Este artigo descreve o trabalho da artista plástica brasileira Elisa Bracher, conhecida por suas esculturas monumentais em materiais como chumbo e madeira. Ela fundou uma escola de artes em São Paulo para crianças carentes. O texto também menciona seus planos para dois documentários e uma instalação que inspirou um livro e um balé.
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● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Sábado, 11 de fevereiro de 2012
“
PERFIL
Marcos Alves
Acho pobre
qualquer coisa que
fique restrita a um
único modo de
manifestação,
acredito na riqueza
das misturas, na
força das somas.
Eu me ressinto
de a arte estar
fechada em
galerias e museus
Elisa Bracher
Fotos de divulgação
A arte do equilíbrio
“PONTO FINAL sem pausas” (2011): escultura monumental no MAM
de Elisa Bracher
Audrey Furlaneto achá-lo fraco, optando por es-
tudar Artes Plásticas na Fun-
Autora da imensa instalação
Q
segundocaderno@oglobo.com.br
dação Armando Álvares Pen-
uando teve a pri- teado (Faap). Quando se insta- de chumbo que ocupa o MAM,
meira aula de lou na Vila Leopoldina, apre-
gravura, no fim sentou-se à comunidade ofere-
dos anos 1980, a cendo cursos de marcenaria paulistana lança livro, cria balé
jovem Elisa Bra- aos pequenos. Durante um
cher se sentiu co- ano, teve apenas sete alunos.
mo “uma criança diante de um Hoje, o ateliê não funciona e prepara dois filmes sobre
mágico”. Era como se o profes- mais lá: perdeu espaço para o
sor, o gravador Cláudio Muba-
rac, “tivesse tirado um coelho
Acaia, instituto criado por Eli-
sa que agora recebe 260 crian-
experiências da escola que fundou
da cartola.” Elisa embrenhou-se ças e 40 adultos diariamente.
em cursos de gravura e, pouco — Basicamente, eles vão ao há 15 anos em bairro pobre de SP
tempo depois, encantada dian- ateliê para construir possibilida-
te de algumas delas expostas des de vida saudável. Antes de OBRA EM MADEIRA sem título (2005), no Largo do Arouche (SP)
no Museu de Arte Moderna tudo, é um lugar em que podem
(MAM) do Rio, pensou: “Quero simplesmente estar, olhar, ver,
fazer uma linha ficar de pé so- sentir o sol, o vento. Mas as ofi- O filme se passa entre São Decidiu, enfim, construir seu
zinha. Vou fazer escultura”. cinas estão ali, à disposição pa- Paulo e Londres. Na capital in- ateliê num terreno que herdou
Ao longo de 20 anos, Elisa, ho- ra que, no tempo de cada um, glesa, Elisa entrevistou corpo do avô, também no Alto de Pi-
je com 46, experimentou diferen- possam começar a construir — docente e alunos da Barham nheiros — bairro em que vive
tes materiais, do cobre à madei- diz a artista, que coordena as Primary School, escola públi- hoje, com o marido, Pedro Fran-
ra, até chegar ao chumbo, que aulas de marcenaria, culinária, ca em que as crianças, de vá- ciosi, um dos sócios da editora
compõe a elogiada instalação pintura, desenho, tipografia, ca- rias origens, falam 32 idiomas. 34, e os dois filhos, Paulo, 16
“Ponto final sem pausas”, expos- poeira e, para os mais velhos, ví- Com o título provisório “Que anos, e Antônio, 14. O ateliê, por
ta no MAM até o dia 29 de feve- deo, dança, costura e cerâmica. língua você fala?”, o documen- outro lado, não durou muito no
reiro. O trabalho inspirou um li- — Acho pobre qualquer coi- tário deve ser finalizado no se- local. Vizinhos se queixavam de
vro de mesmo título, que a artis- sa que fique restrita a um único gundo semestre. Até lá, Elisa ruídos, e os caminhões que car-
ta lança no museu, no dia 28, modo de manifestação, acredi- faz caminhar outro filme, so- regavam obras não podiam cir-
com texto e entrevista ao cura- to na riqueza das misturas, na bre a mudança das comunida- cular no bairro. Foi então que se
dor Luiz Camillo Osorio. força das somas. Eu me ressin- des das favelas onde está o mudou para a Vila Leopoldina.
to de a arte estar fechada em Acaia para outra área, por de- Suas obras monumentais
Ateliê social galerias e museus. Mesmo cisão da prefeitura de São Pau- parecem revelar, para o amigo
A gigantesca escultura — quando está na rua é sempre lo. A artista e sua escola foram José Bechara, algo oposto à
são 23 toneladas de chumbo em um parque ou átrio, enfim, convidadas a participar do sua personalidade: Elisa é tí- ESCULTURA EM MÁRMORE sem título (2002), na cidade de Avaré (SP)
suspensas no museu por gros- de alguma maneira protegida. processo, que Elisa registra. mida e não costuma divulgar
sos cabos de aço — dará ori- O Acaia foi e ainda é uma busca seu trabalho social.
gem também a um balé em pela mistura, pela soma. ‘Estranhamente belas’ — Percebo nas obras dela das. Em 2007, uma delas — ção e extravasamento, entre re-
Londres, na companhia que o Na mistura de Elisa, em que Ela, de certa forma, viveu al- uma acumulação vigorosa e ri- imensas toras de madeira gularidade e vigor me parece o
b a i l a r i n o b r a s i l e i ro J e a n convivem gravura, escultura e gumas “expulsões”, como diz. gorosa de experiências, de en- equilibradas em pé com para- elemento fundamental das es-
Abreu dirige na cidade. Elisa escola, cabe o cinema. Ela pre- Quarta de cinco filhos do ban- frentamentos no ateliê. Cada fusos — foi destruída. Instala- culturas de Elisa Bracher.”
imagina dançarinos passando para dois documentários que queiro Fernão Bracher, Elisa — artista tem suas características da no Palácio do Planalto por A artista planeja agora uma
pelos imensos lençóis de surgiram a partir de sua convi- ou Licó, apelido que recebeu de particulares, mas a Elisa tem encomenda da primeira-dama volta à gravura. Não gosta de
chumbo ou caminhando sobre vência com as comunidades no um funcionário da família, Candi- essa profundidade estranha. Ruth Cardoso, foi retirada a ficar marcada por nenhum ti-
a bola de oito toneladas. Ela Acaia. O primeiro, sobre lin- do Santos, o Santão — deixou Tenho enorme respeito por es- pedido da sucessora, Marisa po de produção.
vai adaptar a instalação do guagem, nasceu da constata- aos 11 anos a casa em que vivia, sas obras que vêm de áreas Letícia. Na ocasião, Elisa es- — Independentemente do
museu à coreografia. ção de que havia “dificuldade no Alto de Pinheiros, em São muito fundas do pensamento e creveu: “Não me sinto desres- resultado estético do trabalho
Como o material de uma es- de compreensão e diálogo”. Paulo, para morar em Brasília, são de uma plasticidade arre- peitada pelo fato de a nova pri- ou do material, eu me pergun-
cultura, o equilíbrio está na ori- — Essa dificuldade passava, quando o pai foi trabalhar no batadora — diz Bechara. meira-dama ter um gosto di- to: o que faz nascer uma obra?
gem de todos os trabalhos da é claro, por sotaque, vocabulá- Banco Central. Bracher chegaria Foi na primeira mostra dele, verso do meu. Mas não se tra- Acho que é sempre essa noção
artista paulistana. Dos 20 anos rio e sintaxe, mas tinha algo à presidência do órgão, no go- no Museu Nacional de Belas ta assim uma obra de arte.” meio torta de equilíbrio e pe-
de carreira, quase 15 ela passou mais, e comecei a tentar com- verno José Sarney. De volta ao Artes, em 1990, que o artista No livro “Madeira sobre ma- so, tanto nas gravuras quanto
dividindo seu ateliê com a esco- preender qual era a grande di- Alto de Pinheiros, já na Faap, te- conheceu Elisa Bracher. Para deira” (Cosac Naify), sobre o tra- nas esculturas. Me distanciar
la que fundou na Vila Leopoldi- ficuldade. Cheguei à conclu- ve de deixar seu primeiro ateliê, ele, ela é um “indivíduo muito balho da artista, o crítico Rodri- do resultado estético, e em al-
na, Zona Oeste de São Paulo, na são de que não conhecemos no Museu de Arte Contemporâ- íntegro e realmente preocupa- go Naves afirmou: “Os enormes guns momentos achar que eu
entrada de duas favelas. quase nada da cultura desse nea, porque sua obra “machuca- do com o mundo em volta”. barrotes de madeira seca con- não sou artista, sempre me
Elisa já desejava trabalhar grupo social e vice-versa. A va a prensa”. No Museu Lasar Se- Suas obras “estranhamente têm ainda uma energia que não deu segurança para perguntar:
com crianças — mas descar- forma de falar estampa clara- gall e na USP, ficou até ser “con- belas”, como avalia Bechara, se exauriu e podem mesmo vol- qual é a questão?
tou o curso de Pedagogia por mente essa distância cultural. vidada a não continuar”. nem sempre são compreendi- tar a florir. Esse jogo de conten- A resposta: “Equilíbrio”. ■