Este documento apresenta um resumo de uma dissertação de mestrado que analisa o contexto social e cultural da cidade de São Paulo a partir da obra do poeta surrealista brasileiro Roberto Piva. A pesquisa explora como os poemas de Piva, influenciados pelo surrealismo, refletem temas da cidade como arquitetura, cultura e relações sociais durante a segunda metade do século XX.
A descoberta das formas de vida social no meio urbano, como objeto de estudos, obrigou o antropólogo a voltar-se para sua própria sociedade na busca do entendimento de seus próprios sistemas de significações, através de uma preocupação singular com o conteúdo simbólico das cidades "enquanto representação do universo pelo homem e mediação na integração do homem nesse universo"
Neste percurso de conformação do campo conceitual da própria disciplina, é notório o quanto a Antropologia do mundo contemporâneo deve aos intelectuais da Escola de Chicago, os primeiros a interessar-se pelo problema da desorganização, desestruturação e anomia acarretadas pela concentração das massas nas megalópoles contemporâneas. A esta vertente de estudos e pesquisas sobre a cidade, responderam outros intelectuais formados nos quadros de uma sociologia européia e dedicados ao estudo do mundo urbano e dos problemas das relações capital/trabalho, lazer, individualismo, etc.
No desvendamento destas diferentes modalidades das sociedades humanas configurarem o controle simbólico do tempo, as ciências humanas (sobretudo a antropologia e a história) trataram, mais recentemente, de desconstruir o tempo por intermédio de sua dimensão interpretativa, seja como espaço de construção de uma inteligência narrativa que encerra a experiência de duração , reino da imaginação criadora; seja como fenômeno que participa do trajeto do imaginário e de sua topologia fantástica, nos arranjos que engendra entre vida e matéria. A memória como espaço fantástico, lugar de extraversão e introversão de uma linguagem arbitrária de símbolos, coordenada, no plano da imaginação criadora, por esquemas de pensamento, apela, portanto, para os diferentes procedimentos interpretativos-narrativos que dão sentido aos arranjos entre vida e matéria, reunindo-as de forma inseparável.
A descoberta das formas de vida social no meio urbano, como objeto de estudos, obrigou o antropólogo a voltar-se para sua própria sociedade na busca do entendimento de seus próprios sistemas de significações, através de uma preocupação singular com o conteúdo simbólico das cidades "enquanto representação do universo pelo homem e mediação na integração do homem nesse universo"
Neste percurso de conformação do campo conceitual da própria disciplina, é notório o quanto a Antropologia do mundo contemporâneo deve aos intelectuais da Escola de Chicago, os primeiros a interessar-se pelo problema da desorganização, desestruturação e anomia acarretadas pela concentração das massas nas megalópoles contemporâneas. A esta vertente de estudos e pesquisas sobre a cidade, responderam outros intelectuais formados nos quadros de uma sociologia européia e dedicados ao estudo do mundo urbano e dos problemas das relações capital/trabalho, lazer, individualismo, etc.
No desvendamento destas diferentes modalidades das sociedades humanas configurarem o controle simbólico do tempo, as ciências humanas (sobretudo a antropologia e a história) trataram, mais recentemente, de desconstruir o tempo por intermédio de sua dimensão interpretativa, seja como espaço de construção de uma inteligência narrativa que encerra a experiência de duração , reino da imaginação criadora; seja como fenômeno que participa do trajeto do imaginário e de sua topologia fantástica, nos arranjos que engendra entre vida e matéria. A memória como espaço fantástico, lugar de extraversão e introversão de uma linguagem arbitrária de símbolos, coordenada, no plano da imaginação criadora, por esquemas de pensamento, apela, portanto, para os diferentes procedimentos interpretativos-narrativos que dão sentido aos arranjos entre vida e matéria, reunindo-as de forma inseparável.
SOBRE AUTORES E AUTORIDADES NA ANTROPOLOGIAJosep Segarra
Este ensaio teórico pretende fomentar a reflexão sobre a questão da autoria na escrita etnográfica. A partir de algumas obras de diferentes autores chave nesta temática, procuro pensar como estes especialistas consideram que os autores das etnografias podem ou devem se colocar no texto e na relação com as pessoas com as quais pesquisam. Analiso o interpretativismo geertziano; a questão da autoria em Foucault e Barthes; algumas propostas de autores considerados pós-modernos, como Clifford, Marcus ou Cushman; a questão da subalternidade e da (im)possibilidade de falar no pos-colonialismo de Spivak; as relações entre subjetividade e cultura em Sherry Ortner; e também algumas das críticas centradas nos autores pós-modernos, como as das antropólogas brasileiras Teresa Caldeira ou Mariza Peirano. Organizo este ensaio por autores, sem querer dar conta de todo o que o autor falou sobre o tema em questão e sabendo que o pensamento por ser processual, muda continuamente.
A ambição mais elevada da literatura é proporcionar aos homens um
conhecimento acerca de si mesmos através de imagens verdadeiras, isto é,
aquelas que o escritor produz ao rearticular de modo crítico e fictício a
dramaticidade da existência, quase sempre disfarçada pelas máscaras do
pragmatismo cotidiano. Os operadores críticos que permitem superar a
realidade ideologicamente constituída e defrontar-se com o enigma podem
contemplar vários veios de decifração, no intuito de atingir os desvãos de uma
interioridade recalcada, e privilegiar, dentre eles, aspectos sociais e históricos,
metafísicos e religiosos que incidem numa certa organização da vida em que o
Eu flutua na superfície da existência, como que paradoxalmente apoiando-se
na profundidade sempre presente sob si, embora nunca explorada.
Franklin Leopoldo e Silva1
Artigo Isaura Tupiniquim - "Desvios heterogêneos entre dança e o conceito de ...Isaura Tupiniquim
IV Seminário de Pesquisa em Dança PPGDança - UFBA
Artigo Isaura Tupiniquim
RESUMO
A partir dos conceitos de heterologia, heterogeneidade/homogeneidade e informe do autor Georges Bataille, este artigo busca observar a ocorrência destes na produção contemporânea em dança. Pensados no campo da transgressão esses conceitos colaboram na compreensão das escolhas e suas implicações na produção estética e de conhecimento na dança contemporânea como processo anti-hegemônico. O heterogêneo na dança contemporânea é tratado como aquilo que no processo de homogeneização da produção da arte surge por excrescências, secreções - o informe. A dança contemporânea se dá em grande parte no campo discursivo atravessada por conceitos atualizados ao seu contexto, assumindo a condição conceitual de produzir questões e crítica. Nesse sentido é possível recorrer a tais conceitos como forma subversiva de atuação do corpo, em contraposição a práticas homogeneizantes da dança. Sendo assim, como a dança contemporânea vem tangenciando esses conceitos na sua produção estética – discursiva?
Palavras-chave: dança contemporânea; heterogeneidade; informe
SOBRE AUTORES E AUTORIDADES NA ANTROPOLOGIAJosep Segarra
Este ensaio teórico pretende fomentar a reflexão sobre a questão da autoria na escrita etnográfica. A partir de algumas obras de diferentes autores chave nesta temática, procuro pensar como estes especialistas consideram que os autores das etnografias podem ou devem se colocar no texto e na relação com as pessoas com as quais pesquisam. Analiso o interpretativismo geertziano; a questão da autoria em Foucault e Barthes; algumas propostas de autores considerados pós-modernos, como Clifford, Marcus ou Cushman; a questão da subalternidade e da (im)possibilidade de falar no pos-colonialismo de Spivak; as relações entre subjetividade e cultura em Sherry Ortner; e também algumas das críticas centradas nos autores pós-modernos, como as das antropólogas brasileiras Teresa Caldeira ou Mariza Peirano. Organizo este ensaio por autores, sem querer dar conta de todo o que o autor falou sobre o tema em questão e sabendo que o pensamento por ser processual, muda continuamente.
A ambição mais elevada da literatura é proporcionar aos homens um
conhecimento acerca de si mesmos através de imagens verdadeiras, isto é,
aquelas que o escritor produz ao rearticular de modo crítico e fictício a
dramaticidade da existência, quase sempre disfarçada pelas máscaras do
pragmatismo cotidiano. Os operadores críticos que permitem superar a
realidade ideologicamente constituída e defrontar-se com o enigma podem
contemplar vários veios de decifração, no intuito de atingir os desvãos de uma
interioridade recalcada, e privilegiar, dentre eles, aspectos sociais e históricos,
metafísicos e religiosos que incidem numa certa organização da vida em que o
Eu flutua na superfície da existência, como que paradoxalmente apoiando-se
na profundidade sempre presente sob si, embora nunca explorada.
Franklin Leopoldo e Silva1
Artigo Isaura Tupiniquim - "Desvios heterogêneos entre dança e o conceito de ...Isaura Tupiniquim
IV Seminário de Pesquisa em Dança PPGDança - UFBA
Artigo Isaura Tupiniquim
RESUMO
A partir dos conceitos de heterologia, heterogeneidade/homogeneidade e informe do autor Georges Bataille, este artigo busca observar a ocorrência destes na produção contemporânea em dança. Pensados no campo da transgressão esses conceitos colaboram na compreensão das escolhas e suas implicações na produção estética e de conhecimento na dança contemporânea como processo anti-hegemônico. O heterogêneo na dança contemporânea é tratado como aquilo que no processo de homogeneização da produção da arte surge por excrescências, secreções - o informe. A dança contemporânea se dá em grande parte no campo discursivo atravessada por conceitos atualizados ao seu contexto, assumindo a condição conceitual de produzir questões e crítica. Nesse sentido é possível recorrer a tais conceitos como forma subversiva de atuação do corpo, em contraposição a práticas homogeneizantes da dança. Sendo assim, como a dança contemporânea vem tangenciando esses conceitos na sua produção estética – discursiva?
Palavras-chave: dança contemporânea; heterogeneidade; informe
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Apresentação em slide sobre o aplicativo Office Suite 7, mostrando sua visibilidade, feedback, restrições, mapeamento, consistência e affordance.
Feito pelos acadêmicos André e Danilo
Aula sobre o livro "O Espetáculo das raças" de Lilia Schwarcz que versa sobre a história das instituições científicas brasileiras e a formação da intelectualidade nacional
Movimento Literário Realismo: A diferença do comportamento humano conforme a ...Gabriel Alves
Artigo feito por Gabriel Alves da Silva, Luan Silva Carvalho e João Vitor Gomes, da escola João Cruz, Jacareí.
Orientado pela professora Maria Piedade Teodoro silva
Este trabalho foi apresentado nos Nre's Itinerantes do núcleo de Educação de Toledo, Pr
Trabalho feito a partir das Palestras de Ms Clóvis Gruner, e Ms Fabio Iachtetein, na 1ª Bienal do Livro de Curitiba.
Historia e Literatura, Narrativas Plurais,
Semelhante a O rosto surrealista_do_brasil_contemporaneo_analise_historica_a_partir_da_obra_de_roberto_piva (20)
O rosto surrealista_do_brasil_contemporaneo_analise_historica_a_partir_da_obra_de_roberto_piva
1. 1097
O ROSTO SURREALISTA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE
HISTÓRICA A PARTIR DA OBRA DE ROBERTO PIVA.
Kátia Mayra Lopes Batista
Prof. Rogério Ivano (Orientador)
RESUMO
Sentenciar o sono eterno dos instintos e dos sentidos, segundo autores
como Freud e Marcuse, seria parte do que a civilização e sua razão
operante fazem aos seres humanos para que se instaure seu “progresso”;
ela nos separa da natureza terrestre e de nossa própria natureza; a essa
negação da vida, alguns autores respondem com a negação, teorizada,
exemplificada, a essa concepção de vida repressora. Com a intenção de
analisar o contexto social-cultural da cidade de São Paulo a partir de um
ponto de vista ainda pouco explorado, escolhemos a obra do poeta
Roberto Piva, poeta paulista que iniciou suas publicações em 1961, tendo
recebido influência do surrealismo e praticando também modos de vida e
pensamento que se ligam ao movimento.
Ao partirmos para a busca de documentos para uma análise social através
das manifestações artísticas do caráter das que apresentaremos,
consideramos a concepção básica presente na análise de Walter Benjamin
acerca das produções surrealistas, de que as mesmas eram inspiradas na
realidade factual, material, e não apenas alçavam vôo baseadas em
fantasias irreconciliáveis com a vida do sujeito que escrevia.
Palavras-chave: Surrealismo, Roberto Piva, São Paulo.
2. 1098
O ROSTO SURREALISTA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE
HISTÓRICA A PARTIR DA OBRA DE ROBERTO PIVA.
Com o crescimento vertiginoso da cidade de São Paulo no
decorrer do século XX, pôde-se observar uma voz poética que trazia o
delírio, saindo da tormenta da cidade. Estamos falando de Roberto Piva,
poeta falecido neste ano de 2010. Os poemas de Piva estão povoados de
referências a São Paulo, sua cidade, “OH cidade de lábios tristes e
trêmulos onde encontrar/ asilo na tua face?”493
, e sua postura de vida
correspondeu ao desejo manifesto no surrealismo de que vida e obra não
se separassem. São inúmeras características que o identificam partilhando
do surrealismo em sua escrita, aspecto que o mesmo sempre ressaltou
em entrevistas.
Os temas surrealistas sempre estiveram ligados à cidade e seu
caos, ou seja, advém de uma inspiração materialista, e não do caráter
“puramente” (se é que isso é possível) ilusório de algum tipo de devaneio.
O ensaio que clareou a escolha sobre o tema da análise de um período
histórico abatido sobre uma metrópole a partir de um poeta da verve
surrealista, foi escrito por Walter Benjamin 494
. Através de poemas do
brasileiro Roberto Piva que iniciou suas publicações em 1961,
analisaremos a São Paulo que possibilitou suas criações artísticas,
povoadas de imagens alucinadas: arquitetura, cultura, política e relações
sociais, dentre outros, neste dado contexto histórico da segunda metade
do século XX até o presente, início do século XXI.
O estudo de Walter Benjamin O surrealismo: último instantâneo
da inteligência européia destaca variados aspectos e apontamentos sobre
e deste movimento artístico, e um dos principais, é justamente o mesmo
493
PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto
Moreira Salles e Jacarandá, 2000, p.11.
494
BENJAMIN, Walter. O surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia,In:Obras Escolhidas
I – Magia e técnica, arte e política : Ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1985. pp. 21-35.
3. 1099
não ser apenas artístico, de preocupações essencialmente estéticas. A
crítica à razão tradicional, os métodos de criação, a temática das obras e a
idéia de liberdade que elas portavam, dentre outros, não eram gratuitos,
mas desembocavam na afirmação categórica da vivência de um novo tipo
de realidade:
[...] A vida só parecia digna de ser vivida
quando se dissolvia a fronteira entre o sono e
a vigília, permitindo a passagem em massa de
figuras ondulantes, e a linguagem só parecia
autêntica quando o som e a imagem, a
imagem e o som, se interpenetravam, com
exatidão automática, de forma tão feliz que
não sobrava a mínima fresta para inserir a
pequena moeda a que chamamos “sentido”
495
.
O citado ensaio de Benjamin como um todo, será uma das
principais fontes inspiradoras de métodos para esta pesquisa, no que toca
à observação da dinâmica das criações surrealistas, em si mesma.
Segundo Hannah Arendt, Benjamin era bastante influenciado por esse
modo de pensar que estamos debatendo 496
, havia nele a busca de um
fenômeno arquetípico, momentos onde a compreensão aguçada do todo
revelaria algum sentido oculto das coisas. No ensaio, o autor atribuiu aos
surrealistas as descobertas das energias ocultas no óbvio, no mundo de
coisas da cidade, em seus monumentos, edifícios, artificialidades
(materiais ou morais), seu cenário afinal e nas relações de ordem social
que o estabilizam.
Entendemos uma análise da cultura enquanto mero subproduto
da economia e da política, como errônea. Não trataremos de medir a
primazia de aspectos culturais em relação a outros como os econômicos e
495
Ibdem, p. 22.
496
ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. p. 141 e 142.
4. 1100
políticos, na influência do desenrolar do século XX. Objetivamos
estabelecer diálogos entre os aspectos concretos do que se chamou e
ainda se chama de desenvolvimento tecnológico, progresso, racionalidade
e suas legitimações ou pulsões interiores presentes nos indivíduos497
.
Neste estudo, algumas linhas de pensamento de estudiosos das
ciências humanas convergem em vários pontos com o pensamento
artístico do surrealismo. As distinções entre corpo e espírito, realidade
material e mental, razão e sentimento, racionalidade e irracionalidade,
prática e prazer, dentre outros, são criticadas por eles; pois elas medem o
grau de importância de um aspecto com relação ao outro, e nesta
medição fogem da realidade social total.
O livro Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do
pensamento de Freud, de Herbert Marcuse, foi bastante utilizado na
delimitação do tema deste estudo também. O autor, através do estudo da
obra de Freud, incluindo a concepção que o mesmo tinha acerca da
civilização e da cultura, põe em evidência o papel da dinâmica repressiva
na legitimação e continuidade da opressão inerente a esse sistema de
valores e práticas presente no ocidente sob a égide tecnológico-industrial.
Uma sociedade que inversamente aos tantos limites que impõe aos
homens trabalhadores, não impõe nenhum à expansão do lucro e da
produção de bens de consumo supérfluos, resulta na crescente destruição
da vida como um todo, no planeta. Marcuse, como Benjamin, também
aborda o tema do surrealismo, em Eros498
e noutros escritos também, que
serão incluídos no debate bibliográfico.
O Manifesto do Surrealismo (1924), de Andre Breton, sinaliza os
principais interesses deste movimento em sua gênese. Breton demonstra
497
ALMEIDA, Jozimar Paes de. “A instrumentalização da natureza pela ciência”, In: Revista Projeto
História – Natureza e Poder, PUC-SP, n 23, São Paulo, novembro de 2001, pp. 169-191.
498
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1968. p. 136.
5. 1101
como (através das descobertas de Freud sobre o funcionamento da mente
humana) as oposições culturalmente e historicamente criadas entre sonho
e realidade, corpo e espírito, consciência e inconsciência, e outras, podem
ser derrubadas na reivindicação por uma vivência mais total. O autor
afirma que a vida humana num sistema que não negligencie o prazer da
imaginação, estará mais repleta de verdades – pois o inconsciente guarda
verdades – e possibilitará uma sociedade mais desenvolvida, na medida
em que a repressão dos instintos resulta em violência. Sentenciar a morte
dos instintos e dos sentidos, como a civilização e sua razão o fazem, nos
separa da natureza terrestre e de nossa própria natureza; a essa negação
da vida, os autores respondem com a negação, teorizada, a essa
concepção de vida como a única possível, e a esse respeito citamos o
Manifesto do Surrealismo, “Creio na resolução futura desses dois estados,
aparentemente tão contraditórios, tais sejam o sonho e a realidade, em
uma espécie de realidade absoluta, de super-realidade se assim se pode
chamar” 499
.
A afirmação de que o conhecimento e o contato efetivo com a
arte podem ajudar as pessoas a viver melhor no mundo atual, não supõe
que este contato esteja disseminado por agora. No psiquismo, a ajuda da
arte se dá ao incorporarmos mecanismos da percepção e criação estéticas
à vivência do ser humano para que ele possa sublimar as energias que, de
outra maneira retornariam na forma de neuroses: segundo Vygotski, o
sistema nervoso recebe mais excitações do que o número delas que
teríamos possibilidade de resolver na atividade, e assim a arte libera essas
potências, impedindo que elas retornem de maneira indesejável 500
.
Marcuse, no ensaio intitulado A arte na sociedade unidimensional
expõe a idéia de a linguagem artística ser talvez a única que possui a
499
BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências
vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 174-208.p. 183.
500
VYGOTSKI, L.S. Psicologia Pedagógica – Edição Comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 338-
339.
6. 1102
possibilidade de agir de forma revolucionária na atualidade, pois ela
comunica o que os discursos somente políticos, não comunicam. A
vivência estética traz um potencial revolucionário no sentido de que ela
não fala a linguagem da afluência, e é impossível que surjam novas
relações entre os homens e coisas se os mesmos continuarem a falar a
linguagem da repressão.
A arte está comprometida com a sensibilidade:
nas formas artísticas, as necessidades
biológicas e instintivas reprimidas encontram
sua representação – tornam-se “objetivas” no
projeto de uma realidade diferente. A
“estética” é uma categoria existencial e
sociológica [...]. Mas então surge a questão:
por que o conteúdo biológico e existencial da
“estética” tem sido sublimado no reino do
ilusório e irreal da arte, em vez de na
transformação da realidade? [...] talvez não
terá chegado o tempo de liberar a arte de seu
confinamento em mera arte, em ilusão?501
Pesquisaremos os meios de criação surrealistas, o ideário do
movimento, seus conceitos de liberdade, amor, realidade, e assim por
diante. Os diálogos bibliográficos com pensadores e cientistas das áreas
humanas darão tom social ao debate envolvendo a arte: os pontos
convergentes com os pensadores da Escola de Frankfurt, com o
anarquismo e a ligação de Breton e outros membros do grupo francês,
bem como a recusa desta ligação por membros como Artaud, a partidos
socialistas serão alguns dos aspectos discutidos.
As iluminações profanas como meio de desnudamento da
realidade terá base teórica em Walter Benjamin. Os elementos presentes
nestas chamadas iluminações (simbólicos, críticos, e outros) serão
501
MARCUSE, Herbert. A arte na sociedade unidimensional. In: ADORNO, Theodor W. et al. Teoria da
cultura de massa; introdução, comentários e seleção de Luiz Costa Lima. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982. P.250-251.
7. 1103
analisados em sua formação histórica. Assim, será necessária a busca de
documentos que permitam uma análise concisa da cultura brasileira da
segunda metade do século XX em diante, ao menos nas grandes cidades.
Obras que retratem a vivência da metrópole, estudos históricos,
antropológicos, e sociológicos sobre São Paulo, para relacionarmo-las com
as criações de Piva.
No momento em que ainda corre a pesquisa, nos contentaremos
apenas em partilhar algumas dúvidas que a leitura deste poeta nos deu:
“[...] marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o
perfume/ das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
chuva [...] cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de
vidro/ da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis”502
. Essas marchas
nômades na noite da cidade, usualmente eram feitas por jovens e
trabalhadores da noite (incluindo prostitutas) perto do ano de 1963
quando a Editora Massao Ohno publicou Paranóia, primeiro livro do autor
(nascido em 1937). Não seria sem nexo a alusão a marchas que ele e
seus amigos estariam realizando para que desaparecesse o perfume da
tradição, basicamente. As cafetinas estão magras, flertando com a loucura
(com L maiúsculo) e ainda repartem hóstias invisíveis, estão enfim na
decadência.
Quanto aos nômades na noite, provavelmente não são bem
vistos pela maioria da população desde que a configuração das cidades
vem incluindo um ideal higienista e organizador em prol do trabalho e da
produção, e não abarca a atitude desses nômades como nada além de
vagabundagem. Em Benjamin, segundo Arendt, há a figura central do
flâneur, “É a ele, vagueando a esmo entre as multidões nas grandes
502
PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto
Moreira Salles e Jacarandá, 2000, p.7.
8. 1104
cidades, num estudado contraste com a atividade apressada e intencional
delas, que as coisas se revelam em seu sentido secreto”. 503
A contracultura no Brasil, as religiões africanas e indígenas, a
união entre arte revolucionária e ação revolucionária, a liberação sexual
reclamada pela juventude nos anos sessenta do século XX, as relações
sociais vividas pelos cidadãos da metrópole brasileira, a relação do espaço
físico da cidade com o espaço da natureza que ela abate, sendo a ecologia
um dos temas de sua obra poética, serão temas pesquisados dentro da
realidade cultural, social e histórica brasileira presente no século XX.
Dentre os manifestos que Piva publicou, há o Manifesto Utópico-
Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio 504
. Neste, encontramos
sintetizadas (já que no texto, apesar de estar em formato de prosa, ele
usa a síntese inerente à linguagem poética) linhas de pensamento que
permitem colocarmos o poeta brasileiro como partilhando da reivindicação
por uma vivência mais estética, ecológica, sensorial. Piva ironiza, seu
manifesto é rápido e cheio de imagens intrigantes, outras impossíveis, o
que o deixa mais interessante e ácido, como a proposta de fazer da onça
pintada o totem da nacionalidade. Remetendo à utopia, tema abordado
por Marcuse e Horkheimer dentre outros, citamos um trecho de seu
manifesto:
[...]Os partidos políticos brasileiros não têm
nenhuma preocupação em trazer a UTOPIA
para o quotidiano. Por isso em nome da saúde
mental das novas gerações eu reivindico o
seguinte: 1 - Transformar a Praça da Sé em
horta coletiva & pública. 2 - Distribuir obras
dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da
Febem, únicos capazes de transformar a
503
ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. p. 141 e 142.
504
PIVA, Roberto. Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio. Agulha – Revista de
Cultura. Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/piva01.html>. Acesso em: 11 abr. 2009.
9. 1105
violência & angústia de suas almas em música
das esferas. 505
No ano de 1924 era lançado na França o Manifesto do
Surrealismo506
, escrito por André Breton, poeta que integrava
anteriormente o movimento Dadá. Ao ler este famoso texto, percebe-se
que as intenções surrealistas, desde princípios, iam muito além do campo
artístico. O nome do movimento já trazia em seu significado uma nova
maneira de pensar a realidade, em que o sonho, o devaneio, e outros
estados que eles consideravam mais propícios ao “livre exercício do
espírito”, não seriam tidos como menos reais que os fenômenos ocorridos
enquanto estamos acordados ou conscientes; considerando que eram de
opinião de que o ordenamento do pensamento na consciência retira o seu
aspecto libertário, pois o homem continuaria domado exclusivamente
pelos julgamentos da razão de seu tempo, mesmo que ela pareça pelos
seus subprodutos factuais na sociedade, no mínimo equivocada em
termos de princípios e de aplicação:
A união da produtividade crescente e da
destruição crescente; a iminência de
aniquilamento; a rendição do pensamento, das
esperanças e do temor às decisões dos
poderes existentes; a preservação da miséria
em face da riqueza sem precedentes,
constituem a mais imparcial acusação – ainda
que não sejam a razão de ser desta sociedade,
mas apenas um subproduto, o seu
racionalismo arrasador, que impele a eficiência
e o crescimento, é, em si, irracional.507
Descartar a imaginação e o prazer da realidade é um dos
aspectos culturais fundamentais da civilização, que para Freud, é de
505
Ibdem.
506
BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências
vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 174-208.
507
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1979. p. 16-17.
10. 1106
essência repressiva inevitavelmente. Herbert Marcuse, em Eros e
Civilização508
, realizou uma análise filosófica do triunfo do que se chama
de princípio de realidade sobre o princípio de prazer no pensamento de
Freud, encontrando na própria teoria do psicanalista, elementos que
refutam a afirmação que ele faz sobre a impossibilidade de uma vivência
mais pautada na satisfação humana, e não na repressão, dentro da
civilização. Para além destes autores citados até o momento, ampliaremos
o debate sobre a idéia de civilização ocidental, desde produções do século
XIX, época em que se disseminava a crença no progresso através deste
modelo histórico.
O surrealismo é um tema que gera certo interesse na sociedade
atual. Em alguns momentos, vemos este termo e seus semelhantes
(surrealista, surreal) sendo usados em sentidos distantes à intenção dos
artistas que começaram a agir dentro de alguns objetivos traçados no
interior do movimento surgido em 1924 em Paris. Hoje se tem empregado
estes termos em conversas corriqueiras, sobre a rotina, e usualmente são
usados no sentido de caracterizar o que não se pode compreender, o
absurdo, o inesperado, a loucura.
Bem, por outro lado, percebemos também na atualidade de
inícios do século XXI, algumas aberturas de sensibilidade que parecem
possibilitar o entendimento maior do que o surrealismo propunha, para
um maior número de pessoas. Estamos nos relacionando a discursos
correntes que hoje estão mais disseminados, que exploram o terreno da
mente e do corpo humanos de maneira nova apesar de as dúvidas não o
serem novas, exemplos desse fenômeno são os discursos sobre profecias
baseadas em astrologia e astronomia (dentro desses estão documentários
feitos por grandes redes de televisão), conhecimentos e práticas relativos
508
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
11. 1107
à sonhos lúcidos, meditação, Yôga, terapias naturais como as avaliações
bioenergéticas, e muitos mais.
O surgimento de um ramo na ciência chamado Noética está
inserido nesses tipos de preocupações que estudam cientificamente entre
outros o papel da mente no desaparecimento de doenças psicossomáticas
como o câncer, a capacidade humana de premonição e seus mecanismos
de ação, e muitos outros temas; iniciou-se com a criação de um instituto
norte-americano em 1973 que não tem fins lucrativos, sendo financiado
pelos integrantes espalhados pelo globo 509
.
No dado momento histórico de inícios do século XXI, promover
um entendimento satisfatório da arte é uma atividade que esbarra em
barreiras já efetivadas à própria compreensão da mesma; estas já estão
presentes na população de maneira geral, pois fazem parte da cultura
estabelecida. Best-sellers, filmes que são sucesso de bilheteria,
telenovelas, dentro outros precipitados da indústria cultural, embutem
frequentemente padrões de gosto e/ou consumo, que vêm a ser
justamente padrões opostos aos da verdadeira arte, por assim dizer.
As diferenças desses “sucessos” de público, e da arte de fato, se
dão desde os efeitos imediatos provocados no sujeito que os observam
(momentos de fruição bastante distintos, por vezes mesmo opostos), até
o resultado final da influência dos padrões destas obras na vida de quem
passou por elas. A distância entre este instante em que o expectador
vislumbra a obra, até o processo de incorporação de padrões de gosto,
posturas em relação à sua vida, à arte, e tantas mais, é muito mais curta
nos produtos da semicultura. A adesão é quase simultânea nessas obras,
pois elas não costumam trazer nada de novo, as pessoas gostam delas
509
SANTANA, Ana Lucia. Noética- uma nova forma de sentir e conceber a vida. InfoEscola. Disponível
em: http://www.infoescola.com/ciencias/noetica/. Acesso em: 05 jul. 2010.
12. 1108
por se identificarem, sentindo-se seguras já que amparadas por lugares
comuns, compartilhar ilusões vigentes é “outro recurso para render-se ao
coletivo” 510
; pois as necessidades de sentir-se à vontade no modelo de
sociedade estabelecido e ser aplaudido por sua ideologia, sufoca o desejo
(humano) de entendê-lo, de se saber onde estamos, para onde
provavelmente vamos ou poderíamos ir.
510
RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton. Educação: pensamento e sensibilidade. In: RAMOS-DE-
OLIVEIRA, N.; ZUIN, A., S.; PUCCI, B. (Orgs.). Teoria crítica, estética e educação. Campinas/ Piracicaba:
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