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COLÉGIO SINODAL DA PAZ
VINÍCIUS ENDRES SANDER
CARLA CRISTINA PEDROZO DA SILVA
IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM
Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outras
estórias.
Novo Hamburgo
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VINÍCIUS ENDRES SANDER
IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM
Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outras
estórias.
Trabalho de conclusão apresentado a
insituição de ensino Colégio Sinodal da Paz
como requisito parcial para finalização do
segundo grau (ensino médio)
Orientador: Carla Cristina Pedrozo da Silva
Novo Hamburgo
2015
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Dedico este trabalho a dois grupos de pessoas: aqueles que se empenham
em mostrar e estudar a verdadeira história, e aos que se empenham na
propagação de mentiras ou simplesmente negam a verdade. Aos primeiros,
o mundo precisa de mais pessoas que ajam assim. Aos outros, que a luz
que o conhecimento proporciona possa ser maior do que a vontade de
manter seus paradigmas e crenças. O verdadeiro trabalho do historiador
não é manipular a história para defender ideologias ou crenças de sua
preferência, mas estudar os acontecimentos e entendê-los em seu curso
natural.
“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” –
Albert Einstein.
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RESUMO
A Idade Média é um período importantíssimo da história humana (do século V ao
século XV, ou seja, 1000 anos), no qual a Igreja Católica Apostólica Romana foi a
personagem mais importante do mundo ocidental. Ao longo da história, esses
séculos foram difamados pelos mais diversos motivos, normalmente com o intuito de
atacar a Igreja ou as religiões em conjunto. Atualmente, estudos já mostraram a
verdade sobre as mais diversas farsas contadas acerca do tempo medieval, e os
fatos mostram que esse período teve grande importância, beleza, e contribuição
para a humanidade. Infelizmente, esses estudos ainda não chegaram ao meio
popular. Diante disso, este trabalho reúne as pesquisas de diversos historiadores e
estudiosos, e apresenta de maneira simples explicações sobre o que é mito e o que
é verdade (e no caso do mito, porque ele foi criado).
Palavras-chave: Idade Média – Igreja - mitos
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RESUMÉN
La Edad Media es un periodo importantísimo de la historia humana (del siglo V hasta
el siglo XV, o sea, mil años), en el cual la Iglesia Católica Apostólica Romana fue el
personaje más importante del mundo occidental. A lo largo de la historia, eses siglos
fueron difamados por los más distintos motivos, normalmente con la meta de atacar
la Iglesia o las religiones en general. Actualmente, estudios mostraron la verdad
sobre las diversas farsas contadas sobre el tiempo medieval, y los factos muestran
que ese periodo tuvo gran importancia, belleza y contribución para la humanidad.
Infelizmente, eses estudios todavía no llegaron al conocimiento popular. Así, ese
trabajo reúne las pesquisas de muchos historiadores y estudiosos y presenta de
manera sencilla explicaciones sobre lo que es mito y sobre lo que es verdad (y en el
caso del mito, porque fue creado).
Palabras llaves: Edad Media- Iglesia- mitos
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ABSTRACT
The Middle Ages is a very important period of human history (the fifth century to the
fifteenth century, i.e. 1000 years), where the Roman Catholic Church was the most
important character of the Western world. Throughout history, those centuries were
vilified for various reasons, usually in order to attack the Church or the religions in
general. Currently, studies have shown the truth about the various farces told about
the medieval time, and the facts show that this period was very important, beauty and
contribution to mankind. Unfortunately, these studies have not yet reached the
popular media. Thus, this work brings together the research of many historians and
scholars, and presents simple explanations of what is myth and what is true (and in
the case of myth, why it was created).
Keywords: Middle Ages – Church - Myths
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 8
2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS” ............................................................ 9
2.1. A MULHER MEDIEVAL......................................................................................................... 17
2.2. O SERVO MEDIEVAL............................................................................................................ 20
2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA.......................................................................................... 22
3. VENDA DE INDULGÊNCIAS ............................................................................................... 28
4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA................................................................................. 33
4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU........................................................................................... 35
4.2. O HELIOCENTRISMO........................................................................................................... 36
4.3. O “JULGAMENTO”................................................................................................................. 40
4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA................................................................................. 43
5. A SANTA (?) INQUISIÇÃO....................................................................................................... 45
5.1. OS ANTECEDENTES DA INQUISIÇÃO: O CAMINHO ROMANO ............................ 46
5.2. A HERESIA CÁTARA ........................................................................................................ 50
5.3. A CRIAÇÃO DA INQUISIÇÃO.......................................................................................... 55
5.4. A QUESTÃO DA BRUXARIA ........................................................................................... 60
5.5. O DISSOLVIMENTO DA INQUISIÇÃO........................................................................... 65
5.6. A (NADA FAMOSA) INQUISIÇÃO PROTESTANTE .................................................... 66
7. IGREJA E ESCRAVIDÃO ..................................................................................................... 74
7.1. CRIATURAS SEM ALMA?................................................................................................ 74
7.2. A POSIÇÃO DA IGREJA CONTRA A ESCRAVIDÃO...................................................... 78
7.3. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL E A ATUAÇÃO DO CATOLICISMO................................ 80
8. PORQUE MENTIR SOBRE HISTÓRIA.............................................................................. 83
8.1. A CULPABILIDADE ILUMINISTA ........................................................................................ 87
8.2. A SOLUÇÃO............................................................................................................................ 90
8
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho será explanada a importância do período medieval e
desmentidos os diversos mitos acerca deste tempo e também acerca da Igreja
Católica. Simultaneamente, será explicado o início de cada uma das mentiras, e
o motivo pelo qual foram criadas ou acreditadas.
A escolha deste assunto se deu pela necessidade de expor a verdade, visto
que apesar de existir grande material sobre o assunto e de que a verdade já é
conhecida no meio acadêmico, o meio popular e escolar continuam carentes de
atualização sobre estes tópicos.
Cada capítulo trata sobre uma das polêmicas medievais ou católicas (ou
como no caso de alguns mitos, episódios que são associadas ao catolicismo ou
ao tempo medieval, mesmo sem pertencerem a estes), que diariamente são
reafirmadas e acreditadas até mesmo por pessoas com formação e instrução.
Será trabalhada também a extensão das mentiras e também a possibilidade
de solução dessa problemática.
9
2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS”
Quando se fala em idade média, o mais comum a se esperar de pessoas que
não estudaram a fundo esse período é o pensamento de um tempo de trevas, onde
a Igreja Católica Apostólica Romana dominava toda sociedade, desde o estado
(reinado, nesse caso) até a ciências e toda produção cultural, e portanto as coisas
não ganhavam espaço para a evolução. O período que vai do século V ao século
XV, ou seja, mil anos, mas que não tiveram nenhum avanço significativo. A maior
parte do mundo acredita que os fatos acima sejam verdade, e as produções
cinematográficas, literárias, entre outras do século XXI, não conseguem desmentir
os mitos criados sobre a dita “Idade das Trevas” (essas produções só agravam e
reafirmam as mentiras).
Ainda assim, grandes autores se dedicaram a estudar a fundo esses séculos
e não só repetir que eram tempos obscuros, e estes surpreenderam não só a eles
mesmos, mas também ao resto do mundo acadêmico com suas descobertas (como
Daniel Rops, Régine Pernoud, Thomas Woods, Jacques Le Goff, e outros, que
chegaram a ganhar prêmios pelos seus trabalhos excepcionais e únicos).
Tendo em vista que mesmo hoje (na era da informação) a maior parte da
sociedade continua sem saber a verdade, é preciso expor os fatos, pois a grande
crença é de que a culpa de toda essa época de ignorância (se é que existiu) é da
Igreja Católica, que teria reprimido o homem e o avanço da sociedade.
10
.
“É difícil para o homem de hoje compreender como era a vida na Idade
Média. Em meio aos escombros da queda do Império romano, a Igreja se
tornou o único refúgio para as populações desorientadas, feridas,
amedrontadas, a única fonte de cultura, de progresso, de proteção, de
moral, de esperança, de vida. Sem a tutela da Igreja havia um vácuo e o
desamparo. Basta percorrer a Europa ainda hoje para se ver nas ruas, nas
catedrais, nas universidades, nas praças, nos castelos, nos mosteiros, a
herança da Igreja mostrada nas artes, na arquitetura, na cultura, na música,
etc. Essa fé religiosa profunda e esse amor fiel à Igreja fez multidões de
moças e rapazes deixarem seus lares para viver a vida religiosa em
mosteiros e se alistarem nas Cruzadas e nas sagradas Cavalarias.”
(AQUINO, 2009, p. 38)
Em primeiro lugar, a respeito da sociedade medieval, é preciso descontruir o
pensamento comum de que todos viviam em um enorme convento e eram
totalmente fanáticos, que os cidadãos não podiam sequer pensar sobre ciência,
filosofia ou sexualidade, somente religião. Algumas das produções poéticas da
época, já servem para mostrar a verdade, como o poema III de Guillerme IX da
Aquitânia. O escrito fala sobre a vagina, “que deve ser bem tratada e muito utilizada,
pois é como o bosque podado: sempre cresce com renovado vigor”. O pensamento
comum é de que as produções poéticas ou avanços significativos eram feitos só por
pagãos (muito se fala no avanço dos árabes, mas se menospreza os avanços
europeus durante a Idade Média, que são muito maiores do que o do mundo
ocidental), mas isto não é verdade. No caso da sexualidade, o poema de Guilherme
IX já mostra que a situação não é exatamente essa, mas que na verdade a
população era cristã, e se não falava de sexo da maneira que se falou nos séculos
que sucedem o tempo medieval, é por que agir dessa forma não estava de acordo
com a ética e moral dos cidadãos, e não por que seriam mortos pela Igreja caso
abrissem as bocas para falar sobre sexo. De fato, a própria sociedade desaprovaria
quem agisse dessa forma.
Outra grande questão que está sempre repercutindo é de que “a Igreja
privava as pessoas do conhecimento”. Escuta-se ainda, que se não fosse pelo
catolicismo o homem já estaria na era espacial. Este é talvez o maior mito acerca da
Igreja Católica, mas também o mais fácil de refutar, pois basta olhar para o mundo
atual e enxerga-se o reflexo do mundo medieval, pois boa parte do conhecimento
que temos hoje sobre o mundo antigo foi nos trazido pelo zelo da Igreja. Foi durante
11
o período medieval que os monges criaram as bibliotecas em seus mosteiros, e com
grande esforço copiaram textos e livros tanto cristãos quanto pagãos, para que se
conservassem. Acredita-se que nem todos entendiam o que copiavam, e se isso for
verdade, revela que estes monges eram movidos acima de tudo por uma vontade de
preservar o patrimônio do conhecimento, longe de depreciar o saber, como muitos
acreditam. Uma figura que é prova disso é Flávio Magno Aurélio Cassiodoro, escritor
e estadista romano que se recolheu no mosteiro romano de Vivarium no século VI, e
encorajou a cópia de manuscritos religiosos e seculares, dando instruções
importantes na maneira de como deveria ser feito esse trabalho, para que não se
perdesse nada na transcrição dos escritos. Dentro desses mesmos mosteiros
surgiram escolas para a educação de leigos no período da Alta Idade Média, quando
monges e freiras se viram obrigados a exercer papéis que não estavam previstos,
tais como enfermagem e treinamento de lavradores em novas técnicas agrícolas. De
fato, os primeiros farmacêuticos ocidentais foram os monges, devido ao cultivo de
ervas medicinal nos jardins dos mosteiros. Em pouco tempo, conventos e mosteiros
criavam enfermarias, orfanatos e escolas.
A Idade Média se divide em dois períodos de tempo, respectivamente: alta e
baixa Idade Média (alguns historiadores consideram um terceiro período no meio
destes, a “média Idade Média”). Os primeiros passos em direção ao sistema de
universidades que existe hoje foram dados na Baixa Idade Média (séculos XI a XV),
quando os bispos começaram a criar as escolas das catedrais, que se diferenciavam
das escolas dos mosteiros por terem um conhecimento mais avançado a oferecer. A
PhD em história Diane Moczar (2012), explica que esse desenvolvimento só foi
possível com o fim das invasões estrangeiras e o renascimento econômico do
século XI. Essas universidades das catedrais atraíam estudantes de lugares
distantes por oferecem um currículo mais avançado. Diferente do que se acredita,
não era ensinada só teologia nas universidades (em Paris houve de fato uma
universidade voltada para estudo teológico, porém todas incluíam gramática, lógica,
retórica, matemática, música e astronomia). O jornalista Rodrigo Constantino
observa em uma matéria publicada na revista VEJA (03-04-2015) sobre o período
medieval, que se a população fosse puramente supersticiosa como alguns afirmam,
jamais iria se reunir em grupos para debater sobre os mais diversos temas, em
12
busca da verdade e de mais conhecimento. O saber era tão valorizado que
grandes inovadores surgiram no período medieval, e nunca foram proibidos pela
Igreja de prosseguir seus estudos ou trabalhos, exemplos como Duns Scott, São
Tomás de Aquino, São Boaventura (que criticou o sistema monárquico, e em vez de
ser reprendido pela igreja, foi canonizado), Pedro Abelardo, Roger Bacon
(franciscano desenvolvedor da ciência de ótica), Santo Alberto Magno (primeiro
botânico desde os tempos antigos), Nicolau Copérnico (que desenvolveu a teoria
heliocêntrica, e fio encorajado pelo clero a escrever um livro explanando a mesma),
e outros. Diferente do que se acredita os medievais não viam problema na filosofia e
na ciência, pois acreditavam que o intelecto é a faculdade mais elevada da alma, e
as verdades que o intelecto discerne não podem contradizer as da fé (já que na ótica
deles, Deus criou ambas).
Durante o século XIII surgiram as grandes universidades: Bolonha, Paris,
Oxford, Sorbone, La Sapienza, entre outras não tão famosas, todas fundadas pelo
catolicismo. Já no ano de 1608, haviam mais de cem Universidades na Europa,
sendo mais de oitenta fundadas na Idade Média.
A primeira fundada foi a de Bolonha na Itália, fundada em 1111, com 10.000
estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais,
espanhóis, catalães, ingleses, germanos, etc.). Depois veio a Sorbone de
Paris (1157), fundada pelo confessor de São Luiz IX, rei de França, Sorbon;
Oxford, na Inglaterra foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243 – 1254) em
1254. Na Espanha, nasceu a de Compostela (1346), Valadolid, Salamanca,
etc. (AQUINO, 2009, p. 30).
Há inúmeros exemplos de importantes contribuições históricas da Igreja para
o mundo. Primeiramente a filosofia escolástica elaborada por São Tomás de Aquino,
que mudou a maneira de se ver fé , e conciliou a mesma com a razão. Os Jesuítas
por sua vez, foram tão exímios nas ciências que, neste exato momento, 35 crateras
lunares têm o nome de cientistas jesuítas e dentre esses, o padre J.B. Macelawane
destaca-se, pois foi quem escreveu o primeiro livro sobre Sismologia nos Estados
Unidos, sendo que todo ano, a União Geofísica Americana premia uma medalha
com o nome deste padre a um jovem geofísico inspirador. Ele também foi o primeiro
presidente da União Geofísica Americana, e por isso o estudo dos terremotos é
conhecido como “A Ciência Jesuíta”. O também jesuíta Secchi descobriu a análise
13
espectral, e a ordem ainda se destaca por ser a descobridora do gás. O padre
Cavalieri, também jesuíta, inventou a policromia.
Além da ordem jesuítica, há inúmeros exemplos importantes a serem citados:
os católicos escolásticos criaram a ciência econômica moderna, muito importante
nos últimos séculos; os padres Oton, São Mesrob e Ardoíno, aperfeiçoaram o
alfabeto; São Cirilo e Metódio, no século IX, desenvolveram um alfabeto para o
velho idioma eslavo, que depois se tornou o precursor do alfabeto russo “cirílico”, e
em 885, São Metódio traduziu a Bíblia inteira neste idioma; o Papa Silvestre II fez o
primeiro relógio de rodas; o padre Pacífico, de Verona, inventou o relógio de bolso;
padre Welogord, em 1316, fez o primeiro relógio astrológico; padre Alexandre Spina,
dominicano, inventou no século XIII o óculos; padre Magnon inventou o
microscópio; padre Embriaco descobriu o hidro-cronômetro e o sismógrafo; o padre
Procópio Divisch, em 1759, descobriu o para-raios, e não Franklin, que apenas
aplicou à proteção das casas; o doutor da Igreja Beda descobriu as leis das marés;
padre Gilbert introduziu os algarismos arábicos; padre Guido d’Arezzo inventou o
nome das sete notas musicais; padre José Joaquim Lucas (brasileiro) inventou o
melógrafo, ou modo de escrever as notas e sinais que correspondem à escrita
musical; padre Alberto, saxônio, imaginou as leis da navegação aérea; padre
Bartolomeu de Gusmão, em 1720, fez a aplicação destas leis aos aeróstatos, 60
anos antes de Mongolfier; padre Amaro, monge, foi o desenhador da célebre carta
marítima, em 1456, que inclinou Colombo às suas explorações; padre Gauthier, em
1753, aproveitando as experiências de Papin, Dickens e Watt, inventou o moderno
funcionamento da navegação; padre Nollet inventou as máquinas elétricas e
descobriu a eletricidade nas nuvens; padre Raul, vigário de Sfax, é o verdadeiro
inventor do submarino moderno; padre Duen fundou, em 1715, a primeira fábrica de
gás; padre Barrant, monge, descobriu o freio das locomotivas; bispo
Regiomontanos, de Ratisbona, descobriu a teoria da imobilidade do sol e do
movimento da terra em redor dele (em 1470), isto é, 10 anos antes do padre
Copérnico, e padre Copérnico, polaco, achou o duplo movimento dos planetas sobre
si mesmos e em volta do sol; os padres Ponce e Epée, beneditinos, criaram o
método da educação dos surdos-mudos, e fundaram a primeira escola para surdos;
padre Fegenece foi o primeiro a praticar a gravura nas vidraças; cardeal Mezzofanti
14
foi o maior conhecedor de línguas do século passado; bispo Virgílio, de Salzburg, foi
o descobridor da existência dos antípodas; padre Alberto Magno, dominicano,
descobriu o zinco e o Arsênico; cardeal Régio Fontana inventou o sistema métrico;
padre Lucas de Borgo é o inventor da Álgebra.
O monge matemático Jordanus Nemorarius, que, além dos conhecimentos
que contribuiu à matemática introduzindo os sinais de “mais” e de “menos”, iniciou a
investigação dos problemas da mecânica, superando a visão dos problemas do
equilíbrio, também foi o fundador da escola medieval de mecânica, o primeiro em
formular corretamente a “lei do plano inclinado”, e pesquisou sobre a conservação
do trabalho nas máquinas simples. O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, foi
um cientista e inventor nascido no Brasil Colônia, famoso por ter inventado o
primeiro aeróstato operacional, era chamado de “o padre voador”, e é uma das
maiores figuras da história da aeronáutica mundial. Ele também é o inventor de uma
“máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar.”; Papa
Gregório XIII, foi quem nos deu o Calendário Gregoriano, que é o calendário
utilizado na maior parte do mundo, e em todos os países ocidentais; Jean Buridan foi
um filósofo e padre francês, que desenvolveu e popularizou a “teoria do Ímpeto”, que
explicava o movimento de projéteis e objetos em queda livre. Essa teoria
pavimentou o caminho para a dinâmica de Galileu e para o famoso princípio da
Inércia, de Isaac Newton.
Merece destaque o bispo de Lisieux, um gênio intelectual e talvez o pensador
mais original do século XIV. Foi um dos principais propagadores das ciências
modernas. Na“Livre du ciel et du monde” (1377), Oresme se opôs à teoria de uma
Terra estacionária como proposto por Aristóteles e, neste trabalho, ele propôs a
rotação da Terra, cerca de 200 anos antes de Copérnico. No entanto, ele estragou
um pouco este belo pedaço de pensamento, rejeitando suas próprias ideias, no final
dos trabalhos e assim, como Clagett escreve, não pode ser considerada como a
reivindicação de que a Terra girava antes de Copérnico. Ele escreveu “Questiones
Super Libros Aristotelis de Anima lidar”, com a natureza da luz, reflexão da luz e da
velocidade da luz, discutidos em detalhes; o monge Luca Bartolomeo de Pacioli é
considerado o pai da contabilidade moderna, sendo Leonardo da Vinci um de seus
15
alunos; padre paraibano Francisco João de Azevedo, é reconhecido como inventor e
construtor da máquina de escrever, a máquina foi exposta ao público, ganhou
medalhas em dezembro de 1861, portanto antes que Samuel W. Soule e seus dois
parceiros, em 1868, recebessem a formalização da patente nos Estados Unidos;
padre Nicolas Steno é considerado o pai da Estratigrafia, que estuda as camadas de
rochas sedimentares formadas na superfície terrestre, e ainda teve estudos
significativos em anatomia; Jean-Antoine Nollet, foi abade e físico francês, se
constitui como um grande divulgador da física e da eletricidade em particular; o
padre Giabattista Riccioli foi a primeira pessoa a calcular a velocidade com que um
corpo em queda livre acelera até o chão; padre Francesco Grimaldi descobriu e
nomeou o fenômeno de difração da luz, e também participou de uma descrição
detalhada de um mapa da superfície da lua. Esse mapa chamado de Selenógrafo
adorna até hoje a entrada do Museu Nacional do Ar e Espaço, em Washington D.C;
padre Roger Boscovich, falecido em 1787, é louvado por cientistas modernos por ter
apresentado a primeira descrição coerente de teoria atômica, bem mais de um
século antes que a teoria atômica moderna emergisse, considerado “o maior gênio
que a Iugoslávia produziu”.
Vale citar padre Athanasius Kircher, que é considerado o pai da Egiptologia.
Foi graças ao trabalho deste padre que encontrou-se a Pedra Rosetta, que decifrou
os símbolos egípcios. Ele foi chamado de “Mestre das cem artes”, e seu trabalho em
química ajudou a desbancar a alquimia, que era um tipo de falsa ciência, que até
Isaac Newton e Boyle levavam a sério; o astrônomo católico Giovanni Cassini usou
a Catedral de São Petrônio, em Bolonha, para verificar as teorias de movimentos
planetários de Johannes Kepler.
Limitando-se agora a era medieval, foi nesse período que se registrou vários
dos inventos mais importantes da humanidade, e novamente é valido citar alguns
exemplos como: a bússola, as lentes de óculos, a roda com aros, o relógio mecânico
com pesos e rodas ("invenção mais revolucionária do que a da pólvora e a da
máquina a vapor", conforme o autor Ernst Junger), o canhão (em 1327), a caravela
(em 1430), a imprensa, a ferradura de cavalo (que permitiu ao animal correr sobre
terrenos inóspitos, antes impossível), os moinhos de água, de maré e de vento,
16
entre outras coisas. Tudo isso fez com que o Ocidente se encontrasse em melhores
condições de civilização do que outras partes do mundo no século XVI.
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a primeira dissecação de um
cadáver humano tivesse ocorrido só em 1315, pelo famoso professor Mondinho de
Luizzi, na universidade católica de Bolonha. Isso teria demorado à ocorrer pelo
suposto fato de a Igreja proibir a dissecação de cadáveres. Porém, pesquisas
recentes e fatos históricos brandamente conhecidos mudaram esse conceito.
Arqueólogos descobriram o mais antigo corpo humano dissecado, e este data
de 1200 (mais de 100 anos antes dos estudos de Mondino) e foi dissecado de
maneira experiente, o que revela indícios de um projeto de educação médica
contínua, e não de um fato isolado. O historiador James Hannam afirma que a Igreja
medieval não só não proibia autópsias, como até mesmo as ordenava, o que ocorria
eventualmente com a finalidade de procurar sinais de santidade no corpo de uma
pessoa (isso porque várias vezes confirmou-se orgãos em perfeito estado, como
corações, em corpos de pessoas que estavam em processo de canonização, e
quando essas conservações se dão de maneira milagrosa a Igreja leva isso em
consideração no processo; houveram também casos onde se acharam cruzes
dentro do coração de uma pessoa já morta, que obviamente não poderiam ter sido
colocadas por meios humanos). Em 1308, por exemplo, foi dissecado o corpo da
abadessa Clara de Montefalco, que seria canonizada em 1881. Também era prática
comum embalsamar os corpos dos papas e autoridades civis (e para embalsamar
um corpo é preciso abrir e retirar diversos órgãos). Outro fato é que em 1286 um
médico italiano também realizou autópsias a fim de identificar a origem de uma
epidemia. Quem afirma isso é Philippe Charlier, médico e cientista forense do
Hospital Universitário R. Poincaré, na França. Assim, é provável que Mondino tenha
feito a primeira dissecação pública de um cadáver humano, em 1315; porém, as
dissecações sistemáticas para fins educacionais já aconteciam em Bolonha muito
tempo antes.
A Idade Média teve muitas pragas e dificuldades. A população de fato vivia
em condições difíceis e esse povo sofreu muito mais do que qualquer outro naquela
época. Ainda assim, isso não segurou o progresso, a produção poética, a pintura, a
17
escultura, e tantas coisas desenvolvidas nesse meio tempo. A população abraçou a
fé católica em meio a tanto sofrimento, e através dessa pode fazer muitas inovações
(daí que se dá o grande progresso da Igreja durante o tempo medieval).
2.1. A MULHER MEDIEVAL
A situação da mulher medieval é assunto relativamente novo em questões de
pesquisa, mas que vem sendo estudado mais afundo. A sociedade francesa de Jean
Bodin editou em 1959 -1962 (respectivamente 347 e 770 paginas) um trabalho
interessante sobre a mulher medieval, e a também francesa Régine Pernoud
contribuiu muito para esse aspecto da história medieval. Estes e outros grandes
historiadores, já proporcionaram descobertas que mostram a importância da mulher
na sociedade medievalista.
Muito se diz que a igreja católica privou e priva as mulheres até hoje da
mesma dignidade que o homem, entre outras acusações. Por vezes é comum
escutar nos dias de hoje coisas como “A maneira que as mulheres muçulmanas são
tratadas no ocidente é medieval!”, insinuando que a “maneira medieval” de tratar
uma mulher é bárbara e repressiva. Não poderia haver erro maior.
A época medieval foi onde houve a grande promoção de dignidade e direitos
dignos entre mulher e homem. O lugar que elas ocupavam na sociedade era de
influência, exercendo exatamente um traçado paralelo com o dos homens. Muitos
por vezes se contradizem, dizendo “o que dominava a cabeça de toda população era
a Igreja”, e em seguida “por isso a mulher não tinha voz na idade medieval”. Ora, a
Igreja seguia o Direito Canônico durante todo o período medieval, e a população
seguia a Igreja, sendo que esse mesmo conjunto de regras e leis garantia a
dignidade e igual valor de importância entre os sexos. Como poderia então a igreja
ser uma entidade que fez a mulher perder a voz e ficar em segundo plano?
18
Os registros da cidade de Paris do século XIII deixam claro: mulheres não
ficavam somente em casa ou nos conventos como nos séculos seguintes. Havia
professoras, médicas, boticárias, tintureiras, copistas, miniaturistas, encanadoras,
arquitetas, e também abadessas e rainhas (PERNOUD, 1994). Exemplos como
Eleonora de Aquitânia, ou Branca de Castela, dominaram realmente seus séculos,
exercendo poder sem contestação na ausência do Rei, tendo suas chancelarias e
alfândegas, e seus campos de atividade pessoal. As coroações de rainhas tinham o
mesmo prestígio e pompa das coroações de reis, e certas abadessas (madres
superioras) eram tão influentes que administravam vastos territórios, incluindo
aldeias e paróquias. Muitas abadessas usavam báculo, tal como um bispo, pois
eram consideradas pela Igreja como pastoras supremas do território sobre o qual
governavam. No século XII, o célebre pregador Robert d’Arbrissel fundou um
mosteiro feminino e um masculino na cidade de Fontevrault, e esse mosteiro duplo
foi posto sob a autoridade de uma abadessa: a nobre viúva Petronilla de Chemillé.
Esse caso não foi único: houveram outros mosteiros colocados sob gestão feminina.
Figura 1.
Ao falar do papel da mulher na Idade Média, Régine Pernoud ainda faz uma
crítica aos movimentos feministas da época: diferente das mulheres medievais, que
19
tinham suas próprias áreas de atuação e vivência, as atuais se admiraram tanto pelo
mundo masculino que querem ser e atuar de maneira idêntica aos homens,
perdendo assim a identidade do sexo feminino.
O historiador Jacques Le Goff (francês, ateu, especialista em Idade Média)
explica: devemos à Idade Média a emancipação da mulher. No tempo feudal era
grande o número de uniões arranjadas. As numerosas “uniões de berço” servem
para mostrar como os moços estavam “no mesmo barco” que as moças: ambos não
podiam questionar essas imposições vindas de seus superiores. A Igreja nesse
cenário lutou contra essas uniões impostas, multiplicando no Direito Canônico as
causas da nulidade, reclamou a liberdade para os que se unem e com frequência se
mostrou indulgente ao tolerar a ruptura de laços impostos. Podemos perceber que
hoje em países cristãos, essa liberdade é justamente reconhecida pelas leis,
enquanto nos países não cristãos, como no extremo oriente, ela não existe, ou foi só
recentemente concedida.
Há algumas afirmações ainda mais ilógicas a respeito da ligaçaõ entre o sexo
feminino e o catolicismo, como a de que “a Igreja dizia nos primórdios que a mulher
não tinha alma”. Observa-se que os primeiros mártires honrados como santos foram
mulheres, como Santa Agnes, Santa Cecília, Santa Ágata e tantas outras. A Igreja
então teria dado a eucaristia (corpo de Cristo na crença católica) para seres sem
almas durante muito tempo, e até mesmo a mãe de Jesus Cristo (sempre honrada
pelos católicos) não teve alma nessa lógica.
A arte medieval também promoveu a exaltação do feminino. O romantismo
(período literário medieval) idealizava a mulher como musa, criatura inspiradora da
perfeição. Surpreendente constatar também que a mais conhecida enciclopédia do
século XII é da autoria de uma religiosa, a abadessa Herrade de Landsberg (Hotus
Deliciarum), o que também desmente a crença de que a primeira enciclopédia foi
organizada pelos iluministas, somente séculos mais tarde.
20
A independência e valorização da mulher foi lhe retirada a partir da Baixa
Idade Média, com a vinda do Renascimento, que acarretou na volta do Direito
Romano. O Direito Romano não é favorável à mulher, nem tampouco à criança. Ele
defende o direito de Pater Familias, pai, proprietário, e em sua casa, grande-
sacerdote e chefe da família com poderes sagrados, que tem sobre seus filhos
direito de vida e morte, assim como sob sua mulher. Apoiando-se nisso, juristas
estenderam o poder do estado centralizado e também restringiram a liberdade da
mulher e sua capacidade de ação. A influência desse direito é tão forte que no
século XVI a maioridade que era aos 12 para meninas e 14 para meninos, é
transferida para a mesma idade de Roma, ou seja, 25. Vale observar que é só no fim
do século XVII é que a mulher passa a tomar obrigatoriamente o nome do marido no
casamento.
Infelizmente tudo isso foge do conhecimento popular, e acredita-se que a
Idade Média tenha sido tão machista quanto o Renascimento, ou até mais. “Idade
das trevas”.
2.2. O SERVO MEDIEVAL
A escravidão é a prática social em que um ser humano
assume direitos de propriedade sobre outro, que é chamado então de escravo. Tal
condição é imposta por meio da força, e em algumas épocas e locais da história os
escravos eram legalmente definidos como uma mercadoria. Os preços variavam
conforme as condições físicas, habilidades profissionais, a idade, a procedência e o
destino. O dono ou comerciante pode comprar, vender, dar ou trocar por uma dívida,
sem que o escravo possa exercer qualquer direito e objeção pessoal ou legal
(retirado de Wikipédia, a enciclopédia livre, baseado em BARROS, 2009).
A partir do século IV, a escravidão foi desaparecendo progressivamente. Ela
foi substituída por servidão a partir do feudalismo. Quando Salviano de Massília
21
(escritor cristão do século V) escreveu a queda do império romano, diz “o único voto
que os romanos fazem é não ter jamais que recair sob o jugo de Roma”, ele
exprimiu um sentimento de liberação muito próximo aos dos povos descolonizados
de hoje.
O servo medieval é tratado como pessoa, e assim sendo, seu senhor não tem
direito sobre a vida e morte dele. Mais do que uma categoria jurídica, a servidão
medieval era um estado, intimamente ligado a um modo de vida rural e que obedece
aos imperativos agrícolas, e a estabilidade necessária ao seu cultivo. O servo tem
todos os direitos do homem livre: pode casar, fundar família, e a sua terra passará
para seus filhos na morte, assim como seus bens. Aí se vê um dos grandes avanços
sociais da época medieval, quando a situação de servo é radicalmente diferente da
de escravo, que não podia se casar, nem fundar família, nem possuir nada (objeto
algum), afinal ele próprio era visto como um item a ser vendido e trocado.
A relação de servo com o senhor feudal era totalmente diferente da relação
de senhor e escravo. A imagem construída a respeito da época feudal muitas vezes
é a de os senhores feudais estragando as plantações dos pobres servos só por
diversão e crueldade, os trabalhadores sofrendo para sustentar não só a si mesmo
mas também ao seu tirano senhor. Imagem retorcida, pois na verdade o que ocorria
era uma troca: o senhor oferecia as vantagens do feudo, e o servo podia usufruir
destas coisas dando em troca parte da sua produção para o senhor feudal. Na
época feudalista não se tem a ideia de possuir como hoje: o ter ou possuir era o
mesmo que usufruir, ou seja, um servo usufruir da terra do senhor, era como ter a
terra do senhor, afinal o sentido de ter era poder gozar e aproveitar de algo, e isso
os servos podiam.
Uma certidão antiga, exposta no Museu de História da França, mostra a
evolução da servidão quando posta em jogo com a escravidão. No documento se
veem duas servas, Auberede e Romelde, que no fim do século XI compraram sua
liberdade em troca de uma casa que possuíam em Beauvais (Paris). Esse simples
22
documento serve para provar que os servos poderiam possuir bens próprios,
negociar, vender, etc. Infelizmente, ainda se tem a forte crença de que na época
feudal não havia possibilidade de mobilidade social. A Igreja entrou nessa história
justamente como a fonte de mobilidade social, encorajando a libertação dos servos.
O perfeito exemplo é Abade Suger (1081 – 1151), um filho de servo que se tornou
ninguém menos do que colega do futuro rei Luís VI, na abadia de Saint-Denis. Nos
bancos escolares nasceu entre eles uma amizade que só terminou com a morte, e
sabe-se como, tornando-se abade de Saint-Denis, Suger governou o reino durante a
cruzada de Luís VII, que ao retornar o proclamou “Pai da Pátria”.
A escravidão ressurgiu nas colônias da América no século XVI, e novamente
a volta do Direito Romano e as mudanças sociais ocorridas com a Baixa Idade
Média e o Renascimento contribuíram para a defesa dessa prática. Estima-se que
em Roma mais de trinta por cento da população detinha a condição de escravo, e o
escravismo sempre foi defendido como direito pelos romanos. Qualquer advogado
ou estudante de direito sabe que o Direito Romano exerceu e ainda exerce forte
influência sobre as ações jurídicas. Na época renacentista, isso foi tirado como via
de regra, e aí gerou-se tantas das regressões que são pouco sabídas do período de
“trevas” para o renascimento.
2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA
A injúria de que a Idade Média é tempo de trevas começou a ser proferida
justamente no tempo que a sucedeu: o Renascimento.
O Renascimento do século XIV precisou criar uma imagem falsa sobre a
Idade Média, uma imagem de que aquela população vivia na ignorância, e que eles
é que dotavam do verdadeiro conhecimento, para promover-se e ajudar na
divulgação de suas ideias. O Iluminismo tem a maior parcela de culpa, pois achando
que o centro da arte, ciência, e de tudo deveria ser o homem e não Deus, rejeitou a
23
visão teocêntrica medieval, e criou o mito de “Idade das Trevas” para denegrir a
imagem de tudo que viesse do tempo medieval e da Igreja.
O Renascimento é caracterizado pela imitação do mundo clássico. Já se
cultuava o conhecimento desse mundo, pois durante toda a Idade Média foram
valorizados os avanços antigos, como a filosofia aristotélica no século XIII. O
simples bom senso na verdade, basta para raciocinar que o Renascimento não
poderia produzir nada embasado no conhecimento clássico se os textos antigos não
tivessem sido conservados em manuscritos recopiados durante os séculos
medievais, justamente pelo valor que era dado à esse conhecimento. Todavia, o
Renascimento exprime a imitação doentia pelo mundo antigo, e por isso acarreta em
toda a mudança cultural de direitos (já citada anteriormente) e de cultura, que serão
vistas aqui.
Em questão de arte, é comum na época renascentista a repetição. Para
exprimir a admiração que o Renascimento experimentava pelos filósofos antigos,
basta citar Bernardo de Charters, que o século XII, exclama “Somos anões
montados nos ombros de gigantes”. Ele se refere aos gigantes do mundo antigo: aos
romanos e gregos. Já começava a se pensar que não era possível ver mais longe do
que esses gigantes, mas que de fato, o mundo clássico tinha feito o trabalho com a
beleza de modelo para passado, presente e futuro, e portanto bastava copiar a
cultura dele. Tudo que estivesse em desacordo com a plástica grega e latina era
impiedosamente recusado. Para os renascentistas, tudo precisava ser regrado
novamente, de acordo com os artistas antigos, de acordo com Vitrúvio e Vasari.
Portanto, não fica difícil entender por que a arte medieval foi tão rejeitada e ignorada
durante tanto tempo. A visão era tão bitolada, que o francês André Malraux escreve:
“Pré-julgava-se que o escultor gótico (medieval) desejara esculpir uma estátua
clássica, e que não o conseguira pois não soube fazer”.
A pintura medieval causava tanta repulsa nos séculos clássicos, que os
renascentistas não encontraram outra solução se não cobrir os afrescos românticos
ou góticos com massa e quebrar os vitrais para substituí-los por vidros brancos. Isto
24
ocorreu em basicamente toda a parte e apenas alguns poucos lugares
permanecerem com seus vitrais e artes medievais intactas, e permitem que hoje em
dia tenhamos uma ideia da beleza medieval. Régine Pernoud explica em seu livro
“Idade Média: o que não nos ensinaram” (1994): “As rosáceas do transepto de
Notre-Dame de Paris foram conservadas somente porque se receava ser difícil
refazê-las”. Os historiadores de arte tiveram de se esforçar para encontrar de onde
veio a arte medieval, e durante um bom tempo ninguém duvidava que a arte gótica
tivesse sido trazida pelos árabes ou coisa do gênero, pois foi tão comum durante
tanto tempo somente copiar e recopiar, que ao olhar para a arte medieval os
estudiosos pensavam “De onde copiaram isto?”. Durante quatro séculos é a arte da
cópia que impera, junto com a desvalorização da invenção e criação. A Idade Média
também se inspirava na antiguidade, a diferença é que fazia isso como modelo, não
como imitação.
Já na questão da literatura, foi na “barbárie” onde nasceu o sentimento de
extrema delicadeza que fará da mulher suserana de todos os poetas. O romance é
uma invenção da época feudal, pela cultura de senhor e vassalo: um prometendo
proteção, outra fidelidade. A mulher nessa história, torna-se “senhor”, a suserana do
poeta à qual ele deve sua fidelidade.
25
Vitral da igreja Matriz de Espinho, Portugal. Figura 2.
É igualmente nesta época que foi elaborada a linguagem musical usada no
ocidente até hoje. A atividade poética e musical é intensa com a criação de múltiplos
hinos e cantos litúrgicos, e sabe-se que o cantochão ou canto gregoriano (atribuído
durante um bom tempo ao papa Gregório Magno) data do século VII. Até mesmo os
nomes das notas da escala musical foram tirados de um hino do século VIII, em
homenagem a São João Batista, Ut Queant Laxis, pelo já citado italiano Gui d’
Arezzo. A nossa civilização deve a música a esses tempos “obscuros”, que
inventaram a escala. Nem todos sabiam ler, mas todos sabiam cantar, pois não se
separava a música da poesia.
Até mesmo a arte teatral sofreu regresso depois da Idade média. O teatro no
período medieval era para toda gente e recrutava pessoas de toda profissão e
trabalho. Porém, no século XVI do Renascimento, já não havia mais espaço para
essas pessoas terem cultura teatral. Ocorreu que em 1542 na França, o parlamento
proibiu os confrades da paixão de continuar a representar no palácio de Borgonha
os mistérios medievais que eram encenados para o povo. “Esta confraria produziu
artistas medíocres. Que em consequência são incapazes de honrarias. faziam
caminhar lado a lado escravos e artesãos”, disse o parlamento.
26
. O preconceito contra o tempo medieval não foi só gerado no Renascimento.
Muitas vezes e em tempos diferentes, a Idade Média foi alvo de injúrias por diversos
motivos. Um dos mais claros é o ataque à Igreja Católica Apostólica Romana, pois
sendo ela o personagem principal da Idade Média, ataca-se esse período com o
intuito de manchar a imagem da Igreja ou mesmo das religiões em geral. Estes
obtiveram sucesso, afinal, por mais que se tenham estudos suficientes hoje para
saber que a Igreja não matou Galileu, que a Inquisição não foi uma instituição de
intolerância e irracionalidade, e que a venda de indulgências não aconteceu de
maneira aceita pela Igreja, esses e tantos outros mitos e mentiras foram difundidos
na mente popular por pseudo-historiadores, de maneira que até os dias atuais são
ensinadas mentiras em universidades e escolas, pois são raros os historiadores que
estudam o suficiente para fugirem dos anti-medievais e conseguirem descobrir a
verdade. Mesmo entre os próprios católicos, dentro da Igreja, é comum que não
conheçam a história verdadeira. “Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma
verdade”, como disse Joseph Goebbels.
Entre os culpados por criar a mentira medieval, também se encontram os
cristãos protestantes. Desde o fim da Idade Média e até os dias atuais, toda e
qualquer igreja se empenha em fazer uma propaganda anticatólica, e para isso não
mede esforços ao falar dos “regressos medievais” (mesmo que eles não tenham
existido). O historiador, Jacques Heers, atual diretor do Departamento de Estudos
Medievais da Universidade de Paris-Sorbonne, destaca que os revolucionários
franceses de 1789 também souberam orquestrar muito bem a propaganda anti-
medieval para cumprir seus interesses.
O próprio nome que foi dado à Idade Média é um perfeito exemplo: “Média”.
Justamente para dar a ideia de que no tempo Clássico o homem evoluiu, de que a
antiguidade é uma época bela e importante, mas então houve um grande sono, uma
grande noite de trevas, mas que depois terminou com o “Renascimento”. Um
27
período “médio”, que de nada serve se não para estar no meio dos séculos que
realmente servem para a humanidade.
“Mil anos sem produção poética ou literária digna desse nome, é
concebível? Mil anos vividos pelo homem sem que se tenha exprimido nada
de belo, de profundo, de grande, sobre ele mesmo? Quem acreditaria nisto?
No entanto, fizemos acreditar nisto pessoas muito inteligentes [...]” –
(PERNOUD, 1909, p.49).
Por todos esses motivos, nos próximos capítulos serão tratadas as mentiras
mais famosas sobre a Igreja Católica e o período medieval, a fim de separar a
verdade do mito.
28
3. VENDA DE INDULGÊNCIAS
A famosa Venda de Indulgências é conhecida por ter sido um dos maiores
escândalos da história da Igreja Católica. Conta-se aos quatro ventos que foi um
período medieval em que a Igreja teria vendido para os fiéis lugares no céu, graças,
perdão dos pecados, entre outras coisas, mediante o pagamento de uma taxa,
sendo esse pagamento a garantia de que todas essas dádivas aconteceriam.
A referida venda ocorreu, mas como já se tem brando conhecimento pelos
historiadores medievais, não foi da maneira como se conta e tampouco proposta
pela Igreja, mas sim uma forma de heresia que surgiu na Alemanha, e que mais
tarde veio a ser atribuída ao catolicismo por aqueles que não simpatizavam com o
mesmo.
Para entender como se deu o mito da Venda de Indulgências, precisa-se
entender o que são as indulgências de fato. Elas passaram a fazer parte da doutrina
católica junto com o florescer do cristianismo e perduram até os dias de hoje. De
acordo com a Igreja Católica, quando o ser humano peca ele sofre duas
consequências: a perda da comunhão com Deus (o afastamento que o seu pecado
gerou, pois Deus nunca se afasta do homem, mas sim o homem que se afasta de
Deus quando opta pelo pecado), e uma “marca” na alma, chamada de pena
temporal. A comunhão com Deus pode ser reatada pelo sacramento da confissão,
onde os católicos primeiro se arrependem de seus pecados, depois os admitem
perante um padre (que no momento da confissão age como intermediador, sendo
então o próprio Cristo ao qual é necessário pedir perdão), e por último fazem uma
boa ação, rezam, ou outro tipo de ato para tentar compensar seus erros para com
Deus. É muito questionado de onde vem o poder de um padre para perdoar os
pecados de uma pessoa. O Catolicismo afirma que o poder não vem do padre em si,
pois esse só age como meio para manifestar o poder de Jesus Cristo, que é quem
de fato perdoa os pecados dos homens. Isso teria sido confirmado por Jesus na
29
bíblia no livro de João, capitulo 20 e versículos 21 – 23, onde Cristo aparece aos
seus apóstolos e diz que recebam o Espírito Santo, e a quem eles perdoarem os
pecados, eles lhes serão perdoados, e a quem reterem, eles lhes serão retidos. Isso
seria válido para os padres pela sucessão apostólica católica.
Não se alongando mais na parte referente a confissão, é necessário entender
o que são as penas temporais citadas acima. Elas são penas que não podem ser
retiradas pelo sacramento da confissão, mas exigem uma purificação, que pode ser
em vida ou em morte. Exemplifica-se como um filho, que perde a confiança do pai
após fazer alguma besteira: o pai o perdoa, mas depois ele mesmo tem de
reconquistar a confiança do pai. Assim, o homem deixa de ser santo quando peca, e
mesmo depois de receber o perdão dos pecados pela confissão, precisa correr atrás
da santidade pelos seus méritos. A Igreja Católica justifica isso através de vários
versículos bíblicos, como Isaias 43:24-26 (entre outros).
O Catecismo da Igreja Católica explica, a partir dos números 1472l, que a
santificação pode ocorrer totalmente ou parcialmente de várias maneiras: quando o
fiel cumpre a penitência estabelecida pelo sacerdote no ato da confissão; quando
aceita os sofrimentos da vida como forma de se santificar, sem queixar-se; quando
persevera em oração constante; quando pratica obras de caridade; quando pratica
gestos de mortificação; ou quando recebe indulgências.
Em artigo no site de doutrina e história católica “O Catequista”, publicado em
19/09/2014, explica-se o caso das indulgências baseado em nos autores Tuchman,
Russel, Ranke, entre outros. Explica-se que a criação das indulgências aconteceu
porque na antiguidade, porém, sempre foi comum que a penitência fosse mista com
um ato de mortificação. Sendo assim, nem todos católicos podiam fazer essa prática
por questões de saúde (como os idosos). Então, a partir do século XI, a Igreja
permitiu que nesses casos o fiel doasse uma quantia referente a sua renda, que
seria usada para obras de caridade (como a ajuda que a Igreja dava para as viúvas,
por exemplo) ou necessidades da Igreja, visto que o fiel doar a sua renda (fruto do
seu esforço) já era um ato de caridade e boa obra, e aí o fiel recebia uma
indulgência, que na verdade era a substituição da penitência quando o cristão não
podia faze-la. Todavia, a indulgência não era o perdão dos pecados, muito menos
venda de um “lugar no céu”, como muito se ouve dizer. Essa prática foi perfeita
durante certo tempo, funcionando da maneira que fora pensada para funcionar:
ajudando os fiéis que não podiam fazer os atos de penitência. Mas para entender
como começaram as heresias referente as indulgências, precisa-se entender o
cenário em que se desenrolou esse episódio.
30
3.1. A FRACA ALEMANHA MEDIEVAL
No mundo medieval, os grandes estados europeus possuíam um governo
forte. A Alemanha, porém, não o tinha. O país alemão como o conhecemos
atualmente, é algo recente, um estado que surgiu no século XIX. Porém, nos tempos
das famosas vendas de indulgências, durante o papado de Leão X, o que havia no
território alemão eram duques e condes reunidos sobre o título de “Sacro Império
Romano-Germânico“, que por sua vez não eram muito influentes e poderosos, e
viviam um estado de penúria espiritual e econômica. Estes foram vítimas dos
demandos financeiros do desesperado Papa Leão X.
Nesse contexto começa-se a entender porque se deram alguns abusos.
Roma era antipática aos olhos do povo alemão (e talvez o seja até hoje) justamente
por conta de que para eles, a Igreja era uma força sanguessuga, mas que possuía a
autoridade legada por Jesus e era a casa do Espírito Santo, portanto eles não
podiam negar a importância e a necessidade da presença dela. Nesse contexto já
um pouco caótico, Leão X mandou Johann Tetzel (um frade dominicano) como
pregador para Alemanha, dando lhe poder para conceder as indulgências.
As indulgências, como citado acima, podem ser consideradas como uma
dispensa da prática de boas ações, sob condições particulares, no todo ou em parte,
como penalidade. Tetzel (e alguns padres que o seguiram) contrariaram a doutrina
da Igreja, e passaram a pregar que as indulgências eram a libertação do pecado em
si. Depois disso, para começar a famosa “venda de graças” foi um pequeno passo.
Um terço do dinheiro arrecadado com a venda de indulgências por Tetzel ia
para Roma, na época da reconstrução da Basílica de São Pedro. Deve-se salientar
que Leão X nunca proclamou uma heresia, concordando com o que o frade herege
dizia. O Papa inclusive puniu Tetzel, por sua pregação que ia muito além do que a
doutrina católica ensinava de fato.
Leão X vivia no seu claustro romano como seus antecessores, sem ter ideia
do que ocorria na Alemanha. Antes de Lutero já haviam surgido outros protestantes
no território germânico, por isso não fica difícil entender o motivo de o protestantismo
ter surgido na Alemanha, e não na Itália, França, ou em qualquer outro lugar do
globo.
31
Bula de indulgência como as que eram concedidas por Leão X. Figura 3.
Os diversos abusos que a prática das indulgências sofreu não foram nada
queridos pela Igreja, e então essa modalidade de concessão de indulgência foi
cancelada pelo Concílio de Trento no século XVI, justamente por causa das
heresias. Como é comum na história, é próprio do homem distorcer algo que foi
estabelecido para o bem de muitos.
Nos dias de hoje, a indulgência só é concedida pela Igreja nas raríssimas
ocasiões em que ela considera que o esforço de uma pessoa para viver a fé lhe
redime dos pecados já perdoados. Sendo assim só podem receber as indulgências
os que já estão sem pecados, depois de se arrepender e confessar-se.
O Catecismo da Igreja Católica esclarece sobre as Indulgências que podem
ser alcançadas:
§1479 – Uma vez que os fiéis defuntos em vias de purificação também são
membros da mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los obtendo
para eles indulgências, para libertação das penas temporais devidas por
seus pecados.
§1498 – Pelas indulgências, os fiéis podem obter para si mesmos e também
para as almas do Purgatório, a remissão das penas temporais, seqüelas
dos pecados.
§1032 – A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as
obras de penitência em favor dos defuntos… “Não hesitemos em
socorrer os que partiram e em oferecer nossas orações por eles.” (S. João
Crisóstomo, Hom. In 1Cor 41,5)
32
§1471 – A doutrina e a prática das indulgências na Igreja estão
estreitamente ligadas aos efeitos do Sacramento da Penitência.
“Indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida aos
pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e
em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual,
como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, o
tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Paulo VI, Const. Apost.,
Indulgentiarum doctrina, 2)
“A indulgência é parcial ou plenária, conforme libera parcial ou totalmente
da pena devida pelos pecados (Indulgentiarum Doctrina,2 ). Todos os fiéis
podem adquirir indulgências (…) para si mesmos ou para aplicá-las aos
defuntos” (CDC, cân 994).
§1472 – As penas do pecado. Para compreender esta doutrina e esta
prática da Igreja, é preciso admitir que o pecado tem dupla conseqüência. O
pecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nos
torna incapazes da vida eterna; esta privação se chama pena eterna do
pecado. Por outro lado, mesmo o pecado venial, acarreta um apego
prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra quer depois
da morte, no estado chamado purgatório. Esta “purificação” liberta da
chamada “pena temporal” do pecado. (PAULO, 1998, p. 406, 408 e 411).
33
4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA
O caso de Galileu é uma das mais famosas estórias contadas acerca da
Igreja Católica e do período medieval. Muito se ouve que Galilei foi morto por propor
o sistema heliocentrista, e as versões que justificam a morte são as mais diversas:
que a Igreja queria “dominar o universo”, e se a terra não estivesse no centro dele
ela não poderia dizer ter controle do universo (por mais engraçado que pareça); que
a Igreja queria a Terra como quadrada para não contradizer a bíblia; que ele foi
achado pela Inquisição, torturado, humilhado, e que teve de afirmar que o que disse
era mentira, etc. Outras versões contam que ele recebeu sentença de prisão, foi
queimado, ou dezenas de outras coisas horríveis para ilustrar a vilania da Igreja
contra o estudioso.
Primeiramente, acerca da questão de que a Igreja e o povo acreditavam que
a Terra era redonda antes de Galileu, é importante notar que em 1473, quase 20
anos antes da viagem de Colombo, foi publicado o Tractatus de Sphaera Mundi
(sphaera = esfera), um manual de astronomia e geografia com o maior número de
edições até hoje. Foi muito utilizado pelos portugueses durante a era das grandes
navegações, e o autor deste foi John Holywood (um monge inglês). São Tomás de
Aquino também já havia afirmado em sua suma teológica que a terra era esférica, e
Dante também havia se referido à Terra dessa forma na famosa obra “A Divina
Comédia”. Na Grécia antiga já era admitido por Pitágoras (VI a.C.) e seus discípulos
a esfericidade da Terra, e a prova final disso se deu com a expedição feita por
Fernão de Magalhães, em 1521 (que ocorreu antes mesmo de Galileu nascer).
Galileu nasceu em 1564, um século após o término da Idade Média, ou seja, mais
uma mentira: ele não viveu na época medieval.
34
Imagem de Nossa Senhora da Grade, padroeira de Lille (França), do século XI, onde nota-se o globo
nas mãos do Menino Jesus, simbolizando a Terra (esférica). Figura 4.
Escultura de Carlos Magno, feita por volta do ano 900, onde ele segura a Terra (esférica). Figura 5.
Nas últimas décadas, a versão de que Galileu foi obrigado a dizer que estava
mentindo em público (para que a Igreja continuasse como sendo a conhecedora da
verdade) era a aceita na maioria dos lugares, por ter ficado famosa através de obras
populares ou mesmo livros didáticos de história. Jackson Spielvogel, autor de um
texto bastante usado em faculdades, refere-se a citações do julgamento de Galilei, e
a dramatização completa do suposto julgamento estão a disposição no museu
Smithsonian, de Washington D.C., mostrando um tribunal lotado, e esforçando-se
para fazer a Igreja como “malvada” e o cientista como herói, criando assim o embate
de religião versus ciência. É interessante observar que esta estória não existia até o
século XVI: ela foi citada a primeira vez em 1760 (mais de um século depois da
morte de Galileu, que foi em 1642), e apareceu justamente com o auge do
Iluminismo, onde vários filósofos atacaram a Igreja de toda forma (Voltaire a
chamava de “a coisa infame”). Os historiadores atualmente sabem que a lenda foi
inventada para difamar a Igreja e criar o embate citado acima. A Phd Diane Moczar
explica em seu livro “Sete Mentiras Sobre a Igreja Católica”: “Inventou-se a lenda de
35
Galileu para denegrir a Igreja, trazer a público os supostos males da Inquisição e
demonstrar o quão anticientíficas e antiprogressivas são as religiões.”
De fato, o Iluminismo veio propor uma nova religião: a ciência, que não
precisa mais de Deus. E para promover essa religião, contou sobre os vários
“cientistas heróis” que foram perseguidos pelo suposto “inimigo do progresso”: o
catolicismo.
4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU
Mesmo sendo um dos casos históricos mais difamados, o assunto de Galileu
no meio acadêmico já foi esclarecido há algum tempo, e qualquer historiador
atualizado ou mesmo apreciador de história sabe que Galileu não foi morto nem
torturado pela Igreja por defender a ideia de sistema solar que foi concebida por
padre Copérnico. Pelo contrário, ele morreu em Arcetri (Itália), rodeado de sua filha
Maria Celeste e seus discípulos, e enterrado na Basílica de Santa Cruz, em
Florença.
Um simpósio realizado na Universidade Católica de Washington em 1982, a
respeito de Galilei, ajuda no entendimento de algumas verdades sobre o caso. O
simpósio foi chamado de “Reinterpretando Galileu”. Ficou claro que ele não podia
apresentar razões convincentes na época para o heliocentrismo, e também sua
grande aposta era que o fluxo das marés seria a prova da revolução da Terra em
torno do Sol, quando na verdade sabe-se que as marés se devem à força da
gravidade da Lua. Sem argumentos sólidos, e mais a contrariedade da bíblia (cf Js
10, 12s), é plenamente compreensível a repulsa sofrida pelo cientista na época. Os
intelectuais do simpósio destacaram alguns pontos irrefutáveis:
1. Galileu não foi acusado nem condenado por heresia. Não foi torturado, nem
lhe foram mostrados os instrumentos de tortura.
2. O ponto de debate no processo não foi estritamente de ignorância religiosa
versus verdade científica: a verdade científica em si mesmo, naquela época,
era obscura e equívoca.
3. E, depois de Galileu concordar em dizer que não acreditava na terra em
movimento e no sol parado, não pronunciou, como diz a lenda, as
provocadoras palavras “E, contudo, ela se move!”.
4. De fato, seria difícil a Igreja achar Galileu inocente. Ele foi apenas acusado de
desobedecer a uma ordem da Igreja, e está fora de dúvida que realmente
desobedeceu (a ordem de 1616, que será vista mais a frente).
36
5. Não havia simplesmente prova de que o modelo heliocêntrico de Galileu e
Copérnico fosse melhor do que o modelo popular geocêntrico de Tycho
Brahe. O sistema de Brahe tinha a vantagem de não se opor às Escrituras.
4.2. O HELIOCENTRISMO
Para entender como foi o caso de Galileu, é necessário conhecer a história do
sistema heliocêntrico, para não cometer erros ou injúrias (como normalmente é
feito). A primeira questão que entrou em jogo é se a Terra está parada e os planetas
orbitam ao seu redor, ou se a Terra é que orbita em torno do sol com os outros
planetas. Naquela época, a ciência natural tornou-se paixão de muitos intelectuais,
incluindo papas, cardeais, e monges (entre outros), então por mais que essa
problemática pareça pequena para gerar toda uma confusão dessas, ela não é.
Diferente da crença popular, Galileu não foi o primeiro a teorizar sobre os
céus. Astrônomos da Grécia Antiga haviam desenvolvido teorias sobre o movimento
celeste, e Ptolomeu, Aristóteles e mais alguns adotaram versões da teoria
geocêntrica (Terra no centro fixo ao redor do qual os outros corpos orbitam). A
versão de Ptolomeu sobre as estrelas foi tão precisa que até hoje é usada para a
navegação. O primeiro defensor da teoria heliocêntrica (o Sol no meio do sistema)
foi Aristarco no século III a.C. Seu sistema não foi aceito pois a teoria de Ptolomeu
era melhor para fins práticos, e mais agradável ao pensamento grego.
Galileu Galilei por Justus Susterman, 1636. Figura 6.
37
A teoria geocêntrica provavelmente foi questionada durante toda a Idade
Média, embora não se tenha um trabalho concreto sobre isso. O que se sabe é que
os medievais se perguntavam por que as coisas simplesmente não cairiam com a
movimentação da Terra, como a Lua poderia orbitar o Sol e a Terra ao mesmo
tempo, entre outras coisas. Vale observar que estas não são perguntas estúpidas,
prova disso é que algumas só foram respondidas no século seguinte, por Newton.
A teoria heliocêntrica voltou a ser defendida no começo do século XVI, por
Copérnico. Nicolau Copérnico foi um clérigo polonês, professor de medicina e de
direito. Nicolau e seus superiores sabiam que certas referências bíblicas aos Céus
pareciam se basear na imobilidade da Terra e mobilidade do Sol e das estrelas.
Uma teoria científica que contradissesse as escrituras era uma atitude polêmica, e
poderia gerar incômodo. Para servir de exemplo, o monge Lutero foi um dos críticos
mais violentos de Copérnico, que sem medir palavras chamou-o de “tolo”, e ainda
comentou que “Josué ordenou que o Sol parasse, e não a Terra”, na bíblia
(MOCZAR, 2012). Teólogos protestantes da época também discordavam
radicalmente da teoria heliocêntrica. Melancton, teólogo protestante e companheiro
de Lutero, dizia que este sistema significava o enlouquecimento das ciências.
Johannes Kepler, famoso protestante contemporâneo de Galileu, que
descobriu as três leis que regem os movimentos dos satélites, teve que deixar
Wittemberg (sua terra natal) por causa da perseguição protestante que sofreu pelas
ideias copernicanas. Em 1659, o Superintendente Geral de Wittemberg, Calovius,
afirmou que a razão deve se calar quando a Escritura fala, e verificava com prazer
que os teólogos protestantes rejeitavam até o último a teoria de que a Terra se
move. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenou
Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Em 1774, o pastor luterano
Kohlreiff, de Ratzeburg, pregava que “a teoria do heliocentrismo era abominável
invenção do diabo”.
Enquanto isso, Johannes Kepler baseou-se nas observações do dinamarquês
Tycho Brahe, e refinou a teoria de Copérnico para torna-la mais plausível (o que
causou a revolta dos protestantes da Universidade de Tubingen, a ponto de Kepler
precisar refugiar-se com a ajuda de jesuítas em 1596).
A teoria de Copérnico circulou mais de sessenta anos pela Europa, sem
qualquer desaprovação da Igreja: antes de morrer, ele havia sido encorajado por
membros do clero a divulgar seus estudos, e então escreveu o famoso “De
revolutionibus orbium coelestium” e o dedicou ao Papa Júlio III (que aceitou a
38
homenagem). Aí já se vê um problema referente a afirmação de que a Igreja negou
a Galileu o direito de mostrar sua teoria. Afinal, a teoria de Copérnico havia sido
aceita e prestigiada pela Igreja. Sendo teoria do novo cientista baseada nesta,
porque haveria problema?
De revolutionibus orbium coelestium, livro escrito por Copérnico. Figura 7.
É no final do século XVII que Galileu entra em cena: formado em astronomia
e pouco diplomático (raramente admitia quando estava errado, a exemplo de quando
Papa Urbano, seu colega de astronomia, tentou corrigi-lo sobre a questão do
movimento das marés). Existem relatos de amigos próximos ao cientista, de que ele
era arrogante e egocêntrico, e os diálogos escritos pelo próprio Galileu com o clero
também podem comprovar esta característica. Ele tinha um talento natural para o
escárnio, e hoje em dia sabe-se que ele teve sorte de receber uma punição leve da
Igreja por seus atos. É necessário mostrar a verdade sobre o cientista, não para
diminui-lo, mas para que saiba-se a real face desse grande personagem histórico, e
não a versão distorcida que foi inventada pelo iluminismo.
Atualmente, se tem conhecimento de que Galileu não inventou o telescópio,
mas apenas o aperfeiçoou; não descobriu as manchas solares (quem o fez foi o
astrônomo Johannes Frabicius); que sua opinião sobre os cometas serem uma
ilusão de ótica estava errada, entre outras questões que ainda estão sendo
estudadas (atualmente cientistas querem exumar seus restos mortais para tentar
descobrir o quanto seu problema de visão influenciou em muitas das suas teorias).
Esses fatos são importantes para que se tenha conhecimento de que ele não era um
gênio imbatível, e, portanto, já foi recebido com certo ceticismo pela comunidade
39
acadêmica quando defendeu o sistema copernicano. Além disso, o problema era
agravado pelas passagens bíblicas, que (como dito anteriormente) pareciam
contradizer suas ideias.
“Hoje já não há mais dificuldade de se conciliar a fé com a ciência, pois os
estudiosos tomaram consciência de que a Bíblia não pretende ensinar
ciências naturais. Naquele tempo não havia essa clareza” (AQUINO, 2009,
p. 230).
Impaciente e teimoso pela reação do meio acadêmico ao seu novo
estudo (que foi a de não dar a atenção esperada), o cientista foi a Roma tentar obter
patrocínio de seus admiradores, incluindo um de seus grandes amigos (por mais que
isso possa ser difícil de conceber para a maioria das pessoas) o Papa. Este por sua
vez, tentou mostrar a Galileu que sua ideia era boa, porém era só uma teoria, e que
por mais que a bíblia não ensinasse ciência e sim fé, era preciso evitar contradizer
as escrituras sem uma prova concreta. Outro ponto, é de que a teoria de Galileu
trazia detalhes (como o movimento circular perfeito dos planetas) que não
satisfizeram outros astrônomos. É importante lembrar que nessa época a teoria de
Tycho Brahe (a que permitiu Johannes Kepler descobrir as leis dos movimentos dos
planetas) não fora desaprovada, e para os medievais ela parecia muito mais próxima
da verdade.
Na ida a Roma, para audiência particular com Papa Paulo V, Galileu foi
recebido pelo famoso colégio de Roma com uma grande festa em sua homenagem,
com a presença de vários jesuítas, condes, duques, e membros do clero em geral
(isso porque alguns jesuítas gostavam muito da teoria de Copérnico, e adoraram ver
o cientista a defendendo).
Todavia, Galileu ignorou o conselho do Papa, e partiu para ofensiva de
maneira desastrosa. Ele mesmo relata em uma carta como havia lidado com a
controvérsia em uma festa elegante, diz ele “Comecei a bancar o teólogo”,
insinuando que se as escrituras fossem usadas contra ele, ele também poderia
interpreta-las da maneira que fosse preciso.
Ofendido pela falta de prestígio de seu estudo, Galilei se deu ao trabalho de
publicar um diálogo fictício entre dois personagens, um “tolo” que apoiava
Aristóteles, chamado Simplício, e outro que adotava a visão defendida por Galileu.
Ele colocou as palavras do Papa Urbano na boca de Simplício, deixando claro que
seriam tolos todos aqueles que compartilhassem da visão de Aristóteles e do Papa.
Galileu simplesmente conseguiu motivos para gerar um grande conflito quando
disseram que ele não estava certo. O interessante é notar que no imaginário popular
40
é justamente o oposto que se manifesta: a Igreja que foi ignorante e não aceitou
Galileu.
O grande erro de Galileu foi tentar usar das escrituras como prova de que ele
estava certo, tentando fazer com que o trecho: “O sol se levanta, o sol se põe;
apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo.” (Eclesiastes 1,5),
mostrasse de alguma maneira que sua teoria estava correta. Galileu quis levar a
discussão (que era científica) para o caminho teológico, usando-se das Escrituras
para provar que sua tese era real. Esse foi seu grande erro, pois além de estar
sendo herético (a heresia de manipular a bíblia de maneira que ela satisfaça suas
necessidades), ele foi derrotado pelos teólogos da época.
“Se examinarmos o processo, vemos que Galileu não foi condenado pelas
suas teses científicas, mas porque tentava fazer teologia. O próprio Galileu
afirmava, errando: visto que a Terra gira em torno do Sol, devemos mudar a
Sagrada Escritura. Nesse caso, quando Newton descobriu a gravitação
universal e Einstein a relatividade, deveríamos ter mudado de novo os
textos sagrados” – Nicolau Cabibbo, presidente do Insituto Nacional de
Física Nuclear da Itália
São Roberto Belarmino (cardeal amigo de Galileu) esclareceu que a teoria
não poderia ser provada, e por isso seria tratado como o que ela era: uma hipótese.
Ele escreve:
“Se houvesse uma prova concludente de que Sol está no centro do universo
e a Terra está no Terceiro céu, e que o Sol não circula a Terra, mas a Terra
circula o Sol, precisaríamos proceder com grande cautela ao explicarmos as
Escrituras que parecem afirmar o contrário. Precisaríamos dizer que nós
não as entendemos, em vez de dizer que seu conteúdo é falso. Mas só
acreditarei em tal prova quando me for mostrada.” Carta de São Belarmino
a Foscarini.
A prova que Belarmino pediu nunca foi mostrada, pois Galileu não a tinha.
4.3. O “JULGAMENTO”
Em 1616, pelo fato de Galileu não ter dado ouvidos e ter seguido em frente
defendendo sua hipótese como verdade irrefutável, o Cardeal Roberto Belarmino o
recomendou que parasse com isso, e que a partir de agora nem sequer defendesse
sua teoria. Galileu prometeu que o faria, e por isso não houve nenhum processo
formal. O Papa Paulo V o acolheu, e também Papa Urbano VIII. Em 1624, Paulo III
41
inclusive deu a Galileu medalhas e outros presentes, e lhe rogou que seguisse
realizando seu trabalho.
Em maio de 1630, Galileu foi a Roma novamente para obter o Imprimatur
(uma declaração da Igreja de que um livro é bom e deve ser lido por todo católico;
em latim significa “deixem-no ser impresso”) do seu livro. Padre Riccardi (amigo do
astrônomo) examinando o livro, concluiu que eram necessárias 3 correções:
1. Mudar o título de “Diálogo sobre as Marés”, porque destacava demais o
único argumento (e errado) de Galileu para o sistema copernicano.
2. Alterar algumas passagens.
3. Alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como
verdade, mas sim como hipótese.
Diante disso, Galileu quis imprimir o livro em Florença, e Pe. Riccardi
concordou, desde que Galileu lhe trouxesse o primeiro exemplar com as correções,
para receber o “Imprimatur”. O cientista argumentou que a peste da região impedia a
comunicação entre as duas cidades, e então novamente Riccardi cedeu,
concordando com o exame da obra em Florença, bastando enviar a Roma só o título
e Prefácio.
Em Florença, Galilei conseguiu outro revisor amigo seu, Stefani, que foi
induzido a pensar que a obra já tinha sido aprovada em Roma. Stefani concedeu
autorização, o título e o prefácio foram enviados para aprovação, e o livro publicado
em 1631.
Riccardi recebeu um exemplar e viu com surpresa que antes da aprovação
florentina, estava a sua, e sem nenhuma correção no livro: o sistema copernicano
era apresentado em toda a obra, exceto no prefácio, como verdade incontestável.
Foi aí que Papa Urbano VII passou o assunto à Inquisição.
A comissão encarregada de examinar a obra destacou oito pontos, que
deveriam ser esclarecidos. Mas deixaram claro que a desobediência do cientista era
um agravante sério.
42
Depois de vários adiamentos (doença, velhice, peste, inundações, entre
outras alegações) Galileu foi a Roma para julgamento. Foi submetido a quatro
questionamentos. No primeiro negou que houvesse defendido o sistema
heliocêntrico no livro. No segundo disse que relendo o livro, reparou em alguns
trechos onde o leitor pode pensar que ele defendia o sistema. No terceiro desculpou-
se por desobedecer a proibição de 1616, afirmando que não se recordara. E no
quarto e último (21/06/1633) lhe perguntaram solenemente se ele defendia o sistema
copernicano, e ele negou. No dia seguinte, foi declarado em Decreto do Santo Ofício
em sentença pública: “... é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure,
maldiga e deteste ditos erros e heresias...”
Na época que o famoso “julgamento” ocorreu, Galileu estava com 70 anos, e
uma saúde debilitada. Como já foi dito, ele não foi torturado nem preso. Enquanto
estava em Roma, ficou primeiro na embaixada florentina e depois no apartamento
do palácio do Vaticano, acompanhado de um empregado, com vinho e comida
fornecidos pela embaixada. Nunca houve um imenso tribunal cheio de inimigos.
Estavam presentes apenas Galileu, dois oficiais e um secretário. Depois o relato dos
oficiais foi submetido a um tribunal de dez cardeais, dos quais três se negaram a
votar. Também é falsa a afirmação de que ele teria dito “E, no entanto, ela se move”,
ao sair da sala. Essa afirmação apareceu pela primeira vez em um livro sobre
Galileu, escrito dois séculos depois, sem nenhum embasamento empírico para essa
questão (MOCZAR, 2012).
É fato que a Igreja foi longe para obter uma retratação de Galileu, e isso se
deu por várias razões: seu escárnio público do papa, no diálogo citado anteriormente
(publicado em 1632, que fazia chacota também de Aristóteles, que se é admirado
nos dias de hoje, quanto mais no século XVI, renascentista); o fato de que Galileu
ensinou por anos sua teoria como se fosse fato, negando a todos que pudesse estar
errado; o conflito gerado com os protestantes, pelo fato de que o que o cientista fez
(de apresentar sua teoria como fato) criou uma impressão de que os católicos não
ligavam para verdades bíblicas (e só agravou ainda mais a difícil situação que se
alastrava com o protestantismo); a depreciação que ele fez por cientistas e filósofos
muito respeitados; e por fim, a possibilidade da existência de uma teoria alternativa
que pudesse ser tão plausível como as outras. Sobre este último ponto, o filósofo da
ciência Paul Feyerabend comenta: “A Igreja no tempo Galileu mostrou-se muito mais
racional do que o próprio Galileu”.
Felipe Aquino também explica sobre a época do caso de Galileu:
“Outro fato, para alguns teólogos, a defesa de Galileu assemelhava-se com
as inovações protestantes do “livre exame da Bíblia”, defendido por Lutero
43
apartir de 1517. (...) Na época de Galileu ainda era pequeno o
desenvolvimento das ciências naturais, então era normal usar as Sagradas
Escrituras também para explicações científicas, o que hoje não se faz mais”
(AQUINO, 2009, p. 231).
Galileu retratou-se, e recebeu detenção. Em razão de sua saúde e idade, sua
pena foi um tipo de prisão domiciliar: deveria permanecer na sua casa em Toscana.
O famoso Descartes observa que esta foi somente uma ação disciplinar da
comissão, não ratificada por Papa Urbano. Galileu passou então os últimos dez anos
de sua vida produzindo sua melhor obra: um trabalho sobre física. De fato, este foi
muito melhor do que seus estudos anteriores em astronomia, e Newton aproveitou
seu trabalho sobre movimento e gravidade.
O Professor Annibale Fantoni, doutor em matemática e física pela
Universidade de Roma, italiano, mestre em filosofia e teologia, e autor do livro
“Galileu – pelo copernicanismo e pela Igreja” (um dos livros mais respeitados sobre
o assunto) conclui que é irracional pensar que Galileu foi castigado por sustentar
que a terra gira ao redor do sol; se assim fosse Copérnico também teria sido
castigado (afinal teve a ideia antes de Galileu, e não sofreu nenhum processo). A
diferença é que Copérnico era um cientista humilde e afirmou suas ideias como
hipóteses, e Galileu foi agressivo e teimoso, mesmo sem provas.
4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA
Nos dias atuais, Galileu tornou-se um ícone: o iluminismo cumpriu sua
missão. O caso de Galileu (da maneira que foi e ainda é contado em muitos lugares)
serve para gerar o atrito entre ciência e religião, e despertar na mente dos cidadãos
essa ideia de que essas coisas são incompatíveis (pensamento esse que o próprio
Galileu desaprovaria). O Arcebispo Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho
Pontifício para a Cultura, afirma:
“Efetivamente é necessário dizer que Galileu era um grande crente, e que
disse muitas coisas importas do ponto de vista da teologia, do método
teológico, do método exegético. Precisamente sobre esta base, surpreende
um pouco que ainda se utilize Galileu como uma espécie de bandeira contra
a Fé.” (DE LA TORRE, 24 de abril de 2009).
Para concluir a história, vale a pena citar os comentários do Prof. Joaquim
Blessmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre e
Doutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que resumem bem o
caso:
44
1. O episódio de Galileu é lamentável, mas compreensível, se levarmos em
consideração o ambiente, costumes e mentalidade vigentes naquela
época
2. A imagem Galileu versus Igreja, ou ciência versus Igreja, foi criada por
pensadores anticatólicos dos séculos XVIII e XIX, para apresentar a Igreja
como inimiga da ciência, do progresso e da razão. Muitos eclesiásticos
estudavam sistematicamente astronomia e vários deles vinham
defendendo o sistema heliocêntrico mesmo antes de Galileu, como o
próprio Copérnico, que era cônego.
3. A Igreja não queria proibir que se discutisse o sistema de Copérnico, mas
apenas solicitava que não fosse apresentado como incontestável,
enquanto não houvesse provas decisivas. O argumento das marés, que
Galileu apresentou como prova máxima, era falso.
4. Aliás, pela atual filosofia da ciência, “nada é definitivo em ciências”;
mesmo as teorias mais “badaladas” podem cair. A todo o momento os
cientistas se autocorrigem, o que é normal diante da evolução da
pesquisa.
5. Parte do acontecido deve-se ao caráter de Galileu, polêmico, ríspido,
agressivo, e ao fato de ter difundido prematuramente suas conclusões
científicas, sem provas suficientes.
6. Houve também um erro grave por parte dos representantes da Igreja, que
se intrometeram em matéria exclusivamente científica e condenaram um
sistema astronômico, no processo de 1616.
O filósofo cético-agnóstico Paul Feyerbend afirma: “No tempo de Galileu, a
Igreja se manteve mais fiel à razão do que o próprio Galileu, e levou em
consideração também as consequências éticas e sociais da doutrina proposta pelo
cientista. O processo contra Galileu era justo e racional” (FEYERBEND in
RATZINGER, 1990, p. 64).
No fim, Galileu pretendia abalar um conceito de ciência e fé que durava
dezessete séculos (desde Ptolomeu, 150 d.C.) sem ter razões convincentes ou
provas.
45
5. A SANTA (?) INQUISIÇÃO
A palavra “Inquisição” vem à boca de qualquer pessoa que queira atacar a
Igreja Católica ou as religiões como um conjunto. No imaginário popular, ela
representa a pura manifestação de maldade, ódio e intolerância da Igreja, e para os
antireliogosos ela é uma prova de que as religiões só trazem mal e desgraça à
humanidade, além de serem irracionais.
O grande problema quando se fala de Inquisição, é que ela não é analisada
nem estudada: na maior parte das universidades simplesmente se repete a estória
da famosa caça as bruxas, os tribunais, etc (nos meios escolares então, não há nem
chance de brotar uma profundida a respeito do assunto). A fama da Inquisição a faz
parecer muito pior do que é. Como toda a história (e principalmente a medieval, que
se distancia muito do contexto dos nossos dias atuais e que já foi muito mascarada
por mentiras) ela deve ser estudada no seu contexto, e precisa ser acima de tudo
entendida.
O historiador Jean-Pierre Guicciardi explica que a inquisição não traz fascínio
e perturbação pelo que ela foi, mas pelo que se pensa que ela tenha sido.
“Não tanto pelo que ela foi realmente, mas pelo que o inconsciente coletivo
quis ver unicamente nela: uma instância de tortura e morte, um elemento de
46
repressão ideológica a serviço de todos os totalitarismos, religião e
aparelhos do Estado.” (GUICCIARDI, in AQUINO, 2009).
5.1. OS ANTECEDENTES DA INQUISIÇÃO: O CAMINHO ROMANO
Para explicar o surgimento desse orgão da Igreja, é válido citar o renomado
historiador americano Thomas Madden (autor de mais de oitenta livros, sendo best-
seller do New York Times, bacharel pela Harvard University, e PhD pela Columbia
University). Ele explica:
“Heresia era um crime contra o Estado. O direito romano no Código de
Justiniano tornou-a uma ofensa capital. Governantes, cuja autoridade se
acreditava vir de Deus, não tinham paciência para os hereges. Nem as
pessoas comuns, que os viam como foras-da-lei perigosos que trariam a ira
divina. Quando alguém era acusado de heresia no início da Idade Média,
eram trazidos ao senhor local para julgamento (…). O resultado é que
milhares de pessoas em toda a Europa foram executadas por autoridades
seculares, sem julgamentos justos ou uma avaliação competente da
validade da acusação. A resposta da Igreja Católica para este problema foi
a Inquisição, instituída primeiramente pelo papa Lúcio III em 1184. Ela
nasceu da necessidade de fornecer julgamentos justos para os
hereges acusados, usando as leis de provas, e presididos por juízes
capacitados. Do ponto de vista das autoridades seculares, os hereges eram
traidores de Deus e do rei e, portanto, mereciam a morte. Do ponto de vista
da Igreja, no entanto, os hereges eram ovelhas perdidas que se afastaram
do rebanho. Como pastores, o papa e os bispos tinham o dever de levá-los
de volta ao redil, assim como o Bom Pastor lhes havia ordenado. Assim,
enquanto líderes medievais seculares estavam tentando salvaguardar seus
reinos, a Igreja estava tentando salvar almas. A Inquisição providenciou um
meio para os hereges escaparem da morte e retornarem para a
comunidade.” (MADDEN, 2004).
É preciso entender que a população era fervorosamente católica, e assim
sendo, para eles a Igreja era guiada por um poder divino. Valorizando eles muito
mais a mente e a alma (diferente dos dias atuais, como visto anteriormente) do que
o corpo, o que é pior: quem mata o corpo, ou quem mata a alma, condenando os
outros ao inferno? O doutor da Igreja São Tomás de Aquino (também muito
admirado na época medieval, como ainda hoje) afirma:
“É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a
moeda, que é um meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores
47
de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte
pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que
sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas
também em toda a justiça ser condenados de morte” (Suma Teológica II-II
11,3c).
Este pensamento, porém, não veio da Idade Média. Foi uma mentalidade que
foi se construindo ao longo dos séculos, até chegar na famosa época em que não
era errado punir os hereges com morte, pois estes eram perigosos: pessoas que
afastavam o cidadão da Igreja e de Deus. Mas não por achar certo executar
hereges, mas por não haver alternativa que isso foi feito, e esse fenômeno será visto
a seguir.
“Não se consegue entender a Inquisição sem entender a fundo que todo o
povo, as autoridades leigas e o clero, na Idade Média, tinham a Igreja
investida de uma missão divina de salvar a humanidade; que Cristo veio ao
mundo para salvá-la e ensinar a verdade confiada à Igreja.” (AQUINO,
2004).
A repressão para com as heresias e outras crenças vem de muito antes da
Idade Média, antes mesmo de Nero perseguir incansavelmente os cristãos em
Roma. Platão já afirmava que os “sem religião” deveriam ser castigados, mesmo os
que guardavam isso para si, pois estes eram muito perigosos. Na opinião do famoso
filósofo grego, eles deveriam ser presos e diariamente “instruídos na fé” para que se
tornassem “homens sábios”. Os que fizessem proselitismo contra a religião deveriam
ser presos em calabouços, mortos e privados de serem enterrados.
Nos doze primeiros séculos de cristianismo, a Igreja aplicava penas
espirituais aos hereges (penitências), pois seguia o princípio de que para um mal
espiritual, se usava um remédio espiritual. Era rejeitada a ideia de usar a força, e os
mestres cristãos dos primeiros séculos também rejeitaram sempre esta ideia (a
exemplo: Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Crisóstomo).
A partir do século V, com o advento de heresias perigosas que ameaçavam
destruir a Igreja por dentro, foi admitido por alguns bispos que o Estado teria o
direito de cooperar contra essas heresias, e que o mesmo poderia punir os hereges
48
se quisesse. Ainda assim, a grande maioria continuava contraria ao uso da força, e a
Igreja como um todo não entrava nos assuntos do Estado quando este decidia punir
alguém. Com o tempo, o próprio Santo Agostinho, como outros dentro da Igreja,
passaram a aceitar açoites e exílio (não a pena de morte nem tortura) vendo as
pilhagens e saques dos donatistas (seita que assolou o catolicismo nos séculos IV e
VII). Afinal “se o estado pune o adultério, também deve punir a heresia, pois não é
pecado menor”. Tentou-se durante muito tempo aprovar decretos que punissem a
heresia com a morte, mas esses não passaram pela aceitação da Igreja. Isso mostra
que não foi por simples vontade que o catolicismo apelou para as punições mais
severas referentes à heresia.
Tudo mudou com a conversão do Império ao cristianismo. Constantino, o
Grande (primeiro imperador romano cristão), proibiu a perseguição aos cristãos com
o “Édito de Milão”. O mesmo assegurava que cada um era livre para seguir a religião
que lhe achasse conveniente.
Em 380, porém, o Imperador Teodósio I, com o Édito de Tessalônica, tornou o
cristianismo a religião oficial do Império Romano, sendo imposta a toda população, e
banindo todo o politeísmo dos territórios romanos. Apesar de a religião ser cristã, os
Imperadores ainda seguiam a mentalidade de Sumo Pontífice pagã, e assim
perseguiam quem não aceitasse a religião oficial como herege. Eles acreditavam
que a primeira preocupação como Imperadores era a de proteger a religião, e por
causa disso, promulgaram muitos decretos contra heresia (68 decretos em 57 anos).
O Estado ter uma religião oficial que não tolera outras gera uma estabilidade
econômica, psíquica e espiritual para os governantes e súditos, pois é fato que
quanto mais a religião se espalha, mais aumenta a convicção de que ela é divina e
verdadeira, e portanto a gravidade do crime contra essa confissão também aumenta.
Depois disso, vários santos da Igreja morreram desterrados (como João
Crisóstomo).
“A Igreja durante muito séculos se conservou tolerante com as dissidências
usando apenas a catequese para convertê-los, e afirma que o que fez as
49
autoridades agirem pesadamente contra os hereges foi o caráter antissocial
das heresias.” (Guiraud in AQUINO, 2009).
A Igreja lutou pesadamente contra essas penas e foram vários os doutores e
pontífices que se fizeram ouvir. Houveram também vários cânones dos concílios,
que excomungaram os hereges e proibiram os cristãos de dar-lhes asilo, para assim
estes primeiros não levarem a pena de morte.
“A Inquisição é sempre considerada uma instituição da Igreja. Isto está
certo, mas convém enfatizar uma realidade fundamental, evidente, mas
frequentemente esquecida, a saber: a Inquisição só podia atuar associada
aos poderes leigos. Ela não dispunha de poder material. Ela só podia incutir
temor, se contasse com o apoio dos príncipes e dos governos. Em lugar
nenhum os inquisidores podiam prender alguém, assentar-se, julgar,
mandar executar sua sentença... se não dispusessem da força armada e da
assistência do regime local, dos seus representantes e dos seus agentes.”
(BIGET, 1998).
Um crime contra a fé era um crime contra a sociedade, e a “lesa-majestade
divina” não era menor que a “lesa-majestade humana” (crime que fere a Deus e
crime que fere ao Rei). A primeira sentença de morte foi do herege espanhol
Prisciliano, em 385, pelo Imperador Máximo. São Martinho de Tours e os bispos da
época tentaram retirar a acusação para salvá-lo da condenação (mas evidentemente
falharam). O mesmo aconteceu no oriente cristão: em 529 o imperador bizantino
Justiniano I, ordenou a todos seus súditos que se fizessem cristãos.
O historiador francês Daniel Rops, membro da Academia Francesa de Letras,
vencedor do Prêmio dessa academia por sua coleção sobre a História da Igreja (10
volumes) dá um depoimento importante:
“Não foi a Igreja que inaugurou a repressão à heresia por meio da violência.
Se a considerou por todos os tempos como um crime de “lesa-majestade
divina”, nunca pediu aplicação de todas essas penas que castigavam a
lesa-majestade no direito imperial romano. No decurso dos três primeiros
séculos, recorreu apenas à persuasão e às punições espirituais. Foram os
imperadores cristãos, Constantino e seus sucessores, que, como “bispos do
exterior”, castigavam com penas temporais-multas, prisão e flagelação- os
rebeldes contra a verdadeira fé, maniqueus ou donatistas... Foi a reaparição
da heresia dualista, maniqueia, cujo caráter antissocial já referimos, que
provocou uma reação mais viva. Esta reação foi obra dos príncipes: Roberto
50
o Piedoso, em 1017, mandou queimar os hereges de Orléans; “porque
temia pela segurança do reino e a salvação das almas”; o imperador
Henrique III, em 1052, mandou enforcar outros em Goslar. Até meados do
século XII, todas as condenações de à morte de hereges foram decididas
pelas autoridades civis, muitas vezes impelidas pelas multidões
fanatizadas.” (ROPS, 1993, p. 610)
Aí já se dava continuidade ao fenômeno da intolerância, vindo antes mesmo
de Cristo, que fez as próprias heresias serem agressivas e que em sequência iria
culminar na necessidade de uma Inquisição.
5.2. A HERESIA CÁTARA
A heresia dos catáros surgiu no começo do século X, influenciada por
religiões e crenças orientais (como o gnoscticismo, dualismo, entre outras). Esse foi
o maior perigo pelo qual a Igreja passou desde as perseguições em Roma. Os
cátaros queriam uma Igreja “pura”: o comportamento vergonhoso de muitos clérigos
foi sem dúvida uma das causas do surgimento dessa heresia (dita por muitos
historiadores como a “pior heresia”, por ser perigosa na maneira de perverter os
católicos e agressiva na maneira de atacar a Igreja). Esses homens queriam acabar
com os problemas da Igreja destruindo-a, e arrastavam multidões consigo (diferente
de outros Papas e católicos reformadores como São Francisco que queriam resolver
os problemas da Igreja, o catarismo queria descarta-la.)
No século X, em Constantinopla, a Imperatriz bizantina Teodora já tinha
massacrado milhares de cátaros. Eles também foram perseguidos no século XI, pelo
Imperador bizantino Alexis Commenus, e foi por isso que muitos foram para Europa
ocidental onde se refugiaram e fizeram muitos adeptos. No século XII eles já
estavam na Bélgica, Holanda, Alemanha, Espanha e França, e eram chamados de
albigienses.
O movimento cátaro se dizia cristão, e de fato muitos foram os membros do
clero que usaram o conhecimento adquirido dentro da Igreja para aderir ao
movimento e então pregar contra ela, mas o catarismo passava longe do
51
cristianismo. A seita avançou muito durante o século XII e cada vez mais se
distanciava da Igreja, a tal ponto que não podia nem mais ser identificado como
cristã: a missa, a eucaristia, toda oração (com exceção do pai nosso) fora
descartada, e a seita via tudo de maneira dualista: havia um deus bom e um deus
mal. O deus bom era o do Novo Testamento, e o deus mal o do Antigo Testamento,
e este segundo teria feito o mundo e por isso todas as coisas materiais são
demoníacas. Por este motivo, os cátaros rejeitavam tudo que é material
(desprezavam a matéria, proibiam o serviço militar e trabalho manual, rejeitavam
autoridade governamental), o casamento (pois esse só iria gerar mais pessoas na
Terra, aumentando assim a obra do deus mal) entre outras coisas. Em dado
momento acreditavam que tudo emana do deus bom, e volta para ele, tudo vem
dele, e até mesmo o próprio demônio é uma manifestação de Deus.
Não só pela crença anti-cristã, mas também pelas atitudes, os cátaros eram
vistos como um grande perigo para a sociedade.
“O catarismo trazia, então, sob uma terminologia cristã, um verdadeiro
anticristianismo. E muitos aderiram a esta doutrina, eram os chamados
Perfeitos, Puros (cátaros em grego). Esses Perfeitos praticavam o
desprendimento de todos os bens da terra; não se casavam; consideravam
a mulher grávida como possuidora do demônio no corpo, e muitas vezes
eram mortas por isso. Alguns viviam como faquires hindus, insensíveis a
tudo. Só os Perfeitos estavam certos da salvação; julgavam que só eles
escapariam da “prisão da matéria”. Alguns tinham o desejo tão grande de
chegar logo ao “céu” que praticavam a “Endura”, o suicídio sagrado.”
(AQUINO, 2009, p. 70).
O historiador W. Neuss Apud Bernard afirma: “É de crer que a “endura”
vitimou mais cátaros que toda a atividade inquisitorial.” Os albigienses também
praticavam a eutanásia para com os moribundos.
Em questão de organização, a seita tentava imitar a Igreja, tanto para supera-
la quanto para pegar cristãos desinformados. Eles organizavam-se em “igrejas”
dirigidas por um “bispo” cátaro, e se reuniam em concílios. Os crentes por sua vez,
eram dirigidos por diáconos (como se fossem padres católicos). Preocupavam-se em
52
ajudar o “deus bom” contra o “deus mal”, e nisso queimavam fazendas e toda
propriedade particular, combatiam a hierarquia da Igreja, entre outras coisas. Em
resumo, era uma heresia que ameaçava toda a sociedade que estava estruturada na
vida cristã, e é dessa ameaça que surge a Inquisição. O historiador, filósofo e
ativista polítco americano, Henry Charles Lea, explica:
“Essa era a crença cuja rápida difusão encheu a Igreja de um terror
plenamente justificado. Por mais horror que nos possam inspirar os meios
empregados para combatê-la, por mais piedade que devemos sentir por
aqueles que morreram vítimas de suas convicções, reconhecendo sem
hesitar que, nas circunstâncias, a causa da ortodoxia era a da civilização e
do progresso. Se o catarismo se tornasse dominante, ou pelo menos igual
ao catolicismo, não há dúvida de que sua influência teria sido desastrosa”
(LEA, 1988, p. 121).
O objetivo dos cátaros era destruir a Igreja Católica (eles a chamavam de
“sinagoga de satanás”). Desprezavam tudo que vinha dela, desde os dogmas até
mesmo as coisas erguidas pela Igreja, e no final do século XI a “anti-Igreja” já estava
erguida de maneira perigosa, e criou-se o clima de “guerra de religião” na Europa,
pois estes estavam prontos para destruir o catolicismo e qualquer resquício que
sobrasse dele.
O historiador e filósofo protestante francês, Jules Michelet (1798 – 1874)
comenta sobre os albigienses:
“Os albigienses não eram sectários isolados, mas uma igreja inteira, que se
formava contra a Igreja. Em toda parte onde eram senhores destruíam e
queimavam as cruzes, as imagens e as relíquias dos santos e maltratavam
o clero”. (MICHELET, 1841).
Quanto menor era a influência da Igreja Católica em um país, mais os cátaros
se propagavam. Porém, como essa heresia negava quase todas as doutrinas
cristãs, a seita também era detestada e perseguida pelo povo católico fiel, ao passo
que em dado momento cátaros eram arrancados dos tribunais seculares ou
eclesiásticos e lançados ao fogo pela turba. A heresia gerava um anarquismo
sobrenatural. Várias vezes o povo e os reis condenaram a morte albigienses contra
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Idade Média e Igreja Católica - O que não nos ensinaram (Vinicius Sander)

  • 1. 1 COLÉGIO SINODAL DA PAZ VINÍCIUS ENDRES SANDER CARLA CRISTINA PEDROZO DA SILVA IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outras estórias. Novo Hamburgo
  • 2. 2 VINÍCIUS ENDRES SANDER IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outras estórias. Trabalho de conclusão apresentado a insituição de ensino Colégio Sinodal da Paz como requisito parcial para finalização do segundo grau (ensino médio) Orientador: Carla Cristina Pedrozo da Silva Novo Hamburgo 2015
  • 3. 3 Dedico este trabalho a dois grupos de pessoas: aqueles que se empenham em mostrar e estudar a verdadeira história, e aos que se empenham na propagação de mentiras ou simplesmente negam a verdade. Aos primeiros, o mundo precisa de mais pessoas que ajam assim. Aos outros, que a luz que o conhecimento proporciona possa ser maior do que a vontade de manter seus paradigmas e crenças. O verdadeiro trabalho do historiador não é manipular a história para defender ideologias ou crenças de sua preferência, mas estudar os acontecimentos e entendê-los em seu curso natural. “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” – Albert Einstein.
  • 4. 4 RESUMO A Idade Média é um período importantíssimo da história humana (do século V ao século XV, ou seja, 1000 anos), no qual a Igreja Católica Apostólica Romana foi a personagem mais importante do mundo ocidental. Ao longo da história, esses séculos foram difamados pelos mais diversos motivos, normalmente com o intuito de atacar a Igreja ou as religiões em conjunto. Atualmente, estudos já mostraram a verdade sobre as mais diversas farsas contadas acerca do tempo medieval, e os fatos mostram que esse período teve grande importância, beleza, e contribuição para a humanidade. Infelizmente, esses estudos ainda não chegaram ao meio popular. Diante disso, este trabalho reúne as pesquisas de diversos historiadores e estudiosos, e apresenta de maneira simples explicações sobre o que é mito e o que é verdade (e no caso do mito, porque ele foi criado). Palavras-chave: Idade Média – Igreja - mitos
  • 5. 5 RESUMÉN La Edad Media es un periodo importantísimo de la historia humana (del siglo V hasta el siglo XV, o sea, mil años), en el cual la Iglesia Católica Apostólica Romana fue el personaje más importante del mundo occidental. A lo largo de la historia, eses siglos fueron difamados por los más distintos motivos, normalmente con la meta de atacar la Iglesia o las religiones en general. Actualmente, estudios mostraron la verdad sobre las diversas farsas contadas sobre el tiempo medieval, y los factos muestran que ese periodo tuvo gran importancia, belleza y contribución para la humanidad. Infelizmente, eses estudios todavía no llegaron al conocimiento popular. Así, ese trabajo reúne las pesquisas de muchos historiadores y estudiosos y presenta de manera sencilla explicaciones sobre lo que es mito y sobre lo que es verdad (y en el caso del mito, porque fue creado). Palabras llaves: Edad Media- Iglesia- mitos
  • 6. 6 ABSTRACT The Middle Ages is a very important period of human history (the fifth century to the fifteenth century, i.e. 1000 years), where the Roman Catholic Church was the most important character of the Western world. Throughout history, those centuries were vilified for various reasons, usually in order to attack the Church or the religions in general. Currently, studies have shown the truth about the various farces told about the medieval time, and the facts show that this period was very important, beauty and contribution to mankind. Unfortunately, these studies have not yet reached the popular media. Thus, this work brings together the research of many historians and scholars, and presents simple explanations of what is myth and what is true (and in the case of myth, why it was created). Keywords: Middle Ages – Church - Myths
  • 7. 7 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 8 2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS” ............................................................ 9 2.1. A MULHER MEDIEVAL......................................................................................................... 17 2.2. O SERVO MEDIEVAL............................................................................................................ 20 2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA.......................................................................................... 22 3. VENDA DE INDULGÊNCIAS ............................................................................................... 28 4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA................................................................................. 33 4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU........................................................................................... 35 4.2. O HELIOCENTRISMO........................................................................................................... 36 4.3. O “JULGAMENTO”................................................................................................................. 40 4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA................................................................................. 43 5. A SANTA (?) INQUISIÇÃO....................................................................................................... 45 5.1. OS ANTECEDENTES DA INQUISIÇÃO: O CAMINHO ROMANO ............................ 46 5.2. A HERESIA CÁTARA ........................................................................................................ 50 5.3. A CRIAÇÃO DA INQUISIÇÃO.......................................................................................... 55 5.4. A QUESTÃO DA BRUXARIA ........................................................................................... 60 5.5. O DISSOLVIMENTO DA INQUISIÇÃO........................................................................... 65 5.6. A (NADA FAMOSA) INQUISIÇÃO PROTESTANTE .................................................... 66 7. IGREJA E ESCRAVIDÃO ..................................................................................................... 74 7.1. CRIATURAS SEM ALMA?................................................................................................ 74 7.2. A POSIÇÃO DA IGREJA CONTRA A ESCRAVIDÃO...................................................... 78 7.3. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL E A ATUAÇÃO DO CATOLICISMO................................ 80 8. PORQUE MENTIR SOBRE HISTÓRIA.............................................................................. 83 8.1. A CULPABILIDADE ILUMINISTA ........................................................................................ 87 8.2. A SOLUÇÃO............................................................................................................................ 90
  • 8. 8 1. INTRODUÇÃO Neste trabalho será explanada a importância do período medieval e desmentidos os diversos mitos acerca deste tempo e também acerca da Igreja Católica. Simultaneamente, será explicado o início de cada uma das mentiras, e o motivo pelo qual foram criadas ou acreditadas. A escolha deste assunto se deu pela necessidade de expor a verdade, visto que apesar de existir grande material sobre o assunto e de que a verdade já é conhecida no meio acadêmico, o meio popular e escolar continuam carentes de atualização sobre estes tópicos. Cada capítulo trata sobre uma das polêmicas medievais ou católicas (ou como no caso de alguns mitos, episódios que são associadas ao catolicismo ou ao tempo medieval, mesmo sem pertencerem a estes), que diariamente são reafirmadas e acreditadas até mesmo por pessoas com formação e instrução. Será trabalhada também a extensão das mentiras e também a possibilidade de solução dessa problemática.
  • 9. 9 2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS” Quando se fala em idade média, o mais comum a se esperar de pessoas que não estudaram a fundo esse período é o pensamento de um tempo de trevas, onde a Igreja Católica Apostólica Romana dominava toda sociedade, desde o estado (reinado, nesse caso) até a ciências e toda produção cultural, e portanto as coisas não ganhavam espaço para a evolução. O período que vai do século V ao século XV, ou seja, mil anos, mas que não tiveram nenhum avanço significativo. A maior parte do mundo acredita que os fatos acima sejam verdade, e as produções cinematográficas, literárias, entre outras do século XXI, não conseguem desmentir os mitos criados sobre a dita “Idade das Trevas” (essas produções só agravam e reafirmam as mentiras). Ainda assim, grandes autores se dedicaram a estudar a fundo esses séculos e não só repetir que eram tempos obscuros, e estes surpreenderam não só a eles mesmos, mas também ao resto do mundo acadêmico com suas descobertas (como Daniel Rops, Régine Pernoud, Thomas Woods, Jacques Le Goff, e outros, que chegaram a ganhar prêmios pelos seus trabalhos excepcionais e únicos). Tendo em vista que mesmo hoje (na era da informação) a maior parte da sociedade continua sem saber a verdade, é preciso expor os fatos, pois a grande crença é de que a culpa de toda essa época de ignorância (se é que existiu) é da Igreja Católica, que teria reprimido o homem e o avanço da sociedade.
  • 10. 10 . “É difícil para o homem de hoje compreender como era a vida na Idade Média. Em meio aos escombros da queda do Império romano, a Igreja se tornou o único refúgio para as populações desorientadas, feridas, amedrontadas, a única fonte de cultura, de progresso, de proteção, de moral, de esperança, de vida. Sem a tutela da Igreja havia um vácuo e o desamparo. Basta percorrer a Europa ainda hoje para se ver nas ruas, nas catedrais, nas universidades, nas praças, nos castelos, nos mosteiros, a herança da Igreja mostrada nas artes, na arquitetura, na cultura, na música, etc. Essa fé religiosa profunda e esse amor fiel à Igreja fez multidões de moças e rapazes deixarem seus lares para viver a vida religiosa em mosteiros e se alistarem nas Cruzadas e nas sagradas Cavalarias.” (AQUINO, 2009, p. 38) Em primeiro lugar, a respeito da sociedade medieval, é preciso descontruir o pensamento comum de que todos viviam em um enorme convento e eram totalmente fanáticos, que os cidadãos não podiam sequer pensar sobre ciência, filosofia ou sexualidade, somente religião. Algumas das produções poéticas da época, já servem para mostrar a verdade, como o poema III de Guillerme IX da Aquitânia. O escrito fala sobre a vagina, “que deve ser bem tratada e muito utilizada, pois é como o bosque podado: sempre cresce com renovado vigor”. O pensamento comum é de que as produções poéticas ou avanços significativos eram feitos só por pagãos (muito se fala no avanço dos árabes, mas se menospreza os avanços europeus durante a Idade Média, que são muito maiores do que o do mundo ocidental), mas isto não é verdade. No caso da sexualidade, o poema de Guilherme IX já mostra que a situação não é exatamente essa, mas que na verdade a população era cristã, e se não falava de sexo da maneira que se falou nos séculos que sucedem o tempo medieval, é por que agir dessa forma não estava de acordo com a ética e moral dos cidadãos, e não por que seriam mortos pela Igreja caso abrissem as bocas para falar sobre sexo. De fato, a própria sociedade desaprovaria quem agisse dessa forma. Outra grande questão que está sempre repercutindo é de que “a Igreja privava as pessoas do conhecimento”. Escuta-se ainda, que se não fosse pelo catolicismo o homem já estaria na era espacial. Este é talvez o maior mito acerca da Igreja Católica, mas também o mais fácil de refutar, pois basta olhar para o mundo atual e enxerga-se o reflexo do mundo medieval, pois boa parte do conhecimento que temos hoje sobre o mundo antigo foi nos trazido pelo zelo da Igreja. Foi durante
  • 11. 11 o período medieval que os monges criaram as bibliotecas em seus mosteiros, e com grande esforço copiaram textos e livros tanto cristãos quanto pagãos, para que se conservassem. Acredita-se que nem todos entendiam o que copiavam, e se isso for verdade, revela que estes monges eram movidos acima de tudo por uma vontade de preservar o patrimônio do conhecimento, longe de depreciar o saber, como muitos acreditam. Uma figura que é prova disso é Flávio Magno Aurélio Cassiodoro, escritor e estadista romano que se recolheu no mosteiro romano de Vivarium no século VI, e encorajou a cópia de manuscritos religiosos e seculares, dando instruções importantes na maneira de como deveria ser feito esse trabalho, para que não se perdesse nada na transcrição dos escritos. Dentro desses mesmos mosteiros surgiram escolas para a educação de leigos no período da Alta Idade Média, quando monges e freiras se viram obrigados a exercer papéis que não estavam previstos, tais como enfermagem e treinamento de lavradores em novas técnicas agrícolas. De fato, os primeiros farmacêuticos ocidentais foram os monges, devido ao cultivo de ervas medicinal nos jardins dos mosteiros. Em pouco tempo, conventos e mosteiros criavam enfermarias, orfanatos e escolas. A Idade Média se divide em dois períodos de tempo, respectivamente: alta e baixa Idade Média (alguns historiadores consideram um terceiro período no meio destes, a “média Idade Média”). Os primeiros passos em direção ao sistema de universidades que existe hoje foram dados na Baixa Idade Média (séculos XI a XV), quando os bispos começaram a criar as escolas das catedrais, que se diferenciavam das escolas dos mosteiros por terem um conhecimento mais avançado a oferecer. A PhD em história Diane Moczar (2012), explica que esse desenvolvimento só foi possível com o fim das invasões estrangeiras e o renascimento econômico do século XI. Essas universidades das catedrais atraíam estudantes de lugares distantes por oferecem um currículo mais avançado. Diferente do que se acredita, não era ensinada só teologia nas universidades (em Paris houve de fato uma universidade voltada para estudo teológico, porém todas incluíam gramática, lógica, retórica, matemática, música e astronomia). O jornalista Rodrigo Constantino observa em uma matéria publicada na revista VEJA (03-04-2015) sobre o período medieval, que se a população fosse puramente supersticiosa como alguns afirmam, jamais iria se reunir em grupos para debater sobre os mais diversos temas, em
  • 12. 12 busca da verdade e de mais conhecimento. O saber era tão valorizado que grandes inovadores surgiram no período medieval, e nunca foram proibidos pela Igreja de prosseguir seus estudos ou trabalhos, exemplos como Duns Scott, São Tomás de Aquino, São Boaventura (que criticou o sistema monárquico, e em vez de ser reprendido pela igreja, foi canonizado), Pedro Abelardo, Roger Bacon (franciscano desenvolvedor da ciência de ótica), Santo Alberto Magno (primeiro botânico desde os tempos antigos), Nicolau Copérnico (que desenvolveu a teoria heliocêntrica, e fio encorajado pelo clero a escrever um livro explanando a mesma), e outros. Diferente do que se acredita os medievais não viam problema na filosofia e na ciência, pois acreditavam que o intelecto é a faculdade mais elevada da alma, e as verdades que o intelecto discerne não podem contradizer as da fé (já que na ótica deles, Deus criou ambas). Durante o século XIII surgiram as grandes universidades: Bolonha, Paris, Oxford, Sorbone, La Sapienza, entre outras não tão famosas, todas fundadas pelo catolicismo. Já no ano de 1608, haviam mais de cem Universidades na Europa, sendo mais de oitenta fundadas na Idade Média. A primeira fundada foi a de Bolonha na Itália, fundada em 1111, com 10.000 estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais, espanhóis, catalães, ingleses, germanos, etc.). Depois veio a Sorbone de Paris (1157), fundada pelo confessor de São Luiz IX, rei de França, Sorbon; Oxford, na Inglaterra foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243 – 1254) em 1254. Na Espanha, nasceu a de Compostela (1346), Valadolid, Salamanca, etc. (AQUINO, 2009, p. 30). Há inúmeros exemplos de importantes contribuições históricas da Igreja para o mundo. Primeiramente a filosofia escolástica elaborada por São Tomás de Aquino, que mudou a maneira de se ver fé , e conciliou a mesma com a razão. Os Jesuítas por sua vez, foram tão exímios nas ciências que, neste exato momento, 35 crateras lunares têm o nome de cientistas jesuítas e dentre esses, o padre J.B. Macelawane destaca-se, pois foi quem escreveu o primeiro livro sobre Sismologia nos Estados Unidos, sendo que todo ano, a União Geofísica Americana premia uma medalha com o nome deste padre a um jovem geofísico inspirador. Ele também foi o primeiro presidente da União Geofísica Americana, e por isso o estudo dos terremotos é conhecido como “A Ciência Jesuíta”. O também jesuíta Secchi descobriu a análise
  • 13. 13 espectral, e a ordem ainda se destaca por ser a descobridora do gás. O padre Cavalieri, também jesuíta, inventou a policromia. Além da ordem jesuítica, há inúmeros exemplos importantes a serem citados: os católicos escolásticos criaram a ciência econômica moderna, muito importante nos últimos séculos; os padres Oton, São Mesrob e Ardoíno, aperfeiçoaram o alfabeto; São Cirilo e Metódio, no século IX, desenvolveram um alfabeto para o velho idioma eslavo, que depois se tornou o precursor do alfabeto russo “cirílico”, e em 885, São Metódio traduziu a Bíblia inteira neste idioma; o Papa Silvestre II fez o primeiro relógio de rodas; o padre Pacífico, de Verona, inventou o relógio de bolso; padre Welogord, em 1316, fez o primeiro relógio astrológico; padre Alexandre Spina, dominicano, inventou no século XIII o óculos; padre Magnon inventou o microscópio; padre Embriaco descobriu o hidro-cronômetro e o sismógrafo; o padre Procópio Divisch, em 1759, descobriu o para-raios, e não Franklin, que apenas aplicou à proteção das casas; o doutor da Igreja Beda descobriu as leis das marés; padre Gilbert introduziu os algarismos arábicos; padre Guido d’Arezzo inventou o nome das sete notas musicais; padre José Joaquim Lucas (brasileiro) inventou o melógrafo, ou modo de escrever as notas e sinais que correspondem à escrita musical; padre Alberto, saxônio, imaginou as leis da navegação aérea; padre Bartolomeu de Gusmão, em 1720, fez a aplicação destas leis aos aeróstatos, 60 anos antes de Mongolfier; padre Amaro, monge, foi o desenhador da célebre carta marítima, em 1456, que inclinou Colombo às suas explorações; padre Gauthier, em 1753, aproveitando as experiências de Papin, Dickens e Watt, inventou o moderno funcionamento da navegação; padre Nollet inventou as máquinas elétricas e descobriu a eletricidade nas nuvens; padre Raul, vigário de Sfax, é o verdadeiro inventor do submarino moderno; padre Duen fundou, em 1715, a primeira fábrica de gás; padre Barrant, monge, descobriu o freio das locomotivas; bispo Regiomontanos, de Ratisbona, descobriu a teoria da imobilidade do sol e do movimento da terra em redor dele (em 1470), isto é, 10 anos antes do padre Copérnico, e padre Copérnico, polaco, achou o duplo movimento dos planetas sobre si mesmos e em volta do sol; os padres Ponce e Epée, beneditinos, criaram o método da educação dos surdos-mudos, e fundaram a primeira escola para surdos; padre Fegenece foi o primeiro a praticar a gravura nas vidraças; cardeal Mezzofanti
  • 14. 14 foi o maior conhecedor de línguas do século passado; bispo Virgílio, de Salzburg, foi o descobridor da existência dos antípodas; padre Alberto Magno, dominicano, descobriu o zinco e o Arsênico; cardeal Régio Fontana inventou o sistema métrico; padre Lucas de Borgo é o inventor da Álgebra. O monge matemático Jordanus Nemorarius, que, além dos conhecimentos que contribuiu à matemática introduzindo os sinais de “mais” e de “menos”, iniciou a investigação dos problemas da mecânica, superando a visão dos problemas do equilíbrio, também foi o fundador da escola medieval de mecânica, o primeiro em formular corretamente a “lei do plano inclinado”, e pesquisou sobre a conservação do trabalho nas máquinas simples. O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, foi um cientista e inventor nascido no Brasil Colônia, famoso por ter inventado o primeiro aeróstato operacional, era chamado de “o padre voador”, e é uma das maiores figuras da história da aeronáutica mundial. Ele também é o inventor de uma “máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar.”; Papa Gregório XIII, foi quem nos deu o Calendário Gregoriano, que é o calendário utilizado na maior parte do mundo, e em todos os países ocidentais; Jean Buridan foi um filósofo e padre francês, que desenvolveu e popularizou a “teoria do Ímpeto”, que explicava o movimento de projéteis e objetos em queda livre. Essa teoria pavimentou o caminho para a dinâmica de Galileu e para o famoso princípio da Inércia, de Isaac Newton. Merece destaque o bispo de Lisieux, um gênio intelectual e talvez o pensador mais original do século XIV. Foi um dos principais propagadores das ciências modernas. Na“Livre du ciel et du monde” (1377), Oresme se opôs à teoria de uma Terra estacionária como proposto por Aristóteles e, neste trabalho, ele propôs a rotação da Terra, cerca de 200 anos antes de Copérnico. No entanto, ele estragou um pouco este belo pedaço de pensamento, rejeitando suas próprias ideias, no final dos trabalhos e assim, como Clagett escreve, não pode ser considerada como a reivindicação de que a Terra girava antes de Copérnico. Ele escreveu “Questiones Super Libros Aristotelis de Anima lidar”, com a natureza da luz, reflexão da luz e da velocidade da luz, discutidos em detalhes; o monge Luca Bartolomeo de Pacioli é considerado o pai da contabilidade moderna, sendo Leonardo da Vinci um de seus
  • 15. 15 alunos; padre paraibano Francisco João de Azevedo, é reconhecido como inventor e construtor da máquina de escrever, a máquina foi exposta ao público, ganhou medalhas em dezembro de 1861, portanto antes que Samuel W. Soule e seus dois parceiros, em 1868, recebessem a formalização da patente nos Estados Unidos; padre Nicolas Steno é considerado o pai da Estratigrafia, que estuda as camadas de rochas sedimentares formadas na superfície terrestre, e ainda teve estudos significativos em anatomia; Jean-Antoine Nollet, foi abade e físico francês, se constitui como um grande divulgador da física e da eletricidade em particular; o padre Giabattista Riccioli foi a primeira pessoa a calcular a velocidade com que um corpo em queda livre acelera até o chão; padre Francesco Grimaldi descobriu e nomeou o fenômeno de difração da luz, e também participou de uma descrição detalhada de um mapa da superfície da lua. Esse mapa chamado de Selenógrafo adorna até hoje a entrada do Museu Nacional do Ar e Espaço, em Washington D.C; padre Roger Boscovich, falecido em 1787, é louvado por cientistas modernos por ter apresentado a primeira descrição coerente de teoria atômica, bem mais de um século antes que a teoria atômica moderna emergisse, considerado “o maior gênio que a Iugoslávia produziu”. Vale citar padre Athanasius Kircher, que é considerado o pai da Egiptologia. Foi graças ao trabalho deste padre que encontrou-se a Pedra Rosetta, que decifrou os símbolos egípcios. Ele foi chamado de “Mestre das cem artes”, e seu trabalho em química ajudou a desbancar a alquimia, que era um tipo de falsa ciência, que até Isaac Newton e Boyle levavam a sério; o astrônomo católico Giovanni Cassini usou a Catedral de São Petrônio, em Bolonha, para verificar as teorias de movimentos planetários de Johannes Kepler. Limitando-se agora a era medieval, foi nesse período que se registrou vários dos inventos mais importantes da humanidade, e novamente é valido citar alguns exemplos como: a bússola, as lentes de óculos, a roda com aros, o relógio mecânico com pesos e rodas ("invenção mais revolucionária do que a da pólvora e a da máquina a vapor", conforme o autor Ernst Junger), o canhão (em 1327), a caravela (em 1430), a imprensa, a ferradura de cavalo (que permitiu ao animal correr sobre terrenos inóspitos, antes impossível), os moinhos de água, de maré e de vento,
  • 16. 16 entre outras coisas. Tudo isso fez com que o Ocidente se encontrasse em melhores condições de civilização do que outras partes do mundo no século XVI. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a primeira dissecação de um cadáver humano tivesse ocorrido só em 1315, pelo famoso professor Mondinho de Luizzi, na universidade católica de Bolonha. Isso teria demorado à ocorrer pelo suposto fato de a Igreja proibir a dissecação de cadáveres. Porém, pesquisas recentes e fatos históricos brandamente conhecidos mudaram esse conceito. Arqueólogos descobriram o mais antigo corpo humano dissecado, e este data de 1200 (mais de 100 anos antes dos estudos de Mondino) e foi dissecado de maneira experiente, o que revela indícios de um projeto de educação médica contínua, e não de um fato isolado. O historiador James Hannam afirma que a Igreja medieval não só não proibia autópsias, como até mesmo as ordenava, o que ocorria eventualmente com a finalidade de procurar sinais de santidade no corpo de uma pessoa (isso porque várias vezes confirmou-se orgãos em perfeito estado, como corações, em corpos de pessoas que estavam em processo de canonização, e quando essas conservações se dão de maneira milagrosa a Igreja leva isso em consideração no processo; houveram também casos onde se acharam cruzes dentro do coração de uma pessoa já morta, que obviamente não poderiam ter sido colocadas por meios humanos). Em 1308, por exemplo, foi dissecado o corpo da abadessa Clara de Montefalco, que seria canonizada em 1881. Também era prática comum embalsamar os corpos dos papas e autoridades civis (e para embalsamar um corpo é preciso abrir e retirar diversos órgãos). Outro fato é que em 1286 um médico italiano também realizou autópsias a fim de identificar a origem de uma epidemia. Quem afirma isso é Philippe Charlier, médico e cientista forense do Hospital Universitário R. Poincaré, na França. Assim, é provável que Mondino tenha feito a primeira dissecação pública de um cadáver humano, em 1315; porém, as dissecações sistemáticas para fins educacionais já aconteciam em Bolonha muito tempo antes. A Idade Média teve muitas pragas e dificuldades. A população de fato vivia em condições difíceis e esse povo sofreu muito mais do que qualquer outro naquela época. Ainda assim, isso não segurou o progresso, a produção poética, a pintura, a
  • 17. 17 escultura, e tantas coisas desenvolvidas nesse meio tempo. A população abraçou a fé católica em meio a tanto sofrimento, e através dessa pode fazer muitas inovações (daí que se dá o grande progresso da Igreja durante o tempo medieval). 2.1. A MULHER MEDIEVAL A situação da mulher medieval é assunto relativamente novo em questões de pesquisa, mas que vem sendo estudado mais afundo. A sociedade francesa de Jean Bodin editou em 1959 -1962 (respectivamente 347 e 770 paginas) um trabalho interessante sobre a mulher medieval, e a também francesa Régine Pernoud contribuiu muito para esse aspecto da história medieval. Estes e outros grandes historiadores, já proporcionaram descobertas que mostram a importância da mulher na sociedade medievalista. Muito se diz que a igreja católica privou e priva as mulheres até hoje da mesma dignidade que o homem, entre outras acusações. Por vezes é comum escutar nos dias de hoje coisas como “A maneira que as mulheres muçulmanas são tratadas no ocidente é medieval!”, insinuando que a “maneira medieval” de tratar uma mulher é bárbara e repressiva. Não poderia haver erro maior. A época medieval foi onde houve a grande promoção de dignidade e direitos dignos entre mulher e homem. O lugar que elas ocupavam na sociedade era de influência, exercendo exatamente um traçado paralelo com o dos homens. Muitos por vezes se contradizem, dizendo “o que dominava a cabeça de toda população era a Igreja”, e em seguida “por isso a mulher não tinha voz na idade medieval”. Ora, a Igreja seguia o Direito Canônico durante todo o período medieval, e a população seguia a Igreja, sendo que esse mesmo conjunto de regras e leis garantia a dignidade e igual valor de importância entre os sexos. Como poderia então a igreja ser uma entidade que fez a mulher perder a voz e ficar em segundo plano?
  • 18. 18 Os registros da cidade de Paris do século XIII deixam claro: mulheres não ficavam somente em casa ou nos conventos como nos séculos seguintes. Havia professoras, médicas, boticárias, tintureiras, copistas, miniaturistas, encanadoras, arquitetas, e também abadessas e rainhas (PERNOUD, 1994). Exemplos como Eleonora de Aquitânia, ou Branca de Castela, dominaram realmente seus séculos, exercendo poder sem contestação na ausência do Rei, tendo suas chancelarias e alfândegas, e seus campos de atividade pessoal. As coroações de rainhas tinham o mesmo prestígio e pompa das coroações de reis, e certas abadessas (madres superioras) eram tão influentes que administravam vastos territórios, incluindo aldeias e paróquias. Muitas abadessas usavam báculo, tal como um bispo, pois eram consideradas pela Igreja como pastoras supremas do território sobre o qual governavam. No século XII, o célebre pregador Robert d’Arbrissel fundou um mosteiro feminino e um masculino na cidade de Fontevrault, e esse mosteiro duplo foi posto sob a autoridade de uma abadessa: a nobre viúva Petronilla de Chemillé. Esse caso não foi único: houveram outros mosteiros colocados sob gestão feminina. Figura 1. Ao falar do papel da mulher na Idade Média, Régine Pernoud ainda faz uma crítica aos movimentos feministas da época: diferente das mulheres medievais, que
  • 19. 19 tinham suas próprias áreas de atuação e vivência, as atuais se admiraram tanto pelo mundo masculino que querem ser e atuar de maneira idêntica aos homens, perdendo assim a identidade do sexo feminino. O historiador Jacques Le Goff (francês, ateu, especialista em Idade Média) explica: devemos à Idade Média a emancipação da mulher. No tempo feudal era grande o número de uniões arranjadas. As numerosas “uniões de berço” servem para mostrar como os moços estavam “no mesmo barco” que as moças: ambos não podiam questionar essas imposições vindas de seus superiores. A Igreja nesse cenário lutou contra essas uniões impostas, multiplicando no Direito Canônico as causas da nulidade, reclamou a liberdade para os que se unem e com frequência se mostrou indulgente ao tolerar a ruptura de laços impostos. Podemos perceber que hoje em países cristãos, essa liberdade é justamente reconhecida pelas leis, enquanto nos países não cristãos, como no extremo oriente, ela não existe, ou foi só recentemente concedida. Há algumas afirmações ainda mais ilógicas a respeito da ligaçaõ entre o sexo feminino e o catolicismo, como a de que “a Igreja dizia nos primórdios que a mulher não tinha alma”. Observa-se que os primeiros mártires honrados como santos foram mulheres, como Santa Agnes, Santa Cecília, Santa Ágata e tantas outras. A Igreja então teria dado a eucaristia (corpo de Cristo na crença católica) para seres sem almas durante muito tempo, e até mesmo a mãe de Jesus Cristo (sempre honrada pelos católicos) não teve alma nessa lógica. A arte medieval também promoveu a exaltação do feminino. O romantismo (período literário medieval) idealizava a mulher como musa, criatura inspiradora da perfeição. Surpreendente constatar também que a mais conhecida enciclopédia do século XII é da autoria de uma religiosa, a abadessa Herrade de Landsberg (Hotus Deliciarum), o que também desmente a crença de que a primeira enciclopédia foi organizada pelos iluministas, somente séculos mais tarde.
  • 20. 20 A independência e valorização da mulher foi lhe retirada a partir da Baixa Idade Média, com a vinda do Renascimento, que acarretou na volta do Direito Romano. O Direito Romano não é favorável à mulher, nem tampouco à criança. Ele defende o direito de Pater Familias, pai, proprietário, e em sua casa, grande- sacerdote e chefe da família com poderes sagrados, que tem sobre seus filhos direito de vida e morte, assim como sob sua mulher. Apoiando-se nisso, juristas estenderam o poder do estado centralizado e também restringiram a liberdade da mulher e sua capacidade de ação. A influência desse direito é tão forte que no século XVI a maioridade que era aos 12 para meninas e 14 para meninos, é transferida para a mesma idade de Roma, ou seja, 25. Vale observar que é só no fim do século XVII é que a mulher passa a tomar obrigatoriamente o nome do marido no casamento. Infelizmente tudo isso foge do conhecimento popular, e acredita-se que a Idade Média tenha sido tão machista quanto o Renascimento, ou até mais. “Idade das trevas”. 2.2. O SERVO MEDIEVAL A escravidão é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro, que é chamado então de escravo. Tal condição é imposta por meio da força, e em algumas épocas e locais da história os escravos eram legalmente definidos como uma mercadoria. Os preços variavam conforme as condições físicas, habilidades profissionais, a idade, a procedência e o destino. O dono ou comerciante pode comprar, vender, dar ou trocar por uma dívida, sem que o escravo possa exercer qualquer direito e objeção pessoal ou legal (retirado de Wikipédia, a enciclopédia livre, baseado em BARROS, 2009). A partir do século IV, a escravidão foi desaparecendo progressivamente. Ela foi substituída por servidão a partir do feudalismo. Quando Salviano de Massília
  • 21. 21 (escritor cristão do século V) escreveu a queda do império romano, diz “o único voto que os romanos fazem é não ter jamais que recair sob o jugo de Roma”, ele exprimiu um sentimento de liberação muito próximo aos dos povos descolonizados de hoje. O servo medieval é tratado como pessoa, e assim sendo, seu senhor não tem direito sobre a vida e morte dele. Mais do que uma categoria jurídica, a servidão medieval era um estado, intimamente ligado a um modo de vida rural e que obedece aos imperativos agrícolas, e a estabilidade necessária ao seu cultivo. O servo tem todos os direitos do homem livre: pode casar, fundar família, e a sua terra passará para seus filhos na morte, assim como seus bens. Aí se vê um dos grandes avanços sociais da época medieval, quando a situação de servo é radicalmente diferente da de escravo, que não podia se casar, nem fundar família, nem possuir nada (objeto algum), afinal ele próprio era visto como um item a ser vendido e trocado. A relação de servo com o senhor feudal era totalmente diferente da relação de senhor e escravo. A imagem construída a respeito da época feudal muitas vezes é a de os senhores feudais estragando as plantações dos pobres servos só por diversão e crueldade, os trabalhadores sofrendo para sustentar não só a si mesmo mas também ao seu tirano senhor. Imagem retorcida, pois na verdade o que ocorria era uma troca: o senhor oferecia as vantagens do feudo, e o servo podia usufruir destas coisas dando em troca parte da sua produção para o senhor feudal. Na época feudalista não se tem a ideia de possuir como hoje: o ter ou possuir era o mesmo que usufruir, ou seja, um servo usufruir da terra do senhor, era como ter a terra do senhor, afinal o sentido de ter era poder gozar e aproveitar de algo, e isso os servos podiam. Uma certidão antiga, exposta no Museu de História da França, mostra a evolução da servidão quando posta em jogo com a escravidão. No documento se veem duas servas, Auberede e Romelde, que no fim do século XI compraram sua liberdade em troca de uma casa que possuíam em Beauvais (Paris). Esse simples
  • 22. 22 documento serve para provar que os servos poderiam possuir bens próprios, negociar, vender, etc. Infelizmente, ainda se tem a forte crença de que na época feudal não havia possibilidade de mobilidade social. A Igreja entrou nessa história justamente como a fonte de mobilidade social, encorajando a libertação dos servos. O perfeito exemplo é Abade Suger (1081 – 1151), um filho de servo que se tornou ninguém menos do que colega do futuro rei Luís VI, na abadia de Saint-Denis. Nos bancos escolares nasceu entre eles uma amizade que só terminou com a morte, e sabe-se como, tornando-se abade de Saint-Denis, Suger governou o reino durante a cruzada de Luís VII, que ao retornar o proclamou “Pai da Pátria”. A escravidão ressurgiu nas colônias da América no século XVI, e novamente a volta do Direito Romano e as mudanças sociais ocorridas com a Baixa Idade Média e o Renascimento contribuíram para a defesa dessa prática. Estima-se que em Roma mais de trinta por cento da população detinha a condição de escravo, e o escravismo sempre foi defendido como direito pelos romanos. Qualquer advogado ou estudante de direito sabe que o Direito Romano exerceu e ainda exerce forte influência sobre as ações jurídicas. Na época renacentista, isso foi tirado como via de regra, e aí gerou-se tantas das regressões que são pouco sabídas do período de “trevas” para o renascimento. 2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA A injúria de que a Idade Média é tempo de trevas começou a ser proferida justamente no tempo que a sucedeu: o Renascimento. O Renascimento do século XIV precisou criar uma imagem falsa sobre a Idade Média, uma imagem de que aquela população vivia na ignorância, e que eles é que dotavam do verdadeiro conhecimento, para promover-se e ajudar na divulgação de suas ideias. O Iluminismo tem a maior parcela de culpa, pois achando que o centro da arte, ciência, e de tudo deveria ser o homem e não Deus, rejeitou a
  • 23. 23 visão teocêntrica medieval, e criou o mito de “Idade das Trevas” para denegrir a imagem de tudo que viesse do tempo medieval e da Igreja. O Renascimento é caracterizado pela imitação do mundo clássico. Já se cultuava o conhecimento desse mundo, pois durante toda a Idade Média foram valorizados os avanços antigos, como a filosofia aristotélica no século XIII. O simples bom senso na verdade, basta para raciocinar que o Renascimento não poderia produzir nada embasado no conhecimento clássico se os textos antigos não tivessem sido conservados em manuscritos recopiados durante os séculos medievais, justamente pelo valor que era dado à esse conhecimento. Todavia, o Renascimento exprime a imitação doentia pelo mundo antigo, e por isso acarreta em toda a mudança cultural de direitos (já citada anteriormente) e de cultura, que serão vistas aqui. Em questão de arte, é comum na época renascentista a repetição. Para exprimir a admiração que o Renascimento experimentava pelos filósofos antigos, basta citar Bernardo de Charters, que o século XII, exclama “Somos anões montados nos ombros de gigantes”. Ele se refere aos gigantes do mundo antigo: aos romanos e gregos. Já começava a se pensar que não era possível ver mais longe do que esses gigantes, mas que de fato, o mundo clássico tinha feito o trabalho com a beleza de modelo para passado, presente e futuro, e portanto bastava copiar a cultura dele. Tudo que estivesse em desacordo com a plástica grega e latina era impiedosamente recusado. Para os renascentistas, tudo precisava ser regrado novamente, de acordo com os artistas antigos, de acordo com Vitrúvio e Vasari. Portanto, não fica difícil entender por que a arte medieval foi tão rejeitada e ignorada durante tanto tempo. A visão era tão bitolada, que o francês André Malraux escreve: “Pré-julgava-se que o escultor gótico (medieval) desejara esculpir uma estátua clássica, e que não o conseguira pois não soube fazer”. A pintura medieval causava tanta repulsa nos séculos clássicos, que os renascentistas não encontraram outra solução se não cobrir os afrescos românticos ou góticos com massa e quebrar os vitrais para substituí-los por vidros brancos. Isto
  • 24. 24 ocorreu em basicamente toda a parte e apenas alguns poucos lugares permanecerem com seus vitrais e artes medievais intactas, e permitem que hoje em dia tenhamos uma ideia da beleza medieval. Régine Pernoud explica em seu livro “Idade Média: o que não nos ensinaram” (1994): “As rosáceas do transepto de Notre-Dame de Paris foram conservadas somente porque se receava ser difícil refazê-las”. Os historiadores de arte tiveram de se esforçar para encontrar de onde veio a arte medieval, e durante um bom tempo ninguém duvidava que a arte gótica tivesse sido trazida pelos árabes ou coisa do gênero, pois foi tão comum durante tanto tempo somente copiar e recopiar, que ao olhar para a arte medieval os estudiosos pensavam “De onde copiaram isto?”. Durante quatro séculos é a arte da cópia que impera, junto com a desvalorização da invenção e criação. A Idade Média também se inspirava na antiguidade, a diferença é que fazia isso como modelo, não como imitação. Já na questão da literatura, foi na “barbárie” onde nasceu o sentimento de extrema delicadeza que fará da mulher suserana de todos os poetas. O romance é uma invenção da época feudal, pela cultura de senhor e vassalo: um prometendo proteção, outra fidelidade. A mulher nessa história, torna-se “senhor”, a suserana do poeta à qual ele deve sua fidelidade.
  • 25. 25 Vitral da igreja Matriz de Espinho, Portugal. Figura 2. É igualmente nesta época que foi elaborada a linguagem musical usada no ocidente até hoje. A atividade poética e musical é intensa com a criação de múltiplos hinos e cantos litúrgicos, e sabe-se que o cantochão ou canto gregoriano (atribuído durante um bom tempo ao papa Gregório Magno) data do século VII. Até mesmo os nomes das notas da escala musical foram tirados de um hino do século VIII, em homenagem a São João Batista, Ut Queant Laxis, pelo já citado italiano Gui d’ Arezzo. A nossa civilização deve a música a esses tempos “obscuros”, que inventaram a escala. Nem todos sabiam ler, mas todos sabiam cantar, pois não se separava a música da poesia. Até mesmo a arte teatral sofreu regresso depois da Idade média. O teatro no período medieval era para toda gente e recrutava pessoas de toda profissão e trabalho. Porém, no século XVI do Renascimento, já não havia mais espaço para essas pessoas terem cultura teatral. Ocorreu que em 1542 na França, o parlamento proibiu os confrades da paixão de continuar a representar no palácio de Borgonha os mistérios medievais que eram encenados para o povo. “Esta confraria produziu artistas medíocres. Que em consequência são incapazes de honrarias. faziam caminhar lado a lado escravos e artesãos”, disse o parlamento.
  • 26. 26 . O preconceito contra o tempo medieval não foi só gerado no Renascimento. Muitas vezes e em tempos diferentes, a Idade Média foi alvo de injúrias por diversos motivos. Um dos mais claros é o ataque à Igreja Católica Apostólica Romana, pois sendo ela o personagem principal da Idade Média, ataca-se esse período com o intuito de manchar a imagem da Igreja ou mesmo das religiões em geral. Estes obtiveram sucesso, afinal, por mais que se tenham estudos suficientes hoje para saber que a Igreja não matou Galileu, que a Inquisição não foi uma instituição de intolerância e irracionalidade, e que a venda de indulgências não aconteceu de maneira aceita pela Igreja, esses e tantos outros mitos e mentiras foram difundidos na mente popular por pseudo-historiadores, de maneira que até os dias atuais são ensinadas mentiras em universidades e escolas, pois são raros os historiadores que estudam o suficiente para fugirem dos anti-medievais e conseguirem descobrir a verdade. Mesmo entre os próprios católicos, dentro da Igreja, é comum que não conheçam a história verdadeira. “Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”, como disse Joseph Goebbels. Entre os culpados por criar a mentira medieval, também se encontram os cristãos protestantes. Desde o fim da Idade Média e até os dias atuais, toda e qualquer igreja se empenha em fazer uma propaganda anticatólica, e para isso não mede esforços ao falar dos “regressos medievais” (mesmo que eles não tenham existido). O historiador, Jacques Heers, atual diretor do Departamento de Estudos Medievais da Universidade de Paris-Sorbonne, destaca que os revolucionários franceses de 1789 também souberam orquestrar muito bem a propaganda anti- medieval para cumprir seus interesses. O próprio nome que foi dado à Idade Média é um perfeito exemplo: “Média”. Justamente para dar a ideia de que no tempo Clássico o homem evoluiu, de que a antiguidade é uma época bela e importante, mas então houve um grande sono, uma grande noite de trevas, mas que depois terminou com o “Renascimento”. Um
  • 27. 27 período “médio”, que de nada serve se não para estar no meio dos séculos que realmente servem para a humanidade. “Mil anos sem produção poética ou literária digna desse nome, é concebível? Mil anos vividos pelo homem sem que se tenha exprimido nada de belo, de profundo, de grande, sobre ele mesmo? Quem acreditaria nisto? No entanto, fizemos acreditar nisto pessoas muito inteligentes [...]” – (PERNOUD, 1909, p.49). Por todos esses motivos, nos próximos capítulos serão tratadas as mentiras mais famosas sobre a Igreja Católica e o período medieval, a fim de separar a verdade do mito.
  • 28. 28 3. VENDA DE INDULGÊNCIAS A famosa Venda de Indulgências é conhecida por ter sido um dos maiores escândalos da história da Igreja Católica. Conta-se aos quatro ventos que foi um período medieval em que a Igreja teria vendido para os fiéis lugares no céu, graças, perdão dos pecados, entre outras coisas, mediante o pagamento de uma taxa, sendo esse pagamento a garantia de que todas essas dádivas aconteceriam. A referida venda ocorreu, mas como já se tem brando conhecimento pelos historiadores medievais, não foi da maneira como se conta e tampouco proposta pela Igreja, mas sim uma forma de heresia que surgiu na Alemanha, e que mais tarde veio a ser atribuída ao catolicismo por aqueles que não simpatizavam com o mesmo. Para entender como se deu o mito da Venda de Indulgências, precisa-se entender o que são as indulgências de fato. Elas passaram a fazer parte da doutrina católica junto com o florescer do cristianismo e perduram até os dias de hoje. De acordo com a Igreja Católica, quando o ser humano peca ele sofre duas consequências: a perda da comunhão com Deus (o afastamento que o seu pecado gerou, pois Deus nunca se afasta do homem, mas sim o homem que se afasta de Deus quando opta pelo pecado), e uma “marca” na alma, chamada de pena temporal. A comunhão com Deus pode ser reatada pelo sacramento da confissão, onde os católicos primeiro se arrependem de seus pecados, depois os admitem perante um padre (que no momento da confissão age como intermediador, sendo então o próprio Cristo ao qual é necessário pedir perdão), e por último fazem uma boa ação, rezam, ou outro tipo de ato para tentar compensar seus erros para com Deus. É muito questionado de onde vem o poder de um padre para perdoar os pecados de uma pessoa. O Catolicismo afirma que o poder não vem do padre em si, pois esse só age como meio para manifestar o poder de Jesus Cristo, que é quem de fato perdoa os pecados dos homens. Isso teria sido confirmado por Jesus na
  • 29. 29 bíblia no livro de João, capitulo 20 e versículos 21 – 23, onde Cristo aparece aos seus apóstolos e diz que recebam o Espírito Santo, e a quem eles perdoarem os pecados, eles lhes serão perdoados, e a quem reterem, eles lhes serão retidos. Isso seria válido para os padres pela sucessão apostólica católica. Não se alongando mais na parte referente a confissão, é necessário entender o que são as penas temporais citadas acima. Elas são penas que não podem ser retiradas pelo sacramento da confissão, mas exigem uma purificação, que pode ser em vida ou em morte. Exemplifica-se como um filho, que perde a confiança do pai após fazer alguma besteira: o pai o perdoa, mas depois ele mesmo tem de reconquistar a confiança do pai. Assim, o homem deixa de ser santo quando peca, e mesmo depois de receber o perdão dos pecados pela confissão, precisa correr atrás da santidade pelos seus méritos. A Igreja Católica justifica isso através de vários versículos bíblicos, como Isaias 43:24-26 (entre outros). O Catecismo da Igreja Católica explica, a partir dos números 1472l, que a santificação pode ocorrer totalmente ou parcialmente de várias maneiras: quando o fiel cumpre a penitência estabelecida pelo sacerdote no ato da confissão; quando aceita os sofrimentos da vida como forma de se santificar, sem queixar-se; quando persevera em oração constante; quando pratica obras de caridade; quando pratica gestos de mortificação; ou quando recebe indulgências. Em artigo no site de doutrina e história católica “O Catequista”, publicado em 19/09/2014, explica-se o caso das indulgências baseado em nos autores Tuchman, Russel, Ranke, entre outros. Explica-se que a criação das indulgências aconteceu porque na antiguidade, porém, sempre foi comum que a penitência fosse mista com um ato de mortificação. Sendo assim, nem todos católicos podiam fazer essa prática por questões de saúde (como os idosos). Então, a partir do século XI, a Igreja permitiu que nesses casos o fiel doasse uma quantia referente a sua renda, que seria usada para obras de caridade (como a ajuda que a Igreja dava para as viúvas, por exemplo) ou necessidades da Igreja, visto que o fiel doar a sua renda (fruto do seu esforço) já era um ato de caridade e boa obra, e aí o fiel recebia uma indulgência, que na verdade era a substituição da penitência quando o cristão não podia faze-la. Todavia, a indulgência não era o perdão dos pecados, muito menos venda de um “lugar no céu”, como muito se ouve dizer. Essa prática foi perfeita durante certo tempo, funcionando da maneira que fora pensada para funcionar: ajudando os fiéis que não podiam fazer os atos de penitência. Mas para entender como começaram as heresias referente as indulgências, precisa-se entender o cenário em que se desenrolou esse episódio.
  • 30. 30 3.1. A FRACA ALEMANHA MEDIEVAL No mundo medieval, os grandes estados europeus possuíam um governo forte. A Alemanha, porém, não o tinha. O país alemão como o conhecemos atualmente, é algo recente, um estado que surgiu no século XIX. Porém, nos tempos das famosas vendas de indulgências, durante o papado de Leão X, o que havia no território alemão eram duques e condes reunidos sobre o título de “Sacro Império Romano-Germânico“, que por sua vez não eram muito influentes e poderosos, e viviam um estado de penúria espiritual e econômica. Estes foram vítimas dos demandos financeiros do desesperado Papa Leão X. Nesse contexto começa-se a entender porque se deram alguns abusos. Roma era antipática aos olhos do povo alemão (e talvez o seja até hoje) justamente por conta de que para eles, a Igreja era uma força sanguessuga, mas que possuía a autoridade legada por Jesus e era a casa do Espírito Santo, portanto eles não podiam negar a importância e a necessidade da presença dela. Nesse contexto já um pouco caótico, Leão X mandou Johann Tetzel (um frade dominicano) como pregador para Alemanha, dando lhe poder para conceder as indulgências. As indulgências, como citado acima, podem ser consideradas como uma dispensa da prática de boas ações, sob condições particulares, no todo ou em parte, como penalidade. Tetzel (e alguns padres que o seguiram) contrariaram a doutrina da Igreja, e passaram a pregar que as indulgências eram a libertação do pecado em si. Depois disso, para começar a famosa “venda de graças” foi um pequeno passo. Um terço do dinheiro arrecadado com a venda de indulgências por Tetzel ia para Roma, na época da reconstrução da Basílica de São Pedro. Deve-se salientar que Leão X nunca proclamou uma heresia, concordando com o que o frade herege dizia. O Papa inclusive puniu Tetzel, por sua pregação que ia muito além do que a doutrina católica ensinava de fato. Leão X vivia no seu claustro romano como seus antecessores, sem ter ideia do que ocorria na Alemanha. Antes de Lutero já haviam surgido outros protestantes no território germânico, por isso não fica difícil entender o motivo de o protestantismo ter surgido na Alemanha, e não na Itália, França, ou em qualquer outro lugar do globo.
  • 31. 31 Bula de indulgência como as que eram concedidas por Leão X. Figura 3. Os diversos abusos que a prática das indulgências sofreu não foram nada queridos pela Igreja, e então essa modalidade de concessão de indulgência foi cancelada pelo Concílio de Trento no século XVI, justamente por causa das heresias. Como é comum na história, é próprio do homem distorcer algo que foi estabelecido para o bem de muitos. Nos dias de hoje, a indulgência só é concedida pela Igreja nas raríssimas ocasiões em que ela considera que o esforço de uma pessoa para viver a fé lhe redime dos pecados já perdoados. Sendo assim só podem receber as indulgências os que já estão sem pecados, depois de se arrepender e confessar-se. O Catecismo da Igreja Católica esclarece sobre as Indulgências que podem ser alcançadas: §1479 – Uma vez que os fiéis defuntos em vias de purificação também são membros da mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los obtendo para eles indulgências, para libertação das penas temporais devidas por seus pecados. §1498 – Pelas indulgências, os fiéis podem obter para si mesmos e também para as almas do Purgatório, a remissão das penas temporais, seqüelas dos pecados. §1032 – A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de penitência em favor dos defuntos… “Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer nossas orações por eles.” (S. João Crisóstomo, Hom. In 1Cor 41,5)
  • 32. 32 §1471 – A doutrina e a prática das indulgências na Igreja estão estreitamente ligadas aos efeitos do Sacramento da Penitência. “Indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida aos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Paulo VI, Const. Apost., Indulgentiarum doctrina, 2) “A indulgência é parcial ou plenária, conforme libera parcial ou totalmente da pena devida pelos pecados (Indulgentiarum Doctrina,2 ). Todos os fiéis podem adquirir indulgências (…) para si mesmos ou para aplicá-las aos defuntos” (CDC, cân 994). §1472 – As penas do pecado. Para compreender esta doutrina e esta prática da Igreja, é preciso admitir que o pecado tem dupla conseqüência. O pecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nos torna incapazes da vida eterna; esta privação se chama pena eterna do pecado. Por outro lado, mesmo o pecado venial, acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra quer depois da morte, no estado chamado purgatório. Esta “purificação” liberta da chamada “pena temporal” do pecado. (PAULO, 1998, p. 406, 408 e 411).
  • 33. 33 4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA O caso de Galileu é uma das mais famosas estórias contadas acerca da Igreja Católica e do período medieval. Muito se ouve que Galilei foi morto por propor o sistema heliocentrista, e as versões que justificam a morte são as mais diversas: que a Igreja queria “dominar o universo”, e se a terra não estivesse no centro dele ela não poderia dizer ter controle do universo (por mais engraçado que pareça); que a Igreja queria a Terra como quadrada para não contradizer a bíblia; que ele foi achado pela Inquisição, torturado, humilhado, e que teve de afirmar que o que disse era mentira, etc. Outras versões contam que ele recebeu sentença de prisão, foi queimado, ou dezenas de outras coisas horríveis para ilustrar a vilania da Igreja contra o estudioso. Primeiramente, acerca da questão de que a Igreja e o povo acreditavam que a Terra era redonda antes de Galileu, é importante notar que em 1473, quase 20 anos antes da viagem de Colombo, foi publicado o Tractatus de Sphaera Mundi (sphaera = esfera), um manual de astronomia e geografia com o maior número de edições até hoje. Foi muito utilizado pelos portugueses durante a era das grandes navegações, e o autor deste foi John Holywood (um monge inglês). São Tomás de Aquino também já havia afirmado em sua suma teológica que a terra era esférica, e Dante também havia se referido à Terra dessa forma na famosa obra “A Divina Comédia”. Na Grécia antiga já era admitido por Pitágoras (VI a.C.) e seus discípulos a esfericidade da Terra, e a prova final disso se deu com a expedição feita por Fernão de Magalhães, em 1521 (que ocorreu antes mesmo de Galileu nascer). Galileu nasceu em 1564, um século após o término da Idade Média, ou seja, mais uma mentira: ele não viveu na época medieval.
  • 34. 34 Imagem de Nossa Senhora da Grade, padroeira de Lille (França), do século XI, onde nota-se o globo nas mãos do Menino Jesus, simbolizando a Terra (esférica). Figura 4. Escultura de Carlos Magno, feita por volta do ano 900, onde ele segura a Terra (esférica). Figura 5. Nas últimas décadas, a versão de que Galileu foi obrigado a dizer que estava mentindo em público (para que a Igreja continuasse como sendo a conhecedora da verdade) era a aceita na maioria dos lugares, por ter ficado famosa através de obras populares ou mesmo livros didáticos de história. Jackson Spielvogel, autor de um texto bastante usado em faculdades, refere-se a citações do julgamento de Galilei, e a dramatização completa do suposto julgamento estão a disposição no museu Smithsonian, de Washington D.C., mostrando um tribunal lotado, e esforçando-se para fazer a Igreja como “malvada” e o cientista como herói, criando assim o embate de religião versus ciência. É interessante observar que esta estória não existia até o século XVI: ela foi citada a primeira vez em 1760 (mais de um século depois da morte de Galileu, que foi em 1642), e apareceu justamente com o auge do Iluminismo, onde vários filósofos atacaram a Igreja de toda forma (Voltaire a chamava de “a coisa infame”). Os historiadores atualmente sabem que a lenda foi inventada para difamar a Igreja e criar o embate citado acima. A Phd Diane Moczar explica em seu livro “Sete Mentiras Sobre a Igreja Católica”: “Inventou-se a lenda de
  • 35. 35 Galileu para denegrir a Igreja, trazer a público os supostos males da Inquisição e demonstrar o quão anticientíficas e antiprogressivas são as religiões.” De fato, o Iluminismo veio propor uma nova religião: a ciência, que não precisa mais de Deus. E para promover essa religião, contou sobre os vários “cientistas heróis” que foram perseguidos pelo suposto “inimigo do progresso”: o catolicismo. 4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU Mesmo sendo um dos casos históricos mais difamados, o assunto de Galileu no meio acadêmico já foi esclarecido há algum tempo, e qualquer historiador atualizado ou mesmo apreciador de história sabe que Galileu não foi morto nem torturado pela Igreja por defender a ideia de sistema solar que foi concebida por padre Copérnico. Pelo contrário, ele morreu em Arcetri (Itália), rodeado de sua filha Maria Celeste e seus discípulos, e enterrado na Basílica de Santa Cruz, em Florença. Um simpósio realizado na Universidade Católica de Washington em 1982, a respeito de Galilei, ajuda no entendimento de algumas verdades sobre o caso. O simpósio foi chamado de “Reinterpretando Galileu”. Ficou claro que ele não podia apresentar razões convincentes na época para o heliocentrismo, e também sua grande aposta era que o fluxo das marés seria a prova da revolução da Terra em torno do Sol, quando na verdade sabe-se que as marés se devem à força da gravidade da Lua. Sem argumentos sólidos, e mais a contrariedade da bíblia (cf Js 10, 12s), é plenamente compreensível a repulsa sofrida pelo cientista na época. Os intelectuais do simpósio destacaram alguns pontos irrefutáveis: 1. Galileu não foi acusado nem condenado por heresia. Não foi torturado, nem lhe foram mostrados os instrumentos de tortura. 2. O ponto de debate no processo não foi estritamente de ignorância religiosa versus verdade científica: a verdade científica em si mesmo, naquela época, era obscura e equívoca. 3. E, depois de Galileu concordar em dizer que não acreditava na terra em movimento e no sol parado, não pronunciou, como diz a lenda, as provocadoras palavras “E, contudo, ela se move!”. 4. De fato, seria difícil a Igreja achar Galileu inocente. Ele foi apenas acusado de desobedecer a uma ordem da Igreja, e está fora de dúvida que realmente desobedeceu (a ordem de 1616, que será vista mais a frente).
  • 36. 36 5. Não havia simplesmente prova de que o modelo heliocêntrico de Galileu e Copérnico fosse melhor do que o modelo popular geocêntrico de Tycho Brahe. O sistema de Brahe tinha a vantagem de não se opor às Escrituras. 4.2. O HELIOCENTRISMO Para entender como foi o caso de Galileu, é necessário conhecer a história do sistema heliocêntrico, para não cometer erros ou injúrias (como normalmente é feito). A primeira questão que entrou em jogo é se a Terra está parada e os planetas orbitam ao seu redor, ou se a Terra é que orbita em torno do sol com os outros planetas. Naquela época, a ciência natural tornou-se paixão de muitos intelectuais, incluindo papas, cardeais, e monges (entre outros), então por mais que essa problemática pareça pequena para gerar toda uma confusão dessas, ela não é. Diferente da crença popular, Galileu não foi o primeiro a teorizar sobre os céus. Astrônomos da Grécia Antiga haviam desenvolvido teorias sobre o movimento celeste, e Ptolomeu, Aristóteles e mais alguns adotaram versões da teoria geocêntrica (Terra no centro fixo ao redor do qual os outros corpos orbitam). A versão de Ptolomeu sobre as estrelas foi tão precisa que até hoje é usada para a navegação. O primeiro defensor da teoria heliocêntrica (o Sol no meio do sistema) foi Aristarco no século III a.C. Seu sistema não foi aceito pois a teoria de Ptolomeu era melhor para fins práticos, e mais agradável ao pensamento grego. Galileu Galilei por Justus Susterman, 1636. Figura 6.
  • 37. 37 A teoria geocêntrica provavelmente foi questionada durante toda a Idade Média, embora não se tenha um trabalho concreto sobre isso. O que se sabe é que os medievais se perguntavam por que as coisas simplesmente não cairiam com a movimentação da Terra, como a Lua poderia orbitar o Sol e a Terra ao mesmo tempo, entre outras coisas. Vale observar que estas não são perguntas estúpidas, prova disso é que algumas só foram respondidas no século seguinte, por Newton. A teoria heliocêntrica voltou a ser defendida no começo do século XVI, por Copérnico. Nicolau Copérnico foi um clérigo polonês, professor de medicina e de direito. Nicolau e seus superiores sabiam que certas referências bíblicas aos Céus pareciam se basear na imobilidade da Terra e mobilidade do Sol e das estrelas. Uma teoria científica que contradissesse as escrituras era uma atitude polêmica, e poderia gerar incômodo. Para servir de exemplo, o monge Lutero foi um dos críticos mais violentos de Copérnico, que sem medir palavras chamou-o de “tolo”, e ainda comentou que “Josué ordenou que o Sol parasse, e não a Terra”, na bíblia (MOCZAR, 2012). Teólogos protestantes da época também discordavam radicalmente da teoria heliocêntrica. Melancton, teólogo protestante e companheiro de Lutero, dizia que este sistema significava o enlouquecimento das ciências. Johannes Kepler, famoso protestante contemporâneo de Galileu, que descobriu as três leis que regem os movimentos dos satélites, teve que deixar Wittemberg (sua terra natal) por causa da perseguição protestante que sofreu pelas ideias copernicanas. Em 1659, o Superintendente Geral de Wittemberg, Calovius, afirmou que a razão deve se calar quando a Escritura fala, e verificava com prazer que os teólogos protestantes rejeitavam até o último a teoria de que a Terra se move. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenou Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Em 1774, o pastor luterano Kohlreiff, de Ratzeburg, pregava que “a teoria do heliocentrismo era abominável invenção do diabo”. Enquanto isso, Johannes Kepler baseou-se nas observações do dinamarquês Tycho Brahe, e refinou a teoria de Copérnico para torna-la mais plausível (o que causou a revolta dos protestantes da Universidade de Tubingen, a ponto de Kepler precisar refugiar-se com a ajuda de jesuítas em 1596). A teoria de Copérnico circulou mais de sessenta anos pela Europa, sem qualquer desaprovação da Igreja: antes de morrer, ele havia sido encorajado por membros do clero a divulgar seus estudos, e então escreveu o famoso “De revolutionibus orbium coelestium” e o dedicou ao Papa Júlio III (que aceitou a
  • 38. 38 homenagem). Aí já se vê um problema referente a afirmação de que a Igreja negou a Galileu o direito de mostrar sua teoria. Afinal, a teoria de Copérnico havia sido aceita e prestigiada pela Igreja. Sendo teoria do novo cientista baseada nesta, porque haveria problema? De revolutionibus orbium coelestium, livro escrito por Copérnico. Figura 7. É no final do século XVII que Galileu entra em cena: formado em astronomia e pouco diplomático (raramente admitia quando estava errado, a exemplo de quando Papa Urbano, seu colega de astronomia, tentou corrigi-lo sobre a questão do movimento das marés). Existem relatos de amigos próximos ao cientista, de que ele era arrogante e egocêntrico, e os diálogos escritos pelo próprio Galileu com o clero também podem comprovar esta característica. Ele tinha um talento natural para o escárnio, e hoje em dia sabe-se que ele teve sorte de receber uma punição leve da Igreja por seus atos. É necessário mostrar a verdade sobre o cientista, não para diminui-lo, mas para que saiba-se a real face desse grande personagem histórico, e não a versão distorcida que foi inventada pelo iluminismo. Atualmente, se tem conhecimento de que Galileu não inventou o telescópio, mas apenas o aperfeiçoou; não descobriu as manchas solares (quem o fez foi o astrônomo Johannes Frabicius); que sua opinião sobre os cometas serem uma ilusão de ótica estava errada, entre outras questões que ainda estão sendo estudadas (atualmente cientistas querem exumar seus restos mortais para tentar descobrir o quanto seu problema de visão influenciou em muitas das suas teorias). Esses fatos são importantes para que se tenha conhecimento de que ele não era um gênio imbatível, e, portanto, já foi recebido com certo ceticismo pela comunidade
  • 39. 39 acadêmica quando defendeu o sistema copernicano. Além disso, o problema era agravado pelas passagens bíblicas, que (como dito anteriormente) pareciam contradizer suas ideias. “Hoje já não há mais dificuldade de se conciliar a fé com a ciência, pois os estudiosos tomaram consciência de que a Bíblia não pretende ensinar ciências naturais. Naquele tempo não havia essa clareza” (AQUINO, 2009, p. 230). Impaciente e teimoso pela reação do meio acadêmico ao seu novo estudo (que foi a de não dar a atenção esperada), o cientista foi a Roma tentar obter patrocínio de seus admiradores, incluindo um de seus grandes amigos (por mais que isso possa ser difícil de conceber para a maioria das pessoas) o Papa. Este por sua vez, tentou mostrar a Galileu que sua ideia era boa, porém era só uma teoria, e que por mais que a bíblia não ensinasse ciência e sim fé, era preciso evitar contradizer as escrituras sem uma prova concreta. Outro ponto, é de que a teoria de Galileu trazia detalhes (como o movimento circular perfeito dos planetas) que não satisfizeram outros astrônomos. É importante lembrar que nessa época a teoria de Tycho Brahe (a que permitiu Johannes Kepler descobrir as leis dos movimentos dos planetas) não fora desaprovada, e para os medievais ela parecia muito mais próxima da verdade. Na ida a Roma, para audiência particular com Papa Paulo V, Galileu foi recebido pelo famoso colégio de Roma com uma grande festa em sua homenagem, com a presença de vários jesuítas, condes, duques, e membros do clero em geral (isso porque alguns jesuítas gostavam muito da teoria de Copérnico, e adoraram ver o cientista a defendendo). Todavia, Galileu ignorou o conselho do Papa, e partiu para ofensiva de maneira desastrosa. Ele mesmo relata em uma carta como havia lidado com a controvérsia em uma festa elegante, diz ele “Comecei a bancar o teólogo”, insinuando que se as escrituras fossem usadas contra ele, ele também poderia interpreta-las da maneira que fosse preciso. Ofendido pela falta de prestígio de seu estudo, Galilei se deu ao trabalho de publicar um diálogo fictício entre dois personagens, um “tolo” que apoiava Aristóteles, chamado Simplício, e outro que adotava a visão defendida por Galileu. Ele colocou as palavras do Papa Urbano na boca de Simplício, deixando claro que seriam tolos todos aqueles que compartilhassem da visão de Aristóteles e do Papa. Galileu simplesmente conseguiu motivos para gerar um grande conflito quando disseram que ele não estava certo. O interessante é notar que no imaginário popular
  • 40. 40 é justamente o oposto que se manifesta: a Igreja que foi ignorante e não aceitou Galileu. O grande erro de Galileu foi tentar usar das escrituras como prova de que ele estava certo, tentando fazer com que o trecho: “O sol se levanta, o sol se põe; apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo.” (Eclesiastes 1,5), mostrasse de alguma maneira que sua teoria estava correta. Galileu quis levar a discussão (que era científica) para o caminho teológico, usando-se das Escrituras para provar que sua tese era real. Esse foi seu grande erro, pois além de estar sendo herético (a heresia de manipular a bíblia de maneira que ela satisfaça suas necessidades), ele foi derrotado pelos teólogos da época. “Se examinarmos o processo, vemos que Galileu não foi condenado pelas suas teses científicas, mas porque tentava fazer teologia. O próprio Galileu afirmava, errando: visto que a Terra gira em torno do Sol, devemos mudar a Sagrada Escritura. Nesse caso, quando Newton descobriu a gravitação universal e Einstein a relatividade, deveríamos ter mudado de novo os textos sagrados” – Nicolau Cabibbo, presidente do Insituto Nacional de Física Nuclear da Itália São Roberto Belarmino (cardeal amigo de Galileu) esclareceu que a teoria não poderia ser provada, e por isso seria tratado como o que ela era: uma hipótese. Ele escreve: “Se houvesse uma prova concludente de que Sol está no centro do universo e a Terra está no Terceiro céu, e que o Sol não circula a Terra, mas a Terra circula o Sol, precisaríamos proceder com grande cautela ao explicarmos as Escrituras que parecem afirmar o contrário. Precisaríamos dizer que nós não as entendemos, em vez de dizer que seu conteúdo é falso. Mas só acreditarei em tal prova quando me for mostrada.” Carta de São Belarmino a Foscarini. A prova que Belarmino pediu nunca foi mostrada, pois Galileu não a tinha. 4.3. O “JULGAMENTO” Em 1616, pelo fato de Galileu não ter dado ouvidos e ter seguido em frente defendendo sua hipótese como verdade irrefutável, o Cardeal Roberto Belarmino o recomendou que parasse com isso, e que a partir de agora nem sequer defendesse sua teoria. Galileu prometeu que o faria, e por isso não houve nenhum processo formal. O Papa Paulo V o acolheu, e também Papa Urbano VIII. Em 1624, Paulo III
  • 41. 41 inclusive deu a Galileu medalhas e outros presentes, e lhe rogou que seguisse realizando seu trabalho. Em maio de 1630, Galileu foi a Roma novamente para obter o Imprimatur (uma declaração da Igreja de que um livro é bom e deve ser lido por todo católico; em latim significa “deixem-no ser impresso”) do seu livro. Padre Riccardi (amigo do astrônomo) examinando o livro, concluiu que eram necessárias 3 correções: 1. Mudar o título de “Diálogo sobre as Marés”, porque destacava demais o único argumento (e errado) de Galileu para o sistema copernicano. 2. Alterar algumas passagens. 3. Alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como verdade, mas sim como hipótese. Diante disso, Galileu quis imprimir o livro em Florença, e Pe. Riccardi concordou, desde que Galileu lhe trouxesse o primeiro exemplar com as correções, para receber o “Imprimatur”. O cientista argumentou que a peste da região impedia a comunicação entre as duas cidades, e então novamente Riccardi cedeu, concordando com o exame da obra em Florença, bastando enviar a Roma só o título e Prefácio. Em Florença, Galilei conseguiu outro revisor amigo seu, Stefani, que foi induzido a pensar que a obra já tinha sido aprovada em Roma. Stefani concedeu autorização, o título e o prefácio foram enviados para aprovação, e o livro publicado em 1631. Riccardi recebeu um exemplar e viu com surpresa que antes da aprovação florentina, estava a sua, e sem nenhuma correção no livro: o sistema copernicano era apresentado em toda a obra, exceto no prefácio, como verdade incontestável. Foi aí que Papa Urbano VII passou o assunto à Inquisição. A comissão encarregada de examinar a obra destacou oito pontos, que deveriam ser esclarecidos. Mas deixaram claro que a desobediência do cientista era um agravante sério.
  • 42. 42 Depois de vários adiamentos (doença, velhice, peste, inundações, entre outras alegações) Galileu foi a Roma para julgamento. Foi submetido a quatro questionamentos. No primeiro negou que houvesse defendido o sistema heliocêntrico no livro. No segundo disse que relendo o livro, reparou em alguns trechos onde o leitor pode pensar que ele defendia o sistema. No terceiro desculpou- se por desobedecer a proibição de 1616, afirmando que não se recordara. E no quarto e último (21/06/1633) lhe perguntaram solenemente se ele defendia o sistema copernicano, e ele negou. No dia seguinte, foi declarado em Decreto do Santo Ofício em sentença pública: “... é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure, maldiga e deteste ditos erros e heresias...” Na época que o famoso “julgamento” ocorreu, Galileu estava com 70 anos, e uma saúde debilitada. Como já foi dito, ele não foi torturado nem preso. Enquanto estava em Roma, ficou primeiro na embaixada florentina e depois no apartamento do palácio do Vaticano, acompanhado de um empregado, com vinho e comida fornecidos pela embaixada. Nunca houve um imenso tribunal cheio de inimigos. Estavam presentes apenas Galileu, dois oficiais e um secretário. Depois o relato dos oficiais foi submetido a um tribunal de dez cardeais, dos quais três se negaram a votar. Também é falsa a afirmação de que ele teria dito “E, no entanto, ela se move”, ao sair da sala. Essa afirmação apareceu pela primeira vez em um livro sobre Galileu, escrito dois séculos depois, sem nenhum embasamento empírico para essa questão (MOCZAR, 2012). É fato que a Igreja foi longe para obter uma retratação de Galileu, e isso se deu por várias razões: seu escárnio público do papa, no diálogo citado anteriormente (publicado em 1632, que fazia chacota também de Aristóteles, que se é admirado nos dias de hoje, quanto mais no século XVI, renascentista); o fato de que Galileu ensinou por anos sua teoria como se fosse fato, negando a todos que pudesse estar errado; o conflito gerado com os protestantes, pelo fato de que o que o cientista fez (de apresentar sua teoria como fato) criou uma impressão de que os católicos não ligavam para verdades bíblicas (e só agravou ainda mais a difícil situação que se alastrava com o protestantismo); a depreciação que ele fez por cientistas e filósofos muito respeitados; e por fim, a possibilidade da existência de uma teoria alternativa que pudesse ser tão plausível como as outras. Sobre este último ponto, o filósofo da ciência Paul Feyerabend comenta: “A Igreja no tempo Galileu mostrou-se muito mais racional do que o próprio Galileu”. Felipe Aquino também explica sobre a época do caso de Galileu: “Outro fato, para alguns teólogos, a defesa de Galileu assemelhava-se com as inovações protestantes do “livre exame da Bíblia”, defendido por Lutero
  • 43. 43 apartir de 1517. (...) Na época de Galileu ainda era pequeno o desenvolvimento das ciências naturais, então era normal usar as Sagradas Escrituras também para explicações científicas, o que hoje não se faz mais” (AQUINO, 2009, p. 231). Galileu retratou-se, e recebeu detenção. Em razão de sua saúde e idade, sua pena foi um tipo de prisão domiciliar: deveria permanecer na sua casa em Toscana. O famoso Descartes observa que esta foi somente uma ação disciplinar da comissão, não ratificada por Papa Urbano. Galileu passou então os últimos dez anos de sua vida produzindo sua melhor obra: um trabalho sobre física. De fato, este foi muito melhor do que seus estudos anteriores em astronomia, e Newton aproveitou seu trabalho sobre movimento e gravidade. O Professor Annibale Fantoni, doutor em matemática e física pela Universidade de Roma, italiano, mestre em filosofia e teologia, e autor do livro “Galileu – pelo copernicanismo e pela Igreja” (um dos livros mais respeitados sobre o assunto) conclui que é irracional pensar que Galileu foi castigado por sustentar que a terra gira ao redor do sol; se assim fosse Copérnico também teria sido castigado (afinal teve a ideia antes de Galileu, e não sofreu nenhum processo). A diferença é que Copérnico era um cientista humilde e afirmou suas ideias como hipóteses, e Galileu foi agressivo e teimoso, mesmo sem provas. 4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA Nos dias atuais, Galileu tornou-se um ícone: o iluminismo cumpriu sua missão. O caso de Galileu (da maneira que foi e ainda é contado em muitos lugares) serve para gerar o atrito entre ciência e religião, e despertar na mente dos cidadãos essa ideia de que essas coisas são incompatíveis (pensamento esse que o próprio Galileu desaprovaria). O Arcebispo Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, afirma: “Efetivamente é necessário dizer que Galileu era um grande crente, e que disse muitas coisas importas do ponto de vista da teologia, do método teológico, do método exegético. Precisamente sobre esta base, surpreende um pouco que ainda se utilize Galileu como uma espécie de bandeira contra a Fé.” (DE LA TORRE, 24 de abril de 2009). Para concluir a história, vale a pena citar os comentários do Prof. Joaquim Blessmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre e Doutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que resumem bem o caso:
  • 44. 44 1. O episódio de Galileu é lamentável, mas compreensível, se levarmos em consideração o ambiente, costumes e mentalidade vigentes naquela época 2. A imagem Galileu versus Igreja, ou ciência versus Igreja, foi criada por pensadores anticatólicos dos séculos XVIII e XIX, para apresentar a Igreja como inimiga da ciência, do progresso e da razão. Muitos eclesiásticos estudavam sistematicamente astronomia e vários deles vinham defendendo o sistema heliocêntrico mesmo antes de Galileu, como o próprio Copérnico, que era cônego. 3. A Igreja não queria proibir que se discutisse o sistema de Copérnico, mas apenas solicitava que não fosse apresentado como incontestável, enquanto não houvesse provas decisivas. O argumento das marés, que Galileu apresentou como prova máxima, era falso. 4. Aliás, pela atual filosofia da ciência, “nada é definitivo em ciências”; mesmo as teorias mais “badaladas” podem cair. A todo o momento os cientistas se autocorrigem, o que é normal diante da evolução da pesquisa. 5. Parte do acontecido deve-se ao caráter de Galileu, polêmico, ríspido, agressivo, e ao fato de ter difundido prematuramente suas conclusões científicas, sem provas suficientes. 6. Houve também um erro grave por parte dos representantes da Igreja, que se intrometeram em matéria exclusivamente científica e condenaram um sistema astronômico, no processo de 1616. O filósofo cético-agnóstico Paul Feyerbend afirma: “No tempo de Galileu, a Igreja se manteve mais fiel à razão do que o próprio Galileu, e levou em consideração também as consequências éticas e sociais da doutrina proposta pelo cientista. O processo contra Galileu era justo e racional” (FEYERBEND in RATZINGER, 1990, p. 64). No fim, Galileu pretendia abalar um conceito de ciência e fé que durava dezessete séculos (desde Ptolomeu, 150 d.C.) sem ter razões convincentes ou provas.
  • 45. 45 5. A SANTA (?) INQUISIÇÃO A palavra “Inquisição” vem à boca de qualquer pessoa que queira atacar a Igreja Católica ou as religiões como um conjunto. No imaginário popular, ela representa a pura manifestação de maldade, ódio e intolerância da Igreja, e para os antireliogosos ela é uma prova de que as religiões só trazem mal e desgraça à humanidade, além de serem irracionais. O grande problema quando se fala de Inquisição, é que ela não é analisada nem estudada: na maior parte das universidades simplesmente se repete a estória da famosa caça as bruxas, os tribunais, etc (nos meios escolares então, não há nem chance de brotar uma profundida a respeito do assunto). A fama da Inquisição a faz parecer muito pior do que é. Como toda a história (e principalmente a medieval, que se distancia muito do contexto dos nossos dias atuais e que já foi muito mascarada por mentiras) ela deve ser estudada no seu contexto, e precisa ser acima de tudo entendida. O historiador Jean-Pierre Guicciardi explica que a inquisição não traz fascínio e perturbação pelo que ela foi, mas pelo que se pensa que ela tenha sido. “Não tanto pelo que ela foi realmente, mas pelo que o inconsciente coletivo quis ver unicamente nela: uma instância de tortura e morte, um elemento de
  • 46. 46 repressão ideológica a serviço de todos os totalitarismos, religião e aparelhos do Estado.” (GUICCIARDI, in AQUINO, 2009). 5.1. OS ANTECEDENTES DA INQUISIÇÃO: O CAMINHO ROMANO Para explicar o surgimento desse orgão da Igreja, é válido citar o renomado historiador americano Thomas Madden (autor de mais de oitenta livros, sendo best- seller do New York Times, bacharel pela Harvard University, e PhD pela Columbia University). Ele explica: “Heresia era um crime contra o Estado. O direito romano no Código de Justiniano tornou-a uma ofensa capital. Governantes, cuja autoridade se acreditava vir de Deus, não tinham paciência para os hereges. Nem as pessoas comuns, que os viam como foras-da-lei perigosos que trariam a ira divina. Quando alguém era acusado de heresia no início da Idade Média, eram trazidos ao senhor local para julgamento (…). O resultado é que milhares de pessoas em toda a Europa foram executadas por autoridades seculares, sem julgamentos justos ou uma avaliação competente da validade da acusação. A resposta da Igreja Católica para este problema foi a Inquisição, instituída primeiramente pelo papa Lúcio III em 1184. Ela nasceu da necessidade de fornecer julgamentos justos para os hereges acusados, usando as leis de provas, e presididos por juízes capacitados. Do ponto de vista das autoridades seculares, os hereges eram traidores de Deus e do rei e, portanto, mereciam a morte. Do ponto de vista da Igreja, no entanto, os hereges eram ovelhas perdidas que se afastaram do rebanho. Como pastores, o papa e os bispos tinham o dever de levá-los de volta ao redil, assim como o Bom Pastor lhes havia ordenado. Assim, enquanto líderes medievais seculares estavam tentando salvaguardar seus reinos, a Igreja estava tentando salvar almas. A Inquisição providenciou um meio para os hereges escaparem da morte e retornarem para a comunidade.” (MADDEN, 2004). É preciso entender que a população era fervorosamente católica, e assim sendo, para eles a Igreja era guiada por um poder divino. Valorizando eles muito mais a mente e a alma (diferente dos dias atuais, como visto anteriormente) do que o corpo, o que é pior: quem mata o corpo, ou quem mata a alma, condenando os outros ao inferno? O doutor da Igreja São Tomás de Aquino (também muito admirado na época medieval, como ainda hoje) afirma: “É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é um meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores
  • 47. 47 de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda a justiça ser condenados de morte” (Suma Teológica II-II 11,3c). Este pensamento, porém, não veio da Idade Média. Foi uma mentalidade que foi se construindo ao longo dos séculos, até chegar na famosa época em que não era errado punir os hereges com morte, pois estes eram perigosos: pessoas que afastavam o cidadão da Igreja e de Deus. Mas não por achar certo executar hereges, mas por não haver alternativa que isso foi feito, e esse fenômeno será visto a seguir. “Não se consegue entender a Inquisição sem entender a fundo que todo o povo, as autoridades leigas e o clero, na Idade Média, tinham a Igreja investida de uma missão divina de salvar a humanidade; que Cristo veio ao mundo para salvá-la e ensinar a verdade confiada à Igreja.” (AQUINO, 2004). A repressão para com as heresias e outras crenças vem de muito antes da Idade Média, antes mesmo de Nero perseguir incansavelmente os cristãos em Roma. Platão já afirmava que os “sem religião” deveriam ser castigados, mesmo os que guardavam isso para si, pois estes eram muito perigosos. Na opinião do famoso filósofo grego, eles deveriam ser presos e diariamente “instruídos na fé” para que se tornassem “homens sábios”. Os que fizessem proselitismo contra a religião deveriam ser presos em calabouços, mortos e privados de serem enterrados. Nos doze primeiros séculos de cristianismo, a Igreja aplicava penas espirituais aos hereges (penitências), pois seguia o princípio de que para um mal espiritual, se usava um remédio espiritual. Era rejeitada a ideia de usar a força, e os mestres cristãos dos primeiros séculos também rejeitaram sempre esta ideia (a exemplo: Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Crisóstomo). A partir do século V, com o advento de heresias perigosas que ameaçavam destruir a Igreja por dentro, foi admitido por alguns bispos que o Estado teria o direito de cooperar contra essas heresias, e que o mesmo poderia punir os hereges
  • 48. 48 se quisesse. Ainda assim, a grande maioria continuava contraria ao uso da força, e a Igreja como um todo não entrava nos assuntos do Estado quando este decidia punir alguém. Com o tempo, o próprio Santo Agostinho, como outros dentro da Igreja, passaram a aceitar açoites e exílio (não a pena de morte nem tortura) vendo as pilhagens e saques dos donatistas (seita que assolou o catolicismo nos séculos IV e VII). Afinal “se o estado pune o adultério, também deve punir a heresia, pois não é pecado menor”. Tentou-se durante muito tempo aprovar decretos que punissem a heresia com a morte, mas esses não passaram pela aceitação da Igreja. Isso mostra que não foi por simples vontade que o catolicismo apelou para as punições mais severas referentes à heresia. Tudo mudou com a conversão do Império ao cristianismo. Constantino, o Grande (primeiro imperador romano cristão), proibiu a perseguição aos cristãos com o “Édito de Milão”. O mesmo assegurava que cada um era livre para seguir a religião que lhe achasse conveniente. Em 380, porém, o Imperador Teodósio I, com o Édito de Tessalônica, tornou o cristianismo a religião oficial do Império Romano, sendo imposta a toda população, e banindo todo o politeísmo dos territórios romanos. Apesar de a religião ser cristã, os Imperadores ainda seguiam a mentalidade de Sumo Pontífice pagã, e assim perseguiam quem não aceitasse a religião oficial como herege. Eles acreditavam que a primeira preocupação como Imperadores era a de proteger a religião, e por causa disso, promulgaram muitos decretos contra heresia (68 decretos em 57 anos). O Estado ter uma religião oficial que não tolera outras gera uma estabilidade econômica, psíquica e espiritual para os governantes e súditos, pois é fato que quanto mais a religião se espalha, mais aumenta a convicção de que ela é divina e verdadeira, e portanto a gravidade do crime contra essa confissão também aumenta. Depois disso, vários santos da Igreja morreram desterrados (como João Crisóstomo). “A Igreja durante muito séculos se conservou tolerante com as dissidências usando apenas a catequese para convertê-los, e afirma que o que fez as
  • 49. 49 autoridades agirem pesadamente contra os hereges foi o caráter antissocial das heresias.” (Guiraud in AQUINO, 2009). A Igreja lutou pesadamente contra essas penas e foram vários os doutores e pontífices que se fizeram ouvir. Houveram também vários cânones dos concílios, que excomungaram os hereges e proibiram os cristãos de dar-lhes asilo, para assim estes primeiros não levarem a pena de morte. “A Inquisição é sempre considerada uma instituição da Igreja. Isto está certo, mas convém enfatizar uma realidade fundamental, evidente, mas frequentemente esquecida, a saber: a Inquisição só podia atuar associada aos poderes leigos. Ela não dispunha de poder material. Ela só podia incutir temor, se contasse com o apoio dos príncipes e dos governos. Em lugar nenhum os inquisidores podiam prender alguém, assentar-se, julgar, mandar executar sua sentença... se não dispusessem da força armada e da assistência do regime local, dos seus representantes e dos seus agentes.” (BIGET, 1998). Um crime contra a fé era um crime contra a sociedade, e a “lesa-majestade divina” não era menor que a “lesa-majestade humana” (crime que fere a Deus e crime que fere ao Rei). A primeira sentença de morte foi do herege espanhol Prisciliano, em 385, pelo Imperador Máximo. São Martinho de Tours e os bispos da época tentaram retirar a acusação para salvá-lo da condenação (mas evidentemente falharam). O mesmo aconteceu no oriente cristão: em 529 o imperador bizantino Justiniano I, ordenou a todos seus súditos que se fizessem cristãos. O historiador francês Daniel Rops, membro da Academia Francesa de Letras, vencedor do Prêmio dessa academia por sua coleção sobre a História da Igreja (10 volumes) dá um depoimento importante: “Não foi a Igreja que inaugurou a repressão à heresia por meio da violência. Se a considerou por todos os tempos como um crime de “lesa-majestade divina”, nunca pediu aplicação de todas essas penas que castigavam a lesa-majestade no direito imperial romano. No decurso dos três primeiros séculos, recorreu apenas à persuasão e às punições espirituais. Foram os imperadores cristãos, Constantino e seus sucessores, que, como “bispos do exterior”, castigavam com penas temporais-multas, prisão e flagelação- os rebeldes contra a verdadeira fé, maniqueus ou donatistas... Foi a reaparição da heresia dualista, maniqueia, cujo caráter antissocial já referimos, que provocou uma reação mais viva. Esta reação foi obra dos príncipes: Roberto
  • 50. 50 o Piedoso, em 1017, mandou queimar os hereges de Orléans; “porque temia pela segurança do reino e a salvação das almas”; o imperador Henrique III, em 1052, mandou enforcar outros em Goslar. Até meados do século XII, todas as condenações de à morte de hereges foram decididas pelas autoridades civis, muitas vezes impelidas pelas multidões fanatizadas.” (ROPS, 1993, p. 610) Aí já se dava continuidade ao fenômeno da intolerância, vindo antes mesmo de Cristo, que fez as próprias heresias serem agressivas e que em sequência iria culminar na necessidade de uma Inquisição. 5.2. A HERESIA CÁTARA A heresia dos catáros surgiu no começo do século X, influenciada por religiões e crenças orientais (como o gnoscticismo, dualismo, entre outras). Esse foi o maior perigo pelo qual a Igreja passou desde as perseguições em Roma. Os cátaros queriam uma Igreja “pura”: o comportamento vergonhoso de muitos clérigos foi sem dúvida uma das causas do surgimento dessa heresia (dita por muitos historiadores como a “pior heresia”, por ser perigosa na maneira de perverter os católicos e agressiva na maneira de atacar a Igreja). Esses homens queriam acabar com os problemas da Igreja destruindo-a, e arrastavam multidões consigo (diferente de outros Papas e católicos reformadores como São Francisco que queriam resolver os problemas da Igreja, o catarismo queria descarta-la.) No século X, em Constantinopla, a Imperatriz bizantina Teodora já tinha massacrado milhares de cátaros. Eles também foram perseguidos no século XI, pelo Imperador bizantino Alexis Commenus, e foi por isso que muitos foram para Europa ocidental onde se refugiaram e fizeram muitos adeptos. No século XII eles já estavam na Bélgica, Holanda, Alemanha, Espanha e França, e eram chamados de albigienses. O movimento cátaro se dizia cristão, e de fato muitos foram os membros do clero que usaram o conhecimento adquirido dentro da Igreja para aderir ao movimento e então pregar contra ela, mas o catarismo passava longe do
  • 51. 51 cristianismo. A seita avançou muito durante o século XII e cada vez mais se distanciava da Igreja, a tal ponto que não podia nem mais ser identificado como cristã: a missa, a eucaristia, toda oração (com exceção do pai nosso) fora descartada, e a seita via tudo de maneira dualista: havia um deus bom e um deus mal. O deus bom era o do Novo Testamento, e o deus mal o do Antigo Testamento, e este segundo teria feito o mundo e por isso todas as coisas materiais são demoníacas. Por este motivo, os cátaros rejeitavam tudo que é material (desprezavam a matéria, proibiam o serviço militar e trabalho manual, rejeitavam autoridade governamental), o casamento (pois esse só iria gerar mais pessoas na Terra, aumentando assim a obra do deus mal) entre outras coisas. Em dado momento acreditavam que tudo emana do deus bom, e volta para ele, tudo vem dele, e até mesmo o próprio demônio é uma manifestação de Deus. Não só pela crença anti-cristã, mas também pelas atitudes, os cátaros eram vistos como um grande perigo para a sociedade. “O catarismo trazia, então, sob uma terminologia cristã, um verdadeiro anticristianismo. E muitos aderiram a esta doutrina, eram os chamados Perfeitos, Puros (cátaros em grego). Esses Perfeitos praticavam o desprendimento de todos os bens da terra; não se casavam; consideravam a mulher grávida como possuidora do demônio no corpo, e muitas vezes eram mortas por isso. Alguns viviam como faquires hindus, insensíveis a tudo. Só os Perfeitos estavam certos da salvação; julgavam que só eles escapariam da “prisão da matéria”. Alguns tinham o desejo tão grande de chegar logo ao “céu” que praticavam a “Endura”, o suicídio sagrado.” (AQUINO, 2009, p. 70). O historiador W. Neuss Apud Bernard afirma: “É de crer que a “endura” vitimou mais cátaros que toda a atividade inquisitorial.” Os albigienses também praticavam a eutanásia para com os moribundos. Em questão de organização, a seita tentava imitar a Igreja, tanto para supera- la quanto para pegar cristãos desinformados. Eles organizavam-se em “igrejas” dirigidas por um “bispo” cátaro, e se reuniam em concílios. Os crentes por sua vez, eram dirigidos por diáconos (como se fossem padres católicos). Preocupavam-se em
  • 52. 52 ajudar o “deus bom” contra o “deus mal”, e nisso queimavam fazendas e toda propriedade particular, combatiam a hierarquia da Igreja, entre outras coisas. Em resumo, era uma heresia que ameaçava toda a sociedade que estava estruturada na vida cristã, e é dessa ameaça que surge a Inquisição. O historiador, filósofo e ativista polítco americano, Henry Charles Lea, explica: “Essa era a crença cuja rápida difusão encheu a Igreja de um terror plenamente justificado. Por mais horror que nos possam inspirar os meios empregados para combatê-la, por mais piedade que devemos sentir por aqueles que morreram vítimas de suas convicções, reconhecendo sem hesitar que, nas circunstâncias, a causa da ortodoxia era a da civilização e do progresso. Se o catarismo se tornasse dominante, ou pelo menos igual ao catolicismo, não há dúvida de que sua influência teria sido desastrosa” (LEA, 1988, p. 121). O objetivo dos cátaros era destruir a Igreja Católica (eles a chamavam de “sinagoga de satanás”). Desprezavam tudo que vinha dela, desde os dogmas até mesmo as coisas erguidas pela Igreja, e no final do século XI a “anti-Igreja” já estava erguida de maneira perigosa, e criou-se o clima de “guerra de religião” na Europa, pois estes estavam prontos para destruir o catolicismo e qualquer resquício que sobrasse dele. O historiador e filósofo protestante francês, Jules Michelet (1798 – 1874) comenta sobre os albigienses: “Os albigienses não eram sectários isolados, mas uma igreja inteira, que se formava contra a Igreja. Em toda parte onde eram senhores destruíam e queimavam as cruzes, as imagens e as relíquias dos santos e maltratavam o clero”. (MICHELET, 1841). Quanto menor era a influência da Igreja Católica em um país, mais os cátaros se propagavam. Porém, como essa heresia negava quase todas as doutrinas cristãs, a seita também era detestada e perseguida pelo povo católico fiel, ao passo que em dado momento cátaros eram arrancados dos tribunais seculares ou eclesiásticos e lançados ao fogo pela turba. A heresia gerava um anarquismo sobrenatural. Várias vezes o povo e os reis condenaram a morte albigienses contra