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- O ASSASSINATO DA RUA 21 -
Caro leitor, me abdico de todas as circunstâncias alheias para lhe relatar de
forma precisa os fatos que me ocorreram naquela manhã. Juro solenemente a
bandeira que todos os relatos contidos aqui, tanto de minha parte, como de
terceiros é verdadeiro. Sendo excluído qualquer tipo de sentimento ou avaria que
meu coração tomara parte. Estamos fiel amigo em uma Paris Pós-guerra, em
plena ascensão de classes, e continuo relatando meus fatos de pesquisa e
investigação alheio a tais circunstâncias, me utilizando de pequenas histórias
para lhe conquistar. Infelizmente por alguns infortúnios ao final dessa história você
vai se decepcionar, toda sua confiança e seu tempo foram colocadas a prova
em tal leitura, e não superei aquilo que fora imaginado. Entenda que vivemos
uma época difíceis, a anarquia pós guerra não seria escrita em livros de história,
todos achavam que a ferida ali deixada seria apagada com o tempo pelo amor.
Todavia estamos prestes a ler relatos que comprovam que a raça humana ainda
caminhava a passos lentos em meio a barro de onde viera. Os caminhos todos
pareciam levar para outra guerra, as pessoas pouco instruídas por tal foram
desenvolvendo suas próprias guerras internas. Em meio a bombardeios,
massacres, bombas, todos nós, homens, mulheres falhos, buscamos uma centelha
de esperança para a humanidade. Num ato generosamente egoísta meu amigo,
a única coisa que a maioria de nós buscávamos era a cura para nossa tenra
insanidade!
PARTE I
Apresentar-lhe ei Sir Percival, todas as indagações e acusações que me levam a
ter a absoluta certeza que o assassinato da rua vinte e um fora cometido por
madame L.Folkman. A mulher de cabelos curtos e já esbranquiçados, já fora uma
exímia joalheira na região, sendo conhecida pela pureza de seus cristais,
conquistando ora o insano e duvidoso gosto do rei. Sua fama se estendeu até o
oriente, trazendo ao país, velhos loucos árabes procurando joias milenares, que
deverás foram creditadas como mágicas. As amostragens que trago aqui dizem
respeito ao sumiço da senhora de sua residencia no momento do mártir, e uma
busca da mesma por um álibi falso, segundo o que relatava o garoto John, dono
da mercearia de frutas no final da rua, a qual ela solicitou ajuda para mentir sob
seu paradeiro.
O jovem era conhecido pelas belas maçãs que colocara a disposição da
população francesa, tortas, bolinhos e croassaint eram a especialidade da casa.
O comércio estava de portas abertas as seis do amanhecer e fechava as oito,
logo quando as luzes da cidade eram ligadas dando início a noite.
- Madame Folkman veio até a venda me pedir uma ajuda, era domingo e
estávamos fechando. Havíamos eu e Griselda a cozinheira no local. Segundo ela,
precisaria que eu desse um relato a polícia da cidade, relatando estar presente
da senhora na quarta feira anterior daquela semana, naquele mesmo horário,
servindo a ela um pequeno pedaço de torta cremosa. - O relato do garoto
seguiu por mais algumas horas, o sono já me abatia naquele momento enquanto
outro delegado de polícia tomava nota dos pontos mais importantes. Revelando
a todos nós que as intenções de revelar os motivos da senhora tê-lo procurado foi
pelo medo de causar-lhe represálias por meio da polícia para seu comércio, e
pela tenra nacionalidade em seu peito o garoto decidira seguir o lado correto.
Eu, nomeado pela corte principal da segunda vara francesa, fui designado por
meio desta carta para relatar todas as informações que constavam nas cenas do
crime e que se seguiram posteriormente.
Tudo que se segue na carta abaixo fora coletado das cenas observadas pela
polícia, sendo condensados relatos de investigação e pesquisa com possíveis
observadores que moram ali por perto, ou mesmo passavam curiosos na região.
As nove horas da noite, horário oficial da capital, foram relatados gritos, descritos como
gritos assustados de um homem, na rua vinte e um. Os gritos se iniciaram e duraram cerca
de cinco minutos, cessando portanto as nove e cinco da mesma noite. Ao se acomodar na
janela para ver tal situação o morador da casa número cinco, localizada no pico dos gritos
se colocou a rua, prontamente chamando a polícia ao notar o horror relatado da seguinte
forma:
- Um homem grande, que cobria quase metade da rua estava caindo no chão, em meio a
uma poça extensa de sangue, que manchava sua roupa e naquele momento já descera para
os cantos da rua. - Fim do relato.
A polícia chegou ao local após exatos doze minutos após a ligação do morador e deram
início as buscas na região. Alguns ainda ficaram próximos a vítima para procederem da
forma correta com as investigações de possíveis itens deixados no local. Cheguei na região
e precisei atravessar um aglomerado de pessoas curiosas para com o assassinato. Após
passar por cerca de vinte pessoas me deparei com um corpo já tampado, a mancha de
sangue quase que tomando a rua e se dissipando por meio dela. As investigações se
seguiram por toda a noite, com lanternas para que a escuridão fosse cessada. Era verão e
não chovia. Foram encontrados poucos itens no local, com a vítima foi encontrado um
documento de imigração, mencionando sua origem árabe, provavelmente um interessado
pelas pedras mágicas da região, ou ainda em busca de novas riquezas no continente velho.
Foi encontrado junto ao homem uma chave e uma quantia considerável de dinheiro. Foi
encontrado embaixo do seu corpo, próximo a perfuração causada por uma pequena faca
envenenada um pequeno laço em fita de cor vermelha, já completamente manchado com o
sangue do homem. Tomei-me por desinteressado ao analisar a fita, colocando-a em um
pequeno saquinho para posterior verificação. O relato a seguir vem do legista que
investigou o corpo, após o mesmo chegar ao centro de corpos da universidade local as duas
horas da manhã da quinta-feira:
- O homem chegará em minha sala enclausurado por um saco negro, que tapava todo seu
corpo e rosto. O homem estava nu, era corpulento e de uma cor caramelizada, típica da sua
região. Ele conservava em seu rosto uma barba já grisalha e tremenda. Em seu abdômen,
três centímetros para a esquerda do umbigo havia um buraco de 3 polegadas de diâmetro, e
em sua volta pequenas cascas de coágulo escuro se formaram. Em volta da pequena cratera
era possível notar várias veias escuras, e pequenos pedaços de carne amassada, destacando
a agressividade do assassino, e fora também observado e anotado, o veneno presente na
arma. A faca estivera repleta de Ricina, um veneno natural retirado de pequenas mamonas
e usado para assassinatos, mas apenas bons conhecedores poderiam conseguir tal,
informando o médico que na cidade apenas um lugar seria passível de sua venda sob
prescrição. - Os relatos continuavam mencionando outras escoriações e como o
envenenamento tomara conta do corpo. Outra informação importante era que a morte fora
causada apenas pela facada, o envenenamento causou um pequeno distúrbio nos órgãos do
homem, mas o mesmo já se encontrava morto até aquele momento.
Quero dizer que minhas decisões como procurador são desprovidas de qualquer emoção ou
amor por algum argumento acima descritos, sendo apenas pura investigação dos relatos
em meio a pouca quantidade de relatos e provas.
Fim dos relatos -
Victorine Maxine Francis La Benvenue
Se passara sete dias após a exumação do corpo e do assassinato, a rua
continuava com o medo instaurado de novas mortes ou gritos incessantes. Alguns
moradores mais empoçados acabaram por se mudar da região, e a rua se
tornou deverás deserta. À aqueles que restavam a rua ainda parecia pacífica. A
procura pelo assassino ainda continuava, mas a comoção antes existente,
passada em jornais, acabara em meio a novas notícias de assassinatos em toda a
região central. A guerra havia trazido mortes, as pessoas acabaram por se
acostumar com tais relatos. A medida que me ocupava em intermináveis
investigações, quando usava meu pouco tempo para encher meus pulmões de
ar puro, pensava naquele pequeno laço vermelho de duas pontas que recolhi.
Por uma coincidência tentadora, avistei na rua vinte um a tão famigerada loja de
joias mágicas, a qual nunca havia entrado pelo meu pouco interesse em
comprar pedras preciosas. A entrada era representada por dois pequenos painéis
de vidro que mostravam afronta na rua já pacífica as pedras brilhantes, colares,
ouro. Uma porta dava entrada ao pequeno cômodo que cheirava a riquezas.
Sentada atrás de um grande balcão só era possível ver uma grande juba em
meio a cabelos avermelhados e brancos. Fitei desapercebido um pequeno colar
de ouro a direita. A loja ficava no centro da rua, cerca de vinte metros após o
local da morte. O único motivo do esquecimento do local para com a
investigação fora estar fechado por longas semanas, e estar abrindo novamente
naquele fatídico dia. Resmungando em uma golfada de saliva a mulher
perguntara minhas intenções. Seus olhos eram marejados, e pareciam que pela
idade estavam sempre prontos a cair. Ela descansara suas mãos sob o balcão,
que continham folhas enfileiradas em cinco, de cor amarelada, com valores de
uma nova leva de liquidação. Em cima dos papéis jaziam preços pelas riquezas
procuradas por toda a Paris. Uma chuva fina começou a cair do lado de fora e
prontamente a senhora se levantou e correu para o fundo, o que escutei foram
janelas se fechando e passos largos para voltar a me atender. Até agora
nenhuma palavra havia sido dita, e meu sentimento de julgamento estava a mil.
Um misto de surpresa e alívio por saber que ela ainda se encontrava viva na
cadeira. As camadas de dúvida me tomavam a cabeça e uma súbita vontade
de adquirir uma das pedras me abateu. Talvez a escrivã, Antoinette gostaria de
receber um pequeno presente pelos bons trabalhos. Eu não saberia lhe explicar
minha tamanha vontade de comprar algo pelo que nunca me interessei, talvez
eu pensara em subornar a velha senhora em troca de mais informações sobre sua
rua, mesmo que aquilo não lhe fosse demonstrado de prontidão. Pedi para que a
senhora embalasse o pequeno cordão de ouro que me chamara atenção ao
entrar no local. Ela o localizou, embalou em um pequeno saco de pano com
escritas que diziam – Joalheira Folkman & Filhos – Em pequenas letras garrafais
bordadas em vermelho. Logo a senhora me trouxe um espanto facilmente visto
em meu olhar. Em sua mão direita, o que cobria o produto e o amarrava, uma
fita enlaceada, de um vermelho muito vivo, agora mais distinguível por não ser
manchado e peças de sangue e coágulo. Em uma pequena síntese que fiz
naquele momento, nunca imaginei que todas aquelas marcas, ou até mesmo a
facada poderiam vir de braços tão magros e cansados. Mas talvez a velha
poderia tê-lo organizado, contratando alguém profissional para tal.
Seria de grande importância não mencionar nenhum fato sobre o assassinato ali
agora, a senhora distorceria qualquer tipo de informação, fazendo com que eu
me envolva em suas ideias mentirosas. Não havia dúvida, a senhora havia
assassinado o senhor, talvez lhe deixando um recado com a fita, ou apenas a
deixando cair por uma fração de atenção perdida. Nas primeiras horas da
madrugada a chuva começou a cair. Eu estava como a um fantasma nas ruas,
andando sob o calçadão antes manchado da rua vinte um. Não havia um
humano por perto, apenas cães que latiam sem volume. Um dos postes, o mais
alto começou a pulsar, sua luz ia e vinha com tanta velocidade que nem parecia
pulsar em muitos momentos. Virei a rua, passando pelo comércio do jovem John,
sentindo o extrato de maçã comum nas terças feiras quando novas frutas
chegavam ao local. Ao passar por lá me dirigi a joalheria, com os músculos já
cansados e a roupa já encharcada pensei em me recolher. Uma luz bruxuleante
decaia sob a janela acima do local. Ali parecia ser a casa da nobre donzela a
pouco tão atenciosa, a muito tão assassina. Criei em minha cabeça todo um
cenário de maldade para com o coração da pequena senhora, me tomando
por todo um mal-estar repentino, senti meu coração pesado por julgar alguém
tão quebrável.
“os demônios não fazem amigos, apenas firmam contratos”, um velho amigo
sempre me dissera que até as melhores pessoas com as melhores propostas
podiam ser entendidas de má forma. Voltei pra casa.
Em uma hora muito propícia do dia seguinte, foram capturados dois homens. Dois
russos Lif e Hif, barbudos, moradores de um dos circos ali próximo assentados. Era
óbvio que os dois eram desprovidos de ações julgadas como inteligentes, e
apenas sua força motriz lhes traria certa evolução sob a humanidade. Salin, um
jovem argelino agora dizia ser uma testemunha do assassinato. Resolvera se
esconder durante alguns dias para “enganar” os possíveis malfeitores do pobre
ancião. Ainda que anonimamente ele surpreendeu a todos nós com seu relato.
Então, o homem dizia, abanando as mãos como a quem espanta um inseto.
Começara a falar em tons franceses já antigos. Foi dado ao rapaz um pequeno papel
para que demonstrasse melhor como seriam os assassinos e o momento do
assassinato.
O Homem parecia desenhar todas as situações com destreza incrivelmente
detalhada. Parecia se compromissar a terminar aquilo e finalmente colocar dois
brutos atrás das grades. O caminho de Salin se iniciou segundo ele ao anoitecer,
quando o mesmo convidou uma companheira a assistir um espetáculo do circo novo
na cidade. Personagens como anões, palhaços, trapezistas eram costumeiros na
cidade, mas foi algo totalmente diferente, algo exótico, fora das ruas de Paris, e
dentro de lonas avermelhadas. Resumindo a história, o homem levou sua
companheira a residência, localizada a duas quadras da rua vinte e um. O homem
contava seus passos, se equilibrando em meio calçadas a pouco concertadas do
subúrbio parisiense. Um grito estalou sob os pequenos prédios. O homem se pôs a
corrida, alcançando o barulho, quando notará um homem usando roupas compridas
e brancas caindo no chão. Em sua garganta mãos seguravam o pescoço do pobre
homem, derrubando-o devagar. Um outro homem de mesma estatura segurava uma
faca próxima ao velho. Quando os dois brutamontes viram o aproximar do garoto,
se colocaram a correr, correram e correram, até que foram apagados pela neblina da
cidade.
Fim dos relatos-
Salin Abdu Al Kalen -
Todas as dúvidas daquela investigação ainda não definida estavam respondidas.
Uma batalha na escuridão havia sido vencida, e os dois irmãos presos. Mas a
única coisa que eu conseguiria imaginar, era como aquilo tinha sido feito, não
faria nenhum sentido, o homem deixara na cena do crime todo o dinheiro do
assassinado? Por qual motivo um circo russo teria conflito com um popular árabe?
Havia em minha cabeça questionamentos criados no primeiro dia de assassinato,
e pela falta de provas não consegui responder de forma exata. Vencido pelo
cansaço retornei das ruas para casa, aumentando a inquietação em minha
alma. Algo me dizia que eu havia encontrado o assassino, mas a falta de provas
deveria refutar minhas teorias. Deveria ao invés de questionar a única pista
existente e conhecida do caso – A fita recuperada agora estava escondia em
minha casa – e tentar buscar soluções para aquele mistério. Caminhei para casa,
longe da rua vinte e um, a qual me trazia um grande mal. O frio era estonteante,
esfregava minhas mãos uma a outra para com alguma esperança esquentá-las.
De meus lábios saiam pulsos de ar quente, em passos largos consegui chegar,
imaginando a lareira quente ali bem próxima.
Dormi.
Em meus sonhos senti um pequeno desconforto. Eu estava frente a um bueiro,
grande. A rua era escura e os detalhes rígidos da rua eram apresentados pela luz
do luar que refletia nos pequenos ladrilhos. No canto da rua haviam duas
pequenas valas que transportavam uma correnteza forte, mas a água não se
encontrava límpida. Era de uma sujeira tamanha, seu cheiro moribundo me fizera
enojar. Sangue corria em meio aquela vala, ela se assemelhava as veias que
corriam em mim. De repente em meio aquela chuva fina, dois homens
corpulentos saíram do negro. Eram carecas por natureza, dois russos grandalhões,
se ajoelharam em minha frente, balbuciando palavras desconhecidas. Em meio a
gritos de pavor, eles seguravam minhas roupas na tentativa de rasgá-las em um
pedido aparente de socorro. Virei e me coloquei a correr em meio as pedras
escorregadias, os homens se levantaram e me perseguiram, agora gritando
palavras de terror, pedindo ajuda em um dialeto russo que eu pouco havia
escutado, até que cai, e eles se aproximaram, se ajoelharam e me olharam.
Foi quando acordei.
#CASE 41 – CLOSED#
PARTE II
A inquietação era minha. Pensei em não contar a ninguém que iria começar a
investigar a senhora sozinho. Eu sempre procurava investigar e nunca me
contentava com as facilidades. Reservei uma pequena parte de minhas
economias para que eu pudesse me acolher ainda mais aos meus pensamentos.
Olhei pelo espelho de meu banheiro, acabara de alugar um pequeno dormitório
na rua 21. Meu olhar era seco e negro. Minha boca agora murcha e meus lábios
rachados em tamanha heresia. Eu havia me tornado um psicopata e não
aceitava tal julgamento. A maioria de meus colegas me imaginavam como um
pobre louco ao qual um simples caso foi tomado. Todos os dias quando o relógio
tocava o ponteiro das nove, eu fitava corrompido a janela, aguardando alguma
vítima, algum sinal de abate, algum grito de natureza malévola, tudo para que
eu pudesse saciar minha fome natural de resolver aquele assassinato. Sublime,
puramente divino, uma luz tenebrosa saia das pequenas lâmpadas em toda a
rua. Haviam doze dias que eu prosseguia tal ritual, pontualmente, mortalmente
esperando sangue e morte. Em uma mão eu segurava o laço ensanguentado.
Sangue seco ainda permanecia em suas pontas. Na outra mão eu amarrará a
fita nova, seca, sem nenhuma mancha. Meus lábios se moldavam aguardando
que uma pequena senhora passasse por ali para mostrar a mim mesmo que
minha sanidade era baseada em realidade. Nunca acontecia, parecia que os
olhos das ruas sussurravam aos espreitadores – HEY HEY, temos um investigador
nas janelas – Diziam as bocas.
Precisei criar uma cidade imaginária em minha mesa, detalhando-a com prédios,
ruas, bueiros, me tornará um louco psicótico. Quando de um sussurro, fui levado a
janela novamente. Atrás de uma neblina densa, que aparecera de repente sob
os ladrilhos. Poças de água de uma chuva fina que passara por ali, um barulho
de salto de madeira tocava-lhe o chão, e eu a escutava com pleno amor. Eu
babava, apertava as fitas em minhas mãos esperando que fosse a velha
vendedora de pedras mágicas. Gritos em minha cabeça – LOUCO! LOUCO!
PRENDAM ESSA LOUCO! LIBEREM OS ASSASSINOS PARA PRENDEREM O HEREGE! -
Desci a escadaria que levava o dormitório a rua, com pressa segurando nas
paredes úmidas e já descascadas de uma velha paris.
Ao abrir a porta pisei diretamente em uma poça funda, molhando meus pés
descalços em tamanha obsessão. O interior de minhas calças se molhara, a
neblina apertava meus pés como a um cinto segurando a ceroulas de um velho.
A luz sob minha cabeça agora piscava, e o frio ainda mais forte me
desconcertava. As duas fitas estavam um pouco frouxas, e eu senti um toque em
minhas costas, o frio. O barulho do salto se dissipou, dando lugar ao vento que
reproduzia cantigas belas como a uma ópera. Minha sanidade havia se esvaído,
retomei minha consciência e percebera que meus pés descalços iriam me
parabenizar com uma bela pneumonia. Pensei por um momento que poderia ser
um pobre vendedor, ou alguma prostituta perdida por ali, mais provável um
bêbado parisiense que tomara mais vinho que o esperado em uma noite de
quarta-feira. Eu, antes assustado poderia ter me tornado algo assustador para
aquele que passava na rua vinte e um. Ao me virar, meus olhos se transformaram
em pequenos murmúrios, minhas pupilas dilataram em um reflexo. Eu a vira, mas
não consegui distinguir tal situação. Seus cabelos eram os mesmos, mas seu rosto
era de uma escuridão gigante. Olhei aquela mulher, e não conseguia ver o seu
rosto, era bestial. A única coisa que consegui ver foi um grande buraco negro, e
sua imensidão não tinha fim. Dos cantos de seu rosto eu conseguia ver pequenos
pedaços brilhantes, e consegui entender que eram pérolas, diamantes, rubis e
ouro, dependurados em meio ao escuro. Aquela imensidão me entristeceu, me
enlouqueceu, sabia eu que mesmo saindo vivo dali, tudo seria diferente daqui
pra frente.
Coloquei minhas mãos frente a meu abdômen, mas já se tornará tarde demais, a
pequena faca banhada de veneno já havia me perfurado. Minha boca antes
seca se repreendeu, apertando-se em um abraço venenoso. Em um piscar o
rosto dela voltou, mostrando sua verdadeira face. Minha língua desceu e meus
olhos fecharam, mas antes disso consegui olhar bem fundo nos olhos da bela que
me vendera um colar. No interior de minha cabeça um piano entoava canções
a muito escritas. Meus joelhos estremeceram, eu cedi, destruindo cada parte de
meu corpo em uma sensação de paz e tranquilidade. Não haviam dois irmãos
gigantes, não havia um argélio louco correndo sob as ruas, havia apenas eu, a
velha e a lua. Seus cabelos pareciam mais brancos, suas mãos pareciam
menores, seu sorriso parecia mais vivo. Ela girou a faca, meus olhos se fecharam,
a velha soltou de suas mãos uma pequena fita avermelhada, sob meu corpo ela
descansava. Antes duas, agora três fitas me amarraram em um abraço de morte.
Logo ela se desvaiu em meio a tenra neblina, outra chuva começou levando o
sangue para as encostas dos ladrilhos da rua. Minha última lembrança fora de um
sorriso, dentes bem amarelados de muita idade, uma felicidade espantada em
seu rosto doce.
#Case 42 – Closed#
Por Leonardo Naves a todas as senhoras de bom coração...

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Rei Arthur
 

O Assassinato da Rua 21

  • 1. - O ASSASSINATO DA RUA 21 - Caro leitor, me abdico de todas as circunstâncias alheias para lhe relatar de forma precisa os fatos que me ocorreram naquela manhã. Juro solenemente a bandeira que todos os relatos contidos aqui, tanto de minha parte, como de terceiros é verdadeiro. Sendo excluído qualquer tipo de sentimento ou avaria que meu coração tomara parte. Estamos fiel amigo em uma Paris Pós-guerra, em plena ascensão de classes, e continuo relatando meus fatos de pesquisa e investigação alheio a tais circunstâncias, me utilizando de pequenas histórias para lhe conquistar. Infelizmente por alguns infortúnios ao final dessa história você vai se decepcionar, toda sua confiança e seu tempo foram colocadas a prova em tal leitura, e não superei aquilo que fora imaginado. Entenda que vivemos uma época difíceis, a anarquia pós guerra não seria escrita em livros de história, todos achavam que a ferida ali deixada seria apagada com o tempo pelo amor. Todavia estamos prestes a ler relatos que comprovam que a raça humana ainda caminhava a passos lentos em meio a barro de onde viera. Os caminhos todos pareciam levar para outra guerra, as pessoas pouco instruídas por tal foram desenvolvendo suas próprias guerras internas. Em meio a bombardeios, massacres, bombas, todos nós, homens, mulheres falhos, buscamos uma centelha de esperança para a humanidade. Num ato generosamente egoísta meu amigo, a única coisa que a maioria de nós buscávamos era a cura para nossa tenra insanidade! PARTE I Apresentar-lhe ei Sir Percival, todas as indagações e acusações que me levam a ter a absoluta certeza que o assassinato da rua vinte e um fora cometido por madame L.Folkman. A mulher de cabelos curtos e já esbranquiçados, já fora uma exímia joalheira na região, sendo conhecida pela pureza de seus cristais, conquistando ora o insano e duvidoso gosto do rei. Sua fama se estendeu até o oriente, trazendo ao país, velhos loucos árabes procurando joias milenares, que deverás foram creditadas como mágicas. As amostragens que trago aqui dizem respeito ao sumiço da senhora de sua residencia no momento do mártir, e uma busca da mesma por um álibi falso, segundo o que relatava o garoto John, dono da mercearia de frutas no final da rua, a qual ela solicitou ajuda para mentir sob seu paradeiro. O jovem era conhecido pelas belas maçãs que colocara a disposição da população francesa, tortas, bolinhos e croassaint eram a especialidade da casa. O comércio estava de portas abertas as seis do amanhecer e fechava as oito, logo quando as luzes da cidade eram ligadas dando início a noite. - Madame Folkman veio até a venda me pedir uma ajuda, era domingo e estávamos fechando. Havíamos eu e Griselda a cozinheira no local. Segundo ela, precisaria que eu desse um relato a polícia da cidade, relatando estar presente da senhora na quarta feira anterior daquela semana, naquele mesmo horário, servindo a ela um pequeno pedaço de torta cremosa. - O relato do garoto seguiu por mais algumas horas, o sono já me abatia naquele momento enquanto outro delegado de polícia tomava nota dos pontos mais importantes. Revelando
  • 2. a todos nós que as intenções de revelar os motivos da senhora tê-lo procurado foi pelo medo de causar-lhe represálias por meio da polícia para seu comércio, e pela tenra nacionalidade em seu peito o garoto decidira seguir o lado correto. Eu, nomeado pela corte principal da segunda vara francesa, fui designado por meio desta carta para relatar todas as informações que constavam nas cenas do crime e que se seguiram posteriormente. Tudo que se segue na carta abaixo fora coletado das cenas observadas pela polícia, sendo condensados relatos de investigação e pesquisa com possíveis observadores que moram ali por perto, ou mesmo passavam curiosos na região. As nove horas da noite, horário oficial da capital, foram relatados gritos, descritos como gritos assustados de um homem, na rua vinte e um. Os gritos se iniciaram e duraram cerca de cinco minutos, cessando portanto as nove e cinco da mesma noite. Ao se acomodar na janela para ver tal situação o morador da casa número cinco, localizada no pico dos gritos se colocou a rua, prontamente chamando a polícia ao notar o horror relatado da seguinte forma: - Um homem grande, que cobria quase metade da rua estava caindo no chão, em meio a uma poça extensa de sangue, que manchava sua roupa e naquele momento já descera para os cantos da rua. - Fim do relato. A polícia chegou ao local após exatos doze minutos após a ligação do morador e deram início as buscas na região. Alguns ainda ficaram próximos a vítima para procederem da forma correta com as investigações de possíveis itens deixados no local. Cheguei na região e precisei atravessar um aglomerado de pessoas curiosas para com o assassinato. Após passar por cerca de vinte pessoas me deparei com um corpo já tampado, a mancha de sangue quase que tomando a rua e se dissipando por meio dela. As investigações se seguiram por toda a noite, com lanternas para que a escuridão fosse cessada. Era verão e não chovia. Foram encontrados poucos itens no local, com a vítima foi encontrado um documento de imigração, mencionando sua origem árabe, provavelmente um interessado pelas pedras mágicas da região, ou ainda em busca de novas riquezas no continente velho. Foi encontrado junto ao homem uma chave e uma quantia considerável de dinheiro. Foi encontrado embaixo do seu corpo, próximo a perfuração causada por uma pequena faca envenenada um pequeno laço em fita de cor vermelha, já completamente manchado com o sangue do homem. Tomei-me por desinteressado ao analisar a fita, colocando-a em um pequeno saquinho para posterior verificação. O relato a seguir vem do legista que investigou o corpo, após o mesmo chegar ao centro de corpos da universidade local as duas horas da manhã da quinta-feira: - O homem chegará em minha sala enclausurado por um saco negro, que tapava todo seu corpo e rosto. O homem estava nu, era corpulento e de uma cor caramelizada, típica da sua região. Ele conservava em seu rosto uma barba já grisalha e tremenda. Em seu abdômen, três centímetros para a esquerda do umbigo havia um buraco de 3 polegadas de diâmetro, e em sua volta pequenas cascas de coágulo escuro se formaram. Em volta da pequena cratera era possível notar várias veias escuras, e pequenos pedaços de carne amassada, destacando a agressividade do assassino, e fora também observado e anotado, o veneno presente na arma. A faca estivera repleta de Ricina, um veneno natural retirado de pequenas mamonas e usado para assassinatos, mas apenas bons conhecedores poderiam conseguir tal,
  • 3. informando o médico que na cidade apenas um lugar seria passível de sua venda sob prescrição. - Os relatos continuavam mencionando outras escoriações e como o envenenamento tomara conta do corpo. Outra informação importante era que a morte fora causada apenas pela facada, o envenenamento causou um pequeno distúrbio nos órgãos do homem, mas o mesmo já se encontrava morto até aquele momento. Quero dizer que minhas decisões como procurador são desprovidas de qualquer emoção ou amor por algum argumento acima descritos, sendo apenas pura investigação dos relatos em meio a pouca quantidade de relatos e provas. Fim dos relatos - Victorine Maxine Francis La Benvenue Se passara sete dias após a exumação do corpo e do assassinato, a rua continuava com o medo instaurado de novas mortes ou gritos incessantes. Alguns moradores mais empoçados acabaram por se mudar da região, e a rua se tornou deverás deserta. À aqueles que restavam a rua ainda parecia pacífica. A procura pelo assassino ainda continuava, mas a comoção antes existente, passada em jornais, acabara em meio a novas notícias de assassinatos em toda a região central. A guerra havia trazido mortes, as pessoas acabaram por se acostumar com tais relatos. A medida que me ocupava em intermináveis investigações, quando usava meu pouco tempo para encher meus pulmões de ar puro, pensava naquele pequeno laço vermelho de duas pontas que recolhi. Por uma coincidência tentadora, avistei na rua vinte um a tão famigerada loja de joias mágicas, a qual nunca havia entrado pelo meu pouco interesse em comprar pedras preciosas. A entrada era representada por dois pequenos painéis de vidro que mostravam afronta na rua já pacífica as pedras brilhantes, colares, ouro. Uma porta dava entrada ao pequeno cômodo que cheirava a riquezas. Sentada atrás de um grande balcão só era possível ver uma grande juba em meio a cabelos avermelhados e brancos. Fitei desapercebido um pequeno colar de ouro a direita. A loja ficava no centro da rua, cerca de vinte metros após o local da morte. O único motivo do esquecimento do local para com a investigação fora estar fechado por longas semanas, e estar abrindo novamente naquele fatídico dia. Resmungando em uma golfada de saliva a mulher perguntara minhas intenções. Seus olhos eram marejados, e pareciam que pela idade estavam sempre prontos a cair. Ela descansara suas mãos sob o balcão, que continham folhas enfileiradas em cinco, de cor amarelada, com valores de uma nova leva de liquidação. Em cima dos papéis jaziam preços pelas riquezas procuradas por toda a Paris. Uma chuva fina começou a cair do lado de fora e prontamente a senhora se levantou e correu para o fundo, o que escutei foram janelas se fechando e passos largos para voltar a me atender. Até agora nenhuma palavra havia sido dita, e meu sentimento de julgamento estava a mil. Um misto de surpresa e alívio por saber que ela ainda se encontrava viva na cadeira. As camadas de dúvida me tomavam a cabeça e uma súbita vontade de adquirir uma das pedras me abateu. Talvez a escrivã, Antoinette gostaria de receber um pequeno presente pelos bons trabalhos. Eu não saberia lhe explicar
  • 4. minha tamanha vontade de comprar algo pelo que nunca me interessei, talvez eu pensara em subornar a velha senhora em troca de mais informações sobre sua rua, mesmo que aquilo não lhe fosse demonstrado de prontidão. Pedi para que a senhora embalasse o pequeno cordão de ouro que me chamara atenção ao entrar no local. Ela o localizou, embalou em um pequeno saco de pano com escritas que diziam – Joalheira Folkman & Filhos – Em pequenas letras garrafais bordadas em vermelho. Logo a senhora me trouxe um espanto facilmente visto em meu olhar. Em sua mão direita, o que cobria o produto e o amarrava, uma fita enlaceada, de um vermelho muito vivo, agora mais distinguível por não ser manchado e peças de sangue e coágulo. Em uma pequena síntese que fiz naquele momento, nunca imaginei que todas aquelas marcas, ou até mesmo a facada poderiam vir de braços tão magros e cansados. Mas talvez a velha poderia tê-lo organizado, contratando alguém profissional para tal. Seria de grande importância não mencionar nenhum fato sobre o assassinato ali agora, a senhora distorceria qualquer tipo de informação, fazendo com que eu me envolva em suas ideias mentirosas. Não havia dúvida, a senhora havia assassinado o senhor, talvez lhe deixando um recado com a fita, ou apenas a deixando cair por uma fração de atenção perdida. Nas primeiras horas da madrugada a chuva começou a cair. Eu estava como a um fantasma nas ruas, andando sob o calçadão antes manchado da rua vinte um. Não havia um humano por perto, apenas cães que latiam sem volume. Um dos postes, o mais alto começou a pulsar, sua luz ia e vinha com tanta velocidade que nem parecia pulsar em muitos momentos. Virei a rua, passando pelo comércio do jovem John, sentindo o extrato de maçã comum nas terças feiras quando novas frutas chegavam ao local. Ao passar por lá me dirigi a joalheria, com os músculos já cansados e a roupa já encharcada pensei em me recolher. Uma luz bruxuleante decaia sob a janela acima do local. Ali parecia ser a casa da nobre donzela a pouco tão atenciosa, a muito tão assassina. Criei em minha cabeça todo um cenário de maldade para com o coração da pequena senhora, me tomando por todo um mal-estar repentino, senti meu coração pesado por julgar alguém tão quebrável. “os demônios não fazem amigos, apenas firmam contratos”, um velho amigo sempre me dissera que até as melhores pessoas com as melhores propostas podiam ser entendidas de má forma. Voltei pra casa. Em uma hora muito propícia do dia seguinte, foram capturados dois homens. Dois russos Lif e Hif, barbudos, moradores de um dos circos ali próximo assentados. Era óbvio que os dois eram desprovidos de ações julgadas como inteligentes, e apenas sua força motriz lhes traria certa evolução sob a humanidade. Salin, um jovem argelino agora dizia ser uma testemunha do assassinato. Resolvera se esconder durante alguns dias para “enganar” os possíveis malfeitores do pobre ancião. Ainda que anonimamente ele surpreendeu a todos nós com seu relato.
  • 5. Então, o homem dizia, abanando as mãos como a quem espanta um inseto. Começara a falar em tons franceses já antigos. Foi dado ao rapaz um pequeno papel para que demonstrasse melhor como seriam os assassinos e o momento do assassinato. O Homem parecia desenhar todas as situações com destreza incrivelmente detalhada. Parecia se compromissar a terminar aquilo e finalmente colocar dois brutos atrás das grades. O caminho de Salin se iniciou segundo ele ao anoitecer, quando o mesmo convidou uma companheira a assistir um espetáculo do circo novo na cidade. Personagens como anões, palhaços, trapezistas eram costumeiros na cidade, mas foi algo totalmente diferente, algo exótico, fora das ruas de Paris, e dentro de lonas avermelhadas. Resumindo a história, o homem levou sua companheira a residência, localizada a duas quadras da rua vinte e um. O homem contava seus passos, se equilibrando em meio calçadas a pouco concertadas do subúrbio parisiense. Um grito estalou sob os pequenos prédios. O homem se pôs a corrida, alcançando o barulho, quando notará um homem usando roupas compridas e brancas caindo no chão. Em sua garganta mãos seguravam o pescoço do pobre homem, derrubando-o devagar. Um outro homem de mesma estatura segurava uma faca próxima ao velho. Quando os dois brutamontes viram o aproximar do garoto, se colocaram a correr, correram e correram, até que foram apagados pela neblina da cidade. Fim dos relatos- Salin Abdu Al Kalen - Todas as dúvidas daquela investigação ainda não definida estavam respondidas. Uma batalha na escuridão havia sido vencida, e os dois irmãos presos. Mas a única coisa que eu conseguiria imaginar, era como aquilo tinha sido feito, não faria nenhum sentido, o homem deixara na cena do crime todo o dinheiro do assassinado? Por qual motivo um circo russo teria conflito com um popular árabe? Havia em minha cabeça questionamentos criados no primeiro dia de assassinato, e pela falta de provas não consegui responder de forma exata. Vencido pelo cansaço retornei das ruas para casa, aumentando a inquietação em minha alma. Algo me dizia que eu havia encontrado o assassino, mas a falta de provas deveria refutar minhas teorias. Deveria ao invés de questionar a única pista existente e conhecida do caso – A fita recuperada agora estava escondia em minha casa – e tentar buscar soluções para aquele mistério. Caminhei para casa, longe da rua vinte e um, a qual me trazia um grande mal. O frio era estonteante, esfregava minhas mãos uma a outra para com alguma esperança esquentá-las.
  • 6. De meus lábios saiam pulsos de ar quente, em passos largos consegui chegar, imaginando a lareira quente ali bem próxima. Dormi. Em meus sonhos senti um pequeno desconforto. Eu estava frente a um bueiro, grande. A rua era escura e os detalhes rígidos da rua eram apresentados pela luz do luar que refletia nos pequenos ladrilhos. No canto da rua haviam duas pequenas valas que transportavam uma correnteza forte, mas a água não se encontrava límpida. Era de uma sujeira tamanha, seu cheiro moribundo me fizera enojar. Sangue corria em meio aquela vala, ela se assemelhava as veias que corriam em mim. De repente em meio aquela chuva fina, dois homens corpulentos saíram do negro. Eram carecas por natureza, dois russos grandalhões, se ajoelharam em minha frente, balbuciando palavras desconhecidas. Em meio a gritos de pavor, eles seguravam minhas roupas na tentativa de rasgá-las em um pedido aparente de socorro. Virei e me coloquei a correr em meio as pedras escorregadias, os homens se levantaram e me perseguiram, agora gritando palavras de terror, pedindo ajuda em um dialeto russo que eu pouco havia escutado, até que cai, e eles se aproximaram, se ajoelharam e me olharam. Foi quando acordei. #CASE 41 – CLOSED#
  • 7. PARTE II A inquietação era minha. Pensei em não contar a ninguém que iria começar a investigar a senhora sozinho. Eu sempre procurava investigar e nunca me contentava com as facilidades. Reservei uma pequena parte de minhas economias para que eu pudesse me acolher ainda mais aos meus pensamentos. Olhei pelo espelho de meu banheiro, acabara de alugar um pequeno dormitório na rua 21. Meu olhar era seco e negro. Minha boca agora murcha e meus lábios rachados em tamanha heresia. Eu havia me tornado um psicopata e não aceitava tal julgamento. A maioria de meus colegas me imaginavam como um pobre louco ao qual um simples caso foi tomado. Todos os dias quando o relógio tocava o ponteiro das nove, eu fitava corrompido a janela, aguardando alguma vítima, algum sinal de abate, algum grito de natureza malévola, tudo para que eu pudesse saciar minha fome natural de resolver aquele assassinato. Sublime, puramente divino, uma luz tenebrosa saia das pequenas lâmpadas em toda a rua. Haviam doze dias que eu prosseguia tal ritual, pontualmente, mortalmente esperando sangue e morte. Em uma mão eu segurava o laço ensanguentado. Sangue seco ainda permanecia em suas pontas. Na outra mão eu amarrará a fita nova, seca, sem nenhuma mancha. Meus lábios se moldavam aguardando que uma pequena senhora passasse por ali para mostrar a mim mesmo que minha sanidade era baseada em realidade. Nunca acontecia, parecia que os olhos das ruas sussurravam aos espreitadores – HEY HEY, temos um investigador nas janelas – Diziam as bocas. Precisei criar uma cidade imaginária em minha mesa, detalhando-a com prédios, ruas, bueiros, me tornará um louco psicótico. Quando de um sussurro, fui levado a janela novamente. Atrás de uma neblina densa, que aparecera de repente sob os ladrilhos. Poças de água de uma chuva fina que passara por ali, um barulho de salto de madeira tocava-lhe o chão, e eu a escutava com pleno amor. Eu babava, apertava as fitas em minhas mãos esperando que fosse a velha vendedora de pedras mágicas. Gritos em minha cabeça – LOUCO! LOUCO! PRENDAM ESSA LOUCO! LIBEREM OS ASSASSINOS PARA PRENDEREM O HEREGE! - Desci a escadaria que levava o dormitório a rua, com pressa segurando nas paredes úmidas e já descascadas de uma velha paris. Ao abrir a porta pisei diretamente em uma poça funda, molhando meus pés descalços em tamanha obsessão. O interior de minhas calças se molhara, a neblina apertava meus pés como a um cinto segurando a ceroulas de um velho. A luz sob minha cabeça agora piscava, e o frio ainda mais forte me desconcertava. As duas fitas estavam um pouco frouxas, e eu senti um toque em minhas costas, o frio. O barulho do salto se dissipou, dando lugar ao vento que reproduzia cantigas belas como a uma ópera. Minha sanidade havia se esvaído, retomei minha consciência e percebera que meus pés descalços iriam me parabenizar com uma bela pneumonia. Pensei por um momento que poderia ser um pobre vendedor, ou alguma prostituta perdida por ali, mais provável um bêbado parisiense que tomara mais vinho que o esperado em uma noite de quarta-feira. Eu, antes assustado poderia ter me tornado algo assustador para aquele que passava na rua vinte e um. Ao me virar, meus olhos se transformaram em pequenos murmúrios, minhas pupilas dilataram em um reflexo. Eu a vira, mas não consegui distinguir tal situação. Seus cabelos eram os mesmos, mas seu rosto
  • 8. era de uma escuridão gigante. Olhei aquela mulher, e não conseguia ver o seu rosto, era bestial. A única coisa que consegui ver foi um grande buraco negro, e sua imensidão não tinha fim. Dos cantos de seu rosto eu conseguia ver pequenos pedaços brilhantes, e consegui entender que eram pérolas, diamantes, rubis e ouro, dependurados em meio ao escuro. Aquela imensidão me entristeceu, me enlouqueceu, sabia eu que mesmo saindo vivo dali, tudo seria diferente daqui pra frente. Coloquei minhas mãos frente a meu abdômen, mas já se tornará tarde demais, a pequena faca banhada de veneno já havia me perfurado. Minha boca antes seca se repreendeu, apertando-se em um abraço venenoso. Em um piscar o rosto dela voltou, mostrando sua verdadeira face. Minha língua desceu e meus olhos fecharam, mas antes disso consegui olhar bem fundo nos olhos da bela que me vendera um colar. No interior de minha cabeça um piano entoava canções a muito escritas. Meus joelhos estremeceram, eu cedi, destruindo cada parte de meu corpo em uma sensação de paz e tranquilidade. Não haviam dois irmãos gigantes, não havia um argélio louco correndo sob as ruas, havia apenas eu, a velha e a lua. Seus cabelos pareciam mais brancos, suas mãos pareciam menores, seu sorriso parecia mais vivo. Ela girou a faca, meus olhos se fecharam, a velha soltou de suas mãos uma pequena fita avermelhada, sob meu corpo ela descansava. Antes duas, agora três fitas me amarraram em um abraço de morte. Logo ela se desvaiu em meio a tenra neblina, outra chuva começou levando o sangue para as encostas dos ladrilhos da rua. Minha última lembrança fora de um sorriso, dentes bem amarelados de muita idade, uma felicidade espantada em seu rosto doce. #Case 42 – Closed# Por Leonardo Naves a todas as senhoras de bom coração...