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E D I T O R I A L 
A revista Cidadania & Meio Ambiente 
é uma publicação da Câmara de Cultura 
Telefax (21)2487-4128 
(21) 8197-6313 . 8549-1269 
cultura@camaradecultura.org 
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Diretora 
Editor 
Subeditor 
Projeto Gráfico 
Regina Lima 
regina@camaradecultura.org 
Hélio Carneiro 
carneiro@camaradecultura.org 
Henrique Cortez 
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Lucia H. Carneiro 
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Representante em Brasilia 
Armazem Eventos e Publicidade 
PABX (61) 30348677 
atendimento@armazemeventos.com.br 
Colaboraram nesta edição 
Abner Ceniceros Aviña 
Alex Prud’Homme 
Caio Hamburguer 
Ellen K. Pikitch 
Flávio José Rocha da Silva 
Gloria De Las Fuentes Lacavex 
Haidé Maria Hupfer 
Helio Carneiro 
James A. Estes 
José Eli da Veiga 
Lester Brown 
Lucia Graves 
Newton Figueiredo 
Ricardo Abramovay 
Roberto Naime 
Sidney Graggan(NSF) 
Visite o portal EcoDebate 
www.ecodebate.com.br 
Uma ferramenta de incentivo ao conhe-cimento 
e à reflexão através de notícias, 
informações, artigos de opinião e 
artigos técnicos, sempre discutindo 
cidadania e meio ambiente, de forma 
transversal e analítica. 
Cidadania & Meio Ambiente também 
pode ser lida e/ou baixada em pdf no 
portal www.ecodebate.com.br 
A Revista Cidadania & Meio Ambiente não 
se responsabiliza pelos conceitos e opiniões 
emitidos em matérias e artigos assinados. 
Editada e impressa no Brasil. 
Caros Amigos, 
Não bastassem as alterações climáticas naturais responsáveis por seguidas 
extinções em massa, a partir do momento em que o homem passou a 
caçar foi iniciado um irreversível processo de degradação ambiental via 
desequilíbrio da cadeia alimentar planetária, fato que agora atinge seu pa-roxismo. 
O estudo Redução Trófica no Planeta Terra, publicado na revista 
Science, explica como ocorreu o processo e como os grandes animais, 
consumidores de ponta da cadeia alimentar, influenciam de forma decisi-va 
a estrutura, a função e a biodiversidade dos ecossistemas naturais. 
A pesquisa do clima terrestre há 35 milhões de anos também se torna 
ferramenta balizadora do que o futuro imediato nos reserva, no plano das 
mudanças climáticas, se persistirmos no modelo de desenvolvimento emis-sor 
de gases de efeito estufa. No cenário climático remoto, os altos índices 
atmosféricos de CO2 aqueciam os trópicos em mais 5 a 10oC do que as 
médias atuais, enquanto as regiões polares eram 15 a 20oC mais quentes. 
Segundo os climatologistas que assinam o estudo Perspectives , a continuar o 
aquecimento global, a espécie humana e os ecossistemas globais correm o 
risco de enfrentar um sufocante quadro climático nunca antes vivenciado. 
As repercussões mais alarmantes das atuais mudanças climáticas já são sen-tidas 
nos processos de desertificação e de escassez de água, e na geopolíti-ca 
alimentar. O resultado pode ser constatado na miséria, na fome e nas 
migrações em massa de milhões de habitantes no Chifre da África (Somá-lia, 
Sudão, Etiópia). É definitivamente chegada a hora de redefinir como 
pensamos, consumimos e valorizamos a água. E não apenas a água doce, 
já que o ecossistema marinho também está em perigo: a Grande Mancha 
de Lixo Plástico do Pacífico prova a necessidade de despertarmos para o 
consumo consciente. O que só acontece quando se aprende a identificar 
produtos e comportamentos ecologicamente responsáveis, como sinaliza 
nesta edição o artigo Produtos verdes: mais transparência para o consumidor. 
A economia de baixo carbono que se busca implantar deve ser sustentada 
no conhecimento, não na destruição da natureza. Para tanto, temos de 
buscar aconselhamento nos melhores conhecedores do meio ambiente – 
os povos indígenas. Por coexistir milhares de anos em contato direto com 
a natureza e nela praticarem de forma intuitiva e espontânea o conceito de 
desenvolvimento sustentável, os indígenas têm muito a ensinar sobre o uso 
dos recursos naturais. 
Encerramos esta edição com um alerta sobre o glifosato, a substância química 
central do herbicida Roundup, o mais usado na agricultura mundial. Segundo 
relatório divulgado pela organização Earth Open Source, a partir de evidências 
fornecidas por fontes independentes, o herbicida precisa passar por urgente revi-são 
das normas regulatórias referentes a seu uso, pois é acusado de ser danoso ao 
meio ambiente e causar anomalias em fetos de animais e de humanos. 
Hélio Carneiro 
Editor 
ISSN217-630X 
977217763007 034
4 
Nº 34 – 2011– ANO VI 
Capa: Planeta seco por GADL 
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30 
Lixo plástico: o terror dos oceanos 
Um redemoinho de sacos, garrafas, redes de pesca e outros detritos plásticos envenena 
o ecossistema marinho: flora e fauna são vítimas do impacto do atual consumismo inconsciente. 
Descubra a dimensão e a gravidade desse problema ambiental. Por Hélio Carneiro 
Princípio Responsabilidade e Consumo Consciente 
O consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, onde o cidadão 
esclarecido e engajado pratica uma seleção natural de agentes culturais através do seu gesto 
consciente de consumo. Por Roberto Naime e Haide Maria Hupfer 
Escassez & Fome: a nova geopolítica alimentar 
Vive-se hoje um quadro geopolítico extremamente perigoso e potencialmente explosivo, já que 
a oferta mundial de alimentos não deve acompanhar as exigências alimentares coletivamente 
crescentes, fato que prenuncia um século 21 de “guerras por comida”. Por Lester Brown 
Produtos verdes: mais transparência para o consumidor 
Para surfar na onda verde e promover uma imagem ecologicamente responsável de produtos 
e serviços, muitas organizações se valem do greenwashing, que muitas vezes não passa 
de maquiagem verde. Confira aqui como triar o joio do trigo. Por Newton Figueiredo 
Terra – o passado tórrido prenuncia o clima futuro? 
Novas modelagens matemáticas permitem estudar os primeiros tempos climáticos da Terra 
e ajudam a compreender o que a humanidade poderá enfentar brevemente se a emissão 
de gases de efeito estufa continuar a aumentar. Por Sidney Graggan(NSF) 
Povos indígenas & proteção ambiental 
Os povos indígenas têm longa experiência na gestão dos recursos ambientais por coexistirem 
diretamente com a natureza e praticarem espontaneamente o conceito de desenvolvimento 
sustentável. Por Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña 
Economia de baixo carbono: o desafio brasileiro 
O Brasil pode continuar desempenhando papel de destaque na oferta de commodities 
ao mesmo tempo em que transita para uma economia de baixo carbono baseada 
no conhecimento, não na destruição da natureza. Por Ricardo Abramovay 
O Xingu do século 21ameaçado 
No Xingu, homens e mulheres não são arrogantes donos do mundo. São parte da cadeia 
interligada e interdependente da vida planetária. Para o índio, homem e natureza evoluem 
juntos, percepção que pode nos ensinar uma nova dimensão existencial. Por Caio Hamburguer 
Triplo desafio à Economia Verde 
Num manifesto ecopragmático, o ecólogo americano Stewart Brand postula a renovação da 
política através de uma corrente que encaminhe soluções práticas aos grandes desafios atuais: 
população, clima e biodiversidade. Por José Eli da Veiga 
Prevendo um planeta mais seco 
Na esteira das alterações ambientais, os climatologistas anunciam um flagelo em andamento – 
a seca. Para prevenir essa progressão galopante, o autor alerta que precisamos redefinir como 
pensamos, valorizamos e consumimos a água. Por Alex Prud’Homme 
Grandes predadores: vitais para o ecossistema 
A diminuição dos grandes predadores vem provocando, desde tempos imemoriais, mudanças 
dramáticas na cadeia alimentar dos ecossistemas terrestres, com reflexos na degradação do 
solo, da água, da vegetação e da atmosfera. Por Drs. Ellen K. Pikitch e James A. Estes 
Roundup causa anomalia em fetos 
A substância química central do herbicida mais usado na agricultura mundial volta ao banco 
dos réus após a liberação, pela Earth Open Source, de relatório que aponta os graves riscos do 
glifosato ao ser humano. Por Lucia Graves
P O L U I Ç Ã O 
LIXO PLÁSTICO 
o terror dos oceanos 
por Helio Carneiro 
m redemoinho de sacos, garra-fas, 
redes de pesca e outros de-tritos 
plásticos envenena o ecos- 
Não apenas em Midway, mas em to-dos 
os oceanos e mares, as espécies 
que vivem no e do habitat marinho es-tão 
morrendo em número surpreendente, 
vítimas do impacto do atual consumis-mo 
inconsciente. As dolorosas imagens 
de Jordan alertam para uma crise eco-lógica 
em grande parte invisível e in-compreensível, 
mas implacável. 
Confira a devastadora dimensão do 
“maior lixão do planeta”, e saiba 
porque ele ganha volume a cada 
novo dia, como se forma, sua com-posição 
e gravidade, e o que pode-mos 
fazer para estancar o crescimento 
deste desastre ambiental. 
Chris Jordan/Ars Eletronica 
Usistema marinho do oceano Pacífico 
Norte. Para documentar os efeitos ne-fastos 
da Grande Mancha de Lixo do Pa-cífico, 
o fotógrafo Chris Jordan visitou o 
atol Midway, no coração da Grande Man-cha, 
e de lá trouxe imagens de filhotes de 
albatroz mortos em consequência dos de-tritos 
plásticos ingeridos. 
Nada foi encenado: as imagens retra-tam 
fielmente o conteúdo do estômago 
dos corpos em decomposição encontra-dos 
nas praias. Sequer uma única peça 
de plástico em qualquer das imagens 
colhidas foi rearranjada, aplicada, ma-nipulada, 
organizada ou alterada. 
Cidadania&MeioAmbiente 5
A GRANDE MANCHA DE LIXO DO PACÍFICO 
Nem todo lixo termina em vazadouro ou é 
reciclado. Grande parte acaba nos rios, lago-as, 
praias e, infelizmente, nos oceanos, para 
constituir a Grande Mancha de Lixo do Pací-fico 
6 
– hoje o maior aterro sanitário da Terra. 
Ela se estende por centenas de milhares de 
kilômetros do Pacífico Norte, formando um 
lixão nebuloso e flutuante em alto-mar. É 
símbolo do maior problema mundial: o plás-tico, 
que começa em mãos humanas acaba 
dentro dos oceanos, muitas vezes nos es-tômagos 
ou ao redor dos corpos das espé-cies 
que vivem no e do habitat marinho. 
Muitos dizem que a mancha é uma “ilha de 
lixo”, um grande equívoco no dizer de Holly 
Bamford, diretora do Programa de Detritos 
Marinhos do The National Oceanic and 
Atmospheric Administration (NOAA), 
agência federal norte-americana que estu-da 
os oceanos e a atmosfera (www.nooa. 
gov). “Se fosse apenas uma grande massa, 
nosso trabalho seria muito mais fácil”, 
deplora Bamford. 
Ao invés de “ilha flutuante”, a Grande 
Mancha é uma espécie de “galáxia de lixo” 
povoada por bilhões de pequenas ilhas de 
lixo subaquáticas dissimuladas ou espalha-das 
por muitos quilômetros. E isso torna 
difícil dizer com total precisão a dimensão 
real da mancha, apesar da muito citada afir-mação 
de que ela é tão grande quanto o 
estado americano do Texas. 
“Se é mesmo do tamanho do estado do Te-xas, 
como dizem, então é do tamanho da 
França, embora possa vir a ser até mesmo 
do tamanho de um continente. O mais gra-ve 
é que a mancha não é uma massa uni-forme, 
mas muitas massas dispersas. E mes-mo 
não podendo precisar sua real dimen-são, 
sabemos que seu principal componen-te 
é o plástico. E é aí que começam os pro-blemas”, 
informa Holly. 
PLÁSTICO: UM DESASTRE ECOLÓGICO 
Contrariamente a outros lixos, o plástico não 
é biodegradável, ou seja, os microorganis-mo 
que digerem outras substâncias não re-conhecem 
o plástico como comida, deixan-do- 
o flutuar para sempre. E o que ocorre? 
A luz solar realiza a “fotodegração” dos po-límeros 
plásticos, reduzindo o material a pe-quenos 
pedaços, fato que só piora as coi-sas. 
Desse jeito, o plástico nunca desapa-rece: 
torna-se microscópico e acaba entran-do 
A Grande Mancha de Lixo do Pacífico 
é formada por fragmentos de plástico 
e de outros materiais deitados ao mar 
nos quatro cantos do mundo e aglo-merados 
numa “galáxia de lixo” pelas 
correntes marinhas no Redemoinho 
Subtropical do Pacífico Norte. 
na cadeia alimentar de todos os organis-mos 
marinhos e, por extensão, na cadeia 
alimentar humana. 
O plástico constitui 90% de todo o lixo que 
bóia nos oceanos do mundo. O Programa 
Ambiental das Nações Unidas (PNUMA) es-timou, 
em 2006, que cada milha quadrada do 
oceano abriga 46.000 pedaços de plástico flu-tuante. 
Em algumas áreas, a quantidade de 
polímeros supera a de plâncton por uma rela-ção 
de seis para um. Dos mais de 100 bilhões 
de quilogramas de plástico que o mundo pro-duz 
por ano, cerca de 10% acabam no ocea-no, 
e 70% se depositam no fundo do oceano. 
O resto flutua, e boa parte termina nos rede-moinhos 
e nas manchas de lixo maciças. 
Cerca de 80% dos detritos da Grande Man-cha 
de Lixo do Pacífico são oriundos dos con-tinentes, 
boa parte de sacos, garrafas e ou-tros 
produtos de plástico. Redes de pesca 
perdidas nos oceanos constituem outros 10% 
de todo o lixo marinho – nada menos que 
705.000 toneladas, segundo as estimativas. O 
lixo restante provém de embarcações de lazer, 
plataformas de petróleo offshore e grandes 
navios de carga que despejam no mar, a cada 
ano, o conteúdo de 10.000 containers rechea-dos 
de luvas de jardinagem, computadores, 
resinas de polímeros, brinquedos... Mas, ape-sar 
dessa diversidade – e da abundância de 
vidro, metal e borracha no lixão oceânico flu-tuante 
– a maior parte do material ainda é plás-tico, 
uma vez que tudo mais afunda ou biode-grada 
antes de chegar à mancha. 
Mas o Pacífico não é o único a sofrer este 
tipo de poluição. No excelente relatório Plas-tic 
Debris in the World’s Oceans (publica-do 
pela organização Greenpeace, em 2/11/ 
2006, e que pode ser baixado em www.- 
greenpeace.org/international), informa que 
o fenômeno verificado no Pacífico ocorre 
com características semelhantes em todos 
os mares. O Mediterrâneo, por exemplo, 
agora tem parte do seu leito forrado de plás-tico. 
Todas as águas salgadas são vítimas 
da insustentável cultura do desperdício e 
da não reciclagem. 
COMO SE FORMA A MANCHA DE LIXO? 
A Terra tem cinco a seis grandes redemoi-nhos 
oceânicos – enormes espirais de água 
salina –, que se formam pela colisão de cor-rentes. 
O maior de todos é o Redemoinho 
Subtropical do Pacífico Norte, que preen-che 
quase todo o espaço entre o Japão e a 
Califórnia. Na parte superior deste redemo-inho, 
a algumas centenas de quilômetros 
ao norte do Havaí, as águas quentes do 
Pacífico Sul colidem com as águas mais fri-as 
do norte. Conhecida como Zona de Con-vergência 
Subtropical do Pacífico Norte, é 
ali que o lixo se deposita. 
Para os estudiosos da questão, esta zona de 
convergência assemelha-se a uma “megaro-dovia 
de lixo” (cerca de 13.000 peças por km2, 
segundo o Programa das Nações Unidas para 
o Meio Ambiente (Pnuma), que estende os re-síduos 
de plástico num alongado corredor 
unindo de leste a oeste dois redemoinhos co-nhecidos 
como a Mancha de Lixo Oriental e a 
Ocidental. São esses dois sistemas que dão 
vida à Grande Mancha de Lixo do Pacífico. 
Dependendo de sua origem, pode levar vári-os 
anos para os detritos chegarem a esta 
área. O plástico pode ser levado do interior 
dos continentes ao mar através de esgotos, 
córregos e rios, ou simplesmente despejado 
no litoral. Não importa a maneira, mas ao cabo 
de uma viagem de seis a sete anos, o plásti-co 
passa a girar entre os redemoinhos, tam-bém 
alimentado pelas redes de pesca e ou-tros 
resíduos. Um dos mais conhecidos des-pejos 
de detritos ocorreu em 1992, quando 
28.000 patinhos de plástico foram jogados 
às águas do Oceano Pacífico. Até hoje os 
brinquedinhos continuam a ser desovados 
nas praias de todo o mundo. 
POR QUE PLÁSTICO É UM GRAVE PROBLEMA? 
O lixo marinho ameaça a saúde ambiental 
de várias maneiras, a saber: 
Andréa Maschietto/MercuryNews 
Fonte:NOAA
Este “redemoinho” concentra 2,4 milhões de peças de plástico, volume 
equivalente ao total de quilos de poluentes plásticos que adentram os 
oceanos a cada hora. Todas as peças de plástico que compõem esta foto 
foram coletadas por Chris Jordan na Grande Massa de Lixo do Pacífico. 
Cidadania&MeioAmbiente 7 
Gyre /Chris Jordan’Sg. 
O Capitão Charles Moore, “descobridor” 
da Grande Mancha, numa praia do Pacífico 
coalhada de detritos plásticos despejados 
pelo redemoinho de lixo em suspensão. 
Algalita Marine Research Foundation 
❚ Armadilhas. O crescente número de redes de 
pesca de plástico perdidas ou abandonadas é 
um dos detritos marinhos mais perigosos. As 
redes envolvem focas, tartarugas e outros ani-mais, 
causando “afogamento”. Esse quadro é 
conhecido como “pesca fantasma”. Com o 
aumento de pescadores que usam essas redes 
– de alta durabilidade e baixo custo – nos paí-ses 
desenvolvimento, mais redes são perdidas 
ou abandonadas nas águas... e muitas conti-nuam 
a “pescar por conta própria” durante 
anos. As mais perigosas são as redes com bói-as 
ancoradas no fundo do mar e que com cen-tenas 
de metros de profundidade. 
Qualquer espécie marinha pode ser amea-çada 
pelo plástico, mas as tartarugas pare-cem 
ser as mais suscetíveis. Além de serem 
capturadas por redes de pesca fantasmas, 
elas frequentemente engolem sacos plásti-cos 
ao confundi-los com medusas (água-viva), 
sua principal presa. E já se registrou 
casos de tartarugas que tiveram seus cor-pos 
deformados ao crescerem enforcados 
por anéis plásticos. 
❚ Restos superficiais diminutos. Grânulos de 
resina plástica constituem outro componente 
comum do lixo marinho. Em todo o mundo, os 
grânulos de uso industrial são transportados, 
derretidos e moldados em objetos de 
plástico. Sendo pequenos e abundantes, eles 
podem facilmente se perder ao longo da ca-deia 
produtiva, acabando no mar. Eles ten-dem 
a flutuar e fotodegradar, ação que leva 
muitos anos. Nesse meio tempo, os grânulos 
causam estragos, especialmente nas aves 
marinhas, como o albatroz de cauda curta. 
Nas ilhas do Pacífico, os albatrozes dei-xam 
suas crias em terra quando saem para 
vasculhar a superfície do oceano em bus-ca 
de alimento rico em proteínas – espe-cialmente 
ovas –, pequenos pontos a 
boiar logo abaixo da superfície e, infeliz-mente, 
muito semelhantes a grânulos de 
resina. Os bem-intencionados albatrozes 
colhem as pelotas – junto com isqueiros 
e outros detritos flutuantes – e voltam à 
terra para alimentar com plástico indiges-to 
seus filhotes, que morrem de fome ou 
com os órgãos rompidos. Encontrar filho-tes 
de albatroz em decomposição com os 
estômagos recheados de pedaços de plás-tico 
deixou de ser fato raro. 
❚ Fotodegradação. Como a luz solar que-bra 
os detritos flutuantes, a água de su-perfície 
engrossa com pedaços de plásti-co 
em suspensão. E isso é ruim por uma 
série de razões. Primeiro, pela “toxicida-de 
inerente”. O plástico muitas vezes 
contém substâncias químicas como o 
bisfenol-A e corantes – comprovadamen-te 
tóxicos para o meio ambiente e a saúde 
–, toxinas que vazam para a água do 
mar. Já foi demonstrado que o plástico 
absorve da água do mar poluentes orgâ-nicos 
pré-existentes, como os PCB, BPA 
e outras toxinas, que podem entrar na ca-deia 
alimentar se ingeridos acidentalmen-te 
por espécies marinhas. Ao todo já se 
contabilizaram cerca de 267 espécies in-toxicadas 
por plástico. 
O QUE PODEMOS FAZER? 
O descobridor da Grande Mancha de Lixo 
do Pacífico, o capitão Charles Moore, certa 
vez afirmou que o esforço para limpar o oce-ano 
“levaria à falência qualquer país e 
continuaria liquidando a vida marinha 
nas redes fantasmas”. Com isso, ele quis 
dizer que a tarefa é extremamente difícil. 
Entre as iniciativas globais, nacionais e in-ternacionais 
que visam proteger os ocea-nos 
dos detritos marinhos, a de maior al-cance 
é a Convenção Internacional para a 
Prevenção da Poluição por Navios 
(MARPOL). Em 1988, este acordo recebeu 
um Anexo vetando o despejo no mar de lixo 
e de materiais plásticos provenientes de 
navios; 122 países o ratificaram. Mesmo 
com o cumprimento total do MARPOL, o 
problema pesisitira, já que cerca de 80% do 
lixo que envenena o mar provêm de fontes 
terrestres. Outras ações incluem protoco-
los operacionais de limpeza da linha costei-ra 
e do fundo do mar, bem como programas 
de educação ambiental ministrados desde 
o ingresso da criança na escola. 
Alguns países já restringiram o uso de saco-las 
de dados, eles são cobrados. Essa estraté-gia 
ajuda a conscientizar, mas no quadro geral 
da questão não passa de paliativo. Aumen-tar 
a conscientização para o não uso de sa-cos 
embalados em vidro, reduzir ao máximo os 
produtos à base de petróleo e reabilitar a 
velha sacola de pano são algumas suges-tões 
Embora todas as ações sejam importan-tes, 
Tal estratégia engloba cadeia a resíduo, 
redução, reutilização, reciclagem, res-ponsabilidade 
ecodesign. Só assim reduziríamos o uso 
maciço de plásticos/sintéticos, usando-os 
apenas quando absolutamente necessário. 
A adoção de “plástico biodegradável” 
poderá ser uma alternativa ambientalmen-te 
segura quando esse material se degra-dar 
Por ora, a solução mais efetiva é “fechar as 
torneiras” na fonte. É imperioso o descarte 
adequado do plástico via multiplicação das 
instalações de reciclagem e das facilidades 
de coleta nas coletividades. Além disso, a 
sociedade como um todo tem de aprender a 
exercer opções de compra não danosas ao 
ambiente, a melhor reutilizar o que pode ser 
reciclado, e a praticar o consumo conscien-te 
e sustentável. ■ 
8 
A METÁFORA DO SAQUINHO DE SUPERMERCADO 
Há mais de uma década eu assinava uma revista científica que vinha embalada com 
o tal plástico. Ele foi imediatamente para a composteira, o melhor lugar do mundo 
para biodegradação, com água, microorganismos e nutrientes à vontade. Seis meses 
depois me cansei. Tirei, lavei (estava intacto, como novo!) e o mandei para reciclagem. 
Quando os supermercados começaram a usar o saquinho oxibiodegradável, de 
novo peguei uma amostra, escrevi a data e coloquei na composteira. Tudo igual. 
Agora fui mais longe: minha esposa grávida tirou uma foto com o saquinho e 
nosso filho fará o mesmo, ano após ano. Este menino vai concluir o curso 
superior e o saquinho oxibiodegradável estará igual. 
Minha visão pessoal foi confirmada no artigo científico Polietileno degradável, 
fantasia ou realidade, assinado por Roy et al – gente que entende muito mais de 
química do que eu –, na Environmental Science & Technology, em abril de 2011. 
Na verdade tudo que estes saquinhos fazem é que eles se despedaçam na presença 
de calor, luz e oxigênio, mas em níveis muito superiores aos normais. Ainda pior, o 
interior de lixões/aterros sanitários tem os três fatores muito baixos. De qualquer jeito, 
você preferiria limpar um terreno baldio com 10 saquinhos ou 1000 pedacinhos? 
A única função do saquinho oxibiodegradável é aplacar a consciência daqueles 
que não conseguem organizar-se para usar uma sacola de compras igual a da 
vovó-ir-à-feira, que resolve não só a poluição, mas também o problema de 
carregar várias sacolinhas que machucam a mão e complicam a vida. 
Em entrevista recente, James Lovelock (1) disse que preocupar-se com saquinhos é 
como preocupar-se em arrumar as cadeiras do Titanic enquanto ele afunda. Ele 
está certo que o saquinho é uma parte pequena do gasto de combustíveis fósseis 
(de fato importa muito mais como você vai às compras do que como as carrega), 
mas está errado na escolha da metáfora. O saquinho está mais para a orques-tra 
do Titanic, que continuou tocando enquanto o barco afundava. Concreta-mente 
não fez diferença, mas ajudou melhorando o espírito geral. Estranho 
muito Lovelock criticar a luta contra os saquinhos, porque ele mesmo criou uma 
importante metáfora ambiental – Gaia –, que mesmo não fazendo sentido al-gum, 
fez muita gente pensar e agir melhor. 
As pessoas começam preferindo o saquinho oxibiodegradável, passam para a 
sacola de compras, daí vão às compras de bicicleta, para terminar se perguntan-do 
se precisam mesmo ir às compras. 
Nota do Editor: 
(1) James Lovelock, criador da teoria de Gaia e inventor do detector de captura de elétrons (ECD), que tornou possível 
a detecção de gases CFC (clorofluorocarboneto e de outros nanopoluentes atmosféricos). Os artigos científicos de 
Lovelock estão disponíveis em www.jameslovelock.org/page0.html 
Efraim Rodrigues – Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de 
Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa 
FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias 
Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores.Também ajuda escolas do Vale 
do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em 
adubo orgânico e a coletar água da chuva. E-mail: (efraim{at}efraim.com.br Texto publi-cado 
em www.ecodebate.com.br (17/05/2011). 
plásticas nos supermercados: ao invés 
e recipientes de plástico através de cam-panhas, 
estimular o consumo de produtos 
a serem adotadas pelos que são sensí-veis 
ao problema do lixo plástico. 
a solução definitiva está na implemen-tação 
de uma estratégia de resíduo res-ponsável, 
ou seja, o conceito “Lixo Zero”. 
de quem produz e 
rapidamente em substâncias não pe-rigosas 
ou tóxicas para o meio ambiente. 
Hélio Carneiro – Editor de Cidadania & Meio 
Ambiente. Fontes consultadas: PNUMA (Pro-grama 
das Nações Unidas para o Meio Ambi-ente); 
Captain Charles Moore (Out in the Paci-fic 
Plastic is Geting Drastic – www.alguita.com); 
David DeFranza (Message from the Gire – 
www.thetreehug.com); Russell McLendonWed 
e Jacob Silverman (www.howstuffworks.com); 
David Martin Garcia (www.ecoportal.net); 
Greenpeace (www.greenpeace.com); www.great 
garbagepatch.org; David Friedlande (Chris 
Jordan Takes Shots at the Trash Patch); Greg 
Boustead (Appetite for Destruction); http:// 
plasticpollutioncoalition.org 
“Faz muitos anos que venho percebendo que os chamados plásticos 
biodegradáveis não entregam o que vendem.” Efraim Rodrigues
PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE 
E CONSUMO CONSCIENTE 
O consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, de 
um novo tipo de contratualismo onde o cidadão esclarecido e engajado 
pratica uma seleção natural de agentes civilizatórios através do seu gesto 
consciente de consumo. 
por Roberto Naime e Haide Maria Hupfer 
dos serviços da natureza em suas operações. E 
os governos estão sendo cada vez mais cobrados 
a regular a atividade empresarial em contornos 
de contratualismo civilizatório, antes só imagi-nado 
em termos de direitos civis e políticos. Este 
é o cenário que vem se desenhando. 
E neste contexto, a força dos indivíduos que exer-cem 
uma ação contratualística informal, mas 
muito eficiente, eliminando os agentes que per-cebem 
como nocivos e estimulando os agentes 
identificados como socioambientalmente respon-sáveis, 
com inestimável auxílio das redes soci-ais, 
representa uma realidade jamais antes imagi-nada. 
Esse contratualismo pode ser percebido 
no Princípio Responsabilidade defendido por 
Hans Jonas. É a responsabilidade perante o de-ver 
de existir. E a primeira de todas as responsa-bilidades 
é garantir a possibilidade de que haja 
responsabilidade. 
No cotidiano atual, a maioria das corporações está 
ciente de que, além de oferecer produtos e serviços 
de qualidade deve contribuir para o desenvolvi-mento 
sustentável, pois esta é uma concepção fun-damental 
até mesmo para garantir sua sobrevivên-cia 
e seu espaço no mercado de hoje e do futuro, 
como se fosse um acordo constitucional não redigi-do, 
mas muito eficaz e respeitado por todos. 
Hans Jonas não traz uma receita para o Princí-pio 
Responsabilidade. Ele mostra que a nature-za 
do agir humano transformou-se. O consumo 
consciente comporta um conteúdo inteiramente 
novo cuja dimensão de significado ainda está longe 
de ser a ideal, exigindo um fazer político e, con-sequentemente, 
uma nova ética ambiental. ■ 
Cidadania&MeioAmbiente 9 
S O C I E D A D E 
Acivilização é um caminho sem volta para a 
humanidade. Poderia se discutir longamente 
a caminhada da humanidade desde o início da 
epopéia civilizatória até os contratualistas que 
começam com o exemplo mais evidenciado de 
Thomas Hobbes no seu “Leviatã” e praticamen-te 
não mais terminam. 
A sociedade moderna está sempre discutindo 
aprimoramentos contratualísticos e ninguém em 
sã consciência pensa em alterar esta fase do ciclo 
civilizatório, senão se pensa apenas em aperfei-çoar 
os mecanismos da civilização. 
Hans Jonas abre uma discussão ética sobre a 
relação do homem com a natureza. Ao se depa-rar 
com a exacerbação do antropocentrismo e 
com a vulnerabilidade da natureza se dá conta de 
que para evoluir é necessário trabalhar com uma 
nova dimensão de responsabilidade. Assim, a 
natureza como responsabilidade humana é sem 
dúvida um novum apresentado por Hans Jonas 
sobre uma nova teoria ética muito além do inte-resse 
na manutenção da natureza. 
O saber previdente torna-se um dever prioritário. 
Para Hans Jonas, nenhuma ética anterior viu-se 
obrigada a considerar a condição global da nature-za, 
da vida humana e das questões intergeracionais. 
Esse novo agir humano exige ir além do 
antropocentrismo e dos interesses de uma gera-ção. 
O princípio responsabilidade se estende para 
mais além. Devemos ouvir a natureza e reconhe-cer 
sua exigência como obrigatória, para além da 
doutrina do agir, ou seja, da ética, até a doutrina 
do existir das presentes e futuras gerações. 
Os direitos ambientais e difusos são incluídos por 
Norberto Bobbio e aceitos por todos como direitos 
fundamentais de terceira geração. Não cabe aqui fi-car 
discutindo a natureza jurídica das afirmações e 
para isto existem pessoas de muito mais habilitada 
formação e informação, capazes de desenvolver a 
temática com pleno domínio e inegável brilhantismo. 
Para nós, que trabalhamos profissionalmente com 
questões ambientais e que de uma maneira ou outra 
somos sujeitos de alguma forma de ambientalismo 
ideológico, o consumo consciente levanta hipóteses 
de uma nova fase civilizatória, de um novo tipo de 
contratualismo onde o cidadão esclarecido e engajado 
pratica uma seleção natural de agentes civilizatórios 
através do seu gesto consciente de consumo. 
Quando os consumidores ultrapassam os crité-rios 
de preço e fazem do seu gesto de consumo 
uma atitude que consideram ou percebem como 
engajada, escolhendo comprar de uma empresa 
que possui mais práticas sustentáveis, ou quan-do 
levam em conta a cadeia produtiva de tudo 
que consomem, considerando os impactos am-bientais 
identificados nas diversas fases do pro-cesso, 
estes consumidores estão exercendo um 
contratualismo informal que vai manter no mer-cado 
a todos os agentes percebidos como res-ponsáveis 
e que favorecem a vida e vai excluir do 
mesmo mercado todos os agentes que considera 
nocivos e que não favorecem a vida. 
Estes consumidores que estão atentos a práticas 
mais sustentáveis são os consumidores do futu-ro. 
Este exército desarmado, esta polícia não 
coercitiva não é constituída por poucos oníricos 
ou lunáticos. Este exército tem crescido cada vez 
mais, e representa o número de pessoas preocu-padas 
com a qualidade de vida. Em um mundo 
globalizado, um mundo cada vez mais complexo 
e veloz, onde as redes sociais tem um papel cada 
vez mais destacados, tanto as organizações como 
as pessoas só evoluem com práticas inspiradas 
no que se convenciona denominar sustentabili-dade. 
O que há em comum nestas práticas pode 
ser resumida em três conceitos trabalhados por 
Hans Jonas: totalidade, continuidade e futuro. 
Será cada vez menos provável, desenhar cenários 
econômicos que ignorem as questões socioambien-tais. 
Assim as culturas empresariais estão cada vez 
mais ecléticas e abrangentes, observando o mundo 
em uma visão holística que determina o estabeleci-mento 
de concessões que antes eram inimagináveis. 
Os mercados estão revendo suas lógicas de re-torno 
sobre investimento, assumindo os custos 
Haide Maria Hupffer é Doutora em Direito, inte-grante 
do corpo docente do Mestrado em Qualida-de 
Ambiental e do Curso de Direito da Universidade 
Feevale, e autora de Ensino Jurídico: Um novo ca-minho 
a partir da Hermenêutica. Roberto Naime é 
Doutor em Geologia Ambiental, integrante do cor-po 
docente do mestrado e doutorado em Qualidade 
Ambiental da Universidade Feevale, e colunista do 
portal www.ecodebate.com.br.
a nova geopolítica alimentar 
que a oferta mundial de alimentos não deve acompanhar o crescente 
consumo à mesa. O século 21 prenuncia “guerras por comida”. 
Nos EUA, quando os preços mundi 
10 
À medida que terra e água se tornam mais escassas, a temperatura da 
Terra aumenta e a segurança alimentar se deteriora, cria-se um qua-dro 
geopolítico extremamente perigoso e potencialmente explosivo, já 
por Lester Brown 
ais do trigo sobem 75%, como no 
ano passado, isso significa a dife-rença 
entre um pão de US$2 e um de, talvez, 
US$2,10. Contudo, para quem vive em Nova 
Délhi, Índia, essa exorbitante alta de preços 
é crucial: a duplicação do preço mundial sig-nifica 
que o trigo custa duas vezes mais. 
Bem-vindos à nova economia alimentar de 
2011: os preços estão subindo, mas o impac-to 
não será sentido de maneira equitativa. 
Para os americanos, que gastam menos de 
um décimo da sua renda no supermercado, a 
alta do preço dos alimentos é apenas um in-cômodo, 
não uma calamidade. Mas para os 
2 bilhões de pessoas mais pobres do plane-ta, 
que gastam de 50% a 70% de sua renda 
em alimento, essa disparada dos preços pode 
significar apenas uma – não duas – refei-ções 
ao dia. E os que mal conseguem se se-gurar 
nos degraus mais baixos da escada 
econômica global correm o risco de despen-car 
de vez. Isso pode contribuir – e tem con-tribuído 
– para revoluções e insurgências. 
Com a quebra de safra prevista para este 
ano, com governos do Oriente Médio e da 
África cambaleando em função das altas 
de preços, e com mercados nervosos en-frentando 
um choque após outro, os ali-mentos 
rapidamente se tornaram um con-dutor 
oculto da política mundial. E crises 
como esta vão se tornar cada vez mais co-muns. 
A nova geopolítica dos alimentos 
parece muito mais vulnerável do que era. 
A escassez é a nova norma. 
Até pouco tempo, as súbitas altas de pre-ços 
não tinham tanta importância, pois ra- 
ESCASSEZ & FOME: 
Colin Crowley /Save the Children 
P O L Í T I C A A L I M E N T A R
Cidadania&MeioAmbiente 11 
pidamente os preços dos alimentos volta-vam 
aos níveis mais baixos, fato que aju-dou 
a moldar a estabilidade do final do sé-culo 
20 em boa parte do planeta. Agora, po-rém, 
tanto as causas como as consequênci-as 
são sinistramente diferentes. Lamenta-velmente, 
as atuais altas de preços são cau-sadas 
por tendências que estão contribu-indo 
tanto para o aumento da demanda como 
dificultando o aumento da produção – en-tre 
elas, a rápida expansão da população 
mundial, os aumentos de temperatura que 
ressecam plantações e o esgotamento de 
poços de irrigação. 
Mais alarmante ainda, o mundo está per-dendo 
sua capacidade de mitigar o efeito 
da escassez. É por isso que a crise dos ali-mentos 
de 2011 é genuína, e por isso ela 
poderá trazer consigo novas combinações 
de revoltas do pão e revoluções políticas. E 
se as sublevações que saudaram os dita-dores 
Zine al-Abidine Ben Ali, na Tunísia; 
Hosni Mubarak, no Egito; e Muamar Kada-fi, 
na Líbia, não forem o fim da história, mas 
seu começo? Preparem-se, agricultores e 
chanceleres, para uma nova era em que a 
escassez mundial de alimentos vai moldar 
cada vez mais a política global. 
DEMANDA E PRODUÇÃO 
A duplicação dos preços mundiais dos 
grãos desde o início de 2007 foi impelida 
principalmente por dois fatores: o cresci-mento 
acelerado da demanda e a dificul-dade 
crescente de expandir rapidamente 
a produção. O resultado é um mundo que 
parece chocantemente distinto da genero-sa 
economia mundial de grãos do século 
passado. Como será a geopolítica dos ali-mentos 
numa nova era dominada pela es-cassez? 
Mesmo neste estágio inicial, pode-mos 
ver ao menos os contornos gerais da 
economia alimentar emergente. 
No lado da demanda, os agricultores agora 
enfrentam claras fontes de crescente pressão. 
A primeira é o crescimento populacional. A 
cada ano, os agricultores do mundo precisam 
alimentar 80 milhões de pessoas adicionais, 
quase todas em países em desenvolvimento. 
A população mundial quase dobrou desde 
1970 e está a caminho de 9 bilhões em mea-dos 
do século. Ao mesmo tempo, os EUA, 
que um dia conseguiram atuar como um 
amortecedor global contra safras ruins, ago-ra 
estão convertendo quantidades imensas 
de grãos em combustível para veículos, em-bora 
“ 
o consumo mundial de grãos c que 
gira em torno de 2,2 bilhões de toneladas 
métricas por ano – esteja crescendo em ve-locidade 
acelerada. Mas a taxa em que os 
EUA estão convertendo grãos em etanol 
tem crescido ainda mais rapidamente. 
Essa capacidade massiva de converter 
grãos em combustível significa que o preço 
dos grãos está agora atrelado ao preço do 
petróleo. Assim, se o petróleo sobe para 
US$ 150 o barril ou mais, o preço dos grãos 
acompanhará a alta, já que se torna mais 
lucrativo converter grãos em substitutos do 
petróleo. E esse não é um fenômeno ape-nas 
americano: o Brasil, que destila etanol 
de cana-de-açúcar, é o segundo maior pro-dutor 
depois dos EUA, enquanto a União 
Europeia, que pretende obter 10% de sua 
energia de transporte de energias renová-veis, 
em sua maioria biocombustíveis até 
2020, também está desviando terras de cul-turas 
alimentares para fins energéticos. 
ESCASSEZ DE ÁGUA 
Essa não é apenas uma história sobre a de-manda 
crescente por alimentos. Do esgota-mento 
de lençóis freáticos à erosão de so-los 
e às consequências do aquecimento 
global, tudo significa que a oferta mundial 
de alimentos provavelmente não acompa-nhará 
nossos apetites coletivamente cres-centes. 
Tome-se o caso da mudança climá-tica: 
a regra prática entre ecologistas da 
produção vegetal é que, para cada 1oC de 
aumento da temperatura acima do ótimo para 
a estação de crescimento, os agricultores 
podem esperar uma quebra de 10% no ren-dimento 
dos grãos. Essa relação foi confir-mada 
dramaticamente durante a onda de 
calor de 2010, na Rússia, que reduziu a sa-fra 
de grãos do país em quase 40%. 
Com a elevação das temperaturas, os lençóis 
freáticos estão diminuindo na medida em que 
os agricultores bombeiam em excesso para 
irrigação. Isso infla artificialmente a produção 
de alimentos no curto prazo, criando uma bo-lha 
alimentar que estoura quando os aquífe-ros 
são esgotados e o bombeamento é neces-sariamente 
reduzido à taxa de recarga. 
No conjunto, mais da metade da população 
mundial vive em países onde os lençóis fre-áticos 
estão diminuindo. O Oriente Médio 
árabe politicamente convulsionado é a pri-meira 
região geográfica onde a produção de 
grãos atingiu o pico e começou a declinar 
por escassez de água, apesar de as popula-ções 
continuarem a crescer. A produção de 
grãos já está diminuindo na Síria e no Iraque 
e, em breve, poderá declinar no Iêmen. Mas 
as maiores bolhas alimentares estão na Índia 
e na China. Como esses países enfrentarão a 
escassez inevitável quando os aquíferos fo-rem 
esgotados? Ao mesmo tempo em que 
estamos secando nossos poços, também 
maltratamos nossos solos, criando novos 
desertos. A erosão do solo decorrente do 
excesso de cultivo e do manejo indevido da 
terra está solapando a produtividade de um 
terço das terras cultiváveis do mundo. 
Qual a gravidade disso? Imagens de satéli-te 
mostram duas novas e imensas bacias 
de areia: uma se estendendo pelo norte e o 
oeste da China e oeste da Mongólia, a ou-tra 
cruzando a África Central. A civilização 
pode sobreviver à perda de suas reservas 
de petróleo, mas não pode sobreviver à 
perda de suas reservas de solo. 
Nesta era de retração dos suprimentos ali-mentícios 
mundiais, a capacidade de culti-var 
alimentos está rapidamente se tornan-do 
uma nova forma de alavancagem geo-política, 
e os países estão tratando de ga-rantir 
seus próprios interesses paroquiais 
às custas do bem comum. 
TERRAS ESTRANGEIRAS 
Temendo não ser capaz de comprar os grãos 
necessários no mercado, alguns países mais 
ricos, liderados pela Arábia Saudita, Coreia 
Jakob Dall/Danish Red Cross 
No conjunto, 
mais da metade da 
população mundial 
vive em países onde 
os lençóis freáticos 
estão diminuindo.”
12 
Lester R. Brown é presidente do Earth Policy 
Institute (www.earth-policy.org). O artigo The New 
Geopolitics of Food foi publicado originalmente 
na revista Foreign Policy (www.foreignpolicy.com) 
edição de maio/junho 2011. 
do Sul e China, tomaram, em 2008, a medida 
incomum de comprar ou arrendar terras em 
outros países para cultivar grãos para si pró-prios. 
A maioria dessas compras de terras é 
na África, onde alguns governos arrendam 
terras cultiváveis por menos de US$ 2,5 por 
hectare/ano. Entre os principais destinos 
estão Etiópia e Sudão, países onde milhões 
de pessoas estão sendo sustentadas pelo 
Programa Mundial de Alimentos da ONU. 
Muitos dos acordos de terras foram feitos se-cretamente 
e, na maioria dos casos, a terra en-volvida 
já estava em uso por aldeões quando 
foi vendida ou arrendada. Com frequência, os 
que já estavam cultivando a terra não foram 
consultados nem sequer informados dos no-vos 
acordos. A hostilidade local a essas apro-priações 
de terra é a regra, não a exceção. 
Em 2007, quando os preços dos alimentos 
começaram a subir, o governo chinês assi-nou 
um acordo com as Filipinas para arren-dar 
1 milhão de hectares de terras destina-das 
a cultivar alimentos que seriam embar-cados 
para a China. Quando a notícia va-zou, 
o clamor público obrigou Manila a sus-pender 
o acordo. Um clamor parecido aba-lou 
Madagascar, onde uma empresa sul-coreana, 
a Daewoo Logistics, havia tenta-do 
obter direitos sobre mais de 1,2 milhão 
de hectares. Notícias sobre o acordo ajuda-ram 
a criar um furor político que derrubou o 
governo e obrigou o cancelamento do tra-to. 
Aliás, poucas coisas são mais propen-sas 
a alimentar insurgências do que privar 
pessoas de suas terras. Equipamentos agrí-colas 
são facilmente sabotados. Os cam-pos 
de grãos maduros queimam rapidamen-te 
quando se lhes ateia fogo. 
Essas aquisições representam um investi-mento 
potencial de estimados US$50 bilhões 
em agricultura nos países em desenvolvi-mento. 
Então, perguntamos: no que isso 
ampliará a produção mundial de alimentos? 
Não sabemos, mas a análise do Banco Mun-dial 
indica que somente 37% dos projetos 
serão dedicados a culturas alimentares. A 
maior parte da terra adquirida até agora será 
usada para produzir biocombustíveis e ou-tras 
culturas de interesse industrial. 
Mesmo que alguns desses projetos acabem 
por aumentar a produtividade da terra, quem 
se beneficiará? Se virtualmente todos os insu-mos 
– equipamentos agrícolas, fertilizantes, 
pesticidas, sementes – são comprados do ex-terior 
e se toda a produção é enviada para fora 
“ 
do país, a contribuição para a economia do 
país hospedeiro será mínima. Por enquanto, as 
apropriações de terras contribuíram mais 
para provocar agitação social do que para 
aumentar a produção de alimentos. 
DISPUTA 
Ninguém sabe onde chegará essa crescente 
competição por suprimentos alimentares, 
mas o mundo parece estar se afastando da 
cooperação internacional que evoluiu por 
décadas, depois da 2ª Guerra, para a filo-sofia 
de cada país por si. O nacionalismo 
alimentar poderá ajudar a garantir supri-mentos 
aos países ricos, mas pouco fará 
para melhorar a segurança alimentar do 
planeta. Aliás, os países de baixa renda que 
hospedam terras arrendadas ou importam 
grãos provavelmente sofrerão uma deteri-oração 
de sua situação alimentar. 
Depois da carnificina de duas guerras mun-diais 
e dos descaminhos econômicos que 
levaram à Grande Depressão, os países se 
uniram, em 1945, para criar a ONU, ao final-mente 
perceber que no mundo moderno não 
podemos viver em isolamento por mais ten-tador 
que isso possa parecer. O Fundo Mo-netário 
Internacional foi criado para ajudar a 
gerir o sistema monetário e promover a esta-bilidade 
econômica e o progresso. As agên-cias 
especializadas da ONU, da Organização 
Mundial de Saúde (OMS), da Organização 
para Agricultura e Alimentação (FAO) têm 
importantes papéis no mundo de hoje. Tudo 
isso promoveu a cooperação internacional. 
Mas embora a FAO colete e analise dados 
agrícolas globais e forneça assistência téc-nica, 
não há nenhum esforço organizado 
para garantir uma adequação dos suprimen-tos 
mundiais de alimentos. 
O presidente francês Nicolas Sarkozy está 
propondo lidarmos com a alta dos preços 
dos alimentos via redução da especulação 
nos mercados de commodities. Por útil que 
isso possa ser, trata apenas os sintomas da 
insegurança alimentar crescente, não as cau-sas, 
como o crescimento populacional e as 
mudanças climáticas. O mundo precisa se 
concentrar hoje não só na política agrícola, 
mas numa estrutura que a integre a políticas 
energética, demográfica e hídrica, que afe-tam 
diretamente a segurança alimentar. 
PERIGO 
Isso, porém, não está ocorrendo. Em vez dis-so, 
à medida que terra e água se tornam mais 
escassas, que a temperatura da Terra sobe e 
a segurança alimentar mundial se deteriora, 
instala-se uma geopolítica perigosa de es-cassez 
de alimentos. A apropriação de terra, 
de água e a compra de grãos diretamente de 
produtores em países exportadores são hoje 
parte integrante de uma luta global de poder 
por segurança alimentar. 
Com estoques de grãos baixos e a volatilida-de 
climática aumentando, os riscos crescem. 
Hoje estamos à beira da ruptura do sistema 
alimentar, que poderá se manifestar a qual-quer 
momento. Talvez não tenhamos sorte para 
sempre. O que hoje está em questão é se o 
mundo conseguirá ir além de se concentrar 
nos sintomas da deterioração da situação ali-mentar 
e atacar suas causas subjacentes. 
Se não conseguirmos aumentar o rendimento 
agrícola com menos água e conservar os solos 
férteis, muitas áreas agrícolas deixarão de ser 
viáveis. E isso vai muito além dos agricultores. 
Se não conseguirmos agir de forma rápida e 
emergencial para estabilizar o clima, talvez não 
sejamos capazes de evitar uma disparada dos 
preços dos alimentos. Se não conseguirmos 
acelerar o declínio demográfico e estabilizar a 
população mundial, as filas de famintos conti-nuarão 
a aumentar. A hora de agir é agora – 
antes que a crise dos alimentos de 2011 se tor-ne 
a nova normalidade. ■ 
A erosão do solo 
decorrente do excesso 
de cultivo e do manejo 
indevido da terra 
está solapando 
a produtividade de 
um terço das áreas 
cultiváveis do mundo.”
Cidadania&MeioAmbiente 13
Produtos “verdes”: 
mais transparência para o consumidor 
14 
Para surfar na onda 
verde e promover 
uma imagem eco-logicamente 
res-ponsável 
de produ-tos 
e serviços, mui-tas 
organizações se 
valem do green-washing. 
No entan-to, 
declarar-se eco-friendly 
ou ambien-talmente 
sustentá-vel 
muitas vezes 
não passa de ma-quiagem 
verde. 
Confira aqui como 
triar o joio do trigo. 
por Newton Figueiredo 
Diversas pesquisas realizadas no Brasil 
e no mundo continuam confirmando 
que nós, brasileiros, somos a nação mais 
preocupada com as consequências das mu-danças 
climáticas, e que uma boa parcela 
da população está disposta até a pagar mais 
por produtos que possam ajudar a cons-truir 
uma sociedade mais justa e com me-lhor 
qualidade de vida. 
Várias empresas têm identificado uma nova 
forma de melhorar a rentabilidade ao ofere-cer 
produtos que atenderiam essa nova de-manda 
por parte dos consumidores. Já ou-tras 
pesquisas indicam que o consumidor 
está cada vez mais informado e espera que 
o varejo seja um filtro de ética e de respon-sabilidade 
socioambiental na seleção de 
produtos que lhe são oferecidos. 
Seja por desconhecimento, por acreditar na 
palavra do fornecedor ou mesmo por falta 
de ética, os consumidores são bombardea-dos 
por propagandas enganosas do tipo 
“amigável ao meio ambiente”. 
Contudo, temos que destacar três esforços, 
realizados nos últimos dois anos, no sentido 
de ajudar as empresas a desenvolverem uma 
comunicação ética com o consumidor. A pri-meira 
foi o lançamento, pioneiro no Brasil, do 
Guia SustentaX de Comunicação Responsá-vel 
com o Consumidor (1), em 2009. Em 2010, o 
Conselho Empresarial Brasileiro para o Desen-volvimento 
Sustentável (CBDES) lançou o Guia 
de Comunicação e Sustentabilidade (2). 
Apesar dessas iniciativas, inúmeras propa-gandas 
e publicidades continuaram a vei-cular 
na mídia impressa e digital produtos 
ditos “ecologicamente corretos”, “amigá-veis 
ao meio ambiente” e coisas dessa na-tureza, 
muitos afrontando a inteligência de 
pessoas medianamente informadas. Assim, 
em boa hora, sai o terceiro esforço, agora 
regulador: a nova regulamentação do Con-selho 
de Autorregulamentação Publicitária 
(CONAR) para a promoção de produtos 
com apelos de sustentabilidade (3). 
As pessoas estão ávidas para contribuir 
para um mundo melhor e ter mais qualidade 
de vida. E, muitas vezes, imaginando esta-rem 
na direção correta, ao comprar algo que 
lhe foi apresentado como “verde” ou “mais 
ecológico” ou “mais sustentável’, acabam 
contribuindo para negócios que não res-peitam 
a sociedade, seja do ponto de vista 
R E S P O N S A B I L I D A D E S O C I A L
REFERÊNCIAS DISPONÍVEIS EM: 
(1)http://www.selosustentax.com.br/pdf/guia_sustentax.pdf. 
(2)http://www.cebds.org.br/cebds/manualdesustenta 
bilidade.pdf 
(3) http://www.conar.org.br/html/noticias/070611.html 
FOTOS ABERTURA: Toban Black / Ecolabs / Rainforest 
Action Network / Shira Golding / Spike55151 
Newton Figueiredo é fundador e presidente do 
Grupo SustentaX, que desenvolve de forma inte-grada 
o conceito de sustentabilidade para corpo-rações. 
Mais informações: www.Grupo- 
SustentaX.com.br Artigo publicado em 
EcoDebate (13/7/2011); colaboração de Janaína 
S. e Silva. Para saber mais sobre greenwashing, 
recomendamos a leitura do dossiê Greenwashing 
no Brasil, disponível em www.ideiasustentavel. 
com.br/2010/10/greenwashing-no-brasil/2/ 
Cidadania&MeioAmbiente 15 
social ou ambiental. São os chamados pro-dutos 
verdes irresponsáveis, promovidos 
por desconhecimento, omissão ou ainda por 
“picaretas verdes”. As situações mais co-mumente 
encontradas são: 
1. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILI-DADE 
SOCIAL DO FABRICANTE – Por exemplo, 
objetos de decoração feitos na Índia, no Vi-etnam, 
em Bangladesh e em outros pobres 
países asiáticos, vendidos com frequência 
em lojas e em sites. Ao comprar um objeto 
desses, normalmente de baixa tecnologia in-trínseca, 
que poderiam muito bem ser pro-duzidos 
no Brasil, inclusive em comunida-des 
carentes, o consumidor contribui para a 
importação de miséria e mais violência em 
nossas cidades. Nessa direção também são 
importadas, por incrível que possa parecer, 
“ecobags” de países como o Camboja! Mui-tas 
vezes esquecemos que o impacto pode 
levar à desindustrialização e ao aumento do 
desemprego. Outro segmento importante é 
o da confecção. Afinal, de nada adianta a 
roupa ser feita de algodão orgânico certifi-cado 
se a sua produção se dá de forma irres-ponsável 
para com os trabalhadores da con-fecção. 
De quem é a responsabilidade nes-ses 
casos? Do varejista, pois é ele que dis-ponibiliza 
o produto em sua prateleira e, por-tanto, 
tem a responsabilidade de selecionar 
o que irá vender. Essa é a verdadeira postura 
de uma empresa sustentável ou, como ou-tras 
gostam de se expressar, “eco-friendly”. 
2. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILI-DADE 
AMBIENTAL DO FABRICANTE – Aqui, a 
preocupação é do mesmo diapasão da res-ponsabilidade 
social. De nada adianta o al-godão 
ser orgânico se sua produção ou 
confecção que o utilizou contaminaram o 
meio ambiente pela não destinação correta 
dos resíduos da produção. Essa preocupa-ção 
toma uma dimensão importante quan-do 
o produto é importado de países que 
não dispõe de uma legislação ambiental à 
altura das necessidades atuais de proteção 
da biodiversidade planetária. Hoje, o Brasil 
tem, por força do valor de sua moeda, im-portado 
de tudo, em especial de países asi-áticos 
que, em sua maioria, têm legislações 
menos rigorosas que a brasileira. Assim, ao 
importar sem verificar a responsabilidade 
socioambiental do fabricante estrangeiro, 
o importador-varejista está, no mínimo, co-metendo 
um procedimento não ético ao pro-mover 
seu produto como “verde” para um 
consumidor que, naturalmente, esperaria 
que esse controle fosse feito. 
“ 
3. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA NÃO TOXIDADE 
DO PRODUTO – Muitas empresas que se pro-põem 
a atuar no oferecimento de produto 
“verde”, “eco-friendy” ou “sustentável” por 
vezes se esquecem de analisar adequada-mente 
esse atributo essencial da sustentabi-lidade: 
a toxidade à saúde humana e à bio-diversidade. 
Outras, por ignorância ou ir-responsabilidade, 
confundem o público ao 
chamar a atenção para as características da 
embalagem (reciclada, por exemplo) ou para 
outros atributos, deixando de lado o que ver-dadeiramente 
importa: o não comprometi-mento 
da saúde do consumidor. Nesse caso, 
os melhores exemplos estão na área de pro-dutos 
de limpeza altamente tóxicos (desin-fetantes, 
água sanitária…), propalados como 
“mais sustentáveis” apenas porque suas 
embalagens são de material reciclado! Ou-tros 
chamam a atenção para o fato de serem 
“biodegradáveis”, sem nada informarem 
sobre os prejuízos à biodiversidade natural 
nem sobre a toxidade em humanos. Ocorrên-cias 
semelhantes são encontradas na área 
de cosméticos, a começar pelos sabonetes e 
xampus. De quem é a responsabilidade por 
esses erros? Normalmente, das equipes de 
compras (que não exigem comprovações) e 
de algumas equipes de marketing, que que-rem 
se aproveitar da onda verde. 
4. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE QUALIDADE – 
Embora mais raro, esse problema ainda exis-te, 
especialmente, na área de brindes. Conti-nua 
em alguns segmentos do comércio um 
entendimento, totalmente errôneo, de que 
para se ter a imagem ligada às questões de 
sustentabilidade é preciso vinculá-la à eco-logia, 
rusticidade, primitivismo e aspectos 
primários. A consequência é que passa a 
ocorrer uma mistura desses conceitos com a 
de baixa qualidade de produtos. É muito co-mum 
irmos a eventos onde são distribuídas 
horrorosas canetas feitas de bambu ou de 
plástico reciclado. Consequência: desperdí-cio! 
Vale a pena também, além dos aspectos 
de design agradável, estar atento às ques-tões 
relativas à durabilidade e ao desempe-nho, 
especialmente de produtos importados, 
pelas dificuldades de solução de problemas 
e de recuperação de imagem em pós-venda. 
A tendência do mercado de produtos susten-táveis 
é de grande crescimento nos próximos 
anos. A expansão de lojas físicas e virtuais 
mostra que esse é um caminho lucrativo e 
sem volta. Entretanto, é sempre bom ter em 
mente que a reputação da marca será cons-truída 
com ética e respeito junto ao consumi-dor. 
Já passou a época do consumidor mal 
informado. Hoje tudo está disponível on-line, 
especialmente os comentários sobre a serie-dade 
com que a empresa trata seus clientes. 
Selecionar fornecedores responsáveis e ofe-recer 
informações transparentes, verdadeiras, 
seguras e consistentes para que o consumi-dor 
possa tomar sua própria decisão de com-pra 
será um dos caminhos para a diferencia-ção 
competitiva, a fidelização de clientes e o 
sucesso da marca. Uma das formas de encur-tar 
o caminho será o de oferecer produtos já 
avaliados no que se refere à sua sustentabili-dade. 
Nesse caso, selos emitidos por tercei-ras 
partes, como Conpet, Cerflor, Ecocert, 
Procel e Sustentax são uma forte indicação 
para o consumidor final da consistência das 
afirmações de atributos de sustentabilidade e 
uma forma de mitigar os riscos para a imagem 
e os negócios do lojista. ■ 
Os consumidores 
são bombardeados 
por propagandas 
enganosas do tipo 
‘amigável ao meio 
ambiente’.” 
Fotdmike
As primeiros eras climáticas de nosso pla-neta 
ajudam a compreender e antecipar 
o que poderemos enfentar brevemente. 
Novo estudo realizado por Jeffrey 
16 
Kiehl, do Centro Nacional para 
Pesquisa Atmosférica (NCAR), 
examina a relação entre a temperatura global 
e os altos níveis de dióxido de carbono (CO2) 
na atmosfera há dezenas de milhões de anos. 
A análise conclui que a magnitude das mu-danças 
climáticas no passado remoto da Terra 
sugere que as temperaturas futuras podem 
eventualmente subir muito mais do que o 
previsto, se a sociedade continuar seu ritmo 
de emissão de gases de efeito estufa (GEE). 
Segundo Kiehl, se as emissões de CO2 con-tinuarem 
no ritmo de emissão atual até o 
final deste século 21, as concentrações at-mosféricas 
de GEE atingirão os mesmos ní-veis 
verificados há cerca de 30 a 100 mi-lhões 
de anos atrás – quando a média da 
temperatura global era 16oC acima dos ní-veis 
pré-industriais. Kiehl informa que as 
temperaturas globais podem levar séculos 
ou milênios para ajustar-se totalmente em 
resposta aos níveis mais elevados de CO2. 
Segundo o estudo e com base em recentes 
modelagens computadorizadas de proces-sos 
geoquímicos, os níveis elevados de 
CO2 podem permanecer na atmosfera por 
dezenas de milhares de anos. 
O estudo também indica que o sistema cli-mático 
do planeta, em longos lapsos de tem-po, 
pode se tornar pelo menos duas vezes 
mais sensível ao CO2 – como prevêem as 
modelagens – do que geralmente indicam as 
tendências sobre o aquecimento de curto 
prazo. Isso porque até mesmo os sofistica-dos 
modelos computadorizados ainda não 
foram capazes de incorporar, em seus ban-cos 
dados, processos críticos como a perda 
das camadas de gelo, que ocorre ao longo 
de séculos ou milênios, e amplificar os efei-tos 
precursores de aquecimento do CO2. 
“Se não começarmos a trabalhar seria-mente 
para reduzir as emissões de carbo-no, 
vamos colocar o planeta numa trajetó-ria 
nunca antes experimentada pela espé-cie 
humana. Estaremos condenando a ci-vilização 
a viver em um mundo totalmente 
diferente e por várias gerações”, diz Kiehl. 
O artigo Perspectives, publicado na revista 
Science, reúne estudos recentes que exami-nam 
vários aspectos do sistema climático 
aos quais Khiel aplicou modelagem mate-mática 
por ele estruturada para estimar as 
temperaturas médias globais no passado 
distante. Sua análise da resposta do siste-ma 
climático a níveis elevados de CO2 é 
apoiada por estudos anteriores. 
“Esta pesquisa mostra que o espelhamento 
das evidências de mudanças ambientais em 
registros geológicos com modelos matemá-ticos 
do clima futuro é crucial. Talvez as pa-lavras 
de Shakespeare ‘o passado é o prólo-go’ 
também se apliquem ao clima”, lança 
David Verardo, Diretor do Paleoclimate Pro-gram 
do National Science Foundation (NSF). 
Kiehl focou sua análise numa questão funda-mental: 
qual foi a última vez que a atmosfera 
da Terra conteve tanto dióxido de carbono 
quanto no final do século passado e agora? 
Se a sociedade continuar aumentando a quei-ma 
de combustíveis fósseis no ritmo atual, os 
níveis atmosféricos de dióxido de carbono 
devem chegar a 900 a 1.000 partes por milhão 
até o final deste século – valores muito acima 
dos atuais 390 partes por milhão e 280 partes 
por milhão dos tempos pré-industriais. 
Uma vez que o CO2 é um gás de efeito estu-fa 
que retém o calor na atmosfera da Terra, 
ele é fundamental para regular o clima do 
planeta. Sem o dióxido de carbono, o plane-ta 
congelaria. Mas quando o nível atmosfé-rico 
de CO2 aumenta, como por vezes acon-teceu 
no passado geológico remoto, as tem-peraturas 
globais aumentam dramaticamen-te 
e gases de efeito estufa adicionais, tais 
A Q U E C I M E N T O G L O B A L 
TERRA o passado tórrido 
prenuncia
O texto original Earth’s Hot Past: Prologue to 
Future Climate? foi publicado em www.eoearth. 
org (14/01/2011). Tradução e adaptação 
C&MA. O texto do estudo de Kiehl, com o títu-lo 
Perspectives, pode ser encontrado na edição 
de junho 2011 jornal Science. 
Cidadania&MeioAmbiente 17 
como vapor d’água e metano, alcançam a 
atmosfera através de processos relaciona-dos 
à evaporação e ao descongelamento. 
O que leva a um aquecimento adicional. 
As evidencias coletadas por Kiehl também 
estão lastreadas na análise das estruturas 
moleculares de materiais orgânicos 
fossilizados que revelam terem os níveis de 
dióxido de carbono chegado a 900-1.000 par-tes 
por milhão há cerca de 35 milhões de 
anos. Naquela época, as temperaturas em 
todo o planeta foram substancialmente mais 
quente do que atualmente, especialmente 
nas regiões polares – mesmo com o Sol 
emitindo energia ligeiramente mais fraca. 
Então, os altos níveis de CO2 na atmosfera 
aqueciam os trópicos em mais 5 a 10oC do 
que as médias hoje verificadas. E as regi-ões 
polares chegavam a ter 15 a 20 oC acima 
das temperaturas atuais. 
Os modelos matemáticos ensaidos por Kiehl 
estabeleceram que a temperatura média anu-al 
da Terra, há 30-40 milhões de anos, era de 
cerca de 31 oC – substancialmente maior do 
que a temperatura média pré-industrial, de 
cerca de 15oC. O estudo também descobriu 
que o CO2 pode ter duas vezes ou mais efei-to 
sobre a temperatura global do que o atu-almente 
previsto pelos modelos climáticos 
computadorizados. 
As mais destacadas modelagens computa-dorizadas 
do mundo projetam que a dupli-cação 
da atual taxa de CO2 atmosférico 
impactaria um aquecimento na faixa de 0,5 a 
1,0oC/watts/m2. (Esta unidade é a medida 
da sensibilidade climática da Terra a mu-danças 
por GEE.) No entanto, os dados pu-blicados 
por Khiel mostram que o impacto 
comparável de CO2 há 35 milhões de anos 
foi de cerca de 2oC/watts/m2. 
As modelagens computadorizadas conseguem 
captar os efeitos de curto prazo do aumento de 
CO2 na atmosfera. Mas o registro do passado 
geológico da Terra abarca efeitos a longo pra-zo, 
o que explica a discrepância nos resulta-dos. 
O eventual derretimento das camadas de 
gelo, por exemplo, leva a aquecimento adicio-nal, 
pois as superfícies escuras expostas na 
terra ou na água absorvem mais calor do que 
as camadas de gelo. “Esta análise indica que 
em escalas de tempo mais longas, nosso pla-neta 
pode ser muito mais sensíveis a gases de 
efeito estufa do que pensávamos”, alerta Kiehl. 
Por essa razão, para implementar a acuracidade 
de suas pesquisas, os climatologistas estão 
adicionando a suas modelagens representa-ções 
mais sofisticadas das camadas de gelo, 
além de outros fatores. 
Como estes avanços estão on-line, Kiehl 
acredita que as modelagens computacionais 
e os registros paleoclimáticos estão próximos 
de um acordo, fato que evidenciará serem os 
impactos do CO2sobre o clima ao longo do 
tempo provavelmente muito mais substanci-ais 
do que apontam os atuais dados. Pelo 
fato de o CO2 estar sendo lançado à atmosfe-ra 
a taxas nunca antes experimentadas, Kiehl 
não pode estimar o tempo que o planeta leva-ria 
para se aquecer plenamente. 
No entanto, Kiehl – e pares – sabem que mes-mo 
um sensível aquecimento tornará especial-mente 
difícil a adaptação das sociedades e dos 
ecossistemas às novas temperaturas. Se as 
emissões continuarem em sua trajetória atual, 
“a espécie humana e os ecossistemas globais 
serão colocados em um quadro climático nun-ca 
antes vivenciado na história humana”, 
vaticina com propriedade o estudo. ■ 
por Sidney Graggan/National Science Foundation o clima futuro?
Um dos fatores a serem considera-dos 
18 
na conservação do meio ambi-ente 
é a preservação da diversi-dade 
cultural ou antropodiversidade, ten-do 
em conta que autonomia das comunida-des 
indígenas e desenvolvimento susten-tável 
constituem binômio indissolúvel que 
precisa ser preservado não só para o bem 
do índio como o da humanidade como um 
todo. Por essa razão, as agências internaci-onais 
têm recomendado a manutenção das 
populações rurais em seus sítios de origem 
por constituírem ferramenta de apoio ao pla-nejamento 
ordenado do território em cujo 
desenho elas se incorporam como atores 
sociais. Sem exceção, os grupos étnicos das 
diferentes latitudes do mundo estão direta-mente 
ligados à gestão adequada dos re-cursos 
naturais. Por isso, os povos indíge-nas 
foram incluídos na Estratégia de Con-servação 
Mundial da União Internacional 
para a Conservação da Natureza e dos Re-cursos 
Naturais. 
Em geral, os grupos étnicos têm longa ex-periência 
na gestão dos recursos naturais, 
uma vez que vivem desde tempos imemori-ais 
em contato direto com a natureza, dela 
obtendo os serviços para satisfazer suas 
necessidades. Mesmo que não tenham de-finido 
o conceito de desenvolvimento sus-tentável, 
tais povos o vem praticando des- 
E C O C I D A D A N I A 
Povos autóctones 
têm longa experiên-cia 
na gestão dos 
recursos ambientais 
por coexistirem di-retamente 
Povos indígenas & proteção ambiental 
por Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña 
com a 
natureza e pratica-rem 
espontanea-mente 
o conceito de 
desenvolvimento 
sustentável. 
de sempre. De acordo com dados arqueo-lógicos 
obtidos por Michael D. Coe, em 
1962, no México, por 14 mil anos o homem 
vem gestando experiência no uso dos re-cursos 
naturais. Esta experiência inclui o de-senvolvimento 
em diferentes fases: caça, 
coleta e agricultura primitiva. 
Ao se estabelecerem as primeiras áreas na-turais 
protegidas, a fim de impedir que a in-dustrialização, 
as novas agrotecnologias e a 
expansão demográfica prejudicassem sítios 
que pareciam virgens da presença destruti-va 
do homem, verificou-se que, em muitos 
casos, tais espaços não careciam de habi-tantes, 
pelo contrário, tais territórios alber-gavam 
sociedades humanas autóctones. 
A alegação de que para melhor preservar 
estes locais é necessário remover os habi-tantes 
originais ou estabelecer regulamen-tos 
de proteção ambiental não leva em con-ta 
que a relação entre tais comunidades e o 
meio ambiente tem sido um dos principais 
fatores de manutenção e preservação dos 
nichos ecobiológicos lá existentes. Afinal, 
foram os conhecimentos transmitidos de ge-ração 
a geração que permitiram às ativida-des 
das ditas sociedades serem economi-camente 
sustentáveis ao estimular a contí-nua 
renovação dos recursos naturais nas 
áreas sob sua administração. 
Os povos indígenas são os habitantes origi-nais 
de muitas áreas hoje protegidas e/ou res-tritas 
a atividades substancialmente nocivas 
ao meio ambiente natural. Essas populações 
contam com um conhecimento minucioso e 
sofisticado do meio ambiente onde vivem, 
saberes que a investigação científica atual 
levaria anos para decifrar. Tais conhecimen-tos 
são utilizados pelas comunidades para ide-alizar 
a implementação de estratégias de de-senvolvimento 
e de uso da natureza em seus 
espaços de vida, ao mesmo tempo que pre-servam 
o meio ambiente – não pela simples 
idéia de conservação – mas por terem pleno 
conhecimento e consciência de que a sobre-exploração 
dos recursos impacta não apenas 
a natureza, o ambiente e a paisagem, mas, em 
última instância, compromete o sustento e o 
próprio futuro de sua comunidade. 
Os membros de uma cultura indígena estão 
cientes do delicado equilíbrio entre os dife-rentes 
seres. Isso pode ser percebido na 
ideologia de muitos desses povos, basea-da 
no princípio de que existe uma afinidade 
entre os seres humanos e todos os outros 
seres vivos na Terra. 
Neste contexto podemos afirmar que as cul-turas 
indígenas têm participado ativamente 
da conservação ambiental em geral e da bio-diversidade 
em particular. Por isso, é vital que 
Francesco Muratori
REFERÊNCIA: 
(1) Villoro, Luis. “En torno al derecho de autonomía de los 
pueblos indígenas”, en Cultura y Derechos de los Pueblos 
Indígenas de México. p.167 
Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner 
Ceniceros Aviña – Professores da Facultade de 
Ciencias Administrativas y Sociales na Universidad 
Autónoma de Baja California, México. Texto origi-nal 
publicado em www.ecoportal.net 
Cidadania&MeioAmbiente 19 
tais comunidades permaneçam em seus sítios 
de origem, para que suas práticas de obten-ção 
de matérias-primas da natureza possam 
apoiar os programas governamentais de pro-teção 
ou restauração de áreas protegidas. 
POVOS INDÍGENAS: O DIREITO À AUTONOMIA 
O direito à autodeterminação dos povos foi 
estabelecido ao final da Segunda Guerra Mun-dial, 
pela Carta das Nações Unidas, que prevê, 
nos artigos 1º e 55º o direito de todos os povos 
à autodeterminação. Este conceito tem sido 
reafirmado, como na Convenção das Nações 
Africanas, em Nairóbi, em 1981. Desde então, 
o direito internacional denuncia um problema 
recorrente e ainda não resolvido adequadamen-te: 
a relação entre direitos individuais, que re-metem 
ao indivíduo, e direitos dos povos, 
que remetem ao sujeito coletivo. 
Os povos sujeitos ao Direito de Autodeter-minação 
devem preencher certas caracte-rísticas, 
em conformidade ao espírito da Car-ta 
das Nações Unidas. Em primeiro lugar, a 
comunidade deve constitutir uma cultura 
distinta que se manifesta, entre outros fa-tores, 
através de linguagem, de costumes 
tradicionalmente aceitos, de estilos de vida, 
de instituições sociais e de regras de 
relacionamento. Em segundo, que os mem-bros 
da comunidade tenham plena consci-ência 
de pertencer a um povo vinculado a 
um território geográfico natural. 
RESERVAS: A SOLUÇÃO AMERICANA 
Nos Estados Unidos, as reservas indíge-nas 
são a forma de reconhecimento do di-reito 
à autodeterminação dos povos, ou seja, 
o reconhecimento da autoridade tribal. Em 
muitas ocasiões, este sistema foi conside-rado 
uma forma de apartheid, embora as 
tribos não sejam obrigadas necessariamen-te 
a residir em uma reserva, que vem a ser 
uma extensão de terra gerida por tribos na-tivas, 
sob a égide do Bureau de Assuntos 
Indígenas, do Departamento do Interior dos 
EUA (United States Department of the In-terior’s 
Bureau of Indian Affair). 
Há cerca de 300 reservas indígenas nos EUA, 
o que significa que muitas das mais de 500 
tribos reconhecidas não têm uma reserva, 
embora algumas tenham mais de uma. 
No exercício do poder investido pela Cons-tituição, 
uma das primeiras leis aprovadas 
pelo Congresso dos Estados Unidos foi a 
Lei de Comércio e de Intercâmbio com os 
Índios, de 1790. Ela especifica que apenas 
o governo federal pode fazer acordos 
com as tribos, colocando todos os aspec-tos 
do intercâmbio entre índios e não-índi-os 
sob controle federal. 
Entre 1823 e 1831, três casos julgados pela 
Suprema Corte Federal definiu os eixos da 
legislação e da política indígena america-nas, 
a saber: 
❚ As tribos gozam de certo grau de sobera-nia 
em virtude do seu estatuto político e 
territorial original. 
❚ Esta soberania pode estar sujeita à redu-ção 
ou supressão pelo governo federal dos 
EUA, mas não por governos estaduais. 
❚ A soberania limitada das tribos e sua de-pendência 
dos EUA impõem ao governo 
federal a obrigação moral de cuidar das tri-bos, 
devendo assumir a responsabilidade 
pela saúde e bem-estar das comunidades. 
Em razão da venda de terras, algumas reser-vas 
foram seriamente fragmentadas. Cada 
parcela de terra pertencente a grupos étni-cos 
nativos da América do Norte é um en-clave 
independente, e a mistura de proprie-dades 
imobiliárias públicas e privadas aca-bou 
criando graves problemas administrati-vos. 
A unidade de governo com jurisdição 
sobre reservas indígenas é o conselho tri-bal, 
não as instâncias federal, estadual ou 
municipal. E as reservas indígenas muitas 
vezes contam com seus próprios sistemas 
de governaça, que podem ou não reproduzir 
as formas encontradas fora da reserva. 
A assinatura do tratado com os índios Dela-ware, 
em 1787, marcou o início de um período 
de quase um século em que o governo federal 
firmou mais de 650 acordos, 370 deles 
confirmados. Os tratados geralmente contêm 
cláusulas relativas à manutenção da paz, da 
caça, da pesca e dos direitos dos índios, e o 
reconhecimento, por parte das tribos, da au-toridade 
do governo federal ou sua proteção. 
A partir da década de 1820, os tratados passa-ram 
a concentrar-se na transferência de terras 
tribais e na criação de reservas, fato que se 
refletiu na política de remoção e transferên-cia 
dos índios para as terras do oeste, a fim de 
facilitar a expansão territorial do país. A remo-ção 
forçada das Cinco Tribus Civilizadas do 
sudeste do Oklahoma, por exemplo, foi trági-ca: 
a comunidade foi forçada a caminhar mais 
de 2.800 milhas, no que ficou conhecido como 
“Trail of Tears” (trilha das lágrimas). 
No início da demarcação das reservas, as tri-bos 
foram impedidas de praticar a caça como o 
faziam ancestralmente, fato que levou seus 
membros a ter de aprender e se adaptar às 
práticas da agricultura de subsistência nas 
novas terras, muitas nada ideais e outras total-mente 
impróprias ao cultivo, o que trouxe a 
fome a muitas etnías que haviam firmado tra-tado 
com o governo federal. Por vezes, os 
mesmos tratados incluíram acordos de con-cessão 
de bens anuais a algumas tribos. Mas 
a implementação desta política foi errática, e 
não raro os bens nunca foram entregues. 
Quando os EUA adquiriram do México os 
territórios que hoje compreendem os esta-dos 
do sudoeste do país, o governo federal 
continuou a fazer acordos com as tribos da-quela 
região. Esses tratados levaram à cria-ção 
de um vasto sistema de reservas nos os 
índios podem exercer os seus direitos à au-todeterminação. 
De qualquer modo, a políti-ca 
de criação de reservas foi controversa 
desde o início, uma vez que estabelecidas de 
forma compulsória e, em muitos casos, com 
a oposição dos colonos brancos à dimen-são 
das reservas demarcadas. ■ 
Os povos indígenas 
crêem no princípio 
de afinidade entre 
os seres humanos e 
todos os outros seres 
vivos na Terra.” 
“ 
Global Humanitaria
O Brasil pode continuar 
desempenhando papel 
de destaque na oferta de 
commodities ao mesmo 
tempo em que transita 
para uma economia de 
baixo carbono baseada 
no conhecimento e não na 
destruição da natureza. 
por Ricardo Abramovay 
20 
Economia de baixo carbono: 
O DESAFIO BRASILEIRO 
IHU ON-LINE – COMO REPENSAR A POLÍTI-CA 
ECONÔMICA BRASILEIRA A PARTIR DA QUES-TÃO 
AMBIENTAL? 
Ricardo Abramovay – O país tem hoje uma 
situação privilegiada que pode usar de for-ma 
inteligente ou desperdiçar. Este privilé-gio 
exprime-se no fato de que a transição 
para uma economia de baixo carbono – ca-paz 
de compatibilizar seu crescimento com a 
preservação dos serviços ecossistêmicos 
básicos – pode ser levada adiante de forma 
muito menos traumática que na maioria dos 
países com a importância econômica do Bra-sil. 
A matriz energética brasileira é dependente 
de combustíveis fósseis em pouco mais de 
50% (embora a presença das termelétricas 
esteja aumentando de forma preocupante). 
A média mundial é superior a 85% e a dos 
países mais ricos do planeta ultrapassa 90%. 
A redução no desmatamento da Amazônia 
aumenta a probabilidade de que os compro-missos 
internacionais quanto à emissão de 
gases de efeito estufa sejam cumpridos. 
O fundamental, então, é que estas vanta-gens 
sejam utilizadas para fazer da socieda-de 
brasileira um exemplo internacional na 
relação entre economia e ecossistemas. Isso 
se traduz por três elementos básicos. 
Em primeiro lugar, é preciso que, da mes-ma 
forma que está ocorrendo na União Eu-ropeia, 
no Japão, na China e nos EUA, a 
inovação industrial tenha por vetor funda-mental 
a preocupação em reduzir ao mínimo 
o uso de materiais e energia por unidade de 
produto. Isso exige rastreamento mais apro-fundado 
não só das emissões de gases de 
efeito estufa, mas dos impactos da produ-ção 
material sobre a biodiversidade e, de 
maneira geral, sobre os materiais consumi-dos 
pela indústria. Além da chamada pega-da 
de carbono, é fundamental rastrear a 
pegada de água e de todos os materiais 
usados na produção. 
O segundo elemento refere-se à Amazônia: 
não é possível que ela continue sendo enca-rada 
estrategicamente como o local de onde 
se extraem minérios, onde se produz energia 
e como o paraíso das commodities. É verda-de 
que melhoram, nos últimos anos, as con-dições 
de exploração de energia, minérios e 
commodities. Mas ainda estamos a anos-luz 
da recomendação de Bertha Becker e Carlos 
Nobre, no documento de 2008 da Academia 
Brasileira de Ciências, de construção de uma 
D E S E N V O L V I M E N T O 
Neil Palmer
economia baseada no conhecimento 
da natureza, no uso sustentável da flo-resta 
em pé. Estamos assim desperdi-çando 
uma riqueza nacional fantástica 
e, mais que isso, a oportunidade de 
desenvolver um padrão de uso dos 
recursos produtivos que pode ser 
exemplar em termos internacionais. 
O terceiro elemento refere-se ao pró-prio 
padrão de consumo atual. A con-trapartida 
da redução da pobreza e da 
desigualdade é que deixa ainda mais 
patente a insustentabilidade do padrão 
de consumo que marca a sociedade bra-sileira. 
Quem mora em São Paulo perce-be 
que a aspiração e o verdadeiro culto 
à propriedade de um automóvel indivi-dual, 
sua transformação não numa utili-dade, 
mas num valor é apenas um exem-plo 
de que aumento da renda não con-duz 
necessariamente a aumento do bem-es-tar. 
Isso não significa que a renda dos mais 
pobres deva parar de crescer. Significa que 
os padrões de consumo atuais tão concen-trados 
em produtos alimentares de má quali-dade, 
num padrão de mobilidade urbana in-sustentável 
e em formas de moradia apoia-das 
em imenso desperdício, devem ser dis-cutidos 
e modificados. O Plano Brasileiro de 
Ação para Produção e Consumo Sustentá-veis 
– PPCS, atualmente em consulta públi-ca, 
é um avanço importante nesta direção. 
IHU – A PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF PRO-METEU 
ERRADICAR A MISÉRIA E REDUZIR A POBRE-ZA 
A APENAS 4% DA POPULAÇÃO ATÉ 2014. 
O PAÍS TEM CONDIÇÕES DE CONTINUAR REDU-ZINDO 
A POBREZA, CONSIDERANDO O ATUAL 
MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO? 
R.A. – Há duas dimensões importantes nes-ta 
pergunta. A primeira é que o sucesso 
em cada passo adicional na luta contra a 
pobreza é mais difícil que o passo anterior. 
Os que se encontram em situação de misé-ria 
absoluta são indivíduos e famílias – na 
maior parte dos casos, famílias monopa-rentais 
dirigidas por mulheres, com frequ-ência 
por mulheres relativamente idosas – 
distantes de redes básicas de solidarieda-de 
capazes de suprir suas necessidades em 
momentos mais críticos e de abrir horizon-tes 
de mudança de vida em termos de em-prego 
ou oportunidade de geração de ren-da. 
Se a ideia é realmente zerar a miséria 
absoluta, um caminho importante é a for-mação 
de equipes de agentes de desen-volvimento 
capacitados a dialogar com 
estas famílias e, sobretudo, a lhes abrir con-tatos 
O típico padrão de consumo 
da sociedade brasileira torna 
e oportunidades que permitam recu-perar 
sua auto-estima e ampliar o horizonte 
social em que vivem. Os custos de forma-ção 
de uma rede de agentes de desenvolvi-mento 
seriam certamente compensados pela 
redução na demanda por atendimento de 
urgência por parte destas famílias. 
A segunda dimensão fundamental está na 
necessidade de se avançar muito mais na luta 
contra a desigualdade. Isso não depende 
estritamente de política econômica e sim de 
decisões que se referem à disponibilidade de 
assistência de qualidade às crianças desde a 
primeira infância e à qualidade do ensino pú-blico. 
Mais que de renda, o Brasil é um país 
em que ainda há uma profunda desigualdade 
de expectativas entre os filhos dos ricos e os 
que vêm de famílias pobres. O passo mais 
importante para extirpar a miséria absoluta é 
criar uma sólida rede de proteção à infância e 
uma política consistente de aumento na qua-lidade 
do ensino público e que permita que 
todos tenham a aspiração de cursar as me-lhores 
universidades e ingressar nos melho-res 
postos do mercado de trabalho. Não se 
pode deixar de mencionar também as diferen-ças 
brutais na qualidade dos serviços de saú-de 
de que desfrutam ricos e pobres no Brasil. 
Isso é um elemento que não apenas desper-diça 
vidas, mas que corrói o sentimento míni-mo 
de solidariedade que deve marcar uma 
sociedade democrática. 
IHU – A ESTRATÉGIA DE MANTER O BRASIL 
COMO O CELEIRO DO MUNDO ESTÁ NA CON-TRAMÃO 
DA TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 
BASEADA NA BAIXA EMISSÃO DE CARBONO? 
R.A. – O Brasil pode continuar desem-penhando 
papel de destaque na oferta 
de commodities, ao mesmo tempo em 
que transita para uma economia de bai-xo 
carbono baseada no conhecimento, 
não na destruição da natureza. Os seg-mentos 
mais esclarecidos do agronegó-cio 
já se deram conta disso e não é por 
outra razão que as mesas redondas da 
soja, dos biocombustíveis e da pecuá-ria 
avançaram tanto. A produção brasi-leira 
de commodities sairá fortalecida de 
uma decisão em que os próprios empre-sários 
endossem uma política de des-matamento 
zero em todos os biomas do 
país e não só na Amazônia. Não é pos-sível 
imaginar que seja necessário per-sistir 
no desmatamento da caatinga 
como base para a produção de gesso 
ou de ferro gusa. O desmatamento é a 
expressão do capitalismo brasileiro da 
primeira metade do século XX, que, entre-tanto, 
ainda tem uma força extraordinária. 
Um dos grandes desafios dos próximos 
anos é o fortalecimento de coalizões em-presariais 
que façam da preservação dos 
serviços ecossistêmicos básicos uma das 
fontes fundamentais de inovação tecnoló-gica 
e de ganhos econômicos. Mas, para 
isso, é fundamental sinalizar que aumento 
da produtividade e produção de qualidade 
não combinam com devastação. 
IHU – A PARTIR DA DESCOBERTA DE RESERVAS DO 
PRÉ-SAL, QUAL DEVE SER A POSIÇÃO DO BRASIL 
FRENTE À QUESTÃO ENERGÉTICA E AMBIENTAL? 
R.A. – O ponto de partida para esta resposta 
é a constatação da extraordinária eficiência 
energética do petróleo. Thomas Homer-Dixon 
e Nick Garrison, em Carbon Shift - How the 
Twin Crisis of Oil Depletion and Climate 
Change Will Define the Future (Random 
House, Canada) não hesitam em afirmar que a 
população mundial quadruplicou no último 
século graças ao petróleo. “Convertemos pe-tróleo 
em comida e comida em bilhões de 
pessoas”, dizem eles. Três colheres de petró-leo 
cru contêm tanta energia quanto oito ho-ras 
de trabalho humano. No último século a 
quantidade de energia por hectare nas terras 
agrícolas aumentou cerca de 80 vezes. É ób-vio 
que há inúmeras consequências negati-vas 
no uso do petróleo, que vão da poluição 
e das emissões de gases de efeito estufa até o 
próprio poder das companhias petrolíferas. 
Mas a verdade é que se trata de uma fonte de 
energia com eficiência impressionante e da 
qual a humanidade vai continuar dependente 
ao menos durante todo o século XXI. 
patente nossa 
insustentabilidade.” 
“ 
Angry Beth 
Cidadania&MeioAmbiente 21
22 
Ricardo Abramovay é 
mestre em Ciências Po-líticas 
pela Universida-de 
de São Paulo (USP), 
doutor em Ciências 
Econômicas pela Uni-versidade 
de Campinas 
(Unicamp). Coordena-dor 
do Núcleo de Eco-nomia 
Socioambiental 
Só que com o próprio esgotamento 
do petróleo a eficiência econômica 
na extração vai sendo reduzida: em 
1930, o retorno energético do inves-timento 
em petróleo era de um para 
100. Ou seja, cada unidade de ener-gia 
gasta para extrair petróleo tradu-zia- 
se em cem unidades de energia 
obtidas. Hoje, a proporção caiu de 
um para 17, a profundidade média 
da extração subiu de 1000 para 2000 
metros e o tamanho médio de um 
novo campo diminuiu de 20 milhões 
para um milhão de barris. Estes cus-tos 
vão aumentar ainda mais como 
decorrência do acidente de Macon-do, 
o poço da BP que explodiu no 
Golfo do México. Em reportagem no 
Valor Econômico (17/11/2010), Sér-gio 
Gabrielli, presidente da Petro-bras, 
afirma que a indústria de pe-tróleo 
tem deficiências no sistema 
de segurança da exploração em águas pro-fundas. 
Corrigir estas deficiências significa 
aumentar os custos da exploração. 
A este inevitável aumento no preço do pe-tróleo 
acrescenta-se, é claro, a necessária 
cobrança pelas consequências destrutivas 
das emissões de gases de efeito. Ainda mais 
se forem levados em conta os trabalhos do 
mais importante especialista da NASA no 
assunto, James Hansen, de que não basta 
estancar as emissões, é necessário reduzir 
o nível de concentração de gases de efeito 
estufa na atmosfera se quisermos legar a 
nossos filhos ecossistemas mais ou menos 
próximos ao que conhecemos. O resultado 
é que o petróleo ficará mais caro em função 
de sua escassez, de seus crescentes cus-tos 
de exploração e dos riscos a que esta 
exploração se associa. Além disso, o uso 
do petróleo deverá ser taxado por seus im-pactos 
negativos sobre a biosfera. Claro que 
haverá um imenso esforço de captação de 
carbono, mas isso só vai contribuir para en-carecer 
as emissões, já que não se seques-tra 
carbono gratuitamente. 
O grande problema é que, apesar de tudo 
isso, nada indica, por enquanto, que as ener-gias 
alternativas poderão substituir o pe-tróleo 
como fonte de crescimento para a 
economia mundial. Uma conclusão possí-vel 
desta constatação é que este crescimen-to 
terá que ser contido, sobretudo para os 
países mais ricos do planeta cujas necessi-dades 
básicas já foram atingidas e que já 
possuem a infraestrutura necessária a uma 
vida social digna. O que chama a atenção é 
que a ideia de que deve haver limites ao 
crescimento econômico, repudiada como 
quase folclórica no início da década passa-da, 
ganha um prestígio crescente nos cír-culos 
de negócios e entre alguns dos mais 
importantes economistas contemporâneos. 
IHU – O PETRÓLEO DO PRÉ-SAL PODE FI-NANCIAR 
A TRANSIÇÃO DO BRASIL PARA UMA 
ECONOMIA COM MENOR EMISSÃO DE CARBO-NO? 
COMO? 
R.A. – Mesmo que do ponto de vista inter-nacional 
o desafio estratégico esteja na re-dução 
das emissões de gases de efeito estu-fa, 
seria insensato não organizar a explora-ção 
do pré-sal, tendo em vista o inevitável 
aumento da demanda mundial por petróleo. 
O importante é que parte significativa dos 
recursos do pré-sal seja dirigida para acele-rar 
a transição do Brasil para uma economia 
de baixo carbono, de maneira que os usuári-os 
dos resultados da exploração do pré-sal 
respondam pelo pagamento dos direitos de 
emissão ligados a seu uso. 
É fundamental que se ampliem os investimen-tos 
em ciência e tecnologia ligadas ao conhe-cimento 
dos mais importantes biomas do país 
para que o uso sustentável da biodiversida-de, 
a economia da floresta em pé, a economia 
do conhecimento da natureza possam ganhar 
escala e influir sobre o próprio padrão de cres-cimento 
da economia brasileira. 
IHU – QUE HERANÇAS O GOVERNO LULA 
DEIXA PARA O ATUAL PRESIDÊNCIA? 
R.A. – A contribuição mais impor-tante 
do governo Lula é de natu-reza 
institucional e se exprime em 
três realizações decisivas. A pri-meira 
refere-se à independência da 
Polícia Federal. É uma instituição 
respeitada e que leva adiante suas 
investigações de forma totalmen-te 
legal e profissional. O resultado 
é um avanço inédito na luta con-tra 
a corrupção em todos os ní-veis 
e por todo o país. Onde há 
eventuais abusos de autoridade, 
o país dispõe de mecanismos cla-ros 
para coibir. A segunda refere-se 
ao Ministério Público: de orga-nização 
meio folclórica e radicalói-de 
tornou-se hoje uma instituição 
coesa atuando em áreas que vão 
da corrupção ao meio ambiente, e 
atraindo para si alguns dos melho-res 
jovens talentos. O terceiro ele-mento 
importante refere-se ao próprio fun-cionalismo. 
O aumento na quantidade de 
” 
gestores públicos melhorou de forma im-pressionante 
a qualidade da máquina esta-tal. 
Dizer que nos últimos anos ampliaram-se 
os gastos com pessoal é um equívoco, 
pois não é esta a origem dos problemas do 
financiamento do Estado brasileiro e não 
leva em conta que gestores bem formados 
e bem pagos fortalecem justamente o cará-ter 
republicano do Estado. Quando se 
acrescentam a estes elementos institucio-nais 
o avanço na luta contra a pobreza e a 
desigualdade o resultado é que o país está 
em condições excepcionalmente favoráveis 
para enfrentar seu mais importante desafio 
econômico: mudar a qualidade de seu cres-cimento 
como base para aprofundar a luta 
contra a pobreza e a desigualdade. ■ 
(NESSA), atua no Programa de pesquisa Dinâ-micas 
Territoriais Rurais do Centro Latino-ame-ricano 
para el Deserrollo Rural (RIMISP), do 
Chile, e do International Development Resear-ch 
Center (IDRC), do Canadá. Entrevista con-cedida 
à IHU On-Line, publicação do Instituto 
Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade 
do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São 
Leopoldo, RS, em 22/11/2010. 
“ Seria insensato não explorar o 
pré-sal em vista do aumento de 
demanda mundial por petróleo. 
Minplanpac
homem e nature-za 
evoluem juntos. P O V O S I N D Í G E N A S 
Cidadania&MeioAmbiente 23 
O Xingu do século 21 
Em 2011, o Parque Indígena do Xingu 
está fazendo 50 anos. Algo profundo 
mudou na minha percepção de mundo en-quanto 
conhecia o parque e sua história du-rante 
a produção do filme “Xingu”. Sem dúvi-da, 
é um dos maiores patrimônios do Brasil - e 
nós, brasileiros, não temos a menor ideia do 
que ele representa e do que está protegido ali. 
Criado em 1961, é a primeira reserva de grandes 
proporções no Brasil. Abriga povos de cultura 
riquíssima e filosofia milenar, que vivem em 
equilíbrio, preservando seu modo de vida, sua 
dignidade, sua cultura e vasta sabedoria, assi-milando 
só o que vale a pena do “mundo de 
fora”, sempre em sintonia com a natureza exu-berante. 
Um verdadeiro santuário social, ambi-ental 
e histórico no coração do Brasil. 
Mas não estamos falando só de preservação 
do passado e da natureza. O que está sendo 
protegido ali é o futuro. Não o futuro visto 
com os óculos velhos, sujos e antiquados 
que enxergam o progresso da mesma maneira 
como enxergavam nossos bisavós na Revo-lução 
Industrial, mas o futuro do século 21. 
Esse talvez seja o maior patrimônio do Brasil 
hoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja, 
por Caio Hamburguer 
Carlos Império Hamburger é diretor de cine-ma 
e televisão. Atualmente finaliza o filme 
“Xingu”, sobre a criação do Parque Indígena. 
Artigo publicado em Folha de S. Paulo (6/02/ 
2011) e socializado por Gilvander Moreira, frei 
Carmelita, no www.ecodebate.com.br 
carne, ferro que tiramos do nosso solo, ou 
todo automóvel, motocicleta, geladeira que 
fabricamos. O que está protegido ali é um 
novo paradigma de como o ser humano pode 
e deve viver. Não estou dizendo que preci-samos 
morar em ocas, dormir em redes, to-mar 
banho no rio e andar nus. Falo de algo 
mais profundo. Algo novo para nós, ditos 
civilizados, que nascemos e fomos criados 
como os donos do planeta. Arrogantes e 
prepotentes, nos transformamos no maior 
agente destruidor do nosso próprio habitat. 
Um exército furioso de destruição. Um vírus 
que se multiplica e ataca, transformando e 
destruindo tudo o que encontra em seu ca-minho 
na presunção de que estamos cons-truindo 
um mundo melhor, mais seguro, mais 
confortável, mais rentável. 
No Xingu, progresso tem outro significa-do. 
No Xingu, homens e mulheres não vi-vem 
como donos do mundo, não foram cri-ados 
com essa arrogância. Vivem como parte 
da cadeia de vida do planeta, e essa cadeia 
é interligada e interdependente. O “progres-so” 
e o bem-estar dos homens estão liga-dos 
ao equilíbrio dessa cadeia. Para os ín-dios, 
homem e natureza evoluem juntos. 
GOLPE BAIXO 
Mas a megausina de Belo Monte quer repre-sar 
o rio Xingu. O rio que é a alma e a base da 
vida das comunidades indígenas da região. 
Um golpe baixo, em nome do progresso. Pro-gresso 
com os velhos parâmetros dos sécu-los 
19 e 20, que tem levado o mundo ao co-lapso 
social e ambiental. É isso que quere-mos? 
Se nossos dirigentes e a sociedade 
como um todo se interessassem em enten-der 
a filosofia, a cultura e a inteligência dos 
povos indígenas, abortariam qualquer pro-jeto 
que os ameaçasse. E poderíamos inau-gurar 
novo paradigma de progresso. 
O progresso do equilíbrio. Seríamos a van-guarda 
mundial do século 21. Essa é a de-manda. 
Essa é nossa chance. Sejamos co-rajosos, 
ousados, visionários. Como foram 
os que lutaram pela criação do Parque do 
Xingu há 50 anos. ■ 
AMEAÇADO 
No Xingu, homens e 
mulheres não são ar-rogantes 
donos do 
mundo. São parte da 
cadeia interligada e in-terdependente 
da vida 
planetária. Para o ín-dio, 
Mário Vilela/Funai. 
International Rivers 
Xingu 
Barragens propostas
À IDEOLOGIA 
Num manifesto ecopragmático, o ecólogo americano Stewart 
Brand postula a renovação da política através de uma corrente 
que encaminhe soluções práticas aos grandes desafios atuais: 
população, clima e biodiversidade. 
Os frustrantes resultados do proje 
24 
por José Eli da Veiga 
to político dos verdes decorrem de 
apego umbilical às iniciais reações 
aos impactos ambientais do produtivismo 
e do consumismo das sociedades contem-porâneas. 
Ficaram presos a sentimentalis-mos 
que não se traduzem em políticas ca-pazes 
de galvanizar as amplas bases soci-ais 
que até agora apoiaram a decadente so-cialdemocracia. 
Precisam com urgência da 
ajuda de uma corrente irmã que venha a 
renovar a vida política por assumir a postu-ra 
pragmática intrínseca aos engenheiros. 
Uma corrente que encaminhe soluções prá-ticas 
a grandes desafios – como o popula-cional, 
o climático, e o da biodiversidade – 
com sólidos alicerces nos avanços científi-cos, 
principalmente em três questões: a ge-nética, 
a nuclear e a urbana. 
Foi essa a conclusão a que chegou o sep-tuagenário 
ecólogo americano Stewart 
Brand após longuíssima e abnegada mili-tância 
verde. Esteve com a vanguarda da 
contracultura antes de lançar o legendário 
Whole Earth Catalog, em 1968, que rece-beu 
o National Book Award, em 1972. A ele 
adicionou a pioneira revista CoEvolution 
Quarterly, a partir de 1974. Ambos duraram 
até um claro ponto de mutação em meados 
dos anos 1980, a partir do qual Brand pas-sou 
a se empenhar na formulação de cená-rios 
futuristas, criando a Global Business 
Network, parte do Monitor Group, e mais 
tarde a The Long Now Foundation, da qual 
permanece presidente. 
No entanto, o fato biográfico indispensá-vel 
ao entendimento dessa trajetória foi, 
com certeza, sua experiência, entre 1975 e 
1983, de assessor direto do governador 
democrata da Califórnia Jerry Brown, que 
acaba de voltar ao posto. Foi dessa colabo-ração 
que saiu o exitoso programa de efici-ência 
energética, que hoje permite a um 
californiano consumir muito menos energia 
que os demais americanos, com metade das 
emissões per capita de gases de efeito es-tufa. 
Mesmo com um aumento da renda per 
capita de 80% em três décadas, a demanda 
Tornley 
de energia californiana não se alterou, en-quanto 
aumentava 50% em outros estados. 
Na assessoria de Jerry Brown, uma das prin-cipais 
funções de Brand foi organizar diálo-gos 
do governador com expressivos inte-lectuais 
das mais diversas especialidades. 
Em 1977, por exemplo, eles ouviram de Ja-mes 
Watson, um dos pais da descoberta da 
estrutura do DNA, uma confissão de arre-pendimento 
sobre a célebre conferência de 
geneticistas de Fevereiro de 1975, em Asilo-mar, 
da qual havia sido um dos coordenado-res. 
Ele já percebera que haviam sido exage-radas 
as restrições propostas nessa confe-rência, 
que logo depois foram adotadas por 
muitas instituições de saúde, e que, naquele 
exato momento, estavam sendo debatidas 
pela assembleia legislativa da Califórnia. 
Talvez seja por isso que a questão dos trans-gênicos 
apareça no “manifesto” de Stewart 
Brand como uma das mais impiedosas críti-cas 
que os verdes já tiveram oportunidade 
de receber. Começa dizendo que a oposição 
D E S E N V O L V I M E N T O 
TRIPLO 
DESAFIO 
VERDE
Rcman35
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Relatorio acoes dengue
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jornal Catanese
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Jornal Catanese
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Cidadania e meio ambiente
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Manutenção
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  • 1.
  • 2. E D I T O R I A L A revista Cidadania & Meio Ambiente é uma publicação da Câmara de Cultura Telefax (21)2487-4128 (21) 8197-6313 . 8549-1269 cultura@camaradecultura.org www.camaradecultura.org Diretora Editor Subeditor Projeto Gráfico Regina Lima regina@camaradecultura.org Hélio Carneiro carneiro@camaradecultura.org Henrique Cortez henrique@camaradecultura.org Lucia H. Carneiro lucia@camaradecultura.org Representante em Brasilia Armazem Eventos e Publicidade PABX (61) 30348677 atendimento@armazemeventos.com.br Colaboraram nesta edição Abner Ceniceros Aviña Alex Prud’Homme Caio Hamburguer Ellen K. Pikitch Flávio José Rocha da Silva Gloria De Las Fuentes Lacavex Haidé Maria Hupfer Helio Carneiro James A. Estes José Eli da Veiga Lester Brown Lucia Graves Newton Figueiredo Ricardo Abramovay Roberto Naime Sidney Graggan(NSF) Visite o portal EcoDebate www.ecodebate.com.br Uma ferramenta de incentivo ao conhe-cimento e à reflexão através de notícias, informações, artigos de opinião e artigos técnicos, sempre discutindo cidadania e meio ambiente, de forma transversal e analítica. Cidadania & Meio Ambiente também pode ser lida e/ou baixada em pdf no portal www.ecodebate.com.br A Revista Cidadania & Meio Ambiente não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos em matérias e artigos assinados. Editada e impressa no Brasil. Caros Amigos, Não bastassem as alterações climáticas naturais responsáveis por seguidas extinções em massa, a partir do momento em que o homem passou a caçar foi iniciado um irreversível processo de degradação ambiental via desequilíbrio da cadeia alimentar planetária, fato que agora atinge seu pa-roxismo. O estudo Redução Trófica no Planeta Terra, publicado na revista Science, explica como ocorreu o processo e como os grandes animais, consumidores de ponta da cadeia alimentar, influenciam de forma decisi-va a estrutura, a função e a biodiversidade dos ecossistemas naturais. A pesquisa do clima terrestre há 35 milhões de anos também se torna ferramenta balizadora do que o futuro imediato nos reserva, no plano das mudanças climáticas, se persistirmos no modelo de desenvolvimento emis-sor de gases de efeito estufa. No cenário climático remoto, os altos índices atmosféricos de CO2 aqueciam os trópicos em mais 5 a 10oC do que as médias atuais, enquanto as regiões polares eram 15 a 20oC mais quentes. Segundo os climatologistas que assinam o estudo Perspectives , a continuar o aquecimento global, a espécie humana e os ecossistemas globais correm o risco de enfrentar um sufocante quadro climático nunca antes vivenciado. As repercussões mais alarmantes das atuais mudanças climáticas já são sen-tidas nos processos de desertificação e de escassez de água, e na geopolíti-ca alimentar. O resultado pode ser constatado na miséria, na fome e nas migrações em massa de milhões de habitantes no Chifre da África (Somá-lia, Sudão, Etiópia). É definitivamente chegada a hora de redefinir como pensamos, consumimos e valorizamos a água. E não apenas a água doce, já que o ecossistema marinho também está em perigo: a Grande Mancha de Lixo Plástico do Pacífico prova a necessidade de despertarmos para o consumo consciente. O que só acontece quando se aprende a identificar produtos e comportamentos ecologicamente responsáveis, como sinaliza nesta edição o artigo Produtos verdes: mais transparência para o consumidor. A economia de baixo carbono que se busca implantar deve ser sustentada no conhecimento, não na destruição da natureza. Para tanto, temos de buscar aconselhamento nos melhores conhecedores do meio ambiente – os povos indígenas. Por coexistir milhares de anos em contato direto com a natureza e nela praticarem de forma intuitiva e espontânea o conceito de desenvolvimento sustentável, os indígenas têm muito a ensinar sobre o uso dos recursos naturais. Encerramos esta edição com um alerta sobre o glifosato, a substância química central do herbicida Roundup, o mais usado na agricultura mundial. Segundo relatório divulgado pela organização Earth Open Source, a partir de evidências fornecidas por fontes independentes, o herbicida precisa passar por urgente revi-são das normas regulatórias referentes a seu uso, pois é acusado de ser danoso ao meio ambiente e causar anomalias em fetos de animais e de humanos. Hélio Carneiro Editor ISSN217-630X 977217763007 034
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  • 4. 4 Nº 34 – 2011– ANO VI Capa: Planeta seco por GADL 5 9 10 14 16 18 20 23 24 26 28 30 Lixo plástico: o terror dos oceanos Um redemoinho de sacos, garrafas, redes de pesca e outros detritos plásticos envenena o ecossistema marinho: flora e fauna são vítimas do impacto do atual consumismo inconsciente. Descubra a dimensão e a gravidade desse problema ambiental. Por Hélio Carneiro Princípio Responsabilidade e Consumo Consciente O consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, onde o cidadão esclarecido e engajado pratica uma seleção natural de agentes culturais através do seu gesto consciente de consumo. Por Roberto Naime e Haide Maria Hupfer Escassez & Fome: a nova geopolítica alimentar Vive-se hoje um quadro geopolítico extremamente perigoso e potencialmente explosivo, já que a oferta mundial de alimentos não deve acompanhar as exigências alimentares coletivamente crescentes, fato que prenuncia um século 21 de “guerras por comida”. Por Lester Brown Produtos verdes: mais transparência para o consumidor Para surfar na onda verde e promover uma imagem ecologicamente responsável de produtos e serviços, muitas organizações se valem do greenwashing, que muitas vezes não passa de maquiagem verde. Confira aqui como triar o joio do trigo. Por Newton Figueiredo Terra – o passado tórrido prenuncia o clima futuro? Novas modelagens matemáticas permitem estudar os primeiros tempos climáticos da Terra e ajudam a compreender o que a humanidade poderá enfentar brevemente se a emissão de gases de efeito estufa continuar a aumentar. Por Sidney Graggan(NSF) Povos indígenas & proteção ambiental Os povos indígenas têm longa experiência na gestão dos recursos ambientais por coexistirem diretamente com a natureza e praticarem espontaneamente o conceito de desenvolvimento sustentável. Por Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña Economia de baixo carbono: o desafio brasileiro O Brasil pode continuar desempenhando papel de destaque na oferta de commodities ao mesmo tempo em que transita para uma economia de baixo carbono baseada no conhecimento, não na destruição da natureza. Por Ricardo Abramovay O Xingu do século 21ameaçado No Xingu, homens e mulheres não são arrogantes donos do mundo. São parte da cadeia interligada e interdependente da vida planetária. Para o índio, homem e natureza evoluem juntos, percepção que pode nos ensinar uma nova dimensão existencial. Por Caio Hamburguer Triplo desafio à Economia Verde Num manifesto ecopragmático, o ecólogo americano Stewart Brand postula a renovação da política através de uma corrente que encaminhe soluções práticas aos grandes desafios atuais: população, clima e biodiversidade. Por José Eli da Veiga Prevendo um planeta mais seco Na esteira das alterações ambientais, os climatologistas anunciam um flagelo em andamento – a seca. Para prevenir essa progressão galopante, o autor alerta que precisamos redefinir como pensamos, valorizamos e consumimos a água. Por Alex Prud’Homme Grandes predadores: vitais para o ecossistema A diminuição dos grandes predadores vem provocando, desde tempos imemoriais, mudanças dramáticas na cadeia alimentar dos ecossistemas terrestres, com reflexos na degradação do solo, da água, da vegetação e da atmosfera. Por Drs. Ellen K. Pikitch e James A. Estes Roundup causa anomalia em fetos A substância química central do herbicida mais usado na agricultura mundial volta ao banco dos réus após a liberação, pela Earth Open Source, de relatório que aponta os graves riscos do glifosato ao ser humano. Por Lucia Graves
  • 5. P O L U I Ç Ã O LIXO PLÁSTICO o terror dos oceanos por Helio Carneiro m redemoinho de sacos, garra-fas, redes de pesca e outros de-tritos plásticos envenena o ecos- Não apenas em Midway, mas em to-dos os oceanos e mares, as espécies que vivem no e do habitat marinho es-tão morrendo em número surpreendente, vítimas do impacto do atual consumis-mo inconsciente. As dolorosas imagens de Jordan alertam para uma crise eco-lógica em grande parte invisível e in-compreensível, mas implacável. Confira a devastadora dimensão do “maior lixão do planeta”, e saiba porque ele ganha volume a cada novo dia, como se forma, sua com-posição e gravidade, e o que pode-mos fazer para estancar o crescimento deste desastre ambiental. Chris Jordan/Ars Eletronica Usistema marinho do oceano Pacífico Norte. Para documentar os efeitos ne-fastos da Grande Mancha de Lixo do Pa-cífico, o fotógrafo Chris Jordan visitou o atol Midway, no coração da Grande Man-cha, e de lá trouxe imagens de filhotes de albatroz mortos em consequência dos de-tritos plásticos ingeridos. Nada foi encenado: as imagens retra-tam fielmente o conteúdo do estômago dos corpos em decomposição encontra-dos nas praias. Sequer uma única peça de plástico em qualquer das imagens colhidas foi rearranjada, aplicada, ma-nipulada, organizada ou alterada. Cidadania&MeioAmbiente 5
  • 6. A GRANDE MANCHA DE LIXO DO PACÍFICO Nem todo lixo termina em vazadouro ou é reciclado. Grande parte acaba nos rios, lago-as, praias e, infelizmente, nos oceanos, para constituir a Grande Mancha de Lixo do Pací-fico 6 – hoje o maior aterro sanitário da Terra. Ela se estende por centenas de milhares de kilômetros do Pacífico Norte, formando um lixão nebuloso e flutuante em alto-mar. É símbolo do maior problema mundial: o plás-tico, que começa em mãos humanas acaba dentro dos oceanos, muitas vezes nos es-tômagos ou ao redor dos corpos das espé-cies que vivem no e do habitat marinho. Muitos dizem que a mancha é uma “ilha de lixo”, um grande equívoco no dizer de Holly Bamford, diretora do Programa de Detritos Marinhos do The National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), agência federal norte-americana que estu-da os oceanos e a atmosfera (www.nooa. gov). “Se fosse apenas uma grande massa, nosso trabalho seria muito mais fácil”, deplora Bamford. Ao invés de “ilha flutuante”, a Grande Mancha é uma espécie de “galáxia de lixo” povoada por bilhões de pequenas ilhas de lixo subaquáticas dissimuladas ou espalha-das por muitos quilômetros. E isso torna difícil dizer com total precisão a dimensão real da mancha, apesar da muito citada afir-mação de que ela é tão grande quanto o estado americano do Texas. “Se é mesmo do tamanho do estado do Te-xas, como dizem, então é do tamanho da França, embora possa vir a ser até mesmo do tamanho de um continente. O mais gra-ve é que a mancha não é uma massa uni-forme, mas muitas massas dispersas. E mes-mo não podendo precisar sua real dimen-são, sabemos que seu principal componen-te é o plástico. E é aí que começam os pro-blemas”, informa Holly. PLÁSTICO: UM DESASTRE ECOLÓGICO Contrariamente a outros lixos, o plástico não é biodegradável, ou seja, os microorganis-mo que digerem outras substâncias não re-conhecem o plástico como comida, deixan-do- o flutuar para sempre. E o que ocorre? A luz solar realiza a “fotodegração” dos po-límeros plásticos, reduzindo o material a pe-quenos pedaços, fato que só piora as coi-sas. Desse jeito, o plástico nunca desapa-rece: torna-se microscópico e acaba entran-do A Grande Mancha de Lixo do Pacífico é formada por fragmentos de plástico e de outros materiais deitados ao mar nos quatro cantos do mundo e aglo-merados numa “galáxia de lixo” pelas correntes marinhas no Redemoinho Subtropical do Pacífico Norte. na cadeia alimentar de todos os organis-mos marinhos e, por extensão, na cadeia alimentar humana. O plástico constitui 90% de todo o lixo que bóia nos oceanos do mundo. O Programa Ambiental das Nações Unidas (PNUMA) es-timou, em 2006, que cada milha quadrada do oceano abriga 46.000 pedaços de plástico flu-tuante. Em algumas áreas, a quantidade de polímeros supera a de plâncton por uma rela-ção de seis para um. Dos mais de 100 bilhões de quilogramas de plástico que o mundo pro-duz por ano, cerca de 10% acabam no ocea-no, e 70% se depositam no fundo do oceano. O resto flutua, e boa parte termina nos rede-moinhos e nas manchas de lixo maciças. Cerca de 80% dos detritos da Grande Man-cha de Lixo do Pacífico são oriundos dos con-tinentes, boa parte de sacos, garrafas e ou-tros produtos de plástico. Redes de pesca perdidas nos oceanos constituem outros 10% de todo o lixo marinho – nada menos que 705.000 toneladas, segundo as estimativas. O lixo restante provém de embarcações de lazer, plataformas de petróleo offshore e grandes navios de carga que despejam no mar, a cada ano, o conteúdo de 10.000 containers rechea-dos de luvas de jardinagem, computadores, resinas de polímeros, brinquedos... Mas, ape-sar dessa diversidade – e da abundância de vidro, metal e borracha no lixão oceânico flu-tuante – a maior parte do material ainda é plás-tico, uma vez que tudo mais afunda ou biode-grada antes de chegar à mancha. Mas o Pacífico não é o único a sofrer este tipo de poluição. No excelente relatório Plas-tic Debris in the World’s Oceans (publica-do pela organização Greenpeace, em 2/11/ 2006, e que pode ser baixado em www.- greenpeace.org/international), informa que o fenômeno verificado no Pacífico ocorre com características semelhantes em todos os mares. O Mediterrâneo, por exemplo, agora tem parte do seu leito forrado de plás-tico. Todas as águas salgadas são vítimas da insustentável cultura do desperdício e da não reciclagem. COMO SE FORMA A MANCHA DE LIXO? A Terra tem cinco a seis grandes redemoi-nhos oceânicos – enormes espirais de água salina –, que se formam pela colisão de cor-rentes. O maior de todos é o Redemoinho Subtropical do Pacífico Norte, que preen-che quase todo o espaço entre o Japão e a Califórnia. Na parte superior deste redemo-inho, a algumas centenas de quilômetros ao norte do Havaí, as águas quentes do Pacífico Sul colidem com as águas mais fri-as do norte. Conhecida como Zona de Con-vergência Subtropical do Pacífico Norte, é ali que o lixo se deposita. Para os estudiosos da questão, esta zona de convergência assemelha-se a uma “megaro-dovia de lixo” (cerca de 13.000 peças por km2, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que estende os re-síduos de plástico num alongado corredor unindo de leste a oeste dois redemoinhos co-nhecidos como a Mancha de Lixo Oriental e a Ocidental. São esses dois sistemas que dão vida à Grande Mancha de Lixo do Pacífico. Dependendo de sua origem, pode levar vári-os anos para os detritos chegarem a esta área. O plástico pode ser levado do interior dos continentes ao mar através de esgotos, córregos e rios, ou simplesmente despejado no litoral. Não importa a maneira, mas ao cabo de uma viagem de seis a sete anos, o plásti-co passa a girar entre os redemoinhos, tam-bém alimentado pelas redes de pesca e ou-tros resíduos. Um dos mais conhecidos des-pejos de detritos ocorreu em 1992, quando 28.000 patinhos de plástico foram jogados às águas do Oceano Pacífico. Até hoje os brinquedinhos continuam a ser desovados nas praias de todo o mundo. POR QUE PLÁSTICO É UM GRAVE PROBLEMA? O lixo marinho ameaça a saúde ambiental de várias maneiras, a saber: Andréa Maschietto/MercuryNews Fonte:NOAA
  • 7. Este “redemoinho” concentra 2,4 milhões de peças de plástico, volume equivalente ao total de quilos de poluentes plásticos que adentram os oceanos a cada hora. Todas as peças de plástico que compõem esta foto foram coletadas por Chris Jordan na Grande Massa de Lixo do Pacífico. Cidadania&MeioAmbiente 7 Gyre /Chris Jordan’Sg. O Capitão Charles Moore, “descobridor” da Grande Mancha, numa praia do Pacífico coalhada de detritos plásticos despejados pelo redemoinho de lixo em suspensão. Algalita Marine Research Foundation ❚ Armadilhas. O crescente número de redes de pesca de plástico perdidas ou abandonadas é um dos detritos marinhos mais perigosos. As redes envolvem focas, tartarugas e outros ani-mais, causando “afogamento”. Esse quadro é conhecido como “pesca fantasma”. Com o aumento de pescadores que usam essas redes – de alta durabilidade e baixo custo – nos paí-ses desenvolvimento, mais redes são perdidas ou abandonadas nas águas... e muitas conti-nuam a “pescar por conta própria” durante anos. As mais perigosas são as redes com bói-as ancoradas no fundo do mar e que com cen-tenas de metros de profundidade. Qualquer espécie marinha pode ser amea-çada pelo plástico, mas as tartarugas pare-cem ser as mais suscetíveis. Além de serem capturadas por redes de pesca fantasmas, elas frequentemente engolem sacos plásti-cos ao confundi-los com medusas (água-viva), sua principal presa. E já se registrou casos de tartarugas que tiveram seus cor-pos deformados ao crescerem enforcados por anéis plásticos. ❚ Restos superficiais diminutos. Grânulos de resina plástica constituem outro componente comum do lixo marinho. Em todo o mundo, os grânulos de uso industrial são transportados, derretidos e moldados em objetos de plástico. Sendo pequenos e abundantes, eles podem facilmente se perder ao longo da ca-deia produtiva, acabando no mar. Eles ten-dem a flutuar e fotodegradar, ação que leva muitos anos. Nesse meio tempo, os grânulos causam estragos, especialmente nas aves marinhas, como o albatroz de cauda curta. Nas ilhas do Pacífico, os albatrozes dei-xam suas crias em terra quando saem para vasculhar a superfície do oceano em bus-ca de alimento rico em proteínas – espe-cialmente ovas –, pequenos pontos a boiar logo abaixo da superfície e, infeliz-mente, muito semelhantes a grânulos de resina. Os bem-intencionados albatrozes colhem as pelotas – junto com isqueiros e outros detritos flutuantes – e voltam à terra para alimentar com plástico indiges-to seus filhotes, que morrem de fome ou com os órgãos rompidos. Encontrar filho-tes de albatroz em decomposição com os estômagos recheados de pedaços de plás-tico deixou de ser fato raro. ❚ Fotodegradação. Como a luz solar que-bra os detritos flutuantes, a água de su-perfície engrossa com pedaços de plásti-co em suspensão. E isso é ruim por uma série de razões. Primeiro, pela “toxicida-de inerente”. O plástico muitas vezes contém substâncias químicas como o bisfenol-A e corantes – comprovadamen-te tóxicos para o meio ambiente e a saúde –, toxinas que vazam para a água do mar. Já foi demonstrado que o plástico absorve da água do mar poluentes orgâ-nicos pré-existentes, como os PCB, BPA e outras toxinas, que podem entrar na ca-deia alimentar se ingeridos acidentalmen-te por espécies marinhas. Ao todo já se contabilizaram cerca de 267 espécies in-toxicadas por plástico. O QUE PODEMOS FAZER? O descobridor da Grande Mancha de Lixo do Pacífico, o capitão Charles Moore, certa vez afirmou que o esforço para limpar o oce-ano “levaria à falência qualquer país e continuaria liquidando a vida marinha nas redes fantasmas”. Com isso, ele quis dizer que a tarefa é extremamente difícil. Entre as iniciativas globais, nacionais e in-ternacionais que visam proteger os ocea-nos dos detritos marinhos, a de maior al-cance é a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL). Em 1988, este acordo recebeu um Anexo vetando o despejo no mar de lixo e de materiais plásticos provenientes de navios; 122 países o ratificaram. Mesmo com o cumprimento total do MARPOL, o problema pesisitira, já que cerca de 80% do lixo que envenena o mar provêm de fontes terrestres. Outras ações incluem protoco-
  • 8. los operacionais de limpeza da linha costei-ra e do fundo do mar, bem como programas de educação ambiental ministrados desde o ingresso da criança na escola. Alguns países já restringiram o uso de saco-las de dados, eles são cobrados. Essa estraté-gia ajuda a conscientizar, mas no quadro geral da questão não passa de paliativo. Aumen-tar a conscientização para o não uso de sa-cos embalados em vidro, reduzir ao máximo os produtos à base de petróleo e reabilitar a velha sacola de pano são algumas suges-tões Embora todas as ações sejam importan-tes, Tal estratégia engloba cadeia a resíduo, redução, reutilização, reciclagem, res-ponsabilidade ecodesign. Só assim reduziríamos o uso maciço de plásticos/sintéticos, usando-os apenas quando absolutamente necessário. A adoção de “plástico biodegradável” poderá ser uma alternativa ambientalmen-te segura quando esse material se degra-dar Por ora, a solução mais efetiva é “fechar as torneiras” na fonte. É imperioso o descarte adequado do plástico via multiplicação das instalações de reciclagem e das facilidades de coleta nas coletividades. Além disso, a sociedade como um todo tem de aprender a exercer opções de compra não danosas ao ambiente, a melhor reutilizar o que pode ser reciclado, e a praticar o consumo conscien-te e sustentável. ■ 8 A METÁFORA DO SAQUINHO DE SUPERMERCADO Há mais de uma década eu assinava uma revista científica que vinha embalada com o tal plástico. Ele foi imediatamente para a composteira, o melhor lugar do mundo para biodegradação, com água, microorganismos e nutrientes à vontade. Seis meses depois me cansei. Tirei, lavei (estava intacto, como novo!) e o mandei para reciclagem. Quando os supermercados começaram a usar o saquinho oxibiodegradável, de novo peguei uma amostra, escrevi a data e coloquei na composteira. Tudo igual. Agora fui mais longe: minha esposa grávida tirou uma foto com o saquinho e nosso filho fará o mesmo, ano após ano. Este menino vai concluir o curso superior e o saquinho oxibiodegradável estará igual. Minha visão pessoal foi confirmada no artigo científico Polietileno degradável, fantasia ou realidade, assinado por Roy et al – gente que entende muito mais de química do que eu –, na Environmental Science & Technology, em abril de 2011. Na verdade tudo que estes saquinhos fazem é que eles se despedaçam na presença de calor, luz e oxigênio, mas em níveis muito superiores aos normais. Ainda pior, o interior de lixões/aterros sanitários tem os três fatores muito baixos. De qualquer jeito, você preferiria limpar um terreno baldio com 10 saquinhos ou 1000 pedacinhos? A única função do saquinho oxibiodegradável é aplacar a consciência daqueles que não conseguem organizar-se para usar uma sacola de compras igual a da vovó-ir-à-feira, que resolve não só a poluição, mas também o problema de carregar várias sacolinhas que machucam a mão e complicam a vida. Em entrevista recente, James Lovelock (1) disse que preocupar-se com saquinhos é como preocupar-se em arrumar as cadeiras do Titanic enquanto ele afunda. Ele está certo que o saquinho é uma parte pequena do gasto de combustíveis fósseis (de fato importa muito mais como você vai às compras do que como as carrega), mas está errado na escolha da metáfora. O saquinho está mais para a orques-tra do Titanic, que continuou tocando enquanto o barco afundava. Concreta-mente não fez diferença, mas ajudou melhorando o espírito geral. Estranho muito Lovelock criticar a luta contra os saquinhos, porque ele mesmo criou uma importante metáfora ambiental – Gaia –, que mesmo não fazendo sentido al-gum, fez muita gente pensar e agir melhor. As pessoas começam preferindo o saquinho oxibiodegradável, passam para a sacola de compras, daí vão às compras de bicicleta, para terminar se perguntan-do se precisam mesmo ir às compras. Nota do Editor: (1) James Lovelock, criador da teoria de Gaia e inventor do detector de captura de elétrons (ECD), que tornou possível a detecção de gases CFC (clorofluorocarboneto e de outros nanopoluentes atmosféricos). Os artigos científicos de Lovelock estão disponíveis em www.jameslovelock.org/page0.html Efraim Rodrigues – Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores.Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. E-mail: (efraim{at}efraim.com.br Texto publi-cado em www.ecodebate.com.br (17/05/2011). plásticas nos supermercados: ao invés e recipientes de plástico através de cam-panhas, estimular o consumo de produtos a serem adotadas pelos que são sensí-veis ao problema do lixo plástico. a solução definitiva está na implemen-tação de uma estratégia de resíduo res-ponsável, ou seja, o conceito “Lixo Zero”. de quem produz e rapidamente em substâncias não pe-rigosas ou tóxicas para o meio ambiente. Hélio Carneiro – Editor de Cidadania & Meio Ambiente. Fontes consultadas: PNUMA (Pro-grama das Nações Unidas para o Meio Ambi-ente); Captain Charles Moore (Out in the Paci-fic Plastic is Geting Drastic – www.alguita.com); David DeFranza (Message from the Gire – www.thetreehug.com); Russell McLendonWed e Jacob Silverman (www.howstuffworks.com); David Martin Garcia (www.ecoportal.net); Greenpeace (www.greenpeace.com); www.great garbagepatch.org; David Friedlande (Chris Jordan Takes Shots at the Trash Patch); Greg Boustead (Appetite for Destruction); http:// plasticpollutioncoalition.org “Faz muitos anos que venho percebendo que os chamados plásticos biodegradáveis não entregam o que vendem.” Efraim Rodrigues
  • 9. PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE E CONSUMO CONSCIENTE O consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, de um novo tipo de contratualismo onde o cidadão esclarecido e engajado pratica uma seleção natural de agentes civilizatórios através do seu gesto consciente de consumo. por Roberto Naime e Haide Maria Hupfer dos serviços da natureza em suas operações. E os governos estão sendo cada vez mais cobrados a regular a atividade empresarial em contornos de contratualismo civilizatório, antes só imagi-nado em termos de direitos civis e políticos. Este é o cenário que vem se desenhando. E neste contexto, a força dos indivíduos que exer-cem uma ação contratualística informal, mas muito eficiente, eliminando os agentes que per-cebem como nocivos e estimulando os agentes identificados como socioambientalmente respon-sáveis, com inestimável auxílio das redes soci-ais, representa uma realidade jamais antes imagi-nada. Esse contratualismo pode ser percebido no Princípio Responsabilidade defendido por Hans Jonas. É a responsabilidade perante o de-ver de existir. E a primeira de todas as responsa-bilidades é garantir a possibilidade de que haja responsabilidade. No cotidiano atual, a maioria das corporações está ciente de que, além de oferecer produtos e serviços de qualidade deve contribuir para o desenvolvi-mento sustentável, pois esta é uma concepção fun-damental até mesmo para garantir sua sobrevivên-cia e seu espaço no mercado de hoje e do futuro, como se fosse um acordo constitucional não redigi-do, mas muito eficaz e respeitado por todos. Hans Jonas não traz uma receita para o Princí-pio Responsabilidade. Ele mostra que a nature-za do agir humano transformou-se. O consumo consciente comporta um conteúdo inteiramente novo cuja dimensão de significado ainda está longe de ser a ideal, exigindo um fazer político e, con-sequentemente, uma nova ética ambiental. ■ Cidadania&MeioAmbiente 9 S O C I E D A D E Acivilização é um caminho sem volta para a humanidade. Poderia se discutir longamente a caminhada da humanidade desde o início da epopéia civilizatória até os contratualistas que começam com o exemplo mais evidenciado de Thomas Hobbes no seu “Leviatã” e praticamen-te não mais terminam. A sociedade moderna está sempre discutindo aprimoramentos contratualísticos e ninguém em sã consciência pensa em alterar esta fase do ciclo civilizatório, senão se pensa apenas em aperfei-çoar os mecanismos da civilização. Hans Jonas abre uma discussão ética sobre a relação do homem com a natureza. Ao se depa-rar com a exacerbação do antropocentrismo e com a vulnerabilidade da natureza se dá conta de que para evoluir é necessário trabalhar com uma nova dimensão de responsabilidade. Assim, a natureza como responsabilidade humana é sem dúvida um novum apresentado por Hans Jonas sobre uma nova teoria ética muito além do inte-resse na manutenção da natureza. O saber previdente torna-se um dever prioritário. Para Hans Jonas, nenhuma ética anterior viu-se obrigada a considerar a condição global da nature-za, da vida humana e das questões intergeracionais. Esse novo agir humano exige ir além do antropocentrismo e dos interesses de uma gera-ção. O princípio responsabilidade se estende para mais além. Devemos ouvir a natureza e reconhe-cer sua exigência como obrigatória, para além da doutrina do agir, ou seja, da ética, até a doutrina do existir das presentes e futuras gerações. Os direitos ambientais e difusos são incluídos por Norberto Bobbio e aceitos por todos como direitos fundamentais de terceira geração. Não cabe aqui fi-car discutindo a natureza jurídica das afirmações e para isto existem pessoas de muito mais habilitada formação e informação, capazes de desenvolver a temática com pleno domínio e inegável brilhantismo. Para nós, que trabalhamos profissionalmente com questões ambientais e que de uma maneira ou outra somos sujeitos de alguma forma de ambientalismo ideológico, o consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, de um novo tipo de contratualismo onde o cidadão esclarecido e engajado pratica uma seleção natural de agentes civilizatórios através do seu gesto consciente de consumo. Quando os consumidores ultrapassam os crité-rios de preço e fazem do seu gesto de consumo uma atitude que consideram ou percebem como engajada, escolhendo comprar de uma empresa que possui mais práticas sustentáveis, ou quan-do levam em conta a cadeia produtiva de tudo que consomem, considerando os impactos am-bientais identificados nas diversas fases do pro-cesso, estes consumidores estão exercendo um contratualismo informal que vai manter no mer-cado a todos os agentes percebidos como res-ponsáveis e que favorecem a vida e vai excluir do mesmo mercado todos os agentes que considera nocivos e que não favorecem a vida. Estes consumidores que estão atentos a práticas mais sustentáveis são os consumidores do futu-ro. Este exército desarmado, esta polícia não coercitiva não é constituída por poucos oníricos ou lunáticos. Este exército tem crescido cada vez mais, e representa o número de pessoas preocu-padas com a qualidade de vida. Em um mundo globalizado, um mundo cada vez mais complexo e veloz, onde as redes sociais tem um papel cada vez mais destacados, tanto as organizações como as pessoas só evoluem com práticas inspiradas no que se convenciona denominar sustentabili-dade. O que há em comum nestas práticas pode ser resumida em três conceitos trabalhados por Hans Jonas: totalidade, continuidade e futuro. Será cada vez menos provável, desenhar cenários econômicos que ignorem as questões socioambien-tais. Assim as culturas empresariais estão cada vez mais ecléticas e abrangentes, observando o mundo em uma visão holística que determina o estabeleci-mento de concessões que antes eram inimagináveis. Os mercados estão revendo suas lógicas de re-torno sobre investimento, assumindo os custos Haide Maria Hupffer é Doutora em Direito, inte-grante do corpo docente do Mestrado em Qualida-de Ambiental e do Curso de Direito da Universidade Feevale, e autora de Ensino Jurídico: Um novo ca-minho a partir da Hermenêutica. Roberto Naime é Doutor em Geologia Ambiental, integrante do cor-po docente do mestrado e doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, e colunista do portal www.ecodebate.com.br.
  • 10. a nova geopolítica alimentar que a oferta mundial de alimentos não deve acompanhar o crescente consumo à mesa. O século 21 prenuncia “guerras por comida”. Nos EUA, quando os preços mundi 10 À medida que terra e água se tornam mais escassas, a temperatura da Terra aumenta e a segurança alimentar se deteriora, cria-se um qua-dro geopolítico extremamente perigoso e potencialmente explosivo, já por Lester Brown ais do trigo sobem 75%, como no ano passado, isso significa a dife-rença entre um pão de US$2 e um de, talvez, US$2,10. Contudo, para quem vive em Nova Délhi, Índia, essa exorbitante alta de preços é crucial: a duplicação do preço mundial sig-nifica que o trigo custa duas vezes mais. Bem-vindos à nova economia alimentar de 2011: os preços estão subindo, mas o impac-to não será sentido de maneira equitativa. Para os americanos, que gastam menos de um décimo da sua renda no supermercado, a alta do preço dos alimentos é apenas um in-cômodo, não uma calamidade. Mas para os 2 bilhões de pessoas mais pobres do plane-ta, que gastam de 50% a 70% de sua renda em alimento, essa disparada dos preços pode significar apenas uma – não duas – refei-ções ao dia. E os que mal conseguem se se-gurar nos degraus mais baixos da escada econômica global correm o risco de despen-car de vez. Isso pode contribuir – e tem con-tribuído – para revoluções e insurgências. Com a quebra de safra prevista para este ano, com governos do Oriente Médio e da África cambaleando em função das altas de preços, e com mercados nervosos en-frentando um choque após outro, os ali-mentos rapidamente se tornaram um con-dutor oculto da política mundial. E crises como esta vão se tornar cada vez mais co-muns. A nova geopolítica dos alimentos parece muito mais vulnerável do que era. A escassez é a nova norma. Até pouco tempo, as súbitas altas de pre-ços não tinham tanta importância, pois ra- ESCASSEZ & FOME: Colin Crowley /Save the Children P O L Í T I C A A L I M E N T A R
  • 11. Cidadania&MeioAmbiente 11 pidamente os preços dos alimentos volta-vam aos níveis mais baixos, fato que aju-dou a moldar a estabilidade do final do sé-culo 20 em boa parte do planeta. Agora, po-rém, tanto as causas como as consequênci-as são sinistramente diferentes. Lamenta-velmente, as atuais altas de preços são cau-sadas por tendências que estão contribu-indo tanto para o aumento da demanda como dificultando o aumento da produção – en-tre elas, a rápida expansão da população mundial, os aumentos de temperatura que ressecam plantações e o esgotamento de poços de irrigação. Mais alarmante ainda, o mundo está per-dendo sua capacidade de mitigar o efeito da escassez. É por isso que a crise dos ali-mentos de 2011 é genuína, e por isso ela poderá trazer consigo novas combinações de revoltas do pão e revoluções políticas. E se as sublevações que saudaram os dita-dores Zine al-Abidine Ben Ali, na Tunísia; Hosni Mubarak, no Egito; e Muamar Kada-fi, na Líbia, não forem o fim da história, mas seu começo? Preparem-se, agricultores e chanceleres, para uma nova era em que a escassez mundial de alimentos vai moldar cada vez mais a política global. DEMANDA E PRODUÇÃO A duplicação dos preços mundiais dos grãos desde o início de 2007 foi impelida principalmente por dois fatores: o cresci-mento acelerado da demanda e a dificul-dade crescente de expandir rapidamente a produção. O resultado é um mundo que parece chocantemente distinto da genero-sa economia mundial de grãos do século passado. Como será a geopolítica dos ali-mentos numa nova era dominada pela es-cassez? Mesmo neste estágio inicial, pode-mos ver ao menos os contornos gerais da economia alimentar emergente. No lado da demanda, os agricultores agora enfrentam claras fontes de crescente pressão. A primeira é o crescimento populacional. A cada ano, os agricultores do mundo precisam alimentar 80 milhões de pessoas adicionais, quase todas em países em desenvolvimento. A população mundial quase dobrou desde 1970 e está a caminho de 9 bilhões em mea-dos do século. Ao mesmo tempo, os EUA, que um dia conseguiram atuar como um amortecedor global contra safras ruins, ago-ra estão convertendo quantidades imensas de grãos em combustível para veículos, em-bora “ o consumo mundial de grãos c que gira em torno de 2,2 bilhões de toneladas métricas por ano – esteja crescendo em ve-locidade acelerada. Mas a taxa em que os EUA estão convertendo grãos em etanol tem crescido ainda mais rapidamente. Essa capacidade massiva de converter grãos em combustível significa que o preço dos grãos está agora atrelado ao preço do petróleo. Assim, se o petróleo sobe para US$ 150 o barril ou mais, o preço dos grãos acompanhará a alta, já que se torna mais lucrativo converter grãos em substitutos do petróleo. E esse não é um fenômeno ape-nas americano: o Brasil, que destila etanol de cana-de-açúcar, é o segundo maior pro-dutor depois dos EUA, enquanto a União Europeia, que pretende obter 10% de sua energia de transporte de energias renová-veis, em sua maioria biocombustíveis até 2020, também está desviando terras de cul-turas alimentares para fins energéticos. ESCASSEZ DE ÁGUA Essa não é apenas uma história sobre a de-manda crescente por alimentos. Do esgota-mento de lençóis freáticos à erosão de so-los e às consequências do aquecimento global, tudo significa que a oferta mundial de alimentos provavelmente não acompa-nhará nossos apetites coletivamente cres-centes. Tome-se o caso da mudança climá-tica: a regra prática entre ecologistas da produção vegetal é que, para cada 1oC de aumento da temperatura acima do ótimo para a estação de crescimento, os agricultores podem esperar uma quebra de 10% no ren-dimento dos grãos. Essa relação foi confir-mada dramaticamente durante a onda de calor de 2010, na Rússia, que reduziu a sa-fra de grãos do país em quase 40%. Com a elevação das temperaturas, os lençóis freáticos estão diminuindo na medida em que os agricultores bombeiam em excesso para irrigação. Isso infla artificialmente a produção de alimentos no curto prazo, criando uma bo-lha alimentar que estoura quando os aquífe-ros são esgotados e o bombeamento é neces-sariamente reduzido à taxa de recarga. No conjunto, mais da metade da população mundial vive em países onde os lençóis fre-áticos estão diminuindo. O Oriente Médio árabe politicamente convulsionado é a pri-meira região geográfica onde a produção de grãos atingiu o pico e começou a declinar por escassez de água, apesar de as popula-ções continuarem a crescer. A produção de grãos já está diminuindo na Síria e no Iraque e, em breve, poderá declinar no Iêmen. Mas as maiores bolhas alimentares estão na Índia e na China. Como esses países enfrentarão a escassez inevitável quando os aquíferos fo-rem esgotados? Ao mesmo tempo em que estamos secando nossos poços, também maltratamos nossos solos, criando novos desertos. A erosão do solo decorrente do excesso de cultivo e do manejo indevido da terra está solapando a produtividade de um terço das terras cultiváveis do mundo. Qual a gravidade disso? Imagens de satéli-te mostram duas novas e imensas bacias de areia: uma se estendendo pelo norte e o oeste da China e oeste da Mongólia, a ou-tra cruzando a África Central. A civilização pode sobreviver à perda de suas reservas de petróleo, mas não pode sobreviver à perda de suas reservas de solo. Nesta era de retração dos suprimentos ali-mentícios mundiais, a capacidade de culti-var alimentos está rapidamente se tornan-do uma nova forma de alavancagem geo-política, e os países estão tratando de ga-rantir seus próprios interesses paroquiais às custas do bem comum. TERRAS ESTRANGEIRAS Temendo não ser capaz de comprar os grãos necessários no mercado, alguns países mais ricos, liderados pela Arábia Saudita, Coreia Jakob Dall/Danish Red Cross No conjunto, mais da metade da população mundial vive em países onde os lençóis freáticos estão diminuindo.”
  • 12. 12 Lester R. Brown é presidente do Earth Policy Institute (www.earth-policy.org). O artigo The New Geopolitics of Food foi publicado originalmente na revista Foreign Policy (www.foreignpolicy.com) edição de maio/junho 2011. do Sul e China, tomaram, em 2008, a medida incomum de comprar ou arrendar terras em outros países para cultivar grãos para si pró-prios. A maioria dessas compras de terras é na África, onde alguns governos arrendam terras cultiváveis por menos de US$ 2,5 por hectare/ano. Entre os principais destinos estão Etiópia e Sudão, países onde milhões de pessoas estão sendo sustentadas pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU. Muitos dos acordos de terras foram feitos se-cretamente e, na maioria dos casos, a terra en-volvida já estava em uso por aldeões quando foi vendida ou arrendada. Com frequência, os que já estavam cultivando a terra não foram consultados nem sequer informados dos no-vos acordos. A hostilidade local a essas apro-priações de terra é a regra, não a exceção. Em 2007, quando os preços dos alimentos começaram a subir, o governo chinês assi-nou um acordo com as Filipinas para arren-dar 1 milhão de hectares de terras destina-das a cultivar alimentos que seriam embar-cados para a China. Quando a notícia va-zou, o clamor público obrigou Manila a sus-pender o acordo. Um clamor parecido aba-lou Madagascar, onde uma empresa sul-coreana, a Daewoo Logistics, havia tenta-do obter direitos sobre mais de 1,2 milhão de hectares. Notícias sobre o acordo ajuda-ram a criar um furor político que derrubou o governo e obrigou o cancelamento do tra-to. Aliás, poucas coisas são mais propen-sas a alimentar insurgências do que privar pessoas de suas terras. Equipamentos agrí-colas são facilmente sabotados. Os cam-pos de grãos maduros queimam rapidamen-te quando se lhes ateia fogo. Essas aquisições representam um investi-mento potencial de estimados US$50 bilhões em agricultura nos países em desenvolvi-mento. Então, perguntamos: no que isso ampliará a produção mundial de alimentos? Não sabemos, mas a análise do Banco Mun-dial indica que somente 37% dos projetos serão dedicados a culturas alimentares. A maior parte da terra adquirida até agora será usada para produzir biocombustíveis e ou-tras culturas de interesse industrial. Mesmo que alguns desses projetos acabem por aumentar a produtividade da terra, quem se beneficiará? Se virtualmente todos os insu-mos – equipamentos agrícolas, fertilizantes, pesticidas, sementes – são comprados do ex-terior e se toda a produção é enviada para fora “ do país, a contribuição para a economia do país hospedeiro será mínima. Por enquanto, as apropriações de terras contribuíram mais para provocar agitação social do que para aumentar a produção de alimentos. DISPUTA Ninguém sabe onde chegará essa crescente competição por suprimentos alimentares, mas o mundo parece estar se afastando da cooperação internacional que evoluiu por décadas, depois da 2ª Guerra, para a filo-sofia de cada país por si. O nacionalismo alimentar poderá ajudar a garantir supri-mentos aos países ricos, mas pouco fará para melhorar a segurança alimentar do planeta. Aliás, os países de baixa renda que hospedam terras arrendadas ou importam grãos provavelmente sofrerão uma deteri-oração de sua situação alimentar. Depois da carnificina de duas guerras mun-diais e dos descaminhos econômicos que levaram à Grande Depressão, os países se uniram, em 1945, para criar a ONU, ao final-mente perceber que no mundo moderno não podemos viver em isolamento por mais ten-tador que isso possa parecer. O Fundo Mo-netário Internacional foi criado para ajudar a gerir o sistema monetário e promover a esta-bilidade econômica e o progresso. As agên-cias especializadas da ONU, da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) têm importantes papéis no mundo de hoje. Tudo isso promoveu a cooperação internacional. Mas embora a FAO colete e analise dados agrícolas globais e forneça assistência téc-nica, não há nenhum esforço organizado para garantir uma adequação dos suprimen-tos mundiais de alimentos. O presidente francês Nicolas Sarkozy está propondo lidarmos com a alta dos preços dos alimentos via redução da especulação nos mercados de commodities. Por útil que isso possa ser, trata apenas os sintomas da insegurança alimentar crescente, não as cau-sas, como o crescimento populacional e as mudanças climáticas. O mundo precisa se concentrar hoje não só na política agrícola, mas numa estrutura que a integre a políticas energética, demográfica e hídrica, que afe-tam diretamente a segurança alimentar. PERIGO Isso, porém, não está ocorrendo. Em vez dis-so, à medida que terra e água se tornam mais escassas, que a temperatura da Terra sobe e a segurança alimentar mundial se deteriora, instala-se uma geopolítica perigosa de es-cassez de alimentos. A apropriação de terra, de água e a compra de grãos diretamente de produtores em países exportadores são hoje parte integrante de uma luta global de poder por segurança alimentar. Com estoques de grãos baixos e a volatilida-de climática aumentando, os riscos crescem. Hoje estamos à beira da ruptura do sistema alimentar, que poderá se manifestar a qual-quer momento. Talvez não tenhamos sorte para sempre. O que hoje está em questão é se o mundo conseguirá ir além de se concentrar nos sintomas da deterioração da situação ali-mentar e atacar suas causas subjacentes. Se não conseguirmos aumentar o rendimento agrícola com menos água e conservar os solos férteis, muitas áreas agrícolas deixarão de ser viáveis. E isso vai muito além dos agricultores. Se não conseguirmos agir de forma rápida e emergencial para estabilizar o clima, talvez não sejamos capazes de evitar uma disparada dos preços dos alimentos. Se não conseguirmos acelerar o declínio demográfico e estabilizar a população mundial, as filas de famintos conti-nuarão a aumentar. A hora de agir é agora – antes que a crise dos alimentos de 2011 se tor-ne a nova normalidade. ■ A erosão do solo decorrente do excesso de cultivo e do manejo indevido da terra está solapando a produtividade de um terço das áreas cultiváveis do mundo.”
  • 14. Produtos “verdes”: mais transparência para o consumidor 14 Para surfar na onda verde e promover uma imagem eco-logicamente res-ponsável de produ-tos e serviços, mui-tas organizações se valem do green-washing. No entan-to, declarar-se eco-friendly ou ambien-talmente sustentá-vel muitas vezes não passa de ma-quiagem verde. Confira aqui como triar o joio do trigo. por Newton Figueiredo Diversas pesquisas realizadas no Brasil e no mundo continuam confirmando que nós, brasileiros, somos a nação mais preocupada com as consequências das mu-danças climáticas, e que uma boa parcela da população está disposta até a pagar mais por produtos que possam ajudar a cons-truir uma sociedade mais justa e com me-lhor qualidade de vida. Várias empresas têm identificado uma nova forma de melhorar a rentabilidade ao ofere-cer produtos que atenderiam essa nova de-manda por parte dos consumidores. Já ou-tras pesquisas indicam que o consumidor está cada vez mais informado e espera que o varejo seja um filtro de ética e de respon-sabilidade socioambiental na seleção de produtos que lhe são oferecidos. Seja por desconhecimento, por acreditar na palavra do fornecedor ou mesmo por falta de ética, os consumidores são bombardea-dos por propagandas enganosas do tipo “amigável ao meio ambiente”. Contudo, temos que destacar três esforços, realizados nos últimos dois anos, no sentido de ajudar as empresas a desenvolverem uma comunicação ética com o consumidor. A pri-meira foi o lançamento, pioneiro no Brasil, do Guia SustentaX de Comunicação Responsá-vel com o Consumidor (1), em 2009. Em 2010, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desen-volvimento Sustentável (CBDES) lançou o Guia de Comunicação e Sustentabilidade (2). Apesar dessas iniciativas, inúmeras propa-gandas e publicidades continuaram a vei-cular na mídia impressa e digital produtos ditos “ecologicamente corretos”, “amigá-veis ao meio ambiente” e coisas dessa na-tureza, muitos afrontando a inteligência de pessoas medianamente informadas. Assim, em boa hora, sai o terceiro esforço, agora regulador: a nova regulamentação do Con-selho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) para a promoção de produtos com apelos de sustentabilidade (3). As pessoas estão ávidas para contribuir para um mundo melhor e ter mais qualidade de vida. E, muitas vezes, imaginando esta-rem na direção correta, ao comprar algo que lhe foi apresentado como “verde” ou “mais ecológico” ou “mais sustentável’, acabam contribuindo para negócios que não res-peitam a sociedade, seja do ponto de vista R E S P O N S A B I L I D A D E S O C I A L
  • 15. REFERÊNCIAS DISPONÍVEIS EM: (1)http://www.selosustentax.com.br/pdf/guia_sustentax.pdf. (2)http://www.cebds.org.br/cebds/manualdesustenta bilidade.pdf (3) http://www.conar.org.br/html/noticias/070611.html FOTOS ABERTURA: Toban Black / Ecolabs / Rainforest Action Network / Shira Golding / Spike55151 Newton Figueiredo é fundador e presidente do Grupo SustentaX, que desenvolve de forma inte-grada o conceito de sustentabilidade para corpo-rações. Mais informações: www.Grupo- SustentaX.com.br Artigo publicado em EcoDebate (13/7/2011); colaboração de Janaína S. e Silva. Para saber mais sobre greenwashing, recomendamos a leitura do dossiê Greenwashing no Brasil, disponível em www.ideiasustentavel. com.br/2010/10/greenwashing-no-brasil/2/ Cidadania&MeioAmbiente 15 social ou ambiental. São os chamados pro-dutos verdes irresponsáveis, promovidos por desconhecimento, omissão ou ainda por “picaretas verdes”. As situações mais co-mumente encontradas são: 1. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILI-DADE SOCIAL DO FABRICANTE – Por exemplo, objetos de decoração feitos na Índia, no Vi-etnam, em Bangladesh e em outros pobres países asiáticos, vendidos com frequência em lojas e em sites. Ao comprar um objeto desses, normalmente de baixa tecnologia in-trínseca, que poderiam muito bem ser pro-duzidos no Brasil, inclusive em comunida-des carentes, o consumidor contribui para a importação de miséria e mais violência em nossas cidades. Nessa direção também são importadas, por incrível que possa parecer, “ecobags” de países como o Camboja! Mui-tas vezes esquecemos que o impacto pode levar à desindustrialização e ao aumento do desemprego. Outro segmento importante é o da confecção. Afinal, de nada adianta a roupa ser feita de algodão orgânico certifi-cado se a sua produção se dá de forma irres-ponsável para com os trabalhadores da con-fecção. De quem é a responsabilidade nes-ses casos? Do varejista, pois é ele que dis-ponibiliza o produto em sua prateleira e, por-tanto, tem a responsabilidade de selecionar o que irá vender. Essa é a verdadeira postura de uma empresa sustentável ou, como ou-tras gostam de se expressar, “eco-friendly”. 2. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILI-DADE AMBIENTAL DO FABRICANTE – Aqui, a preocupação é do mesmo diapasão da res-ponsabilidade social. De nada adianta o al-godão ser orgânico se sua produção ou confecção que o utilizou contaminaram o meio ambiente pela não destinação correta dos resíduos da produção. Essa preocupa-ção toma uma dimensão importante quan-do o produto é importado de países que não dispõe de uma legislação ambiental à altura das necessidades atuais de proteção da biodiversidade planetária. Hoje, o Brasil tem, por força do valor de sua moeda, im-portado de tudo, em especial de países asi-áticos que, em sua maioria, têm legislações menos rigorosas que a brasileira. Assim, ao importar sem verificar a responsabilidade socioambiental do fabricante estrangeiro, o importador-varejista está, no mínimo, co-metendo um procedimento não ético ao pro-mover seu produto como “verde” para um consumidor que, naturalmente, esperaria que esse controle fosse feito. “ 3. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA NÃO TOXIDADE DO PRODUTO – Muitas empresas que se pro-põem a atuar no oferecimento de produto “verde”, “eco-friendy” ou “sustentável” por vezes se esquecem de analisar adequada-mente esse atributo essencial da sustentabi-lidade: a toxidade à saúde humana e à bio-diversidade. Outras, por ignorância ou ir-responsabilidade, confundem o público ao chamar a atenção para as características da embalagem (reciclada, por exemplo) ou para outros atributos, deixando de lado o que ver-dadeiramente importa: o não comprometi-mento da saúde do consumidor. Nesse caso, os melhores exemplos estão na área de pro-dutos de limpeza altamente tóxicos (desin-fetantes, água sanitária…), propalados como “mais sustentáveis” apenas porque suas embalagens são de material reciclado! Ou-tros chamam a atenção para o fato de serem “biodegradáveis”, sem nada informarem sobre os prejuízos à biodiversidade natural nem sobre a toxidade em humanos. Ocorrên-cias semelhantes são encontradas na área de cosméticos, a começar pelos sabonetes e xampus. De quem é a responsabilidade por esses erros? Normalmente, das equipes de compras (que não exigem comprovações) e de algumas equipes de marketing, que que-rem se aproveitar da onda verde. 4. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE QUALIDADE – Embora mais raro, esse problema ainda exis-te, especialmente, na área de brindes. Conti-nua em alguns segmentos do comércio um entendimento, totalmente errôneo, de que para se ter a imagem ligada às questões de sustentabilidade é preciso vinculá-la à eco-logia, rusticidade, primitivismo e aspectos primários. A consequência é que passa a ocorrer uma mistura desses conceitos com a de baixa qualidade de produtos. É muito co-mum irmos a eventos onde são distribuídas horrorosas canetas feitas de bambu ou de plástico reciclado. Consequência: desperdí-cio! Vale a pena também, além dos aspectos de design agradável, estar atento às ques-tões relativas à durabilidade e ao desempe-nho, especialmente de produtos importados, pelas dificuldades de solução de problemas e de recuperação de imagem em pós-venda. A tendência do mercado de produtos susten-táveis é de grande crescimento nos próximos anos. A expansão de lojas físicas e virtuais mostra que esse é um caminho lucrativo e sem volta. Entretanto, é sempre bom ter em mente que a reputação da marca será cons-truída com ética e respeito junto ao consumi-dor. Já passou a época do consumidor mal informado. Hoje tudo está disponível on-line, especialmente os comentários sobre a serie-dade com que a empresa trata seus clientes. Selecionar fornecedores responsáveis e ofe-recer informações transparentes, verdadeiras, seguras e consistentes para que o consumi-dor possa tomar sua própria decisão de com-pra será um dos caminhos para a diferencia-ção competitiva, a fidelização de clientes e o sucesso da marca. Uma das formas de encur-tar o caminho será o de oferecer produtos já avaliados no que se refere à sua sustentabili-dade. Nesse caso, selos emitidos por tercei-ras partes, como Conpet, Cerflor, Ecocert, Procel e Sustentax são uma forte indicação para o consumidor final da consistência das afirmações de atributos de sustentabilidade e uma forma de mitigar os riscos para a imagem e os negócios do lojista. ■ Os consumidores são bombardeados por propagandas enganosas do tipo ‘amigável ao meio ambiente’.” Fotdmike
  • 16. As primeiros eras climáticas de nosso pla-neta ajudam a compreender e antecipar o que poderemos enfentar brevemente. Novo estudo realizado por Jeffrey 16 Kiehl, do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica (NCAR), examina a relação entre a temperatura global e os altos níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera há dezenas de milhões de anos. A análise conclui que a magnitude das mu-danças climáticas no passado remoto da Terra sugere que as temperaturas futuras podem eventualmente subir muito mais do que o previsto, se a sociedade continuar seu ritmo de emissão de gases de efeito estufa (GEE). Segundo Kiehl, se as emissões de CO2 con-tinuarem no ritmo de emissão atual até o final deste século 21, as concentrações at-mosféricas de GEE atingirão os mesmos ní-veis verificados há cerca de 30 a 100 mi-lhões de anos atrás – quando a média da temperatura global era 16oC acima dos ní-veis pré-industriais. Kiehl informa que as temperaturas globais podem levar séculos ou milênios para ajustar-se totalmente em resposta aos níveis mais elevados de CO2. Segundo o estudo e com base em recentes modelagens computadorizadas de proces-sos geoquímicos, os níveis elevados de CO2 podem permanecer na atmosfera por dezenas de milhares de anos. O estudo também indica que o sistema cli-mático do planeta, em longos lapsos de tem-po, pode se tornar pelo menos duas vezes mais sensível ao CO2 – como prevêem as modelagens – do que geralmente indicam as tendências sobre o aquecimento de curto prazo. Isso porque até mesmo os sofistica-dos modelos computadorizados ainda não foram capazes de incorporar, em seus ban-cos dados, processos críticos como a perda das camadas de gelo, que ocorre ao longo de séculos ou milênios, e amplificar os efei-tos precursores de aquecimento do CO2. “Se não começarmos a trabalhar seria-mente para reduzir as emissões de carbo-no, vamos colocar o planeta numa trajetó-ria nunca antes experimentada pela espé-cie humana. Estaremos condenando a ci-vilização a viver em um mundo totalmente diferente e por várias gerações”, diz Kiehl. O artigo Perspectives, publicado na revista Science, reúne estudos recentes que exami-nam vários aspectos do sistema climático aos quais Khiel aplicou modelagem mate-mática por ele estruturada para estimar as temperaturas médias globais no passado distante. Sua análise da resposta do siste-ma climático a níveis elevados de CO2 é apoiada por estudos anteriores. “Esta pesquisa mostra que o espelhamento das evidências de mudanças ambientais em registros geológicos com modelos matemá-ticos do clima futuro é crucial. Talvez as pa-lavras de Shakespeare ‘o passado é o prólo-go’ também se apliquem ao clima”, lança David Verardo, Diretor do Paleoclimate Pro-gram do National Science Foundation (NSF). Kiehl focou sua análise numa questão funda-mental: qual foi a última vez que a atmosfera da Terra conteve tanto dióxido de carbono quanto no final do século passado e agora? Se a sociedade continuar aumentando a quei-ma de combustíveis fósseis no ritmo atual, os níveis atmosféricos de dióxido de carbono devem chegar a 900 a 1.000 partes por milhão até o final deste século – valores muito acima dos atuais 390 partes por milhão e 280 partes por milhão dos tempos pré-industriais. Uma vez que o CO2 é um gás de efeito estu-fa que retém o calor na atmosfera da Terra, ele é fundamental para regular o clima do planeta. Sem o dióxido de carbono, o plane-ta congelaria. Mas quando o nível atmosfé-rico de CO2 aumenta, como por vezes acon-teceu no passado geológico remoto, as tem-peraturas globais aumentam dramaticamen-te e gases de efeito estufa adicionais, tais A Q U E C I M E N T O G L O B A L TERRA o passado tórrido prenuncia
  • 17. O texto original Earth’s Hot Past: Prologue to Future Climate? foi publicado em www.eoearth. org (14/01/2011). Tradução e adaptação C&MA. O texto do estudo de Kiehl, com o títu-lo Perspectives, pode ser encontrado na edição de junho 2011 jornal Science. Cidadania&MeioAmbiente 17 como vapor d’água e metano, alcançam a atmosfera através de processos relaciona-dos à evaporação e ao descongelamento. O que leva a um aquecimento adicional. As evidencias coletadas por Kiehl também estão lastreadas na análise das estruturas moleculares de materiais orgânicos fossilizados que revelam terem os níveis de dióxido de carbono chegado a 900-1.000 par-tes por milhão há cerca de 35 milhões de anos. Naquela época, as temperaturas em todo o planeta foram substancialmente mais quente do que atualmente, especialmente nas regiões polares – mesmo com o Sol emitindo energia ligeiramente mais fraca. Então, os altos níveis de CO2 na atmosfera aqueciam os trópicos em mais 5 a 10oC do que as médias hoje verificadas. E as regi-ões polares chegavam a ter 15 a 20 oC acima das temperaturas atuais. Os modelos matemáticos ensaidos por Kiehl estabeleceram que a temperatura média anu-al da Terra, há 30-40 milhões de anos, era de cerca de 31 oC – substancialmente maior do que a temperatura média pré-industrial, de cerca de 15oC. O estudo também descobriu que o CO2 pode ter duas vezes ou mais efei-to sobre a temperatura global do que o atu-almente previsto pelos modelos climáticos computadorizados. As mais destacadas modelagens computa-dorizadas do mundo projetam que a dupli-cação da atual taxa de CO2 atmosférico impactaria um aquecimento na faixa de 0,5 a 1,0oC/watts/m2. (Esta unidade é a medida da sensibilidade climática da Terra a mu-danças por GEE.) No entanto, os dados pu-blicados por Khiel mostram que o impacto comparável de CO2 há 35 milhões de anos foi de cerca de 2oC/watts/m2. As modelagens computadorizadas conseguem captar os efeitos de curto prazo do aumento de CO2 na atmosfera. Mas o registro do passado geológico da Terra abarca efeitos a longo pra-zo, o que explica a discrepância nos resulta-dos. O eventual derretimento das camadas de gelo, por exemplo, leva a aquecimento adicio-nal, pois as superfícies escuras expostas na terra ou na água absorvem mais calor do que as camadas de gelo. “Esta análise indica que em escalas de tempo mais longas, nosso pla-neta pode ser muito mais sensíveis a gases de efeito estufa do que pensávamos”, alerta Kiehl. Por essa razão, para implementar a acuracidade de suas pesquisas, os climatologistas estão adicionando a suas modelagens representa-ções mais sofisticadas das camadas de gelo, além de outros fatores. Como estes avanços estão on-line, Kiehl acredita que as modelagens computacionais e os registros paleoclimáticos estão próximos de um acordo, fato que evidenciará serem os impactos do CO2sobre o clima ao longo do tempo provavelmente muito mais substanci-ais do que apontam os atuais dados. Pelo fato de o CO2 estar sendo lançado à atmosfe-ra a taxas nunca antes experimentadas, Kiehl não pode estimar o tempo que o planeta leva-ria para se aquecer plenamente. No entanto, Kiehl – e pares – sabem que mes-mo um sensível aquecimento tornará especial-mente difícil a adaptação das sociedades e dos ecossistemas às novas temperaturas. Se as emissões continuarem em sua trajetória atual, “a espécie humana e os ecossistemas globais serão colocados em um quadro climático nun-ca antes vivenciado na história humana”, vaticina com propriedade o estudo. ■ por Sidney Graggan/National Science Foundation o clima futuro?
  • 18. Um dos fatores a serem considera-dos 18 na conservação do meio ambi-ente é a preservação da diversi-dade cultural ou antropodiversidade, ten-do em conta que autonomia das comunida-des indígenas e desenvolvimento susten-tável constituem binômio indissolúvel que precisa ser preservado não só para o bem do índio como o da humanidade como um todo. Por essa razão, as agências internaci-onais têm recomendado a manutenção das populações rurais em seus sítios de origem por constituírem ferramenta de apoio ao pla-nejamento ordenado do território em cujo desenho elas se incorporam como atores sociais. Sem exceção, os grupos étnicos das diferentes latitudes do mundo estão direta-mente ligados à gestão adequada dos re-cursos naturais. Por isso, os povos indíge-nas foram incluídos na Estratégia de Con-servação Mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Re-cursos Naturais. Em geral, os grupos étnicos têm longa ex-periência na gestão dos recursos naturais, uma vez que vivem desde tempos imemori-ais em contato direto com a natureza, dela obtendo os serviços para satisfazer suas necessidades. Mesmo que não tenham de-finido o conceito de desenvolvimento sus-tentável, tais povos o vem praticando des- E C O C I D A D A N I A Povos autóctones têm longa experiên-cia na gestão dos recursos ambientais por coexistirem di-retamente Povos indígenas & proteção ambiental por Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña com a natureza e pratica-rem espontanea-mente o conceito de desenvolvimento sustentável. de sempre. De acordo com dados arqueo-lógicos obtidos por Michael D. Coe, em 1962, no México, por 14 mil anos o homem vem gestando experiência no uso dos re-cursos naturais. Esta experiência inclui o de-senvolvimento em diferentes fases: caça, coleta e agricultura primitiva. Ao se estabelecerem as primeiras áreas na-turais protegidas, a fim de impedir que a in-dustrialização, as novas agrotecnologias e a expansão demográfica prejudicassem sítios que pareciam virgens da presença destruti-va do homem, verificou-se que, em muitos casos, tais espaços não careciam de habi-tantes, pelo contrário, tais territórios alber-gavam sociedades humanas autóctones. A alegação de que para melhor preservar estes locais é necessário remover os habi-tantes originais ou estabelecer regulamen-tos de proteção ambiental não leva em con-ta que a relação entre tais comunidades e o meio ambiente tem sido um dos principais fatores de manutenção e preservação dos nichos ecobiológicos lá existentes. Afinal, foram os conhecimentos transmitidos de ge-ração a geração que permitiram às ativida-des das ditas sociedades serem economi-camente sustentáveis ao estimular a contí-nua renovação dos recursos naturais nas áreas sob sua administração. Os povos indígenas são os habitantes origi-nais de muitas áreas hoje protegidas e/ou res-tritas a atividades substancialmente nocivas ao meio ambiente natural. Essas populações contam com um conhecimento minucioso e sofisticado do meio ambiente onde vivem, saberes que a investigação científica atual levaria anos para decifrar. Tais conhecimen-tos são utilizados pelas comunidades para ide-alizar a implementação de estratégias de de-senvolvimento e de uso da natureza em seus espaços de vida, ao mesmo tempo que pre-servam o meio ambiente – não pela simples idéia de conservação – mas por terem pleno conhecimento e consciência de que a sobre-exploração dos recursos impacta não apenas a natureza, o ambiente e a paisagem, mas, em última instância, compromete o sustento e o próprio futuro de sua comunidade. Os membros de uma cultura indígena estão cientes do delicado equilíbrio entre os dife-rentes seres. Isso pode ser percebido na ideologia de muitos desses povos, basea-da no princípio de que existe uma afinidade entre os seres humanos e todos os outros seres vivos na Terra. Neste contexto podemos afirmar que as cul-turas indígenas têm participado ativamente da conservação ambiental em geral e da bio-diversidade em particular. Por isso, é vital que Francesco Muratori
  • 19. REFERÊNCIA: (1) Villoro, Luis. “En torno al derecho de autonomía de los pueblos indígenas”, en Cultura y Derechos de los Pueblos Indígenas de México. p.167 Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña – Professores da Facultade de Ciencias Administrativas y Sociales na Universidad Autónoma de Baja California, México. Texto origi-nal publicado em www.ecoportal.net Cidadania&MeioAmbiente 19 tais comunidades permaneçam em seus sítios de origem, para que suas práticas de obten-ção de matérias-primas da natureza possam apoiar os programas governamentais de pro-teção ou restauração de áreas protegidas. POVOS INDÍGENAS: O DIREITO À AUTONOMIA O direito à autodeterminação dos povos foi estabelecido ao final da Segunda Guerra Mun-dial, pela Carta das Nações Unidas, que prevê, nos artigos 1º e 55º o direito de todos os povos à autodeterminação. Este conceito tem sido reafirmado, como na Convenção das Nações Africanas, em Nairóbi, em 1981. Desde então, o direito internacional denuncia um problema recorrente e ainda não resolvido adequadamen-te: a relação entre direitos individuais, que re-metem ao indivíduo, e direitos dos povos, que remetem ao sujeito coletivo. Os povos sujeitos ao Direito de Autodeter-minação devem preencher certas caracte-rísticas, em conformidade ao espírito da Car-ta das Nações Unidas. Em primeiro lugar, a comunidade deve constitutir uma cultura distinta que se manifesta, entre outros fa-tores, através de linguagem, de costumes tradicionalmente aceitos, de estilos de vida, de instituições sociais e de regras de relacionamento. Em segundo, que os mem-bros da comunidade tenham plena consci-ência de pertencer a um povo vinculado a um território geográfico natural. RESERVAS: A SOLUÇÃO AMERICANA Nos Estados Unidos, as reservas indíge-nas são a forma de reconhecimento do di-reito à autodeterminação dos povos, ou seja, o reconhecimento da autoridade tribal. Em muitas ocasiões, este sistema foi conside-rado uma forma de apartheid, embora as tribos não sejam obrigadas necessariamen-te a residir em uma reserva, que vem a ser uma extensão de terra gerida por tribos na-tivas, sob a égide do Bureau de Assuntos Indígenas, do Departamento do Interior dos EUA (United States Department of the In-terior’s Bureau of Indian Affair). Há cerca de 300 reservas indígenas nos EUA, o que significa que muitas das mais de 500 tribos reconhecidas não têm uma reserva, embora algumas tenham mais de uma. No exercício do poder investido pela Cons-tituição, uma das primeiras leis aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos foi a Lei de Comércio e de Intercâmbio com os Índios, de 1790. Ela especifica que apenas o governo federal pode fazer acordos com as tribos, colocando todos os aspec-tos do intercâmbio entre índios e não-índi-os sob controle federal. Entre 1823 e 1831, três casos julgados pela Suprema Corte Federal definiu os eixos da legislação e da política indígena america-nas, a saber: ❚ As tribos gozam de certo grau de sobera-nia em virtude do seu estatuto político e territorial original. ❚ Esta soberania pode estar sujeita à redu-ção ou supressão pelo governo federal dos EUA, mas não por governos estaduais. ❚ A soberania limitada das tribos e sua de-pendência dos EUA impõem ao governo federal a obrigação moral de cuidar das tri-bos, devendo assumir a responsabilidade pela saúde e bem-estar das comunidades. Em razão da venda de terras, algumas reser-vas foram seriamente fragmentadas. Cada parcela de terra pertencente a grupos étni-cos nativos da América do Norte é um en-clave independente, e a mistura de proprie-dades imobiliárias públicas e privadas aca-bou criando graves problemas administrati-vos. A unidade de governo com jurisdição sobre reservas indígenas é o conselho tri-bal, não as instâncias federal, estadual ou municipal. E as reservas indígenas muitas vezes contam com seus próprios sistemas de governaça, que podem ou não reproduzir as formas encontradas fora da reserva. A assinatura do tratado com os índios Dela-ware, em 1787, marcou o início de um período de quase um século em que o governo federal firmou mais de 650 acordos, 370 deles confirmados. Os tratados geralmente contêm cláusulas relativas à manutenção da paz, da caça, da pesca e dos direitos dos índios, e o reconhecimento, por parte das tribos, da au-toridade do governo federal ou sua proteção. A partir da década de 1820, os tratados passa-ram a concentrar-se na transferência de terras tribais e na criação de reservas, fato que se refletiu na política de remoção e transferên-cia dos índios para as terras do oeste, a fim de facilitar a expansão territorial do país. A remo-ção forçada das Cinco Tribus Civilizadas do sudeste do Oklahoma, por exemplo, foi trági-ca: a comunidade foi forçada a caminhar mais de 2.800 milhas, no que ficou conhecido como “Trail of Tears” (trilha das lágrimas). No início da demarcação das reservas, as tri-bos foram impedidas de praticar a caça como o faziam ancestralmente, fato que levou seus membros a ter de aprender e se adaptar às práticas da agricultura de subsistência nas novas terras, muitas nada ideais e outras total-mente impróprias ao cultivo, o que trouxe a fome a muitas etnías que haviam firmado tra-tado com o governo federal. Por vezes, os mesmos tratados incluíram acordos de con-cessão de bens anuais a algumas tribos. Mas a implementação desta política foi errática, e não raro os bens nunca foram entregues. Quando os EUA adquiriram do México os territórios que hoje compreendem os esta-dos do sudoeste do país, o governo federal continuou a fazer acordos com as tribos da-quela região. Esses tratados levaram à cria-ção de um vasto sistema de reservas nos os índios podem exercer os seus direitos à au-todeterminação. De qualquer modo, a políti-ca de criação de reservas foi controversa desde o início, uma vez que estabelecidas de forma compulsória e, em muitos casos, com a oposição dos colonos brancos à dimen-são das reservas demarcadas. ■ Os povos indígenas crêem no princípio de afinidade entre os seres humanos e todos os outros seres vivos na Terra.” “ Global Humanitaria
  • 20. O Brasil pode continuar desempenhando papel de destaque na oferta de commodities ao mesmo tempo em que transita para uma economia de baixo carbono baseada no conhecimento e não na destruição da natureza. por Ricardo Abramovay 20 Economia de baixo carbono: O DESAFIO BRASILEIRO IHU ON-LINE – COMO REPENSAR A POLÍTI-CA ECONÔMICA BRASILEIRA A PARTIR DA QUES-TÃO AMBIENTAL? Ricardo Abramovay – O país tem hoje uma situação privilegiada que pode usar de for-ma inteligente ou desperdiçar. Este privilé-gio exprime-se no fato de que a transição para uma economia de baixo carbono – ca-paz de compatibilizar seu crescimento com a preservação dos serviços ecossistêmicos básicos – pode ser levada adiante de forma muito menos traumática que na maioria dos países com a importância econômica do Bra-sil. A matriz energética brasileira é dependente de combustíveis fósseis em pouco mais de 50% (embora a presença das termelétricas esteja aumentando de forma preocupante). A média mundial é superior a 85% e a dos países mais ricos do planeta ultrapassa 90%. A redução no desmatamento da Amazônia aumenta a probabilidade de que os compro-missos internacionais quanto à emissão de gases de efeito estufa sejam cumpridos. O fundamental, então, é que estas vanta-gens sejam utilizadas para fazer da socieda-de brasileira um exemplo internacional na relação entre economia e ecossistemas. Isso se traduz por três elementos básicos. Em primeiro lugar, é preciso que, da mes-ma forma que está ocorrendo na União Eu-ropeia, no Japão, na China e nos EUA, a inovação industrial tenha por vetor funda-mental a preocupação em reduzir ao mínimo o uso de materiais e energia por unidade de produto. Isso exige rastreamento mais apro-fundado não só das emissões de gases de efeito estufa, mas dos impactos da produ-ção material sobre a biodiversidade e, de maneira geral, sobre os materiais consumi-dos pela indústria. Além da chamada pega-da de carbono, é fundamental rastrear a pegada de água e de todos os materiais usados na produção. O segundo elemento refere-se à Amazônia: não é possível que ela continue sendo enca-rada estrategicamente como o local de onde se extraem minérios, onde se produz energia e como o paraíso das commodities. É verda-de que melhoram, nos últimos anos, as con-dições de exploração de energia, minérios e commodities. Mas ainda estamos a anos-luz da recomendação de Bertha Becker e Carlos Nobre, no documento de 2008 da Academia Brasileira de Ciências, de construção de uma D E S E N V O L V I M E N T O Neil Palmer
  • 21. economia baseada no conhecimento da natureza, no uso sustentável da flo-resta em pé. Estamos assim desperdi-çando uma riqueza nacional fantástica e, mais que isso, a oportunidade de desenvolver um padrão de uso dos recursos produtivos que pode ser exemplar em termos internacionais. O terceiro elemento refere-se ao pró-prio padrão de consumo atual. A con-trapartida da redução da pobreza e da desigualdade é que deixa ainda mais patente a insustentabilidade do padrão de consumo que marca a sociedade bra-sileira. Quem mora em São Paulo perce-be que a aspiração e o verdadeiro culto à propriedade de um automóvel indivi-dual, sua transformação não numa utili-dade, mas num valor é apenas um exem-plo de que aumento da renda não con-duz necessariamente a aumento do bem-es-tar. Isso não significa que a renda dos mais pobres deva parar de crescer. Significa que os padrões de consumo atuais tão concen-trados em produtos alimentares de má quali-dade, num padrão de mobilidade urbana in-sustentável e em formas de moradia apoia-das em imenso desperdício, devem ser dis-cutidos e modificados. O Plano Brasileiro de Ação para Produção e Consumo Sustentá-veis – PPCS, atualmente em consulta públi-ca, é um avanço importante nesta direção. IHU – A PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF PRO-METEU ERRADICAR A MISÉRIA E REDUZIR A POBRE-ZA A APENAS 4% DA POPULAÇÃO ATÉ 2014. O PAÍS TEM CONDIÇÕES DE CONTINUAR REDU-ZINDO A POBREZA, CONSIDERANDO O ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO? R.A. – Há duas dimensões importantes nes-ta pergunta. A primeira é que o sucesso em cada passo adicional na luta contra a pobreza é mais difícil que o passo anterior. Os que se encontram em situação de misé-ria absoluta são indivíduos e famílias – na maior parte dos casos, famílias monopa-rentais dirigidas por mulheres, com frequ-ência por mulheres relativamente idosas – distantes de redes básicas de solidarieda-de capazes de suprir suas necessidades em momentos mais críticos e de abrir horizon-tes de mudança de vida em termos de em-prego ou oportunidade de geração de ren-da. Se a ideia é realmente zerar a miséria absoluta, um caminho importante é a for-mação de equipes de agentes de desen-volvimento capacitados a dialogar com estas famílias e, sobretudo, a lhes abrir con-tatos O típico padrão de consumo da sociedade brasileira torna e oportunidades que permitam recu-perar sua auto-estima e ampliar o horizonte social em que vivem. Os custos de forma-ção de uma rede de agentes de desenvolvi-mento seriam certamente compensados pela redução na demanda por atendimento de urgência por parte destas famílias. A segunda dimensão fundamental está na necessidade de se avançar muito mais na luta contra a desigualdade. Isso não depende estritamente de política econômica e sim de decisões que se referem à disponibilidade de assistência de qualidade às crianças desde a primeira infância e à qualidade do ensino pú-blico. Mais que de renda, o Brasil é um país em que ainda há uma profunda desigualdade de expectativas entre os filhos dos ricos e os que vêm de famílias pobres. O passo mais importante para extirpar a miséria absoluta é criar uma sólida rede de proteção à infância e uma política consistente de aumento na qua-lidade do ensino público e que permita que todos tenham a aspiração de cursar as me-lhores universidades e ingressar nos melho-res postos do mercado de trabalho. Não se pode deixar de mencionar também as diferen-ças brutais na qualidade dos serviços de saú-de de que desfrutam ricos e pobres no Brasil. Isso é um elemento que não apenas desper-diça vidas, mas que corrói o sentimento míni-mo de solidariedade que deve marcar uma sociedade democrática. IHU – A ESTRATÉGIA DE MANTER O BRASIL COMO O CELEIRO DO MUNDO ESTÁ NA CON-TRAMÃO DA TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BASEADA NA BAIXA EMISSÃO DE CARBONO? R.A. – O Brasil pode continuar desem-penhando papel de destaque na oferta de commodities, ao mesmo tempo em que transita para uma economia de bai-xo carbono baseada no conhecimento, não na destruição da natureza. Os seg-mentos mais esclarecidos do agronegó-cio já se deram conta disso e não é por outra razão que as mesas redondas da soja, dos biocombustíveis e da pecuá-ria avançaram tanto. A produção brasi-leira de commodities sairá fortalecida de uma decisão em que os próprios empre-sários endossem uma política de des-matamento zero em todos os biomas do país e não só na Amazônia. Não é pos-sível imaginar que seja necessário per-sistir no desmatamento da caatinga como base para a produção de gesso ou de ferro gusa. O desmatamento é a expressão do capitalismo brasileiro da primeira metade do século XX, que, entre-tanto, ainda tem uma força extraordinária. Um dos grandes desafios dos próximos anos é o fortalecimento de coalizões em-presariais que façam da preservação dos serviços ecossistêmicos básicos uma das fontes fundamentais de inovação tecnoló-gica e de ganhos econômicos. Mas, para isso, é fundamental sinalizar que aumento da produtividade e produção de qualidade não combinam com devastação. IHU – A PARTIR DA DESCOBERTA DE RESERVAS DO PRÉ-SAL, QUAL DEVE SER A POSIÇÃO DO BRASIL FRENTE À QUESTÃO ENERGÉTICA E AMBIENTAL? R.A. – O ponto de partida para esta resposta é a constatação da extraordinária eficiência energética do petróleo. Thomas Homer-Dixon e Nick Garrison, em Carbon Shift - How the Twin Crisis of Oil Depletion and Climate Change Will Define the Future (Random House, Canada) não hesitam em afirmar que a população mundial quadruplicou no último século graças ao petróleo. “Convertemos pe-tróleo em comida e comida em bilhões de pessoas”, dizem eles. Três colheres de petró-leo cru contêm tanta energia quanto oito ho-ras de trabalho humano. No último século a quantidade de energia por hectare nas terras agrícolas aumentou cerca de 80 vezes. É ób-vio que há inúmeras consequências negati-vas no uso do petróleo, que vão da poluição e das emissões de gases de efeito estufa até o próprio poder das companhias petrolíferas. Mas a verdade é que se trata de uma fonte de energia com eficiência impressionante e da qual a humanidade vai continuar dependente ao menos durante todo o século XXI. patente nossa insustentabilidade.” “ Angry Beth Cidadania&MeioAmbiente 21
  • 22. 22 Ricardo Abramovay é mestre em Ciências Po-líticas pela Universida-de de São Paulo (USP), doutor em Ciências Econômicas pela Uni-versidade de Campinas (Unicamp). Coordena-dor do Núcleo de Eco-nomia Socioambiental Só que com o próprio esgotamento do petróleo a eficiência econômica na extração vai sendo reduzida: em 1930, o retorno energético do inves-timento em petróleo era de um para 100. Ou seja, cada unidade de ener-gia gasta para extrair petróleo tradu-zia- se em cem unidades de energia obtidas. Hoje, a proporção caiu de um para 17, a profundidade média da extração subiu de 1000 para 2000 metros e o tamanho médio de um novo campo diminuiu de 20 milhões para um milhão de barris. Estes cus-tos vão aumentar ainda mais como decorrência do acidente de Macon-do, o poço da BP que explodiu no Golfo do México. Em reportagem no Valor Econômico (17/11/2010), Sér-gio Gabrielli, presidente da Petro-bras, afirma que a indústria de pe-tróleo tem deficiências no sistema de segurança da exploração em águas pro-fundas. Corrigir estas deficiências significa aumentar os custos da exploração. A este inevitável aumento no preço do pe-tróleo acrescenta-se, é claro, a necessária cobrança pelas consequências destrutivas das emissões de gases de efeito. Ainda mais se forem levados em conta os trabalhos do mais importante especialista da NASA no assunto, James Hansen, de que não basta estancar as emissões, é necessário reduzir o nível de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera se quisermos legar a nossos filhos ecossistemas mais ou menos próximos ao que conhecemos. O resultado é que o petróleo ficará mais caro em função de sua escassez, de seus crescentes cus-tos de exploração e dos riscos a que esta exploração se associa. Além disso, o uso do petróleo deverá ser taxado por seus im-pactos negativos sobre a biosfera. Claro que haverá um imenso esforço de captação de carbono, mas isso só vai contribuir para en-carecer as emissões, já que não se seques-tra carbono gratuitamente. O grande problema é que, apesar de tudo isso, nada indica, por enquanto, que as ener-gias alternativas poderão substituir o pe-tróleo como fonte de crescimento para a economia mundial. Uma conclusão possí-vel desta constatação é que este crescimen-to terá que ser contido, sobretudo para os países mais ricos do planeta cujas necessi-dades básicas já foram atingidas e que já possuem a infraestrutura necessária a uma vida social digna. O que chama a atenção é que a ideia de que deve haver limites ao crescimento econômico, repudiada como quase folclórica no início da década passa-da, ganha um prestígio crescente nos cír-culos de negócios e entre alguns dos mais importantes economistas contemporâneos. IHU – O PETRÓLEO DO PRÉ-SAL PODE FI-NANCIAR A TRANSIÇÃO DO BRASIL PARA UMA ECONOMIA COM MENOR EMISSÃO DE CARBO-NO? COMO? R.A. – Mesmo que do ponto de vista inter-nacional o desafio estratégico esteja na re-dução das emissões de gases de efeito estu-fa, seria insensato não organizar a explora-ção do pré-sal, tendo em vista o inevitável aumento da demanda mundial por petróleo. O importante é que parte significativa dos recursos do pré-sal seja dirigida para acele-rar a transição do Brasil para uma economia de baixo carbono, de maneira que os usuári-os dos resultados da exploração do pré-sal respondam pelo pagamento dos direitos de emissão ligados a seu uso. É fundamental que se ampliem os investimen-tos em ciência e tecnologia ligadas ao conhe-cimento dos mais importantes biomas do país para que o uso sustentável da biodiversida-de, a economia da floresta em pé, a economia do conhecimento da natureza possam ganhar escala e influir sobre o próprio padrão de cres-cimento da economia brasileira. IHU – QUE HERANÇAS O GOVERNO LULA DEIXA PARA O ATUAL PRESIDÊNCIA? R.A. – A contribuição mais impor-tante do governo Lula é de natu-reza institucional e se exprime em três realizações decisivas. A pri-meira refere-se à independência da Polícia Federal. É uma instituição respeitada e que leva adiante suas investigações de forma totalmen-te legal e profissional. O resultado é um avanço inédito na luta con-tra a corrupção em todos os ní-veis e por todo o país. Onde há eventuais abusos de autoridade, o país dispõe de mecanismos cla-ros para coibir. A segunda refere-se ao Ministério Público: de orga-nização meio folclórica e radicalói-de tornou-se hoje uma instituição coesa atuando em áreas que vão da corrupção ao meio ambiente, e atraindo para si alguns dos melho-res jovens talentos. O terceiro ele-mento importante refere-se ao próprio fun-cionalismo. O aumento na quantidade de ” gestores públicos melhorou de forma im-pressionante a qualidade da máquina esta-tal. Dizer que nos últimos anos ampliaram-se os gastos com pessoal é um equívoco, pois não é esta a origem dos problemas do financiamento do Estado brasileiro e não leva em conta que gestores bem formados e bem pagos fortalecem justamente o cará-ter republicano do Estado. Quando se acrescentam a estes elementos institucio-nais o avanço na luta contra a pobreza e a desigualdade o resultado é que o país está em condições excepcionalmente favoráveis para enfrentar seu mais importante desafio econômico: mudar a qualidade de seu cres-cimento como base para aprofundar a luta contra a pobreza e a desigualdade. ■ (NESSA), atua no Programa de pesquisa Dinâ-micas Territoriais Rurais do Centro Latino-ame-ricano para el Deserrollo Rural (RIMISP), do Chile, e do International Development Resear-ch Center (IDRC), do Canadá. Entrevista con-cedida à IHU On-Line, publicação do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, RS, em 22/11/2010. “ Seria insensato não explorar o pré-sal em vista do aumento de demanda mundial por petróleo. Minplanpac
  • 23. homem e nature-za evoluem juntos. P O V O S I N D Í G E N A S Cidadania&MeioAmbiente 23 O Xingu do século 21 Em 2011, o Parque Indígena do Xingu está fazendo 50 anos. Algo profundo mudou na minha percepção de mundo en-quanto conhecia o parque e sua história du-rante a produção do filme “Xingu”. Sem dúvi-da, é um dos maiores patrimônios do Brasil - e nós, brasileiros, não temos a menor ideia do que ele representa e do que está protegido ali. Criado em 1961, é a primeira reserva de grandes proporções no Brasil. Abriga povos de cultura riquíssima e filosofia milenar, que vivem em equilíbrio, preservando seu modo de vida, sua dignidade, sua cultura e vasta sabedoria, assi-milando só o que vale a pena do “mundo de fora”, sempre em sintonia com a natureza exu-berante. Um verdadeiro santuário social, ambi-ental e histórico no coração do Brasil. Mas não estamos falando só de preservação do passado e da natureza. O que está sendo protegido ali é o futuro. Não o futuro visto com os óculos velhos, sujos e antiquados que enxergam o progresso da mesma maneira como enxergavam nossos bisavós na Revo-lução Industrial, mas o futuro do século 21. Esse talvez seja o maior patrimônio do Brasil hoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja, por Caio Hamburguer Carlos Império Hamburger é diretor de cine-ma e televisão. Atualmente finaliza o filme “Xingu”, sobre a criação do Parque Indígena. Artigo publicado em Folha de S. Paulo (6/02/ 2011) e socializado por Gilvander Moreira, frei Carmelita, no www.ecodebate.com.br carne, ferro que tiramos do nosso solo, ou todo automóvel, motocicleta, geladeira que fabricamos. O que está protegido ali é um novo paradigma de como o ser humano pode e deve viver. Não estou dizendo que preci-samos morar em ocas, dormir em redes, to-mar banho no rio e andar nus. Falo de algo mais profundo. Algo novo para nós, ditos civilizados, que nascemos e fomos criados como os donos do planeta. Arrogantes e prepotentes, nos transformamos no maior agente destruidor do nosso próprio habitat. Um exército furioso de destruição. Um vírus que se multiplica e ataca, transformando e destruindo tudo o que encontra em seu ca-minho na presunção de que estamos cons-truindo um mundo melhor, mais seguro, mais confortável, mais rentável. No Xingu, progresso tem outro significa-do. No Xingu, homens e mulheres não vi-vem como donos do mundo, não foram cri-ados com essa arrogância. Vivem como parte da cadeia de vida do planeta, e essa cadeia é interligada e interdependente. O “progres-so” e o bem-estar dos homens estão liga-dos ao equilíbrio dessa cadeia. Para os ín-dios, homem e natureza evoluem juntos. GOLPE BAIXO Mas a megausina de Belo Monte quer repre-sar o rio Xingu. O rio que é a alma e a base da vida das comunidades indígenas da região. Um golpe baixo, em nome do progresso. Pro-gresso com os velhos parâmetros dos sécu-los 19 e 20, que tem levado o mundo ao co-lapso social e ambiental. É isso que quere-mos? Se nossos dirigentes e a sociedade como um todo se interessassem em enten-der a filosofia, a cultura e a inteligência dos povos indígenas, abortariam qualquer pro-jeto que os ameaçasse. E poderíamos inau-gurar novo paradigma de progresso. O progresso do equilíbrio. Seríamos a van-guarda mundial do século 21. Essa é a de-manda. Essa é nossa chance. Sejamos co-rajosos, ousados, visionários. Como foram os que lutaram pela criação do Parque do Xingu há 50 anos. ■ AMEAÇADO No Xingu, homens e mulheres não são ar-rogantes donos do mundo. São parte da cadeia interligada e in-terdependente da vida planetária. Para o ín-dio, Mário Vilela/Funai. International Rivers Xingu Barragens propostas
  • 24. À IDEOLOGIA Num manifesto ecopragmático, o ecólogo americano Stewart Brand postula a renovação da política através de uma corrente que encaminhe soluções práticas aos grandes desafios atuais: população, clima e biodiversidade. Os frustrantes resultados do proje 24 por José Eli da Veiga to político dos verdes decorrem de apego umbilical às iniciais reações aos impactos ambientais do produtivismo e do consumismo das sociedades contem-porâneas. Ficaram presos a sentimentalis-mos que não se traduzem em políticas ca-pazes de galvanizar as amplas bases soci-ais que até agora apoiaram a decadente so-cialdemocracia. Precisam com urgência da ajuda de uma corrente irmã que venha a renovar a vida política por assumir a postu-ra pragmática intrínseca aos engenheiros. Uma corrente que encaminhe soluções prá-ticas a grandes desafios – como o popula-cional, o climático, e o da biodiversidade – com sólidos alicerces nos avanços científi-cos, principalmente em três questões: a ge-nética, a nuclear e a urbana. Foi essa a conclusão a que chegou o sep-tuagenário ecólogo americano Stewart Brand após longuíssima e abnegada mili-tância verde. Esteve com a vanguarda da contracultura antes de lançar o legendário Whole Earth Catalog, em 1968, que rece-beu o National Book Award, em 1972. A ele adicionou a pioneira revista CoEvolution Quarterly, a partir de 1974. Ambos duraram até um claro ponto de mutação em meados dos anos 1980, a partir do qual Brand pas-sou a se empenhar na formulação de cená-rios futuristas, criando a Global Business Network, parte do Monitor Group, e mais tarde a The Long Now Foundation, da qual permanece presidente. No entanto, o fato biográfico indispensá-vel ao entendimento dessa trajetória foi, com certeza, sua experiência, entre 1975 e 1983, de assessor direto do governador democrata da Califórnia Jerry Brown, que acaba de voltar ao posto. Foi dessa colabo-ração que saiu o exitoso programa de efici-ência energética, que hoje permite a um californiano consumir muito menos energia que os demais americanos, com metade das emissões per capita de gases de efeito es-tufa. Mesmo com um aumento da renda per capita de 80% em três décadas, a demanda Tornley de energia californiana não se alterou, en-quanto aumentava 50% em outros estados. Na assessoria de Jerry Brown, uma das prin-cipais funções de Brand foi organizar diálo-gos do governador com expressivos inte-lectuais das mais diversas especialidades. Em 1977, por exemplo, eles ouviram de Ja-mes Watson, um dos pais da descoberta da estrutura do DNA, uma confissão de arre-pendimento sobre a célebre conferência de geneticistas de Fevereiro de 1975, em Asilo-mar, da qual havia sido um dos coordenado-res. Ele já percebera que haviam sido exage-radas as restrições propostas nessa confe-rência, que logo depois foram adotadas por muitas instituições de saúde, e que, naquele exato momento, estavam sendo debatidas pela assembleia legislativa da Califórnia. Talvez seja por isso que a questão dos trans-gênicos apareça no “manifesto” de Stewart Brand como uma das mais impiedosas críti-cas que os verdes já tiveram oportunidade de receber. Começa dizendo que a oposição D E S E N V O L V I M E N T O TRIPLO DESAFIO VERDE