a situação dos seropositivos e dos doentes com sida, em especial os que estavam em tratamento hospitalar permanente. A luta por melhores condições de vida, a denúncia de carências em número de médicos, instalações hospitalares e fornecimento de remédios, constituiria uma das batalhas mais importantes a travar na década de 90. Bibliografia Augé, Marc, e Claudine Herzlich (1983/1995). “Introduction”. In Marc Augé e Claudine Herzlich (eds.) The meaning of illness. Anthropology, history and sociology. Australia: Harwood Academic Publishers Beck, Ulrich (1994/1997). “A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva”. In Giddens, Anthony, Ulrich Beck e Scott Lash Modernização reflexiva – política, tradição e estética na ordem social moderna. S. Paulo: Unesp Beck, Ulrich (1996). “Risk society and the provident state”. In Scott Lash, Bronislaw Szerszynski e Brian Wynne Risk, environment & modernity. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage Béniac, Françoise (1997). “O medo da lepra”. In Jacques Le Goff (apres.) As doenças têm história. Lisboa: Terramar Berger, Peter L., e Thomas Luckman (1966/1999). A construção social da realidade. Lisboa: Dinalivro Berridge, Virginia (1993). “Introduction: AIDS and contemporary history”. In Virginia Berridge e Philip Strong (eds.) AIDS and contemporary history. Cambridge, Nova Iorque e Victoria: Cambridge University Press Berridge, Virginia (1996). AIDS in the UK. The making of policy, 1981-1994. Oxford: Oxford University Press Bourdieu, Pierre (1994/1997). Sobre a televisão. Oeiras: Celta Champagne, Patrick, e Dominique Marchetti (1994). “L’information médicale sous contrainte – a propos du «scandale du sang contaminé»”. Actes de la Recherche en sciences sociales, 101-102: 40-62 Cook, Timothy (1997). “News coverage of AIDS”. In Pipa Norris (ed.) Politics and the press. Boulder e Londres: Lynne Rienner Publishers 15
  • 16. Douglas, Mary (1966/1991). Pureza e perigo. Lisboa: Edições 70 Douglas, Mary (1992). Risk and blame. Essays in cultural theory. Londres e Nova Iorque: Routledge Epstein, Steve (1996). Impure science – aids, activism and the politics of knowledge. Berkeley, Los Angeles e Londres: University of California Press Foucault, Michel (1994). História da sexualidade, 3 volumes. Lisboa: Relógio D’Água Foucault, Michel (1997). A ordem do discurso. Lisboa: Relógio D’Água Giddens, Anthony, Ulrich Beck e Scott Lash (1994/1997). Modernização reflexiva – política, tradição e estética na ordem social moderna. S. Paulo: Unesp Giddens, Anthony (1995). Transformações da intimidade. Oeiras: Celta Glasgow Media Group (1998). The circuit of mass communication. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage Grandi, Roberto (1995). Texto y contexto en los medios de comunicación. Barcelona: Bosch Herzlich, Claudine, e Janine Pierret (1987/1984). Illness and self in society. Baltimore e Londres: The Johns Hopkins University Press Imbault-Huart, Marie-José (1997). “História do cancro”. In Jacques Le Goff (apres.) As doenças têm história. Lisboa: Terramar Lash, Scott (1994/1997). “A reflexidade e seus duplos: estrutura, estética, comunidade. In Anthony Giddens, Ulrich Beck e Scott Lash Modernização reflexiva – política, tradição e estética na ordem social moderna. S. Paulo: Unesp Lupton, Deborah (1999). Risk. Londres e Nova Iorque: Routledge Lupton, Deborah (1999 a) (ed.). Risk and sociocultural theory – new directions and perspectives. Cambridge: University Press Marchetti, Dominique (1998). Contribution à une sociologie des transformations du champ journalistique dans les années 80 et 90. A propos d’“événements sida” et du “scandale du sang contaminé” (tese de doutoramento em sociologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales) Mattoso, José (1998). “Para uma história das epidemias”. In Isabel Faria e Pedro Silvério Marques (coord.) Actas da 1ª jornada de Ética-Abraço. Lisboa: Abraço Monnoyer, Laurence (1997). “La légitimation par la science: un défi pour la démocratie”. In Suzanne de Cheveigné (coord.) Sciences et médias. Hermès, 21: 159-169 Montagnier, Luc (1993). “Sida: agir e já!”. Diário de Notícias, 1 de Fevereiro Montagnier, Luc, Willy Rozenbaum, e Jean-Claude Gluckman (1989). Sida et infection par VIH. Paris: Flammarion Nelkin, Dorothy, David P. Willis e Scott V. Parris (eds.) (1991). A disease of society. Cultural and institutional responses to AIDS. Cambridge, Nova Iorque e Melbourne: Cambridge University Press Nettleton, Sarah (1995). The sociology of health and illness. Cambridge: Polity Press Noyer, Jacques (1994). La couverture du sida dans la presse française de 1982 à 1989 a travers trois quotidiens nationaux (Le Figaro, Libération, Le Monde): approches de la notion d’evenement. Tese de doutoramento apresentada na Universidade de Lille 3 Pierret, Janine (1983/1995). “The social meanings of health: Paris, the Essonne, the Herault”. In Marc Augé e Claudine Herzlich (eds.) The meaning of illness. Anthropology, history and sociology. Australia: Harwood Academic Publishers Radley, Alan (1994). Making sense of illness. The social psychology of health and disease. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage Sontag, Susan (1988/1998). A doença como metáfora e A sida e as suas metáforas. Lisboa: Quetzal Thompson, Kenneth (1998). Moral panics. Londres: Routledge Traquina, Nelson (2000). “O jornalismo português e a problemática VIH/SIDA: um estudo exploratório”. Revista de Comunicação e Linguagens, 27: 261-285 16
  • 17. Treichler, Paula A. (1999). How to have theory in an epidemic – cultural chronicles of AIDS. Durham e Londres: Duke University Press Tulloch, John, e Deborah Lupton (1997). Television, AIDS and risk. St Leonards: Allen & Unwin Pty Ussher, Jane (1994). “Media representations of psychology: denigration and popularization, or worthy dissemination of knowledge?”. In Cheryl Haslam e Alan Bryman Social scientists meet the media. Londres: Routledge Watney, Simon (1989/1997). “Moral panics”. In Tim O’Sullivan & Yvonne Jewkes The media studies reader. Londres, Nova Iorque, Sidney e Auckland: Arnold Weiss, Carol, e Eleanor Singer (1988). Reporting of social science in the national media. Nova Iorque: Russel Sage Foundation Williams, Kevin, e David Miller (1995). “AIDS news and news cultures”. In Downing, Mohammadi e Mohammadi Questioning the media – a critical introduction. Thousand Oaks, California: Sage Wolton, Dominique (1997). “Présentation. De la vulgarisation à la communication”. In Suzanne de Cheveigné (coord.) Sciences et médias. Hermès, 21: 9-14 Zanini, Serpelloni, Perini Morgante, Mirandola Galvan, Ciampalini Bosco e Montresor Gomma (1991). “Mass-media e infezione da HIV: la necessitá di una nuova gestione dell'informazione”. In Ministero della Sanità Informazione e AIDS – informazione scientifica, mass-media ed individuo. Verona: Ministero della Sanità Zappalà, Annick (1997). “La médecine médiatisée: entre la médicalisation du social et la socialisation de la science”. In Suzanne de Cheveigné (coord.) Sciences et médias. Hermès, 21: 181-190 17