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31/03/2015
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/midia-trata-situacoes-de-violencia-como-guerra 1/3
-  Observatório da Imprensa  -
COBERTURA DE CONFLITOS
Mídia trata situações de violência como guerra
Por Camila Rodrigues em 21/10/2008 na edição nº 508
Nos últimos três anos, o número de jornalistas mortos em situações de violência e de conflito cresceu.
Segundo dados do International News Safety Institute (INSI), em 2005 o número foi de 146; já em
2007 subiu para 172 o número de mortes. O relatório do instituto também mostra, que dentre 1.000
mortes nos últimos dez anos, 731 aconteceram em situações de paz. A causa das mortes, em parte,
está relacionada à falta de conhecimento não apenas da situação de violência ou conflito, mas de
como se comportar como imprensa no local.
A preocupação com o aumento das mortes e com uma cobertura jornalística que seja completa e
segura tem se refletido em projetos como o que aconteceu no mês de setembro e outubro – o VII
Curso de Jornalismo em Situações de Conflito Armado e outras Situações. O curso foi organizado
pelas instituições Oboré, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pelo Comitê
Internacional da Cruz Vermelha (CICV), visando a instruir estudantes de Jornalismo para que haja
uma maior e melhor cobertura dessas situações, tanto no plano nacional quanto internacional.
Rapidez gera desconfiança
As situações de conflitos são definidas como Conflito Armado Internacional, que ocorre entre dois ou
mais Estados, e Conflito Armado Interno, no território de um Estado, entre um ou mais grupos
armados ou entre esses grupos e o Estado. "O ambiente é totalmente inseguro", disse João Paulo
Charleaux, jornalista que foi responsável até meados de setembro pela comunicação do Comitê
Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai.
Segundo Charleaux, há uma discussão na imprensa pelo fato de alguns jornalistas cobrirem as
situações de violência de forma a querer transformá-las em uma guerra. "Do ponto de vista de alguns,
querendo dar glamour à situação, o que acaba agravando as conseqüências humanitárias da situação,
por um uso irresponsável de termos e parâmetros para a cobertura", disse. O jornal O Globo, do Rio
de Janeiro, por exemplo, trata a violência nas favelas como "guerra". Um exemplo disso é a manchete
do jornal on-line "Guerra do Rio faz mais vítimas inocentes: Agora no Alemão", em 2007.
A falta de entendimento da situação de violência faz com que a imprensa apresente erros diante dos
fatos e com isso entende-se a importância da orientação diante da cobertura "instantânea". Conhecidos
pela velocidade com que as informações do mundo todo chegam aos internautas, nos últimos anos os
portais de notícias têm ganhado força perante os jornais impressos, mas essa mesma rapidez que vem
junto com a internet gera nos leitores uma desconfiança.
"Sair do superficial sem errar"
O jornalista e repórter especial Lourival Sant´anna, do jornal O Estado de S. Paulo aborda isso em seu
livro O Destino do Jornal, lançado este ano, e diz que o jornalismo impresso precisa se adaptar:
"Aquilo que o jornal pode fazer melhor são histórias bem contadas, com contextualização,
interpretação, análise e opinião." Ou seja, a nova concepção do jornalismo passou a exigir mais
qualificação dos profissionais do mercado. Hoje, além de dominar dois ou três idiomas, o jornalista
precisa dar mais atenção ao que ocorre no mundo todo, seja no âmbito social, da política ou da
economia.
O jornalista Marcelo Beraba, que nos últimos anos passou pelos cargos de ombudsman e repórter
especial do jornal Folha de S.Paulo, foi editor-executivo do Jornal do Brasil e do Jornal da Globo e
atualmente é chefe da sucursal do jornal O Estado de S.Paulo no Rio de Janeiro, acredita que as
redações vivem hoje um grande dilema: "Somos cada vez mais exigidos em aprofundamento e a
fronteira do aprofundamento é a especialização. E ao mesmo tempo, os meios não possuem recursos
31/03/2015
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/midia-trata-situacoes-de-violencia-como-guerra 2/3
para especializar todo mundo", explica.
Os meios de comunicação têm como base a idéia de contribuição na construção de uma sociedade
mais justa e democrática e, portanto, uma cobertura mais profunda, elaborada e ética diante das
situações de conflito precisa ser entendida como prioridade pela imprensa. No curso, Beraba trabalhou
alguns fundamentos da reportagem como observação, entrevista, pesquisa, documentos e rechecagem.
Segundo ele, o objetivo é melhorar o trabalho jornalístico: "É preciso ter indignação, duvidar das
coisas para que o jornalismo aconteça", disse. O jornalista deve ter domínio do assunto para conseguir
transmitir todas as informações ao seu leitor, para que consiga entender a notícia da mesma forma
como se estivesse presente no local. "Uma apuração boa consiste em sair do superficial sem errar no
entendimento", afirmou Beraba.
Lema é "servir e proteger"
Ao chamar a violência urbana de guerra, a mídia faz as partes se sentirem como se estivessem num
conflito e, portanto, mais provavelmente a polícia pode se comportar de forma perversa. "De certa
forma, é uma aberração, mas para grande parte da população é um sonho que a polícia atue como
`Rambo´ e bote pra quebrar para resolver de uma vez o problema. Como se a solução do problema
fosse mais porrada. Se fosse isso, tudo já teria sido resolvido", disse Charleaux.
"Mesmo as situações de violência e os conflitos têm limites legais", explica Charleaux. O direito é
dividido em dois ramos: conflitos armados ou guerras e situações de violência. Os conflitos armados
ou guerras são regidos pelo Direito Internacional Humanitário (DIH), Direito Internacional de
Conflitos Armados e o Direito da Guerra. Essas legislações regulam os meios e os métodos do
conflito, ou seja, tipo de armas e munições que podem ser usadas e as formas como as operações serão
conduzidas, respectivamente. Na guerra, por exemplo, as armas precisam fazer distinção entre
combatentes e civis, não podem causar danos supérfluos em que a pessoa não morre mas precisa
conviver com uma doença para o resto da vida.
Nos casos em que há situações de violência, as leis mudam. As operações são regidas e julgadas
através dos Direitos Humanos, que se aplicam em todo tempo. No Brasil, as situações de violência, ao
serem tratadas como "guerras", podem confundir esses parâmetros do uso legal da força, já que
algumas determinações podem ser substituídas em situações de conflito. O papel da imprensa é
fiscalizar questões como o uso de força necessária, o objetivo da intervenção, a gravidade do delito, a
posição da polícia diante do fato, o nível de força usada, questionar e ver se os policiais souberam
quando parar, se prestaram socorro. "A polícia arrebenta e vai embora e o `cara´ muitas vezes morre
por falta de socorro. O lema policial é `servir e proteger´ e servir vem antes de proteger. A maioria
não oferece serviço", explica Charleaux.
Medidas para maior segurança
A mentalidade da "guerra" está associada à idéia de um teatro de operações, onde no campo de
batalha está o inimigo. "É comum às pessoas que não estão envolvidas nas situações de violência
achar que não há problema em entrar no morro e acabar com tudo. Elas não moram lá", disse
Charleaux. No Rio de Janeiro, por exemplo, a consciência de que o inimigo é o pobre que mora na
favela cresce cada vez mais. Os jornalistas, quando precisam subir nos morros do Rio para cobrir um
fato, normalmente sobem com escolta policial, o que, às vezes, gera a percepção que a imprensa tem,
de que denúncia e punição são os únicos instrumentos para resolver os conflitos. Como diz Caco
Barcellos: "Se os jornalistas deixassem de subir o morro com a polícia e passassem a esperar a
operação policial dentro do barraco, a cobertura seria muito diferente."
O International News Safety Institute (INSI) sugere 24 medidas que deveriam ser tomadas para uma
maior segurança nas situações de violência. Duas dentre elas, são: as forças armadas e de segurança
precisariam deixar claro que jornalista não é um militar e criar um código de conduta que fale do
jornalista em situações de violência; e os próprios jornalistas precisam aprender e se preparar antes de
cobrir um conflito.
observatoriodaimprensa.com.br/news/view/midia_trata_situacoes_de_violencia_como_guerra
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  • 2. 31/03/2015 http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/midia-trata-situacoes-de-violencia-como-guerra 2/3 para especializar todo mundo", explica. Os meios de comunicação têm como base a idéia de contribuição na construção de uma sociedade mais justa e democrática e, portanto, uma cobertura mais profunda, elaborada e ética diante das situações de conflito precisa ser entendida como prioridade pela imprensa. No curso, Beraba trabalhou alguns fundamentos da reportagem como observação, entrevista, pesquisa, documentos e rechecagem. Segundo ele, o objetivo é melhorar o trabalho jornalístico: "É preciso ter indignação, duvidar das coisas para que o jornalismo aconteça", disse. O jornalista deve ter domínio do assunto para conseguir transmitir todas as informações ao seu leitor, para que consiga entender a notícia da mesma forma como se estivesse presente no local. "Uma apuração boa consiste em sair do superficial sem errar no entendimento", afirmou Beraba. Lema é "servir e proteger" Ao chamar a violência urbana de guerra, a mídia faz as partes se sentirem como se estivessem num conflito e, portanto, mais provavelmente a polícia pode se comportar de forma perversa. "De certa forma, é uma aberração, mas para grande parte da população é um sonho que a polícia atue como `Rambo´ e bote pra quebrar para resolver de uma vez o problema. Como se a solução do problema fosse mais porrada. Se fosse isso, tudo já teria sido resolvido", disse Charleaux. "Mesmo as situações de violência e os conflitos têm limites legais", explica Charleaux. O direito é dividido em dois ramos: conflitos armados ou guerras e situações de violência. Os conflitos armados ou guerras são regidos pelo Direito Internacional Humanitário (DIH), Direito Internacional de Conflitos Armados e o Direito da Guerra. Essas legislações regulam os meios e os métodos do conflito, ou seja, tipo de armas e munições que podem ser usadas e as formas como as operações serão conduzidas, respectivamente. Na guerra, por exemplo, as armas precisam fazer distinção entre combatentes e civis, não podem causar danos supérfluos em que a pessoa não morre mas precisa conviver com uma doença para o resto da vida. Nos casos em que há situações de violência, as leis mudam. As operações são regidas e julgadas através dos Direitos Humanos, que se aplicam em todo tempo. No Brasil, as situações de violência, ao serem tratadas como "guerras", podem confundir esses parâmetros do uso legal da força, já que algumas determinações podem ser substituídas em situações de conflito. O papel da imprensa é fiscalizar questões como o uso de força necessária, o objetivo da intervenção, a gravidade do delito, a posição da polícia diante do fato, o nível de força usada, questionar e ver se os policiais souberam quando parar, se prestaram socorro. "A polícia arrebenta e vai embora e o `cara´ muitas vezes morre por falta de socorro. O lema policial é `servir e proteger´ e servir vem antes de proteger. A maioria não oferece serviço", explica Charleaux. Medidas para maior segurança A mentalidade da "guerra" está associada à idéia de um teatro de operações, onde no campo de batalha está o inimigo. "É comum às pessoas que não estão envolvidas nas situações de violência achar que não há problema em entrar no morro e acabar com tudo. Elas não moram lá", disse Charleaux. No Rio de Janeiro, por exemplo, a consciência de que o inimigo é o pobre que mora na favela cresce cada vez mais. Os jornalistas, quando precisam subir nos morros do Rio para cobrir um fato, normalmente sobem com escolta policial, o que, às vezes, gera a percepção que a imprensa tem, de que denúncia e punição são os únicos instrumentos para resolver os conflitos. Como diz Caco Barcellos: "Se os jornalistas deixassem de subir o morro com a polícia e passassem a esperar a operação policial dentro do barraco, a cobertura seria muito diferente." O International News Safety Institute (INSI) sugere 24 medidas que deveriam ser tomadas para uma maior segurança nas situações de violência. Duas dentre elas, são: as forças armadas e de segurança precisariam deixar claro que jornalista não é um militar e criar um código de conduta que fale do jornalista em situações de violência; e os próprios jornalistas precisam aprender e se preparar antes de cobrir um conflito. observatoriodaimprensa.com.br/news/view/midia_trata_situacoes_de_violencia_como_guerra Impresso no site do Observatório da Imprensa  |  www.observatoriodaimprensa.com.br  |  31/03/2015