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Malícia e Sedução – Kristin
James
Título Original: Satan’s Angel
Copyright: Candace Camp
Publicado originalmente em 1988 pela
Harlequin Books, Toronto, Canadá.
Tradução: Vera M. D. A. Renoldi
Copyright para a língua portuguesa: 1989
Editora: Nova Cultural LTDA.
Digitalização: Afrodite
Colaborações Especialíssimas: Nice Góes e Caroline Santos
Um rapto surpreendente provoca comoção na cidade. A multidão presencia a cena
inacreditável, enchendo-se de horror. A vítima, uma jovem ingênua e pura que nunca
deixou a segurança do lar; cai agora nas garras de um bandido impiedoso e cruel,
procurado por todo o Estado do Texas.
O que um jovem criminoso pretendia fazer com a inocente Amy? Victoria se
pergunta, decidida a encontrar um meio de salvar a prima antes que seja tarde
demais.
O destino cumpre seus desígnios... Inesperadamente as duas moças são arrastadas
para o submundo do crime. Amy, partilhando o dia-a-dia de uma quadrilha;
Victoria, juntando-se a um caçador de bandidos na perseguição ao temido assassino.
Em algum momento dessa arriscada aventura, elas se esqueceriam do medo e dos
perigos para viver numa doce prisão, onde o amor estabeleceria os limites!
NOTA EXPLICATIVA
A colonização do Texas, o segundo maior Estado dos EUA, não se efetuou
pacificamente. França, Espanha e Estados Unidos lutavam pela posse dessa região de
extensas pastagens, que, em 1821, foi englobada pelo México independente.
Nesse mesmo ano, Stephen Fuller Austin, um político progressista e grande
defensor dos direitos americanos em relação ao Texas, levou trezentas famílias de
pioneiros para colonizarem a região em nome dos Estados Unidos. Como a paz dos
fazendeiros vivia constantemente ameaçada, ele criou um grupo de voluntários para
garantir a segurança dos americanos.
Os Texas Rangers foram criados em 1823 e se tornaram uma lenda durante a
tumultuada fase de lutas pela autonomia do Texas. No início, eram apenas dez homens que
se dedicavam à proteção dos colonizadores contra os ataques de índios e mexicanos.
Em 1935, essa força, já bastante numerosa e composta por civis, foi incorporada à
polícia rodoviária do Estado.
PRÓLOGO
Um silêncio sepulcral reinava no interior do banco. Apenas o bater do relógio
anunciava o passar dos segundos, que a tensão tornava mais longos. Sempre taciturno e
calado, Slater não via motivos para abrir a boca naquela espera que exigia total
concentração. Os outros estavam apavorados demais para emitir um único som.
O suor escorria pelas costas do xerife, ensopando sua camisa. Em silêncio, ele
amaldiçoava o guarda-pó que vestira para esconder o revólver. Um dos delegados, com as
roupas do contador, já não controlava mais o nervosismo. Os dedos tamborilavam sobre o
balcão e o olhar angustiado ia da janela para o relógio, num movimento convulsivo, sem se
deter em nenhum dos dois pontos. Atrás da escrivaninha do gerente, o outro delegado
manuseava a arma com gestos tão bruscos que se arriscava a dispará-la acidentalmente.
Só Slater permanecia impassível, sem se contagiar com a tensão generalizada.
O xerife Clayton sentia uma irritação mesclada de inveja ao constatar a calma
imperturbável daquele homem. Justificava essa reação pouco profissional acreditando que
esse tipo de situação era corriqueira na vida de Slater.
Um capitão dos Texas Rangers, célebres por sua coragem, certamente já aguardara
a morte vir ao seu encontro vezes sem conta e nem percebia a angústia de uma espera
interminável. O xerife e os delegados de um vilarejo perdido no interior tinham apenas que
manter a lei e para eles essa tocaia representava um perigo ao qual não estavam habituados.
A tarefa mais árdua que lhes chegava às mãos era prender os costumeiros bêbados de
sábado à noite. Eram briguentos e corajosos, mas incapazes de encontrar a própria arma,
quanto mais de atirar em alguém. Nunca haviam enfrentado uma situação tão apavorante
como essa louca tentativa de capturar o famigerado Brody e sua quadrilha de temíveis
pistoleiros.
O xerife olhou para o relógio pela quarta vez consecutiva e criou coragem para
encarar Slater. Um brilho fugaz de esperança surgiu em seu olhar apreensivo. Talvez
conseguissem escapar vivos!
– Já está quase na hora do banco fechar. Não será tarde demais?
– É assim mesmo que Brody costuma agir – responde Slater sem fitar o relógio nem
o xerife. – Ele prefere espera que o banco feche. Talvez imagine que encontrará mais
dinheiro na caixa e menos atenção por parte dos vigilantes.
O xerife Clayton passou a língua nos lábios ressecados. Então, virou rapidamente a
cabeça, ansioso por esconder de Slater essa mostra involuntária de nervosismo. O coração
batia como se fosse saltar do peito e a expectativa estava ultrapassando os limites do
suportável. Seus homens também não conseguiam dissimular a tensão. Só o Ranger não
demonstrava nem receio nem excitação, aparentemente alheio ao perigo.
Só quem conhecesse Slater muito bem perceberia o quanto estava tenso. Sua
expectativa se revelava na rigidez da postura, nos maxilares cerrados e, acima de tudo, nas
mãos que pendiam ao lado dos revólveres com uma imobilidade pouco natural. Eram sinais
evidentes de muita excitação, ansiedade e uma pequena parcela de medo. Esse receio,
porém, não se originava do perigo representado pela pontaria infalível daqueles
criminosos. Temia apenas ter recebido uma informação falsa sobre esse assalto ou que
Brody fizesse uma alteração de última hora nos planos. Há mais de dois anos esperava por
esse momento!
Já havia esgotado todos os recursos, honestos ou não. Farejara a pista daquele
bandido como um verdadeiro cão de caça, oferecera somas irrecusáveis por informações
pouco promissoras sobre o bando de criminosos, seguira as pistas mais óbvias e as menos
prováveis. Fizera tudo! No entanto, continuava sem descobrir o esconderijo secreto de
Brody e também não conseguira preparar uma armadilha fatal. A sua presa era astuta e
ardilosa, desaparecendo no ar como fumaça e deixando Slater, o melhor rastreador dos
Rangers, com um gosto amargo de derrota.
Agora, sua vez tinha chegado!
Slater não tivera a menor dúvida de que as palavras de Dave Vance fossem
verdadeiras. Quando o delator o procurara há três dias, com o intuito de revelar os planos
de Brody sobre um assalto ao Banco do Estado do Texas no vilarejo de Santa Clara, tinha
se encontrado com o bandido num salão de bilhar em Austin e o chefe da quadrilha o
convidara a participar desse roubo.
Não havia nenhum detalhe suspeito nas revelações de Vance, os dados se
encaixavam. A descrição física de Brody fora perfeita e os planos que mencionara eram
idênticos aos usados em outras ocasiões pelo bando. Além disso, o célebre criminoso
sempre levava consigo um grupo de seis pistoleiros. Como estava apenas com cinco,
precisava de mais um homem em sua quadrilha.
Dave Vance era um ladrão de capacidades limitadas. Preferia a certeza da
recompensa oferecida pela captura de Brody à imprevisível quantia a ser partilhada pela
quadrilha. Decidira procurar Slater. E garantir seu lucro.
Sim... desta vez não havia como falhar!
Subitamente, sua intuição apurada detectou uma mudança sutil na rua principal do
vilarejo. Mesmo sem ver ou ouvir nada de diferente, teve certeza absoluta!
– Fiquem alertas! Eles estão chegando!
Os forasteiros entraram no vilarejo, vindos do Oeste, e seguiram pela Main Street, a
rua principal de Santa Clara. Os cavalos moviam-se com rapidez, mas sem o estrépito
alarmante de um galope desenfreado. E sem deixar uma nuvem de poeira à sua passagem.
Havia algo sinistro na concentração absoluta e no silêncio que envolvia homens e animais,
igualmente cobertos de suor e pó.
Sam Brody não usava os costumeiros guarda-pós de pano pardo a fim de manter a
rapidez ao sacar a arma. Preferia também as roupas escuras e sem detalhes que chamassem
atenção, bem como evitava o uso dos tão admirados arreios com enfeites de prata. No
entanto, qualquer observador mais atento notaria a raça apurada dos cavalos, a qualidade
excepcional dos rifles de dois canos, presos às selas, e o brilho mortífero dos revólveres
ainda em seus coldres de couro negro.
Vinham em dois grupos de três, com Brody abrindo caminho e à esquerda de seus
homens. Ele era canhoto, por isso atirava com a mão esquerda, o que sempre confundia
seus adversários. Calado e sem mover a cabeça, percorria a rua com olhos de águia,
notando os detalhes mais insignificantes. Sempre agia com uma preocupação quase
obsessiva. Nesse dia, uma sensação de perigo iminente, mais definida do que a habitual
tensão, o impelia a ser excepcionalmente cauteloso.
Quando os homens pararam em frente ao banco, Brody já descera do cavalo.
Acreditava que a rapidez de ação exigida por ele garantia o sucesso dos assaltos. Era
invariavelmente o primeiro a entrar no local escolhido. Os outros começavam a desmontar
quando ele colocou a mão sobre o trinco da porta. Então a alarmante sensação de perigo se
intensificou.
Brody percebeu, ainda sem virar a cabeça, um movimento à sua esquerda. Era
Vance, o pistoleiro contratado em Austin, que se esgueirava em direção da viela ao lado da
agência bancária. Simultaneamente, um brilho metálico vindo de dentro do banco feriu
seus olhos. Sua mão se imobilizou, deixando de empurrar a porta. O instinto, mais rápido
do que o pensamento, o fez dar um salto para trás e alertar os companheiros sobre a
possível armadilha.
– É uma cilada!
Brody jogou-se ao chão no exato momento em que o vidro da porta foi atingido
pela saraivada de tiros vindos do interior do banco. Estilhaçando-se em mil pedaços, um
dos cacos atingiu seu rosto e o outro, maior, abriu um corte fundo no braço. Ele nem sentiu
a dor, preocupado apenas em alcançar seu cavalo.
Acostumados a tiroteios, os animais inquietos batiam os cascos no chão, sem
disparar no galope apavorado como fariam cavalos não treinados. Quatro dos pistoleiros,
ainda ao lado das montarias, saltaram novamente sobre as selas. O homem mais próximo a
Brody não teve tanta sorte e caiu, varado pela segunda rodada de tiros.
Rolando na terra vermelha da rua, Brody afastou-se da calçada de madeira. Ainda
deitado, virou-se para atirar na direção do banco e sentiu uma bala atingir sua coxa. Ouviu
o grito de Stanton que também fora atingido e o ressoar do tropel desordenado de cavalos
se afastando.
Ele conseguiu alcançar as rédeas do seu garanhão, mas o animal, apesar de
treinado, empinou ao sentir que alguém tentava refreá-lo. Escoiceando, o cavalo disparou
com Brody agarrado precariamente à sela. Ele foi arrastado por alguns metros e então
percebeu que a situação se agravara. Os movimentos convulsivos do cavalo indicavam que
sua única chance de escapar tinha sido atingida por um tiro fatal.
Ao bater as costas no chão duro, o Colt voou de sua mão e ele arrastou-se até o
animal caído para arrancar o rifle preso à sela. À sua volta, voltara a reinar um silêncio
carregado de maus presságios. Decidido a usar o corpo do cavalo morto como defesa e
também apoio para disparar os tiros com melhor pontaria, Brody ergueu a cabeça e viu um
homem correndo em sua direção.
Mesmo sabendo que já não teria outra saída a não ser a morte, decidiu continuar
lutando até o fim. Já era tarde demais! O rifle voou de suas mãos por um pontapé violento
e certeiro enquanto o cano gelado de um Colt foi encostado bem entre seus olhos.
Impassível, Brody aguardou a explosão final.
O homem à sua frente o fitava sem apertar o gatilho, com olhos tão frios e sem
expressão quanto contas de vidro colorido. Os lábios se moveram, deixando os dentes à
mostra, num sorriso mais semelhante ao esgar de uma fera prestes a trucidar sua presa.
– Sou Slater. Finalmente consegui agarrá-lo, seu bastardo!
CAPÍTULO 1
Não havia nada no mundo mais precioso para Ed Stafford do que suas adoradas
garotas. Dedicava a ambas um amor igualmente profundo, mudando apenas a forma de
exprimir esse sentimento. Nem poderia ser de outro modo: era difícil encontrar duas jovens
tão diferentes quando Victoria e Amy.
A filha era intempestiva e irreprimível como os elementos da natureza. Ousada,
impetuosa e temperamental, Victoria compensava a teimosia obstinada com um irreverente
senso de humor e temperava sua eficiência excepcional com um encanto raro. Montava
melhor do que a maioria dos vaqueiros, manejava uma arma com o desembaraço e a
pontaria certeira de um pistoleiro, e seu conhecimento sobre a fazenda só era superado pela
experiência do pai.
Ed sabia que a propriedade ficaria em boas mãos após sua morte, pois Victoria
tinha competência de sobra para continuar a obra iniciada por ele. Só pedia a Deus que a
filha não se matasse antes disso em alguma aventura bem-intencionada, mas fatalmente
desastrosa.
Já a sobrinha era uma flor delicada, o fruto doce de uma natureza mais gentil.
Tímida fora do ambiente familiar, revelava seu temperamento afetuoso ao sentir-se
rodeada de amor. Amy jamais se envolvia em situações arriscadas ou embaraçosas.
Criada junto com a prima, ela também cavalgava tão bem quanto qualquer vaqueiro
e sentia um amor especial pelos cavalos, assim como por todo o tipo de animais. No
entanto, nunca demonstrara a menor curiosidade pelas atividades da fazenda. Amy
detestava números e nunca se interessara pelos livros de contabilidade, sempre ao alcance
das jovens sobre a escrivaninha de Ed. Além disso, preferia não presenciar o sofrimento
dos animais ao serem marcados e evitava aproximar-se de armas de fogo.
Victoria adorava cavalgar ao lado do pai e dos vaqueiros, absorvendo avidamente
todos os aspectos da rotina diária de uma fazenda. Amy contentava-se em passear sem
destino, apreciando a paisagem. Preferia ficar em casa cuidando de algum animal doente
ou simplesmente passar o dia no balanço preso ao carvalho quase centenário.
O contraste entre elas não se limitava à diferença de personalidade. Também no
aspecto físico, as duas representavam tipos de beleza radicalmente opostos, como a
bonança frente à tempestade.
Esbelta e frágil, Amy tinha o rosto em forma de coração, onde brilhavam olhos tão
azuis quanto um céu de primavera. Os cabelos sedosos e de um loiro prateado
emolduravam com perfeição os traços delicados daquela jovem etérea como as princesas
dos contos de fadas. Com vinte e um anos, ela era um botão de rosa, mais semelhante a
uma adolescente, começando a desabrochar.
Victoria, um ano mais nova, já era, inegavelmente, uma mulher. A postura ereta a
fazia parecer mais alta e evidenciava as curvas suaves de um corpo com proporções
perfeitas. A cabeleira negra e brilhante tornava ainda mais intenso o azul-escuro daqueles
olhos que chegavam a ficar quase violeta nos momentos de raiva.
A beleza de Amy evocava doçura, a de Victoria era quase agressiva. Esse contraste
não diminuía e sim acentuava a atração singular de cada uma delas.
Naquela manhã, à mesa do café, Ed Stafford contemplava as jovens e agradecia a
Deus pela bênção de ter filhas tão maravilhosas. Eram realmente duas, porque jamais
pensara em Amy como uma sobrinha. Desde o momento em que a colocaram nos braços
dele, há dezesseis anos, adotara a criaturinha magra, pálida e acometida de tremores
incontroláveis.
A mãe de Amy era a única irmã de Stafford e vivia em uma fazenda bastante
afastada da vila. Ela, o marido e os filhos maiores tinham sido mortos em um dos
costumeiros ataques de índios. Apenas a caçula conseguira escapar porque a mãe a
escondera no celeiro, salvando-a do terrível massacre. Só dois dias depois da tragédia, um
vizinho ouviu o choro quase sem forças da garotinha, faminta. Lembrando-se do nome do
tio de Amy, ele a trouxe ainda em estado de choque, incapaz de falar ou até de se
comunicar através de gestos.
Os Stafford a receberam com um amor sem limites e Amy retribuiu esse sentimento
profundo com a mesma intensidade.
– Vou sentir muita falta de vocês. – O tom de Stafford era de brincadeira mas o
arrependimento evidente em seu olhar desmentia a expressão alegre. – Por que aceitei essa
idéia maluca de viajarem para San Antonio?
– Ora! Porque você é um pai especial! – replicou Victoria no mesmo tom e deu-lhe
o sorriso irresistível que já estonteara muitos homens.
O sorriso de Amy era mais meigo e modesto, porém refletia o mesmo amor.
– Além de ser maravilhoso, você também é um pouco comodista, concorda? Queria
nos ver longe daqui quando começasse a trazer o gado para ser marcado.
– Ah! Amy acertou na mosca, papai! Você disse mesmo que nós iríamos atrapalhar
o rodeio.
– É... Ela acertou e eu errei. Devia ao menos levá-las pessoalmente até San Antonio
em vez de delegar essa responsabilidade a uma desmiolada!
– Que absurdo! A sra. Childers é uma dama de companhia irrepreensível. Ela
conhece os menores detalhes de etiqueta e respeita as convenções sociais como se fossem
os mandamentos divinos!
– É perfeitamente possível ser respeitadora dos preceitos convencionais e possuir o
cérebro do tamanho de um grão de ervilha. Por azar, acho que é esse o caso da sra.
Childers, Victoria.
– Céus! O que poderia acontecer de tão trágico conosco entre a fazenda e San
Antonio? Estaremos dentro de uma diligência praticamente o tempo todo. Amy e eu
poderíamos ir sozinhas sem o menor problema!
– Se eu não conhecesse muito bem a minha filha, talvez até acreditasse –
resmungou Stafford. – Não quero nem pensar no que pode acontecer nessa... inofensiva
viagem. Quando você fica livre da minha vigilância, só me resta rezar!
Amy os observava com um sorriso nos lábios. Jamais interferia naquelas
discussões, tão freqüentes entre Victoria e o pai. Ela apenas ouvia o tom amoroso com que
se comunicavam, sem prestar atenção às palavras, deixando-se envolver pela harmonia que
reinava naquela casa.
– Bem, discutir é pura perda de tempo, papai. Aliás, se eu não me preocupar com o
horário, nossas malas não ficarão prontas. Não chegaremos nem à vila para teimar a
diligência, quanto mais a San Antonio!
Victoria beijou o pai e, mal saiu da sala, ouviu o som de uma discussão acalorada
vinda do andar de cima. Era evidente que as vozes falando rapidamente em espanhol
pertenciam às duas criadas mexicanas. A outra só podia ser a de Mary Doherty. A
governanta irlandesa estava sempre pronta a encontrar defeitos nas jovens.
Ao entrar no quarto, Victoria não sabia se ria ou chorava. As três mulheres, de
braços cruzados, entreolhavam-se enfurecidas. Ao redor delas havia uma profusão de baús
abertos, sacolas de tapeçaria, além das incontáveis anáguas e vestidos, jogados sobre a
cama.
– O que está acontecendo aqui, sra. Doherty?
A irlandesa miúda e de cabelos grisalhos voltou-se para Victoria, com uma
expressão de alívio.
– Os anjos sejam louvados! Se a menina não viesse agora, eu ia desistir! É mais
fácil converter o próprio Satanás do que enfiar alguma noção na cabeça dessas almas
pagãs!
– Ora, sra. Doherty... não exagere tanto!
– Exagerar? Elas têm a cabeça mais dura deste mundo de Deus! São incapazes de
entender uma única palavra!
Controlando a vontade de rir, Victoria deixou a governanta dar vazão à sua raiva.
As jovens mexicanas não iriam compreender uma só palavra do monólogo rápido e com
um forte sotaque irlandês da sra. Doherty.
Seria um esforço inútil tentar explicar à inflamável senhora que Elena e Dorotea
compreendiam perfeitamente bem o inglês de todas as pessoas da casa, exceto o dela. O
sotaque carregado e as expressões regionais tornavam a fala da sra. Doherty uma algaravia
incompreensível para as moças. Mas a governanta se convencera que as duas a entendiam
muito bem e só fingiam incompreensão quando lhes convinha.
No dia-a-dia, as três se comunicavam relativamente bem, usando uma. bizarra
mistura de inglês, espanhol, gaélico e muita mímica. Mas, quando os ânimos ficavam mais
acalorados e a paciência mais curta, as vozes se aceleravam, os sotaques se acentuavam e
os gestos se tornavam mais bruscos. Então, rompia-se o precário sistema de comunicação
entre elas, ruindo como um castelo de cartas.
– Qual é o problema? – perguntou Victoria e imediatamente se arrependeu de ter
aberto a boca.
As três vozes, alteradas e dispostas umas a suplantar as outras através do volume,
ecoaram no quarto ao mesmo tempo. Incapaz de compreender o motivo de tanto
desacordo, ela ergueu os braços pedindo silêncio.
– Por favor! Uma de cada vez!
Respirando fundo, Victoria preparou o espírito para enfrentar aquela disputa
doméstica. Custava-lhe muito esforço ser paciente com a desorganização feminina e sua
costumeira eficiência desaparecia quando se tratava dos trabalhos caseiros.
– Comece, sra. Doherty. Qual é o motivo de tanta balbúrdia?
– Vim para ver se essas cabeças-de-vento estavam fazendo as malas com capricho e
olhe só o que encontrei! – A governanta apontou um dos baús ainda aberto, onde estava a
saia que Victoria usava para cavalgar. – Essas horríveis e indecentes... calças de homem!
Você não está pensando em levá-las, não é? Seria vergonhoso!
– É claro que vou levá-las. – E fez um sinal às criadas para que fechassem o baú. –
Podem ir cuidar de outras coisas, niñas.
– Tory, minha querida criança, seja sensata, pelo amor de Deus! – A sra. Doherty
estava rubra de indignação. – Não fica bem uma moça de família fina e educada como
você sair usando... roupas masculinas!
– Não exagere, sra. Doherty. São apenas saias-calças. Quando estou montada a
cavalo, considero-me tão decente quanto qualquer outra mulher. Aliás, já lhe expliquei isso
mais de mil vezes, não?
– Saias sem anáguas ficam indecentes e pode desistir de me convencer, Tory. O
pior de tudo é que com essas... calças, você monta a cavalo como se fosse um homem! Ah!
Se a sua pobre mãe, que Deus a tenha, visse a filha nesses trajes!
– Também não me impediria de usá-las – afirmou Victoria com uma teimosia que
logo se transformaria em obstinação. Aquele assunto provocava discussões constantes
entre ela c a governanta, que também não desistia.
– Para que vai levar trajes de montaria para a cidade, Tory? Certamente não irá
cavalgar como aqui.
– Talvez surja uma oportunidade e não quero perdê-la por que não tenho a roupa
certa. Ah! Vou levar minhas botas também.
– Está ficando cada dia mais sem modos, mocinha! Ainda bem que sua pobre mãe
não verá a filha usando trajes de uma mulher leviana, arruinando sua reputação!
Capaz de tomar conta da fazenda, dos vaqueiros e de resolver todo o tipo de
problemas como se fosse uma pessoa madura, Victoria se revoltava com a atitude da
governanta. Aqueles sermões intermináveis sobre bom-comportamento a faziam sentir-se
uma criança irresponsável.
– Amy também usa esse tipo de saia e nunca ouvi nenhuma palavra de censura
dirigida a ela!
A expressão da sra. Doherty suavizou-se e ela sorriu embevecida.
– Ah... a nossa Amy é um caso especial. Ela foi tocada pelos dedos mágicos dos
duendes e das fadas!
A raiva de Victoria desapareceu diante daquele comentário. A sra. Doherty não era
a única a encontrar sempre um desculpa para qualquer atitude de Amy. Todos os que se
aproximavam daquela criatura doce ficavam logo prisioneiros de seu encanto mágico.
Aliás, Victoria fora a primeira ser cativada pela prima e s transformara, de
imediato, em sua defensora fiel. Quando ainda criança, chegou ao lar dos Stafford,
apavorada e se fala, ela a cercou de carinho e proteção. Era em seus braço de menina que
Amy se refugiava quando acordava à noite, chorando de desespero. Os pesadelos
tornavam-se ainda mais assustadores porque não conseguia lembrar-se do sonho.
No primeiro dia de aula, Victoria levou a prima pela mão, transmitindo-lhe
segurança e apoio. Depois que quebrou o nariz de Ben Hartwell porque o ouviu dizer que
Amy era maluca, ninguém mais ousou provocar a garotinha tímida. Quem iria se arriscar a
fazer qualquer comentário desairoso diante de Victoria, tão facilmente levada à cólera?
– Tem razão, sra. Doherty. Amy é uma criatura especial. Mas, se concordamos
nesse ponto, não temos a mesma opinião sobre outros, certo? Sou uma mulher adulta e não
mais uma criança que deve ser orientada e repreendida. Pretendo agir de acordo com
minha própria cabeça, sem aceitar interferências de mais ninguém... como venho fazendo
desde que, completei dezesseis anos. Fui bem clara?
A governanta fez uma careta de zombaria ao ouvir a declaração peremptória.
– Clara como água, mocinha! Aliás, sempre fez tudo o que quis muito tempo antes
dos dezesseis anos!
– Tem razão, querida. No entanto, determinar quando eu me tornei independente só
irá atrasar ainda mais a arrumação das malas, não acha?
Apesar de detestar os afazeres domésticos, Victoria era perita em organizar
qualquer tipo de atividade. Com o auxílio da governanta, terminou rapidamente de fechar
todas as malas e mandou chamar dois vaqueiros para levá-las até a carroça. Os rapazes
gemeram ao ver a quantidade de bagagem a ser carregada pelas escadas.
– Minha nossa! Vai passar alguns dias fora ou mudar de vez para a cidade,
senhorita Victoria?
– Ei! A bagagem não é só minha! – protestou ela, usando o mesmo tom jocoso dos
peões. – Além disso, não queriam que eu fosse a um casamento mal vestida, não é?
– Bem... com essa quantidade de roupas, a noiva que se cuide, ou vai ficar em
segundo plano.
– Ora! Que bobagem! – brincou Victoria, acompanhando-os até a carroça.
Ela sempre conversava com os vaqueiros em um tom descontraído e informal, o
que os deixava à vontade e com liberdade para fazer as brincadeiras habituais entre eles.
No entanto, admiravam a capacidade de Victoria, tratando-a com o mesmo respeito que
demonstravam a Ed Stafford. Além disso, jamais pensariam sequer em não obedecer a uma
ordem da moça, nem duvidavam de sua competência em relação às atividades relativas à
fazenda.
Enquanto as malas eram acomodadas, Victoria foi à procura da prima. O tempo não
tinha o mesmo significado para Amy do que para a maioria das pessoas. Ela perdia a noção
das horas se estivesse entretida com algo que atraísse sua atenção.
Como não a visse em seu lugar habitual, no balanço, deduziu que estaria se
despedindo dos cavalos. Foi rapidamente até os estábulos, onde não a encontrou também.
Então, lembrou-se do bezerrinho que Amy estava criando com mamadeira e se dirigiu ao
celeiro.
Ali, sentada sobre a palha macia, estava Amy com uma ninhada de gatinhos no
colo. Um dos filhotes, mais ousado, se acomodara no ombro da jovem e brincava com as
mechas prateadas que tinham escapado do penteado. A saia estava cheia de feno e na pele
alva do rosto havia uma pequena mancha de terra.
A necessidade de censurá-la por ter esquecido a hora da partida e o desejo de
abraçar aquela criatura angelical eram igualmente fortes e Victoria, como sempre,
esqueceu-se da zanga diante do sorriso com que foi recebida.
Amy era especial, não podia seguir os padrões exigidos da maioria das outras
pessoas. Havia quem a julgasse estranha, até um tanto simplória, talvez por ter sido afetada
pela tragédia de sua infância.
Mas, se algo afetara Amy, tinha sido o toque mágico dos duendes, como dizia a sra.
Doherty. Sua irreprimível alegria de viver era comovente, contagiando a todos que a
cercavam, e sua capacidade de amar era, no mínimo, rara. Só existia bondade naquela alma
pura e incapaz de rancor, que abria seu coração diante do menor sinal de dor ou de mágoa.
Sempre pronta a consolar, pressentia o momento exato de oferecer afeto ou silêncio,
destituído de censuras ou críticas.
Victoria não seria capaz de enumerar por quantas vezes sentira a mãozinha delicada
apoderar-se da sua ou quando recebera um beijo doce sem motivo aparente. Com uma
intuição aguçada, a meiguice da prima a envolvia justamente quando se sentia mais triste
ou carente de afeto.
Diante de tanto calor humano, pouco importava a dificuldade de Amy em resolver
problemas matemáticos, obedecer horários rígidos, cumprir os deveres rotineiros ou se
manter atenta durante conversas formais. Ela não era organizada nem tinha desembaraço
social, mas Victoria e o pai assumiam de bom grado essas tarefas. O destino de Amy
parecia traçado com o objetivo de tornar o mundo melhor e mais doce através de sua
presença.
– Não são lindos, Tory? – Amy ofereceu à prima um dos gatinhos que se aninhara
em seu colo. – Este chama-se Relâmpago porque é todo branco.
Victoria sentou-se ao lado da prima, segurando o animalzinho frágil enquanto
pensava na melhor maneira de interromper aquela cena idílica.
– São encantadores mas... está na hora de irmos embora, Amy querida. Você
precisa terminar de se arrumar e então partiremos.
– Eu sei. Foi justamente por isso que vim despedir-me dos gatinhos. – Ela fitou a
ninhada com um olhar melancólico. – Vão estar crescidos quando eu voltar... talvez nem
me conheçam mais.
– Não quer sair da fazenda, Amy?
Desde o início, Victoria se preocupara com aquela viagem. Temia que Amy se
ressentisse da mudança de ambiente e não ficasse à vontade na agitação de San Antonio.
Apesar da prima se entusiasmar com a idéia de comparecer ao casamento, poderia sentir
falta do aconchego familiar.
– Oh! Estou tão feliz, Tory! Acho que vai ser muito divertido! Daphne irá parecer
uma princesa com o vestido de noiva... quero muito vê-la!
Amy permanecera em casa durante os três anos em que Victoria tinha ficado como
interna na escola em San Antonio. Conhecera Daphne durante um período de férias em que
essa garota espontânea e natural viera com a prima para a fazenda. O convite para o
casamento a enchera de orgulho e satisfação, mas já não estava tão certa se devia mesmo
ir.
– Por acaso, não quer que eu vá, Tory?
– É lógico que sim! Tudo vai ser muito mais divertido se você estiver comigo,
Amy. Só perguntei porque imaginei que talvez sinta saudades de seus gatinhos, da
fazenda...
–... e de tio Edward, é claro!
– Exatamente! Também pensei que um lugar novo e movimentado com pessoas
estranhas pudesse aborrecê-la, querida.
– Vou mesmo sentir muita falta de todos – concordou Amy, pensativa. – Mas acho
que não terei medo de nada ou de ninguém se você estiver ao meu lado, Tory. E logo
voltaremos, certo?
– Então, vamos correr para casa. Papai já deve estar andando de um lado para o
outro na varanda, com o relógio na mão.
Antes mesmo de chegar, as duas viram Ed Stafford que, embora imóvel, as
esperava na varanda, consultando o relógio com impaciência. Amy e Victoria não pararam
para ouvir a censura compreensível, correndo para o quarto.
Vestir-se para ocasiões formais como festas ou a ida à igreja nos domingos era um
processo demorado, tedioso e que requeria a ajuda de uma criada, ao menos. Ninguém
conseguiria apertar sozinha o espartilho até atingir a medida exata da cintura, exigida pela
moda, e, mesmo com alguns pares de mãos, perdia-se um tempo absurdo.
Felizmente, em casa ou para viagens longas, admitia-se o uso de trajes mais simples
que permitissem um certo conforto. As duas jovens vestiram com bastante rapidez as
roupas de fustão marrom, leves e despretensiosas, voltando à varanda antes que Ed
perdesse a paciência e começasse a chamá-las. Ainda amarrando as fitas dos chapéus, elas
subiram na carruagem, pois, se não partissem imediatamente, acabariam perdendo a
diligência.
O vilarejo de Bennet ficava a quase três horas de viagem, mas nem o calor nem a
poeira diminuíram o entusiasmo das duas que riam e brincavam como se fossem crianças.
Elas estavam ainda provocando Ed com suas travessuras quando a carruagem parou diante
da casa de madeira branca de Adelaide Childers.
Antes que atravessassem o jardim, onde uma profusão de flores crescia
desordenadamente, refletindo a personalidade da sra. Childers, a porta se abriu. Uma
senhora de meia-idade, rechonchuda e sorridente, correu ao encontro deles.
– Oh! Meu Deus! É o coronel Stafford! – Como a maioria das pessoas; Adelaide
Childers usava a patente obtida por Stafford no exército do Sul. – Estou tão embaraçada!
Vocês foram pontuais, como manda a etiqueta, e eu... nem sequer fechei as malas! Vão me
julgar uma mulher sem modos e...
As desculpas sussurradas da sra. Childers foram acompanhadas por um gesto
delicadamente feminino que se destinava á encantar Ed Stafford. Aquela encenação
graciosa provocou uma incontrolável vontade de rir em Victoria, que percebia nitidamente
o empenho da viúva Childers em conquistar seu pai.
Sem dúvida alguma, tinha sido esse o motivo da alegria daquela senhora ao ser
convidada para servir de dama de companhia para as duas jovens. Mas Adelaide Childers
ficaria extremamente desapontada se soubesse o quanto esse convite aborrecera o alvo de
suas atenções. Stafford apenas se resignara a entregar a filha e a sobrinha nas mãos de uma
criatura que considerava frívola e tola demais. Infelizmente, não encontrara outra pessoa e
ele não podia deixar a fazenda durante o rodeio.
Suspirando, Ed desceu da carruagem, forçando-se a manter um sorriso polido nos
lábios.
– Bom dia, sra. Childers. Ainda temos algum tempo antes da partida da diligência e
Victoria pode ajudá-la.
Foi Victoria quem suspirou então e com razões muito mais válidas ao deparar com
o caos reinante na sala: um ciclone parecia ter varrido a casa toda! Controlando a
impaciência diante da falta de organização, ela conseguiu colocar em ordem as roupas
jogadas sobre os móveis e fechar o baú da sra. Childers em menos de meia hora.
Ed colocou a bagagem na carroça e todos ainda esperaram a confusa senhora
procurar a chave para trancar a porta, perdendo minutos preciosos.
Realmente, a diligência já estava prestes a partir quando elas chegaram e Ed
Stafford mal teve tempo de despedir-se das duas jovens. Amy e Victoria se apertaram na
janela para dar um último adeus ao pai, que logo desapareceu atrás de uma nuvem de
poeira.
Naquelas longas e tediosas viagens, sempre se estabelecia uma certa intimidade
entre os passageiros, fechados num recinto tão reduzido. A sra. Childers iniciou suas
funções de dama de companhia apresentando suas protegidas ao único outro companheiro
de jornada.
O falante advogado logo passou a tratar a faceira sra. Childers como se fossem
velhos amigos, deixando as duas jovens livres para conversar entre si.
– Pelo jeito, a nossa amiga já encontrou um outro futuro marido! – murmurou
Victoria. – Quem sabe, assim, deixa papai em paz!
Amy sorriu para a prima mas não desviou os olhos da janela – Não é maravilhoso,
Tory?
– O quê?
– Tudo! – exclamou Amy, fazendo um gesto amplo para indicar a paisagem que se
estendia até o horizonte muito distante.
Victoria já percorrera aquele percurso tantas vezes durante os anos que freqüentara
a escola em San Antonio, que conhecia cada quilômetro daquelas planícies infindáveis. O
deslumbramento de Amy provocou-lhe uma onda de remorsos pois a pobre garota
raramente tinha se afastado de casa Excetuando-se algumas rápidas idas para fazer
compras em Austin, a prima nunca saía da fazenda e pouco conhecia do mundo que a
rodeava.
Talvez por vê-la sempre tão feliz em casa, Victoria tirara a conclusão errônea de
que Amy só se sentia bem no ambiente familiar. Pelo evidente entusiasmo da prima,
reconheceu que a haviam privado de muitas alegrias por considerá-la caseira e sem
curiosidade de conhecer lugares novos. Aquele passeio tinha se tornado muito mais
importante agora: era a primeira viagem de Amy!
Se, para Victoria, a permanência da prima na fazenda despertava quase um
sentimento de culpa, Amy apreciava a novidade daquela viagem sem se ressentir de ter
sido privada dessa alegria. Ela amava intensamente a única casa que podia considerar seu
lar e não ansiava por aventuras.
As recordações dos anos vividos antes de vir para a sombra protetora do tio eram
praticamente inexistentes. Ela lembrava-se vagamente de uma figura indistinta, mais
próxima do sonho do que da realidade: um homem alto e de ombros largos, cuja voz grave
transmitia segurança, em cujo peito amplo repousara a cabeça, serena e confiante.
Fechando os olhos, parecia ouvir novamente o bater ritmado de um coração, sentir o sopro
da respiração roçando seu rosto e aspirar o aroma másculo onde se mesclavam odores
distintos de tabaco, couro e cavalos.
Amy apagara as lembranças dos restantes membros de sua família e nunca fizera
esforço algum para trazer de volta essas memórias perdidas. A opinião geral era de que ela
realmente não devia nem tentar. Sua vida se iniciara no dia da chegada à fazenda Stafford
onde fora envolvida pelos braços protetores de tio Ed e amparada pela presença
reconfortante de Victoria. Ali, se sentira finalmente a salvo de todos os perigos e ameaças.
Amy não analisava suas reações, vivia intuitivamente. Ela não pensava, só sentia.
A fazenda era seu lar, um mundo de felicidade onde existiam dois grandes amores:
tio Ed e Victoria. Adorava aquele universo harmonioso e sua capacidade de sentir prazer
nas menores coisas afastava o tédio de sua vida. Cada novo dia chegava, trazendo algo de
inesperado e fascinante. A ausência ocasional do tio e da prima provocava nela apenas uma
saudade infinita, nunca o desejo de estar do lado dos dois, descobrindo novos horizontes.
Fora feliz ficando em casa, era feliz agora ao cruzar o Texas: vivia apenas o momento
presente.
Amy não ignorava que sua maneira de aceitar com alegria todas as situações era um
dos motivos pelo qual a julgavam uma pessoa de mente simples. Ela até admitia que talvez
a opinião geral fosse correta, pois não era mesmo brilhante. Nunca tivera a rapidez de
pensamento, tão evidente em Victoria, cuja curiosidade procurava sempre o porquê de
todas as coisas. Detestava fazer contas, perdia logo o interesse nos livros mais difíceis e era
através dessas atividades que se julgava a inteligência das pessoas.
Entretanto, sentia-se feliz desse modo e não via razão alguma para mudar seu
comportamento. Aliás, mesmo se houvesse motivo, não teria sequer tentado! Ouvira uma
vez o comentário do tio sobre seu temperamento e aceitara aquelas palavras sábias que
pareciam resumir sua verdade interior.
Tio Ed afirmara que Amy não pensava com a cabeça e sim com o coração. Ela se
reconheceu nessa definição e não se preocupara mais com a opinião dos outros sobre suas
possíveis falhas e deficiências.
A diligência entrou na cidade quando a noite começava a formar sombras e os
lampiões iam sendo acendidos. Austin, a capital do Estado do Texas, era uma cidade
moderna e planejada, com largas avenidas, bastante diferente dos vilarejos com ruas de
terra que formavam a maior parte do Estado.
Ed Stafford tinha escolhido o melhor hotel da cidade, o Avenue, para hospedá-las,
embora apenas por uma noite. O imponente prédio ficava na avenida do Congresso e, do
outro lado da praça, via-se a magnífica construção que abrigava o governador do Estado.
Amy continuava fascinada com o movimento das ruas, absorvendo em silêncio a
agitação e o luxo dos habitantes da cidade. Mal ouvia Victoria que afirmava o quanto San
Antonio era maior e mais bonita com seus prédios antigos, museus e monumentos
históricos.
Infelizmente, a sra. Childers demonstrava com exuberância excessiva a sua
admiração pelo luxo do hotel. Não se cansava de repetir sua gratidão pela generosidade do
coronel Stafford em hospedá-las num local tão requintado.
Victoria já começava a ter dúvidas sobre sua capacidade de suportar aquela
algaravia incessante durante toda a viagem que duraria um mês. Não ia ser nada fácil
manter o controle e não demonstrar sua impaciência com pessoas tagarelas demais.
Na manhã seguinte, antes do sol nascer, elas tomaram a diligência que as levaria até
San Antonio. Acostumadas a levantar muito cedo, Victoria e Amy estavam completamente
despertas, mas a sra. Childers demonstrava uma sonolência que a tornava menos falante e
bem mais suportável.
Ao contrário do dia anterior, a diligência estava lotada. Dois negociantes, um
jornalista que ia trabalhar na Gazeta de San Antonio, um vendedor e um rapaz, cujas
roupas rústicas e mãos calejadas indicavam que era um vaqueiro, se espremiam nos bancos
apertados.
Logo o sol transformou aquela início de viagem numa tortura. Apertados e suando,
os passageiros quase sufocavam com a poeira que se colava em suas peles úmidas. Foi com
alívio geral que alcançaram, duas horas depois da partida, o vilarejo de Santa Clara. Ali os
cavalos seriam trocados e todos teriam tempo para se recuperar do desconforto causado
pela primeira etapa da longa jornada.
Então, o desastre atingiu a bem-intencionada sra. Childers!
Ao descer da diligência, ela olhou para trás a fim de avisar suas protegidas para
pisarem com cuidado no estribo estreito e traiçoeiramente distante do chão. A pobre
senhora ainda as advertia quando seu pé prendeu-se na barra da saia longa, fazendo-a
perder o equilíbrio.
Victoria, muito rápida, conseguiu segurar o braço da sra. Childers mas não teve
condições de impedir sua queda espetacular. Viu-a cair ao chão, com a perna dobrada de
modo pouco natural.
– Sra. Childers! – Victoria ajoelhou-se ao lado da senhora que gemia de dor. –
Machucou-se muito?
– Acho que... há algo muito errado com minha perna.
– Busquem um médico! – gritou a jovem, irritada com a falta de expediente dos
passageiros que a rodeavam sem ação.
Depois de ver o vaqueiro sair correndo, ela voltou-se para Amy. Sabia como a
prima devia estar se sentindo mal, pois era extremamente sensível a qualquer sinal de dor.
– Amy querida... por que não vai ficar na sala de espera? Eu esperarei a chegada do
médico ao lado da sra. Childers.
Victoria lançou um olhar de apelo aos passageiros. O jornalista, percebendo sua
intenção, segurou Amy pelo braço, conduzindo-a com gentileza em direção ao prédio do
escritório da Linha Steel de Diligências, com seu amplo salão de repouso.
Enquanto isso, Victoria ficou ao lado da pobre senhora, que gemia sem parar, à
espera do médico. Tentava reconfortá-la, mas seu conhecimento sobre acidentes lhe dizia
que a situação era grave. A perna da sra. Childers devia estar quebrada!
Finalmente o dr. Bauer, o único médico do vilarejo, chegou e, pedindo para que
todos os outros se afastassem, manteve apenas Victoria ao seu lado. Após um exame
rápido, que provocou gritos de dor da sra. Childers, ele confirmou as suspeitas da jovem: a
perna estava realmente quebrada e seria preciso recolocar o osso no lugar.
Os gemidos da sra. Childers se intercalavam com lamentos sobre a vergonha de
expor sua perna a alguém mais além do médico. Compadecendo-se da infeliz mulher,
Victoria prontificou-se a ajudar.
Desde muito criança, ela se familiarizara com os diversos tipos de ferimentos que
inevitavelmente eram causados pela vida rústica de uma fazenda. Era ainda bem pequena
quando começou a ajudar o pai a socorrer os acidentados, fazendo curativos sem se
perturbar com sangue ou ossos expostos.
O médico percebeu de imediato a competência da jovem e, após a surpresa inicial,
deu graças a Deus por não ter ao seu lado mais uma mulher histérica que desmaia nas
situações difíceis. Apesar da rusticidade da vida naquela região, que criava homens e
mulheres fortes, havia algumas criaturas frágeis e incapazes de sobreviver caso não fossem
protegidas.
Quando, quase uma hora depois, a perna já tinha sido presa por talas e ataduras,
dois homens improvisaram uma maca para levar a sra. Childers até o modesto hotel de
Santa Clara.
Victoria ficou na portaria resolvendo os problemas relativos à acomodação das três
viajantes. Os homens se desdobravam para subir as escadas com a maca onde repousava a
senhora que não parava de lamentar sua falta de jeito.
– Oh! Que situação terrível! – gemia a sra. Childers quando se viu sozinha com as
duas jovens no quarto modesto. – O que seu pai irá dizer?
– Vai sentir pena da senhora, só isso.
– Vai é ficar furioso comigo, Victoria! Fui descuidada e...
Sabendo a opinião do pai sobre mulheres frívolas e dependentes, Victoria
concordava plenamente com as palavras da sra. Childers. Ed Stafford iria imaginar que a
mulher se acidentara devido à falta de juízo. No entanto, não pretendia aumentar o
sentimento de culpa da improvisada dama de companhia, revelando-lhe o quanto estava
certa.
– A culpa não foi sua. – Amy aproximou-se da cama e tomou a mão da sra.
Childers entre as suas. – Não se cai de propósito, não é? Eu quebrei um dedo e tio Ed não
ficou nem um pouco furioso, sabe?
Apesar da dor e auto-censura, a sra. Childers não pôde resistir ao encanto meigo de
Amy e sorriu, aliviada.
Aquela garota, que tanto detestava dor e sangue, evitando ao máximo as situações
mais violentas, era insuperável quando se tratava de reconfortar feridos. Gentil e paciente,
encontrava sempre a palavra certa e conseguia acalmar a inquietação e o desconforto dos
seus pacientes.
– Amy tem razão. Foi um acidente inevitável e infelizmente muito doloroso, sra.
Childers.
– Sim... mas fui escolher a pior das horas para permanecer confinada em uma cama.
O que vamos fazer agora? Oh, Deus! O casamento é em San Antonio e ficamos presas
nesta cidade horrível. Aliás, nem sei exatamente onde estamos.
– Por sorte, não é um lugar tão terrível quanto pensa, sra. Childers. Estamos em
Santa Clara e pelo menos existe este hotel que apesar de modesto me pareceu muito bem
cuidado. – Victoria tentava diminuir os remorsos da pobre senhora. – Quanto ao
casamento, não há motivo para preocupações. Temos muito tempo para chegar a San
Antonio, a cerimônia ainda vai demorar quase um mês. Podemos ficar aqui até a senhora
se sentir com forças para continuar a viagem.
– É, mas não podemos viver aqui! Eu estou presa à cama e vocês duas ficaram sem
uma dama de companhia. – A sra. Childers estava nitidamente horrorizada. – Você já teve
que conversar com o homem da portaria, Victoria! É inaceitável! Além disso, serão
obrigadas a tomar suas refeições sozinhas e em um lugar público! Não sei se
conseguiremos que as sirvam no quarto, este hotel me parece simples demais para oferecer
esse tipo de serviço. Bem, de qualquer modo, não terão minha proteção! Ficarão por conta
própria!
Victoria controlou-se para não rir diante da preocupação da sra. Childers, que lhe
parecia absurdamente ridícula. Qual era o grande problema em trocar algumas palavras
com o recepcionista do hotel? Já enfrentara situações muito mais difíceis e tinha se
divertido bastante com aquela rápida conversa. Sempre viajava acompanhada pelo pai que
tomava todas as decisões, tratando-a com uma dessas mulheres indefesas que ele tanto
detestava.
A cada minuto, aquela estada forçada em Santa Clara estava lhe parecendo mais
excitante. Embora jamais fosse capaz de desejar um acidente tão penoso para a sra.
Childers, começava a se animar com a situação em que ela e Amy ficariam nos próximos
dias. Desde o início dos preparativos para aquela viagem, Victoria se ressentira da
necessidade de terem uma companhia constante, vigiando-lhes os passos. Acostumara-se a
fazer tudo sozinha e a tomar suas decisões por conta própria. Uma acompanhante, exigida
apenas para seguir os ditames da etiqueta, a irritava profundamente.
– Não se torture com um fato inevitável, sra. Childers. Nada de mau pode acontecer
conosco – replicou Victoria, com um sorriso despreocupado. – Precisa de muito descanso,
certo? A fim de deixá-la mais calma, prometo-lhe que irei com Amy até o correio mandar
um telegrama para avisar meu pai sobre o acontecido.
– Oh! É isso mesmo, querida! Eu nem me lembrei desse detalhe. O coronel irá
mandar alguém para cá, imediatamente.
Era justamente isso que Victoria mais temia. Tão logo o pai recebesse o telegrama,
ia ficar preocupado com a segurança de suas indefesas filhinhas e mandaria alguém ou
talvez até viesse pessoalmente para tomar conta delas.
Rebelde e segura de si, ela pensou em esperar um ou dois dias até comunicar ao pai
a queda da sra. Childers. Teria algum tempo livre e poderia provar a todos sua capacidade
de assumir o controle da situação. Ed já a reconhecia, porém nunca afrontaria a sociedade,
permitindo-lhes uma liberdade inaceitável para duas jovens solteiras. Apesar de muito
liberal, o pai iria censurá-la severamente por não ter sido avisado e estaria coberto de
razão!
Com um suspiro de resignação, Victoria decidiu ir até o correio e enviar logo o
telegrama. Pelo menos, teriam algumas horas livres de qualquer vigilância e poderia
explorar, junto com Amy, uma parte da cidade. Tomariam suas refeições,
desacompanhadas, num local público e andariam sem destino certo pelas ruas da pequena
cidade de Santa Clara.
Aquela perspectiva empolgou Victoria, que apressou Amy a fim de saírem logo do
quarto. Na portaria, pediu informações sobre a localização do correio, que aliás ficava bem
próximo. Bastaria atravessar a praça em frente ao hotel e encontrariam o prédio, bem ao
lado da delegacia.
As duas saíram, eufóricas por estarem sem a companhia da falante sra. Childers.
Victoria resolveu aproveitar cada minuto daquele passeio. Ia cumprir seu dever, avisando o
pai através de uni telegrama, mas não havia lei alguma que a obrigasse a fazê-lo com maior
rapidez.
Elas conversavam distraídas quando chegaram à calçada do lado oposto do hotel.
Mal tinham posto os pés nas tábuas de madeira empoeirada quando uma porta se abriu com
estrondo e três homens saíram da delegacia.
Um deles era o xerife.
O outro, mesmo sem usar uniforme, demonstrava claramente a autoridade de um
homem da lei. Uma pequena estrela de prata reluzia no colete de couro e o par de Colts 45
nos coldres presos às coxas musculosas transmitiam uma sensação de perigo. Como se não
bastasse, ele segurava um rifle em uma das mãos e, com a outra, conduzia o terceiro
homem.
Este era o fora-da-lei. As duas mãos pendiam à sua frente, envoltas por algemas
ligadas por uma pesada corrente de ferro.
Amy e Victoria pararam abruptamente diante dos três. O som de seus passos,
porém, já chamara a atenção dos homens que se voltaram para fitá-las.
Victoria sentiu o impacto de dois pares de olhos, voltados em sua direção. Um era
verde e tão frio quanto as folhas de pinheiro cobertas de gelo. O outro, negro e opaco,
refletia a implacabilidade da morte.
Pela primeira vez na vida, Victoria Stafford soube o que era medo. Toda a sua
coragem desapareceu como se jamais tivesse existido ao se confrontar com aqueles dois
homens.
Nunca vira duas criaturas tão ameaçadoras e que representassem tanto perigo!
CAPÍTULO 2
Os minutos pararam de passar para as quatro figuras que se fitavam, imóveis como
estátuas. Não existia mais a rua principal do vilarejo, nem a presença um pouco afastada do
xerife, nada era real a não ser o instante cristalizado no tempo.
Erguendo o queixo, Victoria lutou contra uma sensação desconfortável à qual não
estava habituada, forçando-se a vencê-la. Não se rebaixaria diante daqueles dois homens,
deixando-os perceber a intensidade do seu medo. Recusava-se a agir como uma mulher
melindrosa que desmaia ao avistar, de longe, um fora-da-lei... mesmo que fosse um
criminoso frio e ameaçador como essa criatura cuja perversidade sem limites transparecia
nos traços cruéis.
As roupas sujas daquele homem demonstravam que ele não as trocava há dias. Uma
das mangas da camisa estava rasgada e manchada de sangue; havia manchas também na
frente da camisa imunda. A barba por fazer escurecia os maxilares rigidamente cerrados,
sem esconder porém o corte recente em sua face. Os cabelos, escuros e longos demais,
realçavam um rosto queimado de sol e tão duro como se fosse talhado em granito. Mas
eram os olhos, intensamente negros e ferozes, que revelavam a extensão de sua maldade.
O homem da lei, embora mais bem cuidado, não parecia menos ameaçador. Apesar
da barba feita e das roupas limpas, tinha o rosto igualmente duro e a expressão tão cruel
quanto a do criminoso ao seu lado.
Victoria convivera durante toda a vida com homens rudes e até violentos. Aquela
terra inóspita destruía os fracos, exigindo personalidades férreas que dominassem com sua
força a natureza hostil. No entanto, nunca se vira diante de um ser humano que
demonstrasse, sem disfarces, o quanto era perigoso. Com ou sem a estrela de prata que o
tornava representante e defensor da lei, aquele homem significava uma ameaça que devia
ser evitada a qualquer custo.
Subitamente, Victoria percebeu que não era a única a fazer uma observação
minuciosa. Os olhos verdes e gélidos do Ranger, a fitavam atentamente, notando cada
detalhe de sua aparência. Consciente de estar ainda com o vestido marrom e empoeirado,
ela sentiu um profundo aborrecimento por não ter trocado de roupa. Os homens lhe diziam
sempre o quanto era bonita e, por algum motivo irracional, ressentia-se de estar pouco
atraente.
Um sorriso quase imperceptível surgiu nos lábios do Ranger, demonstrando que
adivinhara algo na expressão contrafeita de Victoria. Corando, ela percebeu que perdera o
contato com a realidade, pensando em banalidades diante de uma situação perigosa. Pouco
lhe importava a avaliação lisonjeira daquele homem a quem não conhecia e nem pretendia
conhecer. De um Ranger era sempre preciso fugir.
Mas, perigoso ou não, estava diante do homem mais atraente que já vira.
Alto e de ombros largos, a postura autoritária combinava perfeitamente com os
traços duros, mas bem-feitos. Os cabelos, queimados de sol, possuíam uma tonalidade mais
clara que o bigode loiro, sob o qual se viam lábios firmes e bem desenhados.
Indecisa quanto à atitude a tomar, Victoria queria desviar os olhos que se fixaram
contra sua vontade, nas coxas musculosas onde se prendiam os coldres de couro negro.
Estava agindo como uma criança fascinada por um brinquedo perigoso. Essa reação inédita
a deixava inquieta e insegura.
Foi Amy quem rompeu a imobilidade geral, assustando a todos com seu movimento
repentino. Em pânico, Victoria ainda procurou detê-la, mas seu gesto foi tardio. A prima
estava além do alcance de suas mãos.
Imperturbável, Amy dirigia-se para o criminoso.
Ela jamais percebera o mundo do mesmo modo que a maioria das pessoas e,
naquele momento, seguia apenas sua concepção particular. Não enxergava, como Victoria,
um criminoso nas mãos de homens da lei. Diante de seus olhos só existia um homem
exausto e com uma expressão de dor.
Penalizada, observava os ferimentos no rosto, a ferida nos pulsos, causada pelas
algemas e, como sempre, compadeceu-se ao presenciar tanto sofrimento.
– Pobre homem...
Sam, surpreso como os demais, não se moveu. Caminhando em sua direção, vinha a
mulher mais linda que já vira, uma visão delicada e etérea. Ele a comparou, em sua pureza,
aos anjos que tinha admirado, há tantos anos, na catedral de St. Louis. Criança ainda, se
refugiara na igreja em uma noite de inverno, deliciando-se com as pinturas em ouro e
prata, até ser expulso do recinto sagrado por um padre pouco interessado em acolher
menores com frio e fome.
A criatura angelical, pairando diante de seus olhos, segurou-lhe uma das mãos. O
choque ao sentir o roçar macio dos dedos delicados sobre sua pele quase o fez se mover.
Muitas prostitutas o haviam tocado, jamais uma dama e nunca uma mulher com olhos tão
grandes e profundos como aquela garota que o fitava com seriedade.
Amy encontrara um lenço na bolsa e envolvera os pulsos do criminoso, cobrindo a
ferida causada pela constante fricção das algemas.
– Assim você não se machucará mais.
Brody já quisera muitas coisas na vida, algumas inatingíveis e outras pelas quais se
tornara um criminoso para obtê-las. Mas nunca desejara algo com tanta intensidade,
sabendo, com uma certeza absoluta, que jamais a teria.
– Não sabe quem eu sou... moça?
– Não, sinto muito.
A doçura da expressão e das palavras atingiu o recesso mais íntimo da alma da
Brody, como se tocasse meigamente cicatrizes antigas mas que ainda doíam.
Como os outros, Slater se assustara ao ver uma jovem aproximar-se de Brody.
Percebera sua presença ao lado da companheira, sem prestar muita atenção na figura pálida
e esguia pois tinha se concentrado na mulher de beleza agressiva. Quando a viu tomar a
mão do criminoso entre as suas, ficou imóvel, chocado com a coragem de uma moça
educada e fina que ousava falar e até tocar um criminoso de aparência cruel.
Foi a voz de Brody que o trouxe de volta à realidade. Admitindo o descuido
momentâneo, tratou de retomar o controle da situação, afastando as mãos de Amy para
longe de seu prisioneiro.
– Que diabos! O que está fazendo, moça? Afaste-se desse homem, imediatamente!
A jovem o fitou com um olhar muito puro, onde não havia raiva e sim surpresa. A
reação de Brody foi mais violenta. O criminoso emitiu um som feroz, quase o rugir de um
animal prestes a atacar, e Slater soltou o braço do prisioneiro para pegar seu rifle.
O ataque porém veio inesperadamente e não através de Brody. A beldade de
cabelos negros e olhos quase violeta se interpôs entre ele e a outra jovem, pronta a protegê-
la de algum possível perigo.
– Tire suas mãos de cima dela! – A voz, vibrante e sonora, revelava uma fúria
incontida. – Como se atreve a tocá-la?!
A reação de Slater foi involuntária mas o irritou profundamente. Não era hora de
desejar uma mulher! Tinha nas mãos o mais famigerado criminoso do Texas e, se não fosse
extremamente cauteloso, se arriscaria a perdê-lo. Não podia se distrair por causa de duas
jovens causadoras de problemas, mesmo se uma delas fosse fascinante.
– Droga! Quem é você? – Slater explodiu, percebendo que a situação tendia a se
tornar incontrolável. – Saia já daqui e leve essa outra também!
– Amy não lhe fez nada. Não tem motivos para gritar com ela!
Victoria estava tão irritada quanto Slater. Aquele homem tinha um efeito estranho
sobre seu comportamento, sempre racional e equilibrado. Sem perceber como a atitude de
ambos se assemelhava, sentiu-se aliviada com a explosão de fúria que lhe permitia liberar
uma emoção desconhecida e inquietante.
– Não tenho motivos? Olhe aqui, moça! Ela está interferindo no meu trabalho, não
pode conversar com um prisioneiro. Por acaso, faz idéia de quem é esse homem? Sabe o
nome dele?
– Não e nem quero saber! Você não tem o direito...
– Não me fale em direitos, moça, porque eu tenho todos! Sou o responsável por este
prisioneiro e pretendo levá-lo para Austin na diligência do meio-dia se vocês duas pararem
de se intrometer! Qual é o problema com a sua amiga? Por acaso ela é louca? Com os
diabos! Este homem é Sam Brody! Sam Brody, ouviu?
Se não fosse a ofensa, ainda que involuntária, por parte de Slater, Victoria talvez
tivesse recuado. Não entendera o impulso de Amy em se aproximar irresponsavelmente de
um criminoso cuja aparência demonstrava uma profunda crueldade.
Desaprovava essa atitude impensada e pretendia levá-la para longe deles o mais
rápido possível. Mas quando aquele homem insinuara que a prima não era uma pessoa em
seu juízo perfeito, o seu instinto protetor veio à tona.
– Não! Ela não é louca! Trata-se apenas de uma criatura com sentimentos decentes,
incapaz de presenciar o sofrimento de um ser humano sem se compadecer. Ela não é
nenhum animal que não se importa se o próximo está ferido ou sangrando...
A boca de Slater se contraiu num ricto de ódio e ele se aproximou
ameaçadoramente de Victoria.
– Por acaso está insinuando algo, moça?
– Se a carapuça servir...
A vontade de Slater era de sacudir aquela mulher até obrigá-la a se calar. Devia ser
tão louca quanto a outra e ele só não percebera antes porque a beleza excepcional o cegara.
– Com todos os demônios do inferno! Quem é você? O que está fazendo aqui,
moça?
Subitamente, ele pensou que Brody podia ter contratado as duas jovens para distraí-
lo, e assim facilitar sua fuga. Um único olhar para o prisioneiro o fez descartar essa idéia
absurda. Como um cordeirinho, o criminoso mais procurado do Texas permanecia
paralisado, enquanto a jovem loira envolvia o outro pulso com o lenço de linho. Fitava-a
como se jamais tivesse visto uma mulher antes!
– Pare de praguejar! Não tem o direito de me obrigar a ouvir suas pragas!
– Peço-lhe mil perdões! – A voz de Slater era maliciosamente gentil. – Não percebi
que tinha diante de mim uma dama refinada. Pensei que estivesse falando com o tipo de
mulher habituada a conviver com criminosos como Brody.
– Como ousa?!
Victoria sentia ímpetos de agredir esse homem irritante. Sempre fora tratada com o
maior respeito, deparando com temperamentos que se dobravam ao seu. Aquela criatura
grosseira, cheia de suspeitas absurdas, a transtornava a ponto de perder o bom senso!
– É óbvio que o senhor jamais reconheceria uma dama. Duvido que tenha
conhecido uma única em toda a sua vida. Um cavalheiro de verdade nunca bateria em uma
mulher.
– Eu não bati em ninguém! – esbravejou Slater. – Simplesmente afastei as mãos
dela do meu prisioneiro!
As vozes de Slater e Victoria aumentavam de volume, ressoando pela rua. Brody,
porém, não ouvia senão um eco distante e incompreensível. Sua atenção se concentrava no
toque macio das mãos que envolviam seu pulso com um lenço. Permanecia imóvel como
uma estátua por temor: não queria assustá-la e perder aquele contato precioso.
Como podia existir uma criatura tão bela e ao mesmo tempo bondosa? Por que não
tinha medo dele? Quando perceberia o toque gélido da corrente entre as algemas, recuando
repugnada?
Não era possível que a jovem não soubesse o que ele representava, mesmo
ignorando o seu nome. E, ainda assim, continuava muito próxima, confiante e sem malícia
como uma criança afetuosa. Queria tocar aquele rosto angelical, mas temia destruir a
beleza frágil daquele momento único.
Brody perdera a noção da realidade, esquecendo-se do mundo ao seu redor. Absorto
com a delicadeza de Amy, não via nada além dela, apenas sentia aquela presença mágica.
No entanto, devia ter-se mantido alerta pois começava a ser executado o plano que ele
mesmo arquitetara.
Não viu o homem, que estivera encostado a um poste, entrar no bar, nem sua saída,
acompanhado por mais três. Não percebeu que os quatro montavam em seus cavalos,
descendo a rua e puxando uma montaria com a sela desocupada.
Brody apenas pressentiu a presença do seu bando quando os homens já estavam
bem próximos e com os revólveres na mão. Olhou para trás, uma fração de segundo antes
do ressoar de cascos em disparada alertar Slater e o xerife. Enquanto os dois ainda se
voltavam para verificar o que acontecia, ele saltou da calçada para o chão, arrastando Amy.
Sem tempo para pensar, ele guiou-se apenas pelo instinto: não podia deixar que aquele
bibelô precioso fosse ameaçado por um tiro.
Slater viu os bandidos da quadrilha de Brody cavalgando em sua direção. Percebeu
imediatamente o que pretendiam fazer e teria se posicionado para responder ao ataque se
não fosse aquela mulher! Atônita, ela continuava imóvel e não se moveu nem mesmo após
o primeiro tiro. Enfurecido com a falta de reação de Victoria, derrubou-a sobre a calçada e
só então pôde armar seu rifle.
A confusão se generalizou. As pessoas corriam em busca de abrigo e seus gritos se
mesclavam ao ruído ensurdecedor do tiroteio. O xerife mal teve tempo de erguer o rifle,
pois foi atingido no estômago e caiu na calçada, bem do lado de Victoria. Os cavalos
relinchavam e a montaria, sem ocupante, empinava, escoiceando o ar.
Finalmente, Brody conseguiu alcançar as rédeas do cavalo destinado a ele e
levantou-se, puxando Amy consigo. O instinto predominou sobre a razão quando colocou a
jovem sobre a sela, sentando-se atrás dela.
Slater conseguiu chegar até perto da esquina e Victoria, percebendo a situação,
arrastou-se na mesma direção. O sangue escorria pelo braço dele que, imperturbável,
continuou atirando e praguejando sem cessar. Recriminava-se, usando uma linguagem
excepcionalmente rude, de não ter previsto aquela armadilha, de se distrair com duas
mulheres irresponsáveis.
Slater não pretendia deixar que Brody escapasse de suas mãos depois de tantas
dificuldades.
Quando o prisioneiro ficou em pé para saltar sobre o cavalo, Slater ergueu o rifle,
confiante em sua pontaria infalível.
Mas Victoria também viu Brody levantar-se, carregando Amy junto com ele.
– Não! – O protesto de Victoria soou no mesmo instante em que seu braço
empurrou o rifle, desviando-o da direção desejada por Slater. O tiro foi disparado no ar.
– Droga! Saia já daqui!
Slater tentava afastar a jovem que o impedia de dar o segundo tiro.
– Não! Você pode atingir Amy!
Enfurecido, ele usou toda a sua força para afastar Victoria, que foi impelida com
violência de encontro à parede da delegacia. Mas já era tarde demais.
Os cinco cavalos, deixando uma nuvem de poeira atrás de si, chegavam ao fim da
rua. Slater ainda atingiu um deles que quase caiu, mas não era Brody. Furioso, jogou o rifle
no chão, praguejando com mais raiva.
– Oh! Meu Deus! Amy! Temos que ir atrás dela.
Slater virou-se para trás, tão fora de si que sequer percebeu o sangue escorrendo do
seu braço.
– Que diabo você tem na cabeça? É tão louca quanto a outra! Ou quem sabe são as
duas amiguinhas de Brody? – Ele se aproximou, descontrolado. – É isso, não! Ela é a
mulher daquele bandido e você... por acaso é usada por algum daqueles criminosos ou será
por todos?
– Não se atreva a repetir! Não ouse... – Victoria procurou engolir a raiva a fim de
salvar Amy. – É tudo uma loucura. E você só pode ser louco também! Devia estar
galopando atrás daqueles bandidos em vez de ficar me ofendendo. Infelizmente, já percebi
que precisarei procurar alguém mais eficiente. Você conseguiu não só perder o prisioneiro
como deixá-lo raptar uma jovem inocente. Talvez o xerife...
Victoria virou-se para a delegacia e só então viu o corpo caído sobre a calçada, bem
perto de onde ela estivera.
– Ele foi atingido!
Victoria e Slater chegaram juntos ao lado do xerife. Ela rasgou um dos babados da
anágua, pressionando o tecido sobre o ferimento.
– Não adianta – resmungou Slater após verificar o pulso que cessara de bater. – Ele
está morto.
– M-morto? – gaguejou Victoria, sentindo o estômago se contrair num espasmo de
náusea.
Aquela não era a primeira pessoa que via morrer. Perdera a mãe quando tinha doze
anos e ficara ao lado dela até o último momento. Há três anos, socorrera um vaqueiro que
caíra do cavalo, mas não houve condições de salvá-lo.
No entanto, jamais vira alguém ser friamente assassinado e instintivamente pensou
em Amy. O corpo do xerife, branco como cera, provocava visões terríveis em sua mente e
ela fez um esforço sobre-humano para dominar as náuseas violentas e recuperar o bom
senso necessário para salvar a vida da prima.
O corpo de Slater, oscilando perigosamente, obrigou Victoria a voltar ao normal.
Erguendo-se também, para ajudá-lo a se manter em pé, percebeu que a manga da camisa
dele estava molhada.
– Deus do céu! É sangue! Você também foi atingido!
– Droga! Eu...
– Não sabe fazer nada além de praguejar? – interrompeu Victoria, já rasgando outro
babado da anágua para fazer o curativo.
– Ei! Vá com calma, moça.
– Precisa ser bem apertado ou não surtirá nenhum efeito. A hemorragia tem que
parar.
Quando terminou o curativo de emergência, ela olhou para a rua, pela primeira vez
desde aquele encontro fatídico a caminho do correio. Um círculo de curiosos se formara
em torno deles, atraídos pelo lado dramático da situação. Todos olhavam com curiosidade
para o homem ferido mas pareciam com medo de se aproximar muito.
– Só vão ficar olhando como idiotas? – explodiu Victoria, enfurecida com a
passividade geral. – Este homem precisa de um médico, ou por acaso ninguém percebeu?
As palavras carregadas de raiva romperam a passividade dos observadores que
finalmente se aproximaram, curiosos e falantes.
– O Luther já foi chamar o doutor – afirmou um rapaz mais desembaraçado. – Está
se sentindo bem, moça?
– Lógico que sim!
Victoria não conseguia entender a pergunta solícita nem a preocupação nos rostos à
sua volta porque nem imaginava como estava pálida. Tinha certeza que sua frieza ao tratar
de um ferimento seria considerada como um sinal de eficiência e não de choque que, para a
maioria das mulheres, seria seguido por uma crise histérica. Estava acostumada a controlar
situações críticas, mas esqueceu-se que aquelas pessoas não a. conheciam.
– Foi ferido em algum outro lugar?
– Até há pouco não percebi nem esse tiro no braço, moça.
– Que estranho! – ironizou Victoria. – A maioria das pessoas perceberia quando
está sangrando.
– Você é dura, não?
– Apenas na medida necessária. – Ela o olhou com desprezo. – A maioria das
mulheres desta região tem que ser assim... duras e frias!
– Duvido que cheguem a seus pés, moça!
– Se está insinuando novamente que eu faço parte da quadrilha daquele criminoso,
eu...
– Não me ameace!
Slater tinha falado num momento de raiva pois nunca levara em conta essa
possibilidade. Era evidente que a jovem não esperava a chegada dos bandidos, ficando tão
surpresa a ponto de nem se proteger dos tiros. Também demonstrara seu pesar diante do
corpo do xerife e, mesmo ao tratar com eficiência do seu ferimento, perturbara-se ao ver
tanto sangue. Era uma jovem sensata e com a cabeça no lugar e não estava acostumada a
violências desse tipo.
Se ela fosse da quadrilha, iria insistir para que seguissem os fugitivos? Além disso,
tinha uma educação refinada, era polida demais para ser companheira de um fora-da-lei.
Não sabia exatamente como defini-la mas sem dúvida não pertencia ao bando de Brody.
A multidão crescia à volta deles e um rapaz, bem jovem e nitidamente apavorado,
atravessou o círculo de corpos, ajoelhando-se ao lado do ferido. Em sua camisa, brilhava a
estrela de ajudante de xerife.
Victoria sentiu um desânimo profundo. Aquele garoto medroso jamais seria capaz
de liderar um grupo para seguir o bando de Brody. E, para agravar a situação, o único
homem com coragem e empenho para fazê-lo estava ferido!
Se não partissem imediatamente atrás dos bandidos, a vida de Amy correria perigo.
Aliás, Victoria não podia nem pensar na doce e meiga jovem em uma situação tão
ameaçadora.
A prima tinha horror a qualquer tipo de violência e, logo que viera para a fazenda,
estremecia até com vozes muito altas.
Ela devia estar apavorada e com razão! Quando não fosse mais útil tê-la ao lado
deles, se não a matassem, já teriam destruído sua sanidade mental!
Slater percebeu a palidez se intensificar no rosto de Victoria e segurou-lhe o braço
com a mão direita.
– Vai desmaiar?
– Não. Eu não costumo fazer isso.
Apesar do tom firme, Slater percebeu um ligeiro tremor nos lábios da moça.
Aqueles olhos, imensos e de um azul muito vivido, eram capazes de derreter o coração
mais empedernido. Até ele, frio e calculista sentia vontade de tomá-la nos braços para
afastar os temores evidentes naquele rosto delicado. Mas a sua reação era pura demência!
No espaço de poucos minutos, passara do desejo de agredi-la à vontade urgente de
consolá-la. Devia ser efeito da perda de sangue.
– Fiquei nervosa porque cheguei a uma conclusão terrível. Você é minha única
esperança de encontrar Amy e está ferido. Não poderá persegui-los...
– Com os diabos, moça! É claro que posso! Levei apenas um tiro no braço e por
sorte foi no esquerdo. Eu atiro com a mão direita, sabia?
Antes de Victoria demonstrar sua incredulidade, o médico finalmente chegou. O sr.
Bauer, após um rápido exame, fez uma careta de desânimo.
– Você aqui outra vez? Parece que não tem muita sorte, não é mesmo? Este caso
também é sério porque a bala ainda está no braço dele. Precisaremos ir até o meu
consultório.
– Droga!
– Não adianta reclamar. Vou chamar dois homens para carregarem a maca.
– De jeito nenhum! Não sou um inválido para ser levado de maca. Vou andando
mesmo! O tiro foi no braço, não nas pernas.
– Deixe de agir como um idiota, Slater. Não precisa bancar o herói.
– Não é heroísmo. Vão me sacudir tanto que sentirei mais dores do que se estivesse
andando.
– Bem, talvez tenha razão... se conseguir chegar ao meu consultório sem desmaiar.
Slater se levantou, colocando o braço sobre o ombro do médico, que se curvou com
o peso. Extremamente pálido, ele mal se mantinha em pé e ficou evidente que não
conseguiria ir muito longe.
– Eu ajudo – ofereceu-se Victoria. – Pode se apoiar em mim, sou bem forte!
– Já tinha percebido, moça – zombou Slater.
O consultório do dr. Bauer ficava a três quarteirões da rua principal e Slater foi
colocado sobre a precária mesa de operações quase desmaiando de dor. Enquanto o médico
preparava-se para retirar a bala, auxiliado por Victoria, Slater voltou a si e viu a jovem na
sala.
– O que está fazendo aqui?
– Ajudando o dr. Bauer.
– Por que ele disse que você não tinha muita sorte?
– Bem... nós já tínhamos nos encontrado antes. Hoje de manhã, minha prima e eu,
acompanhadas pela sra. Childers... – a voz de Victoria faltou por um momento, comovida
demais, porém logo recuperou o tom firme. – Nossa dama de companhia caiu ao descer da
diligência e quebrou a perna.
– Pelo jeito é uma mulher perigosa, atrai o azar!
– Como você atrai balas!
Slater fechou os olhos para não ver aquela jovem de língua ferina e olhos capazes
de prender um homem para sempre. Estava fraco demais para resistir a seus encantos e não
queria fazer papel de idiota!
O médico aproximou-se deles com um vidro nas mãos.
– O que é isso? – perguntou Slater, imediatamente alerta.
– Clorofórmio. Assim, não sentirá dor...
– Absolutamente não! Recuso-me a ser dopado!
– Seja sensato, capitão! Vou ter que procurar a bala em seu braço. Se estiver
consciente, a dor será insuportável.
– Retiraram uma bala da minha perna, depois da batalha de Shiloh, e o único
anestésico à nossa disposição era aguardente de milho. Eu sobrevivi, doutor. Além disso,
passo muito mal depois de usar essa droga, fico enjoado por dias e não quero perder tempo.
Preciso agir com rapidez.
– O que pretende fazer?
– Ora! Seguir Sam Brody, é claro!
O médico olhou para Victoria, boquiaberto.
– Ficou louco, capitão? Levou um tiro, vai precisar de repouso.
– Já fui baleado antes, doutor.
– Sem dúvida, mas... bem, prometo-lhe que usarei a menor quantidade possível.
O dr. Bauer fez um sinal para Victoria que segurou os braços de Slater de encontro
à mesa, usando o peso de seu corpo. Com um movimento rápido, o médico encostou a gaze
embebida de clorofórmio no nariz do paciente, sufocando seu grito de protesto.
Slater piscou e, antes de mergulhar na escuridão, viu o rosto de Victoria, muito
próximo, e o brilho incrível daqueles olhos azuis.
– Lindos...
O médico se apressou em começar a cirurgia e, auxiliado por Victoria, cuja
habilidade continuava a surpreendê-lo, logo encontrou a bala. Jogou a cápsula de metal na
bacia e sorriu com um ar triunfante.
– Conseguimos! Ainda bem que foi rápido. Se o capitão Slater acordasse antes...
– Acha que nos mataria, não é?
– Bem, ele é meio violento, mas dizem que é um dos melhores!
– Dos melhores em quê, doutor?
– Como assim? Não sabe que ele é um capitão dos Texas Rangers? Bem, esqueci-
me que a jovem não é desta cidade. Ele causou grande comoção aqui em Santa Clara.
– Algo relacionado a Sam Brody?
– Exatamente, srta. Stafford. Já ouviu falar desse bandido?
– É difícil encontrar alguém que não tenha sabido de algo a respeito de Brody.
Rouba bancos e diligências, não é?
– Isso mesmo. O capitão Slater estava atrás dele há dois anos e o prendeu aqui nesta
cidade!
O médico parecia disposto a continuar o relato do assunto que trouxera tanta glória
para a cidade, mas Victoria queria sair logo dali. Estava ansiosa por ir até a delegacia onde
exigiria que tomassem providências para salvar Amy.
Suas esperanças desapareceram ao encontrar o rapaz, que se aproximara deles na
rua, tomando conta da delegacia e rodeado por dúzia de homens.
– Vim saber quais são os planos para a formação de uma patrulha para perseguir os
bandidos e resgatar minha prima.
– Sinto muito sobre a pobre moça. Faremos o possível para encontrá-la.
– Quando? – insistiu Victoria, implacável.
– Bem... não é daqui, moça?
– Não. Estou a caminho de San Antonio.
– Então sugiro que avise o seu parente mais próximo.
– É o que pretendo fazer. Só que meu pai levará um dia para chegar até Santa Clara.
– Ótimo. Nós não faremos nada mesmo antes de falar com o Ranger.
– O capitão Slater? Ele está ferido!
– Ele é um dos melhores! Todos nós concordamos que só iremos agir com o auxílio
dele.
Victoria encarou cada um dos homens presentes e deu um suspiro de desânimo. O
xerife estava morto, Slater ferido e aquele rapaz imberbe não tinha capacidade de liderar
uma patrulha. Além disso, ninguém ali parecia corajoso o bastante para perseguir um
bandido tão temido quanto Brody.
Só lhe restava uma saída: teria que resolver tudo sozinha!
CAPÍTULO 3
O tiroteio começou antes que Amy se recuperasse da surpresa de ter sido jogada ao
chão. Seu espanto quando o desconhecido deitara-se sobre ela foi logo suplantado por um
pânico incontrolável. Sempre detestara o som de tiros e a súbita explosão de sons
ensurdecedores era idêntica aos seus terríveis pesadelos. Gritos, o relinchar dos cavalos e
os estampidos evocaram um terror que a deixou paralisada. Não conseguia nem gritar. Só
não perdeu o juízo porque o corpo cálido e forte de Brody a protegia dos perigos à sua
volta.
Subitamente, sentiu-se desprotegida e exposta a ameaças. Quando ele se afastou,
Amy permaneceu imóvel, incapaz de pensar em nada além do medo que a envolvera como
um manto de trevas. De pé, Brody era quase um gigante, porém seu tamanho não a
assustava. Ressentia-se por ter sido privada da reconfortante proteção daquele corpo
sólido.
À volta deles reinava o caos. Impulsivamente, Brody agarrou Amy e jogou-a sobre
seu cavalo. Em seguida, montou também, sem pensar em seu ato irresponsável. Amy
deixou-se levar, atordoada demais para saber o que estava acontecendo. Ela sequer pensou
em lutar ou pedir auxílio. Estava confusa e sem forças para afastar as cenas trágicas que
surgiam em sua mente.
Por um capricho do destino, Amy conseguiu recordar a tragédia de sua infância, por
tanto tempo reprimida em sua mente. A situação daquele momento confundia-se com a
noite do ataque de índios: o terror do presente trazia de volta o terror do passado!
Subitamente, ela era de novo uma criança e ao mesmo tempo mulher. Ouvia os
gritos dos comanches intercalarem-se com os brados dos bandidos, encolhia-se num celeiro
tomada pelo mesmo pânico que a calava de medo sobre um cavalo em disparada. Os tiros
dados por três criaturas desesperadas ecoando na pequena casa de madeira... eram os
mesmos soando agora em seus ouvidos?
Quando Brody a colocou sentada diante dele sobre o cavalo, Amy escondeu o rosto
no peito amplo, tentando abafar os terríveis gritos daquela noite trágica do passado.
crispando as mãos na camisa suja do seu raptor, ela sentiu o vento assobiar em seus
ouvidos, afastando para longe o barulho do pesadelo.
Amy começou a ficar menos tensa, à medida que os sons se tornavam mais
longínquos. Agora, apenas uma palavra ou outra se intercalava ao ressoar cadenciado dos
cascos sobre o chão de terra. Mesmo assim, ela não se moveu nem soltou a camisa de
Brody. Havia algo inexplicavelmente reconfortante em sentir-se protegida por braços
fortes, enquanto ouvia as batidas ritmadas de um coração.
Então Amy reviveu mais uma de suas poucas lembranças de infância. Era uma
manhã como esta e ela cavalgava nos braços de um homem alto, moreno e igualmente
vigoroso. Calor, confiança e... amor? Teria sido o pai que a envolvera com sua proteção? O
seu pai?
Num gesto infantil, Amy aninhou-se nos braços de Brody, em busca de segurança.
O pânico já não a deixava irracional e a mente voltava a funcionar, obrigando-a a admitir a
realidade. Tinha sido arrancada da proteção de Victoria por um estranho, não sabia nem
quem ele era nem o que pretendia fazer com ela!
Mesmo para uma época em que a perfeição feminina era representada pela mais
pura inocência, Amy podia ser considerada excepcionalmente ingênua. Desde o primeiro
dia com a família Stafford, fora protegida das situações mais duras da vida. Para tio Ed,
Victoria e para todos os que trabalhavam na fazenda, bem como para os visitantes e amigos
mais distantes, ela continuara sendo uma criança frágil e delicada. As pessoas se uniam
para evitar que algo rude ou grosseiro a perturbasse.
Amy raramente saía de casa. Sua vida se resumia à fazenda e passeios pouco
freqüentes a Bennet, o vilarejo mais próximo, portanto jamais encontrara outro tipo de
tratamento. Os rapazes não se comportavam mal com ela e, em geral, dançava apenas com
os mais velhos que a viam como uma filha, ou uma sobrinha. Os homens não a fitavam
com desejo nos olhos, não sorriam com malícia nem se viravam na rua para olhá-la. Era
Victoria que atraía esse tipo de atenções, não Amy.
No entanto, qualquer jovem criada em uma fazenda logo descobria como nasciam
os filhotes de animais. Amy, com toda sua ingenuidade, tentara imaginar como isso
acontecia com os seres humanos e tinha perguntado à sra. Doherty sobre o assunto. A
governanta a olhara com tanto horror que ela percebeu ter, mais uma vez, feito o
comentário errado.
Consciente de que suas atitudes eram, por vezes, consideradas bizarras e fora do
normal, Amy se calara e nunca mais voltou a fazer esse tipo de perguntas. Ocasionalmente,
sentia renascer a curiosidade, mas como aceitara a imagem feita pelos outros de que ela era
“diferente”, evitava tocar nesse assunto. Jamais pensaria que esse ato, muito vago e irreal,
pudesse ser forçado e não por vontade própria.
Por esse motivo, Amy continuava tranqüila e curiosa a respeito das intenções de
Brody, enquanto Victoria se desesperava com visões terríveis de estupro e violência.
Naquele mesmo instante, Brody também se indagava a respeito de suas intenções.
Movido por um impulso irracional, ele tomara uma decisão sem pensar nos
resultados. O único pensamento em sua mente tinha sido não perder aquela criatura
angelical e a trouxera consigo. Mas agora, ao recuperar o bom senso, percebia a loucura do
seu gesto. Ela os faria perder tempo, pois nunca vira alguém tão frágil. Jamais suportaria os
rigores de uma jornada dura através da região montanhosa do Texas.
Se era loucura arrastar uma mulher através de trilhas rústicas, chegava a ser
demência trazer uma jovem contra sua própria vontade. Ela iria chorar, se debater, tentar
fugir e implorar para ser libertada. Se fosse esperta, faria de tudo para atrasá-los, deixando
pistas claras para indicar o caminho aos homens que viriam salvá-la.
Ah! E eles viriam como cães raivosos! Noivo, pai, irmãos ou tios, homem algum
suportaria a perda de uma de suas mulheres. Chegariam sedentos de vingança pois xerifes
ou até mesmo os Rangers não teriam igual tenacidade ou a mesma ânsia de derramar
sangue que obcecava os familiares de uma jovem raptada. E, se por acaso, ela não tivesse
homens em sua família, os habitantes do vilarejo se reuniriam para salvar a donzela em
apuros.
Brody considerava-se um homem astuto e sabia que a melhor saída para evitar a
perseguição implacável seria deixá-la à beira da estrada, onde o grupo de perseguidores a
encontraria. Desse modo, obrigaria o destacamento a perder algum tempo e, acima de tudo,
dividir-se, pois seria preciso levar a jovem de volta à Santa Clara. Ele faria isso... se fosse
esperto.
Mas nenhum raciocínio frio e lógico tinha chances de sobrepujar a sensação de paz
em seu coração. Aconchegada de encontro ao seu peito, ela parecia jamais ter saído dali e
as mãos agarradas em sua camisa não estavam mais crispadas de medo. Por motivos
incompreensíveis, a jovem agia como se o conhecesse há muito tempo e sempre tivesse
sido sua.
Brody apertou-a com mais firmeza. Ela realmente era sua e Ranger algum
conseguiria separá-los. Talvez estivesse morto na semana seguinte, mas sempre existia
uma chance de escapar. Durante o tempo que lhe fosse concedido, teria em seus braços
aquela princesa de conto de fadas!
Sua possessividade era tanta que não queria sequer colocá-la no outro cavalo.
Landers fora atingido e caíra pouco depois da saída do vilarejo, mas Purdon conseguira
agarrar as rédeas do cavalo. Havia portanto uma montaria livre e descansada; não dividir o
peso suportado por seu animal seria insensatez e trazia riscos desnecessários.
A pausa determinada por Brody foi recebida com entusiasmo por seus homens. Não
tinham interrompido o galope desde que saíram de Santa Clara havia quase duas horas.
– Vou colocá-la no chão – murmurou ele no ouvido de Amy. A sensação de
irrealidade persistia em sua mente e pareceu-lhe ver uma ligeira relutância por parte da
jovem em afastar-se dele.
No chão, Amy olhou à sua volta e sentiu medo dos homens que a fitavam. Pela
primeira vez desde o tiroteio percebia a existência de um perigo indefinido, mas real.
Assustada, aproximou-se de Brody, em busca de proteção.
Ele não a ameaçava. Vira, no primeiro olhar, a criatura escondida atrás do
criminoso de aparência feroz. Sentiu uma piedade intensa, seguida por uma sensação de
segurança e paz. Sempre houvera alguém para protegê-la dos perigos. Confiante,
entregara-se à proteção do homem que colocara o próprio corpo, como escudo diante das
balas, para defendê-la.
– Ei, Brody! Você sempre pensa em tudo, não? Conseguiu um jeito de escapar e
ainda lembrou de trazer a dona para nos divertir!
O olhar do homem que a fitava com um sorriso maldoso era assustados. Amy
estremeceu e colou-se mais a Brody.
– Ela é minha.
A voz do chefe da quadrilha não deixava dúvidas quanto à sua determinação.
Homens da lei ou bandidos não ousariam contradizê-lo.
– Ouviu bem o que eu disse, Purdon?
– Sim, lógico que sim! Só estava brincando.
– Então não brinque mais.
Brody percebeu o ódio nos olhos de Purdon ao ser humilhado diante de todos.
Geralmente, evitava esse tipo de repreensão e talvez fosse essa atitude a razão do sucesso
de sua liderança. Mas uma fúria incontrolável o invadira ao notar o interesse nos olhares de
seus comparsas. Percebeu que mataria, sem hesitação, o insensato que ousasse tocá-la!
Purdon foi obrigado a engolir o ódio e forçar um sorriso. Não era idiota a ponto de
enfrentar o chefe frente a frente.
Mais tranqüilo, Brody aproximou-se de um rapaz, o mais jovem deles, que fora
ferido no ombro.
– A bala ainda está aí, Jim?
– Não. Por sorte atravessou sem quebrar nenhum osso, eu acho...
O curativo no ombro de Jim foi feito com a maior rapidez. Não tinham tempo a
perder e ainda era preciso tirar as algemas de Brody. Como não havia ferramentas
disponíveis, o único modo de deixá-lo mais livre era romper a corrente que as unia com um
tiro.
Amy fechou os olhos, apavorada. Não só temia pela vida de Brody como sentia um
pavor indefinível de ser deixada sem a proteção dele à mercê daqueles homens. Abriu-os
novamente após o tiro e respirou aliviada.
– Você vai conosco – disse Brody, sem dar maiores explicações.
Ela acenou afirmativamente, também sem demonstrar medo ou surpresa. Não tinha
pensado em outra possibilidade, pois, sem um cavalo, água e comida, morreria em pouco
tempo. Já não seguiam mais a estrada há horas e nem suspeitava de onde poderia estar. Só
Victoria conseguirira encontrar o caminho de volta, ela numa se orientaria em uma região
desconhecida.
Brody viu os olhos muito azuis que o fitavam confiantes. O cabelo caía em mechas
ao redor do rosto sereno e brilhavam como fio de prata. O desejo irresistível de tocá-los
impeliu a mão dele que, involutariamente, afagou a cabeleira revolta e com a maciez da
seda mais pura. Só a presença de seus homens, observando-lhe os movimentos, o impediu
de beijá-la.
Amy reconheceu o desejo nos olhos de Brody e estremeceu. Ela jamais fora vista
como mulher até aquele momento. Um calor invadiu seus corpo: era uma emoção um
pouco assustadora, muita nova e inesperadamente excitante.
– Vou colocá-la no cavalo de Frank. – A voz de Brody traía seu desejo, mas ele se
forçou a prosseguir: – Esqueci-me de perguntar mas... sabe montar, não?
– Oh! É claro!
Ela percebeu a dúvida nos olhos de Brody. Não acreditava que uma jovem tivesse
condições de cavalgar como se fosse um homem. Mas como poderia saber a verdade, se
não conhecia Victoria?
Acariciando o focinho do cavalo, Amy murmurava suavemente palavras sem
sentido. Ao perceber que Brody a seguira até o animal, voltou-se para ele com um sorriso
meigo.
– Qual o nome dele?
– De quem?
– Ora! Do cavalo!
Totalmente surpreso, Brody não respondeu. Como alguém poderia pensar no nome
de um animal justamente naquela hora? Precisavam continuar fugindo ou o Ranger os
alcançaria. Mas a doçura daquela voz o impedia de censurá-la, só conseguia sorrir também,
deixando vir à tona uma emoção desconhecida e infinitamente agradável.
– Bem... não sei. Provavelmente, não tem nome.
– Que tolice! Tudo tem nome, as coisas, as pessoas, os animais, é claro! Se você
não lembra, vou pensar em um, está bem?
– É... sim... lógico.
Brody nem sequer imaginara que pudesse existir uma inocência tão cativante e, ao
mesmo tempo, tão perturbadora. O rosto erguido para ele o convidava a cobri-lo de beijos.
Mas, consciente do tempo que perdiam e da atenção maliciosa dos homens, e apenas tocou
a pele suave do queixo delicado, sem ousar roçar, mesmo levemente, os lábios aveludados
como um botão de rosa.
A voz de Amy chegou aos seus ouvidos quando ele recuou, temendo perder o
controle.
– Ei! Eu preciso de ajuda para montar!
– O quê? – Ele a fitou sem entender.
– Coloque as mãos para eu poder subir. Não está acostumado a ajudar garotas sem
jeito como eu, não é?
– Desculpe, eu esqueci.
Brody viu-a subir agilmente no cavalo de Landers e segurar as rédeas como alguém
realmente acostumado a cavalgar. Só temia que ela estivesse habituada a montarias dóceis
e fáceis de manejar. Mas, se surgisse qualquer problema, ele a colocaria de volta em sua
sela e iriam trocando de cavalos para não exaurir nenhum dos dois.
O sinal de partida foi dado e Amy, logo atrás de Brody, acompanhou o ritmo
forçado daquela fuga desesperada, sem se queixar uma única vez. Pelo menos, uma das
poucas qualidades que julgava possuir era a de ser uma excelente cavaleira!
A providência mais urgente a ser tomada era enviar um telegrama para Ed Stafford.
Só depois de fazê-lo, Victoria parou para decidir qual seria seu próximo passo. Como já
dissera aos homens na delegacia, seria um desperdício de tempo esperar pela chegada do
pai.
Tinha de agir e imediatamente! Seu grande dilema consistia em saber qual a
providência a tomar. Havia a opção de cavalgar até Austin, onde encontraria homens
corajosos que contrataria para perseguir o bando de Brody. O problema principal, porém,
persistia: perderia horas valiosas e irrecuperáveis!
A solução mais sensata talvez fosse partir sozinha atrás dos bandidos que tinham
raptado Amy!
Victoria não alimentava dúvidas sobre sua capacidade de cavalgar dia e noite, sem
repouso, nem a respeito da sua pontaria infalível. No entanto, jamais havia atirado em um
ser humano antes e temia uma reação inesperada diante do que considerava assassinato a
sangue-frio. Além disso, tinha pouca prática em seguir rastros.
Mas que chances teria uma mulher contra os cinco bandidos que vira deixando
Santa Clara? E se o grupo fosse ainda maior e se reunira fora do vilarejo? Em todo caso,
não lhe estava outra opção a não ser correr em socorro de Amy.
Não podia esquecer que havia Slater. Ele jurara que iria perseguir Brody tão logo se
levantasse da mesa de operação. Estaria falando sério? E, o mais preocupante, teria
condições de fazê-lo? Depois de perder tanto sangue e ainda com dor, conseguiria
realmente partir atrás dos bandidos?
Slater era um homem vigoroso e forte, mas sua teimosia suplantaria qualquer outra
qualidade. Afinal, sendo um dos famosos Texas Rangers, devia ter experiência, coragem e
perseverança. Os Rangers eram considerados implacáveis, nunca admitiam a derrota!
Enfim, só existia um homem em condições de ajudá-la: Slater. Mesmo em
condições físicas precárias, seria mais eficiente do que aqueles incompetentes da delegacia
e menos suscetível do que uma mulher sozinha. Ele teria condições de liderar a patrulha
apesar de ferido.
Como Slater ainda demoraria algumas horas até se recuperar dos efeitos causados
pelo clorofórmio, Victoria apressou-se em tomar algumas providências urgentes. Se aquele
homem ia partir de Santa Clara sozinho ou liderando a patrulha, ela pretendia estar bem ao
lado dele!
Sua primeira visita foi à cocheira da cidade, onde havia apenas um cavalo com as
qualidades necessárias para suportar uma viagem dura e de marcha forçada. Após
pechinchar com o dono do animal, que pediu um preço exorbitante, Victoria comprou o
alazão, além de uma sela e arreios.
Essa aquisição quase esgotou a quantia que o pai havia lhe dado para passar o mês
em San Antonio. Sobrou muito pouco, mas conseguiu comprar um saco de dormir e
mantimentos. Ainda precisava de um rifle, pois o seu revólver era pequeno demais, de
curto alcance, e Victoria vivera muito tempo em uma fazenda para confiar numa arma leve.
Queria estar bem equipada durante a perseguição a Brody!
Finalmente, ela retomou ao hotel, onde encontrou a sra. Childers em pânico e à
beira da histeria com a demora das duas jovens. Como era de esperar, a revelação do
terrível incidente contribuiu para aumentar seu descontrole. Enquanto ouvia os lamentos e
auto censuras da dama de companhia que se debatia em dúvidas cruéis sobre como salvar a
pobre Amy, Victoria arrumou a mochila onde levaria os revólveres, uma muda de roupa e
as imprescindíveis munições.
Só precisava agora vestir a tão criticada saia de montaria.
Revirando os baús, Victoria procurou uma blusa, sem se preocupar com a desordem
que causava. Queria encontrar a camisa azul royal que complementava com perfeição o
tom vívido de seus olhos. Ao perceber a direção de seus pensamentos, ela parou, chocada
com a atitude vaidosa e tão reprovável num momento de perigo.
Como podia estar preocupada com artifícios femininos de sedução quando a
situação exigia ação? Precisava ser racional, competente e dura como um homem, pois
Slater não aceitaria sua presença com facilidade. Teria que provar seu valor ou ele pensaria
que, por ser mulher, colocaria em perigo a missão de capturar Brody.
Victoria decidiu então continuar com o vestido marrom e severo que lhe dava uma
aparência puritana. Antes de se trocar, iria até o consultório do dr. Bauer certificar-se de
que acompanharia Slater.
Uma pequena multidão de desocupados reunira-se diante da casa do médico.
Victoria teve medo que o dr. Bauer não a atendesse, considerando-a mais uma curiosa.
Mas, contrariando suas suspeitas, ele a recebeu com um sorriso.
– Veio ver o nosso paciente? – perguntou, tratando-a como se fosse sua assistente. –
Bem, espero que tenha mais sucesso...
– Ele já voltou a si?
– Ah! Voltou mesmo! – O velho doutor fez uma careta. – Aliás, perguntou sobre
você.
Victoria não precisava de maiores esclarecimentos para saber que Slater não devia
ter dito uma única palavra favorável a seu respeito. A antipatia fora recíproca e nascera no
primeiro instante em que se viram.
– Ótimo, doutor. Tenho alguns assuntos importantes a discutir com o seu paciente.
Na saleta do consultório, Slater estava em pé, embora se apoiasse com o braço são
na parede. Apesar de bronzeado, a pele parecia opaca e sem vida. Ao perceber a chegada
de Victoria, sua expressão contrariada se acentuou ainda mais.
– Você outra vez?
– Dispenso uma recepção tão calorosa! – replicou ela, sem se abater. – Vejo que já
se levantou.
– Que jovem perspicaz! – O tom de voz revelava toda a irritação de Slater. –
Levantei-me e quase virei do avesso por causa daquela droga infernal que você e o doutor
me forçaram a cheirar!
– Realmente, eu esperava por agradecimentos efusivos. Afinal, salvamos sua vida.
– É inacreditável! – rosnou Slater, segurando a cabeça entre as mãos. – Você e
Bauer estão agindo como se um tiro no braço me colocasse com um pé na cova! Não
salvou a minha vida, moça, ponha isso na sua cabeça dura. Apenas fez um curativo e
ajudou aquele curandeiro a transformar meus miolos num mingau de aveia. Isso se eu não
contar a favor de vocês a mais pavorosa dor de cabeça que já senti na vida!
Victoria cerrou os dentes de raiva, forçando-se a não reagir diante daquelas
palavras ofensivas. Precisava desesperadamente da ajuda de Slater e não queria tornar a
situação insustentável entre eles. Estava tratando com um homem grosseiro e ingrato mas
iria ouvi-lo sem responder, ignorando os comentários ferinos e concentrando-se apenas em
seu objetivo.
– Estava falando sério quando afirmou que iria perseguir Brody o mais rápido
possível?
– Claro!
– É evidente que nosso paciente perdeu o juízo, srta. Stafford. – A voz do dr. Bauer,
vinda da porta da saleta, revelava incredulidade. – Cansei de repetir que ele não pode sair
da mesa de operações e pular em cima de um cavalo. O pessoal da cidade está tomando
providências para reunir um destacamento armado.
– É, já me disse mesmo – resmungou Slater com desprezo. – Justamente por isso,
percebi que preciso sair daqui antes que esses idiotas consigam apagar todas as pistas do
caminho seguido por Brody.
– Ele tem razão, doutor – interferiu Victoria. – Fui conversar com o xerife e o
encontrei com alguns homens que farão parte dessa patrulha. Nenhum deles tem
competência para chegar perto, quanto mais para capturar um bando de criminosos como
esse.
A surpresa de Slater foi nítida e ele cumprimentou-a com um aceno de cabeça e um
sorriso irônico.
– A senhorita não pode estar falando sério – reclamou o médico, revoltado. – Este
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Malícia e Sedução - emboscada no banco

  • 1. Malícia e Sedução – Kristin James Título Original: Satan’s Angel Copyright: Candace Camp Publicado originalmente em 1988 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Tradução: Vera M. D. A. Renoldi Copyright para a língua portuguesa: 1989 Editora: Nova Cultural LTDA. Digitalização: Afrodite Colaborações Especialíssimas: Nice Góes e Caroline Santos Um rapto surpreendente provoca comoção na cidade. A multidão presencia a cena inacreditável, enchendo-se de horror. A vítima, uma jovem ingênua e pura que nunca
  • 2. deixou a segurança do lar; cai agora nas garras de um bandido impiedoso e cruel, procurado por todo o Estado do Texas. O que um jovem criminoso pretendia fazer com a inocente Amy? Victoria se pergunta, decidida a encontrar um meio de salvar a prima antes que seja tarde demais. O destino cumpre seus desígnios... Inesperadamente as duas moças são arrastadas para o submundo do crime. Amy, partilhando o dia-a-dia de uma quadrilha; Victoria, juntando-se a um caçador de bandidos na perseguição ao temido assassino. Em algum momento dessa arriscada aventura, elas se esqueceriam do medo e dos perigos para viver numa doce prisão, onde o amor estabeleceria os limites! NOTA EXPLICATIVA A colonização do Texas, o segundo maior Estado dos EUA, não se efetuou pacificamente. França, Espanha e Estados Unidos lutavam pela posse dessa região de extensas pastagens, que, em 1821, foi englobada pelo México independente. Nesse mesmo ano, Stephen Fuller Austin, um político progressista e grande defensor dos direitos americanos em relação ao Texas, levou trezentas famílias de pioneiros para colonizarem a região em nome dos Estados Unidos. Como a paz dos fazendeiros vivia constantemente ameaçada, ele criou um grupo de voluntários para garantir a segurança dos americanos. Os Texas Rangers foram criados em 1823 e se tornaram uma lenda durante a tumultuada fase de lutas pela autonomia do Texas. No início, eram apenas dez homens que se dedicavam à proteção dos colonizadores contra os ataques de índios e mexicanos. Em 1935, essa força, já bastante numerosa e composta por civis, foi incorporada à polícia rodoviária do Estado. PRÓLOGO
  • 3. Um silêncio sepulcral reinava no interior do banco. Apenas o bater do relógio anunciava o passar dos segundos, que a tensão tornava mais longos. Sempre taciturno e calado, Slater não via motivos para abrir a boca naquela espera que exigia total concentração. Os outros estavam apavorados demais para emitir um único som. O suor escorria pelas costas do xerife, ensopando sua camisa. Em silêncio, ele amaldiçoava o guarda-pó que vestira para esconder o revólver. Um dos delegados, com as roupas do contador, já não controlava mais o nervosismo. Os dedos tamborilavam sobre o balcão e o olhar angustiado ia da janela para o relógio, num movimento convulsivo, sem se deter em nenhum dos dois pontos. Atrás da escrivaninha do gerente, o outro delegado manuseava a arma com gestos tão bruscos que se arriscava a dispará-la acidentalmente. Só Slater permanecia impassível, sem se contagiar com a tensão generalizada. O xerife Clayton sentia uma irritação mesclada de inveja ao constatar a calma imperturbável daquele homem. Justificava essa reação pouco profissional acreditando que esse tipo de situação era corriqueira na vida de Slater. Um capitão dos Texas Rangers, célebres por sua coragem, certamente já aguardara a morte vir ao seu encontro vezes sem conta e nem percebia a angústia de uma espera interminável. O xerife e os delegados de um vilarejo perdido no interior tinham apenas que manter a lei e para eles essa tocaia representava um perigo ao qual não estavam habituados. A tarefa mais árdua que lhes chegava às mãos era prender os costumeiros bêbados de sábado à noite. Eram briguentos e corajosos, mas incapazes de encontrar a própria arma, quanto mais de atirar em alguém. Nunca haviam enfrentado uma situação tão apavorante como essa louca tentativa de capturar o famigerado Brody e sua quadrilha de temíveis pistoleiros. O xerife olhou para o relógio pela quarta vez consecutiva e criou coragem para encarar Slater. Um brilho fugaz de esperança surgiu em seu olhar apreensivo. Talvez conseguissem escapar vivos! – Já está quase na hora do banco fechar. Não será tarde demais? – É assim mesmo que Brody costuma agir – responde Slater sem fitar o relógio nem o xerife. – Ele prefere espera que o banco feche. Talvez imagine que encontrará mais dinheiro na caixa e menos atenção por parte dos vigilantes. O xerife Clayton passou a língua nos lábios ressecados. Então, virou rapidamente a cabeça, ansioso por esconder de Slater essa mostra involuntária de nervosismo. O coração batia como se fosse saltar do peito e a expectativa estava ultrapassando os limites do
  • 4. suportável. Seus homens também não conseguiam dissimular a tensão. Só o Ranger não demonstrava nem receio nem excitação, aparentemente alheio ao perigo. Só quem conhecesse Slater muito bem perceberia o quanto estava tenso. Sua expectativa se revelava na rigidez da postura, nos maxilares cerrados e, acima de tudo, nas mãos que pendiam ao lado dos revólveres com uma imobilidade pouco natural. Eram sinais evidentes de muita excitação, ansiedade e uma pequena parcela de medo. Esse receio, porém, não se originava do perigo representado pela pontaria infalível daqueles criminosos. Temia apenas ter recebido uma informação falsa sobre esse assalto ou que Brody fizesse uma alteração de última hora nos planos. Há mais de dois anos esperava por esse momento! Já havia esgotado todos os recursos, honestos ou não. Farejara a pista daquele bandido como um verdadeiro cão de caça, oferecera somas irrecusáveis por informações pouco promissoras sobre o bando de criminosos, seguira as pistas mais óbvias e as menos prováveis. Fizera tudo! No entanto, continuava sem descobrir o esconderijo secreto de Brody e também não conseguira preparar uma armadilha fatal. A sua presa era astuta e ardilosa, desaparecendo no ar como fumaça e deixando Slater, o melhor rastreador dos Rangers, com um gosto amargo de derrota. Agora, sua vez tinha chegado! Slater não tivera a menor dúvida de que as palavras de Dave Vance fossem verdadeiras. Quando o delator o procurara há três dias, com o intuito de revelar os planos de Brody sobre um assalto ao Banco do Estado do Texas no vilarejo de Santa Clara, tinha se encontrado com o bandido num salão de bilhar em Austin e o chefe da quadrilha o convidara a participar desse roubo. Não havia nenhum detalhe suspeito nas revelações de Vance, os dados se encaixavam. A descrição física de Brody fora perfeita e os planos que mencionara eram idênticos aos usados em outras ocasiões pelo bando. Além disso, o célebre criminoso sempre levava consigo um grupo de seis pistoleiros. Como estava apenas com cinco, precisava de mais um homem em sua quadrilha. Dave Vance era um ladrão de capacidades limitadas. Preferia a certeza da recompensa oferecida pela captura de Brody à imprevisível quantia a ser partilhada pela quadrilha. Decidira procurar Slater. E garantir seu lucro. Sim... desta vez não havia como falhar! Subitamente, sua intuição apurada detectou uma mudança sutil na rua principal do
  • 5. vilarejo. Mesmo sem ver ou ouvir nada de diferente, teve certeza absoluta! – Fiquem alertas! Eles estão chegando! Os forasteiros entraram no vilarejo, vindos do Oeste, e seguiram pela Main Street, a rua principal de Santa Clara. Os cavalos moviam-se com rapidez, mas sem o estrépito alarmante de um galope desenfreado. E sem deixar uma nuvem de poeira à sua passagem. Havia algo sinistro na concentração absoluta e no silêncio que envolvia homens e animais, igualmente cobertos de suor e pó. Sam Brody não usava os costumeiros guarda-pós de pano pardo a fim de manter a rapidez ao sacar a arma. Preferia também as roupas escuras e sem detalhes que chamassem atenção, bem como evitava o uso dos tão admirados arreios com enfeites de prata. No entanto, qualquer observador mais atento notaria a raça apurada dos cavalos, a qualidade excepcional dos rifles de dois canos, presos às selas, e o brilho mortífero dos revólveres ainda em seus coldres de couro negro. Vinham em dois grupos de três, com Brody abrindo caminho e à esquerda de seus homens. Ele era canhoto, por isso atirava com a mão esquerda, o que sempre confundia seus adversários. Calado e sem mover a cabeça, percorria a rua com olhos de águia, notando os detalhes mais insignificantes. Sempre agia com uma preocupação quase obsessiva. Nesse dia, uma sensação de perigo iminente, mais definida do que a habitual tensão, o impelia a ser excepcionalmente cauteloso. Quando os homens pararam em frente ao banco, Brody já descera do cavalo. Acreditava que a rapidez de ação exigida por ele garantia o sucesso dos assaltos. Era invariavelmente o primeiro a entrar no local escolhido. Os outros começavam a desmontar quando ele colocou a mão sobre o trinco da porta. Então a alarmante sensação de perigo se intensificou. Brody percebeu, ainda sem virar a cabeça, um movimento à sua esquerda. Era Vance, o pistoleiro contratado em Austin, que se esgueirava em direção da viela ao lado da agência bancária. Simultaneamente, um brilho metálico vindo de dentro do banco feriu seus olhos. Sua mão se imobilizou, deixando de empurrar a porta. O instinto, mais rápido do que o pensamento, o fez dar um salto para trás e alertar os companheiros sobre a possível armadilha. – É uma cilada! Brody jogou-se ao chão no exato momento em que o vidro da porta foi atingido
  • 6. pela saraivada de tiros vindos do interior do banco. Estilhaçando-se em mil pedaços, um dos cacos atingiu seu rosto e o outro, maior, abriu um corte fundo no braço. Ele nem sentiu a dor, preocupado apenas em alcançar seu cavalo. Acostumados a tiroteios, os animais inquietos batiam os cascos no chão, sem disparar no galope apavorado como fariam cavalos não treinados. Quatro dos pistoleiros, ainda ao lado das montarias, saltaram novamente sobre as selas. O homem mais próximo a Brody não teve tanta sorte e caiu, varado pela segunda rodada de tiros. Rolando na terra vermelha da rua, Brody afastou-se da calçada de madeira. Ainda deitado, virou-se para atirar na direção do banco e sentiu uma bala atingir sua coxa. Ouviu o grito de Stanton que também fora atingido e o ressoar do tropel desordenado de cavalos se afastando. Ele conseguiu alcançar as rédeas do seu garanhão, mas o animal, apesar de treinado, empinou ao sentir que alguém tentava refreá-lo. Escoiceando, o cavalo disparou com Brody agarrado precariamente à sela. Ele foi arrastado por alguns metros e então percebeu que a situação se agravara. Os movimentos convulsivos do cavalo indicavam que sua única chance de escapar tinha sido atingida por um tiro fatal. Ao bater as costas no chão duro, o Colt voou de sua mão e ele arrastou-se até o animal caído para arrancar o rifle preso à sela. À sua volta, voltara a reinar um silêncio carregado de maus presságios. Decidido a usar o corpo do cavalo morto como defesa e também apoio para disparar os tiros com melhor pontaria, Brody ergueu a cabeça e viu um homem correndo em sua direção. Mesmo sabendo que já não teria outra saída a não ser a morte, decidiu continuar lutando até o fim. Já era tarde demais! O rifle voou de suas mãos por um pontapé violento e certeiro enquanto o cano gelado de um Colt foi encostado bem entre seus olhos. Impassível, Brody aguardou a explosão final. O homem à sua frente o fitava sem apertar o gatilho, com olhos tão frios e sem expressão quanto contas de vidro colorido. Os lábios se moveram, deixando os dentes à mostra, num sorriso mais semelhante ao esgar de uma fera prestes a trucidar sua presa. – Sou Slater. Finalmente consegui agarrá-lo, seu bastardo! CAPÍTULO 1
  • 7. Não havia nada no mundo mais precioso para Ed Stafford do que suas adoradas garotas. Dedicava a ambas um amor igualmente profundo, mudando apenas a forma de exprimir esse sentimento. Nem poderia ser de outro modo: era difícil encontrar duas jovens tão diferentes quando Victoria e Amy. A filha era intempestiva e irreprimível como os elementos da natureza. Ousada, impetuosa e temperamental, Victoria compensava a teimosia obstinada com um irreverente senso de humor e temperava sua eficiência excepcional com um encanto raro. Montava melhor do que a maioria dos vaqueiros, manejava uma arma com o desembaraço e a pontaria certeira de um pistoleiro, e seu conhecimento sobre a fazenda só era superado pela experiência do pai. Ed sabia que a propriedade ficaria em boas mãos após sua morte, pois Victoria tinha competência de sobra para continuar a obra iniciada por ele. Só pedia a Deus que a filha não se matasse antes disso em alguma aventura bem-intencionada, mas fatalmente desastrosa. Já a sobrinha era uma flor delicada, o fruto doce de uma natureza mais gentil. Tímida fora do ambiente familiar, revelava seu temperamento afetuoso ao sentir-se rodeada de amor. Amy jamais se envolvia em situações arriscadas ou embaraçosas. Criada junto com a prima, ela também cavalgava tão bem quanto qualquer vaqueiro e sentia um amor especial pelos cavalos, assim como por todo o tipo de animais. No entanto, nunca demonstrara a menor curiosidade pelas atividades da fazenda. Amy detestava números e nunca se interessara pelos livros de contabilidade, sempre ao alcance das jovens sobre a escrivaninha de Ed. Além disso, preferia não presenciar o sofrimento dos animais ao serem marcados e evitava aproximar-se de armas de fogo. Victoria adorava cavalgar ao lado do pai e dos vaqueiros, absorvendo avidamente todos os aspectos da rotina diária de uma fazenda. Amy contentava-se em passear sem destino, apreciando a paisagem. Preferia ficar em casa cuidando de algum animal doente ou simplesmente passar o dia no balanço preso ao carvalho quase centenário. O contraste entre elas não se limitava à diferença de personalidade. Também no aspecto físico, as duas representavam tipos de beleza radicalmente opostos, como a bonança frente à tempestade. Esbelta e frágil, Amy tinha o rosto em forma de coração, onde brilhavam olhos tão azuis quanto um céu de primavera. Os cabelos sedosos e de um loiro prateado
  • 8. emolduravam com perfeição os traços delicados daquela jovem etérea como as princesas dos contos de fadas. Com vinte e um anos, ela era um botão de rosa, mais semelhante a uma adolescente, começando a desabrochar. Victoria, um ano mais nova, já era, inegavelmente, uma mulher. A postura ereta a fazia parecer mais alta e evidenciava as curvas suaves de um corpo com proporções perfeitas. A cabeleira negra e brilhante tornava ainda mais intenso o azul-escuro daqueles olhos que chegavam a ficar quase violeta nos momentos de raiva. A beleza de Amy evocava doçura, a de Victoria era quase agressiva. Esse contraste não diminuía e sim acentuava a atração singular de cada uma delas. Naquela manhã, à mesa do café, Ed Stafford contemplava as jovens e agradecia a Deus pela bênção de ter filhas tão maravilhosas. Eram realmente duas, porque jamais pensara em Amy como uma sobrinha. Desde o momento em que a colocaram nos braços dele, há dezesseis anos, adotara a criaturinha magra, pálida e acometida de tremores incontroláveis. A mãe de Amy era a única irmã de Stafford e vivia em uma fazenda bastante afastada da vila. Ela, o marido e os filhos maiores tinham sido mortos em um dos costumeiros ataques de índios. Apenas a caçula conseguira escapar porque a mãe a escondera no celeiro, salvando-a do terrível massacre. Só dois dias depois da tragédia, um vizinho ouviu o choro quase sem forças da garotinha, faminta. Lembrando-se do nome do tio de Amy, ele a trouxe ainda em estado de choque, incapaz de falar ou até de se comunicar através de gestos. Os Stafford a receberam com um amor sem limites e Amy retribuiu esse sentimento profundo com a mesma intensidade. – Vou sentir muita falta de vocês. – O tom de Stafford era de brincadeira mas o arrependimento evidente em seu olhar desmentia a expressão alegre. – Por que aceitei essa idéia maluca de viajarem para San Antonio? – Ora! Porque você é um pai especial! – replicou Victoria no mesmo tom e deu-lhe o sorriso irresistível que já estonteara muitos homens. O sorriso de Amy era mais meigo e modesto, porém refletia o mesmo amor. – Além de ser maravilhoso, você também é um pouco comodista, concorda? Queria nos ver longe daqui quando começasse a trazer o gado para ser marcado. – Ah! Amy acertou na mosca, papai! Você disse mesmo que nós iríamos atrapalhar o rodeio.
  • 9. – É... Ela acertou e eu errei. Devia ao menos levá-las pessoalmente até San Antonio em vez de delegar essa responsabilidade a uma desmiolada! – Que absurdo! A sra. Childers é uma dama de companhia irrepreensível. Ela conhece os menores detalhes de etiqueta e respeita as convenções sociais como se fossem os mandamentos divinos! – É perfeitamente possível ser respeitadora dos preceitos convencionais e possuir o cérebro do tamanho de um grão de ervilha. Por azar, acho que é esse o caso da sra. Childers, Victoria. – Céus! O que poderia acontecer de tão trágico conosco entre a fazenda e San Antonio? Estaremos dentro de uma diligência praticamente o tempo todo. Amy e eu poderíamos ir sozinhas sem o menor problema! – Se eu não conhecesse muito bem a minha filha, talvez até acreditasse – resmungou Stafford. – Não quero nem pensar no que pode acontecer nessa... inofensiva viagem. Quando você fica livre da minha vigilância, só me resta rezar! Amy os observava com um sorriso nos lábios. Jamais interferia naquelas discussões, tão freqüentes entre Victoria e o pai. Ela apenas ouvia o tom amoroso com que se comunicavam, sem prestar atenção às palavras, deixando-se envolver pela harmonia que reinava naquela casa. – Bem, discutir é pura perda de tempo, papai. Aliás, se eu não me preocupar com o horário, nossas malas não ficarão prontas. Não chegaremos nem à vila para teimar a diligência, quanto mais a San Antonio! Victoria beijou o pai e, mal saiu da sala, ouviu o som de uma discussão acalorada vinda do andar de cima. Era evidente que as vozes falando rapidamente em espanhol pertenciam às duas criadas mexicanas. A outra só podia ser a de Mary Doherty. A governanta irlandesa estava sempre pronta a encontrar defeitos nas jovens. Ao entrar no quarto, Victoria não sabia se ria ou chorava. As três mulheres, de braços cruzados, entreolhavam-se enfurecidas. Ao redor delas havia uma profusão de baús abertos, sacolas de tapeçaria, além das incontáveis anáguas e vestidos, jogados sobre a cama. – O que está acontecendo aqui, sra. Doherty? A irlandesa miúda e de cabelos grisalhos voltou-se para Victoria, com uma expressão de alívio. – Os anjos sejam louvados! Se a menina não viesse agora, eu ia desistir! É mais
  • 10. fácil converter o próprio Satanás do que enfiar alguma noção na cabeça dessas almas pagãs! – Ora, sra. Doherty... não exagere tanto! – Exagerar? Elas têm a cabeça mais dura deste mundo de Deus! São incapazes de entender uma única palavra! Controlando a vontade de rir, Victoria deixou a governanta dar vazão à sua raiva. As jovens mexicanas não iriam compreender uma só palavra do monólogo rápido e com um forte sotaque irlandês da sra. Doherty. Seria um esforço inútil tentar explicar à inflamável senhora que Elena e Dorotea compreendiam perfeitamente bem o inglês de todas as pessoas da casa, exceto o dela. O sotaque carregado e as expressões regionais tornavam a fala da sra. Doherty uma algaravia incompreensível para as moças. Mas a governanta se convencera que as duas a entendiam muito bem e só fingiam incompreensão quando lhes convinha. No dia-a-dia, as três se comunicavam relativamente bem, usando uma. bizarra mistura de inglês, espanhol, gaélico e muita mímica. Mas, quando os ânimos ficavam mais acalorados e a paciência mais curta, as vozes se aceleravam, os sotaques se acentuavam e os gestos se tornavam mais bruscos. Então, rompia-se o precário sistema de comunicação entre elas, ruindo como um castelo de cartas. – Qual é o problema? – perguntou Victoria e imediatamente se arrependeu de ter aberto a boca. As três vozes, alteradas e dispostas umas a suplantar as outras através do volume, ecoaram no quarto ao mesmo tempo. Incapaz de compreender o motivo de tanto desacordo, ela ergueu os braços pedindo silêncio. – Por favor! Uma de cada vez! Respirando fundo, Victoria preparou o espírito para enfrentar aquela disputa doméstica. Custava-lhe muito esforço ser paciente com a desorganização feminina e sua costumeira eficiência desaparecia quando se tratava dos trabalhos caseiros. – Comece, sra. Doherty. Qual é o motivo de tanta balbúrdia? – Vim para ver se essas cabeças-de-vento estavam fazendo as malas com capricho e olhe só o que encontrei! – A governanta apontou um dos baús ainda aberto, onde estava a saia que Victoria usava para cavalgar. – Essas horríveis e indecentes... calças de homem! Você não está pensando em levá-las, não é? Seria vergonhoso! – É claro que vou levá-las. – E fez um sinal às criadas para que fechassem o baú. –
  • 11. Podem ir cuidar de outras coisas, niñas. – Tory, minha querida criança, seja sensata, pelo amor de Deus! – A sra. Doherty estava rubra de indignação. – Não fica bem uma moça de família fina e educada como você sair usando... roupas masculinas! – Não exagere, sra. Doherty. São apenas saias-calças. Quando estou montada a cavalo, considero-me tão decente quanto qualquer outra mulher. Aliás, já lhe expliquei isso mais de mil vezes, não? – Saias sem anáguas ficam indecentes e pode desistir de me convencer, Tory. O pior de tudo é que com essas... calças, você monta a cavalo como se fosse um homem! Ah! Se a sua pobre mãe, que Deus a tenha, visse a filha nesses trajes! – Também não me impediria de usá-las – afirmou Victoria com uma teimosia que logo se transformaria em obstinação. Aquele assunto provocava discussões constantes entre ela c a governanta, que também não desistia. – Para que vai levar trajes de montaria para a cidade, Tory? Certamente não irá cavalgar como aqui. – Talvez surja uma oportunidade e não quero perdê-la por que não tenho a roupa certa. Ah! Vou levar minhas botas também. – Está ficando cada dia mais sem modos, mocinha! Ainda bem que sua pobre mãe não verá a filha usando trajes de uma mulher leviana, arruinando sua reputação! Capaz de tomar conta da fazenda, dos vaqueiros e de resolver todo o tipo de problemas como se fosse uma pessoa madura, Victoria se revoltava com a atitude da governanta. Aqueles sermões intermináveis sobre bom-comportamento a faziam sentir-se uma criança irresponsável. – Amy também usa esse tipo de saia e nunca ouvi nenhuma palavra de censura dirigida a ela! A expressão da sra. Doherty suavizou-se e ela sorriu embevecida. – Ah... a nossa Amy é um caso especial. Ela foi tocada pelos dedos mágicos dos duendes e das fadas! A raiva de Victoria desapareceu diante daquele comentário. A sra. Doherty não era a única a encontrar sempre um desculpa para qualquer atitude de Amy. Todos os que se aproximavam daquela criatura doce ficavam logo prisioneiros de seu encanto mágico. Aliás, Victoria fora a primeira ser cativada pela prima e s transformara, de imediato, em sua defensora fiel. Quando ainda criança, chegou ao lar dos Stafford,
  • 12. apavorada e se fala, ela a cercou de carinho e proteção. Era em seus braço de menina que Amy se refugiava quando acordava à noite, chorando de desespero. Os pesadelos tornavam-se ainda mais assustadores porque não conseguia lembrar-se do sonho. No primeiro dia de aula, Victoria levou a prima pela mão, transmitindo-lhe segurança e apoio. Depois que quebrou o nariz de Ben Hartwell porque o ouviu dizer que Amy era maluca, ninguém mais ousou provocar a garotinha tímida. Quem iria se arriscar a fazer qualquer comentário desairoso diante de Victoria, tão facilmente levada à cólera? – Tem razão, sra. Doherty. Amy é uma criatura especial. Mas, se concordamos nesse ponto, não temos a mesma opinião sobre outros, certo? Sou uma mulher adulta e não mais uma criança que deve ser orientada e repreendida. Pretendo agir de acordo com minha própria cabeça, sem aceitar interferências de mais ninguém... como venho fazendo desde que, completei dezesseis anos. Fui bem clara? A governanta fez uma careta de zombaria ao ouvir a declaração peremptória. – Clara como água, mocinha! Aliás, sempre fez tudo o que quis muito tempo antes dos dezesseis anos! – Tem razão, querida. No entanto, determinar quando eu me tornei independente só irá atrasar ainda mais a arrumação das malas, não acha? Apesar de detestar os afazeres domésticos, Victoria era perita em organizar qualquer tipo de atividade. Com o auxílio da governanta, terminou rapidamente de fechar todas as malas e mandou chamar dois vaqueiros para levá-las até a carroça. Os rapazes gemeram ao ver a quantidade de bagagem a ser carregada pelas escadas. – Minha nossa! Vai passar alguns dias fora ou mudar de vez para a cidade, senhorita Victoria? – Ei! A bagagem não é só minha! – protestou ela, usando o mesmo tom jocoso dos peões. – Além disso, não queriam que eu fosse a um casamento mal vestida, não é? – Bem... com essa quantidade de roupas, a noiva que se cuide, ou vai ficar em segundo plano. – Ora! Que bobagem! – brincou Victoria, acompanhando-os até a carroça. Ela sempre conversava com os vaqueiros em um tom descontraído e informal, o que os deixava à vontade e com liberdade para fazer as brincadeiras habituais entre eles. No entanto, admiravam a capacidade de Victoria, tratando-a com o mesmo respeito que demonstravam a Ed Stafford. Além disso, jamais pensariam sequer em não obedecer a uma ordem da moça, nem duvidavam de sua competência em relação às atividades relativas à
  • 13. fazenda. Enquanto as malas eram acomodadas, Victoria foi à procura da prima. O tempo não tinha o mesmo significado para Amy do que para a maioria das pessoas. Ela perdia a noção das horas se estivesse entretida com algo que atraísse sua atenção. Como não a visse em seu lugar habitual, no balanço, deduziu que estaria se despedindo dos cavalos. Foi rapidamente até os estábulos, onde não a encontrou também. Então, lembrou-se do bezerrinho que Amy estava criando com mamadeira e se dirigiu ao celeiro. Ali, sentada sobre a palha macia, estava Amy com uma ninhada de gatinhos no colo. Um dos filhotes, mais ousado, se acomodara no ombro da jovem e brincava com as mechas prateadas que tinham escapado do penteado. A saia estava cheia de feno e na pele alva do rosto havia uma pequena mancha de terra. A necessidade de censurá-la por ter esquecido a hora da partida e o desejo de abraçar aquela criatura angelical eram igualmente fortes e Victoria, como sempre, esqueceu-se da zanga diante do sorriso com que foi recebida. Amy era especial, não podia seguir os padrões exigidos da maioria das outras pessoas. Havia quem a julgasse estranha, até um tanto simplória, talvez por ter sido afetada pela tragédia de sua infância. Mas, se algo afetara Amy, tinha sido o toque mágico dos duendes, como dizia a sra. Doherty. Sua irreprimível alegria de viver era comovente, contagiando a todos que a cercavam, e sua capacidade de amar era, no mínimo, rara. Só existia bondade naquela alma pura e incapaz de rancor, que abria seu coração diante do menor sinal de dor ou de mágoa. Sempre pronta a consolar, pressentia o momento exato de oferecer afeto ou silêncio, destituído de censuras ou críticas. Victoria não seria capaz de enumerar por quantas vezes sentira a mãozinha delicada apoderar-se da sua ou quando recebera um beijo doce sem motivo aparente. Com uma intuição aguçada, a meiguice da prima a envolvia justamente quando se sentia mais triste ou carente de afeto. Diante de tanto calor humano, pouco importava a dificuldade de Amy em resolver problemas matemáticos, obedecer horários rígidos, cumprir os deveres rotineiros ou se manter atenta durante conversas formais. Ela não era organizada nem tinha desembaraço social, mas Victoria e o pai assumiam de bom grado essas tarefas. O destino de Amy parecia traçado com o objetivo de tornar o mundo melhor e mais doce através de sua
  • 14. presença. – Não são lindos, Tory? – Amy ofereceu à prima um dos gatinhos que se aninhara em seu colo. – Este chama-se Relâmpago porque é todo branco. Victoria sentou-se ao lado da prima, segurando o animalzinho frágil enquanto pensava na melhor maneira de interromper aquela cena idílica. – São encantadores mas... está na hora de irmos embora, Amy querida. Você precisa terminar de se arrumar e então partiremos. – Eu sei. Foi justamente por isso que vim despedir-me dos gatinhos. – Ela fitou a ninhada com um olhar melancólico. – Vão estar crescidos quando eu voltar... talvez nem me conheçam mais. – Não quer sair da fazenda, Amy? Desde o início, Victoria se preocupara com aquela viagem. Temia que Amy se ressentisse da mudança de ambiente e não ficasse à vontade na agitação de San Antonio. Apesar da prima se entusiasmar com a idéia de comparecer ao casamento, poderia sentir falta do aconchego familiar. – Oh! Estou tão feliz, Tory! Acho que vai ser muito divertido! Daphne irá parecer uma princesa com o vestido de noiva... quero muito vê-la! Amy permanecera em casa durante os três anos em que Victoria tinha ficado como interna na escola em San Antonio. Conhecera Daphne durante um período de férias em que essa garota espontânea e natural viera com a prima para a fazenda. O convite para o casamento a enchera de orgulho e satisfação, mas já não estava tão certa se devia mesmo ir. – Por acaso, não quer que eu vá, Tory? – É lógico que sim! Tudo vai ser muito mais divertido se você estiver comigo, Amy. Só perguntei porque imaginei que talvez sinta saudades de seus gatinhos, da fazenda... –... e de tio Edward, é claro! – Exatamente! Também pensei que um lugar novo e movimentado com pessoas estranhas pudesse aborrecê-la, querida. – Vou mesmo sentir muita falta de todos – concordou Amy, pensativa. – Mas acho que não terei medo de nada ou de ninguém se você estiver ao meu lado, Tory. E logo voltaremos, certo? – Então, vamos correr para casa. Papai já deve estar andando de um lado para o
  • 15. outro na varanda, com o relógio na mão. Antes mesmo de chegar, as duas viram Ed Stafford que, embora imóvel, as esperava na varanda, consultando o relógio com impaciência. Amy e Victoria não pararam para ouvir a censura compreensível, correndo para o quarto. Vestir-se para ocasiões formais como festas ou a ida à igreja nos domingos era um processo demorado, tedioso e que requeria a ajuda de uma criada, ao menos. Ninguém conseguiria apertar sozinha o espartilho até atingir a medida exata da cintura, exigida pela moda, e, mesmo com alguns pares de mãos, perdia-se um tempo absurdo. Felizmente, em casa ou para viagens longas, admitia-se o uso de trajes mais simples que permitissem um certo conforto. As duas jovens vestiram com bastante rapidez as roupas de fustão marrom, leves e despretensiosas, voltando à varanda antes que Ed perdesse a paciência e começasse a chamá-las. Ainda amarrando as fitas dos chapéus, elas subiram na carruagem, pois, se não partissem imediatamente, acabariam perdendo a diligência. O vilarejo de Bennet ficava a quase três horas de viagem, mas nem o calor nem a poeira diminuíram o entusiasmo das duas que riam e brincavam como se fossem crianças. Elas estavam ainda provocando Ed com suas travessuras quando a carruagem parou diante da casa de madeira branca de Adelaide Childers. Antes que atravessassem o jardim, onde uma profusão de flores crescia desordenadamente, refletindo a personalidade da sra. Childers, a porta se abriu. Uma senhora de meia-idade, rechonchuda e sorridente, correu ao encontro deles. – Oh! Meu Deus! É o coronel Stafford! – Como a maioria das pessoas; Adelaide Childers usava a patente obtida por Stafford no exército do Sul. – Estou tão embaraçada! Vocês foram pontuais, como manda a etiqueta, e eu... nem sequer fechei as malas! Vão me julgar uma mulher sem modos e... As desculpas sussurradas da sra. Childers foram acompanhadas por um gesto delicadamente feminino que se destinava á encantar Ed Stafford. Aquela encenação graciosa provocou uma incontrolável vontade de rir em Victoria, que percebia nitidamente o empenho da viúva Childers em conquistar seu pai. Sem dúvida alguma, tinha sido esse o motivo da alegria daquela senhora ao ser convidada para servir de dama de companhia para as duas jovens. Mas Adelaide Childers ficaria extremamente desapontada se soubesse o quanto esse convite aborrecera o alvo de suas atenções. Stafford apenas se resignara a entregar a filha e a sobrinha nas mãos de uma
  • 16. criatura que considerava frívola e tola demais. Infelizmente, não encontrara outra pessoa e ele não podia deixar a fazenda durante o rodeio. Suspirando, Ed desceu da carruagem, forçando-se a manter um sorriso polido nos lábios. – Bom dia, sra. Childers. Ainda temos algum tempo antes da partida da diligência e Victoria pode ajudá-la. Foi Victoria quem suspirou então e com razões muito mais válidas ao deparar com o caos reinante na sala: um ciclone parecia ter varrido a casa toda! Controlando a impaciência diante da falta de organização, ela conseguiu colocar em ordem as roupas jogadas sobre os móveis e fechar o baú da sra. Childers em menos de meia hora. Ed colocou a bagagem na carroça e todos ainda esperaram a confusa senhora procurar a chave para trancar a porta, perdendo minutos preciosos. Realmente, a diligência já estava prestes a partir quando elas chegaram e Ed Stafford mal teve tempo de despedir-se das duas jovens. Amy e Victoria se apertaram na janela para dar um último adeus ao pai, que logo desapareceu atrás de uma nuvem de poeira. Naquelas longas e tediosas viagens, sempre se estabelecia uma certa intimidade entre os passageiros, fechados num recinto tão reduzido. A sra. Childers iniciou suas funções de dama de companhia apresentando suas protegidas ao único outro companheiro de jornada. O falante advogado logo passou a tratar a faceira sra. Childers como se fossem velhos amigos, deixando as duas jovens livres para conversar entre si. – Pelo jeito, a nossa amiga já encontrou um outro futuro marido! – murmurou Victoria. – Quem sabe, assim, deixa papai em paz! Amy sorriu para a prima mas não desviou os olhos da janela – Não é maravilhoso, Tory? – O quê? – Tudo! – exclamou Amy, fazendo um gesto amplo para indicar a paisagem que se estendia até o horizonte muito distante. Victoria já percorrera aquele percurso tantas vezes durante os anos que freqüentara a escola em San Antonio, que conhecia cada quilômetro daquelas planícies infindáveis. O deslumbramento de Amy provocou-lhe uma onda de remorsos pois a pobre garota raramente tinha se afastado de casa Excetuando-se algumas rápidas idas para fazer
  • 17. compras em Austin, a prima nunca saía da fazenda e pouco conhecia do mundo que a rodeava. Talvez por vê-la sempre tão feliz em casa, Victoria tirara a conclusão errônea de que Amy só se sentia bem no ambiente familiar. Pelo evidente entusiasmo da prima, reconheceu que a haviam privado de muitas alegrias por considerá-la caseira e sem curiosidade de conhecer lugares novos. Aquele passeio tinha se tornado muito mais importante agora: era a primeira viagem de Amy! Se, para Victoria, a permanência da prima na fazenda despertava quase um sentimento de culpa, Amy apreciava a novidade daquela viagem sem se ressentir de ter sido privada dessa alegria. Ela amava intensamente a única casa que podia considerar seu lar e não ansiava por aventuras. As recordações dos anos vividos antes de vir para a sombra protetora do tio eram praticamente inexistentes. Ela lembrava-se vagamente de uma figura indistinta, mais próxima do sonho do que da realidade: um homem alto e de ombros largos, cuja voz grave transmitia segurança, em cujo peito amplo repousara a cabeça, serena e confiante. Fechando os olhos, parecia ouvir novamente o bater ritmado de um coração, sentir o sopro da respiração roçando seu rosto e aspirar o aroma másculo onde se mesclavam odores distintos de tabaco, couro e cavalos. Amy apagara as lembranças dos restantes membros de sua família e nunca fizera esforço algum para trazer de volta essas memórias perdidas. A opinião geral era de que ela realmente não devia nem tentar. Sua vida se iniciara no dia da chegada à fazenda Stafford onde fora envolvida pelos braços protetores de tio Ed e amparada pela presença reconfortante de Victoria. Ali, se sentira finalmente a salvo de todos os perigos e ameaças. Amy não analisava suas reações, vivia intuitivamente. Ela não pensava, só sentia. A fazenda era seu lar, um mundo de felicidade onde existiam dois grandes amores: tio Ed e Victoria. Adorava aquele universo harmonioso e sua capacidade de sentir prazer nas menores coisas afastava o tédio de sua vida. Cada novo dia chegava, trazendo algo de inesperado e fascinante. A ausência ocasional do tio e da prima provocava nela apenas uma saudade infinita, nunca o desejo de estar do lado dos dois, descobrindo novos horizontes. Fora feliz ficando em casa, era feliz agora ao cruzar o Texas: vivia apenas o momento presente. Amy não ignorava que sua maneira de aceitar com alegria todas as situações era um dos motivos pelo qual a julgavam uma pessoa de mente simples. Ela até admitia que talvez
  • 18. a opinião geral fosse correta, pois não era mesmo brilhante. Nunca tivera a rapidez de pensamento, tão evidente em Victoria, cuja curiosidade procurava sempre o porquê de todas as coisas. Detestava fazer contas, perdia logo o interesse nos livros mais difíceis e era através dessas atividades que se julgava a inteligência das pessoas. Entretanto, sentia-se feliz desse modo e não via razão alguma para mudar seu comportamento. Aliás, mesmo se houvesse motivo, não teria sequer tentado! Ouvira uma vez o comentário do tio sobre seu temperamento e aceitara aquelas palavras sábias que pareciam resumir sua verdade interior. Tio Ed afirmara que Amy não pensava com a cabeça e sim com o coração. Ela se reconheceu nessa definição e não se preocupara mais com a opinião dos outros sobre suas possíveis falhas e deficiências. A diligência entrou na cidade quando a noite começava a formar sombras e os lampiões iam sendo acendidos. Austin, a capital do Estado do Texas, era uma cidade moderna e planejada, com largas avenidas, bastante diferente dos vilarejos com ruas de terra que formavam a maior parte do Estado. Ed Stafford tinha escolhido o melhor hotel da cidade, o Avenue, para hospedá-las, embora apenas por uma noite. O imponente prédio ficava na avenida do Congresso e, do outro lado da praça, via-se a magnífica construção que abrigava o governador do Estado. Amy continuava fascinada com o movimento das ruas, absorvendo em silêncio a agitação e o luxo dos habitantes da cidade. Mal ouvia Victoria que afirmava o quanto San Antonio era maior e mais bonita com seus prédios antigos, museus e monumentos históricos. Infelizmente, a sra. Childers demonstrava com exuberância excessiva a sua admiração pelo luxo do hotel. Não se cansava de repetir sua gratidão pela generosidade do coronel Stafford em hospedá-las num local tão requintado. Victoria já começava a ter dúvidas sobre sua capacidade de suportar aquela algaravia incessante durante toda a viagem que duraria um mês. Não ia ser nada fácil manter o controle e não demonstrar sua impaciência com pessoas tagarelas demais. Na manhã seguinte, antes do sol nascer, elas tomaram a diligência que as levaria até San Antonio. Acostumadas a levantar muito cedo, Victoria e Amy estavam completamente despertas, mas a sra. Childers demonstrava uma sonolência que a tornava menos falante e bem mais suportável.
  • 19. Ao contrário do dia anterior, a diligência estava lotada. Dois negociantes, um jornalista que ia trabalhar na Gazeta de San Antonio, um vendedor e um rapaz, cujas roupas rústicas e mãos calejadas indicavam que era um vaqueiro, se espremiam nos bancos apertados. Logo o sol transformou aquela início de viagem numa tortura. Apertados e suando, os passageiros quase sufocavam com a poeira que se colava em suas peles úmidas. Foi com alívio geral que alcançaram, duas horas depois da partida, o vilarejo de Santa Clara. Ali os cavalos seriam trocados e todos teriam tempo para se recuperar do desconforto causado pela primeira etapa da longa jornada. Então, o desastre atingiu a bem-intencionada sra. Childers! Ao descer da diligência, ela olhou para trás a fim de avisar suas protegidas para pisarem com cuidado no estribo estreito e traiçoeiramente distante do chão. A pobre senhora ainda as advertia quando seu pé prendeu-se na barra da saia longa, fazendo-a perder o equilíbrio. Victoria, muito rápida, conseguiu segurar o braço da sra. Childers mas não teve condições de impedir sua queda espetacular. Viu-a cair ao chão, com a perna dobrada de modo pouco natural. – Sra. Childers! – Victoria ajoelhou-se ao lado da senhora que gemia de dor. – Machucou-se muito? – Acho que... há algo muito errado com minha perna. – Busquem um médico! – gritou a jovem, irritada com a falta de expediente dos passageiros que a rodeavam sem ação. Depois de ver o vaqueiro sair correndo, ela voltou-se para Amy. Sabia como a prima devia estar se sentindo mal, pois era extremamente sensível a qualquer sinal de dor. – Amy querida... por que não vai ficar na sala de espera? Eu esperarei a chegada do médico ao lado da sra. Childers. Victoria lançou um olhar de apelo aos passageiros. O jornalista, percebendo sua intenção, segurou Amy pelo braço, conduzindo-a com gentileza em direção ao prédio do escritório da Linha Steel de Diligências, com seu amplo salão de repouso. Enquanto isso, Victoria ficou ao lado da pobre senhora, que gemia sem parar, à espera do médico. Tentava reconfortá-la, mas seu conhecimento sobre acidentes lhe dizia que a situação era grave. A perna da sra. Childers devia estar quebrada! Finalmente o dr. Bauer, o único médico do vilarejo, chegou e, pedindo para que
  • 20. todos os outros se afastassem, manteve apenas Victoria ao seu lado. Após um exame rápido, que provocou gritos de dor da sra. Childers, ele confirmou as suspeitas da jovem: a perna estava realmente quebrada e seria preciso recolocar o osso no lugar. Os gemidos da sra. Childers se intercalavam com lamentos sobre a vergonha de expor sua perna a alguém mais além do médico. Compadecendo-se da infeliz mulher, Victoria prontificou-se a ajudar. Desde muito criança, ela se familiarizara com os diversos tipos de ferimentos que inevitavelmente eram causados pela vida rústica de uma fazenda. Era ainda bem pequena quando começou a ajudar o pai a socorrer os acidentados, fazendo curativos sem se perturbar com sangue ou ossos expostos. O médico percebeu de imediato a competência da jovem e, após a surpresa inicial, deu graças a Deus por não ter ao seu lado mais uma mulher histérica que desmaia nas situações difíceis. Apesar da rusticidade da vida naquela região, que criava homens e mulheres fortes, havia algumas criaturas frágeis e incapazes de sobreviver caso não fossem protegidas. Quando, quase uma hora depois, a perna já tinha sido presa por talas e ataduras, dois homens improvisaram uma maca para levar a sra. Childers até o modesto hotel de Santa Clara. Victoria ficou na portaria resolvendo os problemas relativos à acomodação das três viajantes. Os homens se desdobravam para subir as escadas com a maca onde repousava a senhora que não parava de lamentar sua falta de jeito. – Oh! Que situação terrível! – gemia a sra. Childers quando se viu sozinha com as duas jovens no quarto modesto. – O que seu pai irá dizer? – Vai sentir pena da senhora, só isso. – Vai é ficar furioso comigo, Victoria! Fui descuidada e... Sabendo a opinião do pai sobre mulheres frívolas e dependentes, Victoria concordava plenamente com as palavras da sra. Childers. Ed Stafford iria imaginar que a mulher se acidentara devido à falta de juízo. No entanto, não pretendia aumentar o sentimento de culpa da improvisada dama de companhia, revelando-lhe o quanto estava certa. – A culpa não foi sua. – Amy aproximou-se da cama e tomou a mão da sra. Childers entre as suas. – Não se cai de propósito, não é? Eu quebrei um dedo e tio Ed não ficou nem um pouco furioso, sabe?
  • 21. Apesar da dor e auto-censura, a sra. Childers não pôde resistir ao encanto meigo de Amy e sorriu, aliviada. Aquela garota, que tanto detestava dor e sangue, evitando ao máximo as situações mais violentas, era insuperável quando se tratava de reconfortar feridos. Gentil e paciente, encontrava sempre a palavra certa e conseguia acalmar a inquietação e o desconforto dos seus pacientes. – Amy tem razão. Foi um acidente inevitável e infelizmente muito doloroso, sra. Childers. – Sim... mas fui escolher a pior das horas para permanecer confinada em uma cama. O que vamos fazer agora? Oh, Deus! O casamento é em San Antonio e ficamos presas nesta cidade horrível. Aliás, nem sei exatamente onde estamos. – Por sorte, não é um lugar tão terrível quanto pensa, sra. Childers. Estamos em Santa Clara e pelo menos existe este hotel que apesar de modesto me pareceu muito bem cuidado. – Victoria tentava diminuir os remorsos da pobre senhora. – Quanto ao casamento, não há motivo para preocupações. Temos muito tempo para chegar a San Antonio, a cerimônia ainda vai demorar quase um mês. Podemos ficar aqui até a senhora se sentir com forças para continuar a viagem. – É, mas não podemos viver aqui! Eu estou presa à cama e vocês duas ficaram sem uma dama de companhia. – A sra. Childers estava nitidamente horrorizada. – Você já teve que conversar com o homem da portaria, Victoria! É inaceitável! Além disso, serão obrigadas a tomar suas refeições sozinhas e em um lugar público! Não sei se conseguiremos que as sirvam no quarto, este hotel me parece simples demais para oferecer esse tipo de serviço. Bem, de qualquer modo, não terão minha proteção! Ficarão por conta própria! Victoria controlou-se para não rir diante da preocupação da sra. Childers, que lhe parecia absurdamente ridícula. Qual era o grande problema em trocar algumas palavras com o recepcionista do hotel? Já enfrentara situações muito mais difíceis e tinha se divertido bastante com aquela rápida conversa. Sempre viajava acompanhada pelo pai que tomava todas as decisões, tratando-a com uma dessas mulheres indefesas que ele tanto detestava. A cada minuto, aquela estada forçada em Santa Clara estava lhe parecendo mais excitante. Embora jamais fosse capaz de desejar um acidente tão penoso para a sra. Childers, começava a se animar com a situação em que ela e Amy ficariam nos próximos
  • 22. dias. Desde o início dos preparativos para aquela viagem, Victoria se ressentira da necessidade de terem uma companhia constante, vigiando-lhes os passos. Acostumara-se a fazer tudo sozinha e a tomar suas decisões por conta própria. Uma acompanhante, exigida apenas para seguir os ditames da etiqueta, a irritava profundamente. – Não se torture com um fato inevitável, sra. Childers. Nada de mau pode acontecer conosco – replicou Victoria, com um sorriso despreocupado. – Precisa de muito descanso, certo? A fim de deixá-la mais calma, prometo-lhe que irei com Amy até o correio mandar um telegrama para avisar meu pai sobre o acontecido. – Oh! É isso mesmo, querida! Eu nem me lembrei desse detalhe. O coronel irá mandar alguém para cá, imediatamente. Era justamente isso que Victoria mais temia. Tão logo o pai recebesse o telegrama, ia ficar preocupado com a segurança de suas indefesas filhinhas e mandaria alguém ou talvez até viesse pessoalmente para tomar conta delas. Rebelde e segura de si, ela pensou em esperar um ou dois dias até comunicar ao pai a queda da sra. Childers. Teria algum tempo livre e poderia provar a todos sua capacidade de assumir o controle da situação. Ed já a reconhecia, porém nunca afrontaria a sociedade, permitindo-lhes uma liberdade inaceitável para duas jovens solteiras. Apesar de muito liberal, o pai iria censurá-la severamente por não ter sido avisado e estaria coberto de razão! Com um suspiro de resignação, Victoria decidiu ir até o correio e enviar logo o telegrama. Pelo menos, teriam algumas horas livres de qualquer vigilância e poderia explorar, junto com Amy, uma parte da cidade. Tomariam suas refeições, desacompanhadas, num local público e andariam sem destino certo pelas ruas da pequena cidade de Santa Clara. Aquela perspectiva empolgou Victoria, que apressou Amy a fim de saírem logo do quarto. Na portaria, pediu informações sobre a localização do correio, que aliás ficava bem próximo. Bastaria atravessar a praça em frente ao hotel e encontrariam o prédio, bem ao lado da delegacia. As duas saíram, eufóricas por estarem sem a companhia da falante sra. Childers. Victoria resolveu aproveitar cada minuto daquele passeio. Ia cumprir seu dever, avisando o pai através de uni telegrama, mas não havia lei alguma que a obrigasse a fazê-lo com maior rapidez. Elas conversavam distraídas quando chegaram à calçada do lado oposto do hotel.
  • 23. Mal tinham posto os pés nas tábuas de madeira empoeirada quando uma porta se abriu com estrondo e três homens saíram da delegacia. Um deles era o xerife. O outro, mesmo sem usar uniforme, demonstrava claramente a autoridade de um homem da lei. Uma pequena estrela de prata reluzia no colete de couro e o par de Colts 45 nos coldres presos às coxas musculosas transmitiam uma sensação de perigo. Como se não bastasse, ele segurava um rifle em uma das mãos e, com a outra, conduzia o terceiro homem. Este era o fora-da-lei. As duas mãos pendiam à sua frente, envoltas por algemas ligadas por uma pesada corrente de ferro. Amy e Victoria pararam abruptamente diante dos três. O som de seus passos, porém, já chamara a atenção dos homens que se voltaram para fitá-las. Victoria sentiu o impacto de dois pares de olhos, voltados em sua direção. Um era verde e tão frio quanto as folhas de pinheiro cobertas de gelo. O outro, negro e opaco, refletia a implacabilidade da morte. Pela primeira vez na vida, Victoria Stafford soube o que era medo. Toda a sua coragem desapareceu como se jamais tivesse existido ao se confrontar com aqueles dois homens. Nunca vira duas criaturas tão ameaçadoras e que representassem tanto perigo! CAPÍTULO 2 Os minutos pararam de passar para as quatro figuras que se fitavam, imóveis como estátuas. Não existia mais a rua principal do vilarejo, nem a presença um pouco afastada do xerife, nada era real a não ser o instante cristalizado no tempo. Erguendo o queixo, Victoria lutou contra uma sensação desconfortável à qual não estava habituada, forçando-se a vencê-la. Não se rebaixaria diante daqueles dois homens, deixando-os perceber a intensidade do seu medo. Recusava-se a agir como uma mulher melindrosa que desmaia ao avistar, de longe, um fora-da-lei... mesmo que fosse um criminoso frio e ameaçador como essa criatura cuja perversidade sem limites transparecia nos traços cruéis.
  • 24. As roupas sujas daquele homem demonstravam que ele não as trocava há dias. Uma das mangas da camisa estava rasgada e manchada de sangue; havia manchas também na frente da camisa imunda. A barba por fazer escurecia os maxilares rigidamente cerrados, sem esconder porém o corte recente em sua face. Os cabelos, escuros e longos demais, realçavam um rosto queimado de sol e tão duro como se fosse talhado em granito. Mas eram os olhos, intensamente negros e ferozes, que revelavam a extensão de sua maldade. O homem da lei, embora mais bem cuidado, não parecia menos ameaçador. Apesar da barba feita e das roupas limpas, tinha o rosto igualmente duro e a expressão tão cruel quanto a do criminoso ao seu lado. Victoria convivera durante toda a vida com homens rudes e até violentos. Aquela terra inóspita destruía os fracos, exigindo personalidades férreas que dominassem com sua força a natureza hostil. No entanto, nunca se vira diante de um ser humano que demonstrasse, sem disfarces, o quanto era perigoso. Com ou sem a estrela de prata que o tornava representante e defensor da lei, aquele homem significava uma ameaça que devia ser evitada a qualquer custo. Subitamente, Victoria percebeu que não era a única a fazer uma observação minuciosa. Os olhos verdes e gélidos do Ranger, a fitavam atentamente, notando cada detalhe de sua aparência. Consciente de estar ainda com o vestido marrom e empoeirado, ela sentiu um profundo aborrecimento por não ter trocado de roupa. Os homens lhe diziam sempre o quanto era bonita e, por algum motivo irracional, ressentia-se de estar pouco atraente. Um sorriso quase imperceptível surgiu nos lábios do Ranger, demonstrando que adivinhara algo na expressão contrafeita de Victoria. Corando, ela percebeu que perdera o contato com a realidade, pensando em banalidades diante de uma situação perigosa. Pouco lhe importava a avaliação lisonjeira daquele homem a quem não conhecia e nem pretendia conhecer. De um Ranger era sempre preciso fugir. Mas, perigoso ou não, estava diante do homem mais atraente que já vira. Alto e de ombros largos, a postura autoritária combinava perfeitamente com os traços duros, mas bem-feitos. Os cabelos, queimados de sol, possuíam uma tonalidade mais clara que o bigode loiro, sob o qual se viam lábios firmes e bem desenhados. Indecisa quanto à atitude a tomar, Victoria queria desviar os olhos que se fixaram contra sua vontade, nas coxas musculosas onde se prendiam os coldres de couro negro. Estava agindo como uma criança fascinada por um brinquedo perigoso. Essa reação inédita
  • 25. a deixava inquieta e insegura. Foi Amy quem rompeu a imobilidade geral, assustando a todos com seu movimento repentino. Em pânico, Victoria ainda procurou detê-la, mas seu gesto foi tardio. A prima estava além do alcance de suas mãos. Imperturbável, Amy dirigia-se para o criminoso. Ela jamais percebera o mundo do mesmo modo que a maioria das pessoas e, naquele momento, seguia apenas sua concepção particular. Não enxergava, como Victoria, um criminoso nas mãos de homens da lei. Diante de seus olhos só existia um homem exausto e com uma expressão de dor. Penalizada, observava os ferimentos no rosto, a ferida nos pulsos, causada pelas algemas e, como sempre, compadeceu-se ao presenciar tanto sofrimento. – Pobre homem... Sam, surpreso como os demais, não se moveu. Caminhando em sua direção, vinha a mulher mais linda que já vira, uma visão delicada e etérea. Ele a comparou, em sua pureza, aos anjos que tinha admirado, há tantos anos, na catedral de St. Louis. Criança ainda, se refugiara na igreja em uma noite de inverno, deliciando-se com as pinturas em ouro e prata, até ser expulso do recinto sagrado por um padre pouco interessado em acolher menores com frio e fome. A criatura angelical, pairando diante de seus olhos, segurou-lhe uma das mãos. O choque ao sentir o roçar macio dos dedos delicados sobre sua pele quase o fez se mover. Muitas prostitutas o haviam tocado, jamais uma dama e nunca uma mulher com olhos tão grandes e profundos como aquela garota que o fitava com seriedade. Amy encontrara um lenço na bolsa e envolvera os pulsos do criminoso, cobrindo a ferida causada pela constante fricção das algemas. – Assim você não se machucará mais. Brody já quisera muitas coisas na vida, algumas inatingíveis e outras pelas quais se tornara um criminoso para obtê-las. Mas nunca desejara algo com tanta intensidade, sabendo, com uma certeza absoluta, que jamais a teria. – Não sabe quem eu sou... moça? – Não, sinto muito. A doçura da expressão e das palavras atingiu o recesso mais íntimo da alma da Brody, como se tocasse meigamente cicatrizes antigas mas que ainda doíam. Como os outros, Slater se assustara ao ver uma jovem aproximar-se de Brody.
  • 26. Percebera sua presença ao lado da companheira, sem prestar muita atenção na figura pálida e esguia pois tinha se concentrado na mulher de beleza agressiva. Quando a viu tomar a mão do criminoso entre as suas, ficou imóvel, chocado com a coragem de uma moça educada e fina que ousava falar e até tocar um criminoso de aparência cruel. Foi a voz de Brody que o trouxe de volta à realidade. Admitindo o descuido momentâneo, tratou de retomar o controle da situação, afastando as mãos de Amy para longe de seu prisioneiro. – Que diabos! O que está fazendo, moça? Afaste-se desse homem, imediatamente! A jovem o fitou com um olhar muito puro, onde não havia raiva e sim surpresa. A reação de Brody foi mais violenta. O criminoso emitiu um som feroz, quase o rugir de um animal prestes a atacar, e Slater soltou o braço do prisioneiro para pegar seu rifle. O ataque porém veio inesperadamente e não através de Brody. A beldade de cabelos negros e olhos quase violeta se interpôs entre ele e a outra jovem, pronta a protegê- la de algum possível perigo. – Tire suas mãos de cima dela! – A voz, vibrante e sonora, revelava uma fúria incontida. – Como se atreve a tocá-la?! A reação de Slater foi involuntária mas o irritou profundamente. Não era hora de desejar uma mulher! Tinha nas mãos o mais famigerado criminoso do Texas e, se não fosse extremamente cauteloso, se arriscaria a perdê-lo. Não podia se distrair por causa de duas jovens causadoras de problemas, mesmo se uma delas fosse fascinante. – Droga! Quem é você? – Slater explodiu, percebendo que a situação tendia a se tornar incontrolável. – Saia já daqui e leve essa outra também! – Amy não lhe fez nada. Não tem motivos para gritar com ela! Victoria estava tão irritada quanto Slater. Aquele homem tinha um efeito estranho sobre seu comportamento, sempre racional e equilibrado. Sem perceber como a atitude de ambos se assemelhava, sentiu-se aliviada com a explosão de fúria que lhe permitia liberar uma emoção desconhecida e inquietante. – Não tenho motivos? Olhe aqui, moça! Ela está interferindo no meu trabalho, não pode conversar com um prisioneiro. Por acaso, faz idéia de quem é esse homem? Sabe o nome dele? – Não e nem quero saber! Você não tem o direito... – Não me fale em direitos, moça, porque eu tenho todos! Sou o responsável por este prisioneiro e pretendo levá-lo para Austin na diligência do meio-dia se vocês duas pararem
  • 27. de se intrometer! Qual é o problema com a sua amiga? Por acaso ela é louca? Com os diabos! Este homem é Sam Brody! Sam Brody, ouviu? Se não fosse a ofensa, ainda que involuntária, por parte de Slater, Victoria talvez tivesse recuado. Não entendera o impulso de Amy em se aproximar irresponsavelmente de um criminoso cuja aparência demonstrava uma profunda crueldade. Desaprovava essa atitude impensada e pretendia levá-la para longe deles o mais rápido possível. Mas quando aquele homem insinuara que a prima não era uma pessoa em seu juízo perfeito, o seu instinto protetor veio à tona. – Não! Ela não é louca! Trata-se apenas de uma criatura com sentimentos decentes, incapaz de presenciar o sofrimento de um ser humano sem se compadecer. Ela não é nenhum animal que não se importa se o próximo está ferido ou sangrando... A boca de Slater se contraiu num ricto de ódio e ele se aproximou ameaçadoramente de Victoria. – Por acaso está insinuando algo, moça? – Se a carapuça servir... A vontade de Slater era de sacudir aquela mulher até obrigá-la a se calar. Devia ser tão louca quanto a outra e ele só não percebera antes porque a beleza excepcional o cegara. – Com todos os demônios do inferno! Quem é você? O que está fazendo aqui, moça? Subitamente, ele pensou que Brody podia ter contratado as duas jovens para distraí- lo, e assim facilitar sua fuga. Um único olhar para o prisioneiro o fez descartar essa idéia absurda. Como um cordeirinho, o criminoso mais procurado do Texas permanecia paralisado, enquanto a jovem loira envolvia o outro pulso com o lenço de linho. Fitava-a como se jamais tivesse visto uma mulher antes! – Pare de praguejar! Não tem o direito de me obrigar a ouvir suas pragas! – Peço-lhe mil perdões! – A voz de Slater era maliciosamente gentil. – Não percebi que tinha diante de mim uma dama refinada. Pensei que estivesse falando com o tipo de mulher habituada a conviver com criminosos como Brody. – Como ousa?! Victoria sentia ímpetos de agredir esse homem irritante. Sempre fora tratada com o maior respeito, deparando com temperamentos que se dobravam ao seu. Aquela criatura grosseira, cheia de suspeitas absurdas, a transtornava a ponto de perder o bom senso! – É óbvio que o senhor jamais reconheceria uma dama. Duvido que tenha
  • 28. conhecido uma única em toda a sua vida. Um cavalheiro de verdade nunca bateria em uma mulher. – Eu não bati em ninguém! – esbravejou Slater. – Simplesmente afastei as mãos dela do meu prisioneiro! As vozes de Slater e Victoria aumentavam de volume, ressoando pela rua. Brody, porém, não ouvia senão um eco distante e incompreensível. Sua atenção se concentrava no toque macio das mãos que envolviam seu pulso com um lenço. Permanecia imóvel como uma estátua por temor: não queria assustá-la e perder aquele contato precioso. Como podia existir uma criatura tão bela e ao mesmo tempo bondosa? Por que não tinha medo dele? Quando perceberia o toque gélido da corrente entre as algemas, recuando repugnada? Não era possível que a jovem não soubesse o que ele representava, mesmo ignorando o seu nome. E, ainda assim, continuava muito próxima, confiante e sem malícia como uma criança afetuosa. Queria tocar aquele rosto angelical, mas temia destruir a beleza frágil daquele momento único. Brody perdera a noção da realidade, esquecendo-se do mundo ao seu redor. Absorto com a delicadeza de Amy, não via nada além dela, apenas sentia aquela presença mágica. No entanto, devia ter-se mantido alerta pois começava a ser executado o plano que ele mesmo arquitetara. Não viu o homem, que estivera encostado a um poste, entrar no bar, nem sua saída, acompanhado por mais três. Não percebeu que os quatro montavam em seus cavalos, descendo a rua e puxando uma montaria com a sela desocupada. Brody apenas pressentiu a presença do seu bando quando os homens já estavam bem próximos e com os revólveres na mão. Olhou para trás, uma fração de segundo antes do ressoar de cascos em disparada alertar Slater e o xerife. Enquanto os dois ainda se voltavam para verificar o que acontecia, ele saltou da calçada para o chão, arrastando Amy. Sem tempo para pensar, ele guiou-se apenas pelo instinto: não podia deixar que aquele bibelô precioso fosse ameaçado por um tiro. Slater viu os bandidos da quadrilha de Brody cavalgando em sua direção. Percebeu imediatamente o que pretendiam fazer e teria se posicionado para responder ao ataque se não fosse aquela mulher! Atônita, ela continuava imóvel e não se moveu nem mesmo após o primeiro tiro. Enfurecido com a falta de reação de Victoria, derrubou-a sobre a calçada e só então pôde armar seu rifle.
  • 29. A confusão se generalizou. As pessoas corriam em busca de abrigo e seus gritos se mesclavam ao ruído ensurdecedor do tiroteio. O xerife mal teve tempo de erguer o rifle, pois foi atingido no estômago e caiu na calçada, bem do lado de Victoria. Os cavalos relinchavam e a montaria, sem ocupante, empinava, escoiceando o ar. Finalmente, Brody conseguiu alcançar as rédeas do cavalo destinado a ele e levantou-se, puxando Amy consigo. O instinto predominou sobre a razão quando colocou a jovem sobre a sela, sentando-se atrás dela. Slater conseguiu chegar até perto da esquina e Victoria, percebendo a situação, arrastou-se na mesma direção. O sangue escorria pelo braço dele que, imperturbável, continuou atirando e praguejando sem cessar. Recriminava-se, usando uma linguagem excepcionalmente rude, de não ter previsto aquela armadilha, de se distrair com duas mulheres irresponsáveis. Slater não pretendia deixar que Brody escapasse de suas mãos depois de tantas dificuldades. Quando o prisioneiro ficou em pé para saltar sobre o cavalo, Slater ergueu o rifle, confiante em sua pontaria infalível. Mas Victoria também viu Brody levantar-se, carregando Amy junto com ele. – Não! – O protesto de Victoria soou no mesmo instante em que seu braço empurrou o rifle, desviando-o da direção desejada por Slater. O tiro foi disparado no ar. – Droga! Saia já daqui! Slater tentava afastar a jovem que o impedia de dar o segundo tiro. – Não! Você pode atingir Amy! Enfurecido, ele usou toda a sua força para afastar Victoria, que foi impelida com violência de encontro à parede da delegacia. Mas já era tarde demais. Os cinco cavalos, deixando uma nuvem de poeira atrás de si, chegavam ao fim da rua. Slater ainda atingiu um deles que quase caiu, mas não era Brody. Furioso, jogou o rifle no chão, praguejando com mais raiva. – Oh! Meu Deus! Amy! Temos que ir atrás dela. Slater virou-se para trás, tão fora de si que sequer percebeu o sangue escorrendo do seu braço. – Que diabo você tem na cabeça? É tão louca quanto a outra! Ou quem sabe são as duas amiguinhas de Brody? – Ele se aproximou, descontrolado. – É isso, não! Ela é a mulher daquele bandido e você... por acaso é usada por algum daqueles criminosos ou será
  • 30. por todos? – Não se atreva a repetir! Não ouse... – Victoria procurou engolir a raiva a fim de salvar Amy. – É tudo uma loucura. E você só pode ser louco também! Devia estar galopando atrás daqueles bandidos em vez de ficar me ofendendo. Infelizmente, já percebi que precisarei procurar alguém mais eficiente. Você conseguiu não só perder o prisioneiro como deixá-lo raptar uma jovem inocente. Talvez o xerife... Victoria virou-se para a delegacia e só então viu o corpo caído sobre a calçada, bem perto de onde ela estivera. – Ele foi atingido! Victoria e Slater chegaram juntos ao lado do xerife. Ela rasgou um dos babados da anágua, pressionando o tecido sobre o ferimento. – Não adianta – resmungou Slater após verificar o pulso que cessara de bater. – Ele está morto. – M-morto? – gaguejou Victoria, sentindo o estômago se contrair num espasmo de náusea. Aquela não era a primeira pessoa que via morrer. Perdera a mãe quando tinha doze anos e ficara ao lado dela até o último momento. Há três anos, socorrera um vaqueiro que caíra do cavalo, mas não houve condições de salvá-lo. No entanto, jamais vira alguém ser friamente assassinado e instintivamente pensou em Amy. O corpo do xerife, branco como cera, provocava visões terríveis em sua mente e ela fez um esforço sobre-humano para dominar as náuseas violentas e recuperar o bom senso necessário para salvar a vida da prima. O corpo de Slater, oscilando perigosamente, obrigou Victoria a voltar ao normal. Erguendo-se também, para ajudá-lo a se manter em pé, percebeu que a manga da camisa dele estava molhada. – Deus do céu! É sangue! Você também foi atingido! – Droga! Eu... – Não sabe fazer nada além de praguejar? – interrompeu Victoria, já rasgando outro babado da anágua para fazer o curativo. – Ei! Vá com calma, moça. – Precisa ser bem apertado ou não surtirá nenhum efeito. A hemorragia tem que parar. Quando terminou o curativo de emergência, ela olhou para a rua, pela primeira vez
  • 31. desde aquele encontro fatídico a caminho do correio. Um círculo de curiosos se formara em torno deles, atraídos pelo lado dramático da situação. Todos olhavam com curiosidade para o homem ferido mas pareciam com medo de se aproximar muito. – Só vão ficar olhando como idiotas? – explodiu Victoria, enfurecida com a passividade geral. – Este homem precisa de um médico, ou por acaso ninguém percebeu? As palavras carregadas de raiva romperam a passividade dos observadores que finalmente se aproximaram, curiosos e falantes. – O Luther já foi chamar o doutor – afirmou um rapaz mais desembaraçado. – Está se sentindo bem, moça? – Lógico que sim! Victoria não conseguia entender a pergunta solícita nem a preocupação nos rostos à sua volta porque nem imaginava como estava pálida. Tinha certeza que sua frieza ao tratar de um ferimento seria considerada como um sinal de eficiência e não de choque que, para a maioria das mulheres, seria seguido por uma crise histérica. Estava acostumada a controlar situações críticas, mas esqueceu-se que aquelas pessoas não a. conheciam. – Foi ferido em algum outro lugar? – Até há pouco não percebi nem esse tiro no braço, moça. – Que estranho! – ironizou Victoria. – A maioria das pessoas perceberia quando está sangrando. – Você é dura, não? – Apenas na medida necessária. – Ela o olhou com desprezo. – A maioria das mulheres desta região tem que ser assim... duras e frias! – Duvido que cheguem a seus pés, moça! – Se está insinuando novamente que eu faço parte da quadrilha daquele criminoso, eu... – Não me ameace! Slater tinha falado num momento de raiva pois nunca levara em conta essa possibilidade. Era evidente que a jovem não esperava a chegada dos bandidos, ficando tão surpresa a ponto de nem se proteger dos tiros. Também demonstrara seu pesar diante do corpo do xerife e, mesmo ao tratar com eficiência do seu ferimento, perturbara-se ao ver tanto sangue. Era uma jovem sensata e com a cabeça no lugar e não estava acostumada a violências desse tipo. Se ela fosse da quadrilha, iria insistir para que seguissem os fugitivos? Além disso,
  • 32. tinha uma educação refinada, era polida demais para ser companheira de um fora-da-lei. Não sabia exatamente como defini-la mas sem dúvida não pertencia ao bando de Brody. A multidão crescia à volta deles e um rapaz, bem jovem e nitidamente apavorado, atravessou o círculo de corpos, ajoelhando-se ao lado do ferido. Em sua camisa, brilhava a estrela de ajudante de xerife. Victoria sentiu um desânimo profundo. Aquele garoto medroso jamais seria capaz de liderar um grupo para seguir o bando de Brody. E, para agravar a situação, o único homem com coragem e empenho para fazê-lo estava ferido! Se não partissem imediatamente atrás dos bandidos, a vida de Amy correria perigo. Aliás, Victoria não podia nem pensar na doce e meiga jovem em uma situação tão ameaçadora. A prima tinha horror a qualquer tipo de violência e, logo que viera para a fazenda, estremecia até com vozes muito altas. Ela devia estar apavorada e com razão! Quando não fosse mais útil tê-la ao lado deles, se não a matassem, já teriam destruído sua sanidade mental! Slater percebeu a palidez se intensificar no rosto de Victoria e segurou-lhe o braço com a mão direita. – Vai desmaiar? – Não. Eu não costumo fazer isso. Apesar do tom firme, Slater percebeu um ligeiro tremor nos lábios da moça. Aqueles olhos, imensos e de um azul muito vivido, eram capazes de derreter o coração mais empedernido. Até ele, frio e calculista sentia vontade de tomá-la nos braços para afastar os temores evidentes naquele rosto delicado. Mas a sua reação era pura demência! No espaço de poucos minutos, passara do desejo de agredi-la à vontade urgente de consolá-la. Devia ser efeito da perda de sangue. – Fiquei nervosa porque cheguei a uma conclusão terrível. Você é minha única esperança de encontrar Amy e está ferido. Não poderá persegui-los... – Com os diabos, moça! É claro que posso! Levei apenas um tiro no braço e por sorte foi no esquerdo. Eu atiro com a mão direita, sabia? Antes de Victoria demonstrar sua incredulidade, o médico finalmente chegou. O sr. Bauer, após um rápido exame, fez uma careta de desânimo. – Você aqui outra vez? Parece que não tem muita sorte, não é mesmo? Este caso também é sério porque a bala ainda está no braço dele. Precisaremos ir até o meu
  • 33. consultório. – Droga! – Não adianta reclamar. Vou chamar dois homens para carregarem a maca. – De jeito nenhum! Não sou um inválido para ser levado de maca. Vou andando mesmo! O tiro foi no braço, não nas pernas. – Deixe de agir como um idiota, Slater. Não precisa bancar o herói. – Não é heroísmo. Vão me sacudir tanto que sentirei mais dores do que se estivesse andando. – Bem, talvez tenha razão... se conseguir chegar ao meu consultório sem desmaiar. Slater se levantou, colocando o braço sobre o ombro do médico, que se curvou com o peso. Extremamente pálido, ele mal se mantinha em pé e ficou evidente que não conseguiria ir muito longe. – Eu ajudo – ofereceu-se Victoria. – Pode se apoiar em mim, sou bem forte! – Já tinha percebido, moça – zombou Slater. O consultório do dr. Bauer ficava a três quarteirões da rua principal e Slater foi colocado sobre a precária mesa de operações quase desmaiando de dor. Enquanto o médico preparava-se para retirar a bala, auxiliado por Victoria, Slater voltou a si e viu a jovem na sala. – O que está fazendo aqui? – Ajudando o dr. Bauer. – Por que ele disse que você não tinha muita sorte? – Bem... nós já tínhamos nos encontrado antes. Hoje de manhã, minha prima e eu, acompanhadas pela sra. Childers... – a voz de Victoria faltou por um momento, comovida demais, porém logo recuperou o tom firme. – Nossa dama de companhia caiu ao descer da diligência e quebrou a perna. – Pelo jeito é uma mulher perigosa, atrai o azar! – Como você atrai balas! Slater fechou os olhos para não ver aquela jovem de língua ferina e olhos capazes de prender um homem para sempre. Estava fraco demais para resistir a seus encantos e não queria fazer papel de idiota! O médico aproximou-se deles com um vidro nas mãos. – O que é isso? – perguntou Slater, imediatamente alerta. – Clorofórmio. Assim, não sentirá dor...
  • 34. – Absolutamente não! Recuso-me a ser dopado! – Seja sensato, capitão! Vou ter que procurar a bala em seu braço. Se estiver consciente, a dor será insuportável. – Retiraram uma bala da minha perna, depois da batalha de Shiloh, e o único anestésico à nossa disposição era aguardente de milho. Eu sobrevivi, doutor. Além disso, passo muito mal depois de usar essa droga, fico enjoado por dias e não quero perder tempo. Preciso agir com rapidez. – O que pretende fazer? – Ora! Seguir Sam Brody, é claro! O médico olhou para Victoria, boquiaberto. – Ficou louco, capitão? Levou um tiro, vai precisar de repouso. – Já fui baleado antes, doutor. – Sem dúvida, mas... bem, prometo-lhe que usarei a menor quantidade possível. O dr. Bauer fez um sinal para Victoria que segurou os braços de Slater de encontro à mesa, usando o peso de seu corpo. Com um movimento rápido, o médico encostou a gaze embebida de clorofórmio no nariz do paciente, sufocando seu grito de protesto. Slater piscou e, antes de mergulhar na escuridão, viu o rosto de Victoria, muito próximo, e o brilho incrível daqueles olhos azuis. – Lindos... O médico se apressou em começar a cirurgia e, auxiliado por Victoria, cuja habilidade continuava a surpreendê-lo, logo encontrou a bala. Jogou a cápsula de metal na bacia e sorriu com um ar triunfante. – Conseguimos! Ainda bem que foi rápido. Se o capitão Slater acordasse antes... – Acha que nos mataria, não é? – Bem, ele é meio violento, mas dizem que é um dos melhores! – Dos melhores em quê, doutor? – Como assim? Não sabe que ele é um capitão dos Texas Rangers? Bem, esqueci- me que a jovem não é desta cidade. Ele causou grande comoção aqui em Santa Clara. – Algo relacionado a Sam Brody? – Exatamente, srta. Stafford. Já ouviu falar desse bandido? – É difícil encontrar alguém que não tenha sabido de algo a respeito de Brody. Rouba bancos e diligências, não é? – Isso mesmo. O capitão Slater estava atrás dele há dois anos e o prendeu aqui nesta
  • 35. cidade! O médico parecia disposto a continuar o relato do assunto que trouxera tanta glória para a cidade, mas Victoria queria sair logo dali. Estava ansiosa por ir até a delegacia onde exigiria que tomassem providências para salvar Amy. Suas esperanças desapareceram ao encontrar o rapaz, que se aproximara deles na rua, tomando conta da delegacia e rodeado por dúzia de homens. – Vim saber quais são os planos para a formação de uma patrulha para perseguir os bandidos e resgatar minha prima. – Sinto muito sobre a pobre moça. Faremos o possível para encontrá-la. – Quando? – insistiu Victoria, implacável. – Bem... não é daqui, moça? – Não. Estou a caminho de San Antonio. – Então sugiro que avise o seu parente mais próximo. – É o que pretendo fazer. Só que meu pai levará um dia para chegar até Santa Clara. – Ótimo. Nós não faremos nada mesmo antes de falar com o Ranger. – O capitão Slater? Ele está ferido! – Ele é um dos melhores! Todos nós concordamos que só iremos agir com o auxílio dele. Victoria encarou cada um dos homens presentes e deu um suspiro de desânimo. O xerife estava morto, Slater ferido e aquele rapaz imberbe não tinha capacidade de liderar uma patrulha. Além disso, ninguém ali parecia corajoso o bastante para perseguir um bandido tão temido quanto Brody. Só lhe restava uma saída: teria que resolver tudo sozinha! CAPÍTULO 3 O tiroteio começou antes que Amy se recuperasse da surpresa de ter sido jogada ao chão. Seu espanto quando o desconhecido deitara-se sobre ela foi logo suplantado por um pânico incontrolável. Sempre detestara o som de tiros e a súbita explosão de sons ensurdecedores era idêntica aos seus terríveis pesadelos. Gritos, o relinchar dos cavalos e os estampidos evocaram um terror que a deixou paralisada. Não conseguia nem gritar. Só
  • 36. não perdeu o juízo porque o corpo cálido e forte de Brody a protegia dos perigos à sua volta. Subitamente, sentiu-se desprotegida e exposta a ameaças. Quando ele se afastou, Amy permaneceu imóvel, incapaz de pensar em nada além do medo que a envolvera como um manto de trevas. De pé, Brody era quase um gigante, porém seu tamanho não a assustava. Ressentia-se por ter sido privada da reconfortante proteção daquele corpo sólido. À volta deles reinava o caos. Impulsivamente, Brody agarrou Amy e jogou-a sobre seu cavalo. Em seguida, montou também, sem pensar em seu ato irresponsável. Amy deixou-se levar, atordoada demais para saber o que estava acontecendo. Ela sequer pensou em lutar ou pedir auxílio. Estava confusa e sem forças para afastar as cenas trágicas que surgiam em sua mente. Por um capricho do destino, Amy conseguiu recordar a tragédia de sua infância, por tanto tempo reprimida em sua mente. A situação daquele momento confundia-se com a noite do ataque de índios: o terror do presente trazia de volta o terror do passado! Subitamente, ela era de novo uma criança e ao mesmo tempo mulher. Ouvia os gritos dos comanches intercalarem-se com os brados dos bandidos, encolhia-se num celeiro tomada pelo mesmo pânico que a calava de medo sobre um cavalo em disparada. Os tiros dados por três criaturas desesperadas ecoando na pequena casa de madeira... eram os mesmos soando agora em seus ouvidos? Quando Brody a colocou sentada diante dele sobre o cavalo, Amy escondeu o rosto no peito amplo, tentando abafar os terríveis gritos daquela noite trágica do passado. crispando as mãos na camisa suja do seu raptor, ela sentiu o vento assobiar em seus ouvidos, afastando para longe o barulho do pesadelo. Amy começou a ficar menos tensa, à medida que os sons se tornavam mais longínquos. Agora, apenas uma palavra ou outra se intercalava ao ressoar cadenciado dos cascos sobre o chão de terra. Mesmo assim, ela não se moveu nem soltou a camisa de Brody. Havia algo inexplicavelmente reconfortante em sentir-se protegida por braços fortes, enquanto ouvia as batidas ritmadas de um coração. Então Amy reviveu mais uma de suas poucas lembranças de infância. Era uma manhã como esta e ela cavalgava nos braços de um homem alto, moreno e igualmente vigoroso. Calor, confiança e... amor? Teria sido o pai que a envolvera com sua proteção? O seu pai?
  • 37. Num gesto infantil, Amy aninhou-se nos braços de Brody, em busca de segurança. O pânico já não a deixava irracional e a mente voltava a funcionar, obrigando-a a admitir a realidade. Tinha sido arrancada da proteção de Victoria por um estranho, não sabia nem quem ele era nem o que pretendia fazer com ela! Mesmo para uma época em que a perfeição feminina era representada pela mais pura inocência, Amy podia ser considerada excepcionalmente ingênua. Desde o primeiro dia com a família Stafford, fora protegida das situações mais duras da vida. Para tio Ed, Victoria e para todos os que trabalhavam na fazenda, bem como para os visitantes e amigos mais distantes, ela continuara sendo uma criança frágil e delicada. As pessoas se uniam para evitar que algo rude ou grosseiro a perturbasse. Amy raramente saía de casa. Sua vida se resumia à fazenda e passeios pouco freqüentes a Bennet, o vilarejo mais próximo, portanto jamais encontrara outro tipo de tratamento. Os rapazes não se comportavam mal com ela e, em geral, dançava apenas com os mais velhos que a viam como uma filha, ou uma sobrinha. Os homens não a fitavam com desejo nos olhos, não sorriam com malícia nem se viravam na rua para olhá-la. Era Victoria que atraía esse tipo de atenções, não Amy. No entanto, qualquer jovem criada em uma fazenda logo descobria como nasciam os filhotes de animais. Amy, com toda sua ingenuidade, tentara imaginar como isso acontecia com os seres humanos e tinha perguntado à sra. Doherty sobre o assunto. A governanta a olhara com tanto horror que ela percebeu ter, mais uma vez, feito o comentário errado. Consciente de que suas atitudes eram, por vezes, consideradas bizarras e fora do normal, Amy se calara e nunca mais voltou a fazer esse tipo de perguntas. Ocasionalmente, sentia renascer a curiosidade, mas como aceitara a imagem feita pelos outros de que ela era “diferente”, evitava tocar nesse assunto. Jamais pensaria que esse ato, muito vago e irreal, pudesse ser forçado e não por vontade própria. Por esse motivo, Amy continuava tranqüila e curiosa a respeito das intenções de Brody, enquanto Victoria se desesperava com visões terríveis de estupro e violência. Naquele mesmo instante, Brody também se indagava a respeito de suas intenções. Movido por um impulso irracional, ele tomara uma decisão sem pensar nos resultados. O único pensamento em sua mente tinha sido não perder aquela criatura angelical e a trouxera consigo. Mas agora, ao recuperar o bom senso, percebia a loucura do seu gesto. Ela os faria perder tempo, pois nunca vira alguém tão frágil. Jamais suportaria os
  • 38. rigores de uma jornada dura através da região montanhosa do Texas. Se era loucura arrastar uma mulher através de trilhas rústicas, chegava a ser demência trazer uma jovem contra sua própria vontade. Ela iria chorar, se debater, tentar fugir e implorar para ser libertada. Se fosse esperta, faria de tudo para atrasá-los, deixando pistas claras para indicar o caminho aos homens que viriam salvá-la. Ah! E eles viriam como cães raivosos! Noivo, pai, irmãos ou tios, homem algum suportaria a perda de uma de suas mulheres. Chegariam sedentos de vingança pois xerifes ou até mesmo os Rangers não teriam igual tenacidade ou a mesma ânsia de derramar sangue que obcecava os familiares de uma jovem raptada. E, se por acaso, ela não tivesse homens em sua família, os habitantes do vilarejo se reuniriam para salvar a donzela em apuros. Brody considerava-se um homem astuto e sabia que a melhor saída para evitar a perseguição implacável seria deixá-la à beira da estrada, onde o grupo de perseguidores a encontraria. Desse modo, obrigaria o destacamento a perder algum tempo e, acima de tudo, dividir-se, pois seria preciso levar a jovem de volta à Santa Clara. Ele faria isso... se fosse esperto. Mas nenhum raciocínio frio e lógico tinha chances de sobrepujar a sensação de paz em seu coração. Aconchegada de encontro ao seu peito, ela parecia jamais ter saído dali e as mãos agarradas em sua camisa não estavam mais crispadas de medo. Por motivos incompreensíveis, a jovem agia como se o conhecesse há muito tempo e sempre tivesse sido sua. Brody apertou-a com mais firmeza. Ela realmente era sua e Ranger algum conseguiria separá-los. Talvez estivesse morto na semana seguinte, mas sempre existia uma chance de escapar. Durante o tempo que lhe fosse concedido, teria em seus braços aquela princesa de conto de fadas! Sua possessividade era tanta que não queria sequer colocá-la no outro cavalo. Landers fora atingido e caíra pouco depois da saída do vilarejo, mas Purdon conseguira agarrar as rédeas do cavalo. Havia portanto uma montaria livre e descansada; não dividir o peso suportado por seu animal seria insensatez e trazia riscos desnecessários. A pausa determinada por Brody foi recebida com entusiasmo por seus homens. Não tinham interrompido o galope desde que saíram de Santa Clara havia quase duas horas. – Vou colocá-la no chão – murmurou ele no ouvido de Amy. A sensação de irrealidade persistia em sua mente e pareceu-lhe ver uma ligeira relutância por parte da
  • 39. jovem em afastar-se dele. No chão, Amy olhou à sua volta e sentiu medo dos homens que a fitavam. Pela primeira vez desde o tiroteio percebia a existência de um perigo indefinido, mas real. Assustada, aproximou-se de Brody, em busca de proteção. Ele não a ameaçava. Vira, no primeiro olhar, a criatura escondida atrás do criminoso de aparência feroz. Sentiu uma piedade intensa, seguida por uma sensação de segurança e paz. Sempre houvera alguém para protegê-la dos perigos. Confiante, entregara-se à proteção do homem que colocara o próprio corpo, como escudo diante das balas, para defendê-la. – Ei, Brody! Você sempre pensa em tudo, não? Conseguiu um jeito de escapar e ainda lembrou de trazer a dona para nos divertir! O olhar do homem que a fitava com um sorriso maldoso era assustados. Amy estremeceu e colou-se mais a Brody. – Ela é minha. A voz do chefe da quadrilha não deixava dúvidas quanto à sua determinação. Homens da lei ou bandidos não ousariam contradizê-lo. – Ouviu bem o que eu disse, Purdon? – Sim, lógico que sim! Só estava brincando. – Então não brinque mais. Brody percebeu o ódio nos olhos de Purdon ao ser humilhado diante de todos. Geralmente, evitava esse tipo de repreensão e talvez fosse essa atitude a razão do sucesso de sua liderança. Mas uma fúria incontrolável o invadira ao notar o interesse nos olhares de seus comparsas. Percebeu que mataria, sem hesitação, o insensato que ousasse tocá-la! Purdon foi obrigado a engolir o ódio e forçar um sorriso. Não era idiota a ponto de enfrentar o chefe frente a frente. Mais tranqüilo, Brody aproximou-se de um rapaz, o mais jovem deles, que fora ferido no ombro. – A bala ainda está aí, Jim? – Não. Por sorte atravessou sem quebrar nenhum osso, eu acho... O curativo no ombro de Jim foi feito com a maior rapidez. Não tinham tempo a perder e ainda era preciso tirar as algemas de Brody. Como não havia ferramentas disponíveis, o único modo de deixá-lo mais livre era romper a corrente que as unia com um tiro.
  • 40. Amy fechou os olhos, apavorada. Não só temia pela vida de Brody como sentia um pavor indefinível de ser deixada sem a proteção dele à mercê daqueles homens. Abriu-os novamente após o tiro e respirou aliviada. – Você vai conosco – disse Brody, sem dar maiores explicações. Ela acenou afirmativamente, também sem demonstrar medo ou surpresa. Não tinha pensado em outra possibilidade, pois, sem um cavalo, água e comida, morreria em pouco tempo. Já não seguiam mais a estrada há horas e nem suspeitava de onde poderia estar. Só Victoria conseguirira encontrar o caminho de volta, ela numa se orientaria em uma região desconhecida. Brody viu os olhos muito azuis que o fitavam confiantes. O cabelo caía em mechas ao redor do rosto sereno e brilhavam como fio de prata. O desejo irresistível de tocá-los impeliu a mão dele que, involutariamente, afagou a cabeleira revolta e com a maciez da seda mais pura. Só a presença de seus homens, observando-lhe os movimentos, o impediu de beijá-la. Amy reconheceu o desejo nos olhos de Brody e estremeceu. Ela jamais fora vista como mulher até aquele momento. Um calor invadiu seus corpo: era uma emoção um pouco assustadora, muita nova e inesperadamente excitante. – Vou colocá-la no cavalo de Frank. – A voz de Brody traía seu desejo, mas ele se forçou a prosseguir: – Esqueci-me de perguntar mas... sabe montar, não? – Oh! É claro! Ela percebeu a dúvida nos olhos de Brody. Não acreditava que uma jovem tivesse condições de cavalgar como se fosse um homem. Mas como poderia saber a verdade, se não conhecia Victoria? Acariciando o focinho do cavalo, Amy murmurava suavemente palavras sem sentido. Ao perceber que Brody a seguira até o animal, voltou-se para ele com um sorriso meigo. – Qual o nome dele? – De quem? – Ora! Do cavalo! Totalmente surpreso, Brody não respondeu. Como alguém poderia pensar no nome de um animal justamente naquela hora? Precisavam continuar fugindo ou o Ranger os alcançaria. Mas a doçura daquela voz o impedia de censurá-la, só conseguia sorrir também, deixando vir à tona uma emoção desconhecida e infinitamente agradável.
  • 41. – Bem... não sei. Provavelmente, não tem nome. – Que tolice! Tudo tem nome, as coisas, as pessoas, os animais, é claro! Se você não lembra, vou pensar em um, está bem? – É... sim... lógico. Brody nem sequer imaginara que pudesse existir uma inocência tão cativante e, ao mesmo tempo, tão perturbadora. O rosto erguido para ele o convidava a cobri-lo de beijos. Mas, consciente do tempo que perdiam e da atenção maliciosa dos homens, e apenas tocou a pele suave do queixo delicado, sem ousar roçar, mesmo levemente, os lábios aveludados como um botão de rosa. A voz de Amy chegou aos seus ouvidos quando ele recuou, temendo perder o controle. – Ei! Eu preciso de ajuda para montar! – O quê? – Ele a fitou sem entender. – Coloque as mãos para eu poder subir. Não está acostumado a ajudar garotas sem jeito como eu, não é? – Desculpe, eu esqueci. Brody viu-a subir agilmente no cavalo de Landers e segurar as rédeas como alguém realmente acostumado a cavalgar. Só temia que ela estivesse habituada a montarias dóceis e fáceis de manejar. Mas, se surgisse qualquer problema, ele a colocaria de volta em sua sela e iriam trocando de cavalos para não exaurir nenhum dos dois. O sinal de partida foi dado e Amy, logo atrás de Brody, acompanhou o ritmo forçado daquela fuga desesperada, sem se queixar uma única vez. Pelo menos, uma das poucas qualidades que julgava possuir era a de ser uma excelente cavaleira! A providência mais urgente a ser tomada era enviar um telegrama para Ed Stafford. Só depois de fazê-lo, Victoria parou para decidir qual seria seu próximo passo. Como já dissera aos homens na delegacia, seria um desperdício de tempo esperar pela chegada do pai. Tinha de agir e imediatamente! Seu grande dilema consistia em saber qual a providência a tomar. Havia a opção de cavalgar até Austin, onde encontraria homens corajosos que contrataria para perseguir o bando de Brody. O problema principal, porém, persistia: perderia horas valiosas e irrecuperáveis! A solução mais sensata talvez fosse partir sozinha atrás dos bandidos que tinham
  • 42. raptado Amy! Victoria não alimentava dúvidas sobre sua capacidade de cavalgar dia e noite, sem repouso, nem a respeito da sua pontaria infalível. No entanto, jamais havia atirado em um ser humano antes e temia uma reação inesperada diante do que considerava assassinato a sangue-frio. Além disso, tinha pouca prática em seguir rastros. Mas que chances teria uma mulher contra os cinco bandidos que vira deixando Santa Clara? E se o grupo fosse ainda maior e se reunira fora do vilarejo? Em todo caso, não lhe estava outra opção a não ser correr em socorro de Amy. Não podia esquecer que havia Slater. Ele jurara que iria perseguir Brody tão logo se levantasse da mesa de operação. Estaria falando sério? E, o mais preocupante, teria condições de fazê-lo? Depois de perder tanto sangue e ainda com dor, conseguiria realmente partir atrás dos bandidos? Slater era um homem vigoroso e forte, mas sua teimosia suplantaria qualquer outra qualidade. Afinal, sendo um dos famosos Texas Rangers, devia ter experiência, coragem e perseverança. Os Rangers eram considerados implacáveis, nunca admitiam a derrota! Enfim, só existia um homem em condições de ajudá-la: Slater. Mesmo em condições físicas precárias, seria mais eficiente do que aqueles incompetentes da delegacia e menos suscetível do que uma mulher sozinha. Ele teria condições de liderar a patrulha apesar de ferido. Como Slater ainda demoraria algumas horas até se recuperar dos efeitos causados pelo clorofórmio, Victoria apressou-se em tomar algumas providências urgentes. Se aquele homem ia partir de Santa Clara sozinho ou liderando a patrulha, ela pretendia estar bem ao lado dele! Sua primeira visita foi à cocheira da cidade, onde havia apenas um cavalo com as qualidades necessárias para suportar uma viagem dura e de marcha forçada. Após pechinchar com o dono do animal, que pediu um preço exorbitante, Victoria comprou o alazão, além de uma sela e arreios. Essa aquisição quase esgotou a quantia que o pai havia lhe dado para passar o mês em San Antonio. Sobrou muito pouco, mas conseguiu comprar um saco de dormir e mantimentos. Ainda precisava de um rifle, pois o seu revólver era pequeno demais, de curto alcance, e Victoria vivera muito tempo em uma fazenda para confiar numa arma leve. Queria estar bem equipada durante a perseguição a Brody! Finalmente, ela retomou ao hotel, onde encontrou a sra. Childers em pânico e à
  • 43. beira da histeria com a demora das duas jovens. Como era de esperar, a revelação do terrível incidente contribuiu para aumentar seu descontrole. Enquanto ouvia os lamentos e auto censuras da dama de companhia que se debatia em dúvidas cruéis sobre como salvar a pobre Amy, Victoria arrumou a mochila onde levaria os revólveres, uma muda de roupa e as imprescindíveis munições. Só precisava agora vestir a tão criticada saia de montaria. Revirando os baús, Victoria procurou uma blusa, sem se preocupar com a desordem que causava. Queria encontrar a camisa azul royal que complementava com perfeição o tom vívido de seus olhos. Ao perceber a direção de seus pensamentos, ela parou, chocada com a atitude vaidosa e tão reprovável num momento de perigo. Como podia estar preocupada com artifícios femininos de sedução quando a situação exigia ação? Precisava ser racional, competente e dura como um homem, pois Slater não aceitaria sua presença com facilidade. Teria que provar seu valor ou ele pensaria que, por ser mulher, colocaria em perigo a missão de capturar Brody. Victoria decidiu então continuar com o vestido marrom e severo que lhe dava uma aparência puritana. Antes de se trocar, iria até o consultório do dr. Bauer certificar-se de que acompanharia Slater. Uma pequena multidão de desocupados reunira-se diante da casa do médico. Victoria teve medo que o dr. Bauer não a atendesse, considerando-a mais uma curiosa. Mas, contrariando suas suspeitas, ele a recebeu com um sorriso. – Veio ver o nosso paciente? – perguntou, tratando-a como se fosse sua assistente. – Bem, espero que tenha mais sucesso... – Ele já voltou a si? – Ah! Voltou mesmo! – O velho doutor fez uma careta. – Aliás, perguntou sobre você. Victoria não precisava de maiores esclarecimentos para saber que Slater não devia ter dito uma única palavra favorável a seu respeito. A antipatia fora recíproca e nascera no primeiro instante em que se viram. – Ótimo, doutor. Tenho alguns assuntos importantes a discutir com o seu paciente. Na saleta do consultório, Slater estava em pé, embora se apoiasse com o braço são na parede. Apesar de bronzeado, a pele parecia opaca e sem vida. Ao perceber a chegada de Victoria, sua expressão contrariada se acentuou ainda mais. – Você outra vez?
  • 44. – Dispenso uma recepção tão calorosa! – replicou ela, sem se abater. – Vejo que já se levantou. – Que jovem perspicaz! – O tom de voz revelava toda a irritação de Slater. – Levantei-me e quase virei do avesso por causa daquela droga infernal que você e o doutor me forçaram a cheirar! – Realmente, eu esperava por agradecimentos efusivos. Afinal, salvamos sua vida. – É inacreditável! – rosnou Slater, segurando a cabeça entre as mãos. – Você e Bauer estão agindo como se um tiro no braço me colocasse com um pé na cova! Não salvou a minha vida, moça, ponha isso na sua cabeça dura. Apenas fez um curativo e ajudou aquele curandeiro a transformar meus miolos num mingau de aveia. Isso se eu não contar a favor de vocês a mais pavorosa dor de cabeça que já senti na vida! Victoria cerrou os dentes de raiva, forçando-se a não reagir diante daquelas palavras ofensivas. Precisava desesperadamente da ajuda de Slater e não queria tornar a situação insustentável entre eles. Estava tratando com um homem grosseiro e ingrato mas iria ouvi-lo sem responder, ignorando os comentários ferinos e concentrando-se apenas em seu objetivo. – Estava falando sério quando afirmou que iria perseguir Brody o mais rápido possível? – Claro! – É evidente que nosso paciente perdeu o juízo, srta. Stafford. – A voz do dr. Bauer, vinda da porta da saleta, revelava incredulidade. – Cansei de repetir que ele não pode sair da mesa de operações e pular em cima de um cavalo. O pessoal da cidade está tomando providências para reunir um destacamento armado. – É, já me disse mesmo – resmungou Slater com desprezo. – Justamente por isso, percebi que preciso sair daqui antes que esses idiotas consigam apagar todas as pistas do caminho seguido por Brody. – Ele tem razão, doutor – interferiu Victoria. – Fui conversar com o xerife e o encontrei com alguns homens que farão parte dessa patrulha. Nenhum deles tem competência para chegar perto, quanto mais para capturar um bando de criminosos como esse. A surpresa de Slater foi nítida e ele cumprimentou-a com um aceno de cabeça e um sorriso irônico. – A senhorita não pode estar falando sério – reclamou o médico, revoltado. – Este