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LKòONAGEM
                                                                                         Aos doze anos, o violonista gra-



PAÇO                                                                                  vou pela primeira vez e, ainda mui-
                                                                                      to jovem, excursionou pelo mundo
                                                                                      com uma companhia de dança fla-
                                                                                      menca. Mais tarde, já adulto, ape-
                                                                                      sar do grande apego às coisas de sua



DE LÚCIA                                                                              terra natal, resolveu se desligar do
                                                                                      ambiente em que passou a infância:
                                                                                      "É um mundo bonito, mas aos 24,
                                                                                      25 anos, descobri que eu não era
                                                                                      um cigano", explicou. "Aprendi com
                                                                                      eles uma psicologia para viver. Mas
                                                                                      eles vivem hoje como há trezentos
                                                                                      anos, não querem inovar. E eu que-
                                                                                      ria fazer coisas diferentes. Com essa
los dez anos de idade, o menino            matéria-prima para revitalizar o mag-     base de música, de emoção, de rit-
recebeu um ultimato de seu pai, An-         netismo e a espontaneidade da arte        mo, fui em frente."
tónio, um exímio guitarrista espa-          flamenca.                                    Em 1968, atuando como solista,
nhol que sustentava a família tocan-           Paço nasceu em 21 de dezembro          Paço cativou com sua música o pú-
do música flamenca em cabarés:              de 1947, na província de Algeciras,       blico europeu, tocando em palcos da
"Você já aprendeu tudo o que pre-           próxima à cidade de Cádiz, na An-         França e de outros países do velho
cisava na escola. Agora pegue seu           daluzia. Cresceu entre os gífanos, os     continente. Repetiu o sucesso nos
violão e vá ganhar dinheiro". Acos-         pobres ciganos da região sul da Es-       Estados Unidos. Na terra do jazz, o
tumado desde pequeno a dedicar ao           panha, e aprendeu violão com o pai        violonista espanhol maravilhou as
instrumento cerca de dez horas diá-         e com os irmãos mais velhos. Para         plateias de espaços consagrados, co-
rias de prática, Francisco Sanchez          os apreciadores da música flamen-         mo o Carnegie Hall, o Town Hall e
Gomez não ousou desobedecer a or-           ca, tocando as tradicionais bulerias      o Ahmanson Theatre. Um dos pon-
dem. Fez muito mais do que apenas           sevilhanas, osjaleos, guajiras, rodea-    tos memoráveis de sua carreira foi o
engordar o orçamento familiar com           nas e rumbas, ele representa o mes-       trio que montou com os guitarristas
seu talento musical. De Francisco,          mo que Astor Piazzolla significa pa-      John McLaughlin e Al Di Meola,
veio o carinhoso apelido: Paço. De          ra os amantes do tango. Assim co-         dois músicos muito técnicos, egres-
sua mãe, Lúcia, o complemento ao            mo o grande artista argentino, o gui-     sos da vertente do jazz-rock, surgi-
nome artístico. E das cordas de seu         tarrista espanhol reviveu a música tí-    da em meados dos anos 70. En-
violão, Paço de Lúcia extraiu a             pica de seu país.                         quanto o inglês McLaughlin cons-
                                                                                      truiu sua fama tocando com a len-
                                                                                      dária Mahavishnu Orchestra, o
                                                                                      norte-americano Al Di Meola
                                                                                      tornou-se conhecido como um gran-
                                                                                      de virtuose após atuar na Return to
                                                                                      Forever, banda que reuniu em seu
                                                                                      período áureo, além do guitarrista,
                                                                                      os músicos Chick Corea (teclados),
                                                                                      Lenny White (bateria) e Stanley
                                                                                      Clarke (contrabaixo). Tocando vio-
                                                                                      lões acústicos e solando na melhor
                                                                                      tradição flamenca, Paço, Meola e
                                                                                      McLaughlin gravaram "Friday night
                                                                                      in San Francisco" (ao vivo) e "Pas-
                                                                                      sion, grace and fire", discos com
                                                                                      vendagens superiores a um milhão
                                                                                      de cópias.
                                                                                         Apesar de preservar sempre a es-
                                                                                      sência do flamenco, o grande violo-
                                                                                      nista espanhol não teve pudores em
                                                                                      absorver influências diversas duran-
                                                                                      te sua carreira. Em seu trabalho, foi
Embora fiel ao flamenco, Paço enriqueceu essa arte com outras influências musicais.   capaz de traçar pontos em comum
PERSONAG
 entre a improvisação jazzística e o cli-                                            lonista, trata-se de um grande incen-
 ma de espontaneidade da música tí-                                                  tivo, que o estimula a tocar cada vez
 pica do sul da Espanha. Isso, eviden-                                               melhor: "É como contar uma histó-
 temente, sem perder de vista os ele-                                                ria, uma piada. Cada frase da músi-
 mentos vitais da arte flamenca:                                                     ca deve levar o público a ter uma
 "Penso que as pessoas gostam de                                                     reação, a gritar 'olé', se gostou e se
 minha música porque é autêntica",                                                   acha que a história foi bem contada.
 afirma Paço. "Ela tem grande força                                                  E como o riso para o humorista. Se
 emotiva no ritmo e na melodia. Vem                                                  o público não se manifesta ao ouvir
 do coração e do estômago. Isso es-                                                  a música flamenca é porque o mú-
 tá ligado à velocidade da mão direi-                                                sico não conseguiu atingir seu ob-
 ta no flamenco. Nenhuma outra mú-                                                   jetivo".
 sica tem essa maneira nervosa de ser                                                   Paço mora com a família em Ma-
 tocada."                                                                            dri e gosta de preservar sua vida pes-
    Embora empresas como a Yama-                                                     soal do constante assédio da impren-
 ha^ a Ovation tenham desenvolvi-                                                    sa. Sabe-se apenas que uma de suas
 do modelos de violões especiais pa-                                                 grandes paixões, além do flamenco,
 ra ele, o artista espanhol se recusa                                                é o Real Madri, tradicional clube de
 a tocar em outro tipo de instrumen-                                                 futebol da Espanha. Atualmente, a
 to, mantendo-se fiel às guitarras                                                   única meta do guitarrista é continuar
 acústicas madrilenhas: "São séculos        Paco: universalizando o flamenco.        tocando o flamenco. Ele costuma di-
 de tradição, não?", justifica. Quan-                                                zer que, no início de sua carreira, o
 do fazem perto dele a clássica com-        treitado suas relações com o cinema.     principal estímulo para seguir em
 paração entre as formas do violão e        Compôs várias trilhas sonoras, como      frente era a fome. Com o passar do
 as do corpo de uma mulher, o gui-          as do filme The Hit, uma história de     tempo e com o sucesso, essa neces-
 tarrista costuma dizer: "As mulheres       suspense policial assinada por Ste-      sidade foi sendo aos poucos substi-
 são mais quentes. Mesmo assim, to-         phen Frears. Na transposição para as     tuída pela problemática de estimular
 car é o que mais se parece ao ato de       telas da ópera Carmen, de Bizet,         o espírito e a alma, para que sua ar-
 fazer amor". Como a grande maio-           além de musicar a adaptação do ci-       te flua com a mesma naturalidade
 ria dos músicos de flamenco, Paço          neasta Carlos Saura, o guitarrista faz   dos tempos em que vivia no sul da
 também não sabe ler partituras, e          também um pequeno papel. A per-          Espanha.
 não se incomoda nem um pouco               sonagem? Ele mesmo, ou seja, um             Por detrás da aparente simplicida-
 com isso ("já fiz de tudo para estu-       tocador de flamenco, boémio e apai-      de de sua música, esconde-se a
 dar teoria musical, mas sou muito in-      xonado. Paço diz que, na época,          complexidade do tratamento que ele
 disciplinado, não suporto"). Para          chegou a ficar preocupado com pos-       dá a uma forma de expressão típica
 ele, sua arte é uma coisa fundamen-        síveis reações da crítica a seu traba-   da Espanha, que se universaliza ca-
 talmente emocional, "cheia de sim-         lho como ator. Confessando-se tími-      da vez mais pela velocíssima mão di-
 bolismos e de pequenos detalhes            do demais para conferir sua perfor-      reita de Paço de Lúcia e de sua es-
 culturais e vivenciais, que só podem       mance, o músico afirma nunca ter         pantosa agilidade na digitação da es-
 ser sentidos no momento em que se          visto o filme nos cinemas.               querda. Por prudência ou pura mo-
 executa". Mesmo não tendo forma-              Nos shows, porém, Paço sente-se       déstia, o artista dá pouca importân-
 ção musical erudita, o artista inclui      totalmente à vontade. Em concertos-      cia aos críticos que insistem em
 entre seus maiores ídolos o violonista     solo ou acompanhado por sua ban-         colocá-lo no patamar dos melhores
 clássico espanhol Andrés Segovia,          da, da qual fazem parte seus irmãos      instrumentistas do mundo. "Suces-
 que faleceu em 1987. Após tomar            Ramón de Algeciras e Pepe de Lú-         so, para mim, é ver a geração jovem
 conhecimento de sua morte, Paço            cia, ele perde a habitual timidez e      do flamenco seguir o meu caminho",
 declarou: "Sinto-me como se tives-         dedica-se a hipnotizar as plateias       diz ele. "Em todos os ofícios, chega
 se perdido um pai". Além dessa ad-         com seu violão: "Gravando, não se        o dia em que a pessoa começa a acre-
 miração por Segovia, o guitarrista se      sabe se está bom ou não. A gente         ditar que aquilo que está fazendo é
 aproximou um pouco mais do clás-           só fica sabendo disso quando o dis-      bom. Então fica perigoso. Quando
 sico gravando um disco com inter-          co chega ao público. No palco é          me acontece isso, saio correndo pa-
pretações muito pessoais de obras de        mais bonito, a comunicação é dire-       ra o manicômio que é a Andaluzia.
 Manuel de Falia — um dos princi-           ta. Para a vaidade é muito melhor",      Lá os amigos se encarregam de ridi-
.pais compositores espanhóis de mú-         explica Paço. As plateias gostam de      cularizar-me, de trazer-me de volta
 sica erudita, nascido, como Paço, na       acompanhar os maiores sucessos do        à terra. E me tiram toda a serieda-
 região de Cádiz.                           artista espanhol gritando "olés" e ba-   de. Porque a pretensão e a presun-
    Nos últimos tempos, Paço tem es-        tendo palmas ritmadas. Para o vio-       ção são realmente ridículas!"

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  • 1. LKòONAGEM Aos doze anos, o violonista gra- PAÇO vou pela primeira vez e, ainda mui- to jovem, excursionou pelo mundo com uma companhia de dança fla- menca. Mais tarde, já adulto, ape- sar do grande apego às coisas de sua DE LÚCIA terra natal, resolveu se desligar do ambiente em que passou a infância: "É um mundo bonito, mas aos 24, 25 anos, descobri que eu não era um cigano", explicou. "Aprendi com eles uma psicologia para viver. Mas eles vivem hoje como há trezentos anos, não querem inovar. E eu que- ria fazer coisas diferentes. Com essa los dez anos de idade, o menino matéria-prima para revitalizar o mag- base de música, de emoção, de rit- recebeu um ultimato de seu pai, An- netismo e a espontaneidade da arte mo, fui em frente." tónio, um exímio guitarrista espa- flamenca. Em 1968, atuando como solista, nhol que sustentava a família tocan- Paço nasceu em 21 de dezembro Paço cativou com sua música o pú- do música flamenca em cabarés: de 1947, na província de Algeciras, blico europeu, tocando em palcos da "Você já aprendeu tudo o que pre- próxima à cidade de Cádiz, na An- França e de outros países do velho cisava na escola. Agora pegue seu daluzia. Cresceu entre os gífanos, os continente. Repetiu o sucesso nos violão e vá ganhar dinheiro". Acos- pobres ciganos da região sul da Es- Estados Unidos. Na terra do jazz, o tumado desde pequeno a dedicar ao panha, e aprendeu violão com o pai violonista espanhol maravilhou as instrumento cerca de dez horas diá- e com os irmãos mais velhos. Para plateias de espaços consagrados, co- rias de prática, Francisco Sanchez os apreciadores da música flamen- mo o Carnegie Hall, o Town Hall e Gomez não ousou desobedecer a or- ca, tocando as tradicionais bulerias o Ahmanson Theatre. Um dos pon- dem. Fez muito mais do que apenas sevilhanas, osjaleos, guajiras, rodea- tos memoráveis de sua carreira foi o engordar o orçamento familiar com nas e rumbas, ele representa o mes- trio que montou com os guitarristas seu talento musical. De Francisco, mo que Astor Piazzolla significa pa- John McLaughlin e Al Di Meola, veio o carinhoso apelido: Paço. De ra os amantes do tango. Assim co- dois músicos muito técnicos, egres- sua mãe, Lúcia, o complemento ao mo o grande artista argentino, o gui- sos da vertente do jazz-rock, surgi- nome artístico. E das cordas de seu tarrista espanhol reviveu a música tí- da em meados dos anos 70. En- violão, Paço de Lúcia extraiu a pica de seu país. quanto o inglês McLaughlin cons- truiu sua fama tocando com a len- dária Mahavishnu Orchestra, o norte-americano Al Di Meola tornou-se conhecido como um gran- de virtuose após atuar na Return to Forever, banda que reuniu em seu período áureo, além do guitarrista, os músicos Chick Corea (teclados), Lenny White (bateria) e Stanley Clarke (contrabaixo). Tocando vio- lões acústicos e solando na melhor tradição flamenca, Paço, Meola e McLaughlin gravaram "Friday night in San Francisco" (ao vivo) e "Pas- sion, grace and fire", discos com vendagens superiores a um milhão de cópias. Apesar de preservar sempre a es- sência do flamenco, o grande violo- nista espanhol não teve pudores em absorver influências diversas duran- te sua carreira. Em seu trabalho, foi Embora fiel ao flamenco, Paço enriqueceu essa arte com outras influências musicais. capaz de traçar pontos em comum
  • 2. PERSONAG entre a improvisação jazzística e o cli- lonista, trata-se de um grande incen- ma de espontaneidade da música tí- tivo, que o estimula a tocar cada vez pica do sul da Espanha. Isso, eviden- melhor: "É como contar uma histó- temente, sem perder de vista os ele- ria, uma piada. Cada frase da músi- mentos vitais da arte flamenca: ca deve levar o público a ter uma "Penso que as pessoas gostam de reação, a gritar 'olé', se gostou e se minha música porque é autêntica", acha que a história foi bem contada. afirma Paço. "Ela tem grande força E como o riso para o humorista. Se emotiva no ritmo e na melodia. Vem o público não se manifesta ao ouvir do coração e do estômago. Isso es- a música flamenca é porque o mú- tá ligado à velocidade da mão direi- sico não conseguiu atingir seu ob- ta no flamenco. Nenhuma outra mú- jetivo". sica tem essa maneira nervosa de ser Paço mora com a família em Ma- tocada." dri e gosta de preservar sua vida pes- Embora empresas como a Yama- soal do constante assédio da impren- ha^ a Ovation tenham desenvolvi- sa. Sabe-se apenas que uma de suas do modelos de violões especiais pa- grandes paixões, além do flamenco, ra ele, o artista espanhol se recusa é o Real Madri, tradicional clube de a tocar em outro tipo de instrumen- futebol da Espanha. Atualmente, a to, mantendo-se fiel às guitarras única meta do guitarrista é continuar acústicas madrilenhas: "São séculos Paco: universalizando o flamenco. tocando o flamenco. Ele costuma di- de tradição, não?", justifica. Quan- zer que, no início de sua carreira, o do fazem perto dele a clássica com- treitado suas relações com o cinema. principal estímulo para seguir em paração entre as formas do violão e Compôs várias trilhas sonoras, como frente era a fome. Com o passar do as do corpo de uma mulher, o gui- as do filme The Hit, uma história de tempo e com o sucesso, essa neces- tarrista costuma dizer: "As mulheres suspense policial assinada por Ste- sidade foi sendo aos poucos substi- são mais quentes. Mesmo assim, to- phen Frears. Na transposição para as tuída pela problemática de estimular car é o que mais se parece ao ato de telas da ópera Carmen, de Bizet, o espírito e a alma, para que sua ar- fazer amor". Como a grande maio- além de musicar a adaptação do ci- te flua com a mesma naturalidade ria dos músicos de flamenco, Paço neasta Carlos Saura, o guitarrista faz dos tempos em que vivia no sul da também não sabe ler partituras, e também um pequeno papel. A per- Espanha. não se incomoda nem um pouco sonagem? Ele mesmo, ou seja, um Por detrás da aparente simplicida- com isso ("já fiz de tudo para estu- tocador de flamenco, boémio e apai- de de sua música, esconde-se a dar teoria musical, mas sou muito in- xonado. Paço diz que, na época, complexidade do tratamento que ele disciplinado, não suporto"). Para chegou a ficar preocupado com pos- dá a uma forma de expressão típica ele, sua arte é uma coisa fundamen- síveis reações da crítica a seu traba- da Espanha, que se universaliza ca- talmente emocional, "cheia de sim- lho como ator. Confessando-se tími- da vez mais pela velocíssima mão di- bolismos e de pequenos detalhes do demais para conferir sua perfor- reita de Paço de Lúcia e de sua es- culturais e vivenciais, que só podem mance, o músico afirma nunca ter pantosa agilidade na digitação da es- ser sentidos no momento em que se visto o filme nos cinemas. querda. Por prudência ou pura mo- executa". Mesmo não tendo forma- Nos shows, porém, Paço sente-se déstia, o artista dá pouca importân- ção musical erudita, o artista inclui totalmente à vontade. Em concertos- cia aos críticos que insistem em entre seus maiores ídolos o violonista solo ou acompanhado por sua ban- colocá-lo no patamar dos melhores clássico espanhol Andrés Segovia, da, da qual fazem parte seus irmãos instrumentistas do mundo. "Suces- que faleceu em 1987. Após tomar Ramón de Algeciras e Pepe de Lú- so, para mim, é ver a geração jovem conhecimento de sua morte, Paço cia, ele perde a habitual timidez e do flamenco seguir o meu caminho", declarou: "Sinto-me como se tives- dedica-se a hipnotizar as plateias diz ele. "Em todos os ofícios, chega se perdido um pai". Além dessa ad- com seu violão: "Gravando, não se o dia em que a pessoa começa a acre- miração por Segovia, o guitarrista se sabe se está bom ou não. A gente ditar que aquilo que está fazendo é aproximou um pouco mais do clás- só fica sabendo disso quando o dis- bom. Então fica perigoso. Quando sico gravando um disco com inter- co chega ao público. No palco é me acontece isso, saio correndo pa- pretações muito pessoais de obras de mais bonito, a comunicação é dire- ra o manicômio que é a Andaluzia. Manuel de Falia — um dos princi- ta. Para a vaidade é muito melhor", Lá os amigos se encarregam de ridi- .pais compositores espanhóis de mú- explica Paço. As plateias gostam de cularizar-me, de trazer-me de volta sica erudita, nascido, como Paço, na acompanhar os maiores sucessos do à terra. E me tiram toda a serieda- região de Cádiz. artista espanhol gritando "olés" e ba- de. Porque a pretensão e a presun- Nos últimos tempos, Paço tem es- tendo palmas ritmadas. Para o vio- ção são realmente ridículas!"