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RELATÓRIOANUAL2019
COMISSÃO DE
DEFESA DOS
DIREITOS
HUMANOS E
CIDADANIA
DA ALERJ
RELATÓRIOANUAL2019
COMISSÃO DE
DEFESA DOS
DIREITOS
HUMANOS E
CIDADANIA
DA ALERJ
EXPEDIENTE
Renata Souza
Presidenta da Comissão de Defesa
dos Direitos Humanos e Cidadania
Redação
Antônio Pedro Soares
Dejany Ferreira
Gizele Martins
Ibis Pereira
Isabel Pereira
Isabel Mansur
Michelle Lacerda
Mônica Cunha
Renata Lira
Revisão
Marina Iris
Diagramação
Evlen Lauer
Foto da capa
Wendy Andrade
COMISSÃO DE DEFESA
DOS DIREITOS HUMANOS E
CIDADANIA DA ALERJ
Colaboradores
Antônio Pedro Soares
Camila Pires
Danilo Firmino
Dejany Ferreira
Flávia Cândido
Gizele Martins
Isabel Pereira
Maiara Fafini
Michelle Lacerda
Mônica Cunha
Raniery Soares
Rayanne Soares
Renata Lira
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 3
APRESENTAÇÃO
... e no mais fundo decifro o choro pânico do mundo ...
Carlos Drummond de Andrade
Com o presente, temos a honra de apresentar o relatório anual da Comissão
de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Trata-se de um primeiro balanço dessa problemática central para o Estado
Democrático de Direito. E não poderia chegar em hora mais oportuna, consi-
derando a matéria que decidimos privilegiar nesta primeira investida: a segu-
rança pública.
Neste exato momento, todos estamos com as nossas atenções voltadas para
o estado de São Paulo, acompanhando, num misto de angústia, tristeza e per-
plexidade, a evolução do caso que envolveu a morte de 09 jovens, deixando
outros tantos feridos, durante a dispersão de um baile funk, pela Força Pública
paulista, numa rua de Paraisópolis com nome de historiador.
O horror da rua Ernest Renan, onde ocorreu o Baile da 17, está sendo apurado.
Esperamos empenho das autoridades em elucidar o ocorrido e Justiça para as
vítimas e seus familiares. A coincidência da tragédia com a publicação deste
relatório veio a nos servir de reforço para a tese que temos defendido e que
procuramos sustentar nas páginas que seguem: a necessidade urgente de re-
pensar o modelo de segurança pública brasileiro.
Decidimos formular um relatório cujo foco fosse a segurança pública, porque
entendemos que não há possibilidade de deslindar essa questão sem a centrali-
dade dos direitos humanos, não sendo exagerado sustentar que enquanto insis-
tirmos na manutenção da ordem pública, desconsiderando a promoção da dig-
nidade humana, não chegaremos a nenhum resultado que não seja a barbárie.
As instituições brasileiras têm apresentado inúmeras dificuldades em lidar
com essa problemática, apesar dos mais de R$ 90 bilhões gastos em 2018. Os
números são assustadores: uma taxa de 27,5 mortes violentas e intencionais
por 100.000 habitantes; uma média de 180 estupros diários; a terceira maior
população de aprisionados do mundo, apenas para citar alguns. E sobre as for-
ças policiais tem recaído o peso de todo o fracasso do país no enfrentamento
da questão. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
as forças de segurança brasileiras matam 17 pessoas por dia, em operações
policiais, enquanto seus agentes desabam, vítimas da violência autoinfligida.
Em 2018, dos 343 policiais civis e militares mortos, 104 cometeram suicídio.
É urgente entender a segurança pública como uma questão política. Algo
que precisa ser equacionado pelo Poder a partir de evidências, dados, ciência,
políticas públicas, enfim. Depois de três décadas de vigência da primeira
constituição a ter um capítulo sobre segurança pública, avançamos muito
pouco nessa percepção. Ainda tratamos o problema, basicamente, sem orga-
nicidade, apostando no viés bélico do confronto armado e militarizado, privi-
legiando a força e discursos irresponsáveis, que no fundo servem apenas
como estímulo à brutalidade.
O relatório é um convite ao pensamento. Como Hannah Arendt, acreditamos
que pensar e agir moralmente andam juntos. Quando os direitos humanos e
seus defensores são acusados de cumplicidade com o crime, por autoridades
que defendem a violência como antídoto para a violência, numa época de con-
fusão generalizada entre a verdade e a mentira, pensar é a única chave para
decifrar o sentido desse “choro pânico”, superando essa atmosfera de medo e
de ódio que está a ameaçar a nossa democracia.
Boa leitura.
ediçãosobrefotodeMídiaNinja(CCBY-SA)
SEGURANÇA
PÚBLICA E
DIREITOS HUMANOS:
REFLEXÕES PARA
UM APRENDIZADO
DEMOCRÁTICO
[...] a expressão máxima da
soberania reside, em grande
medida, no poder e na capacidade
de ditar quem pode viver e
quem deve morrer.
Achille Mbembe
Há no país
uma legenda,
que ladrão
se mata com tiro.
Carlos Drummond de Andrade
[...] O homem é um
bicho que treme.
João Guimarães Rosa
6 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
Introdução
Nos últimos trinta anos, mais de um milhão de
seres humanos foram vítimas da criminalidade
violenta no Brasil, massacradas por esse gigan-
tesco moinho de gastar gente, segundo a lapi-
dar expressão cunhada por Darcy Ribeiro. Em
2019, de acordo com o anuário brasileiro de se-
gurança pública, 57.341 pessoas foram vítimas
de morte violenta e intencional.1
Do total, 53%
tinham entre 15 e 29 anos de idade; 77% eram
negros e 93% do sexo masculino.
Estima-se que 10% dos homicídios praticados
no mundo sejam cometidos no Brasil.2
Se por
um lado as taxas de elucidação de homicídios
são extremamente baixas, isso não impede o
país de apresentar a terceira maior população
de encarcerados do planeta.3
Um dado a ressaltar é o fato de vítimas e viti-
madores pertencerem, quase sempre, ao mes-
mo segmento dos condenados à precariedade,
em decorrência da ordenação regular e secular
dos sistemas econômico e político, forma de
dominação inscrita “na ordem das coisas” -
como diria Pierre Bourdieu. Em boa medida, a
barbárie do tempo presente é a ferida aberta
por onde explode a herança de desigualdades,
injustiças e brutalidades do nosso passado es-
cravocrata, que teima em permanecer atual.
Lilia Moritz Schwarcz observa:
Desde o período colonial, passando pelo Im-
pério e chegando à República, temos pratica-
do uma cidadania incompleta e falha, marcada
por políticas de mandonismo, muito patrimo-
nialismo, várias formas de racismo, sexismo,
discriminação e violência. [...] Nosso presente
anda, mesmo, cheio de passado [...]4
.
A violência estrutural determinada pelo modo
de organização e de reprodução social tem sua
contrapartida. Toda a agressão produzida con-
tra o homem retorna em desfavor da sociedade
que a faz circular.
A esse cenário dantesco, devemos acrescen-
tar outro ponto de extrema relevância, a fim de-
limitar melhor o contorno desse círculo: aproxi-
madamente 11% do total das mortes referidas
envolvem as forças de segurança. Em 2018, as
polícias brasileiras foram responsáveis por
6.220 mortes. Nesse ano, ainda de acordo com
o anuário, 343 agentes de polícia foram mortos,
87 em serviço e 256 na folga; 104 cometeram
suicídio, números que não encontram paralelo
em qualquer outra democracia. No estado do
Rio de Janeiro, apenas este ano e até o final do
mês de outubro, foram computadas 1.546 mor-
tes por intervenção de agentes no estado.5
Para além dos custos sociais e econômicos6
,
há o impacto civilizatório que o massacre anual
de vidas humanas representa para a República;
impacto político, a levantar a suspeita do quan-
to ainda estamos distanciados da vigência efe-
tiva de um Estado de Direito, eficiente na redu-
ção dos indicadores criminais e na garantia dos
direitos humanos, mais de trinta anos depois do
advento da chamada Constituição Cidadã.
Em certo sentido, os números da violência no
Brasil podem ser interpretados como o sintoma
de uma transição política malograda, uma vez
que os mecanismos de controle ainda operam a
partir de uma lógica militarizada, porque vinca-
da pela identificação do criminoso como inimi-
go público a ser varrido a tiros de fuzil, a de-
monstrar a sobrevivência da ideologia da
segurança nacional, metamorfoseada na guerra
ao crime.
Em mais de três décadas de vigência da atual
Constituição Federal, ainda não conseguimos
equacionar a segurança pública, nos marcos
constitucionais. As iniciativas denominadas
“políticas de segurança” têm se configurado
pela ausência de decisões articuladas entre os
três níveis de governo, capazes de sustentar
ações e programas que se desdobrem no mé-
dio e longo prazos. Quando existem, as medi-
das são quase sempre voluntaristas e de curta
duração.
No Brasil, falta elevar a problemática da segu-
rança pública ao patamar das políticas de Esta-
do. Na ausência de uma verdadeira política pú-
blica de segurança, o país não consegue
avançar. A União Federal e os Municípios ainda
não encontraram seus respectivos papéis.
Quanto aos estados membros, a questão prati-
camente tem se reduzido à repressão criminal,
com foco quase exclusivo no mercado varejista
das drogas ilícitas.
Muita guerra e pouca política pública têm
produzido intenso sofrimento, tanto para a po-
Execução de punição de flagelo por Jean Baptiste Debret
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 7
pulação em geral, quanto para os agentes dire-
tamente envolvidos. A guerra não apenas mata:
faz adoecer. No limite, a cultura bélica corrom-
pe a humanidade dos atores, porque determina
uma subjetividade embrutecida. Não é outra a
razão pela qual o adoecimento psíquico é tão
elevado nas polícias brasileiras: é a contraparti-
da dos altos índices de letalidade.
Os resultados operacionais apresentados
por essa “política do confronto”, por outro
lado, são no mínimo questionáveis. De acordo
com uma pesquisa realizada pelo Instituto de
Segurança Pública (ISP), em 2015 foram efe-
tuados mais de 28.000 registros de ocorrên-
cia envolvendo apreensão de drogas ilícitas
no Rio de Janeiro: em 50% dessas ocorrências
apreendeu-se até 10 gramas de substância
entorpecente7
.
Nesse tempo histórico confuso, de prevalên-
cia arrogante do econômico sobre o humano;
de violações sistemáticas à dignidade do ho-
mem, de avanço despudorado do medo e do
ódio sobre a compaixão e a solidariedade; de
recuo do estado providência, em favor da inse-
gurança social generalizada, uma reflexão mais
abrangente sobre o enfrentamento da violên-
cia, fora do modelo simplista e militarizado do
combate ao crime, constitui uma necessidade
da razão.
No Rio de Janeiro, a tentativa de compatibili-
zar segurança pública e direitos humanos teve
nos anos 1980/90 momentos singulares de ex-
perimentação, que ainda podem nos servir de
inspiração, na construção de caminhos para a
segurança pública com base em outras premis-
sas. Em primeiro lugar, é preciso imaginar uma
ordem pública que seja o resultado de uma ex-
periência de autorregulação coletiva, em parce-
ria com a polícia. Para isso, a política pode e
deve servir de espaço, não para a introdução da
morte no reino dos homens, mas para uma ex-
periência democrática de administração de
conflitos e controle da força.
Com o relatório, não se almeja uma descrição
pormenorizada das inovações empreendidas
naqueles anos. Pretende-se, tão somente, re-
memorar uma tentativa de experiência demo-
crática e transformadora da segurança pública,
ao mesmo tempo em que se busca refletir so-
bre a persistência da mentalidade guerreira,
como modo de enquadrar as polícias e a socie-
dade num confronto total contra o crime.
Dois objetivos, portanto, animam o presente
trabalho: o imperativo benjaminiano de dar voz
aos vencidos, buscando na reminiscência dos
derrotados, “tal como ela relampeja no momen-
to de um perigo [...] as centelhas da esperan-
ça”8
, e a crença viquiana de que os eventuais
retornos do homem à condição do desespero e
do medo não significam sua ruína definitiva,
apenas um momento negativo e necessário na
marcha da humanidade.
Um breve histórico
Entre os muitos flagelos engendrados pela di-
tadura militar implantada no Brasil, em 1964, o
enquadramento das forças de segurança nos
moldes da doutrina de segurança nacional, tal-
vez se constitua no fenômeno menos compre-
endido e mais duradouro. Em apertada síntese,
a perspectiva bélica como tratamento da de-
sordem é o resultado direto do transbordamen-
to, para o campo da segurança pública, dos re-
ferenciais dessa ideologia, sobre a qual o regime
militar tinha sua base teórica de sustentação.
Em linhas gerais, a doutrina de segurança na-
cional (DSN) é um fruto da polarização estabe-
lecida pela guerra fria. Naquela quadra, o mun-
do se encontrava dividido em blocos de
influência e dissuasão, numa proposta de segu-
rança coletiva: de um lado os Estados Unidos e
seus aliados e do outro o grupamento sob influ-
ência soviética.
Com a criação da Escola Superior de Guerra
(ESG), em 1949, a DSN passa a se inscrever no
A POLÍTICA PODE E DEVE SERVIR DE
ESPAÇO, NÃO PARA A INTRODUÇÃO DA
MORTE NO REINO DOS HOMENS, MAS
PARA UMA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA
DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS E
CONTROLE DA FORÇA.
8 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
panorama nacional. No cenário de conflito per-
manente e total estabelecido pelo contexto his-
tórico, a DSN promoverá a submissão do país
ao ideário da segurança.
Na medida em que exige um esforço de mobi-
lização constante para o combate de um inimigo
comum, a DSN enquadra a vida na perspectiva
da violência. Assim sendo, o militarismo, como
“um vasto conjunto de hábitos, interesses, ações
e pensamentos associados com o uso de armas
e com a guerra”, transborda os muros dos quar-
teis para o conjunto da sociedade.
Ao articular os conceitos de segurança e de-
senvolvimento, adequando-os ao cenário da
guerra fria, a DSN promoveu uma releitura das
forças de segurança quanto ao seu papel na po-
lítica. As Forças Armadas passaram a se reco-
nhecer não apenas como moderadores do pro-
cesso político, mas como legítimos condutores
dos objetivos nacionais. As polícias, por sua
vez, passaram a se organizar visando a preser-
vação da ordem institucional a todo custo.
A consequência da DSN foi a militarização da
segurança pública. O crime, como desordem,
passava a ser visto como ameaça às aspirações
nacionais; o criminoso, um inimigo a ser neutra-
lizado, como na guerra. Toda “perturbação” da
ordem pública implicava em obstáculo ao de-
senvolvimento e ao progresso econômico e so-
cial. As noções de democracia, segurança e de-
fesa se imbricavam.9
De acordo com os quadros teóricos e opera-
cionais implantados a partir do golpe de 1964, “a
estabilidade passa a ser um pressuposto [...] o
dissenso é considerado como um ataque [...] um
dado perturbador que precisa ser eliminado.10
Nesse paradigma, a guerra se apresenta como o
argumento supremo para o direito de matar.
A mobilização permanente para a guerra abre
para o político a possibilidade do estado de ex-
ceção, na forma da suspensão de validade da
norma jurídica. A crença na existência de um
adversário, que ameaça a vida e os valores de
uma sociedade, cria as condições afetivas e in-
telectuais necessárias à desconsideração da
normatividade, como uma exigência do comba-
te. A guerra legitima a suspenção da própria
condição humana do inimigo.
Assim sendo, o inimigo público, seja o subver-
sivo, o traficante de drogas, ou qualquer grupo
identificado como tal, pode ser morto, porque
na guerra se mata. Na síntese precisa formulada
por Raymundo Faoro: “o núcleo de uma Lei de
Segurança Nacional reside no sentimento de
que o carrasco é, em última instância, o guar-
dião da ordem”.11
A GUERRA LEGITIMA
A SUSPENÇÃO DA
PRÓPRIA CONDIÇÃO
HUMANA DO INIMIGO.
NaldinhoLourenço
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 9
Quando a primazia incumbe à força, a políti-
ca, como exercício da razão a serviço da auto-
nomia humana, se transmuda no trabalho da
morte, porque “a força é aquilo que transforma
quem quer que lhe seja submetido em uma coi-
sa”12
. Em outras palavras, quando a guerra se
apresenta como um projeto central da sobera-
nia, como prática e discurso cotidianos, se esta-
belece uma relação inextricável entre a política
e a morte. Na formulação de Achille Mbembe, o
terror de estado encontra sua gênese “na per-
cepção da existência do Outro como atentado
[...] cuja eliminação biofísica reforçaria meu po-
tencial de vida e segurança”13
. Assumir a inimi-
zade como forma de existência significa milita-
rizar a vida, viabilizando o terror.
No Brasil, as polícias civil e militar datam do
século XIX. A origem da Polícia Civil se confun-
de com a Intendência de Polícia, órgão criado
por d. João tão logo instalou a Corte portugue-
sa no Rio de Janeiro. A Divisão Militar da Guar-
da Real de Polícia, embrião da atual Polícia Mili-
tar, nascia também no início do século XIX para
responder à demanda de policiamento nas ruas,
após a chegada daquela comitiva.
Os albores de ambas as instituições foram
vincados pelas atribuições da vigilância e da
preservação da ordem pública, numa sociedade
marcada pela violência inerente à escravização.
O que pode significar a “manutenção da or-
dem”, quando o estado de coisas normal se
configura na institucionalização da bestialida-
de? Segundo Dornelles:
Uma polícia criada para – e comprometida
com – a garantia e proteção dos poderosos
[...]. Uma instituição que, ao nascer e se desen-
volver com tais objetivos, traz os vícios de
uma sociedade pré-moderna, ou cuja moder-
nidade tardia não garantiu a satisfação das
promessas de emancipação contidas no seu
ideário. Enfim, uma polícia que não tem em
sua gênese a finalidade de garantir um Estado
de Direito Democrático que seria a represen-
tação de um contrato social entre indivíduos
iguais e livres14
.
O escravismo supõe a possibilidade de apli-
cação de “um direito penal doméstico”: um po-
der de fato que se exerce à margem da lei. A
violência como gramática da vida, própria das
sociedades fundadas na opressão, corrompe as
instituições sociais, porque a paz, que em últi-
ma análise elas deveriam garantir, nesse tipo de
configuração, “tende a assumir o rosto de uma
guerra sem fim”, na medida em que a escravi-
dão é “estado de injúria [...] mundo espectral de
horrores, crueldade e profanidade intensos”.15
Logo no início do século XX aconteceu uma
mudança no sistema policial, fruto da reforma
introduzida pela lei 947, de 29/12/1902, assu-
mindo o modelo brasileiro a configuração muito
próxima da que vigora até os dias de hoje.
Criou-se, na sequência, uma nova força pública
para substituir a Polícia Militar nas áreas cen-
trais da cidade. Bretas informa que:
As tentativas de reforma policial começaram
em 1903, mas o problema ganhou maior im-
portância após o fracasso da polícia em con-
trolar a revolta da vacina em novembro de
1904. Uma nova força uniformizada, a guarda
civil, foi criada em 1905, tentando diminuir a
hostilidade do público diante do patrulha-
mento uniformizado e oferecendo uma polí-
cia de aparência melhor para o centro reno-
vado da cidade.16
Uma década depois, o decreto federal n°.
11.497, de 23 de fevereiro de 1915, determinou
que as Polícias Militares seriam organizadas de
forma similar ao Exército, sendo incorporadas a
ele nos casos de conflitos externos. Três anos
depois, o decreto n°. 12.790, de 02 de janeiro de
1918, estabelecia a condição de força auxiliar do
Exército à Polícia Militar.
Em 1920, através do decreto 14.079, de 25/02,
a Polícia Civil se modernizou em sua dimensão
de polícia investigativa, com um implemento
considerável dos serviços de investigação e pe-
rícia criminal. Oito anos antes, tinha sido criada
a Escola de Polícia Científica.
A constituição de 1934 reforçou os termos do
decreto de 1915, atribuindo o caráter de reserva
do Exército às Polícias Militares, que se estrutu-
ravam como pequenos exércitos estaduais.
Em 17 de janeiro de 1936, surgia a lei federal
n°. 192, que, ao reorganizar as Polícias Militares,
deu-lhes os contornos de atividade policial de
vigilância e garantia da ordem pública, além de
manter a incorporação ao Exército em caso de
mobilização nacional, na hipótese de um confli-
to externo. Ocorre que, as atribuições policiais
seriam exercidas por “unidades especiais, com
organização, equipamentos e armamentos pró-
prios”17
. Os Estados jamais organizaram as “uni-
dades especiais” preconizadas pela legislação,
permanecendo as Polícias Militares, basicamen-
te, como tropas aquarteladas no aguardo de
uma grave comoção da ordem.
A constituição de 1946 voltou a tratar das Po-
lícias Militares, mantendo-as como forças auxi-
liares e reservas do Exército, responsáveis ainda
pela segurança interna e manutenção da ordem
pública18
. É certo que os policiais militares tam-
bém desempenhavam missões de policiamento,
10 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
dividindo as atividades de guarda e vigilância
com outras agências, mas sempre como mis-
sões pontuais e específicas.
A Constituição de janeiro de 1967 manteve a
mesma destinação, acrescentando um item aos
encargos da União: “legislar sobre organização,
efetivos, instrução, justiça e garantias, inclusive
mobilização [das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros]”19
.
Em março daquele ano, o governo federal
editava o decreto-lei n°. 317, na intenção de es-
truturar o modelo. Essa legislação posicionava
a Polícia Militar na manutenção da ordem públi-
ca e segurança interna, mediante a atribuição
de ações preventivas e repressivas, precedendo
a intervenção das Forças Armadas. O decreto
foi a primeira norma jurídica a demarcar mais
precisamente um duplo papel para a Polícia Mi-
litar: como força policial e como força militar,
reserva do Exército.
A partir do objetivo maior posto pela DSN, de
superação dos “antagonismos e pressões no
campo interno”, decidiu-se envolver as forças
de segurança de modo mais sistemático nas
ações de Segurança Interna.20
A consequência
desse amálgama foi o fato de a forma bélica,
implicada no conceito de defesa interna, esten-
der-se à dinâmica dos conflitos criminais, mili-
tarizando as ações policiais no terreno da segu-
rança pública.
Em outubro de 1968, o estado-maior do Exér-
cito editava a portaria n°. 84, aprovando e pondo
em execução a nota de instrução n° 1-68/EME,
que tratava de informações gerais e estabelecia
normas para o combate à guerrilha urbana.
Além de orientações quanto ao modo de atuar
das forças policiais, a nota orientava os coman-
dantes a introduzirem nas palestras e instruções
conteúdos de Educação Moral e Cívica, como
modo de “fortalecer as convicções democráti-
cas da tropa, para o repúdio a atos atentatórios
às instituições, à ordem pública e à lei”.21
No meado do mês de dezembro daquele ano,
era publicado o Ato Institucional n°. 5.
O decreto n°. 317/67 criava a Inspetoria Geral
da Polícias Militares (IGPM)22
para:
[...] centralizar e coordenar todos os assuntos da
alçada do Ministério da Guerra relativos às Polí-
cias Militares; b) inspecionar as Polícias Militares,
tendo em vista o fiel cumprimento das prescri-
ções deste decreto-lei; c) proceder ao controle
de organização, dos efetivos, do armamento e
do material bélico das Polícias Militares; d) bai-
xar normas e diretrizes e fiscalizar a instrução
militar das Polícias Militares em todo o território
nacional, com vistas às condições peculiares de
cada Unidade da Federação e a utilização das
mesmas em caso de convocação, inclusive mo-
bilização em decorrência de sua condição de
forças auxiliares, reservas do Exército; e) coope-
rar com os Governos dos Estados, dos Territó-
rios e com o Prefeito do Distrito Federal no pla-
nejamento geral do dispositivo da Força Policial
em cada Unidade da Federação, com vistas a
sua destinação constitucional, e às atribuições
de guarda territorial em caso de mobilização; f)
propor, através do Departamento Geral do Pes-
soal, ao Estado-Maior do Exército os quadros de
mobilização para as Polícias Militares de cada
Unidade da Federação, sempre, com vistas ao
emprego e suas atribuições específicas e guarda
territorial. g) cooperar no estabelecimento da
legislação básica relativa às Polícias Militares23
.
Na prática, a criação da IGPM permitia formu-
lar uma doutrina nacional para o emprego das
Polícias Militares.
No mesmo dia em que editava o decreto reor-
ganizando as Polícias Militares, o governo cen-
tral encaminhava para publicação o decreto-lei
n° 314, definindo os crimes contra a Segurança
Nacional.24
A edição de O Globo, do dia 01 de abril de
1967, destacava as inovações introduzidas no
policiamento da cidade pelo decreto 317/67:
A Polícia Militar, em defesa da sociedade, acei-
tou o desafio do crime. A partir de hoje 3.000
soldados estarão alerta nas ruas [...] vascu-
lham a cidade no Centro, nas zonas Norte e
sul. Para combater o crime, não há roteiro, por-
que a Central de Informações subordinada di-
retamente à 3ª Seção do Estado-Maior, através
de cinco telefones [...] atenderá aos chamados
da população [...]. Na delegacia de vigilância,
há expectativa [...] seus 250 detetives percor-
rem os pontos ermos da cidade, todos dispos-
tos a pôr fim à onda de assaltos que vêm ocor-
rendo [...]. Os detetives caçadores de bandidos
também se movimentam [...].25
O decreto-lei 317/67 provocou desentendi-
mentos e incompreensões acerca do seu alcan-
ce. As dúvidas quanto à pretensão da União em
atribuir a exclusividade do policiamento osten-
sivo às Polícias Militares seriam dirimidas, dois
anos depois, com a publicação do decreto-lei
n°. 667, de 02 de julho de 1969; legislação ainda
em vigor, com algumas alterações. Até então,
as funções de policiamento ostensivo e de trân-
sito eram desenvolvidas por instituições civis
uniformizadas, as guardas civis e a polícia de
vigilância, órgãos subordinados à superinten-
dência-executiva da Secretaria de Segurança
Pública, criada em 1962.
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 11
Em setembro de 1969, o chefe do estado-
-maior do Exército mandava publicar a Instrução
Provisória IP 31-17, tratando das operações urba-
nas de defesa interna. A referida instrução es-
miuçava a portaria anterior, disciplinando “com-
ponentes das forças legais” para a “eficiente
execução de operações tipo polícia.”26
Adotava-
-se pela primeira vez o termo “inimigo urbano”
para designar os participantes da luta armada.27
A missão das tropas envolvidas na operação não
poderia ser mais clara: “destruir as forças irregu-
lares do inimigo em centros urbanos.”28
Com relação às Polícias Militares, a IP 31-17 es-
tabelecia:
Constituem o elemento da Força dos Go-
vernos Estaduais. Quando o comando das
operações de manutenção da ordem ou de
antiguerrilha estiver a cargo dos governos
estaduais, a área conflagrada será dividida
em áreas de responsabilidade de unidades,
cabendo, em princípio, aos comandantes da
PM assumir o comando dos setores (áreas
de responsabilidade de batalhão) e subse-
tores (áreas de responsabilidade de subuni-
dades). Nos subsetores, os comandantes de
unidades instalarão suas bases de opera-
ções tipo polícia. Destas, partirão os pelo-
tões e (ou) grupos para operações tipo po-
lícia [...]29
.
Em 30 de dezembro de 1969, o decreto-lei n°.
1072 promoveu uma pequena alteração no
667/69, mantendo a exclusividade do policiamen-
to ostensivo como atribuição das Polícias Milita-
res, ressalvando apenas as missões peculiares das
Forças Armadas. O decreto-lei 667/69, em sua
redação original, excetuava, além disso, os “casos
estabelecidos em legislação específica.”30
A alteração vinha reforçar o propósito do go-
verno central: atribuir às Polícias Militares a ex-
clusividade do policiamento preventivo e os-
tensivo. A mudança foi considerável. De acordo
com Zaverucha:
[...] ao contrário do que aconteceu no Estado
Novo varguista, o poder repressivo não ficou
nas mãos da polícia civil, mas dos militares. A
Polícia Civil uniformizada deixou de existir e as
Polícias Militares, então subordinadas ao Exér-
cito, passaram a responder isoladamente pelo
policiamento preventivo e ostensivo31
.
Em suma: “um Estado forte, com uma força
pública forte e enérgica para manter a ordem
pública nas ruas [...].”32
. Dessa mentalidade beli-
cista decorreram alguns aspectos, dentre os
quais uma filosofia operacional centrada na
“adoção do modelo de guerra para o combate
ao crime [...], sendo o “criminoso percebido
como o inimigo a ser eliminado.”33
O fim da ditadura militar não significou a des-
militarização da segurança pública. A herança
de um terror difuso, inerente à sociedade escra-
vocrata, fundiu-se à razão de estado belicista
da DSN, adaptando-se posteriormente à nova
ordem constitucional, como estratégia contra o
desafio das drogas ilícitas. A política reduzida
ao gerenciamento da guerra aceita a inevitabili-
dade da morte do inimigo, no que é favorecida
pelo racismo estrutural, porque o racismo é
“acima de tudo uma tecnologia destinada a
permitir o exercício do biopoder”34
.
Em defesa da sociedade
O processo de redemocratização que, desde o
final dos anos 1970, pautava as principais dis-
cussões políticas e acadêmicas no país ficaria
marcado por uma espécie de despertar da
consciência coletiva para o problema da violên-
cia urbana. No raiar da década, em janeiro de
1970, o editorial do Jornal do Brasil, escrito a
propósito do linchamento de uma pessoa com
sofrimento psíquico no município de Nova Igua-
çu, já chamava a atenção para o fato:
A Baixada Fluminense é palco notório de vio-
lências policiais, berço do Esquadrão da Morte.
Ali a polícia só se movimenta com disposição
quando trata dos seus próprios interesses e de
suas vinganças. Mas em relação a esse terrível
caso de Nova Iguaçu a própria polícia federal
deveria intervir, para apurar, com presteza e de-
cência, as circunstâncias do martírio de um in-
feliz. O descaso das investigações, o tom quase
chocarreiro, com que a polícia local e a Secreta-
CaioOliveiraa/acervoCDDHC
12 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
ria de Segurança, se manifestam a respeito, re-
presentam um insulto à sensibilidade e ao sen-
so de justiça de um povo inteiro. Que um bando
de feras tenha executado um homem indefeso
é coisa terrível. Mas o crime adquirirá uma en-
vergadura de crueldade nacionalmente con-
sentida, se continuar a ser tratado como se não
passasse de uma traquinada.35
Na antiga Guanabara, o fenômeno não se
apresentava muito diferente. Em junho de 1971,
a atuação de grupos de extermínio no Estado
levou o conselho da Ordem dos Advogados do
Brasil a encaminhar ofício ao presidente da Re-
pública solicitando ajuda federal, “contra essa
bárbara, sórdida e execrável organização crimi-
nosa que é o Esquadrão da Morte36
.
À medida em que os anos 1970 chegavam ao
fim, a dinâmica criminal no Rio de Janeiro co-
meçou a apresentar novos sujeitos e práticas,
como o tráfico de drogas, modalidade de co-
mércio ilegal que se consolidaria nas décadas
seguintes. A violência associada à prática desse
crime passaria a assumir um papel central na
representação da cidade. No início dos anos
1980, quando a ditadura chegava ao fim, a se-
gurança pública se destacava como um dos
principais problemas do Estado.
Comprometida na tarefa da abertura política,
a cúpula do regime militar foi se abstendo pro-
gressivamente do envolvimento em crises na
área da segurança pública. A desconfiança em
relação às instituições policiais ganhava canais
de expressão, quanto mais os meios de comuni-
cação se libertavam das amarras da censura.
Para Sento-Sé e Soares:
Desde o início da década de setenta, as de-
núncias de crimes contra os direitos humanos
praticados pelas forças de segurança do Esta-
do se avolumaram, a princípio timidamente,
ganhando mais espaço e consistência à medi-
da que a censura se tornava mais flexível. Ins-
tituições da Igreja e da sociedade civil, como a
CNBB, a ABI e a OAB, manifestavam-se publi-
camente contra os excessos e desmandos
ocorridos em quartéis e outros órgãos de se-
gurança. A trégua parcialmente pactuada pela
lei da anistia não poderia ser suficiente para
aplacar as feridas, tampouco para se conside-
rar resolvida a questão dos crimes contra os
direitos humanos perpetrados pelo Estado37
.
Assim, nas grandes capitais brasileiras e no
Rio de Janeiro em especial, observava-se um
quadro de crise interna nas agências policiais
NaldinhoLourenço
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 13
refletindo, de forma mais ampla, no campo da
segurança pública. Camadas médias da socie-
dade civil passaram a condenar a ação policial,
exigindo uma nova abordagem que consideras-
se a questão dos direitos humanos.
No ano de 1982, ainda durante a campanha
eleitoral que levaria Leonel Brizola ao poder, a
questão da segurança pública era apontada,
por pesquisas de opinião, como problema nú-
mero um para grande parte da população da
cidade do Rio de Janeiro.
O então governador Chagas Freitas enfren-
tava problemas com denúncias de abusos de
autoridade e violência dos agentes de segu-
rança – principalmente contra a população
pobre e favelada – e corrupção nos meios po-
liciais. A atuação de grupos de extermínio no
Estado e a imagem ainda muito viva da ope-
ração policial no morro da Cachoeirinha, con-
tribuíram para aguçar a opinião pública quan-
to ao tema.
No ano de 1979, a fotografia dos homens ne-
gros, atados como se fazia com escravos fugi-
tivos, causou impacto simbólico junto à opi-
nião pública poucas vezes visto anteriormente.
Fixada e amplamente compartilhada pela cir-
culação de largo alcance da mídia impressa, a
cena é semantizada como quadro paradigmá-
tico da ação das forças de segurança do Esta-
do e do padrão de interação destas com a par-
cela miserável da sociedade38
.
Com o novo governo, os direitos humanos são
inseridos na agenda das polícias estaduais39
. De
acordo com Sento-Sé, ao trazer para as agên-
cias de controle do crime tal temática, Brizola
contribuía para a inscrição dos direitos huma-
nos na agenda política brasileira, na medida em
que deslocava a matéria para o campo da segu-
rança pública.
Acerca desse modo de lidar com a questão cri-
minal, o secretário de Polícia Militar enfatizava:
A militarização que se dá neste momento his-
tórico não pode ser percebida somente pela
presença de oficiais do Exército no comando
das Polícias Militares ou como titulares das se-
cretarias de segurança. É mais do que isso: é a
construção de um modelo teórico para as po-
líticas de segurança, que se caracteriza pela
submissão aos preceitos da guerra e que con-
siste na implantação de uma ideologia militar
para a polícia.40
A orientação da nova política criminal com-
preendia as instituições policiais como parte
importante da problemática da segurança, mas
não sua resposta exclusiva. De acordo com a
nova visão, o fenômeno ultrapassava a capaci-
dade operativa das forças públicas, sendo, em
última análise, a consequência inevitável da vio-
lência objetiva necessária à produção da desi-
gualdade econômica e da exclusão social.
Na esteira dessa compreensão mais alargada
da criminalidade como um drama intrinseca-
mente social, o governo acenava com duas me-
didas de enfrentamento, a médio e longo pra-
zos: o programa de Educação Integral e o
programa de habitação, Cada Família um Lote.
Pelo primeiro, buscava-se a democratização
do acesso ao ensino formal para toda a popu-
lação pobre, fornecendo condições adequa-
das para que as crianças passassem o maior
tempo possível em um espaço propício à
A REORGANIZAÇÃO DAS POLÍCIAS
MILITARES NO CONTEXTO DA
DITADURA MILITAR PROMOVEU
UMA “IDEOLOGIA MILITAR PARA O
EMPREGO DA POLÍCIA FARDADA”,
CONSOLIDANDO A “PRÁTICA DE
PRENDER PARA INVESTIGAR E DE
COMBATER, NO MODELO DE
GUERRILHAS URBANAS
14 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
aprendizagem e à socialização [...]. Com as
oportunidades abertas pela escolarização, os
apelos do mundo do crime já não arrastariam,
futuramente, tantos jovens [...]. O programa
Cada Família um Lote [...] previa a cessão de
lotes e financiamento para a construção de ca-
sas para famílias pobres [...] os títulos de pro-
priedade eram concedidos às mulheres, reco-
nhecidas como as verdadeiras e principais
provedoras das famílias [...]41
.
Com relação ao modo de atuar das polícias, a
marca foi a extensão do respeito à dignidade
humana aos segmentos pobres da população,
através de um esforço de aproximação. Uma fi-
losofia de emprego para a polícia, com base
numa articulação com a comunidade, para fazer
frente à insegurança e ao medo do crime, era a
proposta inovadora naquele início de década. A
iniciativa sintetiza uma modificação doutrinária
fundamental, que passaria a orientar o policia-
mento, uma mudança compatível com a orien-
tação democrática do novo governo e dos no-
vos tempos: a ideia de um policiamento
comunitário.
A definição do policiamento comunitário põe
como componentes centrais e complementares
a parceria com a comunidade e a resolução de
problemas. Parceria com a comunidade e reso-
lução de problemas são as duas chaves para o
entendimento do policiamento comunitário42
.
Tendo como ponto de partida a interação en-
tre polícia e comunidade, pretendia-se criar “as
bases para uma polícia nova, esperando que,
aos poucos, [fossem] superados os conceitos e
as práticas da polícia velha.”43
Uma nova polícia:
“uma organização que se entendesse como ór-
gão prestador de serviços, que tivesse compro-
misso com o bem-estar da comunidade, garan-
tidora de direitos civis.”44
No dizer de Renato Lessa, [...] ali tivemos nos-
sa primeira tentativa de definir tal política [de
segurança pública] nos marcos estritos do esta-
do de direito [...] no início da década de 80, no
Rio de Janeiro, uma importante inovação cultu-
ral e institucional foi ensaiada.”45
Fato é que o movimento de ressignificação
das práticas policiais vai ocorrer ao mesmo
tempo em que as instituições passam a lidar
com uma nova dinâmica criminal no estado. No
bojo dessas transformações, as propostas de
reforma passam a ser encaradas como inade-
quadas, tanto por parte dos policiais quanto de
segmentos mais conservadores da sociedade,
que começavam a vislumbrar no retorno à mili-
tarização das ações repressivas, a resposta
apropriada ao crime. Ao caminhar para o fim do
primeiro mandato, o governo era acusado de
inibir a ação policial e o governador, de não dei-
xar a polícia invadir as favelas.
O eleitorado fluminense foi particularmente
sensível às propostas do candidato que prome-
tia “acabar com a violência no estado em seis
meses”.46
Nesse aspecto, a contribuição da mí-
dia foi decisiva. Segundo Américo Freire: “Nas
reportagens, o grande público podia facilmente
associar a escalada da violência urbana com o
fracasso da política governamental dos direitos
humanos.”47
Abertas as urnas, Darcy Ribeiro
perdia o governo estadual para Moreira Franco.
Ao reproduzir as práticas militarizadas, redu-
zindo a política criminal às incursões armadas de
policiais nas favelas, apostando na intensificação
das operações como estratégias de redução dos
indicadores criminais, o novo governo contribuiu
para o retorno de uma “política de segurança
que deixava em segundo plano a questão dos
direitos humanos e a orientação da ação policial
pautada pelo respeito à lei”48
.
A “política do confronto” elevou considera-
velmente os indicadores de homicídio, “com
destaque para o ressurgimento dos esquadrões
da morte”.49
[...] a taxa de homicídios do Rio de Janeiro dis-
parou. De acordo com dados do Mapa da Vio-
lência, em 1986 morreram 20,2 pessoas a cada
100 mil habitantes. No primeiro ano de gover-
no, em 1987, esse número subiu para 30,4. Em
1990, último ano completo de Moreira Franco
no governo, chegou a 56,1 para cada 100 mil
habitantes.50
Sem uma agenda clara sobre segurança pú-
blica, além da afirmação genérica do “combate
sem tréguas ao crime”, o governo reagia aos
desafios da segurança pública ampliando o es-
pectro das operações policiais, com “incursões
armadas nas favelas e eliminação ou prisão de
um ou outro chefe local, imediatamente substi-
tuído por seu lugar-tenente.”51
Na segunda metade dos anos 1980, o tráfico
de armas altera ainda mais o aspecto da violên-
cia no estado.
Uma das mudanças mais importantes seria o
rápido processo de aquisição de armamento
pesado. Tornado um negócio capaz de movi-
mentar somas vultosas, o tráfico de drogas sus-
citou a disputa de grupos pelos pontos de ven-
da varejista de droga, em sua maioria localizada
nas favelas. Essa tendência teria dinamizado
um outro comércio em expansão. Assim, a or-
ganização de grupos fortemente armados vol-
tados para o comércio ilegal de drogas e o con-
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 15
sequente crescimento do comércio ilegal de
armas, alteram significativamente as dinâmicas
de violência no Rio de Janeiro52
.
Leonel Brizola vence as eleições estaduais de
1990. Assume com muitas críticas à política de
segurança de seu antecessor.53
Dos nomes defi-
nidos para as dezessete secretarias de Estado,
dez haviam colaborado com seu governo ante-
rior, entre estes figurava o nome de Carlos Mag-
no Nazareth Cerqueira, reconduzido ao coman-
do da Polícia Militar. Interpretara sua eleição
“como um sinal de que o povo desejava a volta
dos antigos colaboradores.”54
O governo traçara diretrizes básicas que de-
veriam inspirar as ações policiais. Tais orienta-
ções foram formuladas seguindo os mesmos
princípios filosóficos do primeiro governo.
a) implicar a comunidade na gestão da segu-
rança; b) privilegiar a atuação preventiva; c)
buscar eficácia pelo tratamento globalizante
de cada problema específico; d) impedir toda
intervenção policial ilegal ou abusiva; e) pro-
mover uma articulação operativa de base en-
tre a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de
Bombeiros e f) tornar os serviços policiais
acessíveis a todos, reduzindo a desconfiança
ou decepção com relação a eles por parte das
camadas populares mais carentes.55
A “POLÍTICA DO
CONFRONTO” ELEVOU
CONSIDERAVELMENTE
OS INDICADORES DE
HOMICÍDIO, “COM
DESTAQUE PARA O
RESSURGIMENTO
DOS ESQUADRÕES
DA MORTE”
O contexto, porém, se complicara conside-
ravelmente. A corrupção e a violência policial
somadas ao amálgama entre drogas e armas
se agudizara no período, com impacto sobre
as favelas. Diante disso, o governo decide
aprofundar as transformações iniciadas anos
antes. Consciente da urgência em implemen-
tar medidas de modernização e controle das
forças policiais, notadamente no que dizia
LeonDiniz/acervoCDDHC
16 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
respeito à corrupção e à letalidade policial, a
secretaria de polícia passa a ensaiar uma mu-
dança na gestão organizacional, condizente
com a difusão da filosofia de policiamento
comunitário.
Cria-se, então, o Grupamento de Aplicação
Prático-Escolar, cujo objetivo era trabalhar com
a filosofia de polícia comunitária em favelas. O
projeto piloto foi realizado no morro da Provi-
dência. A prática do policiamento comunitário
envolvia reuniões periódicas com a comunida-
de, através das quais o emprego dos recursos
materiais e humanos era avaliado, quanto ao
seu melhor aproveitamento. Toda atividade po-
licial era objeto de uma crítica permanente. A
comunidade participava da gestão de sua pró-
pria segurança. Naquele espaço de discussão e
formação de consensos ensaiava-se a constitui-
ção do “político como terreno em que a socie-
dade transforma a si mesma.”56
Nesse segundo momento, o governo investe
com energia na temática dos direitos humanos.
Promove diversos cursos de qualificação na
área direcionado para os agentes policiais, e
adota um código de ética esperando difundir
uma cultura organizacional de respeito à pes-
soa humana como valor institucional.
Na Polícia Militar, o secretário Carlos Magno
Nazareth Cerqueira inaugura um ambiente des-
tinado à divulgação de pensamento acerca de
teoria de polícia, violência e criminalidade: a Bi-
blioteca da Polícia Militar, uma editora que faz
circular material moderno sobre temas de inte-
resse policial, no intuito de fomentar o estudo e
qualificar o debate sobre segurança pública.
No final de 1992, começaram a surgir muitas
vozes saudosas das Forças Armadas. Entre os
dias 3 e 14 de junho, os militares foram convoca-
dos para reforçar o policiamento da cidade do
Rio de Janeiro, em função da 2ª Conferência
Mundial sobre o Meio Ambiente, patrocinada
pela Organização das Nações Unidas, a ECO-92.
Por outro lado, as críticas no meio policial contra
a política de segurança pública fundada nos di-
reitos humanos se tornavam mais explícitas.
Mesmo com as medidas correcionais que em-
preendeu, principalmente com a reestruturação
dos órgãos de controle interno, a violência e a
corrupção policial produziram, em um único
ano, duas chacinas (Vigário Geral e Candelária),
enfraquecendo as iniciativas de reforma, sobre-
tudo no que se refere à legitimidade junto à po-
pulação, que passaria a perceber os aconteci-
mentos – graças a uma campanha sistemática
da mídia - como o reflexo de um governo débil
e sem controle da tropa. Naquele ano de 1993,
os chamados arrastões nas praias da Zona Sul
da cidade do Rio de Janeiro iriam contribuir,
também, para ampliar a sensação de caos e de
ineficiência da política pública de segurança.
CaioOliveira/acervoCDDHC
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 17
Tão logo Nilo Batista assume o governo, “co-
meça intensa campanha pela intervenção do
governo federal no Estado.”57
A sensação de in-
segurança que se espraiara pela sociedade, so-
mada à desconfiança da população com o go-
verno e suas forças policiais, alimentavam o
desejo de fazer o Exército Brasileiro retornar às
ruas, como no tempo da ECO-92.
A possibilidade de uma intervenção federal
na segurança pública do Rio de Janeiro come-
çou a se concretizar a partir de outubro. O pre-
sidente do Tribunal Regional Eleitoral requisitou
a presença da tropa federal no Rio de Janeiro
para garantir a totalização dos votos da 25°
Zona Eleitoral, zona oeste da cidade, alegando
que os juízes envolvidos na apuração estariam
sendo ameaçados de morte pelo tráfico de dro-
gas.58
As pressões políticas começaram a se
tornar insustentáveis.
Após o transcurso do primeiro turno das elei-
ções, o candidato ao governo do Estado pelo
PSDB, Marcello Alencar, procurou apoio na Or-
dem dos Advogados do Brasil para a ideia da
decretação do Estado de Defesa no Rio de Ja-
neiro. O candidato não descuidou de buscar o
apoio do Poder Judiciário. Manifestando-se fa-
vorável à presença das Forças Armadas na re-
pressão ao crime, o presidente do Tribunal de
Justiça do Estado, acrescentava:
A criminalidade tem que tomar um choque.
Chegamos a tal ponto que temos de tomar
uma medida drástica, com restrições (aos di-
reitos individuais) inclusive. Não devemos ter
prurido de dizer isso. Vivemos numa guerra
interna [...]. A polícia não tinha que ir uma vez
na vida e outra na morte aos morros. Tinha de
estar lá permanentemente [...].59
No final de outubro de 1994, Nilo Batista foi
convidado pelo presidente Itamar Franco para
discutir a situação do Rio de Janeiro. O governo
federal queria negociar o envio do Exército
para “auxiliar no combate à violência no Rio”.60
Dias antes do primeiro turno das eleições, sem
ter outra saída, o governo estadual assina um
convênio com a União através do qual as ativi-
dades de planejamento e coordenação da área
de segurança e defesa civil passariam ao con-
trole dos militares. Começava a Operação Rio.
Na avaliação de Sento-Sé: “Estava sacramenta-
do aquilo que alguns analistas interpretaram como
um dos maiores golpes eleitorais da história repu-
blicana brasileira.”61
Cecília Coimbra anotou:
Destacamos três aspectos privilegiados por
essa “operação militar no Rio. Questões que
se encontram na subjetividade dos brasilei-
ros, presentes em muitos momentos de nossa
história, mas que foram à época da interven-
ção bastante realimentadas no cotidiano de
todos os fluminenses. A certeza de que vive-
mos “uma guerra civil”, de que as Forças Ar-
madas são melhor preparadas e, portanto,
incorruptíveis se comparadas às Polícias Mili-
tares e civis, assim como a crença de que as
torturas e desaparecimentos até podem
ocorrer com aqueles considerados “suspei-
tos”, tornaram-se temas cotidianos durante
toda a “Operação Rio” [...]62
.
CaioOliveira/acervoCDDHC
18 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
No primeiro dia de novembro, o Jornal O
Globo estampava a novidade, dando a enten-
der que os militares já teriam, inclusive, um
plano para enfrentar o exército do crime.63
O
secretário de Polícia Militar perceberia em
pouco tempo que não havia plano, ao menos
que fizesse justiça à complexidade do proble-
ma. Em sua opinião,
[...] a operação só ganhava significado por ar-
ticular as ações policiais contra os crimes fe-
derais: contrabando de armas e tráfico de en-
torpecentes. Insistíamos na necessidade de
um plano nacional de prevenção e repressão
aos referidos crimes que articulasse as políti-
cas e ações da Polícia Federal com as diferen-
tes polícias estaduais. [...] o desenrolar da cita-
da operação só veio a nos frustrar, pois, além
da ausência da Polícia Federal, as Forças Ar-
madas se voltaram preferencialmente para
ações nas favelas.64
Em plena vigência de uma constituição de-
mocrática, optava-se por tratar um problema
criminal através de uma solução militar e por
sepultar uma experimentação pioneira no Bra-
sil, que pretendeu inscrever a temática dos di-
reitos humanos na formulação da política de
segurança pública.
A Operação Rio limitou sua ação a incursões
violentas nos territórios de pobreza. Ocorreu
com a brutalidade habitual e, por conseguinte,
foi logo cingida de denúncias. Em sua segunda
fase, já no início de 1995, por um convênio en-
tre o Exército e o governo estadual recém-
-eleito, firmou-se um novo acordo segundo o
qual o Exército participaria apenas da Opera-
ção Rubi, patrulhando as grandes vias e as ro-
tas de fuga65
.
Eleito, Marcello Alencar recria a Secretaria de
Estado de Segurança Pública nomeando um ge-
neral para dirigi-la66
. Retoma a política pautada
na força, da qual a “premiação em pecúnia por
mérito especial”, popularizada como “gratifica-
ção faroeste”, instituída no final de seu primeiro
ano de governo, foi um símbolo eloquente.
Criada a pretexto de estimular o trabalho po-
licial, a famigerada gratificação consistia num
prêmio a ser pago aos policiais, cuja atuação
fosse considerada “meritória”, na forma de um
adicional que poderia variar entre 50% a 150%
do valor soldo. Em síntese: uma gratificação
que ampliou as taxas de letalidade, por conta
do confronto armado figurar como critério de
avaliação da conduta meritória.
O secretário fora comandante-geral da Polícia
Militar no início dos anos 1980. Em 1971, ainda
major, o oficial comandava o DOI/CODI de Sal-
vador quando chefiou a Operação Pajuçara67
,
responsável pela morte de Carlos Lamarca, ex-
-capitão do Exército e líder guerrilheiro da Van-
guarda Popular Revolucionária (VPR), em se-
tembro de 1971 no interior da Bahia. Gabava-se
de haver travado o último diálogo com o capi-
tão, quanto o acusara de “traidor da pátria, da
família e do Exército”68
. Prometia destemor e
empenho no cumprimento da missão. Definia-
-se como “um combatente”.69
Segundo pesquisa coordenada por Cano, de-
pois da entrada em vigor da “gratificação faro-
EM PLENA VIGÊNCIA DE UMA
CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA,
OPTAVA-SE POR TRATAR UM PROBLEMA
CRIMINAL ATRAVÉS DE UMA SOLUÇÃO
MILITAR E POR SEPULTAR UMA
EXPERIMENTAÇÃO PIONEIRA NO BRASIL,
QUE PRETENDEU INSCREVER A
TEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS
NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA
DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 19
este”, o emprego da força letal pela policial se
eleva consideravelmente.
Desde a entrada em vigor da política das pre-
miações e promoções por bravura e outras po-
líticas afins, o número de mortos decorrentes
das intervenções policiais dobrou, passando de
16 para 32 por mês. Ainda mais revelador, o ín-
dice de letalidade também dobrou, passando
de 1,7 para 3,5 mortos por cada ferido [...]70
.
O governo Anthony Garotinho apresentou em
seu início uma ação inovadora de moderniza-
ção da Polícia Civil, com o programa Delegacia
Legal; investiu nas Delegacias Especializadas
de Atendimento ao Mulher, além de retomar a
iniciativa do policiamento comunitário, dos go-
vernos Leonel Brizola, criando o Grupamento
de Policiamento em Área de Risco, inspirado no
GEPE dos anos 1990.
Como resultado direto deste início de reformu-
lação, o balanço do primeiro ano foi a redução
em 40% do número de civis mortos pela polí-
cia, bem como a redução do número de poli-
ciais mortos, além de uma apreensão record de
armas em poder dos criminosos: 9 mil71
.
A criação do Grupamento Especial Tático
Móvel, no entanto, passou a reproduzir a lógica
bélica, sobretudo como resposta ao comércio
de drogas ilícitas e aos crimes a ele associa-
dos. As inovações acabaram tragadas pelas
velhas práticas.
[...] as mudanças de perspectivas no governo
estadual do Rio de Janeiro puderam exibir
suas marcas de forma bastante contundente,
cujo resultado pode ser melhor transcrito nu-
mérica que qualitativamente: nada mais que
592 pessoas mortas pela polícia, contra 91 po-
liciais mortos [em menos de dois anos]72
.
Os governos eleitos no final dos anos 1990 e
meado dos anos 2000 não foram capazes de ino-
var de modo sustentável e substancialmente, em
termos de agenda para a segurança pública. No
início dos anos 2000, os confrontos se acirravam.
O secretário de segurança, à época, justificava a
ofensiva nos seguintes termos: “nosso bloco está
na rua e, se tiver que ter conflito armado, que te-
nha. Se alguém tiver que morrer por isso, que
morra. Nós vamos partir pra dentro”73
.
Entre esses governos, o Rio de Janeiro viveu
um breve intervalo petista: Benedita da Silva,
vice-governadora de Garotinho, assumiu após o
afastamento deste para disputar a presidência
da República nas eleições de 2002. O comando
da segurança pública foi entregue a um jurista
antipenalista. As dificuldades orçamentárias e o
MayaraDonaria
CaioOliveira
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 21
pouco tempo de governo impedem uma avalia-
ção precisa das tentativas de construção de
uma alternativa para a política do confronto.
Os governos Sérgio Cabral e Pezão foram
marcados pela experiência das Unidades de Po-
lícia Pacificadora, que durante algum tempo pa-
reciam trazer um novo olhar para a segurança.
Contudo, problemas estruturais no programa,
somados à sua vertiginosa velocidade de cres-
cimento, para atender à agenda dos grandes
eventos internacionais, que a cidade protagoni-
zou no período, revelaram em pouco tempo a
natureza do programa enquanto gestão milita-
rizada das favelas.
O período começou com o governo prome-
tendo “ganhar a guerra contra os criminosos”74
.
Em junho de 2007, uma operação no Complexo
do Alemão resultaria em 19 mortos, evento que
ficou conhecido como a “chacina do Pan”. A
operação acontecia no desdobramento de uma
série de investidas das polícias, iniciada em
maio daquele ano e que se estenderia até julho.
No total, morreram 44 pessoas e 78 ficaram fe-
ridas durante os dois meses de cerco75
.
O secretário de segurança dizia que as ações
policiais não tinham relação com a proximidade
dos jogos pan-americanos, que ocorreriam na-
quele ano entre 13 e 29 de julho, e que “desta
vez a secretaria quebrou o pacto de não-agres-
são contra os bandidos”76
.
O olhar atilado de Vera Malaguti percebia na-
queles primeiros movimentos do governo, um
modo de lidar com a exclusão social: criminali-
zando os pobres.
[...] uma perspectiva de segurança pública que
tem, por trás de si, algo de "limpeza" - para
utilizar uma expressão comum durante a era
nazista da Alemanha. Faz parte da mesma ló-
gica militarista norte-americana: George W.
Bush atacou e invadiu o Iraque para "restabe-
lecer a democracia". O que existe é o coroa-
mento de uma política anti-criminal e anti-dro-
gas norte-americana, que acredito ser uma
cortina de fumaça para o controle social vio-
lento dos pobres no neoliberalismo77
.
O investimento das agências de criminaliza-
ção na gestão da população, com base na vio-
lência, tem suas consequências. Toda exposição
continuada e intensa da força policial em mis-
sões dirigidas a “acabar de vez com” resulta em
tensões éticas profundas e devastadoras. A
brutalidade manifesta-se como corrupção.
Em 2008, como reação ao sequestro e tortura
de jornalistas que investigavam a atuação de
milicianos no Rio de Janeiro, a Assembleia Le-
gislativa instaura uma Comissão Parlamentar de
Inquéritos, que ao final revelou a atuação dessa
modalidade criminosa, e as relações espúrias
entre agentes públicos e as estruturas de poder
que caracterizam esse tipo de organização.
A partir de 2014, o estado começa a enfrentar
uma deterioração de sua economia e de sua
saúde financeira, que levará à decretação de es-
tado de calamidade pública em 2016. Denún-
cias graves de corrupção acarretaram a prisão
de Sérgio Cabral e Pezão, este último em pleno
exercício do mandato. Com o programa das
UPP em crise e a situação da segurança pública
em colapso generalizado, o governo federal
convoca mais uma vez o Exército brasileiro, sob
o argumento da Garantia da Lei e da Ordem,
promovendo uma intervenção na segurança
pública em fevereiro de 2018.
Ao contrário de outros empregos recentes da
Força no estado, como em 2010 no Alemão, ou
em 2015 nas 16 favelas do complexo da Maré78
,
na intervenção de 2018, os militares não foram
acionados para a ocupação das favelas, mas
para a intensificação exponencial das incursões
armadas, em apoio às polícias estaduais, na es-
teira do velho entendimento de que segurança
pública se resolve na bala.
Na noite de 14 de março, a vereadora Marielle
Franco e seu motorista Anderson Gomes, foram
brutalmente assassinados, quando saíam de
uma palestra no Centro do Rio. Mulher negra,
oriunda da favela da Maré, tinha 38 anos de ida-
de e estava em seu primeiro mandato. Era uma
corajosa defensora dos direitos humanos, in-
cansável na denúncia dos abusos cometidos
por agentes públicos, identificada com o sofri-
mento da população pobre e com a causa da
cidadania LGBT. No momento de sua execução,
Marielle era a relatora da Comissão Representa-
tiva da Câmara de Vereadores, criada para mo-
nitorar a intervenção federal.
As investigações sobre o assassinato revela-
ram a existência de um grupo de matadores de
aluguel atuando no estado, autodenominado
“escritório do crime”, organização que reuniria
(CCBY-SA)MídiaNinja
22 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
policiais da ativa e ex-policiais, numa versão
atualizada dos esquadrões da morte. O exter-
mínio planejado de uma defensora dos direitos
humanos, uma parlamentar no exercício de suas
funções, durante uma intervenção federal e em
pleno ano eleitoral, para além do atentado ma-
nifesto à democracia é sintoma, talvez, de que
se tenha escalado um degrau a mais na norma-
tização da barbárie, como gramática da vida.
Se a necropolítica é a expressão da cidadania
que a política confere à morte, o assassinato de
Marielle Franco pode ser visto como a bestialida-
de em estado de delírio. A banalização do terror
de estado já não é eficiente o bastante para dar
conta dos “inimigos internos”, precisa ser am-
pliada numa espécie de parceria público-privada
do direito de matar. A morte de uma ativista dos
direitos humanos, mulher negra, favelada e LGBT,
alçada a um lugar de poder contra todas as ex-
petativas, manifesta o desejo de brutalidade
contra esse Outro, cuja existência se torna insu-
portável pelo simples fato da ousadia de ser.
A segurança pública nos
marcos referenciais da
Constituição Federal de 1988
No dia 05 de outubro de 1988, veio a lume a
atual Carta Magna: a primeira das constituições
brasileiras a ter um capítulo sobre segurança
pública; a primeira a trazer a dignidade humana
como princípio fundamental do Estado brasilei-
ro, de seus órgãos e políticas públicas.
Os legisladores constituintes, no entanto, evita-
ram o desafio de refundar a segurança pública;
deixaram de reformular as instituições policiais,
optando por acomodar o quadro herdado do re-
gime militar, inscrevendo-o na nova ordem cons-
titucional. Trata-se do capítulo III do título V: da
defesa do estado e das instituições democráticas.
A bem de ver, o capítulo se constituiu em um
único artigo: o artigo 144, cujo caput e incisos
dizem o seguinte:
A segurança pública, dever do Estado, direito
e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumi-
dade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia
rodoviária federal; III – polícia ferroviária fede-
ral; IV – polícias civis; V – polícias militares e
corpos de bombeiros militares.
Com uma redação pouco clara, ainda que o
texto apresente o valor segurança como “direi-
to e responsabilidade de todos”, fato é que, nos
termos da redação do dispositivo, a questão da
segurança pública fica praticamente reduzida à
dimensão dos órgãos elencados no artigo 144.
MayaraDonaria
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 23
Além disso, o capítulo carecia, desde a promul-
gação do texto constitucional, da respectiva re-
gulamentação, de acordo com a previsão inser-
ta no parágrafo 7º, que a respeito diz:
A lei disciplinará a organização e o funciona-
mento dos órgãos responsáveis pela seguran-
ça pública, de maneira a garantir a eficiência
de suas atividades.
Vale dizer: a arquitetura criada para a segu-
rança pública em 1988, dependia de institucio-
nalização para se tornar efetiva, a partir de uma
lei infraconstitucional a disciplinar a matéria.
Apenas trinta anos depois da promulgação da
Constituição Federal, o capítulo veio a ser regu-
lamentado, através da lei federal 13.675 de
11/06/2018, que criou o sistema único de segu-
rança pública.
Nunca é demais destacar: não é possível al-
cançar resultados consistentes na redução dos
indicadores criminais sem a criação de condi-
ções para a implementação de políticas públi-
cas, entendidas como
um modelo prescritivo e prospectivo de deci-
sões articuladas, capaz de descrever um con-
junto sistemático de ações, simultâneas e su-
cessivas, a serem empreendidas por agência
pública (ou uma rede de agências públicas)79
.
Desse modo, além do Brasil não ter refunda-
do suas polícias, após 21 anos de ditadura mili-
tar, deixou de implementar um sistema de ges-
tão integrada para essa área e quando decidiu
fazê-lo a iniciativa aconteceu em pleno ano
eleitoral, quando assuntos sensíveis como esse
têm poucas chances de se resolver em termos
satisfatórios.
O resultado foi uma legislação deficiente, que
necessita ser aperfeiçoada para se tornar capaz
de uma arquitetura adequada ao desafio da vio-
lência criminal. A ineficiência dos mecanismos
de resposta ao crime é um fator que favorece a
convocação da força, como sucedâneo da políti-
ca. Entre 2007 e 2017, o Exército brasileiro parti-
cipou de 67 operações em 17 estados da federa-
ção, convocado em nome da Garantia de Lei e
Ordem80
. Desde a ECO 92, foram 183 operações
envolvendo a Forma Armada Terrestre81
.
A ausência de um sistema de segurança pú-
blica, portanto, produz dois fenômenos correla-
tos: impede a formulação de ações coordena-
das entre agências, consistentes e sustentáveis
ao ponto de se desdobrarem no médio e longo
prazos. Por outro lado, a inexistência de políti-
cas públicas implica na tendência à autonomi-
zação da força, como resposta dos governos ao
crime, quase sempre militarizada.
No Rio de Janeiro, nunca ficou tão evidente a
redução da política pública de segurança à in-
tervenção de polícia, como no atual governo.
Desde o início de sua gestão, o governador Wil-
son Witzel tem se notabilizado por declarações
polêmicas para o setor. Ainda em sua campa-
nha, reunido com integrantes das forças de se-
gurança, teria afirmado, que em seu governo
não faltaria lugar para colocar presos, porque
“cova a gente cava e presídio, se precisar, a gen-
te bota navio em alto mar”82
.
Até o presente momento, a indústria naval
não produziu as tais embarcações prometidas,
mas covas sim, estas vêm se multiplicando no
estado. Na avaliação da Rede de Observatórios
da Segurança, um projeto do Centro de Estu-
dos de Segurança e Cidadania, da Universidade
Cândido Mendes,
Nunca a concepção de que segurança pública
equivale à guerra às drogas foi tão dominante
[..]”. Estamos presenciando uma escalada, em
números e letalidade, de operações policiais que
têm como alvo os jovens negros das favelas83
.
De janeiro a outubro, 1.546 pessoas foram
mortas em ações policiais, numa impressio-
nante média de 05 mortes por dia. Ainda se-
gundo a Rede:
O Rio de Janeiro de 2019 é um estado onde as
polícias, ao invés de seguirem a orientação
“maior eficácia com menor letalidade”, adota-
ram um modo de operação que pode ser des-
crito como “muita letalidade, independente da
eficácia”. Observamos uma sucessão de ope-
rações baseadas na violência extrema, sem
DE JANEIRO A OUTUBRO, 1.546 PESSOAS
FORAM MORTAS EM AÇÕES POLICIAIS,
NUMA IMPRESSIONANTE MÉDIA
DE 05 MORTES POR DIA.
24 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
qualquer efeito no sentido de alterar o domí-
nio de territórios pelo crime. Em 2019, as polí-
cias foram responsáveis por 40% das mortes
na cidade do Rio de Janeiro e 44% na região
de Niterói. Se nada for mudado, chegaremos
brevemente a um cenário em que mais da me-
tade das mortes serão de autoria de policiais84
.
Apesar de não ter apresentado, até o momento,
nenhum plano ou programa de redução de homi-
cídios, o governo celebra a diminuição dos indica-
dores criminais anunciada pelo Instituto de Segu-
rança Pública, em relação a 2018, como “fruto da
política dura e séria de combate ao crime e de
enfrentamento à violência adotada no Estado”85
.
A declaração não poderia ser mais clara: cri-
me se enfrenta com a imposição de lei e ordem.
A “política dura” é o trabalho policial encarado
como missão, em chave quase religiosa. “Políti-
ca dura” é ideologia guerreira, porque assume a
guerra como dimensão da vida. As mortes de-
correntes do “trabalho policial” podem ser la-
mentadas pelas autoridades, mas são encara-
das como inevitáveis, “efeitos colaterais” no
dizer de alguns. Sociedades hierarquizadas,
marcadas pela herança escravagista e pelo ra-
cismo estrutural, como a nossa, “precisam do
cerimonial da morte como espetáculo de lei e
ordem”86
.
Numa entrevista coletiva, quase três dias
após a morte de Ágatha Félix, uma criança de
08 anos morta com um tiro nas costas, em se-
tembro, quando estava dentro de uma Kombi,
no Complexo do Alemão, o governador disse,
defendendo sua “política dura”:
A nossa missão é resgatar o estado do Rio das
mãos do crime organizado. O resultado está
aparecendo de forma satisfatória. O narcotrá-
fico utiliza as comunidades como escudo. Ati-
ram em policiais e nas pessoas. O crime orga-
nizado tem mantido a barbárie como uma de
suas bandeiras. Nós estamos conseguindo
combater porque os policiais militares e civis
estão trabalhando87
.
Um percuciente estudo apresentado pelo Mi-
nistério Público do Estado do Rio de Janeiro,
Letalidade Policial no Rio de Janeiro em 10
Pontos, desmonta a associação sugerida na
versão oficial entre “política dura” e redução
de homicídios. A pesquisa afirma categorica-
mente: “não é possível identificar causalidade
entre a letalidade [policial] e [a queda] o ho-
micídio doloso no estado, considerando que os
dados disponíveis sequer indicam correlação
entre eles”88
.
Nos dez primeiros meses do ano, ocorreram
3.342 homicídios dolosos no Rio de Janeiro,
uma variação de 20,9% (para menos) em rela-
ção ao mesmo período de 201889
. Dados do
anuário de segurança de 2019 demonstram que
a partir de 2017 vem se desenhando um movi-
mento de queda dos homicídios em quase todo
o Brasil. Segundo Tulio Kahn,
Em 2016, apenas seis Estados tiveram queda
nos homicídios, comparado ao ano anterior. Já
em 2017, treze Estados apresentaram tendên-
cia de queda comparada a 2016. No ano se-
guinte eram vinte e um Estados em queda e,
em 2019, vinte e dois dos vinte e sete Estados
apresentavam queda nos homicídios. Em ou-
tras palavras, o fenômeno está se generalizan-
do espacialmente e intensificando no tempo90
.
Em 2019, os homicídios dolosos no país têm
apresentado uma queda da ordem de 22% em
relação a 2018, o que significa dizer que a dimi-
nuição de 20,9% desse indicador no Rio de Ja-
neiro acompanha a tendência nacional, não
sendo razoável analisá-la desconsiderando a
complexidade da dinâmica criminal a envolver
o homicídio. É preciso reunir mais dados que
“POLÍTICA DURA” É IDEOLOGIA
GUERREIRA, PORQUE ASSUME
A GUERRA COMO DIMENSÃO DA VIDA. AS
MORTES DECORRENTES DO “TRABALHO
POLICIAL” PODEM SER LAMENTADAS
PELAS AUTORIDADES, MAS SÃO
ENCARADAS COMO INEVITÁVEIS
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 25
possam ajudar a entender os fenômenos subja-
centes a esse comportamento.
A narrativa da ‘política dura” não explica a
queda dos homicídios, como também não re-
percute diretamente sobre qualquer outro indi-
cador, além da letalidade policial, porque a ri-
gor nada mais é que retórica belicista. O termo
serve, tão somente, para reafirmar a velha máxi-
ma do nosso autoritarismo secular, que Drum-
mond registrou em verso: “há no país uma le-
genda, que ladrão se mata com tiro”91
.
Os dados do ISP divulgados em outubro são
alarmantes, considerando que ainda somos um
estado de direito: as polícias estaduais estão
apresentando índices de letalidade espantosos,
desde o início do atual governo. De acordo com
a Rede de Observatórios da Segurança,
Em 2018, as forças do Estado foram responsá-
veis por 22% das 5.733 mortes registradas de
janeiro a outubro. Em 2019, os policiais já res-
pondem por 30,8% destas mortes. Nas cir-
cunscrições de 12 delegacias do Rio, este per-
centual passa dos 50%. Em Niterói e região, a
participação é de 43,6%, na Capital, 38,9%92
.
Uma força policial com elevada letalidade não
aduz qualquer melhoria nos níveis de seguran-
ça. A elevação das mortes por intervenção de
agentes públicos deslegitima as instituições,
cujas iniciativas passam a inspirar medo na po-
pulação. A guerra, transformada em modo de
vida, expõe os agentes embrutecimento e à
corrupção, porque a violência se converte facil-
mente em substância de uma nova identidade.
Tornar-se um cão de guerra, juntar-se à mati-
lha, é também sobreviver [...]. Cobra-se dos
civis, vive-se de rapinas, enriquece-se com sa-
ques [...] e o fuzil serve tanto para intimidar,
para semear o terror, para obter o que se quer
pela força, quanto para afrontar o inimigo93
.
Como modalidade criminosa,
a milícia tem aí a sua gênese
Inebriar-se de guerra acarreta novas formas de
relação com a morte, produz subjetividades
que assumem a destruição como modo de ser:
já não será mais possível, doravante, existir sem
provocar o terror.
Para a população pobre, preta e favelada, o
medo se materializa no absurdo do helicóptero
blindado, institucionalizado como plataforma
de tiro.
Uma demonstração eloquente da fusão entre
política e guerra foi protagonizada pelo próprio
governador, cinco meses após assumir a condu-
ção do estado, quando o dirigente máximo da
política de segurança sobrevoou os céus do
Município de Angra dos Reis, a bordo de uma
aeronave, prometendo “acabar de vez com a
bandidagem”, enquanto um atirador policial
disparava contra uma tenda de orações, con-
fundida com um abrigo de criminosos.
A cena, filmada e amplamente divulgada, ao
expor a imagem da autoridade maior da segu-
rança pública envolvida diretamente no comba-
te, pratica público a participar da mesma opera-
ção, anuncia a pretensão do poder à guerra
total. Mas, como ensina Gros, porque a guerra
total é também a promessa da “exageração hi-
perbólica da violência mortífera94
” , há no gesto
inusitado um potencial estímulo ao desatino.
A mesma autoridade, durante o sequestro
dramático de um ônibus na ponte Rio-Niterói,
acompanhado ao vivo por milhões de pessoas,
após o desfecho do episódio com a morte do
sequestrador abatido a tiros pelo sniper, realiza
um pouso com uma aeronave em plena ponte
desembarcando aos pulos, numa comemora-
ção efusiva.
Não há nada a celebrar. O escritor austríaco
Thomas Bernhard disse um dia que tudo é ridí-
culo quando a centralidade pertence à aniquila-
ção. Do “abate de criminosos”, da conversão do
ser humano ao nada, não pode restar qualquer
outra coisa que não seja o vazio da morte. Fazer
da política o trabalho da morte é a melhor tra-
dução do terror.
Conclusão
Achille Mbembe tem chamado a nossa atenção
quanto à possibilidade de estarmos prestes a
testemunhar o fim do humanismo. Em um en-
saio de 2016, nascido um clássico, o festejado
pensador camaronês adverte: “o mundo como
o conhecemos desde o final da Segunda Guerra
Mundial, com os longos anos da descoloniza-
ção, a Guerra Fria e a derrota do comunismo,
esse mundo acabou”95
.
No diagnóstico de Mbembe, a decisiva bata-
lha a ser travada neste século, e que irá definir
os rumos do novo mundo, será travada entre a
democracia e o capital em seu momento ultrali-
beral. A vitória do mercado criará novas moda-
lidades de apartheid e consequentemente “for-
mas mortais de policiamento”, porque na
sociedade de mercadorias “o desprezo se es-
tenderá a qualquer pessoa que não tiver nada
para vender”96
.
A negativa de direitos torna a sociedade in-
segura, porque generaliza o uso da força como
método de sobrevivência. A tranquilidade pú-
26 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
homens não tenham que chamar outros ho-
mens de inimigos. O sentido da coisa política
é manter entre os homens um espaço onde
prevaleça a conversa mútua e o entendimento
recíproco, um mundo enfim, que nós envene-
namos e inviabilizamos cada vez que insisti-
mos em convocar a morte para tratar os con-
flitos humanos.
Notas
1 Disponível em: http://www.forumseguranca.
org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anu-
ario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em:
14/11/2019. Morte violenta e intencional é um in-
dicador que reúne os crimes de homicídio dolo-
so, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e
as mortes decorrentes de oposição à inter-
venção policial.
2 Dados da Organização das Nações Unidas,
citado na Comissão Parlamentar de Inquéritos
acerca do assassinato de jovens do Senado
Federal.
3 Segundo o anuário brasileiro de segurança
pública, o Brasil apresenta hoje 726.354 pes-
soas encarceradas. Desse total 32,4% não pos-
suem sentença definitiva.
4 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritaris-
mo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras,
2019, p. 24.
5 Disponível em: https://www.ispvisualizacao.rj.
gov.br:4434/index.html. Acesso em: 14/11/2019.
6 De acordo com o Atlas da Violência 2019, uma
publicação do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, o custo econômico da violência no
Brasil gira em torno de 5,9% do Produto Interno
Bruto brasileiro. Segundo a estimativa do IPEA,
entre custos privados (custos intangíveis com
homicídios e gasto com segurança privada e
seguros) e despesas públicas (SUS, segurança
pública e sistema prisional) com a violência no
Brasil, em 2016, esses custos teriam atingido
algo em torno de 373 bilhões.
7 Trata-se da pesquisa “Panorama das apreen-
sões de drogas no Rio de Janeiro 2010 – 2016.
Disponível em: http://www.ispdados.rj.gov.br/
SiteIsp/RelatorioDrogas2016.pdf. Acesso em:
25/11/2019.
8 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de histó-
ria. In: ______Magia e técnica arte e política.
São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 224.
9 MANUAL BÁSICO DA ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA. Rio de Janeiro: Gráficos Borsoi, 1976,
p. 425.
blica se fundamenta, em última análise, na au-
tonomia do homem, cuja garantia constitui o
propósito maior da construção histórica dos
direitos humanos. Os direitos humanos exis-
tem para que o homem não precise viver de-
baixo do medo.
No Brasil, e muito particularmente no Rio de
Janeiro, temos assistido a discursos recorren-
tes de negação da centralidade dos direitos
humanos. Ao longo de muito tempo, nos
acostumamos a pensar em termos de políti-
cas de segurança pelo viés da guerra e da eli-
minação do inimigo, ao invés da garantia e
promoção de direitos. Chegamos hoje a um
estágio em que o estado de direito parece já
não se opor à barbárie, assumindo a sua ine-
xorabilidade, imaginando poder confiná-la
nas margens. Ledo engano. Quando a política
opera na lógica da precarização da vida, em
desfavor da dignidade do homem, já se per-
deu o sentido da convivência na pluralidade: é
o estado de violência que se inaugura a servi-
ço da destruição.
A dignidade da política reside, de certo modo,
em trabalhar contra a morte, afirmando o mun-
do como espaço onde os homens possam viver
juntos, realizando os seus destinos em comu-
nhão. Os direitos humanos são invocados como
meios de favorecer essa realização que é sem-
pre muito frágil, porque a fragilidade é a marca
da nossa condição.
Hannah Arendt disse que só poderia existir
um mundo, “onde a pluralidade do gênero hu-
mano seja mais do que a simples multiplicação
de uma espécie”. A única maneira de assegurar
a existência de um mundo é ressignificando a
política. Uma política fundada na violência da
guerra sem fim é uma degeneração, em si mes-
ma, porque corrompe os homens que passam a
habitar “mundos de morte”.
Essa guerra que se trava hoje, com o nome de
política, é na verdade apenas a atualização do
mesmo terror que constituiu e sustentou duran-
te séculos a forma da sociedade escravocrata,
da qual somos todos infelizes herdeiros. Esse
terror se adapta, porque é capaz de se fundir à
razão, bastando que se encontre um inimigo
para odiar. É preciso superar o discurso da
guerra e do inimigo. Por trás dessa verborragia
infame, há sempre um projeto de poder oculto,
que não serve à liberdade dos homens, mas a
novas formas de escravidão. Essa ignomínia só
se sustenta, porque responde ao nosso ódio. E
o nosso ódio vem, quase sempre, do medo. O
homem é um bicho que treme, portanto pode
ser induzido facilmente a odiar.
A tarefa da Política deve consistir, exata-
mente, nisso: criar as condições para que os
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 27
10 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Manejo
dos conflitos sociais: Força Pública e sociedade
civil”. In: MUNTEAL FILHO, Oswaldo; LEAL, Ana
Beatriz; PEREIRA, Íbis Silva (org). Op. Cit., 187.
11 FAORO, Raymundo. A República em transi-
ção. Rio de Janeiro: Record, 2018, p. 83.
12 WEIL, Simone. A Ilíada como o poema da
força. In: _______. A condição operária e outros
estudos sobre a opressão. São Paulo: Paz e Ter-
ra, 1996, p. 379.
13 MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo:
N-1 edições, 2018, p. 19-20.
14 DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e se-
gurança: entre Pombos e Falcões. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 76.
15 MBEMBE, Achille... Op. Cit., p. 28.
16 De acordo com o historiador Marcos Bretas, a
Guarda Civil vinha substituir a Polícia Militar no
policiamento da cidade. Pretendia-se “oferecer
uma imagem policial mais adequada à renova-
ção em curso na cidade”. Além disso, o controle
dessa força incumbia ao chefe de polícia, uma
autoridade civil subordinada diretamente ao Mi-
nistro da Justiça, enquanto a Polícia Militar era
comandada por oficial do Exército. Segundo
Bretas, evitasse assim possíveis conflitos entre o
as autoridades civis e os militares, quanto ao em-
prego da força pública. Para maiores detalhes
ver BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o
exercício cotidiano da autoridade policial no Rio
de Janeiro: 1907 – 1930. Rio de Janeiro: Rocco,
1997, p. 49 e 54. A Guarda Civil existiria até 1969,
quando o policiamento ostensivo passou a ser
exclusivo das Polícias Militares.
17 Trata-se da Lei Federal n°. 192 de 17 de janei-
ro de 1936. Disponível em: http://www2.camara.
leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-192-17-janei-
ro-1936-501765-publicacaooriginal-1pl.html.
Acesso em: 17/11/2019.
18 A redação do caput do artigo 183 da Consti-
tuição Federal de 1946 dizia: “As polícias milita-
res, instituídas para a segurança interna e a ma-
nutenção da ordem nos Estados, nos Territórios
e no Distrito Federal, são consideradas forças
auxiliares, reservas do Exército”. SENADO FE-
DERAL (Brasil). Constituições Brasileiras. Brasí-
lia Distrito Federal: Subsecretaria de Edições
Técnicas, 2013. CD-ROM.
19 Trata-se do artigo 8°, inciso XVII, v, da Cons-
tituição Federal de 1967. SENADO FEDERAL
(Brasil). Constituições Brasileiras. Brasília Distri-
to Federal: Subsecretaria de Edições Técnicas,
2013. CD-ROM.
20 O conceito de segurança pública difere de
segurança interna. A segurança pública é setor
da segurança interna. Segurança pública refere-
-se “à garantia que o Estado proporciona à Na-
ção a fim de assegurar a ordem pública.” En-
quanto segurança interna refere-se “à garantia
proporcionada à Nação contra antagonismos e
pressões [...] que se manifestem no âmbito in-
terno do País.” As ações de segurança interna
surgem quando se julga que as agressões à lei e
a ordem têm potencial de extrapolar a capaci-
dade de repressão das forças policiais. A segu-
rança interna integra-se, de acordo com a DSN,
ao quadro da segurança nacional. O tema é tra-
tado pela DSN como relativo à “sobrevivência
do Estado” e por isso o destaque dado pela
doutrina à expressão militar na execução da se-
gurança interna. A Polícia Militar, dado o seu ca-
ráter de força auxiliar e reserva do Exército,
passaria a atuar repressivamente na defesa in-
terna, precedendo o eventual emprego das For-
ças Armadas. Essa atribuição permanece até os
dias de hoje, de acordo com o artigo 3° do de-
creto-lei 667, de 02/07/1969, ainda em vigor.
Para maiores detalhes ver em: POLÍCIA MILI-
TAR. Bases doutrinárias para emprego da
PMERJ. Rio de Janeiro: Imprensa da PMERJ,
1983.
21 ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO BRASILEI-
RO. Combate à guerrilha urbana. Rio de Janeiro:
Gráfica do Exército, 1968, p. 11. O manual foi a
primeira publicação a tratar do tema, envolven-
do ações policiais e militares no enfrentamento
da guerrilha. A publicação veio complementar o
manual C 19-15, destinado a fornecer orienta-
ções quanto ao modo de atuar das Polícias Mi-
litares e do Exército diante de distúrbios civis e
calamidades públicas.
22 A IGPM foi criada como seção da diretoria-
-geral do Exército Brasileiro. Através do decre-
to-lei 667/69, que reorganizou as Polícias Mili-
tares e os Corpos de Bombeiros Militares, a
IGPM passou a integrar a estrutura do estado-
-maior do Exército Brasileiro. Desde abril de
1991, o órgão faz parte da 3ª subchefia do esta-
do-maior do Exército (comando de operações
terrestres - COTER) e atualmente tem como
incumbências o controle do efetivo das forças
militares estaduais, do material bélico dessas
corporações e as condições de mobilização
dessas forças, inclusive nos casos de emprego
dos militares estaduais nas missões de paz
fora do território brasileiro. Fonte: “Visita de
orientação técnica – COTER/IGPM, estado-
-maior geral da Polícia Militar do Estado do Rio
de Janeiro”. CD-ROM.
28 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
23 Trata-se do artigo 22 do decreto-lei n°. 317
de 13 de março de 1967. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
-lei/1965-1988/del0317.htm. Acesso em
17/11/2019.
24 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/
legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-
-314-13-marco-1967366980-publicacaooriginal-
-1-pe.html. Acesso em: 17/11/2019. Trata-se do
decreto-lei n°. 314, de 13 de março de 1967, Lei
de Segurança Nacional.
25 Jornal O Globo, edição de 01 de abril de 1967.
Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/
consulta-aoacervo/?navegacaoPorDa-
ta=196019670401. Acesso em: 30 de ago. de 2019.
26 EXÉRCITO BRASILEIRO. Instrução Provisó-
ria: Operações urbanas de defesa interna. Rio
de Janeiro: Estabelecimento general Gustavo
Cordeiro de Farias, 1970, p. 01.
27 Ibid. p. 32. A Doutrina de Segurança Nacio-
nal ensinava que o Brasil não reconhecia a con-
dição de beligerantes aos nacionais subversivos
e por isso o termo inimigo estava reservado ao
estrangeiro. Com o advento da luta armada nas
cidades o termo inimigo passou a ser emprega-
do também para designar todo aquele que fi-
zesse parte de uma “força irregular.”
28 Ibid. p. 01.
29 Ibid. 26.
30 A redação original da letra a do artigo 3° do
decreto-lei n°. 667/69 estabelecia como compe-
tência das Polícias Militares: “executar com ex-
clusividade, ressalvadas as missões peculiares
das Forças Armadas e os casos estabelecidos
em legislação específica, o policiamento ostensi-
vo fardado, planejados pelas autoridades poli-
ciais competentes, a fim de assegurar o cumpri-
mento da lei, a manutenção da ordem pública e
o exercício dos poderes constituídos. ” Uma das
alterações promovidas pelo decreto-lei n°.
1.072/69 foi a retirada da expressão “casos esta-
belecidos em legislação específica” marcando
mais precisamente a exclusividade da Polícia Mi-
litar. A única exceção mantida pelo novo decreto
foi aquela atribuída às missões reservadas as
Forças Armadas. Uma outra alteração digna de
nota foi a possibilidade dos integrantes das
Guardas Civis serem incorporados ao efetivo das
Polícias Militares no prazo de 180 dias, a contar
da publicação do decreto-lei n°. 1072/69, inclusi-
ve nos postos de oficias, desde que estes tives-
sem nível equivalente. Disponível em: http://
w w w 2 . c a m a r a . l e g . b r/ l e g i n / f e d /d e -
clei/1960-1969/decreto-lei-667-2-julho-
-1969-374170-publicacaooriginal1-pe.html. Aces-
so em: 03 de out. 2015. Para saber mais acerca
do decreto-lei n°. 1.072/69, a fim de comparação
com o decreto 667/69, convém consultar a legis-
lação que está disponível em: legis.senado.gov.
br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?i-
d=214141&norma=227133. Acesso em: 17/11/2019.
31 ZAVERUCHA, Jorge. Relações civis militares:
o legado autoritário da Constituição Brasileira
de 1988... Op. Cit., p. 57.
32 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Re-
militarização da segurança pública: a Operação
Rio”. In: MUNTEAL FILHO; LEAL, Ana Beatriz;
PEREIRA, Íbis Silva. (org.)... Op. Cit., p. 46.
33 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Ques-
tões preliminares para a discussão de uma pro-
posta de diretrizes constitucionais sobre a se-
gurança pública... Op. Cit. p. 22.
34 MBEMBE, Achille... Op. Cit., p. 18.
35 Jornal do Brasil, edição de 30/01/1970. Dis-
ponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
DocReaderaspx?bib=030015_ 09&Pag-
Fis=1553&Pesq= esquadr%C3%A3o%2 0da%20
morte. Acesso em: 16/11/2019.
36 Jornal do Brasil, edição de 04/06/1971.
Disponível em: http://memoria.bn.br/
DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&
PagFis=30806&Pesq=tr%C3%A1fico%20
de%20drogas. Acesso. em: 16/11/2019.
37 SENTO-SÉ, João Trajano. SOARES, Luiz Edu-
ardo. Estado e segurança pública no Rio de Ja-
neiro: dilemas de um aprendizado difícil. Rio de
Janeiro, 2000, p. 2. Disponível em: http://www.
ucamcesec.com.br /arquivos publicacoes/01_
Est_seg_publ_RJ.pdf. Acesso em: 16/11/2019.
38 SENTO-SÉ, João Trajano. SOARES, Luiz Edu-
ardo. Estado e segurança pública no Rio de Ja-
neiro: dilemas de um aprendizado difícil... Op.
Cit., p.1.
39 A primeira medida de Leonel Brizola foi a
extinção da secretaria de estado de segurança
pública, identificada com a difusão da doutrina
autoritária do regime militar, criando para o seu
lugar o Conselho de Justiça, Segurança e Direi-
tos Humanos. Na sequência transformou as po-
lícias civil e militar em secretarias de estado. A
nomeação do coronel PM Carlos Magno Nazareth
Cerqueira, particularmente, teve um especial sig-
nificado: era o primeiro negro a comandar a Polí-
cia Militar em 174 de existência dessa instituição.
40 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Re-
militarização da segurança pública”. In: O futuro
de uma ilusão...Op. Cit.,, p. 45.
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 29
41 SENTO-SÉ, João Trajano. SOARES, Luiz Edu-
ardo. Estado e segurança pública no Rio de Ja-
neiro: dilemas de um aprendizado difícil... Op.
Cit., p. 8.
42 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Do
patrulhamento ao policiamento comunitário. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 2001,
p. 55.
43 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Dis-
curso de despedida da primeira gestão”... Op.
Cit., 163.
44 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Ma-
nejo dos conflitos sociais: Força pública e socie-
dade civil”. In: MUNTEAL FILHO, Oswaldo;
LEAL, Ana Beatriz; PEREIRA, Íbis Silva (org.).
Sonho de uma polícia... Op. Cit., p. 195.
45 HOLLANDA, Cristina Buarque de. Op. Cit.,, p. 15.
46 Ibid. p.131.
47 FREIRE, Américo. Sinais Trocados: o Rio de
Janeiro e a República brasileira. Rio de Janeiro:
7 Letras, 2012, p. 273.
48 SENTO-SÉ, João Trajano; SOARES, Luiz
Eduardo. Estado e segurança pública no Rio de
Janeiro: dilemas de um aprendizado difícil. Dis-
ponível: https://www.ucamcesec.com.br/wp-
-content/uploads/2011/06/01-Estado-e-segu-
ran%C3%A7a-p%C3%BAblica-no-Rio-de-Janei-
ro.pdf. Acesso em: 23/11/2019.
49 Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.
br/lupa/2018/03/15/moreira-franco/. Acesso
em: 23/11/2019.
50 Ibidem.
51 SENTE-SÉ, João Trajano; SOARES, Luiz Edu-
ardo... Op cit, p. 16.
52 Trata-se de um estudo desenvolvido pelo
Laboratório de Análise da Violência, da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro, sobre a di-
nâmica da violência no estado. Disponível em:
http://www.lav.uerj.br/docs/rel/2004/impacto_
vio_rio_2004.pdf. Acesso em: 26/11/2019.
53 Jornal O Globo, edição de 16 de março de
1991. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.
com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorDa-
ta=199019910316: Acesso em: 19 jan. 2016, p. 13.
54 Jornal O Globo, edição de 16 de março de
1991. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.
com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorDa-
ta=199019910316: Acesso em: 19 jan. 2016, p. 14.
55 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Do
patrulhamento ao policiamento comunitário...
Op. Cit, p. 161.
56 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do
político... Op. Cit., p. 59.
57 SENTO-SÉ, João Trajano... Op. Cit., p. 292.
58 Jornal O Globo, edição de 14 de outubro de
1994. Disponível em: http://acervo.oglobo.glo-
bo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPor-
Data=199019941014. Acesso em: 03 de fev.
2016.
59 Ibid.
60 Jornal O Globo, edição de 28 de outubro de
1994. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.
com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorDa-
ta=199019941028. Acesso em: 03 de fev. 2016.
61 SENTO-SÉ, João Trajano. Brizolismo: Esteti-
zação da Política e Carisma... Op. Cit., p. 292.
62 COIMBRA, Cecília. Operação Rio. O mito das
classes perigosas. Rio de Janeiro: Oficina do
Autor; Niterói: Intertexto, 2001, p. 243
63 Jornal O Globo, edição de 01 de novembro
de 1993. Disponível em: http://acervo.oglobo.
globo.com/consulta-ao-acervo/?navega-
caoPorData=199019941101. Acesso em: 03 de
fev. 2016.
64 Ibidem. p. 59-60.
65 BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro Rocha de
(orgs). Até o último homem. São Paulo: Boitem-
po, 2013, p. 118- 119.
66 Trata-se do general Nilton de Albuquerque
Cerqueira, comandante-geral da Polícia Militar
no início dos anos 1980. Em 1971, quando ainda
major, trabalhava no DOI/CODI de Salvador,
quando foi designado para a operação pajuça-
ra, responsável pela morte de Carlos Lamarca,
ex-capitão do Exército e líder guerrilheiro da
Vanguarda Popular Revolucionária, em setem-
bro de 1971.
67 Operação de repressão à guerrilha, montada
pelo DOI/CODI com o objetivo de capturar o
capitão Carlos Lamarca. In http://memoria.
b n . b r/ D o c Re a d e r/d o c re a d e r. a s px? b i -
b=030015_09&pesq=carlos%20lamarca.
68 Jornal do Brasil, edição de 05 de fevereiro
de 1981, p. 8. Disponível em memoria.bn.br.
Acessado em 26 de novembro de 2019.
69 Ibidem.
70 Disponível em: http://www.fragoso.com.br/
wp-content/uploads/2018/08/ATT00044.pdf.
Acesso em: 26/11/2019.
71 Relatório Rio: violência policial e insegurança
pública. Disponível em: Relatórios%20DHs/Re-
30 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019
latório%20Rio%20-20Violência%20Policial%20
e%20Insegurança%20Pública.pdf. Acesso em:
01/12/2019.
72 Ibidem, p. 16.
73 Relatório RIO: violência policial e inseguran-
ça pública... Op. Cit. p. 18
74 Disponível em: http://g1.globo.com/Noti-
cias/Rio/0,,AA1405126-5606,00.html. Acesso
em 01/12/2019.75 Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/fractal/v28n1/1984-0292-frac-
tal-28-1-0111.pdf. Acesso em: 01/12/2019.
76 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/
fractal/v28n1/1984-0292-fractal-28-1-0111.pdf.
Acesso em: 01/12/2019.
77 Disponível em: http://www.correiocidadania.
com.br/34-artigos/manchete/566-catego-
ry-566. Acesso em: 01/12/2019.
78 Em 2015, o Complexo da Maré foi ocupado
pelo Exército, a pretexto da pacificação de seu
território, como preparativo para a instalação
de uma Unidade de Polícia Pacificadora naque-
la localidade. A ocupação se estendeu por 14
meses, consumiu aproximadamente R$ 600
milhões, sem promover nenhuma mudança
concreta no cenário.
79 SOARES, Luiz Eduardo. Política de Segu-
rança Pública. In: GIOVANNI, Geraldo; NOGUEI-
RA, Marco Aurélio (Org.). Dicionário de Políticas
Públicas. São Paulo: Unesp, 2015, p. 738.
80 Disponível em: https://brasil.estadao.com.
br/noticias/geral,exercito-inicia-acao-no-rio-
em-10-anos-tropa-teve-de-ir-as-ruas-em-13-
dos-dias,70001666018. Acesso em: 28/11/2019.
81 O dado envolve convocações oriundas da
Garantia de Lei e Ordem e de outras naturezas,
como apoio logístico, e apoio a cumprimento
de mandados judiciais, por exemplo. Disponível
em: https://www.defesa.gov.br/arquivos/exerci-
cios_e_operacoes/glo/1.metodologia_de_estu-
do.pdf. Acesso em: 28/11/2019.
82 Disponível em: https://revistaforum.com.br/
politica/cova-a-gente-cava-e-presidio-bota-
navio-em-alto-mar-diz-candidato-de-bolsona-
ro-sobre-combate-a-criminalidade-no-rio/.
Acesso em: 28/11/2019.
83 Disponível em: http://observatorioseguran-
ca.com.br/produtos/relatorios/. Acesso em:
28/11/2019.
84 Ibid.
85 Ibid.
86 BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Re-
van, 2003, p. 53.
87 Disponível em: https://g1.globo.com/rj/
rio-de-janeiro/noticia/2019/09/23/witzel-fala-
pela-primeira-vez-apos-morte-de-agatha-no-
complexo-do-alemao.ghtml. Acesso em:
01/12/2019.88 Disponível em: http://www.mprj.
mp.br/documents/20184/540394/letalidade_
policial_no_rio_de_janeiro_em_10_pontos_1.
pdf. Acesso em: 29/11/2019.
89 Disponível em: https://www.ispvisualizacao.
rj.gov.br:4434/index.html. Acesso em:
20/11/2019.
90 Disponível em: http://www.forumseguranca.
org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anu-
ario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em:
29/11/2019.
91 Trata-se de um verso do poema Morte do
leiteiro, do livro A rosa do povo, de 1945. AN-
DRADE, Carlos Drummond. A Rosa do povo.
Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1979, p. 193.
92 Disponível em: http://observatorioseguranca.
com.br/mortes-oficiais-uma-tragedia-flumin-
ense/. Acesso em: 30/11/2019.
93 GROS, Frédéric. Estados de violência. Ensaio
sobre o fim da guerra. São Paulo: Idéias & Le-
tras, 2009, p. 23894 Ibid, p. 87.95 Disponível
em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/no-
ticias-2017/564255-achille- mbembe-a-era-do-
-humanismo-esta-terminando. Acesso em:
30/11/2019.96 Disponível em: http://www.ihu.
unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/
564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo-
-esta-terminando. Acesso: 02/11/2019.
94 Ibid, p. 87.
95 Disponível em: http://www.ihu.unisinos.
br/186-noticias/noticias-2017/564255-achille-
mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminan-
do. Acesso em: 30/11/2019.
96 Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/
186-noticias/noticias-2017/564255-achille-m-
bembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando.
Acesso: 02/11/2019.
CaioOliveira/acervoCDDHC
RELATÓRIO DE
ATENDIMENTOS
EFETUADOS
NA COMISSÃO DE
DEFESA DOS
DIREITOS
HUMANOS E
CIDADANIA DA
ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO
RIO DE JANEIRO,
EM 2019
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Relatório Anual 2019 da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da ALERJ

  • 3. EXPEDIENTE Renata Souza Presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania Redação Antônio Pedro Soares Dejany Ferreira Gizele Martins Ibis Pereira Isabel Pereira Isabel Mansur Michelle Lacerda Mônica Cunha Renata Lira Revisão Marina Iris Diagramação Evlen Lauer Foto da capa Wendy Andrade COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ Colaboradores Antônio Pedro Soares Camila Pires Danilo Firmino Dejany Ferreira Flávia Cândido Gizele Martins Isabel Pereira Maiara Fafini Michelle Lacerda Mônica Cunha Raniery Soares Rayanne Soares Renata Lira
  • 4. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 3 APRESENTAÇÃO ... e no mais fundo decifro o choro pânico do mundo ... Carlos Drummond de Andrade Com o presente, temos a honra de apresentar o relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um primeiro balanço dessa problemática central para o Estado Democrático de Direito. E não poderia chegar em hora mais oportuna, consi- derando a matéria que decidimos privilegiar nesta primeira investida: a segu- rança pública. Neste exato momento, todos estamos com as nossas atenções voltadas para o estado de São Paulo, acompanhando, num misto de angústia, tristeza e per- plexidade, a evolução do caso que envolveu a morte de 09 jovens, deixando outros tantos feridos, durante a dispersão de um baile funk, pela Força Pública paulista, numa rua de Paraisópolis com nome de historiador. O horror da rua Ernest Renan, onde ocorreu o Baile da 17, está sendo apurado. Esperamos empenho das autoridades em elucidar o ocorrido e Justiça para as vítimas e seus familiares. A coincidência da tragédia com a publicação deste relatório veio a nos servir de reforço para a tese que temos defendido e que procuramos sustentar nas páginas que seguem: a necessidade urgente de re- pensar o modelo de segurança pública brasileiro. Decidimos formular um relatório cujo foco fosse a segurança pública, porque entendemos que não há possibilidade de deslindar essa questão sem a centrali- dade dos direitos humanos, não sendo exagerado sustentar que enquanto insis- tirmos na manutenção da ordem pública, desconsiderando a promoção da dig- nidade humana, não chegaremos a nenhum resultado que não seja a barbárie. As instituições brasileiras têm apresentado inúmeras dificuldades em lidar com essa problemática, apesar dos mais de R$ 90 bilhões gastos em 2018. Os números são assustadores: uma taxa de 27,5 mortes violentas e intencionais por 100.000 habitantes; uma média de 180 estupros diários; a terceira maior população de aprisionados do mundo, apenas para citar alguns. E sobre as for- ças policiais tem recaído o peso de todo o fracasso do país no enfrentamento da questão. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as forças de segurança brasileiras matam 17 pessoas por dia, em operações policiais, enquanto seus agentes desabam, vítimas da violência autoinfligida. Em 2018, dos 343 policiais civis e militares mortos, 104 cometeram suicídio. É urgente entender a segurança pública como uma questão política. Algo que precisa ser equacionado pelo Poder a partir de evidências, dados, ciência, políticas públicas, enfim. Depois de três décadas de vigência da primeira constituição a ter um capítulo sobre segurança pública, avançamos muito pouco nessa percepção. Ainda tratamos o problema, basicamente, sem orga- nicidade, apostando no viés bélico do confronto armado e militarizado, privi- legiando a força e discursos irresponsáveis, que no fundo servem apenas como estímulo à brutalidade. O relatório é um convite ao pensamento. Como Hannah Arendt, acreditamos que pensar e agir moralmente andam juntos. Quando os direitos humanos e seus defensores são acusados de cumplicidade com o crime, por autoridades que defendem a violência como antídoto para a violência, numa época de con- fusão generalizada entre a verdade e a mentira, pensar é a única chave para decifrar o sentido desse “choro pânico”, superando essa atmosfera de medo e de ódio que está a ameaçar a nossa democracia. Boa leitura.
  • 6. SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS: REFLEXÕES PARA UM APRENDIZADO DEMOCRÁTICO [...] a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Achille Mbembe Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro. Carlos Drummond de Andrade [...] O homem é um bicho que treme. João Guimarães Rosa
  • 7. 6 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 Introdução Nos últimos trinta anos, mais de um milhão de seres humanos foram vítimas da criminalidade violenta no Brasil, massacradas por esse gigan- tesco moinho de gastar gente, segundo a lapi- dar expressão cunhada por Darcy Ribeiro. Em 2019, de acordo com o anuário brasileiro de se- gurança pública, 57.341 pessoas foram vítimas de morte violenta e intencional.1 Do total, 53% tinham entre 15 e 29 anos de idade; 77% eram negros e 93% do sexo masculino. Estima-se que 10% dos homicídios praticados no mundo sejam cometidos no Brasil.2 Se por um lado as taxas de elucidação de homicídios são extremamente baixas, isso não impede o país de apresentar a terceira maior população de encarcerados do planeta.3 Um dado a ressaltar é o fato de vítimas e viti- madores pertencerem, quase sempre, ao mes- mo segmento dos condenados à precariedade, em decorrência da ordenação regular e secular dos sistemas econômico e político, forma de dominação inscrita “na ordem das coisas” - como diria Pierre Bourdieu. Em boa medida, a barbárie do tempo presente é a ferida aberta por onde explode a herança de desigualdades, injustiças e brutalidades do nosso passado es- cravocrata, que teima em permanecer atual. Lilia Moritz Schwarcz observa: Desde o período colonial, passando pelo Im- pério e chegando à República, temos pratica- do uma cidadania incompleta e falha, marcada por políticas de mandonismo, muito patrimo- nialismo, várias formas de racismo, sexismo, discriminação e violência. [...] Nosso presente anda, mesmo, cheio de passado [...]4 . A violência estrutural determinada pelo modo de organização e de reprodução social tem sua contrapartida. Toda a agressão produzida con- tra o homem retorna em desfavor da sociedade que a faz circular. A esse cenário dantesco, devemos acrescen- tar outro ponto de extrema relevância, a fim de- limitar melhor o contorno desse círculo: aproxi- madamente 11% do total das mortes referidas envolvem as forças de segurança. Em 2018, as polícias brasileiras foram responsáveis por 6.220 mortes. Nesse ano, ainda de acordo com o anuário, 343 agentes de polícia foram mortos, 87 em serviço e 256 na folga; 104 cometeram suicídio, números que não encontram paralelo em qualquer outra democracia. No estado do Rio de Janeiro, apenas este ano e até o final do mês de outubro, foram computadas 1.546 mor- tes por intervenção de agentes no estado.5 Para além dos custos sociais e econômicos6 , há o impacto civilizatório que o massacre anual de vidas humanas representa para a República; impacto político, a levantar a suspeita do quan- to ainda estamos distanciados da vigência efe- tiva de um Estado de Direito, eficiente na redu- ção dos indicadores criminais e na garantia dos direitos humanos, mais de trinta anos depois do advento da chamada Constituição Cidadã. Em certo sentido, os números da violência no Brasil podem ser interpretados como o sintoma de uma transição política malograda, uma vez que os mecanismos de controle ainda operam a partir de uma lógica militarizada, porque vinca- da pela identificação do criminoso como inimi- go público a ser varrido a tiros de fuzil, a de- monstrar a sobrevivência da ideologia da segurança nacional, metamorfoseada na guerra ao crime. Em mais de três décadas de vigência da atual Constituição Federal, ainda não conseguimos equacionar a segurança pública, nos marcos constitucionais. As iniciativas denominadas “políticas de segurança” têm se configurado pela ausência de decisões articuladas entre os três níveis de governo, capazes de sustentar ações e programas que se desdobrem no mé- dio e longo prazos. Quando existem, as medi- das são quase sempre voluntaristas e de curta duração. No Brasil, falta elevar a problemática da segu- rança pública ao patamar das políticas de Esta- do. Na ausência de uma verdadeira política pú- blica de segurança, o país não consegue avançar. A União Federal e os Municípios ainda não encontraram seus respectivos papéis. Quanto aos estados membros, a questão prati- camente tem se reduzido à repressão criminal, com foco quase exclusivo no mercado varejista das drogas ilícitas. Muita guerra e pouca política pública têm produzido intenso sofrimento, tanto para a po- Execução de punição de flagelo por Jean Baptiste Debret
  • 8. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 7 pulação em geral, quanto para os agentes dire- tamente envolvidos. A guerra não apenas mata: faz adoecer. No limite, a cultura bélica corrom- pe a humanidade dos atores, porque determina uma subjetividade embrutecida. Não é outra a razão pela qual o adoecimento psíquico é tão elevado nas polícias brasileiras: é a contraparti- da dos altos índices de letalidade. Os resultados operacionais apresentados por essa “política do confronto”, por outro lado, são no mínimo questionáveis. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2015 foram efe- tuados mais de 28.000 registros de ocorrên- cia envolvendo apreensão de drogas ilícitas no Rio de Janeiro: em 50% dessas ocorrências apreendeu-se até 10 gramas de substância entorpecente7 . Nesse tempo histórico confuso, de prevalên- cia arrogante do econômico sobre o humano; de violações sistemáticas à dignidade do ho- mem, de avanço despudorado do medo e do ódio sobre a compaixão e a solidariedade; de recuo do estado providência, em favor da inse- gurança social generalizada, uma reflexão mais abrangente sobre o enfrentamento da violên- cia, fora do modelo simplista e militarizado do combate ao crime, constitui uma necessidade da razão. No Rio de Janeiro, a tentativa de compatibili- zar segurança pública e direitos humanos teve nos anos 1980/90 momentos singulares de ex- perimentação, que ainda podem nos servir de inspiração, na construção de caminhos para a segurança pública com base em outras premis- sas. Em primeiro lugar, é preciso imaginar uma ordem pública que seja o resultado de uma ex- periência de autorregulação coletiva, em parce- ria com a polícia. Para isso, a política pode e deve servir de espaço, não para a introdução da morte no reino dos homens, mas para uma ex- periência democrática de administração de conflitos e controle da força. Com o relatório, não se almeja uma descrição pormenorizada das inovações empreendidas naqueles anos. Pretende-se, tão somente, re- memorar uma tentativa de experiência demo- crática e transformadora da segurança pública, ao mesmo tempo em que se busca refletir so- bre a persistência da mentalidade guerreira, como modo de enquadrar as polícias e a socie- dade num confronto total contra o crime. Dois objetivos, portanto, animam o presente trabalho: o imperativo benjaminiano de dar voz aos vencidos, buscando na reminiscência dos derrotados, “tal como ela relampeja no momen- to de um perigo [...] as centelhas da esperan- ça”8 , e a crença viquiana de que os eventuais retornos do homem à condição do desespero e do medo não significam sua ruína definitiva, apenas um momento negativo e necessário na marcha da humanidade. Um breve histórico Entre os muitos flagelos engendrados pela di- tadura militar implantada no Brasil, em 1964, o enquadramento das forças de segurança nos moldes da doutrina de segurança nacional, tal- vez se constitua no fenômeno menos compre- endido e mais duradouro. Em apertada síntese, a perspectiva bélica como tratamento da de- sordem é o resultado direto do transbordamen- to, para o campo da segurança pública, dos re- ferenciais dessa ideologia, sobre a qual o regime militar tinha sua base teórica de sustentação. Em linhas gerais, a doutrina de segurança na- cional (DSN) é um fruto da polarização estabe- lecida pela guerra fria. Naquela quadra, o mun- do se encontrava dividido em blocos de influência e dissuasão, numa proposta de segu- rança coletiva: de um lado os Estados Unidos e seus aliados e do outro o grupamento sob influ- ência soviética. Com a criação da Escola Superior de Guerra (ESG), em 1949, a DSN passa a se inscrever no A POLÍTICA PODE E DEVE SERVIR DE ESPAÇO, NÃO PARA A INTRODUÇÃO DA MORTE NO REINO DOS HOMENS, MAS PARA UMA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS E CONTROLE DA FORÇA.
  • 9. 8 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 panorama nacional. No cenário de conflito per- manente e total estabelecido pelo contexto his- tórico, a DSN promoverá a submissão do país ao ideário da segurança. Na medida em que exige um esforço de mobi- lização constante para o combate de um inimigo comum, a DSN enquadra a vida na perspectiva da violência. Assim sendo, o militarismo, como “um vasto conjunto de hábitos, interesses, ações e pensamentos associados com o uso de armas e com a guerra”, transborda os muros dos quar- teis para o conjunto da sociedade. Ao articular os conceitos de segurança e de- senvolvimento, adequando-os ao cenário da guerra fria, a DSN promoveu uma releitura das forças de segurança quanto ao seu papel na po- lítica. As Forças Armadas passaram a se reco- nhecer não apenas como moderadores do pro- cesso político, mas como legítimos condutores dos objetivos nacionais. As polícias, por sua vez, passaram a se organizar visando a preser- vação da ordem institucional a todo custo. A consequência da DSN foi a militarização da segurança pública. O crime, como desordem, passava a ser visto como ameaça às aspirações nacionais; o criminoso, um inimigo a ser neutra- lizado, como na guerra. Toda “perturbação” da ordem pública implicava em obstáculo ao de- senvolvimento e ao progresso econômico e so- cial. As noções de democracia, segurança e de- fesa se imbricavam.9 De acordo com os quadros teóricos e opera- cionais implantados a partir do golpe de 1964, “a estabilidade passa a ser um pressuposto [...] o dissenso é considerado como um ataque [...] um dado perturbador que precisa ser eliminado.10 Nesse paradigma, a guerra se apresenta como o argumento supremo para o direito de matar. A mobilização permanente para a guerra abre para o político a possibilidade do estado de ex- ceção, na forma da suspensão de validade da norma jurídica. A crença na existência de um adversário, que ameaça a vida e os valores de uma sociedade, cria as condições afetivas e in- telectuais necessárias à desconsideração da normatividade, como uma exigência do comba- te. A guerra legitima a suspenção da própria condição humana do inimigo. Assim sendo, o inimigo público, seja o subver- sivo, o traficante de drogas, ou qualquer grupo identificado como tal, pode ser morto, porque na guerra se mata. Na síntese precisa formulada por Raymundo Faoro: “o núcleo de uma Lei de Segurança Nacional reside no sentimento de que o carrasco é, em última instância, o guar- dião da ordem”.11 A GUERRA LEGITIMA A SUSPENÇÃO DA PRÓPRIA CONDIÇÃO HUMANA DO INIMIGO. NaldinhoLourenço
  • 10. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 9 Quando a primazia incumbe à força, a políti- ca, como exercício da razão a serviço da auto- nomia humana, se transmuda no trabalho da morte, porque “a força é aquilo que transforma quem quer que lhe seja submetido em uma coi- sa”12 . Em outras palavras, quando a guerra se apresenta como um projeto central da sobera- nia, como prática e discurso cotidianos, se esta- belece uma relação inextricável entre a política e a morte. Na formulação de Achille Mbembe, o terror de estado encontra sua gênese “na per- cepção da existência do Outro como atentado [...] cuja eliminação biofísica reforçaria meu po- tencial de vida e segurança”13 . Assumir a inimi- zade como forma de existência significa milita- rizar a vida, viabilizando o terror. No Brasil, as polícias civil e militar datam do século XIX. A origem da Polícia Civil se confun- de com a Intendência de Polícia, órgão criado por d. João tão logo instalou a Corte portugue- sa no Rio de Janeiro. A Divisão Militar da Guar- da Real de Polícia, embrião da atual Polícia Mili- tar, nascia também no início do século XIX para responder à demanda de policiamento nas ruas, após a chegada daquela comitiva. Os albores de ambas as instituições foram vincados pelas atribuições da vigilância e da preservação da ordem pública, numa sociedade marcada pela violência inerente à escravização. O que pode significar a “manutenção da or- dem”, quando o estado de coisas normal se configura na institucionalização da bestialida- de? Segundo Dornelles: Uma polícia criada para – e comprometida com – a garantia e proteção dos poderosos [...]. Uma instituição que, ao nascer e se desen- volver com tais objetivos, traz os vícios de uma sociedade pré-moderna, ou cuja moder- nidade tardia não garantiu a satisfação das promessas de emancipação contidas no seu ideário. Enfim, uma polícia que não tem em sua gênese a finalidade de garantir um Estado de Direito Democrático que seria a represen- tação de um contrato social entre indivíduos iguais e livres14 . O escravismo supõe a possibilidade de apli- cação de “um direito penal doméstico”: um po- der de fato que se exerce à margem da lei. A violência como gramática da vida, própria das sociedades fundadas na opressão, corrompe as instituições sociais, porque a paz, que em últi- ma análise elas deveriam garantir, nesse tipo de configuração, “tende a assumir o rosto de uma guerra sem fim”, na medida em que a escravi- dão é “estado de injúria [...] mundo espectral de horrores, crueldade e profanidade intensos”.15 Logo no início do século XX aconteceu uma mudança no sistema policial, fruto da reforma introduzida pela lei 947, de 29/12/1902, assu- mindo o modelo brasileiro a configuração muito próxima da que vigora até os dias de hoje. Criou-se, na sequência, uma nova força pública para substituir a Polícia Militar nas áreas cen- trais da cidade. Bretas informa que: As tentativas de reforma policial começaram em 1903, mas o problema ganhou maior im- portância após o fracasso da polícia em con- trolar a revolta da vacina em novembro de 1904. Uma nova força uniformizada, a guarda civil, foi criada em 1905, tentando diminuir a hostilidade do público diante do patrulha- mento uniformizado e oferecendo uma polí- cia de aparência melhor para o centro reno- vado da cidade.16 Uma década depois, o decreto federal n°. 11.497, de 23 de fevereiro de 1915, determinou que as Polícias Militares seriam organizadas de forma similar ao Exército, sendo incorporadas a ele nos casos de conflitos externos. Três anos depois, o decreto n°. 12.790, de 02 de janeiro de 1918, estabelecia a condição de força auxiliar do Exército à Polícia Militar. Em 1920, através do decreto 14.079, de 25/02, a Polícia Civil se modernizou em sua dimensão de polícia investigativa, com um implemento considerável dos serviços de investigação e pe- rícia criminal. Oito anos antes, tinha sido criada a Escola de Polícia Científica. A constituição de 1934 reforçou os termos do decreto de 1915, atribuindo o caráter de reserva do Exército às Polícias Militares, que se estrutu- ravam como pequenos exércitos estaduais. Em 17 de janeiro de 1936, surgia a lei federal n°. 192, que, ao reorganizar as Polícias Militares, deu-lhes os contornos de atividade policial de vigilância e garantia da ordem pública, além de manter a incorporação ao Exército em caso de mobilização nacional, na hipótese de um confli- to externo. Ocorre que, as atribuições policiais seriam exercidas por “unidades especiais, com organização, equipamentos e armamentos pró- prios”17 . Os Estados jamais organizaram as “uni- dades especiais” preconizadas pela legislação, permanecendo as Polícias Militares, basicamen- te, como tropas aquarteladas no aguardo de uma grave comoção da ordem. A constituição de 1946 voltou a tratar das Po- lícias Militares, mantendo-as como forças auxi- liares e reservas do Exército, responsáveis ainda pela segurança interna e manutenção da ordem pública18 . É certo que os policiais militares tam- bém desempenhavam missões de policiamento,
  • 11. 10 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 dividindo as atividades de guarda e vigilância com outras agências, mas sempre como mis- sões pontuais e específicas. A Constituição de janeiro de 1967 manteve a mesma destinação, acrescentando um item aos encargos da União: “legislar sobre organização, efetivos, instrução, justiça e garantias, inclusive mobilização [das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros]”19 . Em março daquele ano, o governo federal editava o decreto-lei n°. 317, na intenção de es- truturar o modelo. Essa legislação posicionava a Polícia Militar na manutenção da ordem públi- ca e segurança interna, mediante a atribuição de ações preventivas e repressivas, precedendo a intervenção das Forças Armadas. O decreto foi a primeira norma jurídica a demarcar mais precisamente um duplo papel para a Polícia Mi- litar: como força policial e como força militar, reserva do Exército. A partir do objetivo maior posto pela DSN, de superação dos “antagonismos e pressões no campo interno”, decidiu-se envolver as forças de segurança de modo mais sistemático nas ações de Segurança Interna.20 A consequência desse amálgama foi o fato de a forma bélica, implicada no conceito de defesa interna, esten- der-se à dinâmica dos conflitos criminais, mili- tarizando as ações policiais no terreno da segu- rança pública. Em outubro de 1968, o estado-maior do Exér- cito editava a portaria n°. 84, aprovando e pondo em execução a nota de instrução n° 1-68/EME, que tratava de informações gerais e estabelecia normas para o combate à guerrilha urbana. Além de orientações quanto ao modo de atuar das forças policiais, a nota orientava os coman- dantes a introduzirem nas palestras e instruções conteúdos de Educação Moral e Cívica, como modo de “fortalecer as convicções democráti- cas da tropa, para o repúdio a atos atentatórios às instituições, à ordem pública e à lei”.21 No meado do mês de dezembro daquele ano, era publicado o Ato Institucional n°. 5. O decreto n°. 317/67 criava a Inspetoria Geral da Polícias Militares (IGPM)22 para: [...] centralizar e coordenar todos os assuntos da alçada do Ministério da Guerra relativos às Polí- cias Militares; b) inspecionar as Polícias Militares, tendo em vista o fiel cumprimento das prescri- ções deste decreto-lei; c) proceder ao controle de organização, dos efetivos, do armamento e do material bélico das Polícias Militares; d) bai- xar normas e diretrizes e fiscalizar a instrução militar das Polícias Militares em todo o território nacional, com vistas às condições peculiares de cada Unidade da Federação e a utilização das mesmas em caso de convocação, inclusive mo- bilização em decorrência de sua condição de forças auxiliares, reservas do Exército; e) coope- rar com os Governos dos Estados, dos Territó- rios e com o Prefeito do Distrito Federal no pla- nejamento geral do dispositivo da Força Policial em cada Unidade da Federação, com vistas a sua destinação constitucional, e às atribuições de guarda territorial em caso de mobilização; f) propor, através do Departamento Geral do Pes- soal, ao Estado-Maior do Exército os quadros de mobilização para as Polícias Militares de cada Unidade da Federação, sempre, com vistas ao emprego e suas atribuições específicas e guarda territorial. g) cooperar no estabelecimento da legislação básica relativa às Polícias Militares23 . Na prática, a criação da IGPM permitia formu- lar uma doutrina nacional para o emprego das Polícias Militares. No mesmo dia em que editava o decreto reor- ganizando as Polícias Militares, o governo cen- tral encaminhava para publicação o decreto-lei n° 314, definindo os crimes contra a Segurança Nacional.24 A edição de O Globo, do dia 01 de abril de 1967, destacava as inovações introduzidas no policiamento da cidade pelo decreto 317/67: A Polícia Militar, em defesa da sociedade, acei- tou o desafio do crime. A partir de hoje 3.000 soldados estarão alerta nas ruas [...] vascu- lham a cidade no Centro, nas zonas Norte e sul. Para combater o crime, não há roteiro, por- que a Central de Informações subordinada di- retamente à 3ª Seção do Estado-Maior, através de cinco telefones [...] atenderá aos chamados da população [...]. Na delegacia de vigilância, há expectativa [...] seus 250 detetives percor- rem os pontos ermos da cidade, todos dispos- tos a pôr fim à onda de assaltos que vêm ocor- rendo [...]. Os detetives caçadores de bandidos também se movimentam [...].25 O decreto-lei 317/67 provocou desentendi- mentos e incompreensões acerca do seu alcan- ce. As dúvidas quanto à pretensão da União em atribuir a exclusividade do policiamento osten- sivo às Polícias Militares seriam dirimidas, dois anos depois, com a publicação do decreto-lei n°. 667, de 02 de julho de 1969; legislação ainda em vigor, com algumas alterações. Até então, as funções de policiamento ostensivo e de trân- sito eram desenvolvidas por instituições civis uniformizadas, as guardas civis e a polícia de vigilância, órgãos subordinados à superinten- dência-executiva da Secretaria de Segurança Pública, criada em 1962.
  • 12. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 11 Em setembro de 1969, o chefe do estado- -maior do Exército mandava publicar a Instrução Provisória IP 31-17, tratando das operações urba- nas de defesa interna. A referida instrução es- miuçava a portaria anterior, disciplinando “com- ponentes das forças legais” para a “eficiente execução de operações tipo polícia.”26 Adotava- -se pela primeira vez o termo “inimigo urbano” para designar os participantes da luta armada.27 A missão das tropas envolvidas na operação não poderia ser mais clara: “destruir as forças irregu- lares do inimigo em centros urbanos.”28 Com relação às Polícias Militares, a IP 31-17 es- tabelecia: Constituem o elemento da Força dos Go- vernos Estaduais. Quando o comando das operações de manutenção da ordem ou de antiguerrilha estiver a cargo dos governos estaduais, a área conflagrada será dividida em áreas de responsabilidade de unidades, cabendo, em princípio, aos comandantes da PM assumir o comando dos setores (áreas de responsabilidade de batalhão) e subse- tores (áreas de responsabilidade de subuni- dades). Nos subsetores, os comandantes de unidades instalarão suas bases de opera- ções tipo polícia. Destas, partirão os pelo- tões e (ou) grupos para operações tipo po- lícia [...]29 . Em 30 de dezembro de 1969, o decreto-lei n°. 1072 promoveu uma pequena alteração no 667/69, mantendo a exclusividade do policiamen- to ostensivo como atribuição das Polícias Milita- res, ressalvando apenas as missões peculiares das Forças Armadas. O decreto-lei 667/69, em sua redação original, excetuava, além disso, os “casos estabelecidos em legislação específica.”30 A alteração vinha reforçar o propósito do go- verno central: atribuir às Polícias Militares a ex- clusividade do policiamento preventivo e os- tensivo. A mudança foi considerável. De acordo com Zaverucha: [...] ao contrário do que aconteceu no Estado Novo varguista, o poder repressivo não ficou nas mãos da polícia civil, mas dos militares. A Polícia Civil uniformizada deixou de existir e as Polícias Militares, então subordinadas ao Exér- cito, passaram a responder isoladamente pelo policiamento preventivo e ostensivo31 . Em suma: “um Estado forte, com uma força pública forte e enérgica para manter a ordem pública nas ruas [...].”32 . Dessa mentalidade beli- cista decorreram alguns aspectos, dentre os quais uma filosofia operacional centrada na “adoção do modelo de guerra para o combate ao crime [...], sendo o “criminoso percebido como o inimigo a ser eliminado.”33 O fim da ditadura militar não significou a des- militarização da segurança pública. A herança de um terror difuso, inerente à sociedade escra- vocrata, fundiu-se à razão de estado belicista da DSN, adaptando-se posteriormente à nova ordem constitucional, como estratégia contra o desafio das drogas ilícitas. A política reduzida ao gerenciamento da guerra aceita a inevitabili- dade da morte do inimigo, no que é favorecida pelo racismo estrutural, porque o racismo é “acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder”34 . Em defesa da sociedade O processo de redemocratização que, desde o final dos anos 1970, pautava as principais dis- cussões políticas e acadêmicas no país ficaria marcado por uma espécie de despertar da consciência coletiva para o problema da violên- cia urbana. No raiar da década, em janeiro de 1970, o editorial do Jornal do Brasil, escrito a propósito do linchamento de uma pessoa com sofrimento psíquico no município de Nova Igua- çu, já chamava a atenção para o fato: A Baixada Fluminense é palco notório de vio- lências policiais, berço do Esquadrão da Morte. Ali a polícia só se movimenta com disposição quando trata dos seus próprios interesses e de suas vinganças. Mas em relação a esse terrível caso de Nova Iguaçu a própria polícia federal deveria intervir, para apurar, com presteza e de- cência, as circunstâncias do martírio de um in- feliz. O descaso das investigações, o tom quase chocarreiro, com que a polícia local e a Secreta- CaioOliveiraa/acervoCDDHC
  • 13. 12 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 ria de Segurança, se manifestam a respeito, re- presentam um insulto à sensibilidade e ao sen- so de justiça de um povo inteiro. Que um bando de feras tenha executado um homem indefeso é coisa terrível. Mas o crime adquirirá uma en- vergadura de crueldade nacionalmente con- sentida, se continuar a ser tratado como se não passasse de uma traquinada.35 Na antiga Guanabara, o fenômeno não se apresentava muito diferente. Em junho de 1971, a atuação de grupos de extermínio no Estado levou o conselho da Ordem dos Advogados do Brasil a encaminhar ofício ao presidente da Re- pública solicitando ajuda federal, “contra essa bárbara, sórdida e execrável organização crimi- nosa que é o Esquadrão da Morte36 . À medida em que os anos 1970 chegavam ao fim, a dinâmica criminal no Rio de Janeiro co- meçou a apresentar novos sujeitos e práticas, como o tráfico de drogas, modalidade de co- mércio ilegal que se consolidaria nas décadas seguintes. A violência associada à prática desse crime passaria a assumir um papel central na representação da cidade. No início dos anos 1980, quando a ditadura chegava ao fim, a se- gurança pública se destacava como um dos principais problemas do Estado. Comprometida na tarefa da abertura política, a cúpula do regime militar foi se abstendo pro- gressivamente do envolvimento em crises na área da segurança pública. A desconfiança em relação às instituições policiais ganhava canais de expressão, quanto mais os meios de comuni- cação se libertavam das amarras da censura. Para Sento-Sé e Soares: Desde o início da década de setenta, as de- núncias de crimes contra os direitos humanos praticados pelas forças de segurança do Esta- do se avolumaram, a princípio timidamente, ganhando mais espaço e consistência à medi- da que a censura se tornava mais flexível. Ins- tituições da Igreja e da sociedade civil, como a CNBB, a ABI e a OAB, manifestavam-se publi- camente contra os excessos e desmandos ocorridos em quartéis e outros órgãos de se- gurança. A trégua parcialmente pactuada pela lei da anistia não poderia ser suficiente para aplacar as feridas, tampouco para se conside- rar resolvida a questão dos crimes contra os direitos humanos perpetrados pelo Estado37 . Assim, nas grandes capitais brasileiras e no Rio de Janeiro em especial, observava-se um quadro de crise interna nas agências policiais NaldinhoLourenço
  • 14. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 13 refletindo, de forma mais ampla, no campo da segurança pública. Camadas médias da socie- dade civil passaram a condenar a ação policial, exigindo uma nova abordagem que consideras- se a questão dos direitos humanos. No ano de 1982, ainda durante a campanha eleitoral que levaria Leonel Brizola ao poder, a questão da segurança pública era apontada, por pesquisas de opinião, como problema nú- mero um para grande parte da população da cidade do Rio de Janeiro. O então governador Chagas Freitas enfren- tava problemas com denúncias de abusos de autoridade e violência dos agentes de segu- rança – principalmente contra a população pobre e favelada – e corrupção nos meios po- liciais. A atuação de grupos de extermínio no Estado e a imagem ainda muito viva da ope- ração policial no morro da Cachoeirinha, con- tribuíram para aguçar a opinião pública quan- to ao tema. No ano de 1979, a fotografia dos homens ne- gros, atados como se fazia com escravos fugi- tivos, causou impacto simbólico junto à opi- nião pública poucas vezes visto anteriormente. Fixada e amplamente compartilhada pela cir- culação de largo alcance da mídia impressa, a cena é semantizada como quadro paradigmá- tico da ação das forças de segurança do Esta- do e do padrão de interação destas com a par- cela miserável da sociedade38 . Com o novo governo, os direitos humanos são inseridos na agenda das polícias estaduais39 . De acordo com Sento-Sé, ao trazer para as agên- cias de controle do crime tal temática, Brizola contribuía para a inscrição dos direitos huma- nos na agenda política brasileira, na medida em que deslocava a matéria para o campo da segu- rança pública. Acerca desse modo de lidar com a questão cri- minal, o secretário de Polícia Militar enfatizava: A militarização que se dá neste momento his- tórico não pode ser percebida somente pela presença de oficiais do Exército no comando das Polícias Militares ou como titulares das se- cretarias de segurança. É mais do que isso: é a construção de um modelo teórico para as po- líticas de segurança, que se caracteriza pela submissão aos preceitos da guerra e que con- siste na implantação de uma ideologia militar para a polícia.40 A orientação da nova política criminal com- preendia as instituições policiais como parte importante da problemática da segurança, mas não sua resposta exclusiva. De acordo com a nova visão, o fenômeno ultrapassava a capaci- dade operativa das forças públicas, sendo, em última análise, a consequência inevitável da vio- lência objetiva necessária à produção da desi- gualdade econômica e da exclusão social. Na esteira dessa compreensão mais alargada da criminalidade como um drama intrinseca- mente social, o governo acenava com duas me- didas de enfrentamento, a médio e longo pra- zos: o programa de Educação Integral e o programa de habitação, Cada Família um Lote. Pelo primeiro, buscava-se a democratização do acesso ao ensino formal para toda a popu- lação pobre, fornecendo condições adequa- das para que as crianças passassem o maior tempo possível em um espaço propício à A REORGANIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR PROMOVEU UMA “IDEOLOGIA MILITAR PARA O EMPREGO DA POLÍCIA FARDADA”, CONSOLIDANDO A “PRÁTICA DE PRENDER PARA INVESTIGAR E DE COMBATER, NO MODELO DE GUERRILHAS URBANAS
  • 15. 14 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 aprendizagem e à socialização [...]. Com as oportunidades abertas pela escolarização, os apelos do mundo do crime já não arrastariam, futuramente, tantos jovens [...]. O programa Cada Família um Lote [...] previa a cessão de lotes e financiamento para a construção de ca- sas para famílias pobres [...] os títulos de pro- priedade eram concedidos às mulheres, reco- nhecidas como as verdadeiras e principais provedoras das famílias [...]41 . Com relação ao modo de atuar das polícias, a marca foi a extensão do respeito à dignidade humana aos segmentos pobres da população, através de um esforço de aproximação. Uma fi- losofia de emprego para a polícia, com base numa articulação com a comunidade, para fazer frente à insegurança e ao medo do crime, era a proposta inovadora naquele início de década. A iniciativa sintetiza uma modificação doutrinária fundamental, que passaria a orientar o policia- mento, uma mudança compatível com a orien- tação democrática do novo governo e dos no- vos tempos: a ideia de um policiamento comunitário. A definição do policiamento comunitário põe como componentes centrais e complementares a parceria com a comunidade e a resolução de problemas. Parceria com a comunidade e reso- lução de problemas são as duas chaves para o entendimento do policiamento comunitário42 . Tendo como ponto de partida a interação en- tre polícia e comunidade, pretendia-se criar “as bases para uma polícia nova, esperando que, aos poucos, [fossem] superados os conceitos e as práticas da polícia velha.”43 Uma nova polícia: “uma organização que se entendesse como ór- gão prestador de serviços, que tivesse compro- misso com o bem-estar da comunidade, garan- tidora de direitos civis.”44 No dizer de Renato Lessa, [...] ali tivemos nos- sa primeira tentativa de definir tal política [de segurança pública] nos marcos estritos do esta- do de direito [...] no início da década de 80, no Rio de Janeiro, uma importante inovação cultu- ral e institucional foi ensaiada.”45 Fato é que o movimento de ressignificação das práticas policiais vai ocorrer ao mesmo tempo em que as instituições passam a lidar com uma nova dinâmica criminal no estado. No bojo dessas transformações, as propostas de reforma passam a ser encaradas como inade- quadas, tanto por parte dos policiais quanto de segmentos mais conservadores da sociedade, que começavam a vislumbrar no retorno à mili- tarização das ações repressivas, a resposta apropriada ao crime. Ao caminhar para o fim do primeiro mandato, o governo era acusado de inibir a ação policial e o governador, de não dei- xar a polícia invadir as favelas. O eleitorado fluminense foi particularmente sensível às propostas do candidato que prome- tia “acabar com a violência no estado em seis meses”.46 Nesse aspecto, a contribuição da mí- dia foi decisiva. Segundo Américo Freire: “Nas reportagens, o grande público podia facilmente associar a escalada da violência urbana com o fracasso da política governamental dos direitos humanos.”47 Abertas as urnas, Darcy Ribeiro perdia o governo estadual para Moreira Franco. Ao reproduzir as práticas militarizadas, redu- zindo a política criminal às incursões armadas de policiais nas favelas, apostando na intensificação das operações como estratégias de redução dos indicadores criminais, o novo governo contribuiu para o retorno de uma “política de segurança que deixava em segundo plano a questão dos direitos humanos e a orientação da ação policial pautada pelo respeito à lei”48 . A “política do confronto” elevou considera- velmente os indicadores de homicídio, “com destaque para o ressurgimento dos esquadrões da morte”.49 [...] a taxa de homicídios do Rio de Janeiro dis- parou. De acordo com dados do Mapa da Vio- lência, em 1986 morreram 20,2 pessoas a cada 100 mil habitantes. No primeiro ano de gover- no, em 1987, esse número subiu para 30,4. Em 1990, último ano completo de Moreira Franco no governo, chegou a 56,1 para cada 100 mil habitantes.50 Sem uma agenda clara sobre segurança pú- blica, além da afirmação genérica do “combate sem tréguas ao crime”, o governo reagia aos desafios da segurança pública ampliando o es- pectro das operações policiais, com “incursões armadas nas favelas e eliminação ou prisão de um ou outro chefe local, imediatamente substi- tuído por seu lugar-tenente.”51 Na segunda metade dos anos 1980, o tráfico de armas altera ainda mais o aspecto da violên- cia no estado. Uma das mudanças mais importantes seria o rápido processo de aquisição de armamento pesado. Tornado um negócio capaz de movi- mentar somas vultosas, o tráfico de drogas sus- citou a disputa de grupos pelos pontos de ven- da varejista de droga, em sua maioria localizada nas favelas. Essa tendência teria dinamizado um outro comércio em expansão. Assim, a or- ganização de grupos fortemente armados vol- tados para o comércio ilegal de drogas e o con-
  • 16. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 15 sequente crescimento do comércio ilegal de armas, alteram significativamente as dinâmicas de violência no Rio de Janeiro52 . Leonel Brizola vence as eleições estaduais de 1990. Assume com muitas críticas à política de segurança de seu antecessor.53 Dos nomes defi- nidos para as dezessete secretarias de Estado, dez haviam colaborado com seu governo ante- rior, entre estes figurava o nome de Carlos Mag- no Nazareth Cerqueira, reconduzido ao coman- do da Polícia Militar. Interpretara sua eleição “como um sinal de que o povo desejava a volta dos antigos colaboradores.”54 O governo traçara diretrizes básicas que de- veriam inspirar as ações policiais. Tais orienta- ções foram formuladas seguindo os mesmos princípios filosóficos do primeiro governo. a) implicar a comunidade na gestão da segu- rança; b) privilegiar a atuação preventiva; c) buscar eficácia pelo tratamento globalizante de cada problema específico; d) impedir toda intervenção policial ilegal ou abusiva; e) pro- mover uma articulação operativa de base en- tre a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros e f) tornar os serviços policiais acessíveis a todos, reduzindo a desconfiança ou decepção com relação a eles por parte das camadas populares mais carentes.55 A “POLÍTICA DO CONFRONTO” ELEVOU CONSIDERAVELMENTE OS INDICADORES DE HOMICÍDIO, “COM DESTAQUE PARA O RESSURGIMENTO DOS ESQUADRÕES DA MORTE” O contexto, porém, se complicara conside- ravelmente. A corrupção e a violência policial somadas ao amálgama entre drogas e armas se agudizara no período, com impacto sobre as favelas. Diante disso, o governo decide aprofundar as transformações iniciadas anos antes. Consciente da urgência em implemen- tar medidas de modernização e controle das forças policiais, notadamente no que dizia LeonDiniz/acervoCDDHC
  • 17. 16 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 respeito à corrupção e à letalidade policial, a secretaria de polícia passa a ensaiar uma mu- dança na gestão organizacional, condizente com a difusão da filosofia de policiamento comunitário. Cria-se, então, o Grupamento de Aplicação Prático-Escolar, cujo objetivo era trabalhar com a filosofia de polícia comunitária em favelas. O projeto piloto foi realizado no morro da Provi- dência. A prática do policiamento comunitário envolvia reuniões periódicas com a comunida- de, através das quais o emprego dos recursos materiais e humanos era avaliado, quanto ao seu melhor aproveitamento. Toda atividade po- licial era objeto de uma crítica permanente. A comunidade participava da gestão de sua pró- pria segurança. Naquele espaço de discussão e formação de consensos ensaiava-se a constitui- ção do “político como terreno em que a socie- dade transforma a si mesma.”56 Nesse segundo momento, o governo investe com energia na temática dos direitos humanos. Promove diversos cursos de qualificação na área direcionado para os agentes policiais, e adota um código de ética esperando difundir uma cultura organizacional de respeito à pes- soa humana como valor institucional. Na Polícia Militar, o secretário Carlos Magno Nazareth Cerqueira inaugura um ambiente des- tinado à divulgação de pensamento acerca de teoria de polícia, violência e criminalidade: a Bi- blioteca da Polícia Militar, uma editora que faz circular material moderno sobre temas de inte- resse policial, no intuito de fomentar o estudo e qualificar o debate sobre segurança pública. No final de 1992, começaram a surgir muitas vozes saudosas das Forças Armadas. Entre os dias 3 e 14 de junho, os militares foram convoca- dos para reforçar o policiamento da cidade do Rio de Janeiro, em função da 2ª Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, patrocinada pela Organização das Nações Unidas, a ECO-92. Por outro lado, as críticas no meio policial contra a política de segurança pública fundada nos di- reitos humanos se tornavam mais explícitas. Mesmo com as medidas correcionais que em- preendeu, principalmente com a reestruturação dos órgãos de controle interno, a violência e a corrupção policial produziram, em um único ano, duas chacinas (Vigário Geral e Candelária), enfraquecendo as iniciativas de reforma, sobre- tudo no que se refere à legitimidade junto à po- pulação, que passaria a perceber os aconteci- mentos – graças a uma campanha sistemática da mídia - como o reflexo de um governo débil e sem controle da tropa. Naquele ano de 1993, os chamados arrastões nas praias da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro iriam contribuir, também, para ampliar a sensação de caos e de ineficiência da política pública de segurança. CaioOliveira/acervoCDDHC
  • 18. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 17 Tão logo Nilo Batista assume o governo, “co- meça intensa campanha pela intervenção do governo federal no Estado.”57 A sensação de in- segurança que se espraiara pela sociedade, so- mada à desconfiança da população com o go- verno e suas forças policiais, alimentavam o desejo de fazer o Exército Brasileiro retornar às ruas, como no tempo da ECO-92. A possibilidade de uma intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro come- çou a se concretizar a partir de outubro. O pre- sidente do Tribunal Regional Eleitoral requisitou a presença da tropa federal no Rio de Janeiro para garantir a totalização dos votos da 25° Zona Eleitoral, zona oeste da cidade, alegando que os juízes envolvidos na apuração estariam sendo ameaçados de morte pelo tráfico de dro- gas.58 As pressões políticas começaram a se tornar insustentáveis. Após o transcurso do primeiro turno das elei- ções, o candidato ao governo do Estado pelo PSDB, Marcello Alencar, procurou apoio na Or- dem dos Advogados do Brasil para a ideia da decretação do Estado de Defesa no Rio de Ja- neiro. O candidato não descuidou de buscar o apoio do Poder Judiciário. Manifestando-se fa- vorável à presença das Forças Armadas na re- pressão ao crime, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, acrescentava: A criminalidade tem que tomar um choque. Chegamos a tal ponto que temos de tomar uma medida drástica, com restrições (aos di- reitos individuais) inclusive. Não devemos ter prurido de dizer isso. Vivemos numa guerra interna [...]. A polícia não tinha que ir uma vez na vida e outra na morte aos morros. Tinha de estar lá permanentemente [...].59 No final de outubro de 1994, Nilo Batista foi convidado pelo presidente Itamar Franco para discutir a situação do Rio de Janeiro. O governo federal queria negociar o envio do Exército para “auxiliar no combate à violência no Rio”.60 Dias antes do primeiro turno das eleições, sem ter outra saída, o governo estadual assina um convênio com a União através do qual as ativi- dades de planejamento e coordenação da área de segurança e defesa civil passariam ao con- trole dos militares. Começava a Operação Rio. Na avaliação de Sento-Sé: “Estava sacramenta- do aquilo que alguns analistas interpretaram como um dos maiores golpes eleitorais da história repu- blicana brasileira.”61 Cecília Coimbra anotou: Destacamos três aspectos privilegiados por essa “operação militar no Rio. Questões que se encontram na subjetividade dos brasilei- ros, presentes em muitos momentos de nossa história, mas que foram à época da interven- ção bastante realimentadas no cotidiano de todos os fluminenses. A certeza de que vive- mos “uma guerra civil”, de que as Forças Ar- madas são melhor preparadas e, portanto, incorruptíveis se comparadas às Polícias Mili- tares e civis, assim como a crença de que as torturas e desaparecimentos até podem ocorrer com aqueles considerados “suspei- tos”, tornaram-se temas cotidianos durante toda a “Operação Rio” [...]62 . CaioOliveira/acervoCDDHC
  • 19. 18 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 No primeiro dia de novembro, o Jornal O Globo estampava a novidade, dando a enten- der que os militares já teriam, inclusive, um plano para enfrentar o exército do crime.63 O secretário de Polícia Militar perceberia em pouco tempo que não havia plano, ao menos que fizesse justiça à complexidade do proble- ma. Em sua opinião, [...] a operação só ganhava significado por ar- ticular as ações policiais contra os crimes fe- derais: contrabando de armas e tráfico de en- torpecentes. Insistíamos na necessidade de um plano nacional de prevenção e repressão aos referidos crimes que articulasse as políti- cas e ações da Polícia Federal com as diferen- tes polícias estaduais. [...] o desenrolar da cita- da operação só veio a nos frustrar, pois, além da ausência da Polícia Federal, as Forças Ar- madas se voltaram preferencialmente para ações nas favelas.64 Em plena vigência de uma constituição de- mocrática, optava-se por tratar um problema criminal através de uma solução militar e por sepultar uma experimentação pioneira no Bra- sil, que pretendeu inscrever a temática dos di- reitos humanos na formulação da política de segurança pública. A Operação Rio limitou sua ação a incursões violentas nos territórios de pobreza. Ocorreu com a brutalidade habitual e, por conseguinte, foi logo cingida de denúncias. Em sua segunda fase, já no início de 1995, por um convênio en- tre o Exército e o governo estadual recém- -eleito, firmou-se um novo acordo segundo o qual o Exército participaria apenas da Opera- ção Rubi, patrulhando as grandes vias e as ro- tas de fuga65 . Eleito, Marcello Alencar recria a Secretaria de Estado de Segurança Pública nomeando um ge- neral para dirigi-la66 . Retoma a política pautada na força, da qual a “premiação em pecúnia por mérito especial”, popularizada como “gratifica- ção faroeste”, instituída no final de seu primeiro ano de governo, foi um símbolo eloquente. Criada a pretexto de estimular o trabalho po- licial, a famigerada gratificação consistia num prêmio a ser pago aos policiais, cuja atuação fosse considerada “meritória”, na forma de um adicional que poderia variar entre 50% a 150% do valor soldo. Em síntese: uma gratificação que ampliou as taxas de letalidade, por conta do confronto armado figurar como critério de avaliação da conduta meritória. O secretário fora comandante-geral da Polícia Militar no início dos anos 1980. Em 1971, ainda major, o oficial comandava o DOI/CODI de Sal- vador quando chefiou a Operação Pajuçara67 , responsável pela morte de Carlos Lamarca, ex- -capitão do Exército e líder guerrilheiro da Van- guarda Popular Revolucionária (VPR), em se- tembro de 1971 no interior da Bahia. Gabava-se de haver travado o último diálogo com o capi- tão, quanto o acusara de “traidor da pátria, da família e do Exército”68 . Prometia destemor e empenho no cumprimento da missão. Definia- -se como “um combatente”.69 Segundo pesquisa coordenada por Cano, de- pois da entrada em vigor da “gratificação faro- EM PLENA VIGÊNCIA DE UMA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, OPTAVA-SE POR TRATAR UM PROBLEMA CRIMINAL ATRAVÉS DE UMA SOLUÇÃO MILITAR E POR SEPULTAR UMA EXPERIMENTAÇÃO PIONEIRA NO BRASIL, QUE PRETENDEU INSCREVER A TEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA.
  • 20. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 19 este”, o emprego da força letal pela policial se eleva consideravelmente. Desde a entrada em vigor da política das pre- miações e promoções por bravura e outras po- líticas afins, o número de mortos decorrentes das intervenções policiais dobrou, passando de 16 para 32 por mês. Ainda mais revelador, o ín- dice de letalidade também dobrou, passando de 1,7 para 3,5 mortos por cada ferido [...]70 . O governo Anthony Garotinho apresentou em seu início uma ação inovadora de moderniza- ção da Polícia Civil, com o programa Delegacia Legal; investiu nas Delegacias Especializadas de Atendimento ao Mulher, além de retomar a iniciativa do policiamento comunitário, dos go- vernos Leonel Brizola, criando o Grupamento de Policiamento em Área de Risco, inspirado no GEPE dos anos 1990. Como resultado direto deste início de reformu- lação, o balanço do primeiro ano foi a redução em 40% do número de civis mortos pela polí- cia, bem como a redução do número de poli- ciais mortos, além de uma apreensão record de armas em poder dos criminosos: 9 mil71 . A criação do Grupamento Especial Tático Móvel, no entanto, passou a reproduzir a lógica bélica, sobretudo como resposta ao comércio de drogas ilícitas e aos crimes a ele associa- dos. As inovações acabaram tragadas pelas velhas práticas. [...] as mudanças de perspectivas no governo estadual do Rio de Janeiro puderam exibir suas marcas de forma bastante contundente, cujo resultado pode ser melhor transcrito nu- mérica que qualitativamente: nada mais que 592 pessoas mortas pela polícia, contra 91 po- liciais mortos [em menos de dois anos]72 . Os governos eleitos no final dos anos 1990 e meado dos anos 2000 não foram capazes de ino- var de modo sustentável e substancialmente, em termos de agenda para a segurança pública. No início dos anos 2000, os confrontos se acirravam. O secretário de segurança, à época, justificava a ofensiva nos seguintes termos: “nosso bloco está na rua e, se tiver que ter conflito armado, que te- nha. Se alguém tiver que morrer por isso, que morra. Nós vamos partir pra dentro”73 . Entre esses governos, o Rio de Janeiro viveu um breve intervalo petista: Benedita da Silva, vice-governadora de Garotinho, assumiu após o afastamento deste para disputar a presidência da República nas eleições de 2002. O comando da segurança pública foi entregue a um jurista antipenalista. As dificuldades orçamentárias e o MayaraDonaria
  • 22. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 21 pouco tempo de governo impedem uma avalia- ção precisa das tentativas de construção de uma alternativa para a política do confronto. Os governos Sérgio Cabral e Pezão foram marcados pela experiência das Unidades de Po- lícia Pacificadora, que durante algum tempo pa- reciam trazer um novo olhar para a segurança. Contudo, problemas estruturais no programa, somados à sua vertiginosa velocidade de cres- cimento, para atender à agenda dos grandes eventos internacionais, que a cidade protagoni- zou no período, revelaram em pouco tempo a natureza do programa enquanto gestão milita- rizada das favelas. O período começou com o governo prome- tendo “ganhar a guerra contra os criminosos”74 . Em junho de 2007, uma operação no Complexo do Alemão resultaria em 19 mortos, evento que ficou conhecido como a “chacina do Pan”. A operação acontecia no desdobramento de uma série de investidas das polícias, iniciada em maio daquele ano e que se estenderia até julho. No total, morreram 44 pessoas e 78 ficaram fe- ridas durante os dois meses de cerco75 . O secretário de segurança dizia que as ações policiais não tinham relação com a proximidade dos jogos pan-americanos, que ocorreriam na- quele ano entre 13 e 29 de julho, e que “desta vez a secretaria quebrou o pacto de não-agres- são contra os bandidos”76 . O olhar atilado de Vera Malaguti percebia na- queles primeiros movimentos do governo, um modo de lidar com a exclusão social: criminali- zando os pobres. [...] uma perspectiva de segurança pública que tem, por trás de si, algo de "limpeza" - para utilizar uma expressão comum durante a era nazista da Alemanha. Faz parte da mesma ló- gica militarista norte-americana: George W. Bush atacou e invadiu o Iraque para "restabe- lecer a democracia". O que existe é o coroa- mento de uma política anti-criminal e anti-dro- gas norte-americana, que acredito ser uma cortina de fumaça para o controle social vio- lento dos pobres no neoliberalismo77 . O investimento das agências de criminaliza- ção na gestão da população, com base na vio- lência, tem suas consequências. Toda exposição continuada e intensa da força policial em mis- sões dirigidas a “acabar de vez com” resulta em tensões éticas profundas e devastadoras. A brutalidade manifesta-se como corrupção. Em 2008, como reação ao sequestro e tortura de jornalistas que investigavam a atuação de milicianos no Rio de Janeiro, a Assembleia Le- gislativa instaura uma Comissão Parlamentar de Inquéritos, que ao final revelou a atuação dessa modalidade criminosa, e as relações espúrias entre agentes públicos e as estruturas de poder que caracterizam esse tipo de organização. A partir de 2014, o estado começa a enfrentar uma deterioração de sua economia e de sua saúde financeira, que levará à decretação de es- tado de calamidade pública em 2016. Denún- cias graves de corrupção acarretaram a prisão de Sérgio Cabral e Pezão, este último em pleno exercício do mandato. Com o programa das UPP em crise e a situação da segurança pública em colapso generalizado, o governo federal convoca mais uma vez o Exército brasileiro, sob o argumento da Garantia da Lei e da Ordem, promovendo uma intervenção na segurança pública em fevereiro de 2018. Ao contrário de outros empregos recentes da Força no estado, como em 2010 no Alemão, ou em 2015 nas 16 favelas do complexo da Maré78 , na intervenção de 2018, os militares não foram acionados para a ocupação das favelas, mas para a intensificação exponencial das incursões armadas, em apoio às polícias estaduais, na es- teira do velho entendimento de que segurança pública se resolve na bala. Na noite de 14 de março, a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, foram brutalmente assassinados, quando saíam de uma palestra no Centro do Rio. Mulher negra, oriunda da favela da Maré, tinha 38 anos de ida- de e estava em seu primeiro mandato. Era uma corajosa defensora dos direitos humanos, in- cansável na denúncia dos abusos cometidos por agentes públicos, identificada com o sofri- mento da população pobre e com a causa da cidadania LGBT. No momento de sua execução, Marielle era a relatora da Comissão Representa- tiva da Câmara de Vereadores, criada para mo- nitorar a intervenção federal. As investigações sobre o assassinato revela- ram a existência de um grupo de matadores de aluguel atuando no estado, autodenominado “escritório do crime”, organização que reuniria (CCBY-SA)MídiaNinja
  • 23. 22 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 policiais da ativa e ex-policiais, numa versão atualizada dos esquadrões da morte. O exter- mínio planejado de uma defensora dos direitos humanos, uma parlamentar no exercício de suas funções, durante uma intervenção federal e em pleno ano eleitoral, para além do atentado ma- nifesto à democracia é sintoma, talvez, de que se tenha escalado um degrau a mais na norma- tização da barbárie, como gramática da vida. Se a necropolítica é a expressão da cidadania que a política confere à morte, o assassinato de Marielle Franco pode ser visto como a bestialida- de em estado de delírio. A banalização do terror de estado já não é eficiente o bastante para dar conta dos “inimigos internos”, precisa ser am- pliada numa espécie de parceria público-privada do direito de matar. A morte de uma ativista dos direitos humanos, mulher negra, favelada e LGBT, alçada a um lugar de poder contra todas as ex- petativas, manifesta o desejo de brutalidade contra esse Outro, cuja existência se torna insu- portável pelo simples fato da ousadia de ser. A segurança pública nos marcos referenciais da Constituição Federal de 1988 No dia 05 de outubro de 1988, veio a lume a atual Carta Magna: a primeira das constituições brasileiras a ter um capítulo sobre segurança pública; a primeira a trazer a dignidade humana como princípio fundamental do Estado brasilei- ro, de seus órgãos e políticas públicas. Os legisladores constituintes, no entanto, evita- ram o desafio de refundar a segurança pública; deixaram de reformular as instituições policiais, optando por acomodar o quadro herdado do re- gime militar, inscrevendo-o na nova ordem cons- titucional. Trata-se do capítulo III do título V: da defesa do estado e das instituições democráticas. A bem de ver, o capítulo se constituiu em um único artigo: o artigo 144, cujo caput e incisos dizem o seguinte: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumi- dade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária fede- ral; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. Com uma redação pouco clara, ainda que o texto apresente o valor segurança como “direi- to e responsabilidade de todos”, fato é que, nos termos da redação do dispositivo, a questão da segurança pública fica praticamente reduzida à dimensão dos órgãos elencados no artigo 144. MayaraDonaria
  • 24. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 23 Além disso, o capítulo carecia, desde a promul- gação do texto constitucional, da respectiva re- gulamentação, de acordo com a previsão inser- ta no parágrafo 7º, que a respeito diz: A lei disciplinará a organização e o funciona- mento dos órgãos responsáveis pela seguran- ça pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. Vale dizer: a arquitetura criada para a segu- rança pública em 1988, dependia de institucio- nalização para se tornar efetiva, a partir de uma lei infraconstitucional a disciplinar a matéria. Apenas trinta anos depois da promulgação da Constituição Federal, o capítulo veio a ser regu- lamentado, através da lei federal 13.675 de 11/06/2018, que criou o sistema único de segu- rança pública. Nunca é demais destacar: não é possível al- cançar resultados consistentes na redução dos indicadores criminais sem a criação de condi- ções para a implementação de políticas públi- cas, entendidas como um modelo prescritivo e prospectivo de deci- sões articuladas, capaz de descrever um con- junto sistemático de ações, simultâneas e su- cessivas, a serem empreendidas por agência pública (ou uma rede de agências públicas)79 . Desse modo, além do Brasil não ter refunda- do suas polícias, após 21 anos de ditadura mili- tar, deixou de implementar um sistema de ges- tão integrada para essa área e quando decidiu fazê-lo a iniciativa aconteceu em pleno ano eleitoral, quando assuntos sensíveis como esse têm poucas chances de se resolver em termos satisfatórios. O resultado foi uma legislação deficiente, que necessita ser aperfeiçoada para se tornar capaz de uma arquitetura adequada ao desafio da vio- lência criminal. A ineficiência dos mecanismos de resposta ao crime é um fator que favorece a convocação da força, como sucedâneo da políti- ca. Entre 2007 e 2017, o Exército brasileiro parti- cipou de 67 operações em 17 estados da federa- ção, convocado em nome da Garantia de Lei e Ordem80 . Desde a ECO 92, foram 183 operações envolvendo a Forma Armada Terrestre81 . A ausência de um sistema de segurança pú- blica, portanto, produz dois fenômenos correla- tos: impede a formulação de ações coordena- das entre agências, consistentes e sustentáveis ao ponto de se desdobrarem no médio e longo prazos. Por outro lado, a inexistência de políti- cas públicas implica na tendência à autonomi- zação da força, como resposta dos governos ao crime, quase sempre militarizada. No Rio de Janeiro, nunca ficou tão evidente a redução da política pública de segurança à in- tervenção de polícia, como no atual governo. Desde o início de sua gestão, o governador Wil- son Witzel tem se notabilizado por declarações polêmicas para o setor. Ainda em sua campa- nha, reunido com integrantes das forças de se- gurança, teria afirmado, que em seu governo não faltaria lugar para colocar presos, porque “cova a gente cava e presídio, se precisar, a gen- te bota navio em alto mar”82 . Até o presente momento, a indústria naval não produziu as tais embarcações prometidas, mas covas sim, estas vêm se multiplicando no estado. Na avaliação da Rede de Observatórios da Segurança, um projeto do Centro de Estu- dos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, Nunca a concepção de que segurança pública equivale à guerra às drogas foi tão dominante [..]”. Estamos presenciando uma escalada, em números e letalidade, de operações policiais que têm como alvo os jovens negros das favelas83 . De janeiro a outubro, 1.546 pessoas foram mortas em ações policiais, numa impressio- nante média de 05 mortes por dia. Ainda se- gundo a Rede: O Rio de Janeiro de 2019 é um estado onde as polícias, ao invés de seguirem a orientação “maior eficácia com menor letalidade”, adota- ram um modo de operação que pode ser des- crito como “muita letalidade, independente da eficácia”. Observamos uma sucessão de ope- rações baseadas na violência extrema, sem DE JANEIRO A OUTUBRO, 1.546 PESSOAS FORAM MORTAS EM AÇÕES POLICIAIS, NUMA IMPRESSIONANTE MÉDIA DE 05 MORTES POR DIA.
  • 25. 24 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 qualquer efeito no sentido de alterar o domí- nio de territórios pelo crime. Em 2019, as polí- cias foram responsáveis por 40% das mortes na cidade do Rio de Janeiro e 44% na região de Niterói. Se nada for mudado, chegaremos brevemente a um cenário em que mais da me- tade das mortes serão de autoria de policiais84 . Apesar de não ter apresentado, até o momento, nenhum plano ou programa de redução de homi- cídios, o governo celebra a diminuição dos indica- dores criminais anunciada pelo Instituto de Segu- rança Pública, em relação a 2018, como “fruto da política dura e séria de combate ao crime e de enfrentamento à violência adotada no Estado”85 . A declaração não poderia ser mais clara: cri- me se enfrenta com a imposição de lei e ordem. A “política dura” é o trabalho policial encarado como missão, em chave quase religiosa. “Políti- ca dura” é ideologia guerreira, porque assume a guerra como dimensão da vida. As mortes de- correntes do “trabalho policial” podem ser la- mentadas pelas autoridades, mas são encara- das como inevitáveis, “efeitos colaterais” no dizer de alguns. Sociedades hierarquizadas, marcadas pela herança escravagista e pelo ra- cismo estrutural, como a nossa, “precisam do cerimonial da morte como espetáculo de lei e ordem”86 . Numa entrevista coletiva, quase três dias após a morte de Ágatha Félix, uma criança de 08 anos morta com um tiro nas costas, em se- tembro, quando estava dentro de uma Kombi, no Complexo do Alemão, o governador disse, defendendo sua “política dura”: A nossa missão é resgatar o estado do Rio das mãos do crime organizado. O resultado está aparecendo de forma satisfatória. O narcotrá- fico utiliza as comunidades como escudo. Ati- ram em policiais e nas pessoas. O crime orga- nizado tem mantido a barbárie como uma de suas bandeiras. Nós estamos conseguindo combater porque os policiais militares e civis estão trabalhando87 . Um percuciente estudo apresentado pelo Mi- nistério Público do Estado do Rio de Janeiro, Letalidade Policial no Rio de Janeiro em 10 Pontos, desmonta a associação sugerida na versão oficial entre “política dura” e redução de homicídios. A pesquisa afirma categorica- mente: “não é possível identificar causalidade entre a letalidade [policial] e [a queda] o ho- micídio doloso no estado, considerando que os dados disponíveis sequer indicam correlação entre eles”88 . Nos dez primeiros meses do ano, ocorreram 3.342 homicídios dolosos no Rio de Janeiro, uma variação de 20,9% (para menos) em rela- ção ao mesmo período de 201889 . Dados do anuário de segurança de 2019 demonstram que a partir de 2017 vem se desenhando um movi- mento de queda dos homicídios em quase todo o Brasil. Segundo Tulio Kahn, Em 2016, apenas seis Estados tiveram queda nos homicídios, comparado ao ano anterior. Já em 2017, treze Estados apresentaram tendên- cia de queda comparada a 2016. No ano se- guinte eram vinte e um Estados em queda e, em 2019, vinte e dois dos vinte e sete Estados apresentavam queda nos homicídios. Em ou- tras palavras, o fenômeno está se generalizan- do espacialmente e intensificando no tempo90 . Em 2019, os homicídios dolosos no país têm apresentado uma queda da ordem de 22% em relação a 2018, o que significa dizer que a dimi- nuição de 20,9% desse indicador no Rio de Ja- neiro acompanha a tendência nacional, não sendo razoável analisá-la desconsiderando a complexidade da dinâmica criminal a envolver o homicídio. É preciso reunir mais dados que “POLÍTICA DURA” É IDEOLOGIA GUERREIRA, PORQUE ASSUME A GUERRA COMO DIMENSÃO DA VIDA. AS MORTES DECORRENTES DO “TRABALHO POLICIAL” PODEM SER LAMENTADAS PELAS AUTORIDADES, MAS SÃO ENCARADAS COMO INEVITÁVEIS
  • 26. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 25 possam ajudar a entender os fenômenos subja- centes a esse comportamento. A narrativa da ‘política dura” não explica a queda dos homicídios, como também não re- percute diretamente sobre qualquer outro indi- cador, além da letalidade policial, porque a ri- gor nada mais é que retórica belicista. O termo serve, tão somente, para reafirmar a velha máxi- ma do nosso autoritarismo secular, que Drum- mond registrou em verso: “há no país uma le- genda, que ladrão se mata com tiro”91 . Os dados do ISP divulgados em outubro são alarmantes, considerando que ainda somos um estado de direito: as polícias estaduais estão apresentando índices de letalidade espantosos, desde o início do atual governo. De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, Em 2018, as forças do Estado foram responsá- veis por 22% das 5.733 mortes registradas de janeiro a outubro. Em 2019, os policiais já res- pondem por 30,8% destas mortes. Nas cir- cunscrições de 12 delegacias do Rio, este per- centual passa dos 50%. Em Niterói e região, a participação é de 43,6%, na Capital, 38,9%92 . Uma força policial com elevada letalidade não aduz qualquer melhoria nos níveis de seguran- ça. A elevação das mortes por intervenção de agentes públicos deslegitima as instituições, cujas iniciativas passam a inspirar medo na po- pulação. A guerra, transformada em modo de vida, expõe os agentes embrutecimento e à corrupção, porque a violência se converte facil- mente em substância de uma nova identidade. Tornar-se um cão de guerra, juntar-se à mati- lha, é também sobreviver [...]. Cobra-se dos civis, vive-se de rapinas, enriquece-se com sa- ques [...] e o fuzil serve tanto para intimidar, para semear o terror, para obter o que se quer pela força, quanto para afrontar o inimigo93 . Como modalidade criminosa, a milícia tem aí a sua gênese Inebriar-se de guerra acarreta novas formas de relação com a morte, produz subjetividades que assumem a destruição como modo de ser: já não será mais possível, doravante, existir sem provocar o terror. Para a população pobre, preta e favelada, o medo se materializa no absurdo do helicóptero blindado, institucionalizado como plataforma de tiro. Uma demonstração eloquente da fusão entre política e guerra foi protagonizada pelo próprio governador, cinco meses após assumir a condu- ção do estado, quando o dirigente máximo da política de segurança sobrevoou os céus do Município de Angra dos Reis, a bordo de uma aeronave, prometendo “acabar de vez com a bandidagem”, enquanto um atirador policial disparava contra uma tenda de orações, con- fundida com um abrigo de criminosos. A cena, filmada e amplamente divulgada, ao expor a imagem da autoridade maior da segu- rança pública envolvida diretamente no comba- te, pratica público a participar da mesma opera- ção, anuncia a pretensão do poder à guerra total. Mas, como ensina Gros, porque a guerra total é também a promessa da “exageração hi- perbólica da violência mortífera94 ” , há no gesto inusitado um potencial estímulo ao desatino. A mesma autoridade, durante o sequestro dramático de um ônibus na ponte Rio-Niterói, acompanhado ao vivo por milhões de pessoas, após o desfecho do episódio com a morte do sequestrador abatido a tiros pelo sniper, realiza um pouso com uma aeronave em plena ponte desembarcando aos pulos, numa comemora- ção efusiva. Não há nada a celebrar. O escritor austríaco Thomas Bernhard disse um dia que tudo é ridí- culo quando a centralidade pertence à aniquila- ção. Do “abate de criminosos”, da conversão do ser humano ao nada, não pode restar qualquer outra coisa que não seja o vazio da morte. Fazer da política o trabalho da morte é a melhor tra- dução do terror. Conclusão Achille Mbembe tem chamado a nossa atenção quanto à possibilidade de estarmos prestes a testemunhar o fim do humanismo. Em um en- saio de 2016, nascido um clássico, o festejado pensador camaronês adverte: “o mundo como o conhecemos desde o final da Segunda Guerra Mundial, com os longos anos da descoloniza- ção, a Guerra Fria e a derrota do comunismo, esse mundo acabou”95 . No diagnóstico de Mbembe, a decisiva bata- lha a ser travada neste século, e que irá definir os rumos do novo mundo, será travada entre a democracia e o capital em seu momento ultrali- beral. A vitória do mercado criará novas moda- lidades de apartheid e consequentemente “for- mas mortais de policiamento”, porque na sociedade de mercadorias “o desprezo se es- tenderá a qualquer pessoa que não tiver nada para vender”96 . A negativa de direitos torna a sociedade in- segura, porque generaliza o uso da força como método de sobrevivência. A tranquilidade pú-
  • 27. 26 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 homens não tenham que chamar outros ho- mens de inimigos. O sentido da coisa política é manter entre os homens um espaço onde prevaleça a conversa mútua e o entendimento recíproco, um mundo enfim, que nós envene- namos e inviabilizamos cada vez que insisti- mos em convocar a morte para tratar os con- flitos humanos. Notas 1 Disponível em: http://www.forumseguranca. org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anu- ario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 14/11/2019. Morte violenta e intencional é um in- dicador que reúne os crimes de homicídio dolo- so, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e as mortes decorrentes de oposição à inter- venção policial. 2 Dados da Organização das Nações Unidas, citado na Comissão Parlamentar de Inquéritos acerca do assassinato de jovens do Senado Federal. 3 Segundo o anuário brasileiro de segurança pública, o Brasil apresenta hoje 726.354 pes- soas encarceradas. Desse total 32,4% não pos- suem sentença definitiva. 4 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritaris- mo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 24. 5 Disponível em: https://www.ispvisualizacao.rj. gov.br:4434/index.html. Acesso em: 14/11/2019. 6 De acordo com o Atlas da Violência 2019, uma publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o custo econômico da violência no Brasil gira em torno de 5,9% do Produto Interno Bruto brasileiro. Segundo a estimativa do IPEA, entre custos privados (custos intangíveis com homicídios e gasto com segurança privada e seguros) e despesas públicas (SUS, segurança pública e sistema prisional) com a violência no Brasil, em 2016, esses custos teriam atingido algo em torno de 373 bilhões. 7 Trata-se da pesquisa “Panorama das apreen- sões de drogas no Rio de Janeiro 2010 – 2016. Disponível em: http://www.ispdados.rj.gov.br/ SiteIsp/RelatorioDrogas2016.pdf. Acesso em: 25/11/2019. 8 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de histó- ria. In: ______Magia e técnica arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 224. 9 MANUAL BÁSICO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Rio de Janeiro: Gráficos Borsoi, 1976, p. 425. blica se fundamenta, em última análise, na au- tonomia do homem, cuja garantia constitui o propósito maior da construção histórica dos direitos humanos. Os direitos humanos exis- tem para que o homem não precise viver de- baixo do medo. No Brasil, e muito particularmente no Rio de Janeiro, temos assistido a discursos recorren- tes de negação da centralidade dos direitos humanos. Ao longo de muito tempo, nos acostumamos a pensar em termos de políti- cas de segurança pelo viés da guerra e da eli- minação do inimigo, ao invés da garantia e promoção de direitos. Chegamos hoje a um estágio em que o estado de direito parece já não se opor à barbárie, assumindo a sua ine- xorabilidade, imaginando poder confiná-la nas margens. Ledo engano. Quando a política opera na lógica da precarização da vida, em desfavor da dignidade do homem, já se per- deu o sentido da convivência na pluralidade: é o estado de violência que se inaugura a servi- ço da destruição. A dignidade da política reside, de certo modo, em trabalhar contra a morte, afirmando o mun- do como espaço onde os homens possam viver juntos, realizando os seus destinos em comu- nhão. Os direitos humanos são invocados como meios de favorecer essa realização que é sem- pre muito frágil, porque a fragilidade é a marca da nossa condição. Hannah Arendt disse que só poderia existir um mundo, “onde a pluralidade do gênero hu- mano seja mais do que a simples multiplicação de uma espécie”. A única maneira de assegurar a existência de um mundo é ressignificando a política. Uma política fundada na violência da guerra sem fim é uma degeneração, em si mes- ma, porque corrompe os homens que passam a habitar “mundos de morte”. Essa guerra que se trava hoje, com o nome de política, é na verdade apenas a atualização do mesmo terror que constituiu e sustentou duran- te séculos a forma da sociedade escravocrata, da qual somos todos infelizes herdeiros. Esse terror se adapta, porque é capaz de se fundir à razão, bastando que se encontre um inimigo para odiar. É preciso superar o discurso da guerra e do inimigo. Por trás dessa verborragia infame, há sempre um projeto de poder oculto, que não serve à liberdade dos homens, mas a novas formas de escravidão. Essa ignomínia só se sustenta, porque responde ao nosso ódio. E o nosso ódio vem, quase sempre, do medo. O homem é um bicho que treme, portanto pode ser induzido facilmente a odiar. A tarefa da Política deve consistir, exata- mente, nisso: criar as condições para que os
  • 28. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 27 10 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Manejo dos conflitos sociais: Força Pública e sociedade civil”. In: MUNTEAL FILHO, Oswaldo; LEAL, Ana Beatriz; PEREIRA, Íbis Silva (org). Op. Cit., 187. 11 FAORO, Raymundo. A República em transi- ção. Rio de Janeiro: Record, 2018, p. 83. 12 WEIL, Simone. A Ilíada como o poema da força. In: _______. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. São Paulo: Paz e Ter- ra, 1996, p. 379. 13 MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2018, p. 19-20. 14 DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e se- gurança: entre Pombos e Falcões. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 76. 15 MBEMBE, Achille... Op. Cit., p. 28. 16 De acordo com o historiador Marcos Bretas, a Guarda Civil vinha substituir a Polícia Militar no policiamento da cidade. Pretendia-se “oferecer uma imagem policial mais adequada à renova- ção em curso na cidade”. Além disso, o controle dessa força incumbia ao chefe de polícia, uma autoridade civil subordinada diretamente ao Mi- nistro da Justiça, enquanto a Polícia Militar era comandada por oficial do Exército. Segundo Bretas, evitasse assim possíveis conflitos entre o as autoridades civis e os militares, quanto ao em- prego da força pública. Para maiores detalhes ver BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro: 1907 – 1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 49 e 54. A Guarda Civil existiria até 1969, quando o policiamento ostensivo passou a ser exclusivo das Polícias Militares. 17 Trata-se da Lei Federal n°. 192 de 17 de janei- ro de 1936. Disponível em: http://www2.camara. leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-192-17-janei- ro-1936-501765-publicacaooriginal-1pl.html. Acesso em: 17/11/2019. 18 A redação do caput do artigo 183 da Consti- tuição Federal de 1946 dizia: “As polícias milita- res, instituídas para a segurança interna e a ma- nutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas forças auxiliares, reservas do Exército”. SENADO FE- DERAL (Brasil). Constituições Brasileiras. Brasí- lia Distrito Federal: Subsecretaria de Edições Técnicas, 2013. CD-ROM. 19 Trata-se do artigo 8°, inciso XVII, v, da Cons- tituição Federal de 1967. SENADO FEDERAL (Brasil). Constituições Brasileiras. Brasília Distri- to Federal: Subsecretaria de Edições Técnicas, 2013. CD-ROM. 20 O conceito de segurança pública difere de segurança interna. A segurança pública é setor da segurança interna. Segurança pública refere- -se “à garantia que o Estado proporciona à Na- ção a fim de assegurar a ordem pública.” En- quanto segurança interna refere-se “à garantia proporcionada à Nação contra antagonismos e pressões [...] que se manifestem no âmbito in- terno do País.” As ações de segurança interna surgem quando se julga que as agressões à lei e a ordem têm potencial de extrapolar a capaci- dade de repressão das forças policiais. A segu- rança interna integra-se, de acordo com a DSN, ao quadro da segurança nacional. O tema é tra- tado pela DSN como relativo à “sobrevivência do Estado” e por isso o destaque dado pela doutrina à expressão militar na execução da se- gurança interna. A Polícia Militar, dado o seu ca- ráter de força auxiliar e reserva do Exército, passaria a atuar repressivamente na defesa in- terna, precedendo o eventual emprego das For- ças Armadas. Essa atribuição permanece até os dias de hoje, de acordo com o artigo 3° do de- creto-lei 667, de 02/07/1969, ainda em vigor. Para maiores detalhes ver em: POLÍCIA MILI- TAR. Bases doutrinárias para emprego da PMERJ. Rio de Janeiro: Imprensa da PMERJ, 1983. 21 ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO BRASILEI- RO. Combate à guerrilha urbana. Rio de Janeiro: Gráfica do Exército, 1968, p. 11. O manual foi a primeira publicação a tratar do tema, envolven- do ações policiais e militares no enfrentamento da guerrilha. A publicação veio complementar o manual C 19-15, destinado a fornecer orienta- ções quanto ao modo de atuar das Polícias Mi- litares e do Exército diante de distúrbios civis e calamidades públicas. 22 A IGPM foi criada como seção da diretoria- -geral do Exército Brasileiro. Através do decre- to-lei 667/69, que reorganizou as Polícias Mili- tares e os Corpos de Bombeiros Militares, a IGPM passou a integrar a estrutura do estado- -maior do Exército Brasileiro. Desde abril de 1991, o órgão faz parte da 3ª subchefia do esta- do-maior do Exército (comando de operações terrestres - COTER) e atualmente tem como incumbências o controle do efetivo das forças militares estaduais, do material bélico dessas corporações e as condições de mobilização dessas forças, inclusive nos casos de emprego dos militares estaduais nas missões de paz fora do território brasileiro. Fonte: “Visita de orientação técnica – COTER/IGPM, estado- -maior geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”. CD-ROM.
  • 29. 28 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 23 Trata-se do artigo 22 do decreto-lei n°. 317 de 13 de março de 1967. Disponível em: https:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- -lei/1965-1988/del0317.htm. Acesso em 17/11/2019. 24 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/ legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei- -314-13-marco-1967366980-publicacaooriginal- -1-pe.html. Acesso em: 17/11/2019. Trata-se do decreto-lei n°. 314, de 13 de março de 1967, Lei de Segurança Nacional. 25 Jornal O Globo, edição de 01 de abril de 1967. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/ consulta-aoacervo/?navegacaoPorDa- ta=196019670401. Acesso em: 30 de ago. de 2019. 26 EXÉRCITO BRASILEIRO. Instrução Provisó- ria: Operações urbanas de defesa interna. Rio de Janeiro: Estabelecimento general Gustavo Cordeiro de Farias, 1970, p. 01. 27 Ibid. p. 32. A Doutrina de Segurança Nacio- nal ensinava que o Brasil não reconhecia a con- dição de beligerantes aos nacionais subversivos e por isso o termo inimigo estava reservado ao estrangeiro. Com o advento da luta armada nas cidades o termo inimigo passou a ser emprega- do também para designar todo aquele que fi- zesse parte de uma “força irregular.” 28 Ibid. p. 01. 29 Ibid. 26. 30 A redação original da letra a do artigo 3° do decreto-lei n°. 667/69 estabelecia como compe- tência das Polícias Militares: “executar com ex- clusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas e os casos estabelecidos em legislação específica, o policiamento ostensi- vo fardado, planejados pelas autoridades poli- ciais competentes, a fim de assegurar o cumpri- mento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos. ” Uma das alterações promovidas pelo decreto-lei n°. 1.072/69 foi a retirada da expressão “casos esta- belecidos em legislação específica” marcando mais precisamente a exclusividade da Polícia Mi- litar. A única exceção mantida pelo novo decreto foi aquela atribuída às missões reservadas as Forças Armadas. Uma outra alteração digna de nota foi a possibilidade dos integrantes das Guardas Civis serem incorporados ao efetivo das Polícias Militares no prazo de 180 dias, a contar da publicação do decreto-lei n°. 1072/69, inclusi- ve nos postos de oficias, desde que estes tives- sem nível equivalente. Disponível em: http:// w w w 2 . c a m a r a . l e g . b r/ l e g i n / f e d /d e - clei/1960-1969/decreto-lei-667-2-julho- -1969-374170-publicacaooriginal1-pe.html. Aces- so em: 03 de out. 2015. Para saber mais acerca do decreto-lei n°. 1.072/69, a fim de comparação com o decreto 667/69, convém consultar a legis- lação que está disponível em: legis.senado.gov. br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?i- d=214141&norma=227133. Acesso em: 17/11/2019. 31 ZAVERUCHA, Jorge. Relações civis militares: o legado autoritário da Constituição Brasileira de 1988... Op. Cit., p. 57. 32 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Re- militarização da segurança pública: a Operação Rio”. In: MUNTEAL FILHO; LEAL, Ana Beatriz; PEREIRA, Íbis Silva. (org.)... Op. Cit., p. 46. 33 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Ques- tões preliminares para a discussão de uma pro- posta de diretrizes constitucionais sobre a se- gurança pública... Op. Cit. p. 22. 34 MBEMBE, Achille... Op. Cit., p. 18. 35 Jornal do Brasil, edição de 30/01/1970. Dis- ponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/ DocReaderaspx?bib=030015_ 09&Pag- Fis=1553&Pesq= esquadr%C3%A3o%2 0da%20 morte. Acesso em: 16/11/2019. 36 Jornal do Brasil, edição de 04/06/1971. Disponível em: http://memoria.bn.br/ DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09& PagFis=30806&Pesq=tr%C3%A1fico%20 de%20drogas. Acesso. em: 16/11/2019. 37 SENTO-SÉ, João Trajano. SOARES, Luiz Edu- ardo. Estado e segurança pública no Rio de Ja- neiro: dilemas de um aprendizado difícil. Rio de Janeiro, 2000, p. 2. Disponível em: http://www. ucamcesec.com.br /arquivos publicacoes/01_ Est_seg_publ_RJ.pdf. Acesso em: 16/11/2019. 38 SENTO-SÉ, João Trajano. SOARES, Luiz Edu- ardo. Estado e segurança pública no Rio de Ja- neiro: dilemas de um aprendizado difícil... Op. Cit., p.1. 39 A primeira medida de Leonel Brizola foi a extinção da secretaria de estado de segurança pública, identificada com a difusão da doutrina autoritária do regime militar, criando para o seu lugar o Conselho de Justiça, Segurança e Direi- tos Humanos. Na sequência transformou as po- lícias civil e militar em secretarias de estado. A nomeação do coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, particularmente, teve um especial sig- nificado: era o primeiro negro a comandar a Polí- cia Militar em 174 de existência dessa instituição. 40 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Re- militarização da segurança pública”. In: O futuro de uma ilusão...Op. Cit.,, p. 45.
  • 30. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 | 29 41 SENTO-SÉ, João Trajano. SOARES, Luiz Edu- ardo. Estado e segurança pública no Rio de Ja- neiro: dilemas de um aprendizado difícil... Op. Cit., p. 8. 42 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Do patrulhamento ao policiamento comunitário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 2001, p. 55. 43 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Dis- curso de despedida da primeira gestão”... Op. Cit., 163. 44 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. “Ma- nejo dos conflitos sociais: Força pública e socie- dade civil”. In: MUNTEAL FILHO, Oswaldo; LEAL, Ana Beatriz; PEREIRA, Íbis Silva (org.). Sonho de uma polícia... Op. Cit., p. 195. 45 HOLLANDA, Cristina Buarque de. Op. Cit.,, p. 15. 46 Ibid. p.131. 47 FREIRE, Américo. Sinais Trocados: o Rio de Janeiro e a República brasileira. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012, p. 273. 48 SENTO-SÉ, João Trajano; SOARES, Luiz Eduardo. Estado e segurança pública no Rio de Janeiro: dilemas de um aprendizado difícil. Dis- ponível: https://www.ucamcesec.com.br/wp- -content/uploads/2011/06/01-Estado-e-segu- ran%C3%A7a-p%C3%BAblica-no-Rio-de-Janei- ro.pdf. Acesso em: 23/11/2019. 49 Disponível em: https://piaui.folha.uol.com. br/lupa/2018/03/15/moreira-franco/. Acesso em: 23/11/2019. 50 Ibidem. 51 SENTE-SÉ, João Trajano; SOARES, Luiz Edu- ardo... Op cit, p. 16. 52 Trata-se de um estudo desenvolvido pelo Laboratório de Análise da Violência, da Univer- sidade do Estado do Rio de Janeiro, sobre a di- nâmica da violência no estado. Disponível em: http://www.lav.uerj.br/docs/rel/2004/impacto_ vio_rio_2004.pdf. Acesso em: 26/11/2019. 53 Jornal O Globo, edição de 16 de março de 1991. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo. com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorDa- ta=199019910316: Acesso em: 19 jan. 2016, p. 13. 54 Jornal O Globo, edição de 16 de março de 1991. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo. com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorDa- ta=199019910316: Acesso em: 19 jan. 2016, p. 14. 55 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Do patrulhamento ao policiamento comunitário... Op. Cit, p. 161. 56 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político... Op. Cit., p. 59. 57 SENTO-SÉ, João Trajano... Op. Cit., p. 292. 58 Jornal O Globo, edição de 14 de outubro de 1994. Disponível em: http://acervo.oglobo.glo- bo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPor- Data=199019941014. Acesso em: 03 de fev. 2016. 59 Ibid. 60 Jornal O Globo, edição de 28 de outubro de 1994. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo. com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorDa- ta=199019941028. Acesso em: 03 de fev. 2016. 61 SENTO-SÉ, João Trajano. Brizolismo: Esteti- zação da Política e Carisma... Op. Cit., p. 292. 62 COIMBRA, Cecília. Operação Rio. O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro: Oficina do Autor; Niterói: Intertexto, 2001, p. 243 63 Jornal O Globo, edição de 01 de novembro de 1993. Disponível em: http://acervo.oglobo. globo.com/consulta-ao-acervo/?navega- caoPorData=199019941101. Acesso em: 03 de fev. 2016. 64 Ibidem. p. 59-60. 65 BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro Rocha de (orgs). Até o último homem. São Paulo: Boitem- po, 2013, p. 118- 119. 66 Trata-se do general Nilton de Albuquerque Cerqueira, comandante-geral da Polícia Militar no início dos anos 1980. Em 1971, quando ainda major, trabalhava no DOI/CODI de Salvador, quando foi designado para a operação pajuça- ra, responsável pela morte de Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército e líder guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária, em setem- bro de 1971. 67 Operação de repressão à guerrilha, montada pelo DOI/CODI com o objetivo de capturar o capitão Carlos Lamarca. In http://memoria. b n . b r/ D o c Re a d e r/d o c re a d e r. a s px? b i - b=030015_09&pesq=carlos%20lamarca. 68 Jornal do Brasil, edição de 05 de fevereiro de 1981, p. 8. Disponível em memoria.bn.br. Acessado em 26 de novembro de 2019. 69 Ibidem. 70 Disponível em: http://www.fragoso.com.br/ wp-content/uploads/2018/08/ATT00044.pdf. Acesso em: 26/11/2019. 71 Relatório Rio: violência policial e insegurança pública. Disponível em: Relatórios%20DHs/Re-
  • 31. 30 | Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ | Relatório anual 2019 latório%20Rio%20-20Violência%20Policial%20 e%20Insegurança%20Pública.pdf. Acesso em: 01/12/2019. 72 Ibidem, p. 16. 73 Relatório RIO: violência policial e inseguran- ça pública... Op. Cit. p. 18 74 Disponível em: http://g1.globo.com/Noti- cias/Rio/0,,AA1405126-5606,00.html. Acesso em 01/12/2019.75 Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/fractal/v28n1/1984-0292-frac- tal-28-1-0111.pdf. Acesso em: 01/12/2019. 76 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ fractal/v28n1/1984-0292-fractal-28-1-0111.pdf. Acesso em: 01/12/2019. 77 Disponível em: http://www.correiocidadania. com.br/34-artigos/manchete/566-catego- ry-566. Acesso em: 01/12/2019. 78 Em 2015, o Complexo da Maré foi ocupado pelo Exército, a pretexto da pacificação de seu território, como preparativo para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora naque- la localidade. A ocupação se estendeu por 14 meses, consumiu aproximadamente R$ 600 milhões, sem promover nenhuma mudança concreta no cenário. 79 SOARES, Luiz Eduardo. Política de Segu- rança Pública. In: GIOVANNI, Geraldo; NOGUEI- RA, Marco Aurélio (Org.). Dicionário de Políticas Públicas. São Paulo: Unesp, 2015, p. 738. 80 Disponível em: https://brasil.estadao.com. br/noticias/geral,exercito-inicia-acao-no-rio- em-10-anos-tropa-teve-de-ir-as-ruas-em-13- dos-dias,70001666018. Acesso em: 28/11/2019. 81 O dado envolve convocações oriundas da Garantia de Lei e Ordem e de outras naturezas, como apoio logístico, e apoio a cumprimento de mandados judiciais, por exemplo. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/arquivos/exerci- cios_e_operacoes/glo/1.metodologia_de_estu- do.pdf. Acesso em: 28/11/2019. 82 Disponível em: https://revistaforum.com.br/ politica/cova-a-gente-cava-e-presidio-bota- navio-em-alto-mar-diz-candidato-de-bolsona- ro-sobre-combate-a-criminalidade-no-rio/. Acesso em: 28/11/2019. 83 Disponível em: http://observatorioseguran- ca.com.br/produtos/relatorios/. Acesso em: 28/11/2019. 84 Ibid. 85 Ibid. 86 BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Re- van, 2003, p. 53. 87 Disponível em: https://g1.globo.com/rj/ rio-de-janeiro/noticia/2019/09/23/witzel-fala- pela-primeira-vez-apos-morte-de-agatha-no- complexo-do-alemao.ghtml. Acesso em: 01/12/2019.88 Disponível em: http://www.mprj. mp.br/documents/20184/540394/letalidade_ policial_no_rio_de_janeiro_em_10_pontos_1. pdf. Acesso em: 29/11/2019. 89 Disponível em: https://www.ispvisualizacao. rj.gov.br:4434/index.html. Acesso em: 20/11/2019. 90 Disponível em: http://www.forumseguranca. org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anu- ario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 29/11/2019. 91 Trata-se de um verso do poema Morte do leiteiro, do livro A rosa do povo, de 1945. AN- DRADE, Carlos Drummond. A Rosa do povo. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1979, p. 193. 92 Disponível em: http://observatorioseguranca. com.br/mortes-oficiais-uma-tragedia-flumin- ense/. Acesso em: 30/11/2019. 93 GROS, Frédéric. Estados de violência. Ensaio sobre o fim da guerra. São Paulo: Idéias & Le- tras, 2009, p. 23894 Ibid, p. 87.95 Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/no- ticias-2017/564255-achille- mbembe-a-era-do- -humanismo-esta-terminando. Acesso em: 30/11/2019.96 Disponível em: http://www.ihu. unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/ 564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo- -esta-terminando. Acesso: 02/11/2019. 94 Ibid, p. 87. 95 Disponível em: http://www.ihu.unisinos. br/186-noticias/noticias-2017/564255-achille- mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminan- do. Acesso em: 30/11/2019. 96 Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/ 186-noticias/noticias-2017/564255-achille-m- bembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando. Acesso: 02/11/2019.
  • 32. CaioOliveira/acervoCDDHC RELATÓRIO DE ATENDIMENTOS EFETUADOS NA COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RIO DE JANEIRO, EM 2019