2. Miguel Torga (pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha) 1907- 1995 * Natural de São Martinho de Anta, Vila Real. * Após uma breve passagem pelo seminário de Lamego, emigrou com 13 anos para o Brasil, aí permaneceu durante cinco anos. * Regressa a Portugal, em 1925 e concluiu o ensino liceal. * Frequentou em Coimbra o curso de Medicina, que terminou em 1933. .
3. * Exerceu a profissão de médico em São Martinho de Anta. * Fixou-se em Coimbra como otorrinolaringologista, em 1941. * Miguel Torga, tendo como homem a experiência dos sofrimentos da emigração e da vida rural, do contacto com as misérias e com a morte, tornou-se o poeta do mundo rural.
5. Súplica Agora que o silêncio é um mar sem ondas, E que nele posso navegar sem rumo, Não respondas Às urgentes perguntas Que te fiz. Deixa-me ser feliz Assim, Já tão longe de ti como de mim. Perde-se a vida a desejá-la tanto. Só soubemos sofrer, enquanto O nosso amor Durou. Mas o tempo passou, Há calmaria... Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria Matar a sede com água salgada.
6. Natal Um anjo imaginado, Um anjo diabético, actual, Ergueu a mão e disse: — É noite de Natal, Paz à imaginação! E todo o ritual Que antecede o milagre habitual Perdeu a exaltação. Em vez de excelsos hinos de confiança No mistério divino, E de mirra, e de incenso e ouro Derramados No presépio vazio, Duas perguntas brancas, regeladas Como a neve que cai, E breve como o vento Que entra por uma fresta, quizilento, Redemoinha e sai: A volta da lareira Quantas almas se aquecem Fraternalmente? Quantas desejam que o Menino venha Ouvir humanamente O lancinante crepitar da lenha?
7. O Espírito Nada a fazer amor, eu sou do bando Impermanente das aves friorentas; E nos galhos dos anos desbotando Já as folhas me ofuscam macilentas; E vou com as andorinhas. Até quando? À vida breve não perguntes: cruentas Rugas me humilham. Não mais em estilo brando Ave estroina serei em mãos sedentas. Pensa-me eterna que o eterno gera Quem na amada o conjura. Além, mais alto, Em ileso beiral, aí espera: Andorinha indemne ao sobressalto Do tempo, núncia de perene primavera. Confia. Eu sou romântica. Não falto.