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DIREITO DAS COISAS
PROF. FLÁVIO TARTUCE
Conceito, natureza jurídica, teorias justificadoras e diferenças quanto à detenção
Conceito: domínio fático que uma pessoa exerce sobre uma coisa. A posse estará presente quando a pessoa tiver pelo
menos um dos atributos relativos à propriedade (CC, art. 1.196).
Atributos da propriedade (“GRUD”):
• Gozar/fruir.
• Reaver/buscar.
• Usar/utilizar.
• Dispor/alienar.
Propriedade:
• Plena: todos os atributos.
• Limitada: alguns atributos.
• Posse: basta um atributo.
CC, art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade”.
Afirmações importantes:
• Todo proprietário é possuidor (direto ou indireto).
• Nem todo possuidor é proprietário. Exemplos: locatário, comodatário e depositário.
Posse (CC, art. 1.196) e detenção (CC, art. 1.198).
O detentor também é chamado de “servidor da posse” ou “fâmulo da posse”
O detentor tem a coisa em nome de outra pessoa, com quem tem relação de dependência, recebendo ordens e
instruções suas.
CC, art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade”
CC, art. 1.198, caput: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.
Exemplos:
Exemplo 1: “Parei o meu carro em um estacionamento e entreguei as chaves ao manobrista”:
Empresa de estacionamento: depositária (possuidora).
Manobrista: detentor.
Exemplo 2: ocupação irregular de terras públicas: a posição do STJ sempre foi no sentido de detenção (REsp n.
556.721/DF). Em 2016 (REsp n. 1.484.304/DF – Inf. 579), entendeu-se que há posse injusta, a qual não possibilita
usucapião, mas possibilita o ingresso com ação possessória contra quem invade a área. Em 2018, voltou-se à tese da
detenção (Súmula 619, STJ).
Súmula 619, STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de
retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.”
“EMENTA - EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA
PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO NÃO CONFIGURADO. 1. Posse é o direito reconhecido a
quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo
de ser reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos
poderes inerentes à propriedade. 2. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como
posse, mas como mera detenção. 3. Se o direito de retenção depende da configuração da posse, não se pode, ante a
consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito advindo da necessidade de se indenizar as
benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o cumprimento da medida imposta no interdito proibitório. 4. Recurso
provido” (REsp 556.721/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005, p.
172).
“EMENTA - PROCESSUAL CIVIL. ÁREAS PÚBLICAS DISPUTADAS ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE DO SOCORRO ÀS
DEMANDAS POSSESSÓRIAS. 1. A ocupação de área pública, sem autorização expressa e legítima do titular do domínio,
não pode ser confundida com a mera detenção. 2. Aquele que invade terras e nela constrói sua moradia jamais exercerá
a posse em nome alheio. Não há entre ele e o proprietário ou quem assim possa ser qualificado como o que ostenta jus
possidendi uma relação de dependência ou subordinação. 3. Ainda que a posse não possa ser oposta ao ente público
senhor da propriedade do bem, ela pode ser oposta contra outros particulares, tornando admissíveis as ações
possessórias entre invasores. 4. Recurso especial não provido” (REsp 1484304/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 15/03/2016).
Exemplo 3: caseiro:
Em relação à sede da fazenda: detentor.
Em relação à casa de colono (comodato): possuidor.
Observação: o detentor pode passar a ser possuidor (CC, art. 1.198, parágrafo único). Isso é possível por força de
contrato, nos casos em que a pessoa passa a se comportar como possuidora (Enunciado 301, IV Jornada de Direito Civil).
CC, art. 1.198, parágrafo único: “Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação
ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”.
Enunciado 301, IV JDC: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese
de exercício em nome próprio dos atos possessórios.”
Principais classificações da posse e seus efeitos
1. Quanto à relação pessoa-coisa, quanto ao desdobramento ou quanto ao paralelismo
Essa classificação é retirada do art. 1.197 do CC – classificação em posse direta e indireta.
a) Posse direta: presente quando a pessoa tem uma relação imediata e corpórea com a coisa (poder físico imediato).
Exemplos: locatário, comodatário e depositário.
b) Posse indireta: é aquela decorrente do exercício de um direito. A posse direta é havida de quem tem a posse indireta.
Exemplos: locador, comodante e depositante.
CC, art. 1.197: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito
pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse
contra o indireto.”
O art. 1.197, CC, prevê que o possuidor direto pode defender a sua posse contra o indireto (e vice-versa – Enunciado 76, I
Jornada de Direito Civil).
Exemplo 1: vigente uma locação, o locatário viaja para o exterior e, quando retorna, o imóvel foi invadido pelo locador. O
locatário ingressa com ação de reintegração de posse contra o locador. O locador, em sua defesa, alega apenas ser
proprietário do imóvel (“exceptio proprietatis”). Essa ação deve ser julgada procedente, pois, nas ações possessórias, não
cabe a alegação de propriedade ou de outro direito real sobre a coisa (art. 1.210, §2º, CC).
“Posse é posse, propriedade é propriedade” (Paulo Lôbo). Não há hierarquia entre os institutos.
CC, art. 1.210, §2º: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito
sobre a coisa.”
2. Quanto aos vícios objetivos (art. 1.200, CC)
a) Posse justa – “posse limpa”, ou seja, sem os vícios objetivos.
b) Posse injusta – aquela que apresenta, pelo menos, um dos três vícios objetivos.
b.1) Posse violenta (vis): obtida com violência física ou moral/psicológica (roubo da posse).
b.2) Posse clandestina (clam): aquela obtida na “surdina”, na “calada da noite”, sem a possibilidade de defesa da outra
parte (furto da posse).
b.3) Posse precária (precario): aquela obtida em abuso de confiança (estelionato ou apropriação indébita).
CC, art. 1.200: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.”
Observações:
1ª) Pelo que consta no art. 1.208, 2ª parte do Código Civil, a posse violenta e a clandestina podem “se curar” (elas se
convalidam). Cessa a injustiça... A precária não!
2ª) Qual o critério para essa “cura”?
Tempo: 1 ano e 1 dia (art. 922, CPC/1973; e art. 558 do CPC/2015). Há quem entenda que o critério deve ser a função
social.
3ª) Quem tem posse injusta não tem ação possessória contra o possuidor justo, mas tem contra terceiro. Quem tem posse
injusta não pode adquirir o bem por usucapião.
CC, art. 1208: “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os
atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.”
CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo
quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput , será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter
possessório.”
3. Classificação quanto aos vícios subjetivos ou quanto à boa-fé (art. 1.201, CC)
A boa-fé mencionada no art. 1.201 do Código Civil é subjetiva, pelo menos em regra – intencional (estado psicológico).
a) Posse de boa-fé: o possuidor ignora obstáculo para a aquisição da propriedade (boa-fé real) ou tem um justo título
(boa-fé presumida).
✓ As expressões “boa-fé real” e “boa-fé presumida” foram criadas por Orlando Gomes.
CC, art. 1.201: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei
expressamente não admite esta presunção.”
Justo título
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, justo título é uma causa representativa que tenha fundamento no ordenamento
jurídico. Pode ser documentado ou não.
Exemplo: um contrato válido e eficaz é justo título (locação, comodato, depósito e compromisso de compra e venda de
imóvel registrado ou não na matrícula - CRI).
Enunciado 302, IV Jornada de Direito Civil – é justo título, o ato capaz de transmitir a posse “ad usucapionem”, observado
o disposto no art. 113, CC, o qual trata da boa-fé objetiva.
✓ O justo título traz uma presunção relativa ou iuris tantum da boa-fé (presunção que admite prova em contrário).
Enunciado 303, IV Jornada de Direito Civil – O justo título pode ser materializado em instrumento público ou particular.
Exemplo: escritura pública.
Enunciado 302, IV JDC: “Pode ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse
ad usucapionem, observado o disposto no art. 113 do Código Civil.”
CC, art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”
Enunciado 303, IV JDC: “Considera-se justo título, para a presunção relativa da boa-fé do possuidor, o justo motivo que lhe
autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na
perspectiva da função social da posse.”
b) Posse de má-fé: o possuidor não ignora obstáculo para a aquisição da propriedade e não tem o justo título.
Exemplo: o invasor do imóvel tem posse injusta e de má-fé.
Em regra, a posse justa equivale à posse de boa-fé e a posse injusta equivale à posse de má-fé (mas não necessariamente).
Exceção: a posse pode ser injusta e de boa-fé.
Exemplo: um bem é roubado e é vendido no dia seguinte para um terceiro que ignora o roubo. A posse desse terceiro é
injusta e de boa-fé (Orlando Gomes).
Observação: esta classificação não se confunde com a anterior, pois, na anterior, os vícios são objetivos (justa ou injusta);
aqui os vícios são subjetivos (boa e má-fé).
Ademais, esta classificação gera efeitos para os frutos, as benfeitorias e responsabilidades pela coisa (por perda e
deterioração da coisa).
Artigos 1.214 a 1.220 do
CC/2002
Frutos
(saem)
Benfeitorias
(entram)
Responsabilidades
Posse de boa-fé
(ex: locatário)
Sim, com exceção dos frutos
pendentes.
Sim, tem direito às
benfeitorias necessárias e às
úteis (direito de indenização
e retenção). Além disso,
pode levantar as
voluptuárias (as de mero
luxo). *1
Somente responde por dolo
ou culpa (responsabilidade
subjetiva).
Posse de má-fé
(ex: invasor)
Não tem direito aos frutos e
responde pelos que colheu e
pelos que deixou de colher.
Sim, tem direito apenas às
benfeitorias necessárias
(somente direito à
indenização).
Responde pela coisa até por
fato acidental (caso fortuito
ou força maior).
Tabela importante
*1 – Possuidor de boa-fé e benfeitorias: segundo a doutrina e a jurisprudência, aplicam-se as mesmas regras das
benfeitorias para as acessões (construções e plantações). Nesse sentido: Enunciado 81, I Jornada de Direito Civil e REsp
1.316.895/SP. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. DIREITO DE RETENÇÃO POR ACESSÃO E
BENFEITORIAS. CONTRATO DE COMODATO MODAL. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VALIDADE. 1. A teor do artigo 1.219 do
Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis e, por
semelhança, das acessões, sob pena de enriquecimento ilícito, salvo se houver estipulação em contrário. 2. No caso em
apreço, há previsão contratual de que a comodatária abre mão do direito de ressarcimento ou retenção pela acessão e
benfeitorias, não tendo as instâncias de cognição plena vislumbrado nenhum vício na vontade apto a afastar as cláusulas
contratuais insertas na avença. 3. A atribuição de encargo ao comodatário, consistente na construção de casa de alvenaria,
a fim de evitar a "favelização" do local, não desnatura o contrato de comodato modal. 4. Recurso especial não provido.
(REsp 1.316.895/SP. Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira ?Turma, julgado
em 11/06/2013, DJe 28/06/2013).
Enunciado 81, I JDC: “O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias
necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.”
✓ O locatário é possuidor de boa-fé, sendo comum, por força do contrato, a cláusula de renúncia ao direito de
indenização por benfeitorias necessárias e úteis. Nesse sentido, tem-se o art. 35 da Lei de Locação (Lei 8.245/1991).
Confirmando tal possibilidade, há a Súmula 335, STJ, a qual prevê que é válida a cláusula que versa sobre a renúncia ao
direito de indenização por benfeitorias, sem qualquer ressalva para os contratos de adesão.
O Enunciado 433, V Jornada de Direito Civil, aplicando o art. 424 do CC, prevê que é nula a cláusula de renúncia à
indenização e de retenção por benfeitorias necessárias, quando inseridas em contrato de adesão. Esse enunciado tem
grande prestígio doutrinário, mas não tem sido aplicado pela jurisprudência.
Lei 8.245/91, art. 35: “Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo
locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e
permitem o exercício do direito de retenção.”
Súmula 335, STJ: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de
retenção.”
Enunciado 433, V JDC: “A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias
necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão.”
CC, art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio.”
4. Quanto à presença de título
Esta classificação não tem previsão no Código Civil.
a) Posse com título – utiliza-se o termo “ius possidendi” – posse titulada. Exemplo: posse fundada em contrato válido e
eficaz.
b) Posse sem título - utiliza-se o termo “ius possessionis” – posse autônoma, sem título ou posse natural. Exemplo: achado
de um tesouro.
✓ Posse como ato-fato jurídico.
Três regras quanto ao achado do tesouro (arts.1.264 e 1.265, CC):
1. Achei no meu terreno: é meu.
2. Achei no do outro, de boa-fé: meio a meio.
3. Achei no de outro, de má-fé: é do outro (dono do terreno).
CC, arts. 1.264 e 1.265: “Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será
dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente. Art. 1.265. O tesouro pertencerá
por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.”
5 . Quanto ao tempo (art. 558, CPC).
a) Posse nova: menos de 1 ano e 1 dia;
b) Posse velha: pelo menos 1 ano e 1 dia.
Sigo o critério de tempo adotado por Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves: até um ano, a posse é nova.
A partir de um ano e um dia, a posse é velha. Há quem entenda que a posse velha é aquela com mais de um ano e um dia
(Caio Mário).
✓ Observação: o prazo de 1 ano e 1 dia tem origem nas questões relativas à colheita (“virada de lua”).
CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a
ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.”
Questão processual:
É preciso verificar a data da ameaça, da turbação ou do esbulho. Se forem:
➢ Novos (menos de 1 ano e 1 dia): caberá a ação de força nova. A ação segue o rito especial e cabe liminar.
➢ Velhos (pelo menos 1 ano e 1 dia): caberá a ação de força velha. A ação não tem rito especial, seguindo o
procedimento comum. Não cabe liminar. Eventualmente, caberá tutela provisória (art. 300 a 311, CPC).
2.6. Quanto aos efeitos (art. 1.210, CC)
a) Posse ad usucapionem – possibilita a aquisição da propriedade por usucapião, desde que preenchidos determinados
requisitos (posse qualificada- exceção no sistema jurídico).
b) Posse ad interdicta – possibilita o ingresso dos interditos possessórios (ações possessórias diretas).
Existem três situações determinadas, que geram três ações, havendo fungibilidade total entre elas (art. 554, caput, CPC):
1. Na ameaça, a ação cabível é o interdito proibitório.
2. Na turbação (atentado momentâneo), é cabível a ação de manutenção da posse.
3. No esbulho (atentado definitivo), a ação cabível é a reintegração da posse. O esbulho pode ser invasão total ou parcial.
CC, art. 1.210: “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência
iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de
defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.”
CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for
proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput , será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.”
CPC, art. 554, caput: “A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a
proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
(...).”
Atenção: a invasão parcial de um imóvel caracteriza esbulho e não turbação (art. 1.210, §1º, CC).
➢ Além dessas ações judiciais, existem mecanismos de autotutela civil:
1. Legítima defesa da posse: cabe em casos de ameaça ou turbação.
2. Desforço imediato: cabe nos casos de esbulho.
A defesa deve ser proporcional, razoável e imediata (incontinenti). É possível o uso de prepostos pelo possuidor.
Além disso, o detentor pode, no interesse do possuidor, fazer uso dos mecanismos de autotutela ou autodefesa da posse.
Assim sendo, aquele que exerce detenção também pode usar esses mecanismos de autotutela (Enunciado 493, V Jornada
de Direito Civil). Exemplo: o caseiro de uma fazenda pode fazer uso desses mecanismos.
Enunciado 493, V JDC: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do
bem sob seu poder.”
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  • 2. Conceito, natureza jurídica, teorias justificadoras e diferenças quanto à detenção Conceito: domínio fático que uma pessoa exerce sobre uma coisa. A posse estará presente quando a pessoa tiver pelo menos um dos atributos relativos à propriedade (CC, art. 1.196). Atributos da propriedade (“GRUD”): • Gozar/fruir. • Reaver/buscar. • Usar/utilizar. • Dispor/alienar. Propriedade: • Plena: todos os atributos. • Limitada: alguns atributos. • Posse: basta um atributo. CC, art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
  • 3. Afirmações importantes: • Todo proprietário é possuidor (direto ou indireto). • Nem todo possuidor é proprietário. Exemplos: locatário, comodatário e depositário. Posse (CC, art. 1.196) e detenção (CC, art. 1.198). O detentor também é chamado de “servidor da posse” ou “fâmulo da posse” O detentor tem a coisa em nome de outra pessoa, com quem tem relação de dependência, recebendo ordens e instruções suas. CC, art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” CC, art. 1.198, caput: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.
  • 4. Exemplos: Exemplo 1: “Parei o meu carro em um estacionamento e entreguei as chaves ao manobrista”: Empresa de estacionamento: depositária (possuidora). Manobrista: detentor. Exemplo 2: ocupação irregular de terras públicas: a posição do STJ sempre foi no sentido de detenção (REsp n. 556.721/DF). Em 2016 (REsp n. 1.484.304/DF – Inf. 579), entendeu-se que há posse injusta, a qual não possibilita usucapião, mas possibilita o ingresso com ação possessória contra quem invade a área. Em 2018, voltou-se à tese da detenção (Súmula 619, STJ). Súmula 619, STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.”
  • 5. “EMENTA - EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO NÃO CONFIGURADO. 1. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. 2. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. 3. Se o direito de retenção depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito advindo da necessidade de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o cumprimento da medida imposta no interdito proibitório. 4. Recurso provido” (REsp 556.721/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 172).
  • 6. “EMENTA - PROCESSUAL CIVIL. ÁREAS PÚBLICAS DISPUTADAS ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE DO SOCORRO ÀS DEMANDAS POSSESSÓRIAS. 1. A ocupação de área pública, sem autorização expressa e legítima do titular do domínio, não pode ser confundida com a mera detenção. 2. Aquele que invade terras e nela constrói sua moradia jamais exercerá a posse em nome alheio. Não há entre ele e o proprietário ou quem assim possa ser qualificado como o que ostenta jus possidendi uma relação de dependência ou subordinação. 3. Ainda que a posse não possa ser oposta ao ente público senhor da propriedade do bem, ela pode ser oposta contra outros particulares, tornando admissíveis as ações possessórias entre invasores. 4. Recurso especial não provido” (REsp 1484304/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 15/03/2016).
  • 7. Exemplo 3: caseiro: Em relação à sede da fazenda: detentor. Em relação à casa de colono (comodato): possuidor. Observação: o detentor pode passar a ser possuidor (CC, art. 1.198, parágrafo único). Isso é possível por força de contrato, nos casos em que a pessoa passa a se comportar como possuidora (Enunciado 301, IV Jornada de Direito Civil). CC, art. 1.198, parágrafo único: “Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”. Enunciado 301, IV JDC: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.”
  • 8. Principais classificações da posse e seus efeitos 1. Quanto à relação pessoa-coisa, quanto ao desdobramento ou quanto ao paralelismo Essa classificação é retirada do art. 1.197 do CC – classificação em posse direta e indireta. a) Posse direta: presente quando a pessoa tem uma relação imediata e corpórea com a coisa (poder físico imediato). Exemplos: locatário, comodatário e depositário. b) Posse indireta: é aquela decorrente do exercício de um direito. A posse direta é havida de quem tem a posse indireta. Exemplos: locador, comodante e depositante. CC, art. 1.197: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.” O art. 1.197, CC, prevê que o possuidor direto pode defender a sua posse contra o indireto (e vice-versa – Enunciado 76, I Jornada de Direito Civil).
  • 9. Exemplo 1: vigente uma locação, o locatário viaja para o exterior e, quando retorna, o imóvel foi invadido pelo locador. O locatário ingressa com ação de reintegração de posse contra o locador. O locador, em sua defesa, alega apenas ser proprietário do imóvel (“exceptio proprietatis”). Essa ação deve ser julgada procedente, pois, nas ações possessórias, não cabe a alegação de propriedade ou de outro direito real sobre a coisa (art. 1.210, §2º, CC). “Posse é posse, propriedade é propriedade” (Paulo Lôbo). Não há hierarquia entre os institutos. CC, art. 1.210, §2º: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.”
  • 10. 2. Quanto aos vícios objetivos (art. 1.200, CC) a) Posse justa – “posse limpa”, ou seja, sem os vícios objetivos. b) Posse injusta – aquela que apresenta, pelo menos, um dos três vícios objetivos. b.1) Posse violenta (vis): obtida com violência física ou moral/psicológica (roubo da posse). b.2) Posse clandestina (clam): aquela obtida na “surdina”, na “calada da noite”, sem a possibilidade de defesa da outra parte (furto da posse). b.3) Posse precária (precario): aquela obtida em abuso de confiança (estelionato ou apropriação indébita). CC, art. 1.200: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.”
  • 11. Observações: 1ª) Pelo que consta no art. 1.208, 2ª parte do Código Civil, a posse violenta e a clandestina podem “se curar” (elas se convalidam). Cessa a injustiça... A precária não! 2ª) Qual o critério para essa “cura”? Tempo: 1 ano e 1 dia (art. 922, CPC/1973; e art. 558 do CPC/2015). Há quem entenda que o critério deve ser a função social. 3ª) Quem tem posse injusta não tem ação possessória contra o possuidor justo, mas tem contra terceiro. Quem tem posse injusta não pode adquirir o bem por usucapião. CC, art. 1208: “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.” CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput , será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.”
  • 12. 3. Classificação quanto aos vícios subjetivos ou quanto à boa-fé (art. 1.201, CC) A boa-fé mencionada no art. 1.201 do Código Civil é subjetiva, pelo menos em regra – intencional (estado psicológico). a) Posse de boa-fé: o possuidor ignora obstáculo para a aquisição da propriedade (boa-fé real) ou tem um justo título (boa-fé presumida). ✓ As expressões “boa-fé real” e “boa-fé presumida” foram criadas por Orlando Gomes. CC, art. 1.201: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.”
  • 13. Justo título Segundo Caio Mário da Silva Pereira, justo título é uma causa representativa que tenha fundamento no ordenamento jurídico. Pode ser documentado ou não. Exemplo: um contrato válido e eficaz é justo título (locação, comodato, depósito e compromisso de compra e venda de imóvel registrado ou não na matrícula - CRI). Enunciado 302, IV Jornada de Direito Civil – é justo título, o ato capaz de transmitir a posse “ad usucapionem”, observado o disposto no art. 113, CC, o qual trata da boa-fé objetiva. ✓ O justo título traz uma presunção relativa ou iuris tantum da boa-fé (presunção que admite prova em contrário). Enunciado 303, IV Jornada de Direito Civil – O justo título pode ser materializado em instrumento público ou particular. Exemplo: escritura pública.
  • 14. Enunciado 302, IV JDC: “Pode ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no art. 113 do Código Civil.” CC, art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” Enunciado 303, IV JDC: “Considera-se justo título, para a presunção relativa da boa-fé do possuidor, o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse.”
  • 15. b) Posse de má-fé: o possuidor não ignora obstáculo para a aquisição da propriedade e não tem o justo título. Exemplo: o invasor do imóvel tem posse injusta e de má-fé. Em regra, a posse justa equivale à posse de boa-fé e a posse injusta equivale à posse de má-fé (mas não necessariamente). Exceção: a posse pode ser injusta e de boa-fé. Exemplo: um bem é roubado e é vendido no dia seguinte para um terceiro que ignora o roubo. A posse desse terceiro é injusta e de boa-fé (Orlando Gomes). Observação: esta classificação não se confunde com a anterior, pois, na anterior, os vícios são objetivos (justa ou injusta); aqui os vícios são subjetivos (boa e má-fé). Ademais, esta classificação gera efeitos para os frutos, as benfeitorias e responsabilidades pela coisa (por perda e deterioração da coisa).
  • 16. Artigos 1.214 a 1.220 do CC/2002 Frutos (saem) Benfeitorias (entram) Responsabilidades Posse de boa-fé (ex: locatário) Sim, com exceção dos frutos pendentes. Sim, tem direito às benfeitorias necessárias e às úteis (direito de indenização e retenção). Além disso, pode levantar as voluptuárias (as de mero luxo). *1 Somente responde por dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva). Posse de má-fé (ex: invasor) Não tem direito aos frutos e responde pelos que colheu e pelos que deixou de colher. Sim, tem direito apenas às benfeitorias necessárias (somente direito à indenização). Responde pela coisa até por fato acidental (caso fortuito ou força maior). Tabela importante
  • 17. *1 – Possuidor de boa-fé e benfeitorias: segundo a doutrina e a jurisprudência, aplicam-se as mesmas regras das benfeitorias para as acessões (construções e plantações). Nesse sentido: Enunciado 81, I Jornada de Direito Civil e REsp 1.316.895/SP. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. DIREITO DE RETENÇÃO POR ACESSÃO E BENFEITORIAS. CONTRATO DE COMODATO MODAL. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VALIDADE. 1. A teor do artigo 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis e, por semelhança, das acessões, sob pena de enriquecimento ilícito, salvo se houver estipulação em contrário. 2. No caso em apreço, há previsão contratual de que a comodatária abre mão do direito de ressarcimento ou retenção pela acessão e benfeitorias, não tendo as instâncias de cognição plena vislumbrado nenhum vício na vontade apto a afastar as cláusulas contratuais insertas na avença. 3. A atribuição de encargo ao comodatário, consistente na construção de casa de alvenaria, a fim de evitar a "favelização" do local, não desnatura o contrato de comodato modal. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1.316.895/SP. Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira ?Turma, julgado em 11/06/2013, DJe 28/06/2013). Enunciado 81, I JDC: “O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.”
  • 18. ✓ O locatário é possuidor de boa-fé, sendo comum, por força do contrato, a cláusula de renúncia ao direito de indenização por benfeitorias necessárias e úteis. Nesse sentido, tem-se o art. 35 da Lei de Locação (Lei 8.245/1991). Confirmando tal possibilidade, há a Súmula 335, STJ, a qual prevê que é válida a cláusula que versa sobre a renúncia ao direito de indenização por benfeitorias, sem qualquer ressalva para os contratos de adesão. O Enunciado 433, V Jornada de Direito Civil, aplicando o art. 424 do CC, prevê que é nula a cláusula de renúncia à indenização e de retenção por benfeitorias necessárias, quando inseridas em contrato de adesão. Esse enunciado tem grande prestígio doutrinário, mas não tem sido aplicado pela jurisprudência.
  • 19. Lei 8.245/91, art. 35: “Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.” Súmula 335, STJ: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.” Enunciado 433, V JDC: “A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão.” CC, art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
  • 20. 4. Quanto à presença de título Esta classificação não tem previsão no Código Civil. a) Posse com título – utiliza-se o termo “ius possidendi” – posse titulada. Exemplo: posse fundada em contrato válido e eficaz. b) Posse sem título - utiliza-se o termo “ius possessionis” – posse autônoma, sem título ou posse natural. Exemplo: achado de um tesouro.
  • 21. ✓ Posse como ato-fato jurídico. Três regras quanto ao achado do tesouro (arts.1.264 e 1.265, CC): 1. Achei no meu terreno: é meu. 2. Achei no do outro, de boa-fé: meio a meio. 3. Achei no de outro, de má-fé: é do outro (dono do terreno). CC, arts. 1.264 e 1.265: “Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente. Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.”
  • 22. 5 . Quanto ao tempo (art. 558, CPC). a) Posse nova: menos de 1 ano e 1 dia; b) Posse velha: pelo menos 1 ano e 1 dia. Sigo o critério de tempo adotado por Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves: até um ano, a posse é nova. A partir de um ano e um dia, a posse é velha. Há quem entenda que a posse velha é aquela com mais de um ano e um dia (Caio Mário). ✓ Observação: o prazo de 1 ano e 1 dia tem origem nas questões relativas à colheita (“virada de lua”). CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.”
  • 23. Questão processual: É preciso verificar a data da ameaça, da turbação ou do esbulho. Se forem: ➢ Novos (menos de 1 ano e 1 dia): caberá a ação de força nova. A ação segue o rito especial e cabe liminar. ➢ Velhos (pelo menos 1 ano e 1 dia): caberá a ação de força velha. A ação não tem rito especial, seguindo o procedimento comum. Não cabe liminar. Eventualmente, caberá tutela provisória (art. 300 a 311, CPC).
  • 24. 2.6. Quanto aos efeitos (art. 1.210, CC) a) Posse ad usucapionem – possibilita a aquisição da propriedade por usucapião, desde que preenchidos determinados requisitos (posse qualificada- exceção no sistema jurídico). b) Posse ad interdicta – possibilita o ingresso dos interditos possessórios (ações possessórias diretas). Existem três situações determinadas, que geram três ações, havendo fungibilidade total entre elas (art. 554, caput, CPC): 1. Na ameaça, a ação cabível é o interdito proibitório. 2. Na turbação (atentado momentâneo), é cabível a ação de manutenção da posse. 3. No esbulho (atentado definitivo), a ação cabível é a reintegração da posse. O esbulho pode ser invasão total ou parcial.
  • 25. CC, art. 1.210: “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.” CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput , será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.” CPC, art. 554, caput: “A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados. (...).” Atenção: a invasão parcial de um imóvel caracteriza esbulho e não turbação (art. 1.210, §1º, CC).
  • 26. ➢ Além dessas ações judiciais, existem mecanismos de autotutela civil: 1. Legítima defesa da posse: cabe em casos de ameaça ou turbação. 2. Desforço imediato: cabe nos casos de esbulho. A defesa deve ser proporcional, razoável e imediata (incontinenti). É possível o uso de prepostos pelo possuidor. Além disso, o detentor pode, no interesse do possuidor, fazer uso dos mecanismos de autotutela ou autodefesa da posse. Assim sendo, aquele que exerce detenção também pode usar esses mecanismos de autotutela (Enunciado 493, V Jornada de Direito Civil). Exemplo: o caseiro de uma fazenda pode fazer uso desses mecanismos. Enunciado 493, V JDC: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder.”