O documento discute a importância das parcerias público-privadas (PPP) para o desenvolvimento do saneamento no Brasil. Ele explica que as PPP têm sido uma alavancagem importante para os investimentos no setor de saneamento no país, mobilizando bilhões de dólares para melhorar o atendimento em diversas regiões. Apesar de desafios, a experiência brasileira demonstra que as PPP são necessárias para expandir o acesso a saneamento básico e melhorar as condições de vida da população.
Recarga de manancial com água de reúso – Uma alternativa para a conservação d...
Importância das PPP para o desenvolvimento do saneamento nas economias emergentes: O Caso do Brasil
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Revista
ÁGUA e Desenvolvimento
Sustentável
IMPORTÂNCIA DAS PPP
PARA O DESENVOLVIMENTO
DO SANEAMENTO NAS ECONOMIAS
EMERGENTES: O CASO DO BRASIL
O saneamento básico é um dos principais motores de
desenvolvimento humano. A sua melhoria não está
apenas intimamente ligada à qualidade de vida da
população como desenvolve uma importante cadeia
produtiva, geradora de renda e emprego. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) estima que, para cada dólar
investido em saneamento básico, são economizados 4,3
dólares em saúde no mundo. É essencial, portanto, que
o saneamento esteja entre as prioridades da política
pública dos países emergentes.
Assim como as demais áreas de infraestrutura, a
melhoria das condições de saneamento básico
demanda grande aporte de investimentos. Nesse
sentido, a participação privada vem desempenhando,
cada vez mais, um importante papel de alavancar o
investimento no sector. As Parcerias Público-Privadas
(PPP) assumem grande importância no
desenvolvimento dos sistemas de saneamento de
diversos países, dentre os quais destaca-se o Brasil.
Benefícios sociais e económicos do investimento em
saneamento
Os benefícios da promoção do saneamento são
inegáveis. Em primeiro lugar, e mais evidente, estão os
benefícios directos em termos de saúde. Mais
especificamente, a redução da mortalidade infantil, a
redução da incidência de doenças de veiculação hídrica
(diarreia, vómitos) em mais de 20%3
e a redução dos
custos de saúde (menores gastos com medicamentos
e atendimentos). Segundo estudo do Instituto Trata
Brasil, em 2009, dos 462 mil pacientes internados por
infecções gastrintestinais, 2.101 morreram no hospital.
Caso houvesse acesso universal ao saneamento,
haveria uma redução de 25% no número de internações
e 65% na mortalidade – ou seja, 1.277 vidas seriam
salvas. Haveria igualmente uma economia de cerca de
R$ 745 milhões para a saúde pública (US$ 350
milhões).
Destaquem-se, igualmente, os impactos na educação
e produtividade do trabalhador. A diminuição dos
problemas de saúde aumenta a frequência escolar,
bem como diminui as faltas no trabalho. Some-se ainda
a geração de emprego em decorrência dos
investimentos realizados. A actividade de implantação
de infraestrutura em saneamento é intensiva em
termos de mão-de-obra, devido ao grande volume de
construção civil associada a esse investimento. O
estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento
Brasileiro - BNDES mostra que para cada R$ 20
milhões gastos no sector da construção civil, são
gerados 530 novos empregos. Se forem considerados
investimentos da ordem de R$ 12 bilhões ao ano, no
período 2011-30, estima-se a geração anual de mais de
300 mil novos empregos no Brasil.
Ademais, a melhoria do saneamento tem como
consequência a valorização imobiliária. Estudo da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Trata Brasil (2010),
denominado “Benefícios Económicos da Expansão do
Saneamento” indicou que a valorização dos imóveis
atendidos com saneamento pode chegar a 18%, e são
as famílias de baixa renda as mais beneficiadas com tal
valorização. Além disso, a melhoria do meio ambiente
é factor de atractividade para empresas. O uso mais
adequado dos recursos ambientais disponíveis é
importante para atrair empresas para uma
determinada região ou município. Do ponto de vista da
indústria, o aumento de cobertura traz oportunidades
para alguns segmentos que vendem produtos e
prestam serviços para os segmentos de água e esgoto
como, por exemplo, construção civil, produtos
químicos, plástico, aço, máquinas e equipamentos.
Situação do saneamento no Brasil e necessidade de
investimento
O atendimento em saneamento básico no Brasil é
insuficiente e não é condizente com seu nível de renda
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per capita. Países com renda per capita semelhante já
contam com a universalização do saneamento. De
acordo com dados do Sistema Nacional de Informações
sobre o Saneamento (SNIS), o atendimento com rede
de água alcança 93% da população urbana (82,4% da
população total). Isso significa que aproximadamente
14 milhões de pessoas que vivem em áreas urbanas
não têm acesso a uma rede de distribuição de água (35
milhões de pessoas no total). Destaque-se que as
operadoras de saneamento brasileiras perdem
aproximadamente 36,9% da água que produzem.
O atendimento na recolha de águas residuais tem
índices ainda piores. Apenas 38,7% de todo o esgoto
gerado no país é tratado. Todo o resto é despejado
directamente na natureza sem qualquer tratamento.
A partir desses indicadores é possível ter uma visão
geral do quão distante o Brasil está da universalização
dos serviços de água e esgoto, bem como a ineficiência
geral do sistema. No actual ritmo de investimentos,
seria possível alcançar a universalização dos serviços
de água e esgoto apenas em 2060.
PPP como alavanca para investimentos
em saneamento
O Brasil investe apenas 18% do seu PIB – Produto
Interno Bruto e, desse total, apenas 2% é direcionado
à infraestrutura. Os estrangulamentos existentes
acarretam menor competitividade da produção,
desestimulam investimentos privados e inibem o
investimento estrangeiro. Estima-se que, para
proporcionar uma infraestrutura adequada e estabelecer
uma logística eficiente, sejam necessários investimentos
em infraestrutura da ordem de 5% do PIB.
Esse contexto, conjuntamente com as restrições fiscais
do sector público e a sua maior morosidade na
execução de obras decorrente dos ditames da Lei de
Licitações e Contratos brasileira (L.8.666/93), constitui
uma das razões pelas quais é recomendável acelerar as
concessões e parcerias público-privadas no país. O
desenvolvimento desses projectos representa alternativa
viável para o atendimento da demanda por infraestrutura
social e económica e está alinhado com a necessidade
de aumentar a taxa de investimento em infraestrutura.
Apesar de não existir uma definição única no mundo
para parceria público-privada, a maior parte delas faz
menção à execução de um projecto que compartilha os
riscos inerentes à obra e à operação no contrato entre a
administração pública e um parceiro privado . Além
disso, atribui ao privado a responsabilidade de obter o
financiamento necessário à viabilização da infraestrutura
pública, reduzindo o endividamento dos entes estatais.
Trata-se, portanto, de investimento do sector privado na
implantação e melhoria da infraestrutura. A definição
dos objectivos é feita pelo Governo, havendo a
necessidade de contratos e planeamento de longo prazo.
O serviço é geralmente operado por aqueles que
investem em infraestrutura, incentivando a melhora da
eficiência.
Uma importante vantagem das PPP é a alocação
óptima de riscos combinada com uma estrutura
adequada de incentivos. Além disso, a contribuição da
tecnologia e gerenciamento do parceiro privado,
associada à transparência e controlo. Por fim, a ênfase
em metas e resultados e a redução dos custos de
transacção. Para tanto, é fundamental que haja uma
boa regulação contratual, assegurando estabilidade e
previsibilidade aos arranjos contratuais. O investimento
global em infraestrutura através de parcerias público-
privadas aumentou aproximadamente 500% entre 1990
e 1997. Apesar de um período de estagnação,
coincidente com a crise da Ásia, a partir de 2002 os
investimentos voltaram a apresentar tendência
crescente e, mesmo com as dificuldades de
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200
Leste da Ásia e Pacífico
Europa e Ásia Central
Améria Latina e Caribe
Oriente Médio e Norte da África
Sul da Ásia
África Subsaariana
Investimento Total
QUADRO 2:
PPP: INVESTIMENTOS
GLOBAIS EM
INFRAESTRUTURA POR
REGIÕES 1990, 1995-2011
US$ BILHÕES
Fonte: Banco Mundial
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Actualmente, 12,5% da população brasileira é
atendida por operadores privados de saneamento,
englobando 4,7% dos mais de 5.500 municípios
brasileiros.
Esses mesmos operadores foram responsáveis por
5,9% dos investimentos totais do sector no período
2003-2011.
O aumento de participação da iniciativa privada não
significou, porém, um acirramento de competição ou
de conflito entre os sectores público (em geral
representado por empresas públicas estaduais) e o
sector privado. Pelo contrário, deu-se a partir de
parcerias entre ambos os sectores, que mobilizaram
investimentos elevados, conforme indica o Quadro 4.
Desse modo, pode-se afirmar que a adopção das PPP
foi um dos principais factores de alavancagem dos
investimentos no sector de saneamento no Brasil.
Conclusões
O Brasil tem índices de cobertura de saneamento básico
não condizentes com a sua renda per capita. A
ineficiência e as restrições orçamentárias impedirão o
país de melhorar a prestação desses serviços
fundamental à sua população. No intuito de superar esse
estrangulamento e seguindo uma tendência mundial da
infraestrutura, o país vem apostando nas parcerias
público-privadas, o que vem permitindo um aumento
substancial da qualidade na prestação de serviços.
Os sete maiores projectos de PPP em saneamento
existentes no país mobilizam aproximadamente
US$ 4,1 bilhões em investimento e melhorarão os níveis
de atendimento em diversas regiões do país. A
experiência brasileira demonstra que as PPP são uma
acção necessária para a melhoria do saneamento e,
consequentemente, das condições de vida da
população.
financiamento decorrentes da crise de 2008,
alcançaram o montante de US$ 180 bilhões no ano de
2010, como pode ser visto no Quadro 2. Estima-se,
ainda, a expansão das PPP na próxima década na
medida em que grande parte dos países ainda precisa
equacionar o problema do défice em infraestrutura
num contexto de restrições orçamentárias e
necessidade de impor medidas de austeridade5
.
No Brasil, além das concessões comuns, já reguladas
pela Lei dos Serviços Públicos (L.8.987/95), em 2004,
a Lei das Parcerias Público-Privadas (L.11.079/04)
instituiu duas novas modalidades de concessões: a
patrocinada e a administrativa, que envolvem
pagamento de contraprestação pecuniária ao parceiro
privado pelo público. A concessão patrocinada combina
a tarifa cobrada dos usuários com a contraprestação
pecuniária, enquanto que na concessão administrativa
a remuneração do concessionário dá-se apenas pela
contraprestação paga pela administração pública.
No sector de saneamento, especificamente, desde a
edição da Lei de Saneamento em 2007 (L.11.445/07),
passou-se a testemunhar um crescimento consistente
da participação privada e, em especial, de parcerias
público-privadas entre o sector privado e empresas
públicas estaduais e autarquias municipais, conforme
mostra o Quadro 3.
QUADRO 3 – EVOLUÇÃO DAS PARCERIAS ENTRE PÚBLICO E PRIVADO
Fonte: elaboração GO Associados
2007
1ª PPP: Jaguaribe (Embasa/
Odebrecht Ambiental)
PPP Alto Tietê (Sabesp/ CAB)
PPP Capivari (Sanasa/ Odebrecht
Ambiental)
PPP Rio das Ostras (Pref, do RJ/
Odebrecht Ambiental)
PPP Rio Claro (Pref. de Rio Claro/
Odebrecht Ambiental)
2010
SPE Mairinque
(Sabesp/ Odebrecht Ambiental)
SPE Castilho (Sabesp/ CAB)
2012
PPP Piracicaba
(SEMAE/ Água dos Mirantes)
PPP Agreste (Casal/ CAB)
2009
SPE Mogi Mirim
(Sabesp/ Grupo GS)
PPP Guaratinguetá
(SAEG/ CAB)
2011
Concessão Parcial AP5
(Pref. do RJ/
Odebrecht Ambiental)
2013
PPP RMR
(Compesa/ Odebrecht
Ambiental)
PPP São Lourenço
(Sabesp/ AG e CC)
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PPP/Concessão Empresa Investimento
Compesa – PPP RMR Lidermarc/Odebrecht Ambiental US$ 1,75 bilhões
Prefeitura do RJ - Área de Planejamento 5 (AP5) Odebrecht Ambiental e Águas do Brasil US$ 935 milhões
Saneago – Subdelegação de esgoto Odebrecht Ambiental US$ 390 milhões
Sabesp - PPP Sistema Produtor São Lourenço Camargo Corrêa/Andrade Gutierrez US$ 623 milhões
Copasa - PPP Rio Manso Odebrecht Ambiental US$ 202 milhões
Sabesp - PPP Alto Tiête CAB Ambiental US$ 117 milhões
Casal - PPP Agreste CAB Ambiental US$ 68 milhões
QUADRO 4 – PRINCIPAIS PROJECTOS DE PPP E CONCESSÃO EM SANEAMENTO
Fonte: elaboração GO Associados
1
Gesner Oliveira – Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Económica/CADE (1996-2000); Presidente da Sabesp (2007-10); Ph.D.
em Economia pela Universidade da Califórnia/Berkeley; Professor da Fundação Getúlio Vargas-SP desde 1990. Professor Visitante da
Universidade de Columbia nos EUA (2006); Sócio fundador da GO Associados.
Fernando S. Marcato – Professor do Pós GV-Law em Infraestrutura da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV-SP
e do curso de graduação em Direito da EDESP – FGV/SP; Mestre em Direito Público Comparado - Master Recherche 2, avec mention (com
mérito) na Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris I), Paris, França; Sócio da GO Associados.
Carolina Amadeo – Bacharel em Direito pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito SP, com experiência académica na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal) e no Instituto de Estudos Políticos de Paris – Sciences Po (França).
2
WHO (2012) Global costs and benefits of drinking-water supply and sanitation interventions to reach the MDG target and universal coverage.
3
Barreto (2007). Effect of city-wide sanitation programme on reduction in rate of childhood diarrhoea in northeast Brazil: assessment by two
cohort studies.
4
Public-Private Partnerships: when and how (2008).
5
Royal Institution of Chartered Surveyors: “The future of PFI and PPP” (2011).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO et al. Effect of city-wide sanitation programme on reduction in rate of childhood diarrhoea in northeast Brazil: assessment by
two cohort studies. The Lancet, Vol. 370, Issue 9599, (Pages 1622-1628). 2007.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (2012) Global costs and benefits of drinking-water supply and sanitation interventions to reach the MDG
target and universal coverage. Geneva, World Health Organization, 2012. Disponível em:
http://www.who.int/water_sanitation_health/publications/2012/globalcosts.pdf. Acesso em: 01/12/2014.
ENGEL, Eduardo; FISCHER, Ronald; GALETOVIC, Alexander. Public-Private Partnerships: when and how”. Documentos de Trabajo n. 257.
Centro de Economía Aplicada, Universidad de Chile, 2009. Disponível em:
http://www.econ.uchile.cl/uploads/publicacion/c9b9ea69d84d4c93714c2d3b2d5982a5ca0a67d7.pdf. Acesso em: 01/12/2014.
ROYAL INSTITUTE OF CHARTERED SURVEYORS. “The Future of PFI and PPP”, 2011. Disponível em:
http://questantinc.com/images/Articles%20and%20News%20Media/Newsworthy/RICS_PPP%20draftreportfordistribution.pdf. Acesso
em: 01/12/2014.
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