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Mundo multipolar versus 'comunicação' unipolar
17/7/2015, Roberto Quaglia, Katheon, Moscou
Do ponto de vista econômico, o mundo já é multipolar, e a parte dos EUA no PIB
mundial estava (em 2013) em torno de 18%, e em declínio constante. Assim
sendo, como é possível que os EUA ainda dominem globalmente? A razão não
está no orçamento militar gigantesco, porque não é realisticamente possível
bombardear o mundo inteiro.
O principal instrumento mágico que os EUA estão ainda usando para dominar o
mundo é sua moeda, o dólar. A palavra "mágico" não aparece aqui como licença
poética; o dólar é realmente criatura de magia, dado que o banco Federal Reserve
pode criá-lo em quantidades ilimitadas em computadores, e mesmo assim o
mundo o toma como algo de valor, ainda com o petrodólar em mente. Assim se
facilita muito a tarefa dos EUA, de financiar "revoluções coloridas", com bilhões
de dólares, além de outras subversões em todo o mundo. Esse 'financiamento'
praticamente nada custa aos EUA. E aí está um grave problema que quem
trabalhe para mundo multipolar terá de enfrentar.
Outra das super-armas dos EUA é a insana dominação que exerce sobre todo o
universo informacional e suas mídias, hegemonia que se pode considerar
absoluta – cuja dimensão ainda escapa à imaginação da maioria dos analistas.
Hollywood é a mais impressionante máquina de propaganda algum dia vista no
mundo. Hollywood exporta para dentro de bilhões de cérebros em todo o mundo
os padrões hollywoodianos para compreender a realidade, os quais incluem, mas
não se esgotam nisso, padrões para pensar, para agir, para se comportar, para
vestir, para comer, beber e – muito importante – padrões pelos quais manifestar
discordância e oposição política. Ah, sim, Hollywood consegue 'ensinar' o mundo
até como manifestar a discordância que haja contra o American Way of Life. Só
para citar um exemplo (e há muitos!), os dissidentes 'ocidentais' frequentemente
têm citado o filme Matrix para se referir à rede invisível que controla nossa vida,
mas até Matrix é parte da matriz – se se pode dizer assim.
E aí está a embalagem hollywoodiana do processo pelo qual compreendemos que
vivemos num mundo em que nada é o que parece ser. E o problema está
'resolvido'. Usando alegorias, símbolos e metáforas produzidas nos EUA, você
continua a ser parte inseparável do sistema deles, e assim ajuda a tornar real o
que não passa de fantasia.
Os EUA também controlam as redes de notícia e informação que interligam todo
o planeta – a CIA já está ativa em praticamente todas as redes de notícia e
informação que contam.
O jornalista alemão Udo Ulfkotte que trabalhou para o Frankfurter Allgemeine
Zeitung, um dos principais jornais da Alemanha, confessou em seu livro best-
seller Gekaufte Journalisten [al. no orig., "jornalistas comprados"], que recebeu
dinheiro da CIAdurante vários anos para manipular notícias, e que o
procedimento é muito comum nas mídia-empresas da Alemanha. Pode-se dizer
com segurança que é procedimento também muito comum em outros países.
Esse feroz controle sobre as mídia-empresas globais permite que os EUA
predominem na guerra de ideias, na disputa pelo modo de perceber o mundo, a
ponto de ainda serem capazes de converter em branco o que é preto, no
pensamento da opinião pública.
Impressionante, para dar um exemplo, é o quanto as mídia-empresas europeias
controladas pelos EUA conseguiram torcer os fatos durante a recente crise na
Ucrânia. A junta de Kiev infestada de neonazistas, que chegou ao poder mediante
um golpe de Estado, passou meses a bombardear e matar os próprios ucranianos,
sem que as mídia-empresas 'ocidentais' jamais parassem de apresentar aquela
junta golpista como 'o lado certo' naquela disputa. E Putin,
correspondentemente, foi pintado durante meses como um novo Hitler – sem
qualquer realidade ou fato que justificasse essas 'informações'.
Para compreender em que vasta medida o domínio sobre a informação é, só ele,
suficiente para modelar qualquer realidade efetiva, lembremos o que disse Karl
Rove em 2004, naquele momento principal assessor de George W. Bush: "Agora
somos um império e, quando atuamos, criamos nossa própria realidade. E
enquanto vocês estudam essa realidade – sempre muito judiciosamente, como
queiram – agiremos novamente criando novas realidades, que vocês também
podem estudar, e é assim que as coisas são. Somos atores da história (...) e vocês,
todos vocês, podem no máximo estudar o que fazemos" (citado em coluna na
revista do NYT, por Ron Suskind, em 17/10/2004).
Como se tudo isso não bastasse, a maior parte da informação que circula no
mundo hoje é processada por computadores que rodam sistemas operacionais
com base nos EUA (Microsoft e Apple) e as pessoas – inclusive os que se opõem
ao império norte-americano – também se comunicam mediante Facebook, Gmail
e coisa-e-tal controlados pelos EUA.
E o que efetivamente faz diferença é esse monopólio hoje já quase total sobre a
informação. Assim – e paradoxalmente? –, apesar de a relevância econômica dos
EUA já estar em colapso nas últimas décadas, sua relevância no universo da
informação distribuída às massas tem aumentado.
Assim sendo, países que hoje trabalhem a favor de um mundo realmente
multipolar têm de revisar suas prioridades e começar a preparar-se para disputar
seriamente a luta de ideias no campo informacional, em vez de só pensar e cuidar
de questões econômicas. O poder hoje é disputa de percepções e discursos, e os
EUA mantêm-se como mestres absolutos e ainda não derrotados nesse campo.
Jamais haverá muito multipolar, se não houver atores igualmente competentes
(ou mais competentes) para realmente disputar o jogo da informação de massa.
Já há alguns poucos casos de serviços de notícias não alinhados aos EUA, com
excelente qualidade e que chegam para disputar públicos globais, o mais
importante dos quais são Russia Today e Iranian Press TV. Mas ainda é quase
nada, se se comparam com o tsunami de informação audiovisual alinhada com os
EUA, que enchem os ouvidos e o cérebro dos públicos audientes e telespectadores
em todo o mundo, 24h/dia. Russia Today planeja desenvolver canais em francês
[já existe:https://francais.rt.com/] e alemão [já existe: https://deutsch.rt.com/].
É avanço notável, mas longe de ser suficiente.
Os EUA não se incomodam realmente com ser ultrapassados comercialmente,
mas começam a dar sinais de nervosismo se outras das moedas com que operam,
além do dólar, para promover seus empresários. E ficam realmente possessos
quando redes de noticiário e informação não alinhadas começar a aparecer sobre
o tabuleiro da informação.
É esquisito, dado que a liberdade de imprensa é item central da moderna
mitologia norte-americana. Mas é fato que qualquer fonte de informação não
alinhada aos EUA criam riscos contra o monopólio dos EUA sobre o pensamento
das grandes populações sobre a realidade. Eis por que sempre terão de demonizar
os competidores como antiamericanos, ou pior.
Fato é que muitos jornalistas e editores de notícias não alinhados aos EUA não
são necessariamente antiamericanos: são não-enviesados-pró-EUA. Mas aos
olhos dos hegemonistas norte-americanos, qualquer informação que não seja
pró-EUA é, por definição antiamericana, porque a consistência e o futuro do
império norte-americano dependem muito mais essencialmente do monopólio
sobre a concepção da realidade. Releiam Karl Rove acima.
Assim, países não alinhados aos EUA e que realmente visem a mundo multipolar
não tem escolha, exceto aprender com o sucesso do inimigo e agir
adequadamente. Além de criarem redes estatais próprias de distribuição de
notícias, esses países 'contra-hegemônicos' têm de começar a assegurar apoio
substancial à produção e distribuição de informação independente em países nos
quais toda a 'informação' de massa seja dominada pelos EUA.
Jornalistas independentes, escritores e pesquisadores em países ocidentais hoje
continuam a fazer seu trabalho movidos a paixão cívica democrática,
frequentemente sem qualquer pagamento e expostos ao escárnio, à
marginalização social e à luta econômica. Vilificados na própria terra e sem
auxílio algum dos países que supostamente tentam escapar da dominação pelos
EUA. Teremos de fazer melhor que isso, se a meta é pôr fim à Dominação de Pleno
Espectro, pelos EUA.
Não há nem jamais haverá mundo verdadeiramente multipolar se não houver
sobre o palco da informação pública um espectro realmente multipolar de pontos
de vista. Um império pós-moderno é, mais que qualquer outra coisa, um estado
mental. Se esse estado mental permanecer unipolar, assim permanecerá o
mundo.*****
Postado por Dario Alok às 10:53

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  • 1. Mundo multipolar versus 'comunicação' unipolar 17/7/2015, Roberto Quaglia, Katheon, Moscou Do ponto de vista econômico, o mundo já é multipolar, e a parte dos EUA no PIB mundial estava (em 2013) em torno de 18%, e em declínio constante. Assim sendo, como é possível que os EUA ainda dominem globalmente? A razão não está no orçamento militar gigantesco, porque não é realisticamente possível bombardear o mundo inteiro. O principal instrumento mágico que os EUA estão ainda usando para dominar o mundo é sua moeda, o dólar. A palavra "mágico" não aparece aqui como licença poética; o dólar é realmente criatura de magia, dado que o banco Federal Reserve pode criá-lo em quantidades ilimitadas em computadores, e mesmo assim o mundo o toma como algo de valor, ainda com o petrodólar em mente. Assim se
  • 2. facilita muito a tarefa dos EUA, de financiar "revoluções coloridas", com bilhões de dólares, além de outras subversões em todo o mundo. Esse 'financiamento' praticamente nada custa aos EUA. E aí está um grave problema que quem trabalhe para mundo multipolar terá de enfrentar. Outra das super-armas dos EUA é a insana dominação que exerce sobre todo o universo informacional e suas mídias, hegemonia que se pode considerar absoluta – cuja dimensão ainda escapa à imaginação da maioria dos analistas. Hollywood é a mais impressionante máquina de propaganda algum dia vista no mundo. Hollywood exporta para dentro de bilhões de cérebros em todo o mundo os padrões hollywoodianos para compreender a realidade, os quais incluem, mas não se esgotam nisso, padrões para pensar, para agir, para se comportar, para vestir, para comer, beber e – muito importante – padrões pelos quais manifestar discordância e oposição política. Ah, sim, Hollywood consegue 'ensinar' o mundo até como manifestar a discordância que haja contra o American Way of Life. Só para citar um exemplo (e há muitos!), os dissidentes 'ocidentais' frequentemente têm citado o filme Matrix para se referir à rede invisível que controla nossa vida, mas até Matrix é parte da matriz – se se pode dizer assim. E aí está a embalagem hollywoodiana do processo pelo qual compreendemos que vivemos num mundo em que nada é o que parece ser. E o problema está 'resolvido'. Usando alegorias, símbolos e metáforas produzidas nos EUA, você continua a ser parte inseparável do sistema deles, e assim ajuda a tornar real o que não passa de fantasia. Os EUA também controlam as redes de notícia e informação que interligam todo o planeta – a CIA já está ativa em praticamente todas as redes de notícia e informação que contam. O jornalista alemão Udo Ulfkotte que trabalhou para o Frankfurter Allgemeine Zeitung, um dos principais jornais da Alemanha, confessou em seu livro best- seller Gekaufte Journalisten [al. no orig., "jornalistas comprados"], que recebeu dinheiro da CIAdurante vários anos para manipular notícias, e que o procedimento é muito comum nas mídia-empresas da Alemanha. Pode-se dizer com segurança que é procedimento também muito comum em outros países. Esse feroz controle sobre as mídia-empresas globais permite que os EUA predominem na guerra de ideias, na disputa pelo modo de perceber o mundo, a ponto de ainda serem capazes de converter em branco o que é preto, no pensamento da opinião pública. Impressionante, para dar um exemplo, é o quanto as mídia-empresas europeias controladas pelos EUA conseguiram torcer os fatos durante a recente crise na Ucrânia. A junta de Kiev infestada de neonazistas, que chegou ao poder mediante
  • 3. um golpe de Estado, passou meses a bombardear e matar os próprios ucranianos, sem que as mídia-empresas 'ocidentais' jamais parassem de apresentar aquela junta golpista como 'o lado certo' naquela disputa. E Putin, correspondentemente, foi pintado durante meses como um novo Hitler – sem qualquer realidade ou fato que justificasse essas 'informações'. Para compreender em que vasta medida o domínio sobre a informação é, só ele, suficiente para modelar qualquer realidade efetiva, lembremos o que disse Karl Rove em 2004, naquele momento principal assessor de George W. Bush: "Agora somos um império e, quando atuamos, criamos nossa própria realidade. E enquanto vocês estudam essa realidade – sempre muito judiciosamente, como queiram – agiremos novamente criando novas realidades, que vocês também podem estudar, e é assim que as coisas são. Somos atores da história (...) e vocês, todos vocês, podem no máximo estudar o que fazemos" (citado em coluna na revista do NYT, por Ron Suskind, em 17/10/2004). Como se tudo isso não bastasse, a maior parte da informação que circula no mundo hoje é processada por computadores que rodam sistemas operacionais com base nos EUA (Microsoft e Apple) e as pessoas – inclusive os que se opõem ao império norte-americano – também se comunicam mediante Facebook, Gmail e coisa-e-tal controlados pelos EUA. E o que efetivamente faz diferença é esse monopólio hoje já quase total sobre a informação. Assim – e paradoxalmente? –, apesar de a relevância econômica dos EUA já estar em colapso nas últimas décadas, sua relevância no universo da informação distribuída às massas tem aumentado. Assim sendo, países que hoje trabalhem a favor de um mundo realmente multipolar têm de revisar suas prioridades e começar a preparar-se para disputar seriamente a luta de ideias no campo informacional, em vez de só pensar e cuidar de questões econômicas. O poder hoje é disputa de percepções e discursos, e os EUA mantêm-se como mestres absolutos e ainda não derrotados nesse campo. Jamais haverá muito multipolar, se não houver atores igualmente competentes (ou mais competentes) para realmente disputar o jogo da informação de massa. Já há alguns poucos casos de serviços de notícias não alinhados aos EUA, com excelente qualidade e que chegam para disputar públicos globais, o mais importante dos quais são Russia Today e Iranian Press TV. Mas ainda é quase nada, se se comparam com o tsunami de informação audiovisual alinhada com os EUA, que enchem os ouvidos e o cérebro dos públicos audientes e telespectadores em todo o mundo, 24h/dia. Russia Today planeja desenvolver canais em francês [já existe:https://francais.rt.com/] e alemão [já existe: https://deutsch.rt.com/]. É avanço notável, mas longe de ser suficiente. Os EUA não se incomodam realmente com ser ultrapassados comercialmente, mas começam a dar sinais de nervosismo se outras das moedas com que operam,
  • 4. além do dólar, para promover seus empresários. E ficam realmente possessos quando redes de noticiário e informação não alinhadas começar a aparecer sobre o tabuleiro da informação. É esquisito, dado que a liberdade de imprensa é item central da moderna mitologia norte-americana. Mas é fato que qualquer fonte de informação não alinhada aos EUA criam riscos contra o monopólio dos EUA sobre o pensamento das grandes populações sobre a realidade. Eis por que sempre terão de demonizar os competidores como antiamericanos, ou pior. Fato é que muitos jornalistas e editores de notícias não alinhados aos EUA não são necessariamente antiamericanos: são não-enviesados-pró-EUA. Mas aos olhos dos hegemonistas norte-americanos, qualquer informação que não seja pró-EUA é, por definição antiamericana, porque a consistência e o futuro do império norte-americano dependem muito mais essencialmente do monopólio sobre a concepção da realidade. Releiam Karl Rove acima. Assim, países não alinhados aos EUA e que realmente visem a mundo multipolar não tem escolha, exceto aprender com o sucesso do inimigo e agir adequadamente. Além de criarem redes estatais próprias de distribuição de notícias, esses países 'contra-hegemônicos' têm de começar a assegurar apoio substancial à produção e distribuição de informação independente em países nos quais toda a 'informação' de massa seja dominada pelos EUA. Jornalistas independentes, escritores e pesquisadores em países ocidentais hoje continuam a fazer seu trabalho movidos a paixão cívica democrática, frequentemente sem qualquer pagamento e expostos ao escárnio, à marginalização social e à luta econômica. Vilificados na própria terra e sem auxílio algum dos países que supostamente tentam escapar da dominação pelos EUA. Teremos de fazer melhor que isso, se a meta é pôr fim à Dominação de Pleno Espectro, pelos EUA. Não há nem jamais haverá mundo verdadeiramente multipolar se não houver sobre o palco da informação pública um espectro realmente multipolar de pontos de vista. Um império pós-moderno é, mais que qualquer outra coisa, um estado mental. Se esse estado mental permanecer unipolar, assim permanecerá o mundo.***** Postado por Dario Alok às 10:53