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Leonardo Ramon Nunes de Sousa
S586h Sousa, José Elielton de
História da Filosofia no Brasil e na América Latina/José Elielton
de Sousa – Teresina: EDUFPI, 2013.
140 p.
ISBN: 978-85-7463-610-8
1. Filosofia – Brasil. 2. Filosofia – América Latina. I. Título.
CDD: 109.81
© 2013. Universidade Federal do Piauí - UFPI. Todos os direitos reservados.
A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é do autor. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização
no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado
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profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia deste obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a
propriedade intelectual, com sansões previstas no Código Penal. É proibida a venda ou distribuição deste material.
Este texto é destinado aos estudantes do Curso de Filosofia/EaD da
Universidade Federal do Piauí vinculados ao Programa Universidade Aberta
do Brasil.
O texto possui três unidades que tratam da História da Filosofia no
Brasil e na América Latina, apresentando suas principais escolas filosóficas
e, ao final da apresentação dessas escolas, disponibilizando um texto
complementar de um de seus representantes.
A Unidade I apresenta ao leitor um apanhado das escolas filosóficas
presentes no Brasil, do período colonial ao final do século XIX, além de textos
de autores brasileiros pertencentes a tais escolas.
A Unidade II expõe ao leitor um apanhado das tendências filosóficas
atuais, do início do século XX aos nossos dias, complementando esta
apresentação com textos dos autores mais significativos de cada tendência.
A Unidade III sinteza, de forma breve, as principais tendências
filosóficas na América Latina, além de textos de representantes dessas
tendências.
UNIDADE 1
A FILOSOFIA NO BRASIL: DO PERÍODO COLONIAL AO FINAL
DO SÉCULO XIX
O ecletismo............................................................................................. 11
Os principais representantes do ecletismo no Brasil............................... 13
A Alma e o Cérebro: Estudos de Psychologia e de Physiologia – Domingos
Gonçalves de Magalhaes......................................................................... 15
O positivismo........................................................................................... 22
Os principais representantes do positivismo no Brasil............................ 24
Breves Respostas – Ivan Lins................................................................... 26
A Escola de Recife.................................................................................... 30
Os principais representantes da Escola de Recife................................... 32
O atraso da filosofia entre nós – Tobias Barreto..................................... 33
11
UNIDADE 2
A FILOSOFIA NO BRASIL: DO INÍCIO DO SÉCULO XX AOS DIAS
ATUAIS
A corrente espiritualista e seus herdeiros, os neotomistas..................... 51
Mundo Interior, § 89 – Raimundo de Farias Brito................................... 54
A corrente culturalista............................................................................. 66
A filosofia como autoconsciência de um povo – Miguel Reale............... 68
A corrente neopositivista........................................................................ 83
Verdade – Leônidas Hegenberg .............................................................. 85
Fenomenologia........................................................................................ 86
A dialética metafísica, o pensamento e a práxis – Gerd Bornheim ........ 88
Dialética................................................................................................... 95
A Pós-modernidade cultural – Sérgio Paulo Rouanet.............................. 96
51
UNIDADE 3
A FILOSOFIA LATINO-AMERICANA
O modelo moderno................................................................................ 123
O modelo da autenticidade ................................................................... 124
O Eurocentrismo - Enrique Dussel.......................................................... 127
123
Neo-humanistas.................................................................................... 103
Humanismo hoje: tradição e missão – Henrique C. de Lima Vaz........... 104
Arqueogenealogia ................................................................................ 115
A propósito do título A hermenêutica do sujeito – Salma Tannus
Muchail ................................................................................................. 116
UNIDADE 1
A Filosofia no Brasil: do período
colonial ao final do século XIX
Esta Unidade objetiva apresentar ao leitor um apanhado das escolas filosóficas presentes no Brasil, do
período colonial ao final do século XIX, além de textos de autores brasileiros pertencentes a tais escolas.
Resumindo
11HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
A FILOSOFIA NO BRASIL:
DO PERÍODO COLONIAL
AO FINAL DO SÉCULO XIX
Neste trabalho apresentamos um panorama histórico das principais
escolas filosóficas presentes no Brasil e na América Latina, ao tempo em
que pretendemos assinalar o modo próprio como cada pensador aborda as
questões filosóficas que o seu tempo se lhe apresenta.
As obras básicas que servem de apoio à confecção deste trabalho
são: Problemas da Filosofia Brasileira (vol. 1 e 2), de Antonio Paim; A
filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e educação,
de Antonio Joaquim Severino; e O Brasil filosófico, de Ricardo Timm de
Souza. Além dessas, outras fontes importantes são os acervos online dos
grupos de pesquisa sobre a temática da Filosofia no Brasil e na América
Latina, disponíveis no final do texto.
O ecletismo
Durante os quatro primeiros séculos do Brasil-Colônia, o que se
entendia por filosofia não passava da transmissão, por parte dos missionários
jesuítas, de modelos escolásticos em decadência na Europa, com fins
explícitos e exclusivamente catequéticos, de manutenção e de promoção
de uma ordem social. Os jesuítas de então não representavam apenas um
modelo próprio em termos de educação e de formação de um povo, também
se articulavam de forma clara com o modelo de civilização portuguesa e sua
respectiva opção cultura – um modelo letárgico e fechado em matéria de
pensamento puro, contra-reformista e de espírito tridentino e ultramontano1
.
Tratava-se, portanto, não apenas de um mero zelo evangelizador, mas de
limitar e de controlar a direção em que o pensamento deveria se mover.
1
Souza (2003, p. 36).
UNIDADE 112
Apesar das transformações advindas das reformas promovidas pelo
marques de Pombal na metrópole, com repercussões diretas na colônia, não
houve transformações significativas no que diz respeito à reflexão filosófica.
Portanto, durante esses quatro séculos, mesmo enquanto especulação pura,
a reflexão filosófica não se desenvolveu, sufocada que foi pelo poder absoluto
da visão teológico-cristã do mundo que imperava num ambiente também
precário do ponto de vista da cultura em geral2
.
Somente com as transformações políticas e culturais brasileiras e
internacionais ocorridas no século XIX, é que houve mudanças significativas
na intelectualidade filosófica patrícia. A vinda da Corte, que determinou
novas formas de compreensão do sentido da terra, a abertura de portos, que
permitiria a chegada de novas ideias com maior abundancia e a facilitação
das comunicações, exerceram um papel fundamental na relativa atualização
cientifica e literária da Colônia que se transformava em “Metrópole”3
. Não
obstante isso, a parcialidade da recepção de novas ideias determinou em boa
parte a precariedade de muitas informações que serviram de base a estudos
filosóficos daquela época.
Apesar disso, o aparecimento de pensadores, como o português
Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), evidenciava um clima favorável a
transformações profundas na mentalidade brasileira. Silvestre Pinheiro
Ferreira elaborou uma vasta obra nos planos da Filosofia e do Direito, com
justa projeção no Brasil onde viveu e foi professor, no início do século XIX
(1810-1821). Assim, graças à sua rica formação intelectual e ao magistério
de Filosofia que exerceu no Rio de Janeiro, ao longo da segunda década do
século XIX, Silvestre Pinheiro Ferreira lançou as bases para o debate dos
temas modernos, que iriam empolgar parte da intelectualidade nas décadas
de 1930 e 1940, abrindo, dessa forma, o caminho ao ecletismo, no plano
estritamente filosófico4
.
O ecletismo representa o primeiro movimento filosófico plenamente
estruturado no Brasil. Adequada à inércia política daquela sociedade
escravocrata e semipatriarcal e seu espírito conciliador, as ideias dessa
escola penetraram fundo em amplos setores da elite nacional e chegaram a
se transformar no suporte último da consciência conservadora em formação5
.
2
Severino (2011, P. 32).
3
Cf. Souza (2003, p. 43).
4
Sobre a conjuntura da época e o papel desempenhado por Silvestre Pinheiro Ferreira, ver PAIM
(2007).
5
Paim (2003, p. 73).
13HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
O ecletismo encontrou um ambiente tão receptivo entre nossos patrícios de
então a ponto de constituir-se, de 1840 a 1880, a primeira e única escola
filosófica oficial do Brasil.
A base filosófica do ecletismo brasileiro encontra-se no pensamento
do filósofo francês Victor Cousin (1792-1867). O pensamento de Cousin se
autodenomina eclético porque pretende discernir entre o verdadeiro e o falso
contido em todos os sistemas filosóficos, com vistas a uma doutrina melhor
e mais vasta. Cousin realiza vários estudos concernentes à história da
filosofia, e termina por compreendê-la como a sucessão de quatro correntes
principais: sensualismo, idealismo, ceticismo e misticismo. Segundo ele, o
desenvolvimento histórico da Filosofia se constituía de ciclos, cujos momentos
eclodiram através de oposições. Em cada ciclo, o sensualismo seria superado
pelo idealismo e ambos pela atitude cética. Essa, ao transformar-se em novo
dogmatismo, engendraria o misticismo. Permanece, entretanto, a insatisfação
que leva o homem a buscar outra fonte de certeza, primeiro na experiência
sensível e logo na razão. Inicia-se um novo ciclo. E assim sucessivamente6
.
Cousin não desenvolveu um sistema filosófico próprio, original, mas
construiu um sistema a partir de outros. Conseguiu, porém, mudar a ênfase
da filosofia francesa do materialismo para o idealismo e tornou-se o mais
conhecido pensador francês de sua época. A maior parte de suas obras
consiste em cursos ministrados ao longo de sua carreira docente. Dentre elas
podemos destacar os seguintes títulos: Primeiros ensaios de Filosofia; Do
verdadeiro, do belo e do bem; Filosofia sensualista; Filosofia escocesa;
Filosofia de Kant; Introdução à história da Filosofia; Fragmentos
filosóficos; Sobre a metafísica de Aristóteles; Estudos sobre Pascal.
Apesar disso, sua obra revelou grande fecundidade quando interpretado por
seus discípulos brasileiros.
Os principais representantes do ecletismo no Brasil
Entre os principais representantes do ecletismo no Brasil podemos
destacar as seguintes figuras:
Frei Francisco do Mont’Alverne, nascido Francisco José de Carvalho
(1784-1858), frade franciscano e teólogo, reconhecido orador, ocupou vários
cargos honoríficos, tendo sempre gozado de prestígio junto ao clero e à corte
6
Para uma visão mais ampla do pensamento de Cousin, ver Paim (2007).
UNIDADE 114
imperial. Escreveu Obras Oratórias e Compêndio de Filosofia. “Por seu
professorado, mais do que por seu livro, granjeou o nosso franciscano a fama
de grande filósofo.” (Romero apud JAIME, 1997, p. 117).
Eduardo Ferreira França (1809-1857) foi médico particular de Pedro
I, deputado à Constituinte de 23 e político influente na Bahia. Escreveu uma
obra em dois tomos intitulada Investigações de Psicologia, na qual estuda
a incipiente psicologia experimental da sua época e pretende oferecer,
em nome de um espiritualismo exacerbado, uma alternativa aos modelos
psicofísicos de compreensão do pensamento7
.
Manuel Maria de Morais e Vale (1824-1886) foi catedrático e diretor
da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Escreveu Considerações
gerais sobre farmácia teórico-prática, fascículo de direções indispensáveis
para os exercícios práticos de estudante de química mineral e Elementos de
Filosofia.
Domingos José Gonçalves de Magalhães, primeiro e único
barão e Visconde do Araguaia, (1811-1882), foi médico, professor,
diplomata, político, poeta e ensaísta brasileiro, tendo participado de missões
diplomáticas na França, Itália, Vaticano, Argentina, Uruguai e Paraguai, além
de ter representado a província do Rio Grande do Sul na sexta Assembleia
Geral. Considerado como o introdutor do romantismo no Brasil, além de sua
obra literária, deixou-nos Pensamentos e comentários (1880), A alma e o
cérebro (1876), e Fatos do espírito humano, seu trabalho mais importante,
publicado em Paris, em 1858.
Antonio Pedro de Figueiredo (1814-1859), figura de maior
importância filosófica e densidade intelectual que outros representantes do
ecletismo, foi apelidado de Cousin Fusco, devido ao fato de ser mulato e ter
traduzido Curso de História da Filosofia Moderna de Victor Cousin. Apesar
de ter adotado o ecletismo filosófico de Cousin, sofreu crescente influência
de outros filósofos, principalmente Owen, Fourier e Saint-Simon, com base
nos quais estabeleceu uma ampla teoria da sociedade, a qual lhe permitiu
analisar, de forma original, a articulação entre o indivíduo e a sociedade.
Fundou a revista O Progresso e, afora o livro do fundador da Escola
Eclética, Figueiredo traduziu também As sete cordas da lira, de George
Sand, e Da soberania do povo e dos princípios do governo republicano
moderno, de Ortolan, este último impresso em 1848, precedido de uma
introdução do tradutor.
7
Souza (2003, p. 46).
15HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
A Alma e o Cérebro: Estudos de Psychologia e de Physiologia
Domingos Gonçalves de Magalhaes
Capitulo I
O estudo das faculdades intellectuaes e moraes do homem, ou psychologia,
é tão independente do conhecimento prévio da natureza da substancia que pensa,
como dos órgãos quaesquer que as sirvam. A phrenologia reúne e subordina o
estudo dessas faculdades ao conhecimento de suppostos órgãos cerebraes. Idéa
geral dessa doctrina.
A consciência da unidade e identidade do ser que pensa, sente e quer
é um facto indeclinável, e não uma gratuita hypothese metaphysica, de que
possamos prescindir no estudo da natureza intelectual e moral humana. Esse facto
de consciência obriga tanto os philosophos como o commum dos homens a attribuir
todas as nossas faculdades a um principio simples, a um mesmo sujeito indivisivel,
a que chamamos alma ou espirito, para o distinguir do principio substancial dos
fenômenos corporeos, que se nos apresenta como composto de partes e divisivel.
Nem as palavras espirito e materia teem outra significação na sciencia, nem nós
meios temos de conhecer esses dous seres sinão pelos phenomenos que os
revelam.
O estudo porém das faculdades intellectuaes e moraes, do homem, no
que especialmente consistea psychologia, não depende do conhecimento prévio
da natureza substancial do ser que as exerce, nem tampouco dos órgãos que
porventura as sirvam; posto que todos esses conhecimentos muito interessem para
a completa sciencia do homem, a mais difficil, e a mais importante de todas as
sciencias.
Podemos estudar essas faculdades na nossa própria consciência, e nas
suas revelações históricas; distinguil-as, conhecer os actos especiaes de cada
uma d'ellas, e os que resultam do seu conjuncto, deixando de parte as causas
occultas que as produzem; do mesmo modo que podemos estudar os phenomenos
physicos, suas relações e leis sem entrar na indagação da natureza intima da
substancia material, que escapa aos nossos sentidos, e a todos os nossos meios
de observação, e cuja existência não obstante geralmente se admitte, por essa
mesma razão que nos obriga, com mais força, a também admittir a existência de
uma substancia que pensa, distincta daquella.
Mas o espirito humano, elevado pela philosophia, não se contenta
com o estudo das apparencias. Dotado de uma faculdade inductiva que exede
UNIDADE 116
áobservação e á experiência, e de uma razão que lhe fornece certos princípios,
e que por assim dizer aquilata todas as suas concepções, elle analysa, compara,
julga, generaliza, e descobre as leis dos factos que observa; leis que nada mais
são do que o modo constante pelo qual os fenômenos se repetem, e não as
causas que os fazem aparecer antes de um modo que de outro. Não contente
ainda, eleva-se á indagação dessas causas occultas que concebe, e não pôde
deixar de admittir; e na impossibilidade de as descobrir como deseja, imagina,
inventa theorias, que satisfaçam ao menos temporariamente a sua curiosidade,
preferindo uma hypothese qualquer engenhosa á confissão de sua incapacidade.
Mas essas hypotheses são muitas vezes os degráos do templo da verdade, ou do
desengano; são avisos profícuos aos novos indagadores. Não ha conselhos de
prudência que impeçam essa natural e irresistível curiosidade de saber os mais
profundos segredos da nossa própria natureza, que mais obscuros e mysteriosos
se mostram quanto mais de perto os contemplamos. E quem sabe si passamos
ás vezes ao lado da verdade sem a conhecer, e persiguimos um phantasma da
nossa imaginação, que caminha ante nós, como a nossa sombra, quando damos
as costas á luz!
Emquanto os psychologistas puros, por um esforço de concentração
intellectual, analysam e classificam os diversos actos, ou phenomenos de que
temos consciência, e desse exame se elevam ao reconhecimento das faculdades,
e condições ontológicas do ser que as exerce, por um modo tão oceulto que
escapa á observação ; os physiologistas modernos, que estudam o homem no seu
complexo orgânico, á vista de factos ponderosos que mencionaremos em logar
opportuno, dão como incontestável que o exercício dessas faculdades depende
em geral do cérebro; e os phrenologistas, atendendo a certas coincidências entre
o predomínio de algumas inclinações com as diversas fôrmas da cabeça, foram
induzidos não só a distribuir as faculdades intellectuaes e moraes por diferentes
partes do cérebro, sinão também a classifical-as por um modo inteiramente novo
prescindindo da unidade do sujeito attestada pela consciência, que elles deixam
ás lucubrações metaphysicas, como desnecessário ás suas explicações empíricas.
Mas essa unidade e identidade do ser moral que pensa é um facto soberano,
e indeclinável, que não perde os seus direitos mesmo perante a physiologia, e
protesta, e protestará sempre contra todas as theorias que pretendam annullal-o. E
como na explicação dos actos de consciência pôr de lado a condição principal, – a
unidade e idintidade do Eu?
Assim, a phrenologia contém uma psychologia especial, subordinada á
observação do predomínio de alguns sentimentos e inclinações, e uma physiologia
17HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
conjectural do cérebro, apoiada tamsomente na observação das fôrmas do craneo,
coincidindo mais ou menos com certas inclinações e hábitos: psychologia e.
physiologia hypotheticas, que não podem merecer o assenso dos que mais se
occupam dessas duas sciencias, cujos meios de observação são differentes.
Que a manifestação de algumas faculdades d'alma depende do concurso
do organismo, e com especialidade do cérebro, como centro do systema nervoso,
é facto que não negamos, e que alguns philosophos espiritualistas reconheceram
muito antes que apparecesse no munda a phrenologia. Mas essa dependência,
considerada em geral, e que não sabemos até que ponto se estende em relação
ás faculdades puramente racionaes não converte nenhuma das nossas faculdades
em funcçòes orgânicas, não destroe a mesmeidade do sujeito que se revela na
consciência, no meio da variedade dos seus actos, e da contínua renovação
dos órgãos, e não auctoriza por conseguinte essa distribuição de faculdades por
diversas circumvoluções do cérebro; do mesmo modo que os órgãos da vista, do
ouvido e do olfacto, postoque separados, nunca fizeram crer que as sensações
correspondentes fossem produzidas por esses diversos órgãos, ou por seus
complementos cerebraes, e que a percepção externa dependesse de differentes
faculdades.
Seja qual for o valor da phrenologia, ella contêm um estudo psychologico.
e se apresenta com todo o apparato de uma sciencia positiva do intelectual e moral
do homem, fundada na observação da sua dupla natureza; e no estado actual da
sciencia do espirito, que admitte essa novidade, quando se questiona sobre todos
os seus princípios, não podem os que a cultivam sem pretençôes systematicas,
e só com o fim de achar a verdade, arredar como sem importância alguma uma
doctrina professada por altos espíritos, que lhe prestam a autoridade do seu nome
na sciencia, e que tem seus sectários e crentes, como todas as opiniões, ainda as
menos razoaves; porque, em questões difficeis e complicadas, certas apparencias
mais notadas por uns que por outros, desculpam esses juizos diversos e temerários,
e nem tudo o que se nos offerece em nome da sciencia tem o cunho da verdade
que a prevenção lhe attribue.
Attrahido pelo brilho dessa nova doctrina, que promettia com tanta
segurança o conhecimento do homem moral, e a revelação dos mysterios da
intelligencia pela simples inspecção da fôrma exterior da cabeça, o que na verdade
é muito seductor, a ella nos lançámos sem prevenções contrarias, antes bem
dispostos
por alguns conhecimentos anatomico-physiologicos, e com todo o interesse
que á mocidade inspiram idéas novas e originaes, que sempre lhe parecem um
UNIDADE 118
grande progresso da sciencia, procurando e desejando mesmo verifical-a por uma
observação constante, e podemos hoje julgal-a conscienciosamente; porque, além
da convicção fundada no conhecimento dos factos, nenhuma outra consideração
nos obriga a preferir ou a regeitar qualquer theoria philosophica, não tendo nós por
missão sustentar nenhuma.
A phrenologia, ou craneologia, ou ainda craneoscopia, que eses vocábulos
se applicam a mesma cousa é uma supposta sciencia moderna, que data apenas do
começo do nosso século. Não que até essa epocha o volume e a fôrma da cabeça
parecessem aos observadores da natureza cousas inteiramente indifferentes e
sem indicação alguma; mas porque não se tinha feito sobre os órgãos contidos
no craneo um estudo tão acurado e systematico como ultimamente, com o fim
especial de o forçar a revelar as suas funcçòes, infelizmente porém sem grande
resultado para a physiologia. Mas quantos séculos se devolveram desde o
simples conhecimento da propriedade do electro até que o homem descobrisse e
inventasse os meios de desenvolver e applicar a electricidade ? As observações e
experiências sobre o cérebro ainda continuam. É provável que algum dia melhor se
conheçam as funcçòes desse orgam; é provável que os physiologistas concordem
todos em uma opinão qualquer que ella seja, verdadeira ou falsa, acerca da vida e
da intelligencia, do espirito e da matéria. Mas o certo é que jamais o cérebro lhes
dará o espectaculo da producção dos factos de consciência, de sensações, de
volições e de pensamentos; como é certo que jamais a chimica fará um ser vivo. A
esse respeito não temo que os cérebros futuros me desmintam.
O fundador da phrenologia com o modesto nome de Craneoscopia, foi o
celebre Dr Gall, que nasceu no Granducado de Bade em 1759. O natural talento
que desde a infância o levava á observação da natureza, fez que elle se dedicasse
ao estudo da medicina, sciencia que pela anatomia e physiologia aprofunda os
mysterios do organismo e da vida em seus diversos estados, e mais que nenhuma
outra sciencia habilita o pensador a conhecer a sua natureza physica e moral, e lhe
abre as portas da verdadeira philosophia; quando o habito de dissecar cadáveres
o não faz esquecer-se do hospede que o animava.
Em Vienna d'Áustria se formou Gall em medicina, e alli por algum tempo
exerceu a sua arte, occupando-se sempre com o seu estudo predilecto da anatomia
do cérebro, e procurando pelo exame comparativo das fôrmas e elevações das
cabeças adivinhar os talentos dos homens e os instinctos dos animaes, e criar por
esse modo a nova physiologia do cérebro, sinão exacta, ao menos com algumas
apparencias de verdade; que é quanto basta para a celebridade nos annaes da
sciencia.
Já na sua infância, dos nove aos quatorze annos, dera elle provas do
19HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
seu espirito observador, na espécie em que se tornou notável. Freqüentando os
estudos em Bade, Bruchal e Strasburgo, notara elle que os condiscipulos que mais
se avantajavam em decorar as suas lições, sem que por isso se distinguissem
em suas composições, tinham todos, diz elle, os olhos mui grandes; pelo que
os chamavam – olhos de boi. Dahi tomou logo os olhos esbugalhados como
indicio certo de muita memória verbal; o que então não passava de uma simples
observação physiognomonica, igual ás de Lavater, seu contemporâneo.
Mas tarde reconheceu Gall, pelo estudo da anatomia, que o exorbitar do
olhos não provêm tanto da sua grandeza como do abaixamento da parte superior
das orbitas, que os comprime, e os faz vir mais á flor do rosto; abaixamento que
ele attribuiu ao maior desenvolvimento do cérebro nesse ponto. E, com a sua
idéa fixa, concluiu que ali estava o orgam da memória verbal. Convencido de ter
descoberto uma verdade incontestável, entendeu que, do mesmo modo que para
elle se denunciava aquella faculdade, todas as outras se denunciariam; e animado
por essa grata esperança, com mais ardor se entregava as suas observações
craneoscopicas.
Admira porém não ter elle visto que o exorbitar dos olhos do boi, do
dogue e do sapo não coincide com nenhuma memória verbal; e que na espécie
humana muitos olhos grandes não abonam a sua conjectura, e muitos pequenos a
desmentem. Como exemplo bem notável, citaremos o celebre Cardeal Mezzofanti,
que fallava trinta línguas, e sabia a litteratura de cada uma d'ellas. Com elle
conversámos em Roma, em 1835, na bibliotheca do Vaticano, e á sua vista ficámos
convencidos que se pôde ter uma memória prodigiosa, estupenda, com olhos
antes pequenos que grandes. E não foi sem algum pezar nosso que disso nos
convencemos, porque então acreditávamos nessa indicação phrenologica, que
vimos depois desmentida em outros muitos indivíduos.
Segundo Gall, o cérebro é um orgam multíplice da intelligencia, um
aggregado de muitos órgãos, destinados a funcçòes diversas, intellectuaes e
moraes. Tadas as faculdades nascem com o homem; e para cada faculdade especial,
para cada instincto primitivo, para cada sentimento particular, ha no cérebro um
orgam próprio, uma circumvolução, que pela sua proeminencia se revela na fôrma
exterior do craneo; e pela comparação de muitas cabeças de indivíduos dotados
de uma mesma faculdade muito desenvolvida, ou de uma mesma inclinação muito
pronunciada, podemos descobrir e determinar a sede do orgam respectivo , que
torna essas cabeças similhantes por esse lado, ainda que pelos outros diffiram.
Si taes pretenções são verdadeiras ou falsas é cousa que após veremos.
Por ora nos limitamos a expor com clareza as bazes em oue se funda o novo
UNIDADE 120
systema.
Essa idéa, porém, não é tão original que deixe de ter precedentes na
historia da sciencia do homem. Já pouco tempo antes de Gall, o distincto philosopho
e naturalista de Genebra, Carlos Bonnet, suppunha que cada fibra do cérebro é um
pequeno orgam destinado a funcçòes próprias e especiaes do sentimento e do
pensamento; mas suppor não é provar. Antes de Bonnet, o celebre Descartes, hábil
anatômico e chefe do espiritualismo moderno, não receou considerar o cérebro
como o orgam do senso commum,e assim se exprime: « Os diversos sentimentos
interiores e exteriores d' alma, taes como a côr, o som, o cheiro, o sabor, a dôr, a
fome, a sede, a bondade, o amor, a confiança, &c, dependem do modo por que os
espíritos animaes penetram nos poros do cérebro, que assim se torna o orgam do
sensus communis, da imaginação e da memória. » Diremos de passagem que os
espíritos animaes do tempo de Descartes foram substituídos pelo fluido nervoso,
que já querem hoje substituir pela electricidade. Questão de palavras, ficando o
agente do mesmo modo desconhecido. No século décimo terceiro, o dominicano
Alberto o Grande, assim appellidado pelo seu vasto saber, o qual renunciou o
Bispado de Ratisbona só para se consagrar ao ensino da philosopha em Colonha,
onde teve por discípulo S. Thomaz de Aquino, denominado o Dr Angélico, traçou em
um craneo varias divisões, indicando differentes faculdades do espirito, segundo
a classificação de Aristóteles, de quem elle foi um dos maiores commentadores.
Bacon de Verulam, citando a opinião de Platão, que collocava o entendimento no
cérebro, como se lê no Timeo, parece referir-se a uma opinião mui conhecida quando
diz: « Essa outra opinião que situa as três faculdades intellectuaes, imaginação,
razão e memória, nos ventriculos do cérebro, não é tampouco exempta de. erro.
Assim pois, a tentativa de uma localisação de certas faculdades intellectuaes
é bastante antiga, e a suspeita da relação entre essas faculdades e o cérebro,
considerado como a sede d'alma, remonta aos médicos e philosophos gregos, a
Hippocrates, a Pythagoras, e a Platão, o mais idealista de todos, que, como após
Sancto Agostinho, São Thomaz e Descartes, não viram nessa dependência do
cérebro a reduccâo das faculdades intellectuaes a funcçòes puramente orgânicas.
A celebridade de Gall provêm do grande desenvolvimento que elle dêu a
essa antiga idéa. por um estudo aturado e especial, que o levou a estabelecel-a
com todo o apparato de uma sciencia fundada na observação, e destinada a
reformar a psychologia o a pôr um termo ao desacordo dos philosophos. Mas
nem os philosophos nem os physiologistas lhe deram esse prazer, continuando do
mesmo modo o desacordo.
Tendo Gall recolhido avultada copia de observações em favor da sua
21HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
nova theoria, e desejando expol-a em um theatro mais vasto e mais apreciador de
novidades, mudou-se para Paris em 1807, e alli ensinou o seu systema, continuou
as suas observações, e deu á luz a sua grande obra que tem por titulo: « Anatomia
e. Physiologia do Systema nervoso em geral e do Cérebro em particular. » Fez
escola, teve numerosos adeptos, naturalizou-se cidadão francez em 1819, e
morreu em 1858.
O novo systema que Gall deu ao mundo achou logo illustres Doctores que
o sustentassem e o reforçassem, e mesmo que o reformassem em muitos pontos.
Entre os mais notáveis citaremos em primeiro logar o Dr Spurzheim, o philosopho
da nova theoria, discípulo e collaborador de Gall, a quem se deve a denominação
de phrenologia, com que ficou conhecido esse systema, e uma nova classificação
das faculdades, com o acréscimo de outras novas. Spurzheim viajou pela França,
Inglaterra, Allemanha e os Estados-Unidos da America, só com o fim de propagar
a nova doctrina, de que foi o Americo Vespucio, e sobre a qual escreveu uma obra
com o titulo de « Ensaio sobre a natureza moral e intellectual do homem » impressa
em 1832.
Vimont, que escreveu um Tratado de Phrenologia, publicado em 1833.
O celebre Professor Broussais, da Escola de Medicina de Paris, tão conhecido
pela sua Medicina Physiologica, e que deu ao prelo em 1836 o seu « Curso de
Phrenologia, » a cujas lições algumas vezes assistimos. F. Combe, auctor do «
Systema de Phrenologia » impresso em Edimburgo em 1836. E ainda Fossati, H.
de Bruyéres, Debut e Castle.
Não faltaram também philosophos e physiologistas que combatessem a
nova doctrina, entre os quaes se distinguem os professores Ackermann, Rudolfi,
Flourens, Lelut, A. Garnier, e outros que em obras diversas a consideraram como
inteiramente hypothetica pelo lado das localisações cerebraes, que é a parte mais
physiologica do systema, e de mais fácil averiguação. Mas a parte psychologica
não me parece ter sido sufficientemente examinada, e por isso nos occuparemos
mais dessa parte, sem desprezara outra.
A questão não está decidida, apezar de tanto que se tem escripto sobre
esse assumpto; as observações continuam; alguns physiologistas admitem a
possibilidade de uma localisação das faculdades intellectuaes e moraes, posto
que regeitem a dos phrenologistas por falta de provas, e pelo desentimento de
observações contrarias; e por esses mesmos motivos não ousam propor nenhuma
nova localisação.
Outros, como Flourens e Lelut, negam essa possibilidade, que os sectários
dão como demonstrada. Em pé estão as affirmações, as duvidas, e as opostas
UNIDADE 122
opiniões sobre o espirito e a matéria, a que se ligam todas as questões sobre o
intellectual e moral do homem; a discussão não perdeu pois o seu interesse, ao
contrario mais se aviva, pela influencia da nova doctrina da transformação das
espécies, que apezar de mui hypothetica vai ganhando sectários. Um exame da
phrenologia chama á terreiro todas essas sublimes questões da philosophia, que
não sei quando terão uma solução satisfactoria, ou quando por reconhecidamente
insoluveis, deixarão de attrahir a curiosidade humana, tão sequiosa dessa sciencia
divina, mesmo sem esperança de discobrir a verdade, que a sabedoria do Criador
occultou ao nosso entendimento neste mundo, talvez para nutrir a esperança
que a veremos em outro. Mas esse trabalho não é inteiramente perdido e sem
fructo; porque na indagação da verdade inaccessivel podemos achar outras que
nos satisfaçam; como na procura da pedra philosophal, que nunca se descobriu,
fizeram os alchimistas alguns achados importantes para a sciencia, e lançaram os
fundamentos da chimica, hoje tão pretenciosa, que aspira a explicar a criação sem
o auxilio do Criador.
MAGALHAES, Domingos Gonçalves de. A Alma e o Cérebro: Estudos de
Psychologia e de Physiologia. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, 1876.
O positivismo
Sem dúvida, o positivismo foi o movimento filosófico europeu
que, ao longo do século XIX, mais influenciou o pensamento brasileiro. O
positivismo penetra no contexto histórico do Brasil da segunda metade do
século XIX, marcado por ideais republicanos, pelo liberalismo político, pela
luta para a abolição dos escravos, pelo ecletismo e pela ascensão de uma
burguesia urbana, que vai ser decisiva na transição Império-República. A
influência positivista no Brasil foi tal que ocorreu em diferentes âmbitos e em
diferentes lugares, desde a década de 1870, perpassando todo o século XX
e estendendo-se até o século XXI, chegando inclusive a fixar-se no símbolo
maior do país, a bandeira nacional, um dos lemas de Augusto Comte. Essa
influência do positivismo se deu em vários setores da sociedade brasileira,
como imprensa, parlamento, escolas, literatura e vida científica.
23HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
Tal filosofia foi difundida ao seu auge com os militares, iniciando pela
Escola Militar do Rio de Janeiro, em uma filosofia da ordem e do progresso,
da ascensão, da técnica, do cientificismo, coisas práticas que melhorariam
em muito a filosofia militar em sua conduta. A filosofia política de inspiração
positivista, cuja expressão acabada seria o castilhismo (movimento político
gaúcho liderado por Júlio de Castilho), desempenha um papel central tanto
no processo da Abolição da Escravatura quanto no da Proclamação da
República; além disso, a laicização do Estado e das instituições públicas
foi uma das grandes preocupações dos positivistas, além da realização da
justiça social e do progresso social. Na área educacional, sua disseminação
de maneira mais genérica deu-se nos documentos oficiais por decorrência
das reformas educacionais de Benjamin Constant que atribuía enorme
importância à educação. Inclusive o modelo escolar que vivenciamos em
nossos dias é uma cópia fidedigna do projeto de educação padronizada,
elaborada na seara da ciência do século XIX.
Contudo, não é fácil identificar com clareza como essas teses e esses
princípios de origem positivista foram apropriados nos diversos campos da
cultura e, especialmente, da politica brasileira; o certo, porém, é que tal
conjunto de ideias contribuiu em boa medida para muito do que se considera
“avanços” no terreno ideológico e social, ao questionar profundamente o
imobilismo de certas elites politicas e econômicas do início do século8
.
O positivismo no Brasil não é uma mera reprodução da filosofia de
Comte, tal como esta se desenvolveu no cenário francês de sua origem, e sim,
uma versão influenciada pelo espírito eclético que marcava os intelectuais da
segunda metade do século XIX, formadores de opinião dentro dos partidos
políticos e das famílias de prestígios da época. Assim, a recepção do
positivismo no Brasil não se deu de forma homogênea, com alguns poucos
representantes ortodoxos, mas sim de forma bastante diversificada, deixando
transparecer ao menos duas grandes formas de manifestações diferente: a
ortodoxa e a ilustrada9
.
A corrente ortodoxa ou religiosa, que teve como principais
representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927),
os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito
de fomentar o culto da "religião da humanidade", proposta por Comte (1798-
1857), no seu Catecismo positivista, pressupunha uma hierarquias social
8
Cf. Souza (2003, p. 48).
9
Cf. Souza (2003, p. 49).
UNIDADE 124
com base no mérito moral, defendiam uma reforma da legislação civil visando
passar para o Estado o registro dos casamentos, óbitos e nascimento,
a abolição da escravatura e condenavam a migração chinesa. No âmbito
político, defendiam uma república ditatorial com supressão do parlamento e
submissão do judiciário ao executivo. Exerceram forte influencia nas forças
armadas graças um de seus representantes mais proeminente, Benjamin
Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar
e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em
1889.
O castilhismo, movimento político estruturado pelo influente estadista
Júlio de Castilhos (1860-1903) e consolidado por Borges de Medeiros (1864-
1961), representa a vertente política do movimento. Suas teses principais
alimentam um projeto nitidamente autoritário no âmbito político. O castilhismo
consolidou-se como corrente política e teve voz ativa por cerca de quarenta
anos, principalmente no Rio Grande do Sul, mas também no restante do
Brasil. Borges de Medeiros, sucessor de Castilhos, seguiu firmemente os
ideais do mestre à frente do governo estadual. No plano nacional, Getúlio
Vargas procurou implementar o castilhismo no Estado Novo (1937-1945).
A corrente ilustrada defendia o plano proposto por Comte na primeira
parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua "religião da humanidade",
mas apesar da influência da doutrina comtiana, não fez dela uma profissão
de fé cega, mas tentaram integrar alguns de seus princípios às questões
do pensamento e da vida nacional. Essa corrente teve como principais
representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904),
Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins (1904-1975).
Assim sendo, o positivismo foi, em suas diversas tradições e campos
de influência, uma das doutrinas mais abrangentes e persistentes no Brasil
em todos os tempos10
.
Os principais representantes do positivismo no Brasil
Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), adepto do
positivismo, em suas vertentes filosófica e religiosa – cujas ideias difundiu
entre a jovem oficialidade do Exército brasileiro –, foi um dos principais
10
Para uma visão mais abrangente a aprofundada do Positivismo no Brasil e suas diversas
vertentes, ver: PAIM, Antonio. A escola cientificista brasileira. Brasília, 2002.
25HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
articuladores do levante republicano de 1889, foi nomeado Ministro da
Guerra e, depois, Ministro da Instrução Pública no governo provisório. Na
última função, promoveu uma importante reforma curricular. As disposições
transitórias da Constituição de 1891 consagraram-no como fundador da
República brasileira.
Miguel Lemos (1854-1917) dedicou-se à ação política, social e
religiosa a partir dos princípios do positivismo, tomando posição a respeito
das mais variadas questões sociais, políticas e religiosas, entre as quais
podemos citar: participação nas campanhas abolicionista e republicana;
defesa dos direitos sociais e trabalhistas (incluindo, por exemplo, o direito de
greve); o pacifismo; a separação entre a Igreja e o Estado (isto é, o laicismo);
a defesa da justiça social e inúmeras outras. Escreveu O apostolado
positivista no Brasil (com Teixeira Mendes), O positivismo e a escravidão
moderna, Pequenos ensaios positivistas, Luís de Camões, A questão de
limites entre o Brasil e a Argentina e Ortografia positivista.
Teixeira Mendes (1855-1927) figura de destacada e contínua atuação
política, filosófica, social e religiosa, baseada nos princípios positivistas
em sua versão. Assim como o companheiro, amigo e, a partir de certa
altura, cunhado Miguel Lemos, Teixeira Mendes inicialmente aderiu à obra
estritamente filosófica de Comte, recusando o "Sistema de Política Positiva".
Todavia, a partir de uma viagem de estudos que Miguel Lemos empreendeu
a Paris, em que se converteu à Religião da Humanidade, Teixeira Mendes foi
convencido pelo amigo da correção da obra religiosa de Comte e a partir daí
iniciou uma longa e importante carreira apostólica e política, influenciando
os eventos sociais no Brasil, a partir de sua atuação na Igreja Positivista do
Brasil, sediada no Rio de Janeiro.
Júlio Prates de Castilhos (1860-1903) foi um jornalista e político
brasileiro, eleito Patriarca do Rio Grande do Sul pelos seus conterrâneos.
Foi presidente do Rio Grande do Sul por duas vezes e principal autor da
Constituição Estadual de 1891, a qual garantia ao governante os meios
legais de implementar a política de inspiração positivista. Essa foi a primeira
constituição estadual da república a ser concluída, e acabou servindo de
base a diversas outras no país, disseminando assim seus ideais positivistas
no país.
Luís Pereira Barreto (1840-1923) é autor do trabalho incompleto
As Três Filosofias (do qual vieram à luz dois tomos: Filosofia Teológica,
em 1874, e Filosofia Metafísica, em 1876). É considerado um dos mais
UNIDADE 126
importantes representantes do positivismo brasileiro, devido à sua tentativa
de aplicar a “lei dos três estados” positivista à situação brasileira.
Alberto Sales (1857-1904) apesar do interesse em outros campos,
foi jurista e pedagogo, dedicou-se especialmente às questões da política. Foi
um dos mais importantes ideólogos da república, a qual pretendia pensar
como um sistema organizado racionalmente segundo os princípios de Comte
e Spencer.
Pedro Lessa (1859-1921) foi jurista, magistrado, político e professor.
Autor de É a História uma Ciência?, Discursos e Conferências e Estudos
de Filosofia do Direito, acreditava na validade das especulações metafísicas
para tratar de fenômenos incognoscíveis cientificamente, diferentemente
de outros positivistas que apresentavam absoluto rechaço à metafisica
tradicional.
Vicente Licínio Cardoso (1889-1931) autor de uma Filosofia da Arte
fortemente influenciada pelo positivismo, porém transcendendo seus limites
estreitos, dedicou-se, desde a referência positivista, ao estudo de problemas
nacionais, procurando estabelecer uma interpretação do Brasil.
Ivan Lins (1904-1975) autor de História do Positivismo no Brasil,
rebelou-se contra a exaltação unilateral da versão positivista ortodoxo-
religiosa, reconhecendo a variedade e a diversidade da presença do
positivismo na cultura brasileira.
Outros positivistas de importância para o Brasil foram Nísia Floresta
Augusta (a primeira feminista brasileira e discípula direta de Auguste Comte),
Euclides da Cunha, Carlos Torres Gonçalves, Ivan Monteiro de Barros
Lins, Roquette-Pinto, Barbosa Lima, Lindolfo Collor, David Carneiro, David
Carneiro Jr., João Pernetta, Luís Hildebrando Horta Barbosa, Júlio Caetano
Horta Barbosa, Alfredo de Morais Filho, Henrique Batista da Silva Oliveira,
Eduardo de Sá e inúmeros outros.
Breves Respostas
Ivan Lins
a) Qual é a missão da Filosofia em relação à vida cultural brasileira hodierna ou quais
são os problemas vitais brasileiros da atualidade, que aguardam a contribuição da
parte da reflexão filosófica?
27HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
Determinando, a meu ver, os fatos gerais de cada ciência e coordenando-
os de modo a tirar deles uma concepção real do mundo, da sociedade e do homem,
através de uma visão de conjunto da escala enciclopédica, a missão da Filosofia,
em relação à cultura brasileira hodierna reveste-se da mais alta importância. A
reflexão filosófica pode, na verdade, contribuir para a solução dos mais graves
problemas do Brasil de nossos dias, que, na minha opinião, se concentram na sua
estrutura arcaica, não preparada para as mudanças que o desenvolvimento do país
reclama, daí resultando tensões permanentes entre os padrões antigos, estáticos,
e os novos que procuram impor-se. Somente com a realização de transformações
estruturais de base abrir-se-á o caminho para vencermos o subdesenvolvimento.
Impõe- se a reforma agrária, a do ensino, a reforma administrativa e todas as
que encaminhem o surto de instituições realmente funcionais, amoldadas às
necessidades da nação. O povo brasileiro aspira a um planejamento que conduza
ao desenvolvimento econômico da forma mais rápida e condizente com os anelos
de melhor ia do nível geral de vida. E, a todos esses aspectos, a reflexão filosófica
pode trazer importante contribuição.
b) Que fazer para que a Filosofia atinja as grandes massas populares e a juventude
brasileira em grande escala?
Antes de mais nada, elevar o nível cultural, não só da grande massa,
mas ainda da juventude brasileira, que, em sua quase totalidade, apenas recebe
instrução ou meramente literária, ou exclusivamente técnica.
c) Quais as correntes filosóficas que a reflexão filosófica deve ter em conta hoje?
À vista de sua grande voga, em primeiro lugar o existencialismo. E,
tratando-se de um país de maioria nominalmente católica, o neotomismo deve ser
levado em conta, principalmente nas suas interpretações por Jacques Maritain
e Étienne Gilson. Igualmente o Positivismo, pela sua infiltração no país, tendo
influenciado várias reformas de ensino e tendo também tido reflexos não só na
literatura, como na política brasileira – através do movimento abolicionista e do
da proclamação da República, além de sua forte atuação na Primeira Constituinte
Republicana – não pode deixar de ser considerado. Outra cor r ente que não deve
ser desprezada é a marxista, que se infiltra através de escritores, hoje em grande
voga, como, entre outros, Roger Garaudy.
d) Quais são os dados do progresso das ciências experimentais imprescindíveis à
reflexão filosófica?
Todos os dados das ciências experimentais são, a meu ver, imprescindíveis
para a reflexão filosófica, sobretudo considerando eu a Filosofia como a
determinação e coordenação dos f atos gerais de cada ciência.
UNIDADE 128
e) Como deve colaborar a Filosofia para humanizar a civilização de hoje,
evidenciando o valor da pessoa humana e contribuindo para a paz interior e
felicidade do homem?
Através de palestras, atraentes e acessíveis, e de monografias feitas com
arte e leveza.
f) Pode existir (e em que sentido) a Filosofia nacional? Em que sentido pode ela
beneficiar o pensamento filosófico estrangeiro e beneficiar- se dele?
Diante da maneira pela qual concebo a Filosofia, não penso que possa
existir uma Filosofia nacional. Ela, por sua própria natureza, não pode deixar de
ser universal, abrangendo tudo quanto, dentro do seu âmbito, aparece no plano
internacional, beneficiando- se dele. Admitiria eu que a Filosofia pudesse ser
considerada nacional somente no sentido de aplicar -se especificamente ao estudo
de problemas de âmbito exclusivamente nacional ou regional. Mas aí já não seria
mais uma Filosofia, que é, a meu ver, um esforço par a uma síntese total, ou seja,
uma concepção de conjunto do universo.
g) Deve abrir-se a reflexão filosófica para uma visão transcendental da realidade,
na perspectiva das razões metafísicas?
A meu ver, não, e isto em consequência da minha maneira de considerar
a Filosofia.
h) Qual é a intima conexão entre a posição gnosiológica, metafísica e ética, entre
a teoria e a prática?
A meu ver, a teoria deve fornecer sempre os princípios gerais para a
orientação da prática.
i) A Filosofia é uma ciência objetiva ou uma produção pessoal puramente subjetiva
do pensador?
De acordo com o princípio de Aristóteles, completado por Leibniz, "nihil est
in intellectu quod prius non fuerit in sensu, nisi intellectus ipse", há sempre, em toda
construção filosófica, dois elementos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro é
a parte que provém, através dos sentidos, do ambiente, isto é, do mundo exterior,
que é o objeto contemplado; a parte subjetiva é a ligação que a inteligência, isto
é, o sujeito contemplador, opera entre os elementos hauridos pelos sentidos no
mundo exterior. Assim, pois, a originalidade pessoal do pensador resulta de sua
própria atividade mental.
j) Que pensar do ateísmo contemporâneo?
Antes de mais nada, cumpre distinguir, como faz Augusto Comte, duas
espécies de ateísmo: uma resultante da posição dos que, reconhecendo a
impossibilidade de atingir as causas primeiras, diante da fraqueza da inteligência
29HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
humana, apenas são ateus, remontando estritamente à etimologia da palavra, o
que é quase sempre um modo vicioso de interpretar os termos muito usados.
Há, entretanto, outro gênero de ateus, que, negando a existência de Deus,
cuidam, entretanto, exclusivamente de problemas de ordem teológicas, como
sejam as causas primeiras e finais. Os positivistas, como eu, só apresentam de
comum com os ateus o fato de não acreditarem em Deus, sem, de nenhum modo,
compartir-lhes os vãos sonhos metafísicos sobre a origem do mundo ou do homem
e, menos ainda, as suas estreitas e perigosas tentativas de sistematizar a moral.
Se essa coincidência, puramente negativa, bastasse par a fazer racionalmente
emparelhar os positivistas com os ateus, poderiam ser também emparelhados com
os cristãos, porque coincidem com estes últimos não acreditando em Minerva,
Netuno, marte e Apolo. Preocupam-se, na verdade, os ateus em demonstrar a
inexistência de um princípio criador, o que, par a os positivistas, é tão impossível
quanto a evidenciação da tese inversa.
O que se pode fazer é patentear ser em os diversos atributos atribuídos
a Deus – onipotência, onisciência etc. – contraditórios e absurdos per ante nossa
organização cerebral, segundo mostra Augusto Comte no vol. I da Política Positiva,
págs. 408-409. Como nota Pascal, a crença em deus é muito mais uma questão
de sentimento do que de razão. Quem acredita em Deus, o sente, mas não o
demonstra: "Le coeur a dês raisons que la raison ne connaît point. C'est le coeur
qui sent Dieu, et non La raison. Voilà ce que c'est la foi parfeit, Dieu sensible au
cœur". (O coração tem razões que a razão desconhece. É o coração que sente a
Deus e não a razão. Eis o que é a fé perfeita. Deus sensível ao coração). (Pascal:
Pensées, pág. 128 da edição F. Didot: "Moralistes Français", Paris, 1878). Assim,
diante do exposto, há duas maneiras de tratar o ateísmo contemporâneo, conforme
seja de origem positivista – forma de ateísmo que não pode ser debelada,
ante sua completa indiferença relativamente aos problemas teológicos – ou de
origem metafísica, que, este sim, pode ser tratado metafisicamente por também
se preocupar com os problemas de ordem teológica e metafísica, isto é, com as
causas primeiras e finais.
k) Em que sentido a reflexão filosófica pode ter tonalidade cristã? Pode o cristianismo
prestar benefícios ao filósofo?
Sem a menor dúvida; basta pensar nos numerosos e admiráveis filósofos
de formação cristã como Santo Agostinho, São Justino, Santo Irineu, São
Clemente de Alexandria, Orígenes, Tertuliano, Santo Alberto Magno, Santo Tomás
de Aquino, São Boaventura, Rogério Bacon, Cardeal de Cusa, João de Salisbury,
Raimundo Lúlio, Pascal, Bossuet, Joseph de Maitre, De Bonald, Étienne Gilson e
UNIDADE 130
tantos outros. A reflexão filosófica pode ter tonalidade cristã principalmente em tudo
quanto se refere à Moral e à Política e, de modo geral, a todos os assuntos sociais.
LINS, Ivan. Breves Respostas. In: LADUSÃNS, Stanislav. Rumos da Filosofia Atual no
Brasil em Auto-retratos. São Paulo: Edições Loyola, 1976, p. 333-339. Disponível em:
<http://www.cdpb.org.br/estudos_ivan_lins.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012.
A Escola de Recife
O movimento filosófico, sociológico e jurídico que passaria à história
com o nome de Escola de Recife foi uma clara reação contra as duas formas
de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas
décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar
de que no início os seus principais expoentes tivessem tomado elementos
do monismo do naturalista alemão Ernst Haeckel (1834-1919) e da própria
filosofia comtiana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para
se abrirem às ideias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do
neokantismo11
.
A Escola do Recife desenvolveu-se em quatro fases perfeitamente
distintas: um primeiro ciclo no qual seus fundadores são simples participantes
do denominado “surto de ideias novas” que aspira alcançar uma renovação
no terreno do pensamento; o rompimento radical com o positivismo e a busca
de urna posição própria no seio do espírito crítico caracteriza a segunda fase;
a terceira fase, do apogeu do movimento, é marcada pelo enfrentamento
simultâneo ao positivismo e ao espiritualismo; o declínio é pois a quarta e
ultima fase, a qual se singulariza pelo abandono virtual da atividade filosófica,
caracterizada nos anos anteriores pela publicação sistemática de obras e
estudos12
.
Marco importante nas diversas manifestações da cultura nacional,
a Escola de Recife abriu ao nosso pensamento jurídico novos horizontes.
Pela primeira vez em nossa cultura o direito é transformado em fenômeno
histórico, sujeito a desenvolver-se no tempo, ligado à vida. Tobias Barreto,
um dos principais representantes da Escola de Recife, seguindo o jurista
11
Para uma visão geral desse movimento, ver: PAIM, Antonio. A escola de Recife. Estudos
complementares à Historia das Ideias Filosóficas no Brasil. Vol. V. 3ª ed. São Paulo: UEL, 2007.
12
Cf. Paim (2007, p. 151).
31HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
alemão Rudolf von Jhering (1818-1892), mas igualmente contribuindo com
ideias próprias, compreende o direito não mais como direito natural abstrato
e divinizado, mas como fenômeno histórico, produto cultural da humanidade,
ligado à violência e à luta. Foi a partir dessas ideias e adotando o livro Estudos
de Direito, organizado por Sílvio Romero com textos de Tobias Barreto, que se
estruturam as novas Faculdades de Direito. Até a República, existiam apenas
as duas escolas de direito criadas logo após a Independência (Recife e São
Paulo). Em seguida à República organizam-se no Rio de Janeiro (Faculdades
Livres de Direito e de Ciências Jurídicas), Amazonas (1910), Paraná (1912),
Niterói (1916) e Goiás (1921). Em todas elas, a doutrina da Escola do Recife
não só ocupou sempre um lugar de honra como viria a merecer elaboração
teórica sofisticada e abrangente13
.
No campo da Sociologia, a Escola de Recife lançou as bases para a
abordagem da Sociologia como disciplina independente. Como na época essa
disciplina ainda se achava presa ao conceito comtiano de ciência normativa
geral à qual se subordinava o direito e a economia, os representantes da
Escola criticaram essa postura entendo a sociologia não como um teria geral
da sociedade, mas como estudo científico das manifestações que se dão
em seu interior; esse entendimento é anterior à reforma introduzida por Max
Weber (1864/1920), atribuindo-lhe a tarefa de estudar o comportamento
social.
Entretanto, o essencial no movimento consiste em sua expressão
como corrente filosófica. Nesse plano, a Escola soube situar-se no momento
de interseção em que viveu, quando a filosofia se defrontava com a onda
positiva contestadora de sua validade. Em tal circunstância, não era possível
restaurar a metafísica simplesmente retornando ao passado. A descoberta
de novos caminhos poderia resultar da volta a Kant, como sugeriam alguns
pensadores e de fato veio a ocorrer. Assim, a Escola do Recife foi, no
contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a mais clara
manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao entender a filosofia
como epistemologia. Esses pensadores, sem dúvida, fincaram as bases para
o ingresso e a discussão, no meio brasileiro, das ideias provenientes do
neokantismo, nas primeiras décadas do século XX14
.
Ainda que a Escola do Recife não haja alcançado o seu desiderato de
mudar o curso histórico do país, certamente pelo desmedido da pretensão,
13
Cf. Paim (1997, p. 95).
14
Cf. Paim (1997, p. 95).
UNIDADE 132
suas contribuições à nossa renovação cultural correspondem a ponto alto em
sua evolução e guardam plena atualidade.
Os principais representantes da Escola de Recife
Tobias Barreto de Meneses (1839-1889), fundador e mais destacado
representante dessa corrente, desenvolveu um monismo particular, com
conotações “espiritualistas”. Suas Obras Completas, editadas pelo Instituto
Nacional do Livro, incluem os seguintes títulos: Ensaios e estudos de
filosofia e crítica (1975), Brasilien, wie es ist (1876), Ensaio de pré-história
da literatura alemã, Filosofia e crítica, Estudos alemães (1879), Dias e
Noites (1881), Menores e loucos (1884), Discursos (1887), Polêmicas
(1901).
A contribuição de Tobias Barreto à evolução do pensamento filosófico
brasileiro, dividi-se em duas grandes seções: na primeira, sua obra crítica,
combate e ajuda a desacreditar o espiritualismo predominante no período
anterior, ao tempo que investe contra a nova corrente em emergência, o
positivismo, que acabaria por conquistar posições sólidas na alma nacional,
como principal resultado do movimento ocorrido na década de 70 do
século passado e que Sílvio Romero denominaria de surto de ideias novas;
na segunda, tenta restaurar os foros de cidadania da metafísica – que o
positivismo contestava –, e é levado a fixar certas linhas para uma inquirição
desse tipo15
.
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914),
crítico literário, ensaísta, poeta e filósofo. Apesar de ser conhecido mais
como ensaísta do que como filósofo, foi quem escreveu o primeiro livro
sobre filosofia no Brasil, A filosofia no Brasil: ensaio crítico, publicado em
Porto Alegre, em 1878. Com vasta obra que se estende desde a poesia,
crítica, teoria e história literária, folclore, etnografia, até estudos políticos,
sociológicos e filosóficos, Silvio Romero definia-se como alguém inquieto que
muita prezava sua liberdade de pensamento.
Dentre sua vasta obra, podemos destacar: A filosofia no Brasil:
ensaio crítico (1878); Ensaios de philosophia do direito (1885); Doutrina
contra doutrina (1894)); O alemanismo no sul do Brasil: seus perigos e
meios de os conjurar (1906); O Brasil social; vistas sintéticas obtidas
15
Cf. Paim (2007, p. 157).
33HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
pelos processos de La play (1907); A poesia contemporânea (1869); A
literatura brasileira e a crítica moderna: ensaio de generalização (1880);
Introdução à história da literatura brasileira (1882); Ensaios de sociologia
e literatura (1901); Cantos do fim do século: poesia (1878); A história do
Brasil ensinada pela biografia dos seus heróis (1890).
Clóvis Beviláqua (1859-1944) jurista, legislador, filósofo e historiador.
Seu itinerário intelectual passa pelo positivismo comteano, pelo monismo
do naturalista alemã Haeckel e, finalmente, pelo evolucionismo do filósofo
inglês Herbert Spencer. Professor dos mais respeitados, crítico literário
com vários ensaios publicados, colaborou em diversos jornais e revistas
(Revista Contemporânea, do Recife, Revista Brasileira, do Rio), e, em O
Pão, publicação do movimento literário Padaria Espiritual do Ceará. Com
uma produção na área jurídica das mais sólidas, escreveu variados livros
tratando, em sua maioria, de filosofia do direito e de códigos diversos.
Dentre sua vasta obra destacamos: Emile Littré (1882); Estudos de
direito e economia política (1883); Lições de legislação comparada sobre
o Direito Privado (1893); Direito de Família (1896); Direito das Obrigações
(1896); Criminologia e direito (1896); Juristas philosophos (1897); Direito
das Sucessões (1899); Princípios elementares de direito internacional
privado (1906); Em defeza do projeto de código civil brasileiro (1906);
Teoria Geral do Direito Civil (1908); Direito Público Internacional (1911);
Estudos jurídicos: historia, philosophia e critica (1916); Código Civil dos
Estados Unidos do Brasil Comentado (6 vols) (1916); Linhas e perfís
jurídicos (1930); Execução de um julgado: pareceres dos jurisconsultos
(1941).
Além dos nomes acima citados, merecem destaque, ainda, Artur
Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara
(1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Livio de Castro (1864-1890)
e Graça Aranha (1868-1931).
O atraso da Filosofia entre nós
Tobias Barreto
I
O Sr. Dr. J. Soriano de Sousa tem uma pretensão opiniática incoercível:
reagir contra o século e esbofetear a civilização moderna. No empenho de atingir
o fim supremo de todos os seus anelos terrestres, o digno doutor tem publicado
UNIDADE 134
algumas obras. Enganei-me: são apenas algumas diatribes contra o estado atual
da cultura humana.
Nesses escritos, onde a insipidez da forma rivaliza com o vulgarismo do
fundo, e dos quais o mais recente vai ser objeto do presente artigo, o honrado
professor é sempre o mesmo. Quero dizer, o mesmo espírito incansável no combate
das ideias dominantes; o mesmo homem consagrado, por uma espécie de voto
monástico, à defesa de princípios evidentemente mortos.
É um trabalho esterilíssimo, sem dúvida, e que não deixa de ter o seu lado
burlesco. Divisa-se nele alguma coisa de análogo aos santos esforços dos monges
da Tebaida. Eles iam ao Nilo encher cântaros para regar um galho de pau seco,
plantado por acinte nos areais do deserto.
Semelhantemente, os livros do Dr. Soriano têm todos os caracteres de
uma penitência. Envolve-os o que quer que seja capaz de abrir o céu – atrição,
contrição, desprezo absoluto das ilusões mundanas. A isto acresce o mais completo
jejum de tudo que alimenta o espírito da época. Daí vem que são tão pálidos, tão
magros os pobres livros do venerável doutor.
A ciência dos nossos dias, em qualquer de suas ramificações, uma vez
que ela se oponha à Summa de S. Tomás, não acha graça diante do filósofo. “A
ignorância”, diz Scherer, falando de L. Veuillot, “é uma das condições do culto do
passado. Se Veuillot condena a civilização e a ciência moderna, tem para isso
boas razões: ele é muito ignorante.” Poderei dizê-lo? Tais palavras seriam de todo
aplicáveis ao Dr. Soriano, se não fosse a injustiça de emparelhá-lo, de um certo
modo, com o beato francês. Este, pelo menos, possui uma língua correta e um
estilo atraente.
O professor do Ginásio Pernambucano, ao que parece, crê-se destinado
a uma grave missão. É fabricar no Recife o melhor contraveneno das ideias
perigosas. Depois de haver-nos mimoseado com aquela compilação indigesta
da filosofia de S. Tomás, cuja influência foi nula, deu-nos ultimamente o volume
intitulado Lições de filosofia elementar. Sobre este livro, impresso em bom papel e
bem encadernado, venho pedir a atenção do leitor.
E antes de tudo importa saber que o livro é dedicado a S. M. o Sr. D. Pedro
II, príncipe não só pelo sangue, pelo cetro, mas também pelas letras. Logo aqui o
leitor desprevenido há de achar-se em presença de uma novidade.
O principado literário do Sr. D. Pedro II, até nos domínios da filosofia, a
cujo estudo não consta que tenha consagrado tempo algum de sua régia vida, é
coisa que geralmente ainda se ignorava. Graças, porém, ao Dr. Soriano, fica sendo,
doravante, verdade adquirida, ponto de fé inabalável da ortodoxia monárquica.
35HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
Além disto, bem se pode de antemão ajuizar da ordem das ideias de um homem de
hoje, para quem existem príncipes pelo sangue.
Como quer que seja, o Dr. Soriano é de uma grande atividade. Admiro que
o seu nome não se ache cercado de maior consideração. Custa mesmo a crer que
o ilustre escritor não se visse ainda litografado em uma lauda d’O Novo Mundo.
Porquanto, este jornal, demasiado generoso, tomou a peito fazer conhecidas, do
estrangeiro, a título de grandezas, as nossas ninharias políticas e literárias. Mais
do que ninguém, o Dr. Soriano tem direito de ser ali mencionado. Nem sei também
como é possível que o Sr. Pessanha Póvoa, em sua lista de notabilidades pátrias,
não se lembrasse do insigne filósofo.
Quando disse que admirava não ver o nome do Dr. Soriano rodeado de
maior consideração, eu olvidei um fato importante. Como deixar em silêncio a carta
do papa, aqui mesmo publicada, sobre o livro de que me ocupo?
Bem que Sua Santidade não tivesse tempo de lê-lo, afiançava todavia que
o livro era excelente. Isto pode fazer as delícias de um católico de lei; mas não é
próprio de tranquilizar a consciência de um autor.
Não obstante o elogio papal, indeciso e ambíguo, o mérito do livro, quero
dizer, o mérito do filósofo é ainda questão aberta. Salvo se querem que a infalibilidade
se estenda até o ponto de santificar os maus escritos, com pena de excomunhão a
quem ousar combatê-los. Devo crer que não corro este risco. Segundo me parece,
o Dr. Soriano toma por base de suas tentativas um sentimento odioso, anacrônico,
anticientífico: a intolerância. Ele julga prestar com os seus livros um certo serviço
à causa da Igreja. É um engano. O sublime paradoxo evangélico da grandeza dos
pequenos não tem cabimentos no mundo intelectual. Eu me explico. A virtude,
qualquer virtude, é por si mesma grande e apreciável. Fazer o bem, de qualquer
modo e em qualquer escala, é sempre um mérito. Isto porém não se dá no que toca
à inteligência.
Não basta escrever um, dois, três livros para conquistar o título de escritor.
Não basta vir atualmente afirmar, por exemplo, que o tomismo é a verdadeira, a
única filosofia, para ser considerado um espírito distinto. Eu bem sei, como se
diz, que cada um, na medida de suas forças, leva a sua pedrinha para o edifício;
mas, infelizmente, não se trata de erguer, porém de sustentar o velho templo que
desaba. Não basta, em uma palavra, lançar na circulação meia dúzia de ideias
velhas, desenterradas do jazigo secular, para se merecer a nomeada de homem
instruído. Nem tampouco aproveita a quem quer que seja a insistência na defesa de
uma causa perdida. Já se vê que o Dr. Soriano, com seus escritos filosóficos, não
presta o menor serviço às doutrinas que professa; e, o que mais lhe deve importar,
UNIDADE 136
não se faz por eles notável. O digno professor, como era de esperar, comunica aos
leitores em um largo Prefácio o plano e o espírito de sua obra. É duro dizê-lo, mas
é verdade, que logo em princípio se encontraram as mais vivas provas de muita
estreiteza mental. Diz ele: “Naturalismo e sobrenaturalismo”, razão independente e
fé humilde, tais são os termos da magna questão debatida na sociedade moderna”.
O ilustre doutor é assaz ingênuo. Ainda julga que a sociedade moderna é
teatro das velhas contendas entre a razão e a fé. Não lhe chegou ainda aos ouvidos
a notícia de que essa luta não tem mais senso e que “o combate acabou-se à falta
de combatentes”? não viu um só instante que um dos termos da questão, como o
digno doutor a entende, aquele mesmo sistema, a cuja conta se acostumam pôr
os homens que pensam, isto é, o ateísmo, está hoje tão caduco e desacreditado
como a própria teologia? Quem é que cuida mais de procurar argumentos para
provar a independência da razão? Seria um tolo igual aos que ainda se ocupam de
mostrar com textos da Bíblia que o homem não pôde progredir sem uma revelação
divina. O Dr. Soriano está muitíssimo atrasado. Pressente-se que o seu livro é uma
repetição de matéria velha e inaproveitável. Porque no meio do triunfo geral da
ciência moderna, que chegou a transformar a própria religião, até no que ela tem
de mais íntimo e profundo, o seu conceito, a sua ideia; porque nesse meio ainda
se levanta uma ou outra voz rouquenha para entoar ladainhas de convento, deve-
se inferir que a luta continua? Porque no campo de batalha, depois de uma vitória,
ouvem-se os ais dos moribundos e as maldições dos feridos, é concludente que a
pugna persiste?
É debalde que o nosso filósofo se esforça por fazer a árvore seca da
Idade Média reflorir e frutificar. Essa época morreu. Pode-se-lhe apenas aplicar
o hemistíquio de Lucano sobre Pompeu: Stat magni nominis umbra. Mas o Dr.
Soriano não se deixa convencer. Ele tem palavras duras para os que não se curvam
ante o velho S. Tomás. Lê-se à página X do seu prólogo: “Verdade é que ainda
os ignorantes e bufões da ciência têm algumas chanças de mau gosto e cediças
rabularias com que acometem essa filosofia que ignoram, e da qual, segundo eles,
ninguém mais faz caso”.
Qualquer que seja o sentimento de minha fraqueza e a convicção do pouco
que valho, não me posso eximir de pertencer à categoria levantada pelo ilustre
escritor. Mais de uma vez tenho dito o que penso dessa filosofia, tão elogiada por
homens de um espírito mesquinho ou atrasado. Como não aceitar uma parte da
honra dada pelo Dr. Soriano aos que ele chama ignorantes e bufões da ciência?
Gosto pouco de andar pondo em relevo a minha pessoa, a minha subjetividade,
como dizem os alemães. Todavia, peço a permissão de recordar um fato. Em
37HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
1867, quando se deu um concurso para provimento da cadeira atualmente regida
pelo Sr. Soriano, já me tinha, dias antes, declarado, e em um exame público,
inimigo do tomismo. Não havia melhor ocasião do que essa em que fomos únicos
candidatos, para o tomista convencido demonstrar que o seu antagonista era
um bufão da ciência. Não o fez, não pôde fazê-lo. O que ficou em domínio de
todos, foi que ambos nós, eu então pobre acadêmico do 3º ano e o Dr. Soriano,
já conhecido até em Roma, provamos que éramos néscios, horrivelmente néscios
em matéria filosófica. Destarte, arrisco-me a assegurar que a incompetência do
nobre professor, para dirigir-me qualquer invectiva, é caso julgado. Se eu tivesse
alguma suposição de que o Dr. Soriano se incomoda com os meus escritos e chega
a votar-me algum ódio, desistiria por certo do trabalho empreendido. Suplico-lhe,
pois, que não me tenha rancor. O respeito das convicções alheias não consiste em
julgá-las boas e verdadeiras, mas só em tê-las por íntimas e sinceras. Eu penso
que o honrado professor tem a mania de querer impor-nos as suas opiniões, os
seus prejuízos de educação, como verdades indubitáveis e superiores a qualquer
análise. Há uma coisa, sobretudo, que me parece esquisita nos escritos do ilustre
doutor. É o seu modo de ser religioso, é a sua religiosidade. Não compreendo, não
me posso assimilar essa maneira de exprimir-se com tamanha firmeza e decisão
sobre os grandes objetos de nossa eterna ignorância. A metafísica dos filósofos e a
teologia dos padres muito há que fizeram fiasco. Para que ainda vir debruçar-se no
abismo tenebroso dos problemas insolúveis e não reconhecer enfim que a filosofia
hodierna tomou outro caminho? O Dr. Soriano crê talvez que, falando longamente
sobre Deus, sua natureza e seus atributos, bem como sobre tudo que diz respeito
à Igreja Católica, põe a descoberto, para se admirar, o vigor de seu senso religioso.
É o maior dos enganos. Lembro-me de um belo pensamento de Frederico Schlegel:
Dieser ist ein Philosoph und wird, wie der Gesunde von der Gesundheit, nicht viel
von der Religion reden, am wenigsten von seiner eignen [Assim como o homem
são pouco fala de saúde, o verdadeiro filósofo é o que menos fala de religião
e muito menos da sua própria]. Fiquemos por enquanto aqui. No seguinte artigo
entraremos em mais funda apreciação.
II
O livro do Sr. Dr. Soriano tem os defeitos comuns a todas as obras onde
o autor mal se deixa lobrigar, sempre escondido por detrás de velhas autoridades.
É notável que, lendo-se o volume inteiro, com dificuldade se possa descobrir o
característico do escritor.
A razão provém de que o Dr. Soriano não é daqueles que pensam por sua
UNIDADE 138
própria conta; é um escritor que nunca soube tomar a atitude da dúvida, porque só
lhe satisfaz a atitude da submissão. Não quero entretanto dizer que o lado subjetivo
da obra nos seja completamente oculto. Sob o véu de algumas frases de unção
sacerdotal, surpreende-se o homem altamente católico, cheio de apreensões
teocráticas e fanáticos rancores. O fundo psíquico do autor é pouco visível; mas o
que se chega a ver interessa à crítica e à ciência da alma em geral. Eis o motivo.
No meio da efervescência e do bulício das ideias que surgem de dia a dia; nesta
contínua dilatação dos pulmões do século, aspirando a largos sorvos os eflúvios
aromáticos de jardins ignotos; quando todos cá de baixo vemos ao longe, no alto
do monte, para onde caminhamos, erguerem-se brilhantes, em demanda do céu, a
ciência e a consciência livres, como as duas torres da Igreja do futuro; no meio de
tudo isso um homem da época, irritado contra ela, de punhos cerrados ameaçando
a estrela que nos guia, não será um fenômeno digno de estudo?
Para falar sem imagens e mais a sabor do filósofo tomista: de onde provém,
como explicar a anomalia de um leigo contemporâneo, que renega afoitamente o
espírito hodierno e sente que o mundo inteiro não se transforme em um convento?
Bem sei que muita gente não acha dificuldade em decifrar o enigma. Em tais casos
costuma-se dizer que a reação é motivada por vistas de interesse; e, destarte,
compreende-se a razão da teima insensata. Eu porém não penso assim. Julgo que
não é este o modo mais próprio de ligar o fato à sua lei. Sem dúvida, o interesse
é uma grande força, a cuja influência obedecem até os fenômenos da ordem
intelectual. Não obstante, não importa reconhecer que tudo não se explica, nem se
pode por ele explicar. A opiniaticidade do Dr. Soriano tem raízes mais profundas.
Os seus escritos, é verdade, não põem em clara luz as feições brilhantes de uma
viva inteligência; mas também não são unicamente produtos industriais, sujeitos à
lei econômica da oferta e da procura. Antes de tudo são os frutos, bem que pecos
e tardios, de uma alma de eremita, mau grado seu, atirado no vórtice do mundo.
No estilo, isto é, na ausência de estilo, na linguagem, nas ideias do honrado
professor, como que se ouve o gemido surdo de um devoto, carregando o peso de
sua cruz. Eu creio, pois, na sinceridade de convicções com que o Dr. Soriano
escreve e publica as suas obras. Porém, a sinceridade, relativa e graduada, única
possível e até necessária, como sabiamente opina Ernesto Renan, não exclui,
por incompatível, uma certa dose de cálculo e simulação. Nem ousara censurar
qualquer largueza de vistas, podendo ao mesmo tempo abranger o céu e a terra,
a coroa imperial e a tiara pontifícia... Quando o evangelho nos diz que o homem
não vive só de pão, implicitamente admite que os interesses materiais não são de
todo desprezíveis. Bem se pode escrever um livro da abundância da alma, com a
39HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
mais viva dedicação a uma certa ordem de ideias, e todavia tentar, por meio dele,
a solução de algum embaraço, não estritamente científico.
O volume do ilustre professor do Ginásio pouco se recomenda pelo seu
conteúdo. Escrito com o dogmatismo próprio daqueles para quem a verdade está
feita e dita sobre todas as coisas, não tem problemas a resolver. O que a nós outros
parece ainda questionável, é um resultado do nosso desvairamento em que não
queremos instruir-nos na Summa de S. Tomás. O nobre doutor dá indícios de quem
se admira de não ver abraçada sem contestação e por todos os homens de senso
aquela santa filosofia. Para ele esta ciência não tem, sequer, uma face obscura;
tudo se acha, de antemão, resolvido pelo anjo da escola. Em tais condições, sendo
nulo o interesse dos leitores, era natural que só restasse de pé e muito saliente o
interesse do autor. A obra que começa por ser dedicada a Sua Majestade acaba por
ser submetida a Sua Santidade. Há nisto ao menos uma certa simetria. Fica portanto
o livro, a despeito de ser inútil, bem apadrinhado entre o papa e o imperador, “estas
duas metades de Deus”, segundo a frase faiscante do poeta de Hernani.
O que deturpa essencialmente o volume do ilustre doutor é a falta absoluta
de espírito científico. A sua filosofia tem propósito firme: desprezar, como indignos
de atenção, os achados da ciência moderna, máxime os que podem contrariar a
teologia escolástica. Nota-se este fenômeno: o Dr. Soriano é um médico e está
portanto habilitado para esclarecer o estudo do homem com os dados de outros
estudos. Tinha-se direito de esperar do honrado filho de Hipócrates alguma coisa
nesse sentido. Completo engano. Eu desafio a quem quer que seja para me apontar
uma só linha do livro, de onde, sem outro auxílio, se possa inferir que o autor
é um médico. O filósofo segue o seu caminho já trilhado pelos santos doutores,
convencido da vaidade, da miséria, do nenhum valor da própria matéria em que é
graduado, desde que ela não se presta a fortificar os anexins latinos da Summa
Theologiae. O Dr. Soriano, escrevendo filosofia, não quer graças com as ciências
médicas. Se alguma vez se encontra com elas, é só para lançar-lhes um olhar
de desdém. Leia-se, por exemplo, o final da página 201 do volume. É admirável
que Santo Agostinho e S. Tomás sejam quem faça a despesa dos conhecimentos
fisiológicos do nosso autor. Entretanto, convém advertir que não tenho em vista
fazer crer que o livro do Dr. Soriano devia estar cheio de anatomia e fisiologia.
O que me parece estranhável é que o nobre filósofo, em tais circunstâncias, não
pusesse a seu serviço as descobertas, as soluções mais recentes de ciências que
ele professa. Médico e filósofo! Que feliz coincidência para escrever uma obra viva,
toda penetrada do espírito do tempo, com as suas grandes conquistas, as suas
vastas aspirações e altos pressentimentos!
UNIDADE 140
Eu não censuraria que o Dr. Sousa se entregasse de todo aos seus
estudos prediletos, com exclusão e prejuízos das matérias de seu grau, se estas
não tivessem íntimas relações com aqueles mesmos estudos. Quero dizer – a
filosofia manejada por um médico deve se mostrar menos pobre, menos frívola e
estéril do que a vemos nas mãos do nobre doutor[5]. O que primeiro nos ocorre,
quando lemos uma obra de filosofia, é saber se o seu autor compenetrou-se bem
do estado da ciência e deu às questões vigentes alguma solução. Por este lado,
quem abrir o livro do Dr. Sousa, pode estar certo de que nada encontrará. Melhor
será que não o leia, porque ele não satisfaz àquela exigência. É sabido que, nos
últimos tempos, a questão filosófica mais inquietante, se não a de maior alcance,
tem sido levantada sobre a própria essência e limites da filosofia. Augusto Comte
e a sua escola atiraram para o meio das criações fantásticas a velha metafísica,
espécie de mitologia racional, menos poética e mais obscura que a mitologia
ordinária. Mesmo na Alemanha, naturalmente idealista, repercutiu algum tanto o
abalo da nova doutrina. A corrente hegeliana foi um pouco retardada pela invasão
do positivismo. Esta invasão é afirmada por certos fenômenos notáveis.
As obras de Büchner e Moleschott, que se fizeram apóstolos de um
materialismo quase extravagante, eu não as tenho decerto como produtos
imediatos dessa influência; mas ao menos é provável que, vindo depois, não
deixassem de ter em vista o caminho indicado pelo famoso pensador francês.
Outros fatos acusam melhor a feição do tempo. Schiel traduz a Lógica de Stuart
Mill, a qual se poderá chamar o Regulamento do sistema de Comte. Haym escreve
um livro precioso sobre Hegel, onde o espírito positivo se revela em alta escala.
Assim, diz ele: “die Poesie gleichsam der Wissenschaft” [a metafísica é a poesia da
ciência]. “Grosse metaphysische Bauten konnen nur einem esthetisck gestimmten
Geschlechte gelingen” [Grandes construções metafísicas são o privilégio das
gerações esteticamente dispostas e harmonizadas].
Eu creio que Littré não falaria sobre o assunto com mais calma e
segurança. É ainda um alemão, Juliano Schmidt, que, a respeito dos destinos da
filosofia em sua pátria e no mundo civilizado, se exprime em termos tais: “Die
moderne Philosophie steigi von ihrem alten Isolirschemel herab und behreiti die
Bedeutung der ubrigen Wissenscheften, von denen sie zu lernen die sie selber
aber zu orientieren hat” [A filosofia moderna desce de sua antiga torre de marfim e
compreende o sentido das outras ciências, com as quais deve aprender; mas é a
ela que incumbe orientá-las].
Isto importa engrandecer o domínio da ciência positiva e deixar no
esquecimento sonhos e visões quiméricas, os dogmas decrépitos da pura
41HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
especulação. Ora, pois, quem di-lo-ia? – o Dr. Soriano demonstra ignorar
completamente esse estado de coisas. O seu livro é de uma pobreza lastimável,
pelo que toca a semelhante ponto. Ele nos diz (p. 121) que “a palavra metafísica
quer dizer trans naturale, extrafísica”. Que grande novidade! Conta-nos mais o bom
do livro a história da formação dessa palavra! Quem abre uma nova obra, intitulada
filosófica, não vai atrás de saber anedotas, porém de aprender coisas mais sérias.
Pela história que refere o Dr. Sousa, a respeito do nome da metafísica, poderíamos
dizer-lhe: obrigado, meu senhor. Vamos à ciência; deixemo-nos de tolices. É assim
que, depois de nos regalar com etimologias, o venerável doutor acrescenta: “Como
quer que seja o termo metafísica prevaleceu até hoje e designa a ciência que
trata daquelas coisas que estão separadas da matéria, quer na realidade, quer por
simples precisão do espírito.” Não há dúvida: o Dr. Soriano é inteiramente baldo de
senso filosófico, ele desconhece que uma proposição, como a que acabo de citar,
não indica nem determina objeto algum. “A ciência que trata daquelas coisas...” É
um modo esse de falar a esmo, prodigalizando palavras e economizando ideias.
“Daquelas coisas que estão separadas da matéria...” Não bastaria dizer a ciência
das coisas imateriais? Mas isto, por demasiada concisão, poderia deixar o leitor
em dúvida: era mister deixá-lo em plena ignorância. Dito e feito. Mas o que vai
além do despropósito é a ilação que o ilustre doutor julgou dever tirar das referidas
palavras. Continuando (p. 122), ele diz: “Daqui se infere a existência da metafísica.”
O filósofo é muito corajoso. “Daqui se infere...”, de onde é que sai essa ilação?
Anteriormente se tratou apenas da significação etimológica do termo, do
seu modo de formação e de ser a metafísica a ciência do imaterial. Que fatos são
esses de tamanho alcance para deles se inferir que a metafísica existe? E demais:
ninguém ainda contestou-lhe a existência. Ao contrário, aqueles que a combatem
não se dirigem a uma sombra vã, mas a uma realidade, cuja influência julgam
perigosa e anacrônica, porque já teve a sua época e hoje só deve pertencer à
história. O que se questiona não é se a metafísica existiu ou existe; porém é saber
se outrora e hoje e sempre, onde quer que ela apareça, pode ser considerada
uma ciência; se ela tem um objeto certo e determinado, como as outras; em uma
palavra, se ela nos instrui de alguma coisa que não é dado às outras conhecer. O
Dr. Soriano, na ignorância do estado da questão, entendeu responder a qualquer
dúvida com esta simples e banal pergunta: “se há ciências que se ocupam das
coisas materiais e sensíveis, por que não haverá alguma que discorra sobre as
coisas imateriais e suprassensíveis?”
É incrível que um espírito culto lance mão de soluções desta ordem e
pareça ficar satisfeito. Note-se bem: a metafísica não é impugnada por motivos
UNIDADE 142
tirados dela mesma, por sua forma, por seu nome; porém somente por seu objeto,
por seu conteúdo. Por isso mesmo que tem a pretensão de discorrer sobre as
coisas imateriais e suprassensíveis, ela põe em dúvida o seu caráter científico e
o valor dos seus resultados. O imaterial objetivo e concreto é ainda para muitos
uma grave questão. Como pois dar por sabida e inegável a sua existência, a fim de
justificar a pobre metafísica? É uma lógica bem singular. Eu insisto. Os adversários
da pretendida ciência deduzem argumentos da própria natureza das coisas que ela
tenta investigar, isto é, de sua incognoscibilidade. A metafísica envolve contradição
porque vem a ser a ciência do incognoscível, do que não se pode saber, do que,
de feito, não se sabe. Não basta haver uma ciência do mundo físico para criar-se
uma outra do mundo suprassensível. Dado mesmo que este mundo exista, como
eu creio, ainda assim não fica resolvido que possamos ter dele um conhecimento
adequado. E esta é a questão.
III
Poucos homens parecem tão estranhos, tão opacos e inacessíveis à vasta
irradiação das ideias dominantes quanto o honrado professor do Ginásio. É para ver
e admirar a corajosa indiferença com que ele se pronuncia em relação às questões
mais sérias e mais preocupantes da época. Está dito e provado. A obra que analiso
é um livro de filosofia, onde se aprende perfeitamente, se assim posso dizê-lo, a
ignorar essa matéria. E não há coisa alguma de chistoso neste modo de falar; é a
expressão de uma verdade, claramente revelada em mais de um fato da mesma
natureza. Todas as obras de nossos dias, que trazem o velho cunho católico de
uma bênção pontifical, estando em oposição decidida à ciência contemporânea,
devem professar, por via de regra, a mais profunda ignorância. É um enigma
proposto aos beneméritos da Igreja: excogitar os meios de fazer o espírito humano
recuar diante da grandeza de sua própria sombra, envergonhar-se de seus triunfos
e volver os olhos atrás. O Dr. Soriano tem sido infatigável em cooperar, quanto
pode, para pôr em prática a palavra da esfinge. Eu lastimo que ele não disponha de
maiores recursos, que não possa entrar na luta com mais vigor de talento. Ter-se-
ia, pelo menos, um espetáculo mais interessante: o de uma inteligência real que se
esforça por encurtar-se a si mesma, a fim de caber no quadro estreito de doutrinas
convencionais. E com efeito não é raro vê-lo em espíritos notáveis. Quem não
sente, por exemplo, ante os escritos de um Balmes, um como que esforço de águia
que tentasse esconder-se na velha abóbada dos templos arruinados e fazer sua a
habitação dos mochos? Mas o nosso filósofo está longe de maravilhar-nos por esse
lado. Não deixa de causar uma certa impressão e pôr em movimento a curiosidade
43HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
pública o fato extraordinário de ser o digno doutor de quem poder-se-ia esperar
uma outra ordem de ideias o campeão titulado de já usadas tolices escolásticas.
Todavia, não é lá muito para lamentar a falta de seu concurso na defesa do terreno
por nós outros ocupado. Para não alongar demasiado esta apreciação ao livro do
Dr. Sousa, vou concluir pelo exame de mais um ou dois pontos importantes e aos
quais ele não deu sequer uma aparência de solução plausível. Quero falar, de
preferência, da teoria da indução. A elementaridade, com que, talvez por excesso
de modéstia, se qualifica a obra do ilustre professor, não salva da censura de tratar
tão pobremente um dos mais vastos assuntos da filosofia moderna.
Quem consagrou não poucas páginas a velhas futilidades que não têm
mais sentido nem valor algum, quem tanto se ocupou de ontologia, falou de ente
e essência, de ato puro e ato misto, não era muito que se estendesse um pouco
mais a respeito da indução. O Dr. Soriano revelou não conhecer o fundo e o
alcance da questão. E oxalá que tudo fosse isso. Ele mostrou ainda mais que não
sabe raciocinar, mesmo sobre coisas para as quais já existem, por assim dizer,
argumentos feitos e armazenados. Tratando de indução, o filósofo pergunta se
o raciocínio dedutivo e o indutivo serão essencialmente distintos; se o silogismo
diferirá radicalmente da indução. E depois de referir alguns caracteres, por onde há
quem responda afirmativamente, assim se exprime: “Mas se bem considerarmos,
veremos que a diferença daqueles dois processos está mais na forma do que
na essência. Porquanto é certo que o silogismo, sendo um processo geral de
raciocinar, nenhum raciocínio pode ficar fora dele”.
Eu creio que o leitor, por si mesmo, antes de observar-lho, já descobriu
o vício radical, o mísero ilogismo dessas frases. Procura-se saber se o silogismo
difere da indução ou se de algum modo identifica-se com ela; o que vale o mesmo
que averiguar se qualquer deles constitui um processo geral de raciocínio que
possa abranger o outro. Eis que o nobre professor decide que não difere, isto é,
afirma que o silogismo constitui um processo geral, porque é certo que o silogismo,
sendo um processo geral de raciocínio, nenhum pode ficar fora dele. Bem se pode
lamentar que o Dr. Sousa não tivesse aprendido nos livros de sua predileção as
regras mais sabidas da lógica rotineira. Deveria poupar-me o trabalho de fazer aqui
notar-lhe um erro pueril. Mas vamos ao fundo. A indução é aí definida – a operação
mental pela qual atribuímos a uma espécie o que constantemente temos observado
nos indivíduos ou atribuímos ao gênero o que temos constantemente observado
nas espécies que lhe são subordinadas. Será isto exato? Ficará por este modo
bem determinado o que seja a indução? Terá o Dr. Sousa bastante docilidade para
admitir comigo que a sua definição é pobre e quase nada esclarece? Custa pouco
UNIDADE 144
demonstrá-lo.
Não bastava dizer que a indução consiste em atribuir-se a uma espécie
o que se observa constantemente nos indivíduos. Era mister acrescentar que isto
se dava quer na espécie natural, quer na espécie factícia, distinção que não se
depreende daquelas palavras citadas. A faculdade pela qual atribuo, por exemplo,
a todos os animais o sentir e o viver é a mesma que me leva a entrar em qualquer
hotel de uma cidade estranha para tomar uma refeição, porque creio que todos
devem tê-la. Ora, a espécie hotel não é da mesma natureza da espécie animal;
e todavia é uma só faculdade que me fornece aquele juízo sobre ambas. Em
qualquer estação de via férrea espera-se um trem à hora certa, com quase a
mesma confiança com que se aguarda o nascer do Sol. Em ambos os casos há
indução, porque há crença na repetição de um fenômeno constante. E a que ordem
de espécies pertence o vapor? Era para exigir do Dr. Soriano maior desembaraço,
maior jogo de conhecimentos na desenvolução dessa matéria. Poderá crer-se
que ele ignore até aquilo que tem sido dito por seus irmãos em S. Tomás? Quem
não sabe que o padre Gratry escreveu uma Lógica e nela se ocupou da indução
com muita largueza, posto que com alguns notáveis disparates? Parecia justo
que o nosso filósofo levantasse e buscasse resolver os problemas respectivos.
Nada disto. Para o honrado doutor não há dúvidas nem sombras que perturbem
a marcha do seu pensamento. Como que vive engolfado na eterna claridade de
uma lâmpada celeste exatamente posta a prumo sobre a sua cabeça calma e
refletida. Entretanto, se espíritos profundos encaram hoje a indução como coisa
que muito interessava à filosofia das ciências, com que direito o nosso professor,
escrevendo uma obra do gênero, limita-se a dizer-nos pouco mais do que nada?
Se é certo, como está escrito, que o silogismo não difere da indução; que esta,
ao contrário, lhe é redutível; pois que aquele se baseia em princípios, em juízos
mais ou menos universais; como é que se adquirem tais juízos? Em sua formação
já não há um processo indutivo? E neste caso, não se parece girar em um círculo
vicioso? Que nos diz a tal respeito o Dr. Soriano? Absolutamente nada. A velha
teoria de verdades primeiras, conceitos racionais e outras frases místicas, de que
V. Cousin e seus apêndices encheram os ouvidos de uma geração descuidosa,
não vem mais a propósito. Está desacreditada. Faz-se pois necessário descer ao
interior do assunto e procurar melhores razões. É justamente o que deverá ter
feito o grave doutor para dar-nos alguma coisa de novo e não maçar o seu leitor
com antigualhas banais. No silogismo há sempre um meio, diz o Dr. Soriano, na
indução falta esse meio. Dê-se que seja assim. Mas esse meio deve ser um juízo,
e este juízo, mais ou menos geral, sai fora da experiência direta e entra sempre no
45HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
quadro de uma indução. Sirva de prova a maneira por que o autor quer demonstrar
que num raciocínio indutivo vai envolto um silogismo, deste modo formulável: “A
experiência mostra que estas e aquelas qualidades observadas nos indivíduos
não procedem do acaso, mas sim da natureza específica dos mesmos, a qual é
comum aos indivíduos da mesma espécie, ainda não observados; ora, as leis da
natureza são constantes ou as causas físicas são fatais em produzir seus efeitos;
logo, os outros indivíduos da mesma natureza sem dúvida hão de ter as mesmas
qualidades que têm os que observamos”.
A premissa intermediária – “as leis da natureza são constantes” – é um
juízo universal; como foi ele formado? Crer na constância das leis naturais é induzir;
e esta indução ainda supõe uma outra, que é a crença na existência dessas leis. A
que é pois que se deve conferir a anterioridade, ao silogismo ou à indução? Nem
se diga que aquela crença é um fato espontâneo e congênito ao espírito humano.
O assombro que primitivamente o homem experimenta diante dos fenômenos
naturais é a viva prova de que ele não tem com a ideia deles nenhuma noção
de harmonia das coisas. Pelo contrário, a primeira impressão que experimenta é
a impressão da desordem manifestada em tudo que percebe e observa. Quanto
tempo não foi preciso para que o conceito de lei se aplicasse aos fatos da natureza?
“A experiência mostra que estas ou aquelas qualidades observadas nos indivíduos
não procedem do acaso ou de uma propriedade individual, mas sim da natureza
específica dos mesmos.” Completo engano. A natureza específica dos seres, como
objeto de conhecimento, sobrepuja a experiência, e é um produto indutivo. O
filósofo ilude-se. Desde que formamos delas o juízo de não procederem do acaso
porém do próprio fundo das coisas, tais e tais qualidades percebidas, a experiência
abre caminho e cede o passo a uma nova operação intelectual. Mais ainda: “a
qual é comum aos outros indivíduos da mesma espécie, ainda não observados.”
Que profunda confusão! Caiu em cheio. Como sabemos nós que os indivíduos não
observados são de natureza comum aos que temos visto, senão por indução? A que
pois se reduzem a identidade das duas formas e a preponderância do silogismo?
Se por um lado parece desculpável que o Dr. Soriano tenha errado
naquilo em que escritores de alta esfera ainda se revelam meio confusos e pouco
adiantados, não deixa de espantar, por outro lado, a insuficiência, a caduquice
de suas ideias, quando ele tinha para melhor sustentar-se os largos detalhes e
vastas discussões relativas ao objeto. Não compreendo que alguém, e sobretudo
na época presente, venha dizer ao público: eu sou filósofo, e, para justificar tão
ousada pretensão, não tenha duas palavras vivas, duas ideias novas, que fiquem
fulgurando na memória do leitor. Ainda é mais estranhável que se aventem questões
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O ecletismo e a Escola de Recife na filosofia brasileira do século XIX

  • 1. Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA José Elielton de Sousa
  • 2.
  • 3. Ministério da Educação - MEC Universidade Aberta do Brasil - UAB Universidade Federal do Piauí - UFPI Universidade Aberta do Piauí - UAPI Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD José Elielton de Sousa História da Filosofia no Brasil e na América Latina
  • 4. Zilda Vieira Chaves Roberto Denes Quaresma Rêgo Samuel Falcão Silva Francinaldo da Silva Soares Lis Cardoso Marinho Medeiros Maria da Conceição de Souza Santos PRESIDENTE DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO GOVERNADOR DO ESTADO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRESIDENTE DA CAPES COORDENADOR GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA DA UFPI Dilma Vana Rousseff Linhares Aloizio Mercadante Wilson Nunes Martins José Arimatéia Dantas Lopes Jorge Almeida Guimarães João Carlos Teatini de S. Clímaco Gildásio Guedes Fernandes CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidente) Des. Tomaz Gomes Campelo Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa Prof.ª Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Prof.ª Francisca Maria Soares Mendes Prof.ª Iracildes Maria de Moura Fé Lima Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho TÉCNICA EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS EDIÇÃO PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO REVISÃO ORTOGRÁFICA REVISÃO GRÁFICA EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO COORDENADORES DE CURSOS ADMINISTRAÇÃO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CIÊNCIAS BIOLÓGICAS FILOSOFIA FÍSICA LETRAS PORTUGUÊS LETRAS INGLÊS MATEMÁTICA PEDAGOGIA QUÍMICA SISTEMAS DE INFORMAÇÃO Antonella Maria das Chagas Sousa Fabiana Rodrigues de Almeida Castro Maria da Conceição Prado de Oliveira Zoraida Maria Lopes Feitosa Miguel Arcanjo Costa José Vanderlei Carneiro Lívia Fernanda Nery da Silva João Benício de Melo Neto Vera Lúcia Costa Oliveira Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva Leonardo Ramon Nunes de Sousa S586h Sousa, José Elielton de História da Filosofia no Brasil e na América Latina/José Elielton de Sousa – Teresina: EDUFPI, 2013. 140 p. ISBN: 978-85-7463-610-8 1. Filosofia – Brasil. 2. Filosofia – América Latina. I. Título. CDD: 109.81 © 2013. Universidade Federal do Piauí - UFPI. Todos os direitos reservados. A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é do autor. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia deste obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sansões previstas no Código Penal. É proibida a venda ou distribuição deste material.
  • 5. Este texto é destinado aos estudantes do Curso de Filosofia/EaD da Universidade Federal do Piauí vinculados ao Programa Universidade Aberta do Brasil. O texto possui três unidades que tratam da História da Filosofia no Brasil e na América Latina, apresentando suas principais escolas filosóficas e, ao final da apresentação dessas escolas, disponibilizando um texto complementar de um de seus representantes. A Unidade I apresenta ao leitor um apanhado das escolas filosóficas presentes no Brasil, do período colonial ao final do século XIX, além de textos de autores brasileiros pertencentes a tais escolas. A Unidade II expõe ao leitor um apanhado das tendências filosóficas atuais, do início do século XX aos nossos dias, complementando esta apresentação com textos dos autores mais significativos de cada tendência. A Unidade III sinteza, de forma breve, as principais tendências filosóficas na América Latina, além de textos de representantes dessas tendências.
  • 6.
  • 7. UNIDADE 1 A FILOSOFIA NO BRASIL: DO PERÍODO COLONIAL AO FINAL DO SÉCULO XIX O ecletismo............................................................................................. 11 Os principais representantes do ecletismo no Brasil............................... 13 A Alma e o Cérebro: Estudos de Psychologia e de Physiologia – Domingos Gonçalves de Magalhaes......................................................................... 15 O positivismo........................................................................................... 22 Os principais representantes do positivismo no Brasil............................ 24 Breves Respostas – Ivan Lins................................................................... 26 A Escola de Recife.................................................................................... 30 Os principais representantes da Escola de Recife................................... 32 O atraso da filosofia entre nós – Tobias Barreto..................................... 33 11 UNIDADE 2 A FILOSOFIA NO BRASIL: DO INÍCIO DO SÉCULO XX AOS DIAS ATUAIS A corrente espiritualista e seus herdeiros, os neotomistas..................... 51 Mundo Interior, § 89 – Raimundo de Farias Brito................................... 54 A corrente culturalista............................................................................. 66 A filosofia como autoconsciência de um povo – Miguel Reale............... 68 A corrente neopositivista........................................................................ 83 Verdade – Leônidas Hegenberg .............................................................. 85 Fenomenologia........................................................................................ 86 A dialética metafísica, o pensamento e a práxis – Gerd Bornheim ........ 88 Dialética................................................................................................... 95 A Pós-modernidade cultural – Sérgio Paulo Rouanet.............................. 96 51
  • 8. UNIDADE 3 A FILOSOFIA LATINO-AMERICANA O modelo moderno................................................................................ 123 O modelo da autenticidade ................................................................... 124 O Eurocentrismo - Enrique Dussel.......................................................... 127 123 Neo-humanistas.................................................................................... 103 Humanismo hoje: tradição e missão – Henrique C. de Lima Vaz........... 104 Arqueogenealogia ................................................................................ 115 A propósito do título A hermenêutica do sujeito – Salma Tannus Muchail ................................................................................................. 116
  • 9. UNIDADE 1 A Filosofia no Brasil: do período colonial ao final do século XIX Esta Unidade objetiva apresentar ao leitor um apanhado das escolas filosóficas presentes no Brasil, do período colonial ao final do século XIX, além de textos de autores brasileiros pertencentes a tais escolas. Resumindo
  • 10.
  • 11. 11HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA A FILOSOFIA NO BRASIL: DO PERÍODO COLONIAL AO FINAL DO SÉCULO XIX Neste trabalho apresentamos um panorama histórico das principais escolas filosóficas presentes no Brasil e na América Latina, ao tempo em que pretendemos assinalar o modo próprio como cada pensador aborda as questões filosóficas que o seu tempo se lhe apresenta. As obras básicas que servem de apoio à confecção deste trabalho são: Problemas da Filosofia Brasileira (vol. 1 e 2), de Antonio Paim; A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e educação, de Antonio Joaquim Severino; e O Brasil filosófico, de Ricardo Timm de Souza. Além dessas, outras fontes importantes são os acervos online dos grupos de pesquisa sobre a temática da Filosofia no Brasil e na América Latina, disponíveis no final do texto. O ecletismo Durante os quatro primeiros séculos do Brasil-Colônia, o que se entendia por filosofia não passava da transmissão, por parte dos missionários jesuítas, de modelos escolásticos em decadência na Europa, com fins explícitos e exclusivamente catequéticos, de manutenção e de promoção de uma ordem social. Os jesuítas de então não representavam apenas um modelo próprio em termos de educação e de formação de um povo, também se articulavam de forma clara com o modelo de civilização portuguesa e sua respectiva opção cultura – um modelo letárgico e fechado em matéria de pensamento puro, contra-reformista e de espírito tridentino e ultramontano1 . Tratava-se, portanto, não apenas de um mero zelo evangelizador, mas de limitar e de controlar a direção em que o pensamento deveria se mover. 1 Souza (2003, p. 36).
  • 12. UNIDADE 112 Apesar das transformações advindas das reformas promovidas pelo marques de Pombal na metrópole, com repercussões diretas na colônia, não houve transformações significativas no que diz respeito à reflexão filosófica. Portanto, durante esses quatro séculos, mesmo enquanto especulação pura, a reflexão filosófica não se desenvolveu, sufocada que foi pelo poder absoluto da visão teológico-cristã do mundo que imperava num ambiente também precário do ponto de vista da cultura em geral2 . Somente com as transformações políticas e culturais brasileiras e internacionais ocorridas no século XIX, é que houve mudanças significativas na intelectualidade filosófica patrícia. A vinda da Corte, que determinou novas formas de compreensão do sentido da terra, a abertura de portos, que permitiria a chegada de novas ideias com maior abundancia e a facilitação das comunicações, exerceram um papel fundamental na relativa atualização cientifica e literária da Colônia que se transformava em “Metrópole”3 . Não obstante isso, a parcialidade da recepção de novas ideias determinou em boa parte a precariedade de muitas informações que serviram de base a estudos filosóficos daquela época. Apesar disso, o aparecimento de pensadores, como o português Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), evidenciava um clima favorável a transformações profundas na mentalidade brasileira. Silvestre Pinheiro Ferreira elaborou uma vasta obra nos planos da Filosofia e do Direito, com justa projeção no Brasil onde viveu e foi professor, no início do século XIX (1810-1821). Assim, graças à sua rica formação intelectual e ao magistério de Filosofia que exerceu no Rio de Janeiro, ao longo da segunda década do século XIX, Silvestre Pinheiro Ferreira lançou as bases para o debate dos temas modernos, que iriam empolgar parte da intelectualidade nas décadas de 1930 e 1940, abrindo, dessa forma, o caminho ao ecletismo, no plano estritamente filosófico4 . O ecletismo representa o primeiro movimento filosófico plenamente estruturado no Brasil. Adequada à inércia política daquela sociedade escravocrata e semipatriarcal e seu espírito conciliador, as ideias dessa escola penetraram fundo em amplos setores da elite nacional e chegaram a se transformar no suporte último da consciência conservadora em formação5 . 2 Severino (2011, P. 32). 3 Cf. Souza (2003, p. 43). 4 Sobre a conjuntura da época e o papel desempenhado por Silvestre Pinheiro Ferreira, ver PAIM (2007). 5 Paim (2003, p. 73).
  • 13. 13HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA O ecletismo encontrou um ambiente tão receptivo entre nossos patrícios de então a ponto de constituir-se, de 1840 a 1880, a primeira e única escola filosófica oficial do Brasil. A base filosófica do ecletismo brasileiro encontra-se no pensamento do filósofo francês Victor Cousin (1792-1867). O pensamento de Cousin se autodenomina eclético porque pretende discernir entre o verdadeiro e o falso contido em todos os sistemas filosóficos, com vistas a uma doutrina melhor e mais vasta. Cousin realiza vários estudos concernentes à história da filosofia, e termina por compreendê-la como a sucessão de quatro correntes principais: sensualismo, idealismo, ceticismo e misticismo. Segundo ele, o desenvolvimento histórico da Filosofia se constituía de ciclos, cujos momentos eclodiram através de oposições. Em cada ciclo, o sensualismo seria superado pelo idealismo e ambos pela atitude cética. Essa, ao transformar-se em novo dogmatismo, engendraria o misticismo. Permanece, entretanto, a insatisfação que leva o homem a buscar outra fonte de certeza, primeiro na experiência sensível e logo na razão. Inicia-se um novo ciclo. E assim sucessivamente6 . Cousin não desenvolveu um sistema filosófico próprio, original, mas construiu um sistema a partir de outros. Conseguiu, porém, mudar a ênfase da filosofia francesa do materialismo para o idealismo e tornou-se o mais conhecido pensador francês de sua época. A maior parte de suas obras consiste em cursos ministrados ao longo de sua carreira docente. Dentre elas podemos destacar os seguintes títulos: Primeiros ensaios de Filosofia; Do verdadeiro, do belo e do bem; Filosofia sensualista; Filosofia escocesa; Filosofia de Kant; Introdução à história da Filosofia; Fragmentos filosóficos; Sobre a metafísica de Aristóteles; Estudos sobre Pascal. Apesar disso, sua obra revelou grande fecundidade quando interpretado por seus discípulos brasileiros. Os principais representantes do ecletismo no Brasil Entre os principais representantes do ecletismo no Brasil podemos destacar as seguintes figuras: Frei Francisco do Mont’Alverne, nascido Francisco José de Carvalho (1784-1858), frade franciscano e teólogo, reconhecido orador, ocupou vários cargos honoríficos, tendo sempre gozado de prestígio junto ao clero e à corte 6 Para uma visão mais ampla do pensamento de Cousin, ver Paim (2007).
  • 14. UNIDADE 114 imperial. Escreveu Obras Oratórias e Compêndio de Filosofia. “Por seu professorado, mais do que por seu livro, granjeou o nosso franciscano a fama de grande filósofo.” (Romero apud JAIME, 1997, p. 117). Eduardo Ferreira França (1809-1857) foi médico particular de Pedro I, deputado à Constituinte de 23 e político influente na Bahia. Escreveu uma obra em dois tomos intitulada Investigações de Psicologia, na qual estuda a incipiente psicologia experimental da sua época e pretende oferecer, em nome de um espiritualismo exacerbado, uma alternativa aos modelos psicofísicos de compreensão do pensamento7 . Manuel Maria de Morais e Vale (1824-1886) foi catedrático e diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Escreveu Considerações gerais sobre farmácia teórico-prática, fascículo de direções indispensáveis para os exercícios práticos de estudante de química mineral e Elementos de Filosofia. Domingos José Gonçalves de Magalhães, primeiro e único barão e Visconde do Araguaia, (1811-1882), foi médico, professor, diplomata, político, poeta e ensaísta brasileiro, tendo participado de missões diplomáticas na França, Itália, Vaticano, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de ter representado a província do Rio Grande do Sul na sexta Assembleia Geral. Considerado como o introdutor do romantismo no Brasil, além de sua obra literária, deixou-nos Pensamentos e comentários (1880), A alma e o cérebro (1876), e Fatos do espírito humano, seu trabalho mais importante, publicado em Paris, em 1858. Antonio Pedro de Figueiredo (1814-1859), figura de maior importância filosófica e densidade intelectual que outros representantes do ecletismo, foi apelidado de Cousin Fusco, devido ao fato de ser mulato e ter traduzido Curso de História da Filosofia Moderna de Victor Cousin. Apesar de ter adotado o ecletismo filosófico de Cousin, sofreu crescente influência de outros filósofos, principalmente Owen, Fourier e Saint-Simon, com base nos quais estabeleceu uma ampla teoria da sociedade, a qual lhe permitiu analisar, de forma original, a articulação entre o indivíduo e a sociedade. Fundou a revista O Progresso e, afora o livro do fundador da Escola Eclética, Figueiredo traduziu também As sete cordas da lira, de George Sand, e Da soberania do povo e dos princípios do governo republicano moderno, de Ortolan, este último impresso em 1848, precedido de uma introdução do tradutor. 7 Souza (2003, p. 46).
  • 15. 15HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA A Alma e o Cérebro: Estudos de Psychologia e de Physiologia Domingos Gonçalves de Magalhaes Capitulo I O estudo das faculdades intellectuaes e moraes do homem, ou psychologia, é tão independente do conhecimento prévio da natureza da substancia que pensa, como dos órgãos quaesquer que as sirvam. A phrenologia reúne e subordina o estudo dessas faculdades ao conhecimento de suppostos órgãos cerebraes. Idéa geral dessa doctrina. A consciência da unidade e identidade do ser que pensa, sente e quer é um facto indeclinável, e não uma gratuita hypothese metaphysica, de que possamos prescindir no estudo da natureza intelectual e moral humana. Esse facto de consciência obriga tanto os philosophos como o commum dos homens a attribuir todas as nossas faculdades a um principio simples, a um mesmo sujeito indivisivel, a que chamamos alma ou espirito, para o distinguir do principio substancial dos fenômenos corporeos, que se nos apresenta como composto de partes e divisivel. Nem as palavras espirito e materia teem outra significação na sciencia, nem nós meios temos de conhecer esses dous seres sinão pelos phenomenos que os revelam. O estudo porém das faculdades intellectuaes e moraes, do homem, no que especialmente consistea psychologia, não depende do conhecimento prévio da natureza substancial do ser que as exerce, nem tampouco dos órgãos que porventura as sirvam; posto que todos esses conhecimentos muito interessem para a completa sciencia do homem, a mais difficil, e a mais importante de todas as sciencias. Podemos estudar essas faculdades na nossa própria consciência, e nas suas revelações históricas; distinguil-as, conhecer os actos especiaes de cada uma d'ellas, e os que resultam do seu conjuncto, deixando de parte as causas occultas que as produzem; do mesmo modo que podemos estudar os phenomenos physicos, suas relações e leis sem entrar na indagação da natureza intima da substancia material, que escapa aos nossos sentidos, e a todos os nossos meios de observação, e cuja existência não obstante geralmente se admitte, por essa mesma razão que nos obriga, com mais força, a também admittir a existência de uma substancia que pensa, distincta daquella. Mas o espirito humano, elevado pela philosophia, não se contenta com o estudo das apparencias. Dotado de uma faculdade inductiva que exede
  • 16. UNIDADE 116 áobservação e á experiência, e de uma razão que lhe fornece certos princípios, e que por assim dizer aquilata todas as suas concepções, elle analysa, compara, julga, generaliza, e descobre as leis dos factos que observa; leis que nada mais são do que o modo constante pelo qual os fenômenos se repetem, e não as causas que os fazem aparecer antes de um modo que de outro. Não contente ainda, eleva-se á indagação dessas causas occultas que concebe, e não pôde deixar de admittir; e na impossibilidade de as descobrir como deseja, imagina, inventa theorias, que satisfaçam ao menos temporariamente a sua curiosidade, preferindo uma hypothese qualquer engenhosa á confissão de sua incapacidade. Mas essas hypotheses são muitas vezes os degráos do templo da verdade, ou do desengano; são avisos profícuos aos novos indagadores. Não ha conselhos de prudência que impeçam essa natural e irresistível curiosidade de saber os mais profundos segredos da nossa própria natureza, que mais obscuros e mysteriosos se mostram quanto mais de perto os contemplamos. E quem sabe si passamos ás vezes ao lado da verdade sem a conhecer, e persiguimos um phantasma da nossa imaginação, que caminha ante nós, como a nossa sombra, quando damos as costas á luz! Emquanto os psychologistas puros, por um esforço de concentração intellectual, analysam e classificam os diversos actos, ou phenomenos de que temos consciência, e desse exame se elevam ao reconhecimento das faculdades, e condições ontológicas do ser que as exerce, por um modo tão oceulto que escapa á observação ; os physiologistas modernos, que estudam o homem no seu complexo orgânico, á vista de factos ponderosos que mencionaremos em logar opportuno, dão como incontestável que o exercício dessas faculdades depende em geral do cérebro; e os phrenologistas, atendendo a certas coincidências entre o predomínio de algumas inclinações com as diversas fôrmas da cabeça, foram induzidos não só a distribuir as faculdades intellectuaes e moraes por diferentes partes do cérebro, sinão também a classifical-as por um modo inteiramente novo prescindindo da unidade do sujeito attestada pela consciência, que elles deixam ás lucubrações metaphysicas, como desnecessário ás suas explicações empíricas. Mas essa unidade e identidade do ser moral que pensa é um facto soberano, e indeclinável, que não perde os seus direitos mesmo perante a physiologia, e protesta, e protestará sempre contra todas as theorias que pretendam annullal-o. E como na explicação dos actos de consciência pôr de lado a condição principal, – a unidade e idintidade do Eu? Assim, a phrenologia contém uma psychologia especial, subordinada á observação do predomínio de alguns sentimentos e inclinações, e uma physiologia
  • 17. 17HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA conjectural do cérebro, apoiada tamsomente na observação das fôrmas do craneo, coincidindo mais ou menos com certas inclinações e hábitos: psychologia e. physiologia hypotheticas, que não podem merecer o assenso dos que mais se occupam dessas duas sciencias, cujos meios de observação são differentes. Que a manifestação de algumas faculdades d'alma depende do concurso do organismo, e com especialidade do cérebro, como centro do systema nervoso, é facto que não negamos, e que alguns philosophos espiritualistas reconheceram muito antes que apparecesse no munda a phrenologia. Mas essa dependência, considerada em geral, e que não sabemos até que ponto se estende em relação ás faculdades puramente racionaes não converte nenhuma das nossas faculdades em funcçòes orgânicas, não destroe a mesmeidade do sujeito que se revela na consciência, no meio da variedade dos seus actos, e da contínua renovação dos órgãos, e não auctoriza por conseguinte essa distribuição de faculdades por diversas circumvoluções do cérebro; do mesmo modo que os órgãos da vista, do ouvido e do olfacto, postoque separados, nunca fizeram crer que as sensações correspondentes fossem produzidas por esses diversos órgãos, ou por seus complementos cerebraes, e que a percepção externa dependesse de differentes faculdades. Seja qual for o valor da phrenologia, ella contêm um estudo psychologico. e se apresenta com todo o apparato de uma sciencia positiva do intelectual e moral do homem, fundada na observação da sua dupla natureza; e no estado actual da sciencia do espirito, que admitte essa novidade, quando se questiona sobre todos os seus princípios, não podem os que a cultivam sem pretençôes systematicas, e só com o fim de achar a verdade, arredar como sem importância alguma uma doctrina professada por altos espíritos, que lhe prestam a autoridade do seu nome na sciencia, e que tem seus sectários e crentes, como todas as opiniões, ainda as menos razoaves; porque, em questões difficeis e complicadas, certas apparencias mais notadas por uns que por outros, desculpam esses juizos diversos e temerários, e nem tudo o que se nos offerece em nome da sciencia tem o cunho da verdade que a prevenção lhe attribue. Attrahido pelo brilho dessa nova doctrina, que promettia com tanta segurança o conhecimento do homem moral, e a revelação dos mysterios da intelligencia pela simples inspecção da fôrma exterior da cabeça, o que na verdade é muito seductor, a ella nos lançámos sem prevenções contrarias, antes bem dispostos por alguns conhecimentos anatomico-physiologicos, e com todo o interesse que á mocidade inspiram idéas novas e originaes, que sempre lhe parecem um
  • 18. UNIDADE 118 grande progresso da sciencia, procurando e desejando mesmo verifical-a por uma observação constante, e podemos hoje julgal-a conscienciosamente; porque, além da convicção fundada no conhecimento dos factos, nenhuma outra consideração nos obriga a preferir ou a regeitar qualquer theoria philosophica, não tendo nós por missão sustentar nenhuma. A phrenologia, ou craneologia, ou ainda craneoscopia, que eses vocábulos se applicam a mesma cousa é uma supposta sciencia moderna, que data apenas do começo do nosso século. Não que até essa epocha o volume e a fôrma da cabeça parecessem aos observadores da natureza cousas inteiramente indifferentes e sem indicação alguma; mas porque não se tinha feito sobre os órgãos contidos no craneo um estudo tão acurado e systematico como ultimamente, com o fim especial de o forçar a revelar as suas funcçòes, infelizmente porém sem grande resultado para a physiologia. Mas quantos séculos se devolveram desde o simples conhecimento da propriedade do electro até que o homem descobrisse e inventasse os meios de desenvolver e applicar a electricidade ? As observações e experiências sobre o cérebro ainda continuam. É provável que algum dia melhor se conheçam as funcçòes desse orgam; é provável que os physiologistas concordem todos em uma opinão qualquer que ella seja, verdadeira ou falsa, acerca da vida e da intelligencia, do espirito e da matéria. Mas o certo é que jamais o cérebro lhes dará o espectaculo da producção dos factos de consciência, de sensações, de volições e de pensamentos; como é certo que jamais a chimica fará um ser vivo. A esse respeito não temo que os cérebros futuros me desmintam. O fundador da phrenologia com o modesto nome de Craneoscopia, foi o celebre Dr Gall, que nasceu no Granducado de Bade em 1759. O natural talento que desde a infância o levava á observação da natureza, fez que elle se dedicasse ao estudo da medicina, sciencia que pela anatomia e physiologia aprofunda os mysterios do organismo e da vida em seus diversos estados, e mais que nenhuma outra sciencia habilita o pensador a conhecer a sua natureza physica e moral, e lhe abre as portas da verdadeira philosophia; quando o habito de dissecar cadáveres o não faz esquecer-se do hospede que o animava. Em Vienna d'Áustria se formou Gall em medicina, e alli por algum tempo exerceu a sua arte, occupando-se sempre com o seu estudo predilecto da anatomia do cérebro, e procurando pelo exame comparativo das fôrmas e elevações das cabeças adivinhar os talentos dos homens e os instinctos dos animaes, e criar por esse modo a nova physiologia do cérebro, sinão exacta, ao menos com algumas apparencias de verdade; que é quanto basta para a celebridade nos annaes da sciencia. Já na sua infância, dos nove aos quatorze annos, dera elle provas do
  • 19. 19HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA seu espirito observador, na espécie em que se tornou notável. Freqüentando os estudos em Bade, Bruchal e Strasburgo, notara elle que os condiscipulos que mais se avantajavam em decorar as suas lições, sem que por isso se distinguissem em suas composições, tinham todos, diz elle, os olhos mui grandes; pelo que os chamavam – olhos de boi. Dahi tomou logo os olhos esbugalhados como indicio certo de muita memória verbal; o que então não passava de uma simples observação physiognomonica, igual ás de Lavater, seu contemporâneo. Mas tarde reconheceu Gall, pelo estudo da anatomia, que o exorbitar do olhos não provêm tanto da sua grandeza como do abaixamento da parte superior das orbitas, que os comprime, e os faz vir mais á flor do rosto; abaixamento que ele attribuiu ao maior desenvolvimento do cérebro nesse ponto. E, com a sua idéa fixa, concluiu que ali estava o orgam da memória verbal. Convencido de ter descoberto uma verdade incontestável, entendeu que, do mesmo modo que para elle se denunciava aquella faculdade, todas as outras se denunciariam; e animado por essa grata esperança, com mais ardor se entregava as suas observações craneoscopicas. Admira porém não ter elle visto que o exorbitar dos olhos do boi, do dogue e do sapo não coincide com nenhuma memória verbal; e que na espécie humana muitos olhos grandes não abonam a sua conjectura, e muitos pequenos a desmentem. Como exemplo bem notável, citaremos o celebre Cardeal Mezzofanti, que fallava trinta línguas, e sabia a litteratura de cada uma d'ellas. Com elle conversámos em Roma, em 1835, na bibliotheca do Vaticano, e á sua vista ficámos convencidos que se pôde ter uma memória prodigiosa, estupenda, com olhos antes pequenos que grandes. E não foi sem algum pezar nosso que disso nos convencemos, porque então acreditávamos nessa indicação phrenologica, que vimos depois desmentida em outros muitos indivíduos. Segundo Gall, o cérebro é um orgam multíplice da intelligencia, um aggregado de muitos órgãos, destinados a funcçòes diversas, intellectuaes e moraes. Tadas as faculdades nascem com o homem; e para cada faculdade especial, para cada instincto primitivo, para cada sentimento particular, ha no cérebro um orgam próprio, uma circumvolução, que pela sua proeminencia se revela na fôrma exterior do craneo; e pela comparação de muitas cabeças de indivíduos dotados de uma mesma faculdade muito desenvolvida, ou de uma mesma inclinação muito pronunciada, podemos descobrir e determinar a sede do orgam respectivo , que torna essas cabeças similhantes por esse lado, ainda que pelos outros diffiram. Si taes pretenções são verdadeiras ou falsas é cousa que após veremos. Por ora nos limitamos a expor com clareza as bazes em oue se funda o novo
  • 20. UNIDADE 120 systema. Essa idéa, porém, não é tão original que deixe de ter precedentes na historia da sciencia do homem. Já pouco tempo antes de Gall, o distincto philosopho e naturalista de Genebra, Carlos Bonnet, suppunha que cada fibra do cérebro é um pequeno orgam destinado a funcçòes próprias e especiaes do sentimento e do pensamento; mas suppor não é provar. Antes de Bonnet, o celebre Descartes, hábil anatômico e chefe do espiritualismo moderno, não receou considerar o cérebro como o orgam do senso commum,e assim se exprime: « Os diversos sentimentos interiores e exteriores d' alma, taes como a côr, o som, o cheiro, o sabor, a dôr, a fome, a sede, a bondade, o amor, a confiança, &c, dependem do modo por que os espíritos animaes penetram nos poros do cérebro, que assim se torna o orgam do sensus communis, da imaginação e da memória. » Diremos de passagem que os espíritos animaes do tempo de Descartes foram substituídos pelo fluido nervoso, que já querem hoje substituir pela electricidade. Questão de palavras, ficando o agente do mesmo modo desconhecido. No século décimo terceiro, o dominicano Alberto o Grande, assim appellidado pelo seu vasto saber, o qual renunciou o Bispado de Ratisbona só para se consagrar ao ensino da philosopha em Colonha, onde teve por discípulo S. Thomaz de Aquino, denominado o Dr Angélico, traçou em um craneo varias divisões, indicando differentes faculdades do espirito, segundo a classificação de Aristóteles, de quem elle foi um dos maiores commentadores. Bacon de Verulam, citando a opinião de Platão, que collocava o entendimento no cérebro, como se lê no Timeo, parece referir-se a uma opinião mui conhecida quando diz: « Essa outra opinião que situa as três faculdades intellectuaes, imaginação, razão e memória, nos ventriculos do cérebro, não é tampouco exempta de. erro. Assim pois, a tentativa de uma localisação de certas faculdades intellectuaes é bastante antiga, e a suspeita da relação entre essas faculdades e o cérebro, considerado como a sede d'alma, remonta aos médicos e philosophos gregos, a Hippocrates, a Pythagoras, e a Platão, o mais idealista de todos, que, como após Sancto Agostinho, São Thomaz e Descartes, não viram nessa dependência do cérebro a reduccâo das faculdades intellectuaes a funcçòes puramente orgânicas. A celebridade de Gall provêm do grande desenvolvimento que elle dêu a essa antiga idéa. por um estudo aturado e especial, que o levou a estabelecel-a com todo o apparato de uma sciencia fundada na observação, e destinada a reformar a psychologia o a pôr um termo ao desacordo dos philosophos. Mas nem os philosophos nem os physiologistas lhe deram esse prazer, continuando do mesmo modo o desacordo. Tendo Gall recolhido avultada copia de observações em favor da sua
  • 21. 21HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA nova theoria, e desejando expol-a em um theatro mais vasto e mais apreciador de novidades, mudou-se para Paris em 1807, e alli ensinou o seu systema, continuou as suas observações, e deu á luz a sua grande obra que tem por titulo: « Anatomia e. Physiologia do Systema nervoso em geral e do Cérebro em particular. » Fez escola, teve numerosos adeptos, naturalizou-se cidadão francez em 1819, e morreu em 1858. O novo systema que Gall deu ao mundo achou logo illustres Doctores que o sustentassem e o reforçassem, e mesmo que o reformassem em muitos pontos. Entre os mais notáveis citaremos em primeiro logar o Dr Spurzheim, o philosopho da nova theoria, discípulo e collaborador de Gall, a quem se deve a denominação de phrenologia, com que ficou conhecido esse systema, e uma nova classificação das faculdades, com o acréscimo de outras novas. Spurzheim viajou pela França, Inglaterra, Allemanha e os Estados-Unidos da America, só com o fim de propagar a nova doctrina, de que foi o Americo Vespucio, e sobre a qual escreveu uma obra com o titulo de « Ensaio sobre a natureza moral e intellectual do homem » impressa em 1832. Vimont, que escreveu um Tratado de Phrenologia, publicado em 1833. O celebre Professor Broussais, da Escola de Medicina de Paris, tão conhecido pela sua Medicina Physiologica, e que deu ao prelo em 1836 o seu « Curso de Phrenologia, » a cujas lições algumas vezes assistimos. F. Combe, auctor do « Systema de Phrenologia » impresso em Edimburgo em 1836. E ainda Fossati, H. de Bruyéres, Debut e Castle. Não faltaram também philosophos e physiologistas que combatessem a nova doctrina, entre os quaes se distinguem os professores Ackermann, Rudolfi, Flourens, Lelut, A. Garnier, e outros que em obras diversas a consideraram como inteiramente hypothetica pelo lado das localisações cerebraes, que é a parte mais physiologica do systema, e de mais fácil averiguação. Mas a parte psychologica não me parece ter sido sufficientemente examinada, e por isso nos occuparemos mais dessa parte, sem desprezara outra. A questão não está decidida, apezar de tanto que se tem escripto sobre esse assumpto; as observações continuam; alguns physiologistas admitem a possibilidade de uma localisação das faculdades intellectuaes e moraes, posto que regeitem a dos phrenologistas por falta de provas, e pelo desentimento de observações contrarias; e por esses mesmos motivos não ousam propor nenhuma nova localisação. Outros, como Flourens e Lelut, negam essa possibilidade, que os sectários dão como demonstrada. Em pé estão as affirmações, as duvidas, e as opostas
  • 22. UNIDADE 122 opiniões sobre o espirito e a matéria, a que se ligam todas as questões sobre o intellectual e moral do homem; a discussão não perdeu pois o seu interesse, ao contrario mais se aviva, pela influencia da nova doctrina da transformação das espécies, que apezar de mui hypothetica vai ganhando sectários. Um exame da phrenologia chama á terreiro todas essas sublimes questões da philosophia, que não sei quando terão uma solução satisfactoria, ou quando por reconhecidamente insoluveis, deixarão de attrahir a curiosidade humana, tão sequiosa dessa sciencia divina, mesmo sem esperança de discobrir a verdade, que a sabedoria do Criador occultou ao nosso entendimento neste mundo, talvez para nutrir a esperança que a veremos em outro. Mas esse trabalho não é inteiramente perdido e sem fructo; porque na indagação da verdade inaccessivel podemos achar outras que nos satisfaçam; como na procura da pedra philosophal, que nunca se descobriu, fizeram os alchimistas alguns achados importantes para a sciencia, e lançaram os fundamentos da chimica, hoje tão pretenciosa, que aspira a explicar a criação sem o auxilio do Criador. MAGALHAES, Domingos Gonçalves de. A Alma e o Cérebro: Estudos de Psychologia e de Physiologia. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, 1876. O positivismo Sem dúvida, o positivismo foi o movimento filosófico europeu que, ao longo do século XIX, mais influenciou o pensamento brasileiro. O positivismo penetra no contexto histórico do Brasil da segunda metade do século XIX, marcado por ideais republicanos, pelo liberalismo político, pela luta para a abolição dos escravos, pelo ecletismo e pela ascensão de uma burguesia urbana, que vai ser decisiva na transição Império-República. A influência positivista no Brasil foi tal que ocorreu em diferentes âmbitos e em diferentes lugares, desde a década de 1870, perpassando todo o século XX e estendendo-se até o século XXI, chegando inclusive a fixar-se no símbolo maior do país, a bandeira nacional, um dos lemas de Augusto Comte. Essa influência do positivismo se deu em vários setores da sociedade brasileira, como imprensa, parlamento, escolas, literatura e vida científica.
  • 23. 23HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA Tal filosofia foi difundida ao seu auge com os militares, iniciando pela Escola Militar do Rio de Janeiro, em uma filosofia da ordem e do progresso, da ascensão, da técnica, do cientificismo, coisas práticas que melhorariam em muito a filosofia militar em sua conduta. A filosofia política de inspiração positivista, cuja expressão acabada seria o castilhismo (movimento político gaúcho liderado por Júlio de Castilho), desempenha um papel central tanto no processo da Abolição da Escravatura quanto no da Proclamação da República; além disso, a laicização do Estado e das instituições públicas foi uma das grandes preocupações dos positivistas, além da realização da justiça social e do progresso social. Na área educacional, sua disseminação de maneira mais genérica deu-se nos documentos oficiais por decorrência das reformas educacionais de Benjamin Constant que atribuía enorme importância à educação. Inclusive o modelo escolar que vivenciamos em nossos dias é uma cópia fidedigna do projeto de educação padronizada, elaborada na seara da ciência do século XIX. Contudo, não é fácil identificar com clareza como essas teses e esses princípios de origem positivista foram apropriados nos diversos campos da cultura e, especialmente, da politica brasileira; o certo, porém, é que tal conjunto de ideias contribuiu em boa medida para muito do que se considera “avanços” no terreno ideológico e social, ao questionar profundamente o imobilismo de certas elites politicas e econômicas do início do século8 . O positivismo no Brasil não é uma mera reprodução da filosofia de Comte, tal como esta se desenvolveu no cenário francês de sua origem, e sim, uma versão influenciada pelo espírito eclético que marcava os intelectuais da segunda metade do século XIX, formadores de opinião dentro dos partidos políticos e das famílias de prestígios da época. Assim, a recepção do positivismo no Brasil não se deu de forma homogênea, com alguns poucos representantes ortodoxos, mas sim de forma bastante diversificada, deixando transparecer ao menos duas grandes formas de manifestações diferente: a ortodoxa e a ilustrada9 . A corrente ortodoxa ou religiosa, que teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da "religião da humanidade", proposta por Comte (1798- 1857), no seu Catecismo positivista, pressupunha uma hierarquias social 8 Cf. Souza (2003, p. 48). 9 Cf. Souza (2003, p. 49).
  • 24. UNIDADE 124 com base no mérito moral, defendiam uma reforma da legislação civil visando passar para o Estado o registro dos casamentos, óbitos e nascimento, a abolição da escravatura e condenavam a migração chinesa. No âmbito político, defendiam uma república ditatorial com supressão do parlamento e submissão do judiciário ao executivo. Exerceram forte influencia nas forças armadas graças um de seus representantes mais proeminente, Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em 1889. O castilhismo, movimento político estruturado pelo influente estadista Júlio de Castilhos (1860-1903) e consolidado por Borges de Medeiros (1864- 1961), representa a vertente política do movimento. Suas teses principais alimentam um projeto nitidamente autoritário no âmbito político. O castilhismo consolidou-se como corrente política e teve voz ativa por cerca de quarenta anos, principalmente no Rio Grande do Sul, mas também no restante do Brasil. Borges de Medeiros, sucessor de Castilhos, seguiu firmemente os ideais do mestre à frente do governo estadual. No plano nacional, Getúlio Vargas procurou implementar o castilhismo no Estado Novo (1937-1945). A corrente ilustrada defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua "religião da humanidade", mas apesar da influência da doutrina comtiana, não fez dela uma profissão de fé cega, mas tentaram integrar alguns de seus princípios às questões do pensamento e da vida nacional. Essa corrente teve como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins (1904-1975). Assim sendo, o positivismo foi, em suas diversas tradições e campos de influência, uma das doutrinas mais abrangentes e persistentes no Brasil em todos os tempos10 . Os principais representantes do positivismo no Brasil Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), adepto do positivismo, em suas vertentes filosófica e religiosa – cujas ideias difundiu entre a jovem oficialidade do Exército brasileiro –, foi um dos principais 10 Para uma visão mais abrangente a aprofundada do Positivismo no Brasil e suas diversas vertentes, ver: PAIM, Antonio. A escola cientificista brasileira. Brasília, 2002.
  • 25. 25HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA articuladores do levante republicano de 1889, foi nomeado Ministro da Guerra e, depois, Ministro da Instrução Pública no governo provisório. Na última função, promoveu uma importante reforma curricular. As disposições transitórias da Constituição de 1891 consagraram-no como fundador da República brasileira. Miguel Lemos (1854-1917) dedicou-se à ação política, social e religiosa a partir dos princípios do positivismo, tomando posição a respeito das mais variadas questões sociais, políticas e religiosas, entre as quais podemos citar: participação nas campanhas abolicionista e republicana; defesa dos direitos sociais e trabalhistas (incluindo, por exemplo, o direito de greve); o pacifismo; a separação entre a Igreja e o Estado (isto é, o laicismo); a defesa da justiça social e inúmeras outras. Escreveu O apostolado positivista no Brasil (com Teixeira Mendes), O positivismo e a escravidão moderna, Pequenos ensaios positivistas, Luís de Camões, A questão de limites entre o Brasil e a Argentina e Ortografia positivista. Teixeira Mendes (1855-1927) figura de destacada e contínua atuação política, filosófica, social e religiosa, baseada nos princípios positivistas em sua versão. Assim como o companheiro, amigo e, a partir de certa altura, cunhado Miguel Lemos, Teixeira Mendes inicialmente aderiu à obra estritamente filosófica de Comte, recusando o "Sistema de Política Positiva". Todavia, a partir de uma viagem de estudos que Miguel Lemos empreendeu a Paris, em que se converteu à Religião da Humanidade, Teixeira Mendes foi convencido pelo amigo da correção da obra religiosa de Comte e a partir daí iniciou uma longa e importante carreira apostólica e política, influenciando os eventos sociais no Brasil, a partir de sua atuação na Igreja Positivista do Brasil, sediada no Rio de Janeiro. Júlio Prates de Castilhos (1860-1903) foi um jornalista e político brasileiro, eleito Patriarca do Rio Grande do Sul pelos seus conterrâneos. Foi presidente do Rio Grande do Sul por duas vezes e principal autor da Constituição Estadual de 1891, a qual garantia ao governante os meios legais de implementar a política de inspiração positivista. Essa foi a primeira constituição estadual da república a ser concluída, e acabou servindo de base a diversas outras no país, disseminando assim seus ideais positivistas no país. Luís Pereira Barreto (1840-1923) é autor do trabalho incompleto As Três Filosofias (do qual vieram à luz dois tomos: Filosofia Teológica, em 1874, e Filosofia Metafísica, em 1876). É considerado um dos mais
  • 26. UNIDADE 126 importantes representantes do positivismo brasileiro, devido à sua tentativa de aplicar a “lei dos três estados” positivista à situação brasileira. Alberto Sales (1857-1904) apesar do interesse em outros campos, foi jurista e pedagogo, dedicou-se especialmente às questões da política. Foi um dos mais importantes ideólogos da república, a qual pretendia pensar como um sistema organizado racionalmente segundo os princípios de Comte e Spencer. Pedro Lessa (1859-1921) foi jurista, magistrado, político e professor. Autor de É a História uma Ciência?, Discursos e Conferências e Estudos de Filosofia do Direito, acreditava na validade das especulações metafísicas para tratar de fenômenos incognoscíveis cientificamente, diferentemente de outros positivistas que apresentavam absoluto rechaço à metafisica tradicional. Vicente Licínio Cardoso (1889-1931) autor de uma Filosofia da Arte fortemente influenciada pelo positivismo, porém transcendendo seus limites estreitos, dedicou-se, desde a referência positivista, ao estudo de problemas nacionais, procurando estabelecer uma interpretação do Brasil. Ivan Lins (1904-1975) autor de História do Positivismo no Brasil, rebelou-se contra a exaltação unilateral da versão positivista ortodoxo- religiosa, reconhecendo a variedade e a diversidade da presença do positivismo na cultura brasileira. Outros positivistas de importância para o Brasil foram Nísia Floresta Augusta (a primeira feminista brasileira e discípula direta de Auguste Comte), Euclides da Cunha, Carlos Torres Gonçalves, Ivan Monteiro de Barros Lins, Roquette-Pinto, Barbosa Lima, Lindolfo Collor, David Carneiro, David Carneiro Jr., João Pernetta, Luís Hildebrando Horta Barbosa, Júlio Caetano Horta Barbosa, Alfredo de Morais Filho, Henrique Batista da Silva Oliveira, Eduardo de Sá e inúmeros outros. Breves Respostas Ivan Lins a) Qual é a missão da Filosofia em relação à vida cultural brasileira hodierna ou quais são os problemas vitais brasileiros da atualidade, que aguardam a contribuição da parte da reflexão filosófica?
  • 27. 27HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA Determinando, a meu ver, os fatos gerais de cada ciência e coordenando- os de modo a tirar deles uma concepção real do mundo, da sociedade e do homem, através de uma visão de conjunto da escala enciclopédica, a missão da Filosofia, em relação à cultura brasileira hodierna reveste-se da mais alta importância. A reflexão filosófica pode, na verdade, contribuir para a solução dos mais graves problemas do Brasil de nossos dias, que, na minha opinião, se concentram na sua estrutura arcaica, não preparada para as mudanças que o desenvolvimento do país reclama, daí resultando tensões permanentes entre os padrões antigos, estáticos, e os novos que procuram impor-se. Somente com a realização de transformações estruturais de base abrir-se-á o caminho para vencermos o subdesenvolvimento. Impõe- se a reforma agrária, a do ensino, a reforma administrativa e todas as que encaminhem o surto de instituições realmente funcionais, amoldadas às necessidades da nação. O povo brasileiro aspira a um planejamento que conduza ao desenvolvimento econômico da forma mais rápida e condizente com os anelos de melhor ia do nível geral de vida. E, a todos esses aspectos, a reflexão filosófica pode trazer importante contribuição. b) Que fazer para que a Filosofia atinja as grandes massas populares e a juventude brasileira em grande escala? Antes de mais nada, elevar o nível cultural, não só da grande massa, mas ainda da juventude brasileira, que, em sua quase totalidade, apenas recebe instrução ou meramente literária, ou exclusivamente técnica. c) Quais as correntes filosóficas que a reflexão filosófica deve ter em conta hoje? À vista de sua grande voga, em primeiro lugar o existencialismo. E, tratando-se de um país de maioria nominalmente católica, o neotomismo deve ser levado em conta, principalmente nas suas interpretações por Jacques Maritain e Étienne Gilson. Igualmente o Positivismo, pela sua infiltração no país, tendo influenciado várias reformas de ensino e tendo também tido reflexos não só na literatura, como na política brasileira – através do movimento abolicionista e do da proclamação da República, além de sua forte atuação na Primeira Constituinte Republicana – não pode deixar de ser considerado. Outra cor r ente que não deve ser desprezada é a marxista, que se infiltra através de escritores, hoje em grande voga, como, entre outros, Roger Garaudy. d) Quais são os dados do progresso das ciências experimentais imprescindíveis à reflexão filosófica? Todos os dados das ciências experimentais são, a meu ver, imprescindíveis para a reflexão filosófica, sobretudo considerando eu a Filosofia como a determinação e coordenação dos f atos gerais de cada ciência.
  • 28. UNIDADE 128 e) Como deve colaborar a Filosofia para humanizar a civilização de hoje, evidenciando o valor da pessoa humana e contribuindo para a paz interior e felicidade do homem? Através de palestras, atraentes e acessíveis, e de monografias feitas com arte e leveza. f) Pode existir (e em que sentido) a Filosofia nacional? Em que sentido pode ela beneficiar o pensamento filosófico estrangeiro e beneficiar- se dele? Diante da maneira pela qual concebo a Filosofia, não penso que possa existir uma Filosofia nacional. Ela, por sua própria natureza, não pode deixar de ser universal, abrangendo tudo quanto, dentro do seu âmbito, aparece no plano internacional, beneficiando- se dele. Admitiria eu que a Filosofia pudesse ser considerada nacional somente no sentido de aplicar -se especificamente ao estudo de problemas de âmbito exclusivamente nacional ou regional. Mas aí já não seria mais uma Filosofia, que é, a meu ver, um esforço par a uma síntese total, ou seja, uma concepção de conjunto do universo. g) Deve abrir-se a reflexão filosófica para uma visão transcendental da realidade, na perspectiva das razões metafísicas? A meu ver, não, e isto em consequência da minha maneira de considerar a Filosofia. h) Qual é a intima conexão entre a posição gnosiológica, metafísica e ética, entre a teoria e a prática? A meu ver, a teoria deve fornecer sempre os princípios gerais para a orientação da prática. i) A Filosofia é uma ciência objetiva ou uma produção pessoal puramente subjetiva do pensador? De acordo com o princípio de Aristóteles, completado por Leibniz, "nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu, nisi intellectus ipse", há sempre, em toda construção filosófica, dois elementos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro é a parte que provém, através dos sentidos, do ambiente, isto é, do mundo exterior, que é o objeto contemplado; a parte subjetiva é a ligação que a inteligência, isto é, o sujeito contemplador, opera entre os elementos hauridos pelos sentidos no mundo exterior. Assim, pois, a originalidade pessoal do pensador resulta de sua própria atividade mental. j) Que pensar do ateísmo contemporâneo? Antes de mais nada, cumpre distinguir, como faz Augusto Comte, duas espécies de ateísmo: uma resultante da posição dos que, reconhecendo a impossibilidade de atingir as causas primeiras, diante da fraqueza da inteligência
  • 29. 29HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA humana, apenas são ateus, remontando estritamente à etimologia da palavra, o que é quase sempre um modo vicioso de interpretar os termos muito usados. Há, entretanto, outro gênero de ateus, que, negando a existência de Deus, cuidam, entretanto, exclusivamente de problemas de ordem teológicas, como sejam as causas primeiras e finais. Os positivistas, como eu, só apresentam de comum com os ateus o fato de não acreditarem em Deus, sem, de nenhum modo, compartir-lhes os vãos sonhos metafísicos sobre a origem do mundo ou do homem e, menos ainda, as suas estreitas e perigosas tentativas de sistematizar a moral. Se essa coincidência, puramente negativa, bastasse par a fazer racionalmente emparelhar os positivistas com os ateus, poderiam ser também emparelhados com os cristãos, porque coincidem com estes últimos não acreditando em Minerva, Netuno, marte e Apolo. Preocupam-se, na verdade, os ateus em demonstrar a inexistência de um princípio criador, o que, par a os positivistas, é tão impossível quanto a evidenciação da tese inversa. O que se pode fazer é patentear ser em os diversos atributos atribuídos a Deus – onipotência, onisciência etc. – contraditórios e absurdos per ante nossa organização cerebral, segundo mostra Augusto Comte no vol. I da Política Positiva, págs. 408-409. Como nota Pascal, a crença em deus é muito mais uma questão de sentimento do que de razão. Quem acredita em Deus, o sente, mas não o demonstra: "Le coeur a dês raisons que la raison ne connaît point. C'est le coeur qui sent Dieu, et non La raison. Voilà ce que c'est la foi parfeit, Dieu sensible au cœur". (O coração tem razões que a razão desconhece. É o coração que sente a Deus e não a razão. Eis o que é a fé perfeita. Deus sensível ao coração). (Pascal: Pensées, pág. 128 da edição F. Didot: "Moralistes Français", Paris, 1878). Assim, diante do exposto, há duas maneiras de tratar o ateísmo contemporâneo, conforme seja de origem positivista – forma de ateísmo que não pode ser debelada, ante sua completa indiferença relativamente aos problemas teológicos – ou de origem metafísica, que, este sim, pode ser tratado metafisicamente por também se preocupar com os problemas de ordem teológica e metafísica, isto é, com as causas primeiras e finais. k) Em que sentido a reflexão filosófica pode ter tonalidade cristã? Pode o cristianismo prestar benefícios ao filósofo? Sem a menor dúvida; basta pensar nos numerosos e admiráveis filósofos de formação cristã como Santo Agostinho, São Justino, Santo Irineu, São Clemente de Alexandria, Orígenes, Tertuliano, Santo Alberto Magno, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Rogério Bacon, Cardeal de Cusa, João de Salisbury, Raimundo Lúlio, Pascal, Bossuet, Joseph de Maitre, De Bonald, Étienne Gilson e
  • 30. UNIDADE 130 tantos outros. A reflexão filosófica pode ter tonalidade cristã principalmente em tudo quanto se refere à Moral e à Política e, de modo geral, a todos os assuntos sociais. LINS, Ivan. Breves Respostas. In: LADUSÃNS, Stanislav. Rumos da Filosofia Atual no Brasil em Auto-retratos. São Paulo: Edições Loyola, 1976, p. 333-339. Disponível em: <http://www.cdpb.org.br/estudos_ivan_lins.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012. A Escola de Recife O movimento filosófico, sociológico e jurídico que passaria à história com o nome de Escola de Recife foi uma clara reação contra as duas formas de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar de que no início os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo do naturalista alemão Ernst Haeckel (1834-1919) e da própria filosofia comtiana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para se abrirem às ideias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neokantismo11 . A Escola do Recife desenvolveu-se em quatro fases perfeitamente distintas: um primeiro ciclo no qual seus fundadores são simples participantes do denominado “surto de ideias novas” que aspira alcançar uma renovação no terreno do pensamento; o rompimento radical com o positivismo e a busca de urna posição própria no seio do espírito crítico caracteriza a segunda fase; a terceira fase, do apogeu do movimento, é marcada pelo enfrentamento simultâneo ao positivismo e ao espiritualismo; o declínio é pois a quarta e ultima fase, a qual se singulariza pelo abandono virtual da atividade filosófica, caracterizada nos anos anteriores pela publicação sistemática de obras e estudos12 . Marco importante nas diversas manifestações da cultura nacional, a Escola de Recife abriu ao nosso pensamento jurídico novos horizontes. Pela primeira vez em nossa cultura o direito é transformado em fenômeno histórico, sujeito a desenvolver-se no tempo, ligado à vida. Tobias Barreto, um dos principais representantes da Escola de Recife, seguindo o jurista 11 Para uma visão geral desse movimento, ver: PAIM, Antonio. A escola de Recife. Estudos complementares à Historia das Ideias Filosóficas no Brasil. Vol. V. 3ª ed. São Paulo: UEL, 2007. 12 Cf. Paim (2007, p. 151).
  • 31. 31HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA alemão Rudolf von Jhering (1818-1892), mas igualmente contribuindo com ideias próprias, compreende o direito não mais como direito natural abstrato e divinizado, mas como fenômeno histórico, produto cultural da humanidade, ligado à violência e à luta. Foi a partir dessas ideias e adotando o livro Estudos de Direito, organizado por Sílvio Romero com textos de Tobias Barreto, que se estruturam as novas Faculdades de Direito. Até a República, existiam apenas as duas escolas de direito criadas logo após a Independência (Recife e São Paulo). Em seguida à República organizam-se no Rio de Janeiro (Faculdades Livres de Direito e de Ciências Jurídicas), Amazonas (1910), Paraná (1912), Niterói (1916) e Goiás (1921). Em todas elas, a doutrina da Escola do Recife não só ocupou sempre um lugar de honra como viria a merecer elaboração teórica sofisticada e abrangente13 . No campo da Sociologia, a Escola de Recife lançou as bases para a abordagem da Sociologia como disciplina independente. Como na época essa disciplina ainda se achava presa ao conceito comtiano de ciência normativa geral à qual se subordinava o direito e a economia, os representantes da Escola criticaram essa postura entendo a sociologia não como um teria geral da sociedade, mas como estudo científico das manifestações que se dão em seu interior; esse entendimento é anterior à reforma introduzida por Max Weber (1864/1920), atribuindo-lhe a tarefa de estudar o comportamento social. Entretanto, o essencial no movimento consiste em sua expressão como corrente filosófica. Nesse plano, a Escola soube situar-se no momento de interseção em que viveu, quando a filosofia se defrontava com a onda positiva contestadora de sua validade. Em tal circunstância, não era possível restaurar a metafísica simplesmente retornando ao passado. A descoberta de novos caminhos poderia resultar da volta a Kant, como sugeriam alguns pensadores e de fato veio a ocorrer. Assim, a Escola do Recife foi, no contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a mais clara manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao entender a filosofia como epistemologia. Esses pensadores, sem dúvida, fincaram as bases para o ingresso e a discussão, no meio brasileiro, das ideias provenientes do neokantismo, nas primeiras décadas do século XX14 . Ainda que a Escola do Recife não haja alcançado o seu desiderato de mudar o curso histórico do país, certamente pelo desmedido da pretensão, 13 Cf. Paim (1997, p. 95). 14 Cf. Paim (1997, p. 95).
  • 32. UNIDADE 132 suas contribuições à nossa renovação cultural correspondem a ponto alto em sua evolução e guardam plena atualidade. Os principais representantes da Escola de Recife Tobias Barreto de Meneses (1839-1889), fundador e mais destacado representante dessa corrente, desenvolveu um monismo particular, com conotações “espiritualistas”. Suas Obras Completas, editadas pelo Instituto Nacional do Livro, incluem os seguintes títulos: Ensaios e estudos de filosofia e crítica (1975), Brasilien, wie es ist (1876), Ensaio de pré-história da literatura alemã, Filosofia e crítica, Estudos alemães (1879), Dias e Noites (1881), Menores e loucos (1884), Discursos (1887), Polêmicas (1901). A contribuição de Tobias Barreto à evolução do pensamento filosófico brasileiro, dividi-se em duas grandes seções: na primeira, sua obra crítica, combate e ajuda a desacreditar o espiritualismo predominante no período anterior, ao tempo que investe contra a nova corrente em emergência, o positivismo, que acabaria por conquistar posições sólidas na alma nacional, como principal resultado do movimento ocorrido na década de 70 do século passado e que Sílvio Romero denominaria de surto de ideias novas; na segunda, tenta restaurar os foros de cidadania da metafísica – que o positivismo contestava –, e é levado a fixar certas linhas para uma inquirição desse tipo15 . Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914), crítico literário, ensaísta, poeta e filósofo. Apesar de ser conhecido mais como ensaísta do que como filósofo, foi quem escreveu o primeiro livro sobre filosofia no Brasil, A filosofia no Brasil: ensaio crítico, publicado em Porto Alegre, em 1878. Com vasta obra que se estende desde a poesia, crítica, teoria e história literária, folclore, etnografia, até estudos políticos, sociológicos e filosóficos, Silvio Romero definia-se como alguém inquieto que muita prezava sua liberdade de pensamento. Dentre sua vasta obra, podemos destacar: A filosofia no Brasil: ensaio crítico (1878); Ensaios de philosophia do direito (1885); Doutrina contra doutrina (1894)); O alemanismo no sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar (1906); O Brasil social; vistas sintéticas obtidas 15 Cf. Paim (2007, p. 157).
  • 33. 33HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA pelos processos de La play (1907); A poesia contemporânea (1869); A literatura brasileira e a crítica moderna: ensaio de generalização (1880); Introdução à história da literatura brasileira (1882); Ensaios de sociologia e literatura (1901); Cantos do fim do século: poesia (1878); A história do Brasil ensinada pela biografia dos seus heróis (1890). Clóvis Beviláqua (1859-1944) jurista, legislador, filósofo e historiador. Seu itinerário intelectual passa pelo positivismo comteano, pelo monismo do naturalista alemã Haeckel e, finalmente, pelo evolucionismo do filósofo inglês Herbert Spencer. Professor dos mais respeitados, crítico literário com vários ensaios publicados, colaborou em diversos jornais e revistas (Revista Contemporânea, do Recife, Revista Brasileira, do Rio), e, em O Pão, publicação do movimento literário Padaria Espiritual do Ceará. Com uma produção na área jurídica das mais sólidas, escreveu variados livros tratando, em sua maioria, de filosofia do direito e de códigos diversos. Dentre sua vasta obra destacamos: Emile Littré (1882); Estudos de direito e economia política (1883); Lições de legislação comparada sobre o Direito Privado (1893); Direito de Família (1896); Direito das Obrigações (1896); Criminologia e direito (1896); Juristas philosophos (1897); Direito das Sucessões (1899); Princípios elementares de direito internacional privado (1906); Em defeza do projeto de código civil brasileiro (1906); Teoria Geral do Direito Civil (1908); Direito Público Internacional (1911); Estudos jurídicos: historia, philosophia e critica (1916); Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado (6 vols) (1916); Linhas e perfís jurídicos (1930); Execução de um julgado: pareceres dos jurisconsultos (1941). Além dos nomes acima citados, merecem destaque, ainda, Artur Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara (1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Livio de Castro (1864-1890) e Graça Aranha (1868-1931). O atraso da Filosofia entre nós Tobias Barreto I O Sr. Dr. J. Soriano de Sousa tem uma pretensão opiniática incoercível: reagir contra o século e esbofetear a civilização moderna. No empenho de atingir o fim supremo de todos os seus anelos terrestres, o digno doutor tem publicado
  • 34. UNIDADE 134 algumas obras. Enganei-me: são apenas algumas diatribes contra o estado atual da cultura humana. Nesses escritos, onde a insipidez da forma rivaliza com o vulgarismo do fundo, e dos quais o mais recente vai ser objeto do presente artigo, o honrado professor é sempre o mesmo. Quero dizer, o mesmo espírito incansável no combate das ideias dominantes; o mesmo homem consagrado, por uma espécie de voto monástico, à defesa de princípios evidentemente mortos. É um trabalho esterilíssimo, sem dúvida, e que não deixa de ter o seu lado burlesco. Divisa-se nele alguma coisa de análogo aos santos esforços dos monges da Tebaida. Eles iam ao Nilo encher cântaros para regar um galho de pau seco, plantado por acinte nos areais do deserto. Semelhantemente, os livros do Dr. Soriano têm todos os caracteres de uma penitência. Envolve-os o que quer que seja capaz de abrir o céu – atrição, contrição, desprezo absoluto das ilusões mundanas. A isto acresce o mais completo jejum de tudo que alimenta o espírito da época. Daí vem que são tão pálidos, tão magros os pobres livros do venerável doutor. A ciência dos nossos dias, em qualquer de suas ramificações, uma vez que ela se oponha à Summa de S. Tomás, não acha graça diante do filósofo. “A ignorância”, diz Scherer, falando de L. Veuillot, “é uma das condições do culto do passado. Se Veuillot condena a civilização e a ciência moderna, tem para isso boas razões: ele é muito ignorante.” Poderei dizê-lo? Tais palavras seriam de todo aplicáveis ao Dr. Soriano, se não fosse a injustiça de emparelhá-lo, de um certo modo, com o beato francês. Este, pelo menos, possui uma língua correta e um estilo atraente. O professor do Ginásio Pernambucano, ao que parece, crê-se destinado a uma grave missão. É fabricar no Recife o melhor contraveneno das ideias perigosas. Depois de haver-nos mimoseado com aquela compilação indigesta da filosofia de S. Tomás, cuja influência foi nula, deu-nos ultimamente o volume intitulado Lições de filosofia elementar. Sobre este livro, impresso em bom papel e bem encadernado, venho pedir a atenção do leitor. E antes de tudo importa saber que o livro é dedicado a S. M. o Sr. D. Pedro II, príncipe não só pelo sangue, pelo cetro, mas também pelas letras. Logo aqui o leitor desprevenido há de achar-se em presença de uma novidade. O principado literário do Sr. D. Pedro II, até nos domínios da filosofia, a cujo estudo não consta que tenha consagrado tempo algum de sua régia vida, é coisa que geralmente ainda se ignorava. Graças, porém, ao Dr. Soriano, fica sendo, doravante, verdade adquirida, ponto de fé inabalável da ortodoxia monárquica.
  • 35. 35HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA Além disto, bem se pode de antemão ajuizar da ordem das ideias de um homem de hoje, para quem existem príncipes pelo sangue. Como quer que seja, o Dr. Soriano é de uma grande atividade. Admiro que o seu nome não se ache cercado de maior consideração. Custa mesmo a crer que o ilustre escritor não se visse ainda litografado em uma lauda d’O Novo Mundo. Porquanto, este jornal, demasiado generoso, tomou a peito fazer conhecidas, do estrangeiro, a título de grandezas, as nossas ninharias políticas e literárias. Mais do que ninguém, o Dr. Soriano tem direito de ser ali mencionado. Nem sei também como é possível que o Sr. Pessanha Póvoa, em sua lista de notabilidades pátrias, não se lembrasse do insigne filósofo. Quando disse que admirava não ver o nome do Dr. Soriano rodeado de maior consideração, eu olvidei um fato importante. Como deixar em silêncio a carta do papa, aqui mesmo publicada, sobre o livro de que me ocupo? Bem que Sua Santidade não tivesse tempo de lê-lo, afiançava todavia que o livro era excelente. Isto pode fazer as delícias de um católico de lei; mas não é próprio de tranquilizar a consciência de um autor. Não obstante o elogio papal, indeciso e ambíguo, o mérito do livro, quero dizer, o mérito do filósofo é ainda questão aberta. Salvo se querem que a infalibilidade se estenda até o ponto de santificar os maus escritos, com pena de excomunhão a quem ousar combatê-los. Devo crer que não corro este risco. Segundo me parece, o Dr. Soriano toma por base de suas tentativas um sentimento odioso, anacrônico, anticientífico: a intolerância. Ele julga prestar com os seus livros um certo serviço à causa da Igreja. É um engano. O sublime paradoxo evangélico da grandeza dos pequenos não tem cabimentos no mundo intelectual. Eu me explico. A virtude, qualquer virtude, é por si mesma grande e apreciável. Fazer o bem, de qualquer modo e em qualquer escala, é sempre um mérito. Isto porém não se dá no que toca à inteligência. Não basta escrever um, dois, três livros para conquistar o título de escritor. Não basta vir atualmente afirmar, por exemplo, que o tomismo é a verdadeira, a única filosofia, para ser considerado um espírito distinto. Eu bem sei, como se diz, que cada um, na medida de suas forças, leva a sua pedrinha para o edifício; mas, infelizmente, não se trata de erguer, porém de sustentar o velho templo que desaba. Não basta, em uma palavra, lançar na circulação meia dúzia de ideias velhas, desenterradas do jazigo secular, para se merecer a nomeada de homem instruído. Nem tampouco aproveita a quem quer que seja a insistência na defesa de uma causa perdida. Já se vê que o Dr. Soriano, com seus escritos filosóficos, não presta o menor serviço às doutrinas que professa; e, o que mais lhe deve importar,
  • 36. UNIDADE 136 não se faz por eles notável. O digno professor, como era de esperar, comunica aos leitores em um largo Prefácio o plano e o espírito de sua obra. É duro dizê-lo, mas é verdade, que logo em princípio se encontraram as mais vivas provas de muita estreiteza mental. Diz ele: “Naturalismo e sobrenaturalismo”, razão independente e fé humilde, tais são os termos da magna questão debatida na sociedade moderna”. O ilustre doutor é assaz ingênuo. Ainda julga que a sociedade moderna é teatro das velhas contendas entre a razão e a fé. Não lhe chegou ainda aos ouvidos a notícia de que essa luta não tem mais senso e que “o combate acabou-se à falta de combatentes”? não viu um só instante que um dos termos da questão, como o digno doutor a entende, aquele mesmo sistema, a cuja conta se acostumam pôr os homens que pensam, isto é, o ateísmo, está hoje tão caduco e desacreditado como a própria teologia? Quem é que cuida mais de procurar argumentos para provar a independência da razão? Seria um tolo igual aos que ainda se ocupam de mostrar com textos da Bíblia que o homem não pôde progredir sem uma revelação divina. O Dr. Soriano está muitíssimo atrasado. Pressente-se que o seu livro é uma repetição de matéria velha e inaproveitável. Porque no meio do triunfo geral da ciência moderna, que chegou a transformar a própria religião, até no que ela tem de mais íntimo e profundo, o seu conceito, a sua ideia; porque nesse meio ainda se levanta uma ou outra voz rouquenha para entoar ladainhas de convento, deve- se inferir que a luta continua? Porque no campo de batalha, depois de uma vitória, ouvem-se os ais dos moribundos e as maldições dos feridos, é concludente que a pugna persiste? É debalde que o nosso filósofo se esforça por fazer a árvore seca da Idade Média reflorir e frutificar. Essa época morreu. Pode-se-lhe apenas aplicar o hemistíquio de Lucano sobre Pompeu: Stat magni nominis umbra. Mas o Dr. Soriano não se deixa convencer. Ele tem palavras duras para os que não se curvam ante o velho S. Tomás. Lê-se à página X do seu prólogo: “Verdade é que ainda os ignorantes e bufões da ciência têm algumas chanças de mau gosto e cediças rabularias com que acometem essa filosofia que ignoram, e da qual, segundo eles, ninguém mais faz caso”. Qualquer que seja o sentimento de minha fraqueza e a convicção do pouco que valho, não me posso eximir de pertencer à categoria levantada pelo ilustre escritor. Mais de uma vez tenho dito o que penso dessa filosofia, tão elogiada por homens de um espírito mesquinho ou atrasado. Como não aceitar uma parte da honra dada pelo Dr. Soriano aos que ele chama ignorantes e bufões da ciência? Gosto pouco de andar pondo em relevo a minha pessoa, a minha subjetividade, como dizem os alemães. Todavia, peço a permissão de recordar um fato. Em
  • 37. 37HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA 1867, quando se deu um concurso para provimento da cadeira atualmente regida pelo Sr. Soriano, já me tinha, dias antes, declarado, e em um exame público, inimigo do tomismo. Não havia melhor ocasião do que essa em que fomos únicos candidatos, para o tomista convencido demonstrar que o seu antagonista era um bufão da ciência. Não o fez, não pôde fazê-lo. O que ficou em domínio de todos, foi que ambos nós, eu então pobre acadêmico do 3º ano e o Dr. Soriano, já conhecido até em Roma, provamos que éramos néscios, horrivelmente néscios em matéria filosófica. Destarte, arrisco-me a assegurar que a incompetência do nobre professor, para dirigir-me qualquer invectiva, é caso julgado. Se eu tivesse alguma suposição de que o Dr. Soriano se incomoda com os meus escritos e chega a votar-me algum ódio, desistiria por certo do trabalho empreendido. Suplico-lhe, pois, que não me tenha rancor. O respeito das convicções alheias não consiste em julgá-las boas e verdadeiras, mas só em tê-las por íntimas e sinceras. Eu penso que o honrado professor tem a mania de querer impor-nos as suas opiniões, os seus prejuízos de educação, como verdades indubitáveis e superiores a qualquer análise. Há uma coisa, sobretudo, que me parece esquisita nos escritos do ilustre doutor. É o seu modo de ser religioso, é a sua religiosidade. Não compreendo, não me posso assimilar essa maneira de exprimir-se com tamanha firmeza e decisão sobre os grandes objetos de nossa eterna ignorância. A metafísica dos filósofos e a teologia dos padres muito há que fizeram fiasco. Para que ainda vir debruçar-se no abismo tenebroso dos problemas insolúveis e não reconhecer enfim que a filosofia hodierna tomou outro caminho? O Dr. Soriano crê talvez que, falando longamente sobre Deus, sua natureza e seus atributos, bem como sobre tudo que diz respeito à Igreja Católica, põe a descoberto, para se admirar, o vigor de seu senso religioso. É o maior dos enganos. Lembro-me de um belo pensamento de Frederico Schlegel: Dieser ist ein Philosoph und wird, wie der Gesunde von der Gesundheit, nicht viel von der Religion reden, am wenigsten von seiner eignen [Assim como o homem são pouco fala de saúde, o verdadeiro filósofo é o que menos fala de religião e muito menos da sua própria]. Fiquemos por enquanto aqui. No seguinte artigo entraremos em mais funda apreciação. II O livro do Sr. Dr. Soriano tem os defeitos comuns a todas as obras onde o autor mal se deixa lobrigar, sempre escondido por detrás de velhas autoridades. É notável que, lendo-se o volume inteiro, com dificuldade se possa descobrir o característico do escritor. A razão provém de que o Dr. Soriano não é daqueles que pensam por sua
  • 38. UNIDADE 138 própria conta; é um escritor que nunca soube tomar a atitude da dúvida, porque só lhe satisfaz a atitude da submissão. Não quero entretanto dizer que o lado subjetivo da obra nos seja completamente oculto. Sob o véu de algumas frases de unção sacerdotal, surpreende-se o homem altamente católico, cheio de apreensões teocráticas e fanáticos rancores. O fundo psíquico do autor é pouco visível; mas o que se chega a ver interessa à crítica e à ciência da alma em geral. Eis o motivo. No meio da efervescência e do bulício das ideias que surgem de dia a dia; nesta contínua dilatação dos pulmões do século, aspirando a largos sorvos os eflúvios aromáticos de jardins ignotos; quando todos cá de baixo vemos ao longe, no alto do monte, para onde caminhamos, erguerem-se brilhantes, em demanda do céu, a ciência e a consciência livres, como as duas torres da Igreja do futuro; no meio de tudo isso um homem da época, irritado contra ela, de punhos cerrados ameaçando a estrela que nos guia, não será um fenômeno digno de estudo? Para falar sem imagens e mais a sabor do filósofo tomista: de onde provém, como explicar a anomalia de um leigo contemporâneo, que renega afoitamente o espírito hodierno e sente que o mundo inteiro não se transforme em um convento? Bem sei que muita gente não acha dificuldade em decifrar o enigma. Em tais casos costuma-se dizer que a reação é motivada por vistas de interesse; e, destarte, compreende-se a razão da teima insensata. Eu porém não penso assim. Julgo que não é este o modo mais próprio de ligar o fato à sua lei. Sem dúvida, o interesse é uma grande força, a cuja influência obedecem até os fenômenos da ordem intelectual. Não obstante, não importa reconhecer que tudo não se explica, nem se pode por ele explicar. A opiniaticidade do Dr. Soriano tem raízes mais profundas. Os seus escritos, é verdade, não põem em clara luz as feições brilhantes de uma viva inteligência; mas também não são unicamente produtos industriais, sujeitos à lei econômica da oferta e da procura. Antes de tudo são os frutos, bem que pecos e tardios, de uma alma de eremita, mau grado seu, atirado no vórtice do mundo. No estilo, isto é, na ausência de estilo, na linguagem, nas ideias do honrado professor, como que se ouve o gemido surdo de um devoto, carregando o peso de sua cruz. Eu creio, pois, na sinceridade de convicções com que o Dr. Soriano escreve e publica as suas obras. Porém, a sinceridade, relativa e graduada, única possível e até necessária, como sabiamente opina Ernesto Renan, não exclui, por incompatível, uma certa dose de cálculo e simulação. Nem ousara censurar qualquer largueza de vistas, podendo ao mesmo tempo abranger o céu e a terra, a coroa imperial e a tiara pontifícia... Quando o evangelho nos diz que o homem não vive só de pão, implicitamente admite que os interesses materiais não são de todo desprezíveis. Bem se pode escrever um livro da abundância da alma, com a
  • 39. 39HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA mais viva dedicação a uma certa ordem de ideias, e todavia tentar, por meio dele, a solução de algum embaraço, não estritamente científico. O volume do ilustre professor do Ginásio pouco se recomenda pelo seu conteúdo. Escrito com o dogmatismo próprio daqueles para quem a verdade está feita e dita sobre todas as coisas, não tem problemas a resolver. O que a nós outros parece ainda questionável, é um resultado do nosso desvairamento em que não queremos instruir-nos na Summa de S. Tomás. O nobre doutor dá indícios de quem se admira de não ver abraçada sem contestação e por todos os homens de senso aquela santa filosofia. Para ele esta ciência não tem, sequer, uma face obscura; tudo se acha, de antemão, resolvido pelo anjo da escola. Em tais condições, sendo nulo o interesse dos leitores, era natural que só restasse de pé e muito saliente o interesse do autor. A obra que começa por ser dedicada a Sua Majestade acaba por ser submetida a Sua Santidade. Há nisto ao menos uma certa simetria. Fica portanto o livro, a despeito de ser inútil, bem apadrinhado entre o papa e o imperador, “estas duas metades de Deus”, segundo a frase faiscante do poeta de Hernani. O que deturpa essencialmente o volume do ilustre doutor é a falta absoluta de espírito científico. A sua filosofia tem propósito firme: desprezar, como indignos de atenção, os achados da ciência moderna, máxime os que podem contrariar a teologia escolástica. Nota-se este fenômeno: o Dr. Soriano é um médico e está portanto habilitado para esclarecer o estudo do homem com os dados de outros estudos. Tinha-se direito de esperar do honrado filho de Hipócrates alguma coisa nesse sentido. Completo engano. Eu desafio a quem quer que seja para me apontar uma só linha do livro, de onde, sem outro auxílio, se possa inferir que o autor é um médico. O filósofo segue o seu caminho já trilhado pelos santos doutores, convencido da vaidade, da miséria, do nenhum valor da própria matéria em que é graduado, desde que ela não se presta a fortificar os anexins latinos da Summa Theologiae. O Dr. Soriano, escrevendo filosofia, não quer graças com as ciências médicas. Se alguma vez se encontra com elas, é só para lançar-lhes um olhar de desdém. Leia-se, por exemplo, o final da página 201 do volume. É admirável que Santo Agostinho e S. Tomás sejam quem faça a despesa dos conhecimentos fisiológicos do nosso autor. Entretanto, convém advertir que não tenho em vista fazer crer que o livro do Dr. Soriano devia estar cheio de anatomia e fisiologia. O que me parece estranhável é que o nobre filósofo, em tais circunstâncias, não pusesse a seu serviço as descobertas, as soluções mais recentes de ciências que ele professa. Médico e filósofo! Que feliz coincidência para escrever uma obra viva, toda penetrada do espírito do tempo, com as suas grandes conquistas, as suas vastas aspirações e altos pressentimentos!
  • 40. UNIDADE 140 Eu não censuraria que o Dr. Sousa se entregasse de todo aos seus estudos prediletos, com exclusão e prejuízos das matérias de seu grau, se estas não tivessem íntimas relações com aqueles mesmos estudos. Quero dizer – a filosofia manejada por um médico deve se mostrar menos pobre, menos frívola e estéril do que a vemos nas mãos do nobre doutor[5]. O que primeiro nos ocorre, quando lemos uma obra de filosofia, é saber se o seu autor compenetrou-se bem do estado da ciência e deu às questões vigentes alguma solução. Por este lado, quem abrir o livro do Dr. Sousa, pode estar certo de que nada encontrará. Melhor será que não o leia, porque ele não satisfaz àquela exigência. É sabido que, nos últimos tempos, a questão filosófica mais inquietante, se não a de maior alcance, tem sido levantada sobre a própria essência e limites da filosofia. Augusto Comte e a sua escola atiraram para o meio das criações fantásticas a velha metafísica, espécie de mitologia racional, menos poética e mais obscura que a mitologia ordinária. Mesmo na Alemanha, naturalmente idealista, repercutiu algum tanto o abalo da nova doutrina. A corrente hegeliana foi um pouco retardada pela invasão do positivismo. Esta invasão é afirmada por certos fenômenos notáveis. As obras de Büchner e Moleschott, que se fizeram apóstolos de um materialismo quase extravagante, eu não as tenho decerto como produtos imediatos dessa influência; mas ao menos é provável que, vindo depois, não deixassem de ter em vista o caminho indicado pelo famoso pensador francês. Outros fatos acusam melhor a feição do tempo. Schiel traduz a Lógica de Stuart Mill, a qual se poderá chamar o Regulamento do sistema de Comte. Haym escreve um livro precioso sobre Hegel, onde o espírito positivo se revela em alta escala. Assim, diz ele: “die Poesie gleichsam der Wissenschaft” [a metafísica é a poesia da ciência]. “Grosse metaphysische Bauten konnen nur einem esthetisck gestimmten Geschlechte gelingen” [Grandes construções metafísicas são o privilégio das gerações esteticamente dispostas e harmonizadas]. Eu creio que Littré não falaria sobre o assunto com mais calma e segurança. É ainda um alemão, Juliano Schmidt, que, a respeito dos destinos da filosofia em sua pátria e no mundo civilizado, se exprime em termos tais: “Die moderne Philosophie steigi von ihrem alten Isolirschemel herab und behreiti die Bedeutung der ubrigen Wissenscheften, von denen sie zu lernen die sie selber aber zu orientieren hat” [A filosofia moderna desce de sua antiga torre de marfim e compreende o sentido das outras ciências, com as quais deve aprender; mas é a ela que incumbe orientá-las]. Isto importa engrandecer o domínio da ciência positiva e deixar no esquecimento sonhos e visões quiméricas, os dogmas decrépitos da pura
  • 41. 41HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA especulação. Ora, pois, quem di-lo-ia? – o Dr. Soriano demonstra ignorar completamente esse estado de coisas. O seu livro é de uma pobreza lastimável, pelo que toca a semelhante ponto. Ele nos diz (p. 121) que “a palavra metafísica quer dizer trans naturale, extrafísica”. Que grande novidade! Conta-nos mais o bom do livro a história da formação dessa palavra! Quem abre uma nova obra, intitulada filosófica, não vai atrás de saber anedotas, porém de aprender coisas mais sérias. Pela história que refere o Dr. Sousa, a respeito do nome da metafísica, poderíamos dizer-lhe: obrigado, meu senhor. Vamos à ciência; deixemo-nos de tolices. É assim que, depois de nos regalar com etimologias, o venerável doutor acrescenta: “Como quer que seja o termo metafísica prevaleceu até hoje e designa a ciência que trata daquelas coisas que estão separadas da matéria, quer na realidade, quer por simples precisão do espírito.” Não há dúvida: o Dr. Soriano é inteiramente baldo de senso filosófico, ele desconhece que uma proposição, como a que acabo de citar, não indica nem determina objeto algum. “A ciência que trata daquelas coisas...” É um modo esse de falar a esmo, prodigalizando palavras e economizando ideias. “Daquelas coisas que estão separadas da matéria...” Não bastaria dizer a ciência das coisas imateriais? Mas isto, por demasiada concisão, poderia deixar o leitor em dúvida: era mister deixá-lo em plena ignorância. Dito e feito. Mas o que vai além do despropósito é a ilação que o ilustre doutor julgou dever tirar das referidas palavras. Continuando (p. 122), ele diz: “Daqui se infere a existência da metafísica.” O filósofo é muito corajoso. “Daqui se infere...”, de onde é que sai essa ilação? Anteriormente se tratou apenas da significação etimológica do termo, do seu modo de formação e de ser a metafísica a ciência do imaterial. Que fatos são esses de tamanho alcance para deles se inferir que a metafísica existe? E demais: ninguém ainda contestou-lhe a existência. Ao contrário, aqueles que a combatem não se dirigem a uma sombra vã, mas a uma realidade, cuja influência julgam perigosa e anacrônica, porque já teve a sua época e hoje só deve pertencer à história. O que se questiona não é se a metafísica existiu ou existe; porém é saber se outrora e hoje e sempre, onde quer que ela apareça, pode ser considerada uma ciência; se ela tem um objeto certo e determinado, como as outras; em uma palavra, se ela nos instrui de alguma coisa que não é dado às outras conhecer. O Dr. Soriano, na ignorância do estado da questão, entendeu responder a qualquer dúvida com esta simples e banal pergunta: “se há ciências que se ocupam das coisas materiais e sensíveis, por que não haverá alguma que discorra sobre as coisas imateriais e suprassensíveis?” É incrível que um espírito culto lance mão de soluções desta ordem e pareça ficar satisfeito. Note-se bem: a metafísica não é impugnada por motivos
  • 42. UNIDADE 142 tirados dela mesma, por sua forma, por seu nome; porém somente por seu objeto, por seu conteúdo. Por isso mesmo que tem a pretensão de discorrer sobre as coisas imateriais e suprassensíveis, ela põe em dúvida o seu caráter científico e o valor dos seus resultados. O imaterial objetivo e concreto é ainda para muitos uma grave questão. Como pois dar por sabida e inegável a sua existência, a fim de justificar a pobre metafísica? É uma lógica bem singular. Eu insisto. Os adversários da pretendida ciência deduzem argumentos da própria natureza das coisas que ela tenta investigar, isto é, de sua incognoscibilidade. A metafísica envolve contradição porque vem a ser a ciência do incognoscível, do que não se pode saber, do que, de feito, não se sabe. Não basta haver uma ciência do mundo físico para criar-se uma outra do mundo suprassensível. Dado mesmo que este mundo exista, como eu creio, ainda assim não fica resolvido que possamos ter dele um conhecimento adequado. E esta é a questão. III Poucos homens parecem tão estranhos, tão opacos e inacessíveis à vasta irradiação das ideias dominantes quanto o honrado professor do Ginásio. É para ver e admirar a corajosa indiferença com que ele se pronuncia em relação às questões mais sérias e mais preocupantes da época. Está dito e provado. A obra que analiso é um livro de filosofia, onde se aprende perfeitamente, se assim posso dizê-lo, a ignorar essa matéria. E não há coisa alguma de chistoso neste modo de falar; é a expressão de uma verdade, claramente revelada em mais de um fato da mesma natureza. Todas as obras de nossos dias, que trazem o velho cunho católico de uma bênção pontifical, estando em oposição decidida à ciência contemporânea, devem professar, por via de regra, a mais profunda ignorância. É um enigma proposto aos beneméritos da Igreja: excogitar os meios de fazer o espírito humano recuar diante da grandeza de sua própria sombra, envergonhar-se de seus triunfos e volver os olhos atrás. O Dr. Soriano tem sido infatigável em cooperar, quanto pode, para pôr em prática a palavra da esfinge. Eu lastimo que ele não disponha de maiores recursos, que não possa entrar na luta com mais vigor de talento. Ter-se- ia, pelo menos, um espetáculo mais interessante: o de uma inteligência real que se esforça por encurtar-se a si mesma, a fim de caber no quadro estreito de doutrinas convencionais. E com efeito não é raro vê-lo em espíritos notáveis. Quem não sente, por exemplo, ante os escritos de um Balmes, um como que esforço de águia que tentasse esconder-se na velha abóbada dos templos arruinados e fazer sua a habitação dos mochos? Mas o nosso filósofo está longe de maravilhar-nos por esse lado. Não deixa de causar uma certa impressão e pôr em movimento a curiosidade
  • 43. 43HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA pública o fato extraordinário de ser o digno doutor de quem poder-se-ia esperar uma outra ordem de ideias o campeão titulado de já usadas tolices escolásticas. Todavia, não é lá muito para lamentar a falta de seu concurso na defesa do terreno por nós outros ocupado. Para não alongar demasiado esta apreciação ao livro do Dr. Sousa, vou concluir pelo exame de mais um ou dois pontos importantes e aos quais ele não deu sequer uma aparência de solução plausível. Quero falar, de preferência, da teoria da indução. A elementaridade, com que, talvez por excesso de modéstia, se qualifica a obra do ilustre professor, não salva da censura de tratar tão pobremente um dos mais vastos assuntos da filosofia moderna. Quem consagrou não poucas páginas a velhas futilidades que não têm mais sentido nem valor algum, quem tanto se ocupou de ontologia, falou de ente e essência, de ato puro e ato misto, não era muito que se estendesse um pouco mais a respeito da indução. O Dr. Soriano revelou não conhecer o fundo e o alcance da questão. E oxalá que tudo fosse isso. Ele mostrou ainda mais que não sabe raciocinar, mesmo sobre coisas para as quais já existem, por assim dizer, argumentos feitos e armazenados. Tratando de indução, o filósofo pergunta se o raciocínio dedutivo e o indutivo serão essencialmente distintos; se o silogismo diferirá radicalmente da indução. E depois de referir alguns caracteres, por onde há quem responda afirmativamente, assim se exprime: “Mas se bem considerarmos, veremos que a diferença daqueles dois processos está mais na forma do que na essência. Porquanto é certo que o silogismo, sendo um processo geral de raciocinar, nenhum raciocínio pode ficar fora dele”. Eu creio que o leitor, por si mesmo, antes de observar-lho, já descobriu o vício radical, o mísero ilogismo dessas frases. Procura-se saber se o silogismo difere da indução ou se de algum modo identifica-se com ela; o que vale o mesmo que averiguar se qualquer deles constitui um processo geral de raciocínio que possa abranger o outro. Eis que o nobre professor decide que não difere, isto é, afirma que o silogismo constitui um processo geral, porque é certo que o silogismo, sendo um processo geral de raciocínio, nenhum pode ficar fora dele. Bem se pode lamentar que o Dr. Sousa não tivesse aprendido nos livros de sua predileção as regras mais sabidas da lógica rotineira. Deveria poupar-me o trabalho de fazer aqui notar-lhe um erro pueril. Mas vamos ao fundo. A indução é aí definida – a operação mental pela qual atribuímos a uma espécie o que constantemente temos observado nos indivíduos ou atribuímos ao gênero o que temos constantemente observado nas espécies que lhe são subordinadas. Será isto exato? Ficará por este modo bem determinado o que seja a indução? Terá o Dr. Sousa bastante docilidade para admitir comigo que a sua definição é pobre e quase nada esclarece? Custa pouco
  • 44. UNIDADE 144 demonstrá-lo. Não bastava dizer que a indução consiste em atribuir-se a uma espécie o que se observa constantemente nos indivíduos. Era mister acrescentar que isto se dava quer na espécie natural, quer na espécie factícia, distinção que não se depreende daquelas palavras citadas. A faculdade pela qual atribuo, por exemplo, a todos os animais o sentir e o viver é a mesma que me leva a entrar em qualquer hotel de uma cidade estranha para tomar uma refeição, porque creio que todos devem tê-la. Ora, a espécie hotel não é da mesma natureza da espécie animal; e todavia é uma só faculdade que me fornece aquele juízo sobre ambas. Em qualquer estação de via férrea espera-se um trem à hora certa, com quase a mesma confiança com que se aguarda o nascer do Sol. Em ambos os casos há indução, porque há crença na repetição de um fenômeno constante. E a que ordem de espécies pertence o vapor? Era para exigir do Dr. Soriano maior desembaraço, maior jogo de conhecimentos na desenvolução dessa matéria. Poderá crer-se que ele ignore até aquilo que tem sido dito por seus irmãos em S. Tomás? Quem não sabe que o padre Gratry escreveu uma Lógica e nela se ocupou da indução com muita largueza, posto que com alguns notáveis disparates? Parecia justo que o nosso filósofo levantasse e buscasse resolver os problemas respectivos. Nada disto. Para o honrado doutor não há dúvidas nem sombras que perturbem a marcha do seu pensamento. Como que vive engolfado na eterna claridade de uma lâmpada celeste exatamente posta a prumo sobre a sua cabeça calma e refletida. Entretanto, se espíritos profundos encaram hoje a indução como coisa que muito interessava à filosofia das ciências, com que direito o nosso professor, escrevendo uma obra do gênero, limita-se a dizer-nos pouco mais do que nada? Se é certo, como está escrito, que o silogismo não difere da indução; que esta, ao contrário, lhe é redutível; pois que aquele se baseia em princípios, em juízos mais ou menos universais; como é que se adquirem tais juízos? Em sua formação já não há um processo indutivo? E neste caso, não se parece girar em um círculo vicioso? Que nos diz a tal respeito o Dr. Soriano? Absolutamente nada. A velha teoria de verdades primeiras, conceitos racionais e outras frases místicas, de que V. Cousin e seus apêndices encheram os ouvidos de uma geração descuidosa, não vem mais a propósito. Está desacreditada. Faz-se pois necessário descer ao interior do assunto e procurar melhores razões. É justamente o que deverá ter feito o grave doutor para dar-nos alguma coisa de novo e não maçar o seu leitor com antigualhas banais. No silogismo há sempre um meio, diz o Dr. Soriano, na indução falta esse meio. Dê-se que seja assim. Mas esse meio deve ser um juízo, e este juízo, mais ou menos geral, sai fora da experiência direta e entra sempre no
  • 45. 45HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA quadro de uma indução. Sirva de prova a maneira por que o autor quer demonstrar que num raciocínio indutivo vai envolto um silogismo, deste modo formulável: “A experiência mostra que estas e aquelas qualidades observadas nos indivíduos não procedem do acaso, mas sim da natureza específica dos mesmos, a qual é comum aos indivíduos da mesma espécie, ainda não observados; ora, as leis da natureza são constantes ou as causas físicas são fatais em produzir seus efeitos; logo, os outros indivíduos da mesma natureza sem dúvida hão de ter as mesmas qualidades que têm os que observamos”. A premissa intermediária – “as leis da natureza são constantes” – é um juízo universal; como foi ele formado? Crer na constância das leis naturais é induzir; e esta indução ainda supõe uma outra, que é a crença na existência dessas leis. A que é pois que se deve conferir a anterioridade, ao silogismo ou à indução? Nem se diga que aquela crença é um fato espontâneo e congênito ao espírito humano. O assombro que primitivamente o homem experimenta diante dos fenômenos naturais é a viva prova de que ele não tem com a ideia deles nenhuma noção de harmonia das coisas. Pelo contrário, a primeira impressão que experimenta é a impressão da desordem manifestada em tudo que percebe e observa. Quanto tempo não foi preciso para que o conceito de lei se aplicasse aos fatos da natureza? “A experiência mostra que estas ou aquelas qualidades observadas nos indivíduos não procedem do acaso ou de uma propriedade individual, mas sim da natureza específica dos mesmos.” Completo engano. A natureza específica dos seres, como objeto de conhecimento, sobrepuja a experiência, e é um produto indutivo. O filósofo ilude-se. Desde que formamos delas o juízo de não procederem do acaso porém do próprio fundo das coisas, tais e tais qualidades percebidas, a experiência abre caminho e cede o passo a uma nova operação intelectual. Mais ainda: “a qual é comum aos outros indivíduos da mesma espécie, ainda não observados.” Que profunda confusão! Caiu em cheio. Como sabemos nós que os indivíduos não observados são de natureza comum aos que temos visto, senão por indução? A que pois se reduzem a identidade das duas formas e a preponderância do silogismo? Se por um lado parece desculpável que o Dr. Soriano tenha errado naquilo em que escritores de alta esfera ainda se revelam meio confusos e pouco adiantados, não deixa de espantar, por outro lado, a insuficiência, a caduquice de suas ideias, quando ele tinha para melhor sustentar-se os largos detalhes e vastas discussões relativas ao objeto. Não compreendo que alguém, e sobretudo na época presente, venha dizer ao público: eu sou filósofo, e, para justificar tão ousada pretensão, não tenha duas palavras vivas, duas ideias novas, que fiquem fulgurando na memória do leitor. Ainda é mais estranhável que se aventem questões