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Flávio TARTUCE
Direito das Coisas.
SEJAM BEM-VINDOS ao Módulo VI
Direito das Coisas.
Professor: Flávio Tartuce.
Da Propriedade: conceito, características e função
social.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Propriedade (art. 1.228 a 1.510 do CC)
1. Conceito de propriedade e seus atributos.
A propriedade é a relação de domínio jurídico que uma pessoa exerce sobre uma coisa.
Trata-se de um direito subjetivo e fundamental, condicionado à sua função social, conforme art. 5º, incs. XXII
e XXIII, CF/1988 .
A propriedade é o direito real por excelência (art. 1.225, inc. I do CC ).
Quanto ao seu conteúdo, a propriedade é relacionada aos quatro atributos previstos no art. 1.228 do CC :
1. Gozar;
2. Reaver a coisa de quem injustamente a possua ou detenha;
3. Usar;
4. Dispor da coisa.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Tais atributos, em regra e pelo que consta no CC/2002, são faculdades jurídicas. No CC/1916, entretanto,
eram direitos. Por que houve essa mudança?
Houve um claro intuito de abrandamento da propriedade, como bem apontado por Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald. Somente o atributo de reaver continua sendo um direito.
"O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha" (art. 1.228 do Código Civil).
Direito subjetivo
Propriedade
• Faculdade de gozar.
• Faculdade de usar.
• Faculdade de dispor.
• Direito de reaver.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Propriedade como um copo com 4 camadas: cada camada seria um atributo da propriedade (o
esquema do GRUD):
Gozar/ fruir
Reaver/buscar
Usar/utilizar
Dispor/alienar
____________
Propriedade plena
ou alodial.
Direito das Coisas.
Módulo VI
- Se a pessoa tem todos os atributos, terá propriedade plena ou alodial (G+R+U+D)
- Se a pessoa tem alguns dos atributos, tem propriedade restrita ou limitada.
- Se a pessoa tem um dos atributos apenas, terá a posse (art. 1.196 do CC).
Direito das Coisas.
Módulo VI
2. Estudo específico dos atributos da propriedade (domínio jurídico).
a) Faculdade de gozar ou fruir (antigo ius fruendi) – faculdade de retirar os frutos do bem principal.
Os frutos, ainda quando separados, pertencem, em regra, ao proprietário do bem principal (art. 1.232,CC).
Quanto à origem, os frutos podem ser de 3 tipos:
- Naturais - decorrem da essência do bem (frutas).
- Industriais - decorrem da atividade humana (cimento de uma fábrica).
- Civis – rendimentos privados (juros de capital, dividendos de ações, aluguéis de imóvel).
Atenção: a locação de um imóvel é ius fruendi e não ius disponendi (locar é fruir e não dispor).
Direito das Coisas.
Módulo VI
b) Direito de reaver ou buscar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha (ius vindicandi): esse
direito é exercido por meio das ações petitórias, fundadas na propriedade. Exemplo: a ação
reivindicatória (rei vindicatio).
As ações petitórias não se confundem com as ações possessórias. As ações petitórias discutem a
propriedade e as ações possessórias discutem a posse.
✓ O art. 1.210, §2º, CC, baniu a exceptio proprietatis. Estabeleceu a separação entre os juízos
possessório e petitório (Enunciado 79 da I Jornada de Direito Civil).
✓ No mesmo sentido, há o art. 557 do CPC (equivale ao art. 923 do CPC/1973):
CPC, art. 557: “Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação
de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.
Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à coisa.”
Direito das Coisas.
Módulo VI
Mitigando essa separação e admitindo o debate de propriedade dentro da ação possessória (“melhor
posse”), ver STJ, EREsp 1.134.446/MT: “O art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015), ao proibir, na
pendência de demanda possessória, a propositura de ação de reconhecimento do domínio, apenas
pode ser compreendido como uma forma de se manter restrito o objeto da demanda possessória ao exame
da posse, não permitindo que se amplie o objeto da possessória para o fim de se obter sentença
declaratória a respeito de quem seja o titular do domínio. 6. A vedação constante do art. 923 do CPC/73
(atual art. 557 do CPC/2015), contudo, não alcança a hipótese em que o proprietário alega a titularidade do
domínio apenas como fundamento para pleitear a tutela possessória. Conclusão em sentido contrário
importaria chancelar eventual fraude processual e negar tutela jurisdicional a direito fundamental” (...).
Direito das Coisas.
Módulo VI
“7. Titularizar o domínio, de qualquer sorte, não induz necessariamente êxito na demanda possessória.
Art. 1.210, parágrafo 2º, do CC/2002. A tutela possessória deverá ser deferida a quem ostente melhor posse,
que poderá ser não o proprietário, mas o cessionário, arrendatário, locatário, depositário, etc. 8. A alegação de
domínio, embora não garanta por si só a obtenção de tutela possessória, pode ser formulada incidentalmente com
o fim de se obter tutela possessória. 9. Embargos de divergência providos, para o fim de admitir a oposição
apresentada pela União e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que aprecie o mérito da
oposição.” (STJ, EREsp. 1.134.446/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, julgado em 21/03/2018, DJe
04/04/18).
Desse julgado, surgiu a Súmula 637 do STJ: “O ente público detém legitimidade e interesse para intervir,
incidentalmente, na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria defensiva, inclusive, se
for o caso, o domínio.”
Direito das Coisas.
Módulo VI
Sobre a ação reivindicatória, vejamos suas principais características (segundo Casal Nery):
- É uma ação real que tem como fundamento a propriedade (domínio jurídico).
- A sua finalidade é a restituição da coisa.
- Os requisitos são a prova da propriedade e do seu molestamento.
- Segue o procedimento comum.
- Trata-se de uma ação imprescritível, segundo a posição do STJ.
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.IMPRESCRITIBILIDADE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO
OCORRENTE. VERBETE Nº 83 DA SÚMULA DO STJ. Pacífica a jurisprudência do STJ no mesmo sentido do acórdão recorrido,
incide o óbice do verbete n. 83 da Súmula desta Corte. Agravo improvido".(STJ - AgRg no Ag. 569.220/RJ, Rel. Ministro CÉSAR
ASFOR ROCHA, julgado em 08/06/2004, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 04/10/2004, p. 315). "PROCESSUAL CIVIL -
AÇÃO REIVINDICATÓRIA - MATÉRIA DE PROVA - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. I - SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA, A
AÇÃO REIVINDICATÓRIA É IMPRESCRITÍVEL, ADMITINDO-SE, PORÉM, QUE O POSSUIDOR, QUANDO PRESENTES OS
PRESSUPOSTOS DA USUCAPIÃO, ALEGUE ESTE CONTRA O PROPRIETÁRIO PARA ELIDIR O PEDIDO. II - MATÉRIA DE PROVA NÃO
SE REEXAMINA EM ESPECIAL (SÚMULA N. 07 - STJ). III - E DA JURISPRUDÊNCIA QUE SÓ COM A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DE
OUTREM E QUE O ANTIGO TITULAR DO DOMÍNIO VEM A PERDER O SEU DOMÍNIO. IV - RECURSO NÃO CONHECIDO" (STJ - REsp:
49.203/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, julgado em 08/11/1994, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ
08.05.1995, p. 12388).
Direito das Coisas.
Módulo VI
c) Faculdade de usar ou utilizar a coisa (antigo ius utendi): em regra, inclui o subsolo e o espaço aéreo
(arts. 1.229 e 1.230, CC).
O art. 1.230 do CC traz ressalvas: jazidas, minas, recursos minerais, potenciais de energia hidráulica,
sítios arqueológicos entre outros. “A propriedade vai do céu ao inferno.” Esta faculdade tem fortes
limitações:
- Na CF/88 (função social e socioambiental da propriedade);
- Na Legislação Administrativa (ex. Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001); e
-No Código Civil de 2002:
Exemplo 1: abuso no exercício da propriedade – ato emulativo (aemulatio)- CC, art. 1.228, §2º .
Exemplo 2: art. 1.277, CC - Regras quanto ao direito de vizinhança e o uso anormal da propriedade.
O art. 1.277 do CC trata da chamada regra dos 3 S, que forma os seus três parâmetros: Saúde; Sossego;
e Segurança.
Atenção: prédios vizinhos são os que se relacionam. Não são, necessariamente, os prédios contíguos
(que estão um ao lado do outro).
Direito das Coisas.
Módulo VI
d) Faculdade de dispor ou alienar (antigo ius disponendi)
Atos de alienação: vender, doar, empenhar, hipotecar, celebrar compromisso de compra
e venda, testar.
Reitere-se que locar um bem não é dispor!
PONTO IMPORTANTE A SER RELEMBRADO: os atributos da propriedade podem ser
distribuídos entre pessoas distintas. É o que ocorre na propriedade restrita ou limitada –
Direitos reais sobre coisa alheia, especialmente, nos direitos reais de gozo ou fruição.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Vejamos o usufruto no esquema abaixo:
Usufrutuário Nu-proprietário
Gozar/fruir
Usufruir/utilizar
Domínio útil
(atributos diretos)
Reaver/buscar
Dispor/alienar
“Despido” do domínio útil.
U
G R
D
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Módulo VI
- O nu-proprietário pode locar o imóvel em usufruto? Não, somente o usufrutuário pode, pois é quem tem o
atributo G.
- O usufrutuário pode vender o imóvel em usufruto? Não, somente o nu-proprietário pode, pois é quem tem o
atributo D (dispor).
- O nu-proprietário pode usar o imóvel em usufruto? Pelo usufruto não, pois ele não tem o atributo de usar. Porém,
o usufrutuário pode lhe ceder esse atributo por locação, comodato...
- Quem pode ingressar com ação possessória do bem? Os dois, tanto o usufrutuário quanto o nu-proprietário, pois
os dois têm posse.
- Quem pode ingressar com ação reivindicatória? Pelo esquema acima, somente o nu-proprietário, pois tem o
atributo “R”. Porém, o STJ tem entendido que o usufrutuário vitalício também tem essa legitimidade. Ver os
julgados a seguir:
Direito das Coisas.
Módulo VI
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PETITÓRIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUFRUTO. DIREITO REAL
LIMITADO. USUFRUTUÁRIO. LEGITIMIDADE E INTERESSE. 1. Cuida-se que ação denominada
'petitória-reivindicatória' proposta por usufrutuário, na qual busca garantir o seu direito de
usufruto vitalício sobre o imóvel. 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o usufrutuário tem
legitimidade/interesse para propor ação petitória/reivindicatória para fazer prevalecer o seu
direito de usufruto sobre o bem. 3. O usufrutuário - na condição de possuidor direto do bem -
pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário) e - na
condição de titular de um direito real limitado (usufruto) - também tem legitimidade/interesse
para a propositura de ações de caráter petitório, tal como a reivindicatória, contra o nu-
proprietário ou contra terceiros. 4. Recurso especial provido" (STJ, REsp 1.202.843/PR, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe
28/10/2014).
Direito das Coisas.
Módulo VI
"ADMINISTRATIVO E CIVIL. IMÓVEL RURAL OBJETO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE
REFORMA AGRÁRIA. USUFRUTUÁRIO VITALÍCIO. DIREITO REAL. PRESENÇA DE LEGITIMIDADE E
INTERESSE PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRODUTIVIDADE. 1. O cerne da
questão é a legitimidade de usufrutuário vitalício de imóvel desapropriando propor ações que
tenham como objeto a defesa da propriedade. 2. O usufrutuário, enquanto possuidor direto do
bem, pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário) e,
enquanto titular de um direito real limitado (usufruto), também tem legitimidade/interesse
para o ajuizamento de ações de caráter petitório (tal como a reivindicatória) contra o nu-
proprietário ou contra terceiros. Precedente: REsp 1.202.843/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 28/10/2014. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no
REsp 1.291.197/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
12/05/2015, DJe 19/05/2015).
Direito das Coisas.
Módulo VI
3. Principais características do direito de propriedade (Maria Helena Diniz).
a) Direito absoluto – não prevalece sob qualquer direito, mas é um direito absoluto no sentido de ter uma eficácia
erga omnes (contra todos).
b) Direito exclusivo – em regra. É presunção relativa ou iuris tantum. O art. 1.231 do Código Civil prevê que a
propriedade se presume plena e exclusiva até prova em contrário. Exceção: nos casos de condomínio ou
copropriedade.
c) Direito perpétuo – a propriedade tem solução de continuidade até que ocorra um fato modificativo ou extintivo.
Exceção: Propriedade resolúvel ou ad tempus – aquela que depende de condição ou termo.
d) Direito elástico (Definição trazida por Orlando Gomes) – a propriedade pode ser distendida ou contraída de
acordo com os seus atributos. Na propriedade plena, há a máxima elasticidade. No usufruto, no uso e na
habitação, vai-se diminuindo sua elasticidade.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Propriedade Usufruto Uso Habitação
plena
Direito das Coisas.
Módulo VI
e) Direito complexo – é complexo por seu conceito de difícil visualização e por seus atributos.
f) Direito fundamental – previsto na CF/1988, no art. 5º, incisos XXII e XIII . Deve ser ponderada
com outros direitos fundamentais, utilizando-se a técnica da ponderação de Robert Alexy, a qual
foi adotada pelo CPC no art. 489, § 2º, CPC/2015.
CPC/2015, art. 489 § 2o: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os
critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na
norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão".
Direito das Coisas.
Módulo VI
4. Função social e socioambiental da propriedade (art. 5º, XXIII, CF; art. 186, CF; art. 170, CF;
art. 225, CF; art. 1228, § 1º, CC).
Definição de Orlando Gomes – a palavra "função" quer dizer finalidade. A palavra "social” tem o sentido de
coletivo. Assim sendo, a propriedade tem uma finalidade coletiva.
- Leon Duguit (jurista francês) – Nasceu em 1859 e morreu em 1928. Adotou a ideia de que “a propriedade é
função social”, ou seja, a propriedade deve atender, ao mesmo tempo, aos interesses do seus titulares e ao bem
estar social.
- Constituição Alemã de Weimar (1919) – foi a Constituição que adotou essa ideia e trouxe a concepção de que a
propriedade obriga (atual art. 14 da Constituição Alemã):
“Artigo 14 [Propriedade – Direito de sucessão – Expropriação]. (1) A propriedade e o direito de sucessão são
garantidos. Seus conteúdos e limites são definidos por lei. (2) A propriedade obriga. Seu uso deve servir, ao mesmo
tempo, ao bem comum. (3) Uma expropriação só é lícita quando efetuada para o bem comum. Pode ser efetuada
unicamente por lei ou em virtude de lei que estabeleça o modo e o montante da indenização. A indenização deve
ser fixada tendo em justa conta os interesses da comunidade e dos afetados. Quanto ao montante da indenização,
em caso de litígio, admite-se o recurso judicial perante os tribunais ordinários.”
Direito das Coisas.
Módulo VI
Professor José de Oliveira Ascensão: a função social da propriedade tem dupla intervenção:
1) Intervenção limitadora (ou negativa) – ela limita ou restringe o exercício.
2) Intervenção impulsionadora (ou positiva) – ela impõe condutas. Ideia de dar uma destinação
positiva à coisa (utilizar o bem para o bem).
Requisitos para função social da propriedade rural e urbana:
CF, art. 186: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".
Direito das Coisas.
Módulo VI
O artigo 186, CF, prevê requisitos para o atendimento da função social da propriedade rural. Segundo a
doutrina, esses parâmetros podem ser utilizados para a função social da propriedade urbana - Entendimento
de José Afonso da Silva e Gustavo Tepedino.
Portanto, são 4 os requisitos simultâneos para a função social:
1. Desenvolvimento sustentável;
2. Tutela do bem ambiental;
3. Proteção dos trabalhadores;
4. Bem-estar geral.
Não atendendo a um desses requisitos, a propriedade não cumpre a sua função social.
A sanção, no caso de descumprimento da função social da propriedade, é a desapropriação agrária (imóvel
rural – art. 184, CF ).
Contradição: o artigo 185, inc. II do CF afasta a desapropriação agrária de propriedade produtiva.
Luiz Edson Fachin, Paulo Lôbo, Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald, Gustavo Tepedino e Flávio Tartuce
defendem que cabe desapropriação agrária de propriedade produtiva que não atenda a função social.
Direito das Coisas.
Módulo VI
MS 22022.
Órgão julgador: Tribunal Pleno.
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 07/10/1994
Publicação: 04/11/1994
“A PROPRIEDADE PRODUTIVA INDEPENDENTEMENTE DE SUA EXTENSAO TERRITORIAL E DA CIRCUNSTANCIA
DE O SEU TITULAR SER, OU NÃO, PROPRIETARIO DE OUTRO IMÓVEL RURAL, REVELA-SE INTANGIVEL A AÇÃO
EXPROPRIATORIA DO PODER PÚBLICO EM TEMA DE REFORMA AGRARIA (CF, ART. 185, II), DESDE QUE
COMPROVADO, DE MODO INQUESTIONAVEL, PELO IMPETRANTE, O GRAU ADEQUADO E SUFICENTE DE
PRODUTIVIDADE FUNDIARIA. A CONTROVERSIA DOCUMENTAL EM TORNO DO INDICE DE PRODUTIVIDADE DO
IMÓVEL RURAL BASTA PARA DESCARACTERIZAR A NECESSARIA LIQUIDEZ DOS FATOS SUBJACENTES AO
DIREITO SUBJETIVO INVOCADO PELOS IMPETRANTES, TORNANDO IMPERTINENTE, POR AUSÊNCIA DE UM DE
SEUS REQUISITOS ESSENCIAIS, A UTILIZAÇÃO DA VIA PROCESSUAL DO MANDADO DE SEGURANÇA.
PRECEDENTES”.
Direito das Coisas.
Módulo VI
“É insuscetível de desapropriação a propriedade produtiva que, explorada econômica e racionalmente,
atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra (GUT) igual ou superior a 80% (oitenta por cento) e de
eficiência na exploração (GEE) igual ou superior a 100% (cem por cento), nos termos do art. 6º, §§ 1º e 2ª, da
Lei n. 8.629/1993 e à luz do disposto no art. 185 da CF. 5. Em relação ao GUT, os laudos judicial e
administrativo convergem quanto ao percentual de 100%, superior ao mínimo estabelecido na legislação de
regência, divergindo os experts somente em relação ao GEE, visto que o INCRA desconsiderou no seu cálculo
o projeto de bovinocultura de corte elaborado para a obtenção de financiamento, cujo objetivo seria a
reforma e formação de pastagens, bem como o número de equinos existentes na ocasião das vistorias,
encontrando o índice de 76,27%, enquanto o perito judicial computou tais animais na análise da
produtividade do imóvel, chegando ao percentual de 99,98%. 6. Incontroverso nos autos que, durante o
período em que foram elaborados os dois laudos técnicos, a região onde se localiza o imóvel passou por
longo período de estiagem, o que resultou inclusive na edição de Decretos de situação de emergência,
circunstância que, segundo o juiz sentenciante, dificultou a execução do cronograma do projeto de
recuperação de pastagem para bovinocultura de corte” (STJ; AREsp 1.391.146; Proc. 2018/0288634-3; RJ; Rel.
Min. Gurgel de Faria; DJE 09/08/2019)
Direito das Coisas.
Módulo VI
O principal julgado do STJ sobre a função social da propriedade é o caso da “Favela Pullman”– Resp
75.659/SP/2005. A ideia adotada foi de que quem não cumpre a função social não tem propriedade. Não
haveria sequer legitimidade dos adquirentes para ação reivindicatória. O STJ adotou o entendimento de que
houve abandono da área pelos proprietários. Confira a ementa:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA.
PERECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE FATO.
REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código
Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que
não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a
desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade
social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da mesma lei substantiva.
II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso
especial não conhecido" (STJ - REsp: 75.659 SP 1995/0049519-8, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, Data de Julgamento: 21/06/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 29/08/2005, p. 344)
Ver vídeo da entrevista do Des. José Osório de Azevedo Júnior para o Professor Alexandre Gomide sobre o
caso da favela Pullman: Link: https://www.youtube.com/watch?v=ehHpkkGDg_Q
Direito das Coisas.
Módulo VI
Voto do Des. José Osório. "No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma
ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração
jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se dotada de equipamentos urbanos.
Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os nove lotes reivindicados
residem 30 famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo
exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos,
comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel. (...). O atual direito
positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao proprietário pelo art.
524 do CC. A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se
concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva
paralelamente a ela. As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal. Ao mesmo tempo em que
manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III;
182, 2º; 184; 186; etc.). Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como,
por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder
de polícia da Administração. O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes
ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um
outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário”.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Função socioambiental da propriedade (art. 225 da CF e art. 1.228, §1º, CC ):
Dentro da função social da propriedade está a função socioambiental, envolvendo a tutela do
bem ambiental (art. 1.228, §1º, CC).
Quais são as principais concretizações da função socioambiental da propriedade? O STJ tem
entendido que o adquirente do imóvel deve fazer a sua recuperação ambiental, mesmo não
sendo o causador do dano.
Principal argumento: obrigação propter rem (própria da coisa). Entendimento consolidado pelo
STJ (Súmula 623). “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível
cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor” (STJ. 1ª
Seção. Aprovada em 12/12/2018, DJe 17/12/2018).
A ideia da existência de uma obrigação propter rem foi adotada pelo art. 2º, § 2°, Lei
12.651/2012 .
Direito das Coisas.
Módulo VI
5. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1228, parágrafos 4º e 5º do CC)
Trata-se de um instituto criado por Miguel Reale, sem previsão em qualquer outra codificação. CC, art. 1228 (...): "§
4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse
ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o
preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores".
Requisitos:
1. Ação reivindicatória proposta pelos proprietários;
2. Extensa área;
3. Ocupada por um considerável número de pessoas;
4. Posse ininterrupta e de boa-fé por mais de 5 anos;
5. Presença da posse-trabalho;
6. Pagamento de uma justa indenização devida ao proprietário.
Não se trata de usucapião, pois existe a justa indenização.
Direito das Coisas.
Módulo VI
Precedente importante do STJ sobre o instituto:
“Caso em que, ao tempo do julgamento do primeiro grau, a lide foi analisada à luz do disposto no art. 1.228, §§ 4º
e 5º, do CC/2002, que trata da desapropriação judicial, chamada também por alguns doutrinadores de
desapropriação por posse-trabalho ou de desapropriação judicial indireta, cujo instituto autoriza o
magistrado, sem intervenção prévia de outros Poderes, a declarar a perda do imóvel reivindicado pelo
particular em favor de considerável número de pessoas que, na posse ininterrupta de extensa área, por mais de
cinco anos, houverem realizado obras e serviços de interesse social e econômico relevante. 8. Os conceitos
abertos existentes no art. 1.228 do CC/2002 propiciam ao magistrado uma margem considerável de
discricionariedade ao analisar os requisitos para a aplicação do referido instituto, de modo que a inversão do
julgado, no ponto, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada no âmbito do
recurso especial, em face do óbice da Súmula 7 do STJ. (...). 11. O Município de Rio Branco, juntamente com o
Estado do Acre, constituem sujeitos passivos legítimos da indenização prevista no art. 1.228, § 5º, do CC/2002,
visto que os possuidores, por serem hipossuficientes, não podem arcar com o ressarcimento dos prejuízos
sofridos pelo proprietário do imóvel (ex vi do Enunciado 308 Conselho da Justiça Federal)” (STJ, REsp
1.442.440/AC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 07/12/2017, DJe 15/02/2018).
Direito das Coisas.
Módulo VI
Enunciados doutrinários importantes sobre o tema:
• Enunciado 82, I Jornada de Direito Civil: “É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º
do art. 1.228 do novo Código Civil.”
• Enunciado 83, I Jornada de Direito Civil: “Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as
disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil. (Alterado pelo Enunciado 304 – IV Jornada)”
Ressalva no enunciado 304 da IV Jornada de Direito Civil - bem público dominical.
• Enunciado 304, IV Jornada de Direito Civil: “São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações
reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que
concerne às demais classificações dos bens públicos.”
• Enunciado 84, I Jornada de Direito Civil: “A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º
e 5º, do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da
indenização.”
Ressalva no enunciado 308 da IV Jornada de Direito Civil– em se tratando de família de baixa renda, o pagamento da indenização
será feito pela Administração Pública.
• Enunciado 308, IV Jornada de Direito Civil: “A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art.
1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou
agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual.
Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.”
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  • 1. P r o f e s s o r Flávio TARTUCE Direito das Coisas.
  • 2. SEJAM BEM-VINDOS ao Módulo VI Direito das Coisas. Professor: Flávio Tartuce. Da Propriedade: conceito, características e função social.
  • 3. Direito das Coisas. Módulo VI Propriedade (art. 1.228 a 1.510 do CC) 1. Conceito de propriedade e seus atributos. A propriedade é a relação de domínio jurídico que uma pessoa exerce sobre uma coisa. Trata-se de um direito subjetivo e fundamental, condicionado à sua função social, conforme art. 5º, incs. XXII e XXIII, CF/1988 . A propriedade é o direito real por excelência (art. 1.225, inc. I do CC ). Quanto ao seu conteúdo, a propriedade é relacionada aos quatro atributos previstos no art. 1.228 do CC : 1. Gozar; 2. Reaver a coisa de quem injustamente a possua ou detenha; 3. Usar; 4. Dispor da coisa.
  • 4. Direito das Coisas. Módulo VI Tais atributos, em regra e pelo que consta no CC/2002, são faculdades jurídicas. No CC/1916, entretanto, eram direitos. Por que houve essa mudança? Houve um claro intuito de abrandamento da propriedade, como bem apontado por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Somente o atributo de reaver continua sendo um direito. "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" (art. 1.228 do Código Civil). Direito subjetivo Propriedade • Faculdade de gozar. • Faculdade de usar. • Faculdade de dispor. • Direito de reaver.
  • 5. Direito das Coisas. Módulo VI Propriedade como um copo com 4 camadas: cada camada seria um atributo da propriedade (o esquema do GRUD): Gozar/ fruir Reaver/buscar Usar/utilizar Dispor/alienar ____________ Propriedade plena ou alodial.
  • 6. Direito das Coisas. Módulo VI - Se a pessoa tem todos os atributos, terá propriedade plena ou alodial (G+R+U+D) - Se a pessoa tem alguns dos atributos, tem propriedade restrita ou limitada. - Se a pessoa tem um dos atributos apenas, terá a posse (art. 1.196 do CC).
  • 7. Direito das Coisas. Módulo VI 2. Estudo específico dos atributos da propriedade (domínio jurídico). a) Faculdade de gozar ou fruir (antigo ius fruendi) – faculdade de retirar os frutos do bem principal. Os frutos, ainda quando separados, pertencem, em regra, ao proprietário do bem principal (art. 1.232,CC). Quanto à origem, os frutos podem ser de 3 tipos: - Naturais - decorrem da essência do bem (frutas). - Industriais - decorrem da atividade humana (cimento de uma fábrica). - Civis – rendimentos privados (juros de capital, dividendos de ações, aluguéis de imóvel). Atenção: a locação de um imóvel é ius fruendi e não ius disponendi (locar é fruir e não dispor).
  • 8. Direito das Coisas. Módulo VI b) Direito de reaver ou buscar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha (ius vindicandi): esse direito é exercido por meio das ações petitórias, fundadas na propriedade. Exemplo: a ação reivindicatória (rei vindicatio). As ações petitórias não se confundem com as ações possessórias. As ações petitórias discutem a propriedade e as ações possessórias discutem a posse. ✓ O art. 1.210, §2º, CC, baniu a exceptio proprietatis. Estabeleceu a separação entre os juízos possessório e petitório (Enunciado 79 da I Jornada de Direito Civil). ✓ No mesmo sentido, há o art. 557 do CPC (equivale ao art. 923 do CPC/1973): CPC, art. 557: “Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa. Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à coisa.”
  • 9. Direito das Coisas. Módulo VI Mitigando essa separação e admitindo o debate de propriedade dentro da ação possessória (“melhor posse”), ver STJ, EREsp 1.134.446/MT: “O art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015), ao proibir, na pendência de demanda possessória, a propositura de ação de reconhecimento do domínio, apenas pode ser compreendido como uma forma de se manter restrito o objeto da demanda possessória ao exame da posse, não permitindo que se amplie o objeto da possessória para o fim de se obter sentença declaratória a respeito de quem seja o titular do domínio. 6. A vedação constante do art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015), contudo, não alcança a hipótese em que o proprietário alega a titularidade do domínio apenas como fundamento para pleitear a tutela possessória. Conclusão em sentido contrário importaria chancelar eventual fraude processual e negar tutela jurisdicional a direito fundamental” (...).
  • 10. Direito das Coisas. Módulo VI “7. Titularizar o domínio, de qualquer sorte, não induz necessariamente êxito na demanda possessória. Art. 1.210, parágrafo 2º, do CC/2002. A tutela possessória deverá ser deferida a quem ostente melhor posse, que poderá ser não o proprietário, mas o cessionário, arrendatário, locatário, depositário, etc. 8. A alegação de domínio, embora não garanta por si só a obtenção de tutela possessória, pode ser formulada incidentalmente com o fim de se obter tutela possessória. 9. Embargos de divergência providos, para o fim de admitir a oposição apresentada pela União e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que aprecie o mérito da oposição.” (STJ, EREsp. 1.134.446/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, julgado em 21/03/2018, DJe 04/04/18). Desse julgado, surgiu a Súmula 637 do STJ: “O ente público detém legitimidade e interesse para intervir, incidentalmente, na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria defensiva, inclusive, se for o caso, o domínio.”
  • 11. Direito das Coisas. Módulo VI Sobre a ação reivindicatória, vejamos suas principais características (segundo Casal Nery): - É uma ação real que tem como fundamento a propriedade (domínio jurídico). - A sua finalidade é a restituição da coisa. - Os requisitos são a prova da propriedade e do seu molestamento. - Segue o procedimento comum. - Trata-se de uma ação imprescritível, segundo a posição do STJ. "AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.IMPRESCRITIBILIDADE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO OCORRENTE. VERBETE Nº 83 DA SÚMULA DO STJ. Pacífica a jurisprudência do STJ no mesmo sentido do acórdão recorrido, incide o óbice do verbete n. 83 da Súmula desta Corte. Agravo improvido".(STJ - AgRg no Ag. 569.220/RJ, Rel. Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA, julgado em 08/06/2004, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 04/10/2004, p. 315). "PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - MATÉRIA DE PROVA - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. I - SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA, A AÇÃO REIVINDICATÓRIA É IMPRESCRITÍVEL, ADMITINDO-SE, PORÉM, QUE O POSSUIDOR, QUANDO PRESENTES OS PRESSUPOSTOS DA USUCAPIÃO, ALEGUE ESTE CONTRA O PROPRIETÁRIO PARA ELIDIR O PEDIDO. II - MATÉRIA DE PROVA NÃO SE REEXAMINA EM ESPECIAL (SÚMULA N. 07 - STJ). III - E DA JURISPRUDÊNCIA QUE SÓ COM A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DE OUTREM E QUE O ANTIGO TITULAR DO DOMÍNIO VEM A PERDER O SEU DOMÍNIO. IV - RECURSO NÃO CONHECIDO" (STJ - REsp: 49.203/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, julgado em 08/11/1994, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 08.05.1995, p. 12388).
  • 12. Direito das Coisas. Módulo VI c) Faculdade de usar ou utilizar a coisa (antigo ius utendi): em regra, inclui o subsolo e o espaço aéreo (arts. 1.229 e 1.230, CC). O art. 1.230 do CC traz ressalvas: jazidas, minas, recursos minerais, potenciais de energia hidráulica, sítios arqueológicos entre outros. “A propriedade vai do céu ao inferno.” Esta faculdade tem fortes limitações: - Na CF/88 (função social e socioambiental da propriedade); - Na Legislação Administrativa (ex. Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001); e -No Código Civil de 2002: Exemplo 1: abuso no exercício da propriedade – ato emulativo (aemulatio)- CC, art. 1.228, §2º . Exemplo 2: art. 1.277, CC - Regras quanto ao direito de vizinhança e o uso anormal da propriedade. O art. 1.277 do CC trata da chamada regra dos 3 S, que forma os seus três parâmetros: Saúde; Sossego; e Segurança. Atenção: prédios vizinhos são os que se relacionam. Não são, necessariamente, os prédios contíguos (que estão um ao lado do outro).
  • 13. Direito das Coisas. Módulo VI d) Faculdade de dispor ou alienar (antigo ius disponendi) Atos de alienação: vender, doar, empenhar, hipotecar, celebrar compromisso de compra e venda, testar. Reitere-se que locar um bem não é dispor! PONTO IMPORTANTE A SER RELEMBRADO: os atributos da propriedade podem ser distribuídos entre pessoas distintas. É o que ocorre na propriedade restrita ou limitada – Direitos reais sobre coisa alheia, especialmente, nos direitos reais de gozo ou fruição.
  • 14. Direito das Coisas. Módulo VI Vejamos o usufruto no esquema abaixo: Usufrutuário Nu-proprietário Gozar/fruir Usufruir/utilizar Domínio útil (atributos diretos) Reaver/buscar Dispor/alienar “Despido” do domínio útil. U G R D
  • 15. Direito das Coisas. Módulo VI - O nu-proprietário pode locar o imóvel em usufruto? Não, somente o usufrutuário pode, pois é quem tem o atributo G. - O usufrutuário pode vender o imóvel em usufruto? Não, somente o nu-proprietário pode, pois é quem tem o atributo D (dispor). - O nu-proprietário pode usar o imóvel em usufruto? Pelo usufruto não, pois ele não tem o atributo de usar. Porém, o usufrutuário pode lhe ceder esse atributo por locação, comodato... - Quem pode ingressar com ação possessória do bem? Os dois, tanto o usufrutuário quanto o nu-proprietário, pois os dois têm posse. - Quem pode ingressar com ação reivindicatória? Pelo esquema acima, somente o nu-proprietário, pois tem o atributo “R”. Porém, o STJ tem entendido que o usufrutuário vitalício também tem essa legitimidade. Ver os julgados a seguir:
  • 16. Direito das Coisas. Módulo VI "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PETITÓRIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUFRUTO. DIREITO REAL LIMITADO. USUFRUTUÁRIO. LEGITIMIDADE E INTERESSE. 1. Cuida-se que ação denominada 'petitória-reivindicatória' proposta por usufrutuário, na qual busca garantir o seu direito de usufruto vitalício sobre o imóvel. 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o usufrutuário tem legitimidade/interesse para propor ação petitória/reivindicatória para fazer prevalecer o seu direito de usufruto sobre o bem. 3. O usufrutuário - na condição de possuidor direto do bem - pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário) e - na condição de titular de um direito real limitado (usufruto) - também tem legitimidade/interesse para a propositura de ações de caráter petitório, tal como a reivindicatória, contra o nu- proprietário ou contra terceiros. 4. Recurso especial provido" (STJ, REsp 1.202.843/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 28/10/2014).
  • 17. Direito das Coisas. Módulo VI "ADMINISTRATIVO E CIVIL. IMÓVEL RURAL OBJETO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. USUFRUTUÁRIO VITALÍCIO. DIREITO REAL. PRESENÇA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRODUTIVIDADE. 1. O cerne da questão é a legitimidade de usufrutuário vitalício de imóvel desapropriando propor ações que tenham como objeto a defesa da propriedade. 2. O usufrutuário, enquanto possuidor direto do bem, pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário) e, enquanto titular de um direito real limitado (usufruto), também tem legitimidade/interesse para o ajuizamento de ações de caráter petitório (tal como a reivindicatória) contra o nu- proprietário ou contra terceiros. Precedente: REsp 1.202.843/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 28/10/2014. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.291.197/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 19/05/2015).
  • 18. Direito das Coisas. Módulo VI 3. Principais características do direito de propriedade (Maria Helena Diniz). a) Direito absoluto – não prevalece sob qualquer direito, mas é um direito absoluto no sentido de ter uma eficácia erga omnes (contra todos). b) Direito exclusivo – em regra. É presunção relativa ou iuris tantum. O art. 1.231 do Código Civil prevê que a propriedade se presume plena e exclusiva até prova em contrário. Exceção: nos casos de condomínio ou copropriedade. c) Direito perpétuo – a propriedade tem solução de continuidade até que ocorra um fato modificativo ou extintivo. Exceção: Propriedade resolúvel ou ad tempus – aquela que depende de condição ou termo. d) Direito elástico (Definição trazida por Orlando Gomes) – a propriedade pode ser distendida ou contraída de acordo com os seus atributos. Na propriedade plena, há a máxima elasticidade. No usufruto, no uso e na habitação, vai-se diminuindo sua elasticidade.
  • 19. Direito das Coisas. Módulo VI Propriedade Usufruto Uso Habitação plena
  • 20. Direito das Coisas. Módulo VI e) Direito complexo – é complexo por seu conceito de difícil visualização e por seus atributos. f) Direito fundamental – previsto na CF/1988, no art. 5º, incisos XXII e XIII . Deve ser ponderada com outros direitos fundamentais, utilizando-se a técnica da ponderação de Robert Alexy, a qual foi adotada pelo CPC no art. 489, § 2º, CPC/2015. CPC/2015, art. 489 § 2o: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão".
  • 21. Direito das Coisas. Módulo VI 4. Função social e socioambiental da propriedade (art. 5º, XXIII, CF; art. 186, CF; art. 170, CF; art. 225, CF; art. 1228, § 1º, CC). Definição de Orlando Gomes – a palavra "função" quer dizer finalidade. A palavra "social” tem o sentido de coletivo. Assim sendo, a propriedade tem uma finalidade coletiva. - Leon Duguit (jurista francês) – Nasceu em 1859 e morreu em 1928. Adotou a ideia de que “a propriedade é função social”, ou seja, a propriedade deve atender, ao mesmo tempo, aos interesses do seus titulares e ao bem estar social. - Constituição Alemã de Weimar (1919) – foi a Constituição que adotou essa ideia e trouxe a concepção de que a propriedade obriga (atual art. 14 da Constituição Alemã): “Artigo 14 [Propriedade – Direito de sucessão – Expropriação]. (1) A propriedade e o direito de sucessão são garantidos. Seus conteúdos e limites são definidos por lei. (2) A propriedade obriga. Seu uso deve servir, ao mesmo tempo, ao bem comum. (3) Uma expropriação só é lícita quando efetuada para o bem comum. Pode ser efetuada unicamente por lei ou em virtude de lei que estabeleça o modo e o montante da indenização. A indenização deve ser fixada tendo em justa conta os interesses da comunidade e dos afetados. Quanto ao montante da indenização, em caso de litígio, admite-se o recurso judicial perante os tribunais ordinários.”
  • 22. Direito das Coisas. Módulo VI Professor José de Oliveira Ascensão: a função social da propriedade tem dupla intervenção: 1) Intervenção limitadora (ou negativa) – ela limita ou restringe o exercício. 2) Intervenção impulsionadora (ou positiva) – ela impõe condutas. Ideia de dar uma destinação positiva à coisa (utilizar o bem para o bem). Requisitos para função social da propriedade rural e urbana: CF, art. 186: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".
  • 23. Direito das Coisas. Módulo VI O artigo 186, CF, prevê requisitos para o atendimento da função social da propriedade rural. Segundo a doutrina, esses parâmetros podem ser utilizados para a função social da propriedade urbana - Entendimento de José Afonso da Silva e Gustavo Tepedino. Portanto, são 4 os requisitos simultâneos para a função social: 1. Desenvolvimento sustentável; 2. Tutela do bem ambiental; 3. Proteção dos trabalhadores; 4. Bem-estar geral. Não atendendo a um desses requisitos, a propriedade não cumpre a sua função social. A sanção, no caso de descumprimento da função social da propriedade, é a desapropriação agrária (imóvel rural – art. 184, CF ). Contradição: o artigo 185, inc. II do CF afasta a desapropriação agrária de propriedade produtiva. Luiz Edson Fachin, Paulo Lôbo, Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald, Gustavo Tepedino e Flávio Tartuce defendem que cabe desapropriação agrária de propriedade produtiva que não atenda a função social.
  • 24. Direito das Coisas. Módulo VI MS 22022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 07/10/1994 Publicação: 04/11/1994 “A PROPRIEDADE PRODUTIVA INDEPENDENTEMENTE DE SUA EXTENSAO TERRITORIAL E DA CIRCUNSTANCIA DE O SEU TITULAR SER, OU NÃO, PROPRIETARIO DE OUTRO IMÓVEL RURAL, REVELA-SE INTANGIVEL A AÇÃO EXPROPRIATORIA DO PODER PÚBLICO EM TEMA DE REFORMA AGRARIA (CF, ART. 185, II), DESDE QUE COMPROVADO, DE MODO INQUESTIONAVEL, PELO IMPETRANTE, O GRAU ADEQUADO E SUFICENTE DE PRODUTIVIDADE FUNDIARIA. A CONTROVERSIA DOCUMENTAL EM TORNO DO INDICE DE PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL BASTA PARA DESCARACTERIZAR A NECESSARIA LIQUIDEZ DOS FATOS SUBJACENTES AO DIREITO SUBJETIVO INVOCADO PELOS IMPETRANTES, TORNANDO IMPERTINENTE, POR AUSÊNCIA DE UM DE SEUS REQUISITOS ESSENCIAIS, A UTILIZAÇÃO DA VIA PROCESSUAL DO MANDADO DE SEGURANÇA. PRECEDENTES”.
  • 25. Direito das Coisas. Módulo VI “É insuscetível de desapropriação a propriedade produtiva que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra (GUT) igual ou superior a 80% (oitenta por cento) e de eficiência na exploração (GEE) igual ou superior a 100% (cem por cento), nos termos do art. 6º, §§ 1º e 2ª, da Lei n. 8.629/1993 e à luz do disposto no art. 185 da CF. 5. Em relação ao GUT, os laudos judicial e administrativo convergem quanto ao percentual de 100%, superior ao mínimo estabelecido na legislação de regência, divergindo os experts somente em relação ao GEE, visto que o INCRA desconsiderou no seu cálculo o projeto de bovinocultura de corte elaborado para a obtenção de financiamento, cujo objetivo seria a reforma e formação de pastagens, bem como o número de equinos existentes na ocasião das vistorias, encontrando o índice de 76,27%, enquanto o perito judicial computou tais animais na análise da produtividade do imóvel, chegando ao percentual de 99,98%. 6. Incontroverso nos autos que, durante o período em que foram elaborados os dois laudos técnicos, a região onde se localiza o imóvel passou por longo período de estiagem, o que resultou inclusive na edição de Decretos de situação de emergência, circunstância que, segundo o juiz sentenciante, dificultou a execução do cronograma do projeto de recuperação de pastagem para bovinocultura de corte” (STJ; AREsp 1.391.146; Proc. 2018/0288634-3; RJ; Rel. Min. Gurgel de Faria; DJE 09/08/2019)
  • 26. Direito das Coisas. Módulo VI O principal julgado do STJ sobre a função social da propriedade é o caso da “Favela Pullman”– Resp 75.659/SP/2005. A ideia adotada foi de que quem não cumpre a função social não tem propriedade. Não haveria sequer legitimidade dos adquirentes para ação reivindicatória. O STJ adotou o entendimento de que houve abandono da área pelos proprietários. Confira a ementa: “CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA. PERECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da mesma lei substantiva. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido" (STJ - REsp: 75.659 SP 1995/0049519-8, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 21/06/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 29/08/2005, p. 344) Ver vídeo da entrevista do Des. José Osório de Azevedo Júnior para o Professor Alexandre Gomide sobre o caso da favela Pullman: Link: https://www.youtube.com/watch?v=ehHpkkGDg_Q
  • 27. Direito das Coisas. Módulo VI Voto do Des. José Osório. "No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os nove lotes reivindicados residem 30 famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos, comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel. (...). O atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao proprietário pelo art. 524 do CC. A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva paralelamente a ela. As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal. Ao mesmo tempo em que manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; 186; etc.). Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração. O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário”.
  • 28. Direito das Coisas. Módulo VI Função socioambiental da propriedade (art. 225 da CF e art. 1.228, §1º, CC ): Dentro da função social da propriedade está a função socioambiental, envolvendo a tutela do bem ambiental (art. 1.228, §1º, CC). Quais são as principais concretizações da função socioambiental da propriedade? O STJ tem entendido que o adquirente do imóvel deve fazer a sua recuperação ambiental, mesmo não sendo o causador do dano. Principal argumento: obrigação propter rem (própria da coisa). Entendimento consolidado pelo STJ (Súmula 623). “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor” (STJ. 1ª Seção. Aprovada em 12/12/2018, DJe 17/12/2018). A ideia da existência de uma obrigação propter rem foi adotada pelo art. 2º, § 2°, Lei 12.651/2012 .
  • 29. Direito das Coisas. Módulo VI 5. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1228, parágrafos 4º e 5º do CC) Trata-se de um instituto criado por Miguel Reale, sem previsão em qualquer outra codificação. CC, art. 1228 (...): "§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores". Requisitos: 1. Ação reivindicatória proposta pelos proprietários; 2. Extensa área; 3. Ocupada por um considerável número de pessoas; 4. Posse ininterrupta e de boa-fé por mais de 5 anos; 5. Presença da posse-trabalho; 6. Pagamento de uma justa indenização devida ao proprietário. Não se trata de usucapião, pois existe a justa indenização.
  • 30. Direito das Coisas. Módulo VI Precedente importante do STJ sobre o instituto: “Caso em que, ao tempo do julgamento do primeiro grau, a lide foi analisada à luz do disposto no art. 1.228, §§ 4º e 5º, do CC/2002, que trata da desapropriação judicial, chamada também por alguns doutrinadores de desapropriação por posse-trabalho ou de desapropriação judicial indireta, cujo instituto autoriza o magistrado, sem intervenção prévia de outros Poderes, a declarar a perda do imóvel reivindicado pelo particular em favor de considerável número de pessoas que, na posse ininterrupta de extensa área, por mais de cinco anos, houverem realizado obras e serviços de interesse social e econômico relevante. 8. Os conceitos abertos existentes no art. 1.228 do CC/2002 propiciam ao magistrado uma margem considerável de discricionariedade ao analisar os requisitos para a aplicação do referido instituto, de modo que a inversão do julgado, no ponto, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada no âmbito do recurso especial, em face do óbice da Súmula 7 do STJ. (...). 11. O Município de Rio Branco, juntamente com o Estado do Acre, constituem sujeitos passivos legítimos da indenização prevista no art. 1.228, § 5º, do CC/2002, visto que os possuidores, por serem hipossuficientes, não podem arcar com o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel (ex vi do Enunciado 308 Conselho da Justiça Federal)” (STJ, REsp 1.442.440/AC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 07/12/2017, DJe 15/02/2018).
  • 31. Direito das Coisas. Módulo VI Enunciados doutrinários importantes sobre o tema: • Enunciado 82, I Jornada de Direito Civil: “É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.” • Enunciado 83, I Jornada de Direito Civil: “Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil. (Alterado pelo Enunciado 304 – IV Jornada)” Ressalva no enunciado 304 da IV Jornada de Direito Civil - bem público dominical. • Enunciado 304, IV Jornada de Direito Civil: “São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.” • Enunciado 84, I Jornada de Direito Civil: “A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização.” Ressalva no enunciado 308 da IV Jornada de Direito Civil– em se tratando de família de baixa renda, o pagamento da indenização será feito pela Administração Pública. • Enunciado 308, IV Jornada de Direito Civil: “A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.”