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ME S TRE S DA POE S IA
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Vinícius de Moraes

M ESTRES D A PO ESIA
                                                Vicente de Carvalho
 CLIQUE NO POETA
 Ou clique na página para seguir seqüência      Fernando Pessoa


                                                Olavo Bilac
    “...Descansem o meu leito solitário
    Na floresta dos homens esquecida.
                                                Carlos Drummond de Andrade
 À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
 -Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”
            Álvares de Azevedo                  Raul de Leoni
                                                Alceu Wamosy
                                                Fagundes Varela


                                                Augusto dos Anjos
                                                Álvares de Azevedo
 Proibida a divulgação para fins comerciais
 Direitos de formatação ArtC u ltu ralBras il   José Antonio Jacob
           R e g: m in.b ib lio.orgb r
                                                Francisco Otaviano
                                                Florbela Espanca      SAIR
SONETO DE FIDELIDADE                                            SONETO DE DESPEDIDA

  De tudo, ao meu amor serei atento                                    Uma lua no céu apareceu
 Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto                       Cheia e branca; foi quando, emocionada
 Que mesmo em face do maior encanto                                A mulher a meu lado estremeceu
 Dele se encante mais meu pensamento                            E se entregou sem que eu dissesse nada.


   Quero vivê-lo em cada vão momento                              Larguei-as pela jovem madrugada
E em seu louvor hei de espalhar meu canto                         Ambas cheias e brancas e sem véu
   E rir meu riso e derramar meu pranto                           Perdida uma, a outra abandonada
    Ao seu pesar ou seu contentamento                              Uma nua na terra, outra no céu.


 E assim quando mais tarde me procure                            Mas não partira delas; a mais louca
Quem sabe a morte, angústia de quem vive                         Apaixonou-me o pensamento; dei-o
 Quem sabe a solidão, fim de quem ama                           Feliz – eu de amor pouco e vida pouca


 Eu possa lhe dizer do amor (que tive):                          Mas que tinha deixado em meu enleio
Que não seja imortal, posto que é chama                           Um sorriso de carne em sua boca
  Mas que seja infinito enquanto dure                               Uma gota de leite no seu seio.


                                            VOLTAR AOS POETAS
Vicente de Carvalho
  VELHO TEMA
  Só a leve esperança, em toda a vida,
  Disfarça a pena de viver, mais nada;
  Nem é mais a existência, resumida,
  Que uma grande esperança malograda

  O eterno sonho da alma desterrada,
  Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
       É uma hora feliz, sempre adiada
          E que não chega nunca em toda a
  vida.
  Essa felicidade que supomos,
  Árvore milagrosa que sonhamos
  Toda arreada de dourados pomos,

  Existe, sim mas nós não a alcançamos
  Porque está sempre apenas onde a pomos
  E nunca a pomos onde nós estamos.
                                            VOLTAR AOS POETAS
Fernando Pessoa
      SÚBITA MÃO DE ALGUM FANTASMA OCULTO

               Súbita mão de algum fantasma oculto
              Entre as dobras da noite e do meu sono
              Sacode-me e eu acordo, e no abandono
               Da noite não enxergo gesto ou vulto.

               Mas um terror antigo, que insepulto
               Trago no coração, como de um trono
               Desce e se afirma meu senhor e dono
              Sem ordem, sem meneio e sem insulto.

               E eu sinto a minha vida de repente
              Presa por uma corda de Inconsciente
              A qualquer mão noturna que me guia.

            Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
           De um vulto que não vejo e que me assombra,
               E em nada existo como a treva fria.
                                                Clique na página para ler mais
                                                      Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
                            PASSOS DA CRUZ
                                            XI
                          Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela
                           E oculta mão colora alguém em mim.
                              Pus a alma no nexo de perdê-la
                           E o meu princípio floresceu sem Fim.

                        Que importa o tédio que dentro em mim gela,
                          E o leve Outono, e as galas, e o marfim,
                            E a congruência da alma que se vela
                            Como os sonhados pálios de cetim?

                        Disperso... E a hora como um leque fecha-se...
                        Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
                       O tédio? A mágoa? A vida? O sonho? Deixa-se...

                              E, abrindo as asas sobre Renovar,
                              A erma sombra do vôo começado
   VOLTAR AOS POETAS          Pestaneja no campo abandonado...
Olavo Bilac
                                               VELHAS ÁRVORES
         MALDIÇÃO                            Olha estas velhas árvores, mais belas
                                              Do que as árvores novas, mais amigas:
Se por vinte anos, nesta furna escura,        Tanto mais belas quanto mais antigas,
  Deixei dormir a minha maldição,              Vencedoras da idade e das procelas...
 Hoje, velha e cansada da amargura,          O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Minha alma se abrirá como um vulcão.          Vivem, livres de fomes e fadigas;
                                                E em seus galhos abrigam-se as cantigas
  E, em torrentes de cólera e loucura,              E os amores das aves tagarelas.
      Sobre a tua cabeça ferverão
  Vinte anos de silêncio e de tortura,       Não choremos, amigo, a mocidade!
   Vinte anos de agonia e solidão...          Envelheçamos rindo! Envelheçamos
                                                  Como as árvores fortes envelhecem;
   Maldita sejas pelo ideal perdido!         Na glória da alegria e da bondade,
   Pelo mal que fizeste sem querer!           Agasalhando os pássaros nos ramos,
Pelo amor que morreu sem ter nascido!               Dando sombra e consolo aos que
                                                        padecem!
    Pelas horas vividas sem prazer!
   Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
                                             VOLTAR AOS POETAS
Carlos Drummond
   de Andrade                             OFICINA IRRITADA
                                              Eu quero compor um soneto duro
                                             como poeta algum ousara escrever.
       RETORNO                               Eu quero pintar um soneto escuro,
                                                 seco, abafado, difícil de ler.

  Meu ser em mim palpita como fora            Quero que meu soneto, no futuro,
 do chumbo da atmosfera constritora.
                                          năo desperte em ninguém nenhum prazer.
Meu ser palpita em mim tal qual se fora
a mesma hora de abril, tornada agora.         E que, no seu maligno ar imaturo,
                                             ao mesmo tempo saiba ser, năo ser.
   Que face antiga já se năo descora
 lendo a efígie do corvo na da aurora?      Esse meu verbo antipático e impuro
Que aura mansa e feliz dança e redoura       há de pungir, há de fazer sofrer,
  meu existir, de morte imorredoura?         tendăo de Vênus sob o pedicuro.
Sou eu nos meus vinte anos de lavoura
   de sucos agressivos, que elabora         Ninguém o lembrará: tiro no muro,
  uma alquimia severa, a cada hora.       căo mijando no caos, enquanto Arcturo,
                                            claro enigma, se deixa surpreender.
Sou eu ardendo em mim, sou eu embora
 năo me conheça mais na minha flora
 que, fauna, me devora quanto é pura.
                                                 VOLTAR AOS POETAS
RAUL DE LEÔNI
               INGRATIDÃO                                      HISTÓRIA ANTIGA

  Nunca mais me esqueci! ... Eu era criança            No meu grande otimismo de inocente,
  E em meu velho quintal, ao sol-nascente,             Eu nunca soube por que foi... um dia,
 Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,                Ela me olhou indiferentemente,
     Uma linda amendoeira adolescente.                Perguntei-lhe por que era... Não sabia...


   Era a mais rútila e íntima esperança...            Desde então transformou-se de repente
Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente,           A nossa intimidade correntia
 Pendeu os ramos sobre um muro em frente                Em saudações de simples cortesia
       E foi frutificar na vizinhança...               E a vida foi andando para a frente...


     Daí por diante, pela vida inteira,              Nunca mais nos falamos... vai distante...
  Todas as grandes árvores que em minhas          Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
   Terras, num sonho esplêndido semeio,              Em que seu mudo olhar no meu repousa,


    Como aquela magnífica amendoeira,                E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
     E florescem nas chácaras vizinhas                Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
     E vão dar frutos no pomar alheio...               Mas que é tarde demais para dizê-la...



                                                                    VOLTAR AOS POETAS
FAGUNDES VARELA
              SONETO                                VISÕES DA NOITE
 Desponta a estrela d’alva, a noite morre,      Passai tristes fantasmas! O que é feito
    Pulam no mato alígeros cantores,            Das mulheres que amei, gentis e puras?
   E a doce brisa no arraial das flores,          Umas devoram negras amarguras,
 Lânguidas queixas murmurando, corre.           Repousam outras em marmóreo leito!

     Volúvel tribo a solidão percorre             Outras no encalço de fatal proveito
   Das borboletas de brilhantes cores;           Buscam à noite as saturnais escuras,
    Soluça o arroio; diz a rola amores         Onde empenhando as murchas formosuras
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.       Ao demônio do ouro rendem preito!

  Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma       Todas sem mais amor! Sem mais paixões!
   Às carícias d’aurora, ao céu risonho,          Mais uma fibra trêmula e sentida!
   Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!           Mais um leve calor nos corações!

Porém minh’alma triste e sem um sonho             Pálidas sombras de ilusão perdida,
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:          Minh’alma está deserta de emoções,
-Oh! Mundo encantador, tu és medonho!            Passai, passai, não me poupeis a vida!

                                     VOLTAR AOS POETAS
AUGUSTO DOS ANJOS                                 VERSOS ÍNTIMOS

          VANDALISMO
                                                 Vês ! Ninguém assistiu ao formidável
                                                   Enterro de tua última quimera.
                                                 Somente a Ingratidão - esta pantera -
    Meu coração tem catedrais imensas,            Foi tua companheira inseparável!
   Templos de priscas e longínquas datas,
   Onde um nume de amor, em serenatas,           Acostuma-te à lama que te espera !
    Canta a aleluia virginal das crenças.       O Homem, que, nesta terra miserável,
                                                  Mora entre feras, sente inevitável
      Na ogiva fúlgida e nas colunatas            Necessidade de também ser fera
    Vertem lustrais irradiações intensas
    Cintilações de lâmpadas suspensas           Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
   E as ametistas e os florões e as pratas.     O beijo, amigo, é a véspera do escarro
                                               A mão que afaga é a mesma que apedreja
    Com os velhos Templários medievais
      Entrei um dia nessas catedrais           Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
    E nesses templos claros e risonhos...         Apedreja essa mão vil que te afaga
                                                    Escarra nessa boca que te beija
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
       No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
                                                         VOLTAR AOS POETAS
PARA VOCÊ

                                          Álvares de Azevedo
   Pálida, à luz da lâmpada sombria,
   Sobre um leito de flores reclinada,
  Como a lua por noite embalsamada,
  Entre as nuvens do amor ela dormia!


  Era a virgem do mar, na escuma fria,
    Pela maré das águas embalada...
 Era um anjo entre nuvens de alvorada,
Que em sonhos se banhava e se esquecia!        “...Descansem o meu leito solitário
                                               Na floresta dos homens esquecida.
                                            À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
   Era mais bela! O seio palpitando...       -Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”
  Negros olhos as pálpebras abrindo....
   Formas nuas no leito resvalando...


  Não te rias de mim, meu anjo lindo!
   Por ti as noites eu velei chorando,
  Por ti nos sonhos morrerei sorrindo!
                                                   VOLTAR AOS POETAS
José Antonio Jacob
 O BEIJO DE JESUS                                 ROSEIRAS DOLOROSAS

    Eu era criança, mas já percebia,               Estou sozinho em meu jardim sem cores,
 O pouco pão que havia em nossa mesa             E ainda que eu tenha mágoas, bem guardadas,
  E a aparência acanhada da pobreza                    Cuido dessas roseiras desmaiadas
   Que tinha a nossa casa tão vazia.              Que em meu canteiro nunca abriram flores.

 De noite, antes do sono, uma certeza:               Tais quais receosas almas delicadas
                                                    Elas se encolhem, sobre seus temores,
  A minha mãe rezava a Ave-Maria!
                                                    E abortam seus rebentos nas ramadas
 E ao terminar a prece eu sempre via               Enquanto vão morrendo em suas dores...
  No seu olhar uma esperança acesa.

      Após a reza desligava a luz,                   Quantas almas que por serem assim,
                                                    Como essas tristes plantas no jardim,
   Beijava o crucifixo, e a fé era tanta
                                                  Calam-se a olhar o nada... tão descrentes...
     Que adormecia perto de Jesus.

Depois que ela dormia (isso que encanta)              Feito as minhas roseiras dolorosas
   Nosso Senhor descia ali da cruz                  Que só olham para a vida, indiferentes,
      Para beijar a sua face santa.                  E não me dão espinhos e nem rosas.

                                     VOLTAR AOS POETAS
Alceu Wamosy
            DUAS ALMAS

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
  Entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
   Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
 Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
  E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
 Entra, ao menos até que as curvas do caminho
 Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
 Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
   Podes partir de novo, ó nômade formosa!

     Já não serei tão só, nem irás sozinha.
    Há de ficar comigo uma saudade tua...
   Hás de levar contigo uma saudade minha...
                                                   VOLTAR AOS POETAS
Francisco Otaviano
        ILUSÕES DA VIDA

Quem passou pela vida em branca nuvem
   E em plácido repouso adormeceu;
 Quem não sentiu o frio da desgraça,
 Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem, não foi homem,
    Só passou pela vida, não viveu.



                                        VOLTAR AOS POETAS
Mário Quintana                                                XVI



A RUA DOS CATAVENTOS                        Triste encanto das tardes borralheiras
                                           Que enchem de cinza o coração da gente!
                   VI
                                            A tarde lembra um passarinho doente
 Na minha rua há um menininho doente.
                                              A pipilar os pingos das goteiras...
Enquanto os outros partem para a escola,
    Junto à janela, sonhadoramente,
                                              A tarde pobre fica, horas inteiras,
     Ele ouve o sapateiro bater sola.
                                             A espiar pelas vidraças, tristemente,
                                              O crepitar das brasas na lareira...
 Ouve também o carpinteiro, em frente,
                                           Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente!
  Que uma canção napolitana engrola.
   E pouco a pouco, gradativamente,
                                           Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
  O sofrimento que ele tem se evola...
                                            Só usam névoa em seus efeitos cênicos?
                                                Nenhum azul para te distraíres...
  Mas nesta rua há um operário triste:
   Não canta nada na manhã sonora
                                              Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
  E o menino nem sonha que ele existe.
                                                 Eu pintava trezentos arco-íris
                                             Nesse tristonho céu que nos encobre!...
      Ele trabalha silenciosamente
  E está compondo este soneto agora,
  Pra alminha boa do menino doente...
                                                            VOLTAR AOS POETAS
MADRIGAL MELANCÓLICA
O que eu adoro em ti
                                   Manuel Bandeira
Não é tua beleza                                                     POEMA DE FINADOS
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito                                             Amanhã que é dia dos mortos
E a beleza é triste                                                    Vai ao cemitério. Vai
                                                                   E procura entre as sepulturas
Não é triste em si
                                                                      A sepultura de meu pai.
Mas pelo que há nela
                                                                    Leva três rosas bem bonitas.
De fragilidade e incerteza                                          Ajoelha e reza uma oração.
O que eu adoro em ti                                               Não pelo pai, mas pelo filho:
Não é a tua inteligência                                             O filho tem mais precisão.
Mas é o espírito sutil                                              O que resta de mim na vida
Tão ágil e tão luminoso                                              É a amargura do que sofri.
                                       O que eu adoro em ti        Pois nada quero, nada espero.
Ave solta no céu matinal da montanha   Não é a mãe que já perdi    E em verdade estou morto ali.
Nem é tua ciência                      E nem meu pai
Do coração dos homens e das coisas     O que eu adoro em tua natureza
O que eu adoro em ti                   Não é o profundo instinto matinal
Não é a tua graça musical              Em teu flanco aberto como uma ferida
Sucessiva e renovada a cada momento    Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
Graça aérea como teu próprio momento   O que adoro em ti lastima-me e consola-me
Graça que perturba e que satisfaz      O que eu adoro em ti é A VIDA !!!
                                                                       VOLTAR AOS POETAS
Guilherme de
                              FELICIDADE
  Almeida             Ela veio bater à minha porta
                          E falou-me a sorrir, subindo a escada:
                             “Bom dia, árvore velha e desfolhada”
                                   E eu respondi: “Bom dia, folha
                                          morta”
                      Entrou: e nunca mais me disse nada...
                        Até que um dia (quando pouco importa!)
                       houve canções na ramaria torta
                           E houve bandos de noivos pela estrada...
                      Então chamou-me e disse:“Vou-me embora!
                       Sou a felicidade! Vive agora
                             Da lembrança do muito que te fiz”
                      E foi assim que em plena primavera,
                         Só quando ela partiu contou quem era...
  VOLTAR AOS POETAS              E nunca mais eu me senti feliz!
Mário             QUARENTA ANOS


de Andrade
                 A vida é para mim, está se vendo,
                    uma felicidade sem repouso:
              eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
                só pode ser medido em se sofrendo.

              Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
              disso, persisto em me enganar... Eu ouso
                 dizer que a vida foi o bem precioso
             que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

                 seria, agora que a velhice avança,
               que me sinto completo e além da sorte,
                 me agarrar a esta vida fementida.

              Vou fazer do meu fim minha esperança,
             ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
             Com o mesmo engano com que amei a vida.
                                   VOLTAR AOS POETAS
Castro Alves
3a SOMBRA - ESTER                                    8a SOMBRA - ÚLTIMO FANTASMA

                                                     Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
                                                     Que te elevas da noite na orvalhada?
Vem! no teu peito cálido e brilhante                 Tens a face nas sombras mergulhada...
O nardo oriental melhor transpira!                   Sobre as névoas te libras vaporoso ...
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,                     Baixas do céu num vôo harmonioso!...
                                                     Quem és tu, bela e branca desposada?
Alva a clâmide aos ventos - roçagante...             Da laranjeira em flor a flor nevada
Túmido o lábio, onde o saltério gira...              Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ...
Ó musa de Israel! pega da lira...
Canta os martírios de teu povo errante!              Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?
                                                     És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Mas năo... brisa da pátria além revoa,               Por quem meu peito em sonhos desespera?
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir... e parte... e voa. . .         Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!
                                                     És talvez o ideal que est'alma espera!
Qual nas algas marinhas desce um astro...            És a glória talvez! Talvez a morte!
Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa...
Só me resta um perfume... um canto... um rastro...
                                                                   VOLTAR AOS POETAS
Florbela Espanca
   VOZ QUE SE CALA                                                         EU
  Amo as pedras, os astros e o luar                     Eu sou a que no mundo anda perdida,
 Que beija as ervas do atalho escuro,                    Eu sou a que na vida não tem norte,
 Amo as águas de anil e o doce olhar                      Sou a irmã do sonho, e desta sorte
  Dos animais, divinamente puro.                           Sou a crucificada... a dolorida...

Amo a hera, que entende a voz do muro                    Sombra de névoa tênue e esvaecida,
    E dos sapos, o brando tilintar                      E que o destino amargo, triste e forte,
 De cristais que se afagam devagar,                       Impele brutalmente para a morte!
 E da minha charneca o rosto duro.                     Alma de luto sempre incompreendida!...

  Amo todos os sonhos que se calam                          Sou aquela que passa e ninguém vê...
 De corações que sentem e não falam,                        Sou a que chamam triste sem o ser...
 Tudo o que é Infinito e pequenino!                         Sou a que chora sem saber por quê...

   Asa que nos protege a todos nós!                     Sou talvez a visão que alguém sonhou.
  Soluço imenso, eterno, que é a voz                    Alguém que veio ao mundo pra me ver
 Do nosso grande e mísero Destino!...                    E que nunca na vida me encontrou!

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  • 2. Vinícius de Moraes M ESTRES D A PO ESIA Vicente de Carvalho CLIQUE NO POETA Ou clique na página para seguir seqüência Fernando Pessoa Olavo Bilac “...Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida. Carlos Drummond de Andrade À sombra de uma cruz, e escrevam nela: -Foi poeta – sonhou – e amou na vida.” Álvares de Azevedo Raul de Leoni Alceu Wamosy Fagundes Varela Augusto dos Anjos Álvares de Azevedo Proibida a divulgação para fins comerciais Direitos de formatação ArtC u ltu ralBras il José Antonio Jacob R e g: m in.b ib lio.orgb r Francisco Otaviano Florbela Espanca SAIR
  • 3. SONETO DE FIDELIDADE SONETO DE DESPEDIDA De tudo, ao meu amor serei atento Uma lua no céu apareceu Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Cheia e branca; foi quando, emocionada Que mesmo em face do maior encanto A mulher a meu lado estremeceu Dele se encante mais meu pensamento E se entregou sem que eu dissesse nada. Quero vivê-lo em cada vão momento Larguei-as pela jovem madrugada E em seu louvor hei de espalhar meu canto Ambas cheias e brancas e sem véu E rir meu riso e derramar meu pranto Perdida uma, a outra abandonada Ao seu pesar ou seu contentamento Uma nua na terra, outra no céu. E assim quando mais tarde me procure Mas não partira delas; a mais louca Quem sabe a morte, angústia de quem vive Apaixonou-me o pensamento; dei-o Quem sabe a solidão, fim de quem ama Feliz – eu de amor pouco e vida pouca Eu possa lhe dizer do amor (que tive): Mas que tinha deixado em meu enleio Que não seja imortal, posto que é chama Um sorriso de carne em sua boca Mas que seja infinito enquanto dure Uma gota de leite no seu seio. VOLTAR AOS POETAS
  • 4. Vicente de Carvalho VELHO TEMA Só a leve esperança, em toda a vida, Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos, Árvore milagrosa que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim mas nós não a alcançamos Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos. VOLTAR AOS POETAS
  • 5. Fernando Pessoa SÚBITA MÃO DE ALGUM FANTASMA OCULTO Súbita mão de algum fantasma oculto Entre as dobras da noite e do meu sono Sacode-me e eu acordo, e no abandono Da noite não enxergo gesto ou vulto. Mas um terror antigo, que insepulto Trago no coração, como de um trono Desce e se afirma meu senhor e dono Sem ordem, sem meneio e sem insulto. E eu sinto a minha vida de repente Presa por uma corda de Inconsciente A qualquer mão noturna que me guia. Sinto que sou ninguém salvo uma sombra De um vulto que não vejo e que me assombra, E em nada existo como a treva fria. Clique na página para ler mais Fernando Pessoa
  • 6. Fernando Pessoa PASSOS DA CRUZ XI Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela E oculta mão colora alguém em mim. Pus a alma no nexo de perdê-la E o meu princípio floresceu sem Fim. Que importa o tédio que dentro em mim gela, E o leve Outono, e as galas, e o marfim, E a congruência da alma que se vela Como os sonhados pálios de cetim? Disperso... E a hora como um leque fecha-se... Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar... O tédio? A mágoa? A vida? O sonho? Deixa-se... E, abrindo as asas sobre Renovar, A erma sombra do vôo começado VOLTAR AOS POETAS Pestaneja no campo abandonado...
  • 7. Olavo Bilac VELHAS ÁRVORES MALDIÇÃO Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores novas, mais amigas: Se por vinte anos, nesta furna escura, Tanto mais belas quanto mais antigas, Deixei dormir a minha maldição, Vencedoras da idade e das procelas... Hoje, velha e cansada da amargura, O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas Minha alma se abrirá como um vulcão. Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E, em torrentes de cólera e loucura, E os amores das aves tagarelas. Sobre a tua cabeça ferverão Vinte anos de silêncio e de tortura, Não choremos, amigo, a mocidade! Vinte anos de agonia e solidão... Envelheçamos rindo! Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem; Maldita sejas pelo ideal perdido! Na glória da alegria e da bondade, Pelo mal que fizeste sem querer! Agasalhando os pássaros nos ramos, Pelo amor que morreu sem ter nascido! Dando sombra e consolo aos que padecem! Pelas horas vividas sem prazer! Pela tristeza do que eu tenho sido! Pelo esplendor do que eu deixei de ser!... VOLTAR AOS POETAS
  • 8. Carlos Drummond de Andrade OFICINA IRRITADA Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever. RETORNO Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler. Meu ser em mim palpita como fora Quero que meu soneto, no futuro, do chumbo da atmosfera constritora. năo desperte em ninguém nenhum prazer. Meu ser palpita em mim tal qual se fora a mesma hora de abril, tornada agora. E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, năo ser. Que face antiga já se năo descora lendo a efígie do corvo na da aurora? Esse meu verbo antipático e impuro Que aura mansa e feliz dança e redoura há de pungir, há de fazer sofrer, meu existir, de morte imorredoura? tendăo de Vênus sob o pedicuro. Sou eu nos meus vinte anos de lavoura de sucos agressivos, que elabora Ninguém o lembrará: tiro no muro, uma alquimia severa, a cada hora. căo mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender. Sou eu ardendo em mim, sou eu embora năo me conheça mais na minha flora que, fauna, me devora quanto é pura. VOLTAR AOS POETAS
  • 9. RAUL DE LEÔNI INGRATIDÃO HISTÓRIA ANTIGA Nunca mais me esqueci! ... Eu era criança No meu grande otimismo de inocente, E em meu velho quintal, ao sol-nascente, Eu nunca soube por que foi... um dia, Plantei, com a minha mão ingênua e mansa, Ela me olhou indiferentemente, Uma linda amendoeira adolescente. Perguntei-lhe por que era... Não sabia... Era a mais rútila e íntima esperança... Desde então transformou-se de repente Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente, A nossa intimidade correntia Pendeu os ramos sobre um muro em frente Em saudações de simples cortesia E foi frutificar na vizinhança... E a vida foi andando para a frente... Daí por diante, pela vida inteira, Nunca mais nos falamos... vai distante... Todas as grandes árvores que em minhas Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante Terras, num sonho esplêndido semeio, Em que seu mudo olhar no meu repousa, Como aquela magnífica amendoeira, E eu sinto, sem no entanto compreendê-la, E florescem nas chácaras vizinhas Que ela tenta dizer-me qualquer cousa, E vão dar frutos no pomar alheio... Mas que é tarde demais para dizê-la... VOLTAR AOS POETAS
  • 10. FAGUNDES VARELA SONETO VISÕES DA NOITE Desponta a estrela d’alva, a noite morre, Passai tristes fantasmas! O que é feito Pulam no mato alígeros cantores, Das mulheres que amei, gentis e puras? E a doce brisa no arraial das flores, Umas devoram negras amarguras, Lânguidas queixas murmurando, corre. Repousam outras em marmóreo leito! Volúvel tribo a solidão percorre Outras no encalço de fatal proveito Das borboletas de brilhantes cores; Buscam à noite as saturnais escuras, Soluça o arroio; diz a rola amores Onde empenhando as murchas formosuras Nas verdes balsas donde o orvalho escorre. Ao demônio do ouro rendem preito! Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma Todas sem mais amor! Sem mais paixões! Às carícias d’aurora, ao céu risonho, Mais uma fibra trêmula e sentida! Ao flóreo bafo que o sertão perfuma! Mais um leve calor nos corações! Porém minh’alma triste e sem um sonho Pálidas sombras de ilusão perdida, Repete olhando o prado, o rio, a espuma: Minh’alma está deserta de emoções, -Oh! Mundo encantador, tu és medonho! Passai, passai, não me poupeis a vida! VOLTAR AOS POETAS
  • 11. AUGUSTO DOS ANJOS VERSOS ÍNTIMOS VANDALISMO Vês ! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera - Meu coração tem catedrais imensas, Foi tua companheira inseparável! Templos de priscas e longínquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas, Acostuma-te à lama que te espera ! Canta a aleluia virginal das crenças. O Homem, que, nesta terra miserável, Mora entre feras, sente inevitável Na ogiva fúlgida e nas colunatas Necessidade de também ser fera Vertem lustrais irradiações intensas Cintilações de lâmpadas suspensas Toma um fósforo. Acende teu cigarro! E as ametistas e os florões e as pratas. O beijo, amigo, é a véspera do escarro A mão que afaga é a mesma que apedreja Com os velhos Templários medievais Entrei um dia nessas catedrais Se a alguém causa inda pena a tua chaga, E nesses templos claros e risonhos... Apedreja essa mão vil que te afaga Escarra nessa boca que te beija E erguendo os gládios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos! VOLTAR AOS POETAS
  • 12. PARA VOCÊ Álvares de Azevedo Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre um leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar, na escuma fria, Pela maré das águas embalada... Era um anjo entre nuvens de alvorada, Que em sonhos se banhava e se esquecia! “...Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida. À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Era mais bela! O seio palpitando... -Foi poeta – sonhou – e amou na vida.” Negros olhos as pálpebras abrindo.... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti as noites eu velei chorando, Por ti nos sonhos morrerei sorrindo! VOLTAR AOS POETAS
  • 13. José Antonio Jacob O BEIJO DE JESUS ROSEIRAS DOLOROSAS Eu era criança, mas já percebia, Estou sozinho em meu jardim sem cores, O pouco pão que havia em nossa mesa E ainda que eu tenha mágoas, bem guardadas, E a aparência acanhada da pobreza Cuido dessas roseiras desmaiadas Que tinha a nossa casa tão vazia. Que em meu canteiro nunca abriram flores. De noite, antes do sono, uma certeza: Tais quais receosas almas delicadas Elas se encolhem, sobre seus temores, A minha mãe rezava a Ave-Maria! E abortam seus rebentos nas ramadas E ao terminar a prece eu sempre via Enquanto vão morrendo em suas dores... No seu olhar uma esperança acesa. Após a reza desligava a luz, Quantas almas que por serem assim, Como essas tristes plantas no jardim, Beijava o crucifixo, e a fé era tanta Calam-se a olhar o nada... tão descrentes... Que adormecia perto de Jesus. Depois que ela dormia (isso que encanta) Feito as minhas roseiras dolorosas Nosso Senhor descia ali da cruz Que só olham para a vida, indiferentes, Para beijar a sua face santa. E não me dão espinhos e nem rosas. VOLTAR AOS POETAS
  • 14. Alceu Wamosy DUAS ALMAS Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada, Entra, e, sob este teto encontrarás carinho: Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho, Vives sozinha sempre, e nunca foste amada... A neve anda a branquear, lividamente, a estrada, E a minha alcova tem a tepidez de um ninho. Entra, ao menos até que as curvas do caminho Se banhem no esplendor nascente da alvorada. E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa, Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua, Podes partir de novo, ó nômade formosa! Já não serei tão só, nem irás sozinha. Há de ficar comigo uma saudade tua... Hás de levar contigo uma saudade minha... VOLTAR AOS POETAS
  • 15. Francisco Otaviano ILUSÕES DA VIDA Quem passou pela vida em branca nuvem E em plácido repouso adormeceu; Quem não sentiu o frio da desgraça, Quem passou pela vida e não sofreu: Foi espectro de homem, não foi homem, Só passou pela vida, não viveu. VOLTAR AOS POETAS
  • 16. Mário Quintana XVI A RUA DOS CATAVENTOS Triste encanto das tardes borralheiras Que enchem de cinza o coração da gente! VI A tarde lembra um passarinho doente Na minha rua há um menininho doente. A pipilar os pingos das goteiras... Enquanto os outros partem para a escola, Junto à janela, sonhadoramente, A tarde pobre fica, horas inteiras, Ele ouve o sapateiro bater sola. A espiar pelas vidraças, tristemente, O crepitar das brasas na lareira... Ouve também o carpinteiro, em frente, Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente! Que uma canção napolitana engrola. E pouco a pouco, gradativamente, Por que é que esses Arcanjos neurastênicos O sofrimento que ele tem se evola... Só usam névoa em seus efeitos cênicos? Nenhum azul para te distraíres... Mas nesta rua há um operário triste: Não canta nada na manhã sonora Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre, E o menino nem sonha que ele existe. Eu pintava trezentos arco-íris Nesse tristonho céu que nos encobre!... Ele trabalha silenciosamente E está compondo este soneto agora, Pra alminha boa do menino doente... VOLTAR AOS POETAS
  • 17. MADRIGAL MELANCÓLICA O que eu adoro em ti Manuel Bandeira Não é tua beleza POEMA DE FINADOS A beleza é em nós que existe A beleza é um conceito Amanhã que é dia dos mortos E a beleza é triste Vai ao cemitério. Vai E procura entre as sepulturas Não é triste em si A sepultura de meu pai. Mas pelo que há nela Leva três rosas bem bonitas. De fragilidade e incerteza Ajoelha e reza uma oração. O que eu adoro em ti Não pelo pai, mas pelo filho: Não é a tua inteligência O filho tem mais precisão. Mas é o espírito sutil O que resta de mim na vida Tão ágil e tão luminoso É a amargura do que sofri. O que eu adoro em ti Pois nada quero, nada espero. Ave solta no céu matinal da montanha Não é a mãe que já perdi E em verdade estou morto ali. Nem é tua ciência E nem meu pai Do coração dos homens e das coisas O que eu adoro em tua natureza O que eu adoro em ti Não é o profundo instinto matinal Não é a tua graça musical Em teu flanco aberto como uma ferida Sucessiva e renovada a cada momento Nem a tua pureza. Nem a tua impureza Graça aérea como teu próprio momento O que adoro em ti lastima-me e consola-me Graça que perturba e que satisfaz O que eu adoro em ti é A VIDA !!! VOLTAR AOS POETAS
  • 18. Guilherme de FELICIDADE Almeida Ela veio bater à minha porta E falou-me a sorrir, subindo a escada: “Bom dia, árvore velha e desfolhada” E eu respondi: “Bom dia, folha morta” Entrou: e nunca mais me disse nada... Até que um dia (quando pouco importa!) houve canções na ramaria torta E houve bandos de noivos pela estrada... Então chamou-me e disse:“Vou-me embora! Sou a felicidade! Vive agora Da lembrança do muito que te fiz” E foi assim que em plena primavera, Só quando ela partiu contou quem era... VOLTAR AOS POETAS E nunca mais eu me senti feliz!
  • 19. Mário QUARENTA ANOS de Andrade A vida é para mim, está se vendo, uma felicidade sem repouso: eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo só pode ser medido em se sofrendo. Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo disso, persisto em me enganar... Eu ouso dizer que a vida foi o bem precioso que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo seria, agora que a velhice avança, que me sinto completo e além da sorte, me agarrar a esta vida fementida. Vou fazer do meu fim minha esperança, ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte Com o mesmo engano com que amei a vida. VOLTAR AOS POETAS
  • 20. Castro Alves 3a SOMBRA - ESTER 8a SOMBRA - ÚLTIMO FANTASMA Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso, Que te elevas da noite na orvalhada? Vem! no teu peito cálido e brilhante Tens a face nas sombras mergulhada... O nardo oriental melhor transpira! Sobre as névoas te libras vaporoso ... Enrola-te na longa cachemira, Como as judias moles do Levante, Baixas do céu num vôo harmonioso!... Quem és tu, bela e branca desposada? Alva a clâmide aos ventos - roçagante... Da laranjeira em flor a flor nevada Túmido o lábio, onde o saltério gira... Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ... Ó musa de Israel! pega da lira... Canta os martírios de teu povo errante! Onde nos vimos nós? És doutra esfera ? És o ser que eu busquei do sul ao norte. . . Mas năo... brisa da pátria além revoa, Por quem meu peito em sonhos desespera? E ao delamber-lhe o braço de alabastro, Falou-lhe de partir... e parte... e voa. . . Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte! És talvez o ideal que est'alma espera! Qual nas algas marinhas desce um astro... És a glória talvez! Talvez a morte! Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa... Só me resta um perfume... um canto... um rastro... VOLTAR AOS POETAS
  • 21. Florbela Espanca VOZ QUE SE CALA EU Amo as pedras, os astros e o luar Eu sou a que no mundo anda perdida, Que beija as ervas do atalho escuro, Eu sou a que na vida não tem norte, Amo as águas de anil e o doce olhar Sou a irmã do sonho, e desta sorte Dos animais, divinamente puro. Sou a crucificada... a dolorida... Amo a hera, que entende a voz do muro Sombra de névoa tênue e esvaecida, E dos sapos, o brando tilintar E que o destino amargo, triste e forte, De cristais que se afagam devagar, Impele brutalmente para a morte! E da minha charneca o rosto duro. Alma de luto sempre incompreendida!... Amo todos os sonhos que se calam Sou aquela que passa e ninguém vê... De corações que sentem e não falam, Sou a que chamam triste sem o ser... Tudo o que é Infinito e pequenino! Sou a que chora sem saber por quê... Asa que nos protege a todos nós! Sou talvez a visão que alguém sonhou. Soluço imenso, eterno, que é a voz Alguém que veio ao mundo pra me ver Do nosso grande e mísero Destino!... E que nunca na vida me encontrou! VOLTAR AOS POETAS