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DESAPROPRIAÇÃO:
O Momento Consumativo e o Registro do Imóvel Expropriado.
Fladja Raiane Soares de Souza
Advogada da União
Sumário: 1. Introdução; 2. Desapropriação: modo originário
de aquisição da propriedade; 3. Modalidades de
desapropriação; 4. Procedimento expropriatório; 5.
Momento consumativo da desapropriação; 6. Registro do
Imóvel Expropriado; 7. Conclusão; 8. Referências
bibliográficas.
1. Introdução:
Consiste o direito de propriedade em uma garantia
fundamental do homem (art. 5.º1 da Constituição Federal/88), assegurada a sua
inviolabilidade, nos termos da lei. Assim, tem a propriedade status de direito
fundamental. Ademais, revela-se como o mais amplo direito de senhorio que pode
se verificar sobre um bem (art. 1.2282 do Código Civil/2002), porquanto assegura,
sob o aspecto interno da relação de propriedade, poderes de uso, gozo e fruição
sobre o bem, e, ainda, externamente, poder de reivindicação de quem injustamente
o detenha.
Assumindo a feição socializadora consagrada na CF/88, o
CC/2002 tratou de inserir na definição do direito de propriedade o conceito de
função social da propriedade (art. 1228, §1º), pelo que o exercício dos poderes de
sujeição do bem deve se dar em consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais e com a preservação do meio ambiente.
Entretanto, em que pese o cunho privatístico a que se
historicamente se vincula a propriedade, interessa observar que desde os
1“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:
.........................................................
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”.
2 “Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e
de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das
águas“.
2
Romanos3 esse direito acha-se passível da interferência do Estado, ante os
reclamos de interesse público. Insere-se aí a desapropriação, instituto do Direito
Administrativo, mais especificamente uma das modalidades de intervenção na
propriedade por parte do Poder Público, e que se revela como a forma mais
drástica de intervenção, haja vista consistir em privar alguém da propriedade (cf.
Aurélio Buarque), ou seja, tirar a propriedade de outrem de forma compulsória. É
forma de intervenção supressiva, na terminologia de Carvalho Filho4, enquanto que
as demais modalidades (servidão administrativa, requisição, ocupação
temporária, limitação administrativa e tombamento) são restritivas, por apenas
retirarem algumas faculdades do domínio.
Conceitua-se a desapropriação como um direito do Estado que
se traduz em procedimento regido pelo Direito Constitucional-Administrativo, visando
à imposição de um sacrifício total, por justa causa, de determinado direito patrimonial,
particular ou público – respeitada a hierarquia -, tendo como finalidade a
aquisição pelo Poder Público ou de quem, delegadamente, cumpra o seu papel,
por intermédio de indenização que há de ser prévia e justa, efetuado o pagamento
em dinheiro, com as ressalvas constitucionais expressas 5.
Por conseqüência, com a desapropriação, o bem passará à
dominialidade pública, perdendo sua categoria de bem privado - na maioria dos
casos -, sujeitando-se, assim, ao regime jurídico de direito público. Logo, a
definição do momento em que se consuma a desapropriação, com a incorporação
do bem à Fazenda Pública, é questão que apresenta relevância jurídica como
marco delimitador da aquisição de propriedade pelo expropriante, e conseqüente
perda para o expropriado.
De início, entretanto, cumpre observar a natureza da
aquisição que se dá pela desapropriação, e as modalidades e procedimentos desta,
por serem temas essências à abordagem de seu momento consumativo, tema sobre
o qual surgiram diversas posições doutrinárias, conforme se verá adiante.
2. Desapropriação: modo originário de aquisição da propriedade.
Classificam-se os meios de aquisição de um bem em
originários e derivados. Na forma originária não há transmissão da coisa, pois o fato
jurídico em si é que enseja a transferência da propriedade, prescindindo de
correlação com qualquer título jurídico de que seja titular o anterior proprietário,
não havendo sub-rogação de titular a titular. Já na derivada, ocorre relação
3 Embora não conhecessem o instituto tal como hoje se apresente, ressalta José Carlos de Moraes
Salles em: A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4.ª ed. rev., atual. e amp. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p.61.
4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12.ª ed. rev., amp. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pg. 731.
5 FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2.ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1995, pg. 84.
3
negocial entre o proprietário e o adquirente, sendo necessário, portanto, a
participação volitiva do transmitente.
Estas são as definições adotadas pela doutrina moderna em
geral, que para distinguir os meios originários dos derivados tomou como critério
o aspecto subjetivo, que se verifica pela existência ou não de transmissão ou
sucessão, o que, por sua vez, implica numa relação de causalidade entre o
transmitente e o adquirente. Todavia, o jurista BRINZ, partindo de critério
objetivo, considerava que só havia aquisição originária quando o direito de
propriedade não preexistisse à sua aquisição, ou seja, a distinção estava no fato de
a coisa ter tido, ou não, anteriormente, dono. Essa tese, todavia, não prevaleceu,
dentre outros motivos, por se constatar que os meios que dizia ela ser derivados,
tal como a usucapião, permitirem a aquisição de direitos reais intransmissíveis,
como o usufruto, o uso e a habitação. Assim, demonstrou-se que o novo direito
não deriva do anterior, mas surge originariamente, opondo-se inclusive ao
proprietário. 6
Nessa linha, a desapropriação, segundo ampla maioria da
doutrina, é forma originária de aquisição da propriedade, o que significa que é,
por si mesma, suficiente para instaurar a propriedade em favor do Poder Público,
independentemente de qualquer vinculação com o título jurídico anterior
proprietário. Assim, tal como na usucapião, ocupação, especificação, ou acessão, é
irrelevante a vontade do proprietário, pois não é transmitente do imóvel bem
como pouco interessa o título que possua, se justo ou injusto, de boa ou má-fé.
Carvalho Filho ressalta ser a desapropriação um modo sui
generis de aquisição da propriedade, mas “pela forma como se consuma, é de ser
considerada forma de aquisição originária, porque a só vontade do Estado é idônea a
consumar o suporte fático gerador da transferência da propriedade, sem qualquer relevância
atribuída à vontade do proprietário ou ao título que possua”7.
Juarez Freitas observa que ela se caracteriza como
modalidade de aquisição originária pelo Poder Público, pois o bem se incorpora ao
domínio público com abstração plena de qualquer título antecedente, sem que se
deva catalogá-la sequer como instituto misto8.
Indubitável, pois, que na desapropriação inexiste qualquer
liame negocial vinculando o expropriante ao proprietário, eis que há a extinção do
direito de propriedade que o expropriado detinha sobre bem e o surgimento do
direito de propriedade do expropriante sobre o mesmo bem. Assim, é evidente a
natureza originária da propriedade imóvel que venha a ser adquirida.
Dessa premissa surgem alguns importantes efeitos:
6 Cf. voto de Moreira Alves no RE 94.580-RS, onde aborda o caráter originário da aquisição por
usucapião.
7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob.cit., pg. 741.
8 FREITAS, Juarez. Ob. Cit., pg. 75.
4
a) A desapropriação pode prosseguir até mesmo sem que se
saiba quem é o proprietário.
b) Ainda que o dono não tenha sido indenizado, mas
terceiro, a transferência operada através da desapropriação é irreversível.
c) Todos os direitos de reais de terceiros sobre a coisa
passarão a incidir sobre o numerário depositado à ordem do juízo. Nesse sentido
consta nos arts. 319 do Decreto-lei 3.365/1941 (chamado de “lei geral das
desapropriações”), e 17 10da Lei 8.257/1991 (regula a expropriação das glebas nas
quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas).
3. Modalidades de desapropriação:
De início, exsurge em nosso ordenamento a desapropriação
clássica ou ordinária, em que se evidencia a supremacia do interesse público sobre o
particular, realizada mediante indenização prévia, justa e em dinheiro, tendo como
pressupostos a utilidade pública, a necessidade pública, e o interesse social.
Tem fundamento no art. 5º, XXIV11, da CF, sendo que os
referidos pressupostos, ou melhor, as hipóteses que se configuram como de
necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social, são definidos na legislação
ordinária. Destacam-se o Decreto-lei nº 3.365/1941, que dispõe sobre os casos de
desapropriação por utilidade pública, englobando aí os casos de necessidade
pública (art. 5º), e a Lei 4.132/1962, que define os casos de desapropriação por
interesse social.
A CF ainda contempla a desapropriação extraordinária, que
é realizada quando o bem particular, que está sendo desapropriado, não está
cumprindo a sua função social. Nesta, há indenização, mas não será prévia, nem em
dinheiro. Cuida-se de desapropriação com caráter sancionatório, verificando-se em
duas hipóteses.
A primeira delas é a que consta do art. 182, § 4º, III12, da CF,
denominada de desapropriação urbanística. Essa forma expropriatória é prevista
9 “Art. 31. Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”.
10 “Art. 17. A expropriação de que trata este lei prevalecerá sobre direitos reais de garantia, não se admitindo
embargos de terceiro, fundados em dívida hipotecária, anticrética ou pignoratícia”.
11 “XXIV-A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição”.
12 “§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano
diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado
ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
5
como a que pode ser adotada a título de penalização ao proprietário do solo
urbano que não atender a exigência de promover o adequado aproveitamento de
sua propriedade ao plano diretor municipal, estando o imóvel subutilizado ou não
utilizado. Assim, o Poder Público municipal, mediante lei específica, poderá
promover essa desapropriação, observada a gradação imposta no art. 8.º 13 da Lei
10.257/2001 (Estatuto da Cidade), sendo o pagamento da indenização feito
mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos, em
parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os
juros legais.
A outra hipótese de desapropriação extraordinária, quando
a propriedade não esteja cumprindo a sua função social, é prevista nos arts. 18414 a
186 da CF, denominada pela doutrina de desapropriação rural. Tem o objetivo de
permitir a perda da propriedade de imóveis rurais para fins de reforma agrária. A
indenização será paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação
do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de
sua emissão, sendo que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em
dinheiro. Possui disciplina na Lei 8.629/1993, e ainda na Lei Complementar
76/1993.
Há, por fim, a desapropriação prevista no art. 24315 da CF,
chamada de desapropriação confiscatória, por não conferir ao expropriado direito
indenizatório. A perda da propriedade nesse caso tem como pressuposto a
utilização da propriedade para cultura ilegal de plantas psicotrópicas. Após a
expropriação, conforme o procedimento disciplinado na Lei 8.257/91, são essas
áreas destinadas a assentamento de colonos com vistas ao cultivo de produtos
alimentícios e medicamentosos.
Cumpre mencionar, ainda, a nova figura trazida pelos §§4.º
e 5.º16 do art. 1.228, CC/2002, que vem sendo denominada por alguns
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. (G.n)
13 “Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha
cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à
desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública”. (G.n)
14 “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em
títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º. O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União
a propor a ação de desapropriação.
(...)”. (G.n)
15 “Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos,
para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei”. (G.n)
16“§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área,
na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
6
doutrinadores como desapropriação judicial, na qual há a perda da propriedade
diante posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável
número de pessoas, mediante o pagamento de indenização. Embora não se
confunda com a usucapião, que não requer contrapartida econômica, essa nova
figura também não se identifica por completo com a desapropriação propriamente
dita, que tem como expropriante o Poder Público, passando o bem à
dominialidade pública (embora posteriormente possa ter destinação diversa).
Assim, sua disciplina será dada pelo direito privado, em que pese o seu caráter
coletivo, pois se verificará no interesse particular, dos possuidores.
4. Procedimento expropriatório:
Em linhas gerais, a desapropriação, enquanto procedimento,
possui duas fases, a declaratória e a executiva, sendo que esta última pode ser
processada tanto pela via administrativa/extrajudicial, como pela via judicial.
A fase declaratória se consubstancia na indicação da
necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social do bem a ser expropriado.
Há, assim, uma manifestação compulsória de vontade do Poder Público,
submetendo determinado bem ao regime de expropriação.
Os efeitos jurídicos da declaração de utilidade pública e
interesse social são três: o direito de as autoridades expropriantes penetrarem no
imóvel, mas que não se confunde com a imissão provisória na posse (artigo 7.º do
Dec.-lei n. 3.365/1941); a fixação do estado do bem, incluindo as benfeitorias nele
existentes, o que gera efeitos no cálculo de indenização e o início da contagem do
prazo de caducidade da declaração.
Já na fase executória, serão adotadas medidas necessárias à
implementação da desapropriação, visando à aquisição do bem pelo Poder
Público. Havendo concordância do proprietário sobre o valor da desapropriação, o
procedimento se encerrará na via administrativa/extrajudicial. Entretanto, de
regra, há o prolongamento pela fase judicial, através de ação movida pelo Estado
em face do proprietário.
Nesta ação, portanto, discutir-se-á a justa indenização. É
possível que durante o seu curso o juiz conceda a imissão provisória na posse (art.
1517 do Decreto-lei 3.365/1941), quando for o caso.
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social
e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço,
valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”.
17 “Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o artigo 685
do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens”. (OBS.:
Atualmente, arts. 826 a 838 do CPC/1973)
7
Interessa, por fim, destacar que pode haver a
desapropriação indireta, quando o Poder Público deixa de observar o
procedimento legal, administrativo ou judicial, ocupando o bem em caráter
definitivo. Caberá ao proprietário, se não o impedir no momento oportuno,
deixando que a Administração lhe dê destinação pública, pleitear a indenização
por perdas e danos, que corresponderá à justa indenização da desapropriação
legal.
5. Momento consumativo da desapropriação:
Vista a extensão do instituto, observa-se que para definir o
momento da consumação da desapropriação, e conseqüente aquisição da
propriedade, surgiram várias posições doutrinárias e jurisprudenciais, as quais
defendiam que ocorria a consumação:
a) Pelo decreto declaratório da utilidade pública;
b) Com a expedição do mandado de imissão na posse;
c) Pela sentença;
d) Com o registro da sentença no Cartório de Imóveis;
e) Com o pagamento da indenização.
Moraes Salles18 esclarece que essa diversidade de
entendimentos originou-se da má redação do Decreto 4.956/1903, que regulava a
matéria antes do advento do Decreto-lei 3.365/1941.
Segundo o citado autor, Ruy Barbosa entendia que, embora
a aprovação das plantas não cessasse a propriedade em todos os seus elementos, já
implicava na indisponibilidade jurídica sobre o bem. Todavia, a desapropriação se
concretizava no momento em que era editado o decreto de aprovação dos planos e
plantas relativos às obras que seriam executadas pelo Poder Público ou por seus
concessionários.
Entretanto, o princípio da previedade da indenização, que
esteve presente em todas as nossas constituições, revelava que o decreto de
aprovação não poderia importar em desapropriação. Ademais, essa declaração do
Poder Público é apenas ato-condição que precede à transferência do bem19, não tendo
qualquer efeito sobre o direito de propriedade, tanto que, se o processo
expropriatório parasse nessa fase, deixando caducar o decreto expropriatório, não
18 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 511.
19 Hely Lopes apud COSTA, Maria Isabel Pereira da. A transferência do domínio do bem imóvel
para o poder expropriante no processo judicial. Revista AJURIS n.º 47 - 1989, pág. 146.
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haveria desapropriação. Isto porque poderiam desaparecer os motivos que
embasaram o decreto em questão.
Há também as correntes que buscaram observar a
consumação dentro do processo judicial, no caso de não haver acordo.
Para os que consideram haver a consumação com a imissão
na posse, diz-se que somente com tal ato despontaria para o expropriante o
domínio do bem expropriado, aperfeiçoando-se ou complementando-se. Referem-
se à imissão definitiva do art. 2920 do Decreto-lei 3.365/1941. Todavia, refuta-se tal
doutrina ao argumento de que o domínio é antecedente à posse, a não ser em
casos excepcionais, como no usucapião. Para a maioria, o elemento posse é
irrelevante para fixar o momento da perda da propriedade21. De fato, posse e
propriedade são institutos absolutamente distintos.
Dentre os que entendem que é a sentença que transfere o
domínio, cita-se Eurico Sodré e Manoel de Oliveira Franco Sobrinho22. Aquele
defendia tal posição por ser a sentença de adjudicação que permitiria a extração da
respectiva carta a ser transcrita no registro de imóveis, meio pelo qual se operava a
tradição solene. Todavia, o referido autor entendia que a desapropriação era modo
derivado de aquisição da propriedade.
Quanto à corrente que atribui a consumação à transcrição da
sentença ou acordo no registro competente, foi adotada por Pontes de Miranda e
Calmon de Passos23. Todavia, sendo a desapropriação um modo originário de
aquisição, não há que se subordinar à transcrição do título translativo, seja
sentença ou acordo, posto que a transcrição é modo derivado de aquisição da
propriedade, reclamando uma relação de causalidade, representada por um fato
jurídico, entre o adquirente e o alienante.
Por fim, resta a posição hoje aceita pela ampla maioria da
doutrina, que tem como momento consumativo da desapropriação o pagamento
da indenização.
Sustenta-se que é o pagamento da indenização que dá ensejo
à consumação da desapropriação, acarretando a aquisição da propriedade pelo
expropriante e a perda pelo expropriado24.
20 “Art.29. Efetuado o pagamento ou a consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de
imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de
imóveis”.(G.n.)
21 COSTA, Maria Isabel Pereira da. Ob. Cit., p. 149/150.
22 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 506/507 e 518, respectivamente.
23 A Transferência da Propriedade para o Domínio do Expropriante no Curso da Ação de
Desapropriação. Revista Brasileira de Direito Processual. Vol. 31 – 1.º Bim. de 1982, p. 63.
24 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob.cit., p. 765.
9
Afirma Moraes Salles que há a consumação da
desapropriação com o pagamento ou o depósito judicial da indenização fixada pela
sentença ou estabelecida em acordo25.
Impende ressaltar que o pagamento se refere ao valor fixado
na sentença do art. 2426 do Decreto-lei 3.365/1941, pois somente pela justa
indenização há a substituição do bem no patrimônio do expropriando, o que
demarca precisamente o momento em que a desapropriação se consuma27.
Ressalta-se, ainda, que mesmo quando há acordo na fase
administrativa da desapropriação, dispensando o ajuizamento do feito
expropriatório, esse acordo versará unicamente sobre o valor da indenização a ser
paga ao expropriando e não sobre a desapropriação, que é sempre ato unilateral da
Administração e, portanto, compulsório. Apenas será consubstanciado em escritura
pública (se o bem desapropriado for imóvel de valor superior ao estabelecido no
art. 108 do CC/2002), mas essa escritura pública não será “desapropriação amigável”, e
sim composição amigável sobre o preço28.
A indenização assume tamanha relevância face ao
dispositivo constitucional que reza: “a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa
e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição” (art.
5.º, XXIV). Nos exatos termos do referido dispositivo, não pode haver
desapropriação sem o pagamento prévio da justa indenização ao expropriado.
Esse entendimento se aplica, então, as hipóteses em que há
uma indenização, quais sejam as desapropriações clássica/ordinária e
extraordinária.
Já para a desapropriação confiscatória (art. 243 da CF/88),
que tem como uma de suas características não comportar indenização, sua
consumação resta explícita no art. 1529 da Lei 8.257/1991, havendo a incorporação
ao patrimônio da União após o trânsito em julgado da sentença no procedimento
judicial estabelecido na referida Lei. Todavia, a doutrina ressalva que, embora o
25 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 520.
26 “Art. 24. Na audiência de instrução e julgamento proceder-se-á na conformidade do Código de Processo
Civil. Encerrado o debate, o juiz proferirá sentença fixando o preço da indenização.
Parágrafo único Se não se julgar habilitado a decidir, o juiz designará desde logo outra audiência que se
realizará dentro de dez dias a fim de publicar a sentença”.
27 Ebert Chamoun apud SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 515.
28 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 479.
29 “Art. 15. Transitada em julgado a sentença expropriatório, o imóvel será incorporado ao patrimônio da
União.
Parágrafo único. Se a gleba expropriada nos termos desta lei, após o trânsito em julgado da sentença, não
puder ter em cento e vinte dias a destinação prevista no artigo 1º, ficará incorporada ao patrimônio da União,
reservada, até que sobrevenham as condições necessárias àquela utilização “.
10
art. 243 se refira à “expropriação”, na verdade essa hipótese cuida-se de
verdadeiro confisco e não de desapropriação30.
Quanto à desapropriação indireta, leciona Maria Sylvia que
o que ocorre nessa hipótese é, na realidade, a afetação do bem. Tendo em conta
que a simples afetação do bem a um fim público não constitui forma de
transferência da propriedade, também deve haver a indenização para que se
consume a transferência do imóvel. Isto porque, há a aplicação analógica do art.
3531do Decreto-lei 3.365/1941, pelo que, uma vez dada a destinação pública ao
imóvel, com sua conseqüente incorporação, este não poderá ser objeto de
reivindicação, cabendo ao particular pleitear a indenização. Entretanto, se não o
faz em tempo hábil, verificando-se a prescrição, restará ao Poder Público
regularizar a propriedade pela usucapião32.
Afirma a referida autora: “O que ocorre, com a desapropriação
indireta, é, na realidade, a afetação, assim entendido ‘o fato ou a manifestação de vontade do
poder público, em virtude do que a coisa fica incorporada ao uso e gozo da comunidade’ (cf.
Marienhoff, 1960:152-153); acrescente-se que se trata de afetação ilícita, porque atinge bem
pertencente a particular; lícita é apenas a afetação que alcança bens já integrados no
patrimônio público, na qualidade de bens dominicais, para passá-los à categoria de uso
comum do povo ou de uso especial”33.
6. Registro do Imóvel Expropriado:
A transcrição é forma derivada de aquisição da propriedade
imobiliária, por meio da publicidade do ato translativo junto ao Registro de
Imóveis.
Como visto, a extração da carta de sentença de
desapropriação é instrumento hábil para se efetuar a transcrição no registro de
imóveis. Também a escritura é título hábil a transcrição da propriedade no caso do
acordo entre as partes.
Porém, por se entender que a desapropriação é um modo
originário de aquisição da propriedade, esta se efetiva independentemente da
regularização no registro de imóveis.
Todavia, a transcrição é levada a efeito, segundo Serpa
Lopes e Seabra Fagundes, para que se dê maior publicidade à desapropriação, haja
30 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 89; e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 16.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 167.
31 “Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de
reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada
procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.
32 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit., p. 178.
33 Idem.
11
continuidade do registro, fique constando do Registro de Imóveis a extinção da
propriedade anterior e se cientifique - a todos a que possa interessar - o término
dos direitos reais incompatíveis com a desapropriação34.
Raimundo Viana35 igualmente assevera que, na
desapropriação, “a finalidade desse registro é muito mais para documentar a saída do bem
do domínio privado, do que a testificação da aquisição ou o momento da consumação desta.
(...) apenas para evitar negócios irregulares envolvendo o bem, com possibilidade de sérios
prejuízos para terceiros de boa-fé”.
Assim, consumada a expropriação pelo pagamento da
indenização, cabe ao expropriante regularizar o registro do imóvel expropriado,
cuidando-se, portanto, de momentos distintos, sendo esta regularização de grande
utilidade, mas não essencial à desapropriação.
7. Conclusão:
O direito de propriedade é garantia fundamental do homem
(art. 5.º da CF/88), todavia, passível da interferência do Estado ante os reclamos de
interesse público, o que pode ocorrer através da desapropriação, forma mais
drástica de intervenção.
Através do respectivo procedimento legal, regido pelo
Direito Constitucional-Administrativo, o Estado pode impor a desapropriação,
visando ao sacrifício total, por justa causa, de determinado direito patrimonial, o
que implica na aquisição deste pelo Poder Público, por intermédio de prévia e
justa indenização, com as ressalvas constitucionais expressas.
Considerando que na desapropriação inexiste qualquer
liame negocial vinculando o expropriante ao proprietário, eis que há a extinção do
direito de propriedade que o expropriado detinha sobre bem e o surgimento do
direito de propriedade do expropriante sobre o mesmo bem, caracteriza-se como
causa originária de aquisição da propriedade imóvel pelo Poder Público.
Dentre as várias correntes que buscaram definir o momento
da consumação da desapropriação, a posição hoje aceita pela ampla maioria da
doutrina vê o pagamento da indenização como o momento em que o bem passará
à dominialidade pública, perdendo sua categoria de bem privado.
Para a desapropriação confiscatória (art. 243 da CF/88), que
não comporta indenização, sua consumação resta explícita no art. 15 da Lei
8.257/1991, havendo a incorporação ao patrimônio da União após o transito em
julgado da sentença no procedimento judicial estabelecido na referida Lei.
34 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 523.
35 “Do Registro na Desapropriação”. RF 298/373.
12
Já quando há desapropriação indireta, ocorre, na realidade, a
afetação ilícita do bem, o que não constitui forma de transferência da propriedade,
pelo que deve haver a indenização para que se consume a aquisição da
propriedade, sendo que caberá ao particular pleitear a indenização. Se não o fizer
em tempo hábil, verificando-se a prescrição, restará ao Poder Público regularizar a
propriedade pela usucapião.
Por fim, há que se distinguir o momento consumativo da
desapropriação e regularização do registro do imóvel, haja vista ser a
desapropriação um modo originário de aquisição da propriedade, se efetivando
independentemente desta regularização, que, entretanto, é de grande utilidade,
mas não essencial à desapropriação.
8. Referências bibliográficas:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12.ª ed.
rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
CASTRO, Mônica. A Desapropriação Judicial no Novo Código Civil. Revista
Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 19 - SET-OUT/2002, pág. 145.
COSTA, Maria Isabel Pereira da. A transferência do domínio do bem imóvel para
o poder expropriante no processo judicial. Revista AJURIS n.º 47 - 1989, pág.
142.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16.ª ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2.ª Ed. São Paulo: Malheiros,
1995.
PASSOS, J. J. Calmon de. A Transferência da Propriedade para o Domínio do
Expropriante no Curso da Ação de Desapropriação. Revista Brasileira de
Direito Processual. Vol. 31 – 1.º Bim. de 1982, pág. 63.
SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da
jurisprudência. 4.ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2000.
SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. 4.ª ed. São Paulo: Ed. Paloma,
2003.
VIANA, Raimundo. Do Registro na Desapropriação. Revista Forense. Vol. 298 –
Abril/Junho de 1987, pág. 373.

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  • 1. 1 DESAPROPRIAÇÃO: O Momento Consumativo e o Registro do Imóvel Expropriado. Fladja Raiane Soares de Souza Advogada da União Sumário: 1. Introdução; 2. Desapropriação: modo originário de aquisição da propriedade; 3. Modalidades de desapropriação; 4. Procedimento expropriatório; 5. Momento consumativo da desapropriação; 6. Registro do Imóvel Expropriado; 7. Conclusão; 8. Referências bibliográficas. 1. Introdução: Consiste o direito de propriedade em uma garantia fundamental do homem (art. 5.º1 da Constituição Federal/88), assegurada a sua inviolabilidade, nos termos da lei. Assim, tem a propriedade status de direito fundamental. Ademais, revela-se como o mais amplo direito de senhorio que pode se verificar sobre um bem (art. 1.2282 do Código Civil/2002), porquanto assegura, sob o aspecto interno da relação de propriedade, poderes de uso, gozo e fruição sobre o bem, e, ainda, externamente, poder de reivindicação de quem injustamente o detenha. Assumindo a feição socializadora consagrada na CF/88, o CC/2002 tratou de inserir na definição do direito de propriedade o conceito de função social da propriedade (art. 1228, §1º), pelo que o exercício dos poderes de sujeição do bem deve se dar em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e com a preservação do meio ambiente. Entretanto, em que pese o cunho privatístico a que se historicamente se vincula a propriedade, interessa observar que desde os 1“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ......................................................... XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”. 2 “Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas“.
  • 2. 2 Romanos3 esse direito acha-se passível da interferência do Estado, ante os reclamos de interesse público. Insere-se aí a desapropriação, instituto do Direito Administrativo, mais especificamente uma das modalidades de intervenção na propriedade por parte do Poder Público, e que se revela como a forma mais drástica de intervenção, haja vista consistir em privar alguém da propriedade (cf. Aurélio Buarque), ou seja, tirar a propriedade de outrem de forma compulsória. É forma de intervenção supressiva, na terminologia de Carvalho Filho4, enquanto que as demais modalidades (servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitação administrativa e tombamento) são restritivas, por apenas retirarem algumas faculdades do domínio. Conceitua-se a desapropriação como um direito do Estado que se traduz em procedimento regido pelo Direito Constitucional-Administrativo, visando à imposição de um sacrifício total, por justa causa, de determinado direito patrimonial, particular ou público – respeitada a hierarquia -, tendo como finalidade a aquisição pelo Poder Público ou de quem, delegadamente, cumpra o seu papel, por intermédio de indenização que há de ser prévia e justa, efetuado o pagamento em dinheiro, com as ressalvas constitucionais expressas 5. Por conseqüência, com a desapropriação, o bem passará à dominialidade pública, perdendo sua categoria de bem privado - na maioria dos casos -, sujeitando-se, assim, ao regime jurídico de direito público. Logo, a definição do momento em que se consuma a desapropriação, com a incorporação do bem à Fazenda Pública, é questão que apresenta relevância jurídica como marco delimitador da aquisição de propriedade pelo expropriante, e conseqüente perda para o expropriado. De início, entretanto, cumpre observar a natureza da aquisição que se dá pela desapropriação, e as modalidades e procedimentos desta, por serem temas essências à abordagem de seu momento consumativo, tema sobre o qual surgiram diversas posições doutrinárias, conforme se verá adiante. 2. Desapropriação: modo originário de aquisição da propriedade. Classificam-se os meios de aquisição de um bem em originários e derivados. Na forma originária não há transmissão da coisa, pois o fato jurídico em si é que enseja a transferência da propriedade, prescindindo de correlação com qualquer título jurídico de que seja titular o anterior proprietário, não havendo sub-rogação de titular a titular. Já na derivada, ocorre relação 3 Embora não conhecessem o instituto tal como hoje se apresente, ressalta José Carlos de Moraes Salles em: A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4.ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p.61. 4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12.ª ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pg. 731. 5 FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2.ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1995, pg. 84.
  • 3. 3 negocial entre o proprietário e o adquirente, sendo necessário, portanto, a participação volitiva do transmitente. Estas são as definições adotadas pela doutrina moderna em geral, que para distinguir os meios originários dos derivados tomou como critério o aspecto subjetivo, que se verifica pela existência ou não de transmissão ou sucessão, o que, por sua vez, implica numa relação de causalidade entre o transmitente e o adquirente. Todavia, o jurista BRINZ, partindo de critério objetivo, considerava que só havia aquisição originária quando o direito de propriedade não preexistisse à sua aquisição, ou seja, a distinção estava no fato de a coisa ter tido, ou não, anteriormente, dono. Essa tese, todavia, não prevaleceu, dentre outros motivos, por se constatar que os meios que dizia ela ser derivados, tal como a usucapião, permitirem a aquisição de direitos reais intransmissíveis, como o usufruto, o uso e a habitação. Assim, demonstrou-se que o novo direito não deriva do anterior, mas surge originariamente, opondo-se inclusive ao proprietário. 6 Nessa linha, a desapropriação, segundo ampla maioria da doutrina, é forma originária de aquisição da propriedade, o que significa que é, por si mesma, suficiente para instaurar a propriedade em favor do Poder Público, independentemente de qualquer vinculação com o título jurídico anterior proprietário. Assim, tal como na usucapião, ocupação, especificação, ou acessão, é irrelevante a vontade do proprietário, pois não é transmitente do imóvel bem como pouco interessa o título que possua, se justo ou injusto, de boa ou má-fé. Carvalho Filho ressalta ser a desapropriação um modo sui generis de aquisição da propriedade, mas “pela forma como se consuma, é de ser considerada forma de aquisição originária, porque a só vontade do Estado é idônea a consumar o suporte fático gerador da transferência da propriedade, sem qualquer relevância atribuída à vontade do proprietário ou ao título que possua”7. Juarez Freitas observa que ela se caracteriza como modalidade de aquisição originária pelo Poder Público, pois o bem se incorpora ao domínio público com abstração plena de qualquer título antecedente, sem que se deva catalogá-la sequer como instituto misto8. Indubitável, pois, que na desapropriação inexiste qualquer liame negocial vinculando o expropriante ao proprietário, eis que há a extinção do direito de propriedade que o expropriado detinha sobre bem e o surgimento do direito de propriedade do expropriante sobre o mesmo bem. Assim, é evidente a natureza originária da propriedade imóvel que venha a ser adquirida. Dessa premissa surgem alguns importantes efeitos: 6 Cf. voto de Moreira Alves no RE 94.580-RS, onde aborda o caráter originário da aquisição por usucapião. 7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob.cit., pg. 741. 8 FREITAS, Juarez. Ob. Cit., pg. 75.
  • 4. 4 a) A desapropriação pode prosseguir até mesmo sem que se saiba quem é o proprietário. b) Ainda que o dono não tenha sido indenizado, mas terceiro, a transferência operada através da desapropriação é irreversível. c) Todos os direitos de reais de terceiros sobre a coisa passarão a incidir sobre o numerário depositado à ordem do juízo. Nesse sentido consta nos arts. 319 do Decreto-lei 3.365/1941 (chamado de “lei geral das desapropriações”), e 17 10da Lei 8.257/1991 (regula a expropriação das glebas nas quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas). 3. Modalidades de desapropriação: De início, exsurge em nosso ordenamento a desapropriação clássica ou ordinária, em que se evidencia a supremacia do interesse público sobre o particular, realizada mediante indenização prévia, justa e em dinheiro, tendo como pressupostos a utilidade pública, a necessidade pública, e o interesse social. Tem fundamento no art. 5º, XXIV11, da CF, sendo que os referidos pressupostos, ou melhor, as hipóteses que se configuram como de necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social, são definidos na legislação ordinária. Destacam-se o Decreto-lei nº 3.365/1941, que dispõe sobre os casos de desapropriação por utilidade pública, englobando aí os casos de necessidade pública (art. 5º), e a Lei 4.132/1962, que define os casos de desapropriação por interesse social. A CF ainda contempla a desapropriação extraordinária, que é realizada quando o bem particular, que está sendo desapropriado, não está cumprindo a sua função social. Nesta, há indenização, mas não será prévia, nem em dinheiro. Cuida-se de desapropriação com caráter sancionatório, verificando-se em duas hipóteses. A primeira delas é a que consta do art. 182, § 4º, III12, da CF, denominada de desapropriação urbanística. Essa forma expropriatória é prevista 9 “Art. 31. Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”. 10 “Art. 17. A expropriação de que trata este lei prevalecerá sobre direitos reais de garantia, não se admitindo embargos de terceiro, fundados em dívida hipotecária, anticrética ou pignoratícia”. 11 “XXIV-A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. 12 “§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
  • 5. 5 como a que pode ser adotada a título de penalização ao proprietário do solo urbano que não atender a exigência de promover o adequado aproveitamento de sua propriedade ao plano diretor municipal, estando o imóvel subutilizado ou não utilizado. Assim, o Poder Público municipal, mediante lei específica, poderá promover essa desapropriação, observada a gradação imposta no art. 8.º 13 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), sendo o pagamento da indenização feito mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. A outra hipótese de desapropriação extraordinária, quando a propriedade não esteja cumprindo a sua função social, é prevista nos arts. 18414 a 186 da CF, denominada pela doutrina de desapropriação rural. Tem o objetivo de permitir a perda da propriedade de imóveis rurais para fins de reforma agrária. A indenização será paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, sendo que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. Possui disciplina na Lei 8.629/1993, e ainda na Lei Complementar 76/1993. Há, por fim, a desapropriação prevista no art. 24315 da CF, chamada de desapropriação confiscatória, por não conferir ao expropriado direito indenizatório. A perda da propriedade nesse caso tem como pressuposto a utilização da propriedade para cultura ilegal de plantas psicotrópicas. Após a expropriação, conforme o procedimento disciplinado na Lei 8.257/91, são essas áreas destinadas a assentamento de colonos com vistas ao cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. Cumpre mencionar, ainda, a nova figura trazida pelos §§4.º e 5.º16 do art. 1.228, CC/2002, que vem sendo denominada por alguns III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. (G.n) 13 “Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública”. (G.n) 14 “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º. O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. (...)”. (G.n) 15 “Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. (G.n) 16“§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
  • 6. 6 doutrinadores como desapropriação judicial, na qual há a perda da propriedade diante posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, mediante o pagamento de indenização. Embora não se confunda com a usucapião, que não requer contrapartida econômica, essa nova figura também não se identifica por completo com a desapropriação propriamente dita, que tem como expropriante o Poder Público, passando o bem à dominialidade pública (embora posteriormente possa ter destinação diversa). Assim, sua disciplina será dada pelo direito privado, em que pese o seu caráter coletivo, pois se verificará no interesse particular, dos possuidores. 4. Procedimento expropriatório: Em linhas gerais, a desapropriação, enquanto procedimento, possui duas fases, a declaratória e a executiva, sendo que esta última pode ser processada tanto pela via administrativa/extrajudicial, como pela via judicial. A fase declaratória se consubstancia na indicação da necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social do bem a ser expropriado. Há, assim, uma manifestação compulsória de vontade do Poder Público, submetendo determinado bem ao regime de expropriação. Os efeitos jurídicos da declaração de utilidade pública e interesse social são três: o direito de as autoridades expropriantes penetrarem no imóvel, mas que não se confunde com a imissão provisória na posse (artigo 7.º do Dec.-lei n. 3.365/1941); a fixação do estado do bem, incluindo as benfeitorias nele existentes, o que gera efeitos no cálculo de indenização e o início da contagem do prazo de caducidade da declaração. Já na fase executória, serão adotadas medidas necessárias à implementação da desapropriação, visando à aquisição do bem pelo Poder Público. Havendo concordância do proprietário sobre o valor da desapropriação, o procedimento se encerrará na via administrativa/extrajudicial. Entretanto, de regra, há o prolongamento pela fase judicial, através de ação movida pelo Estado em face do proprietário. Nesta ação, portanto, discutir-se-á a justa indenização. É possível que durante o seu curso o juiz conceda a imissão provisória na posse (art. 1517 do Decreto-lei 3.365/1941), quando for o caso. houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”. 17 “Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o artigo 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens”. (OBS.: Atualmente, arts. 826 a 838 do CPC/1973)
  • 7. 7 Interessa, por fim, destacar que pode haver a desapropriação indireta, quando o Poder Público deixa de observar o procedimento legal, administrativo ou judicial, ocupando o bem em caráter definitivo. Caberá ao proprietário, se não o impedir no momento oportuno, deixando que a Administração lhe dê destinação pública, pleitear a indenização por perdas e danos, que corresponderá à justa indenização da desapropriação legal. 5. Momento consumativo da desapropriação: Vista a extensão do instituto, observa-se que para definir o momento da consumação da desapropriação, e conseqüente aquisição da propriedade, surgiram várias posições doutrinárias e jurisprudenciais, as quais defendiam que ocorria a consumação: a) Pelo decreto declaratório da utilidade pública; b) Com a expedição do mandado de imissão na posse; c) Pela sentença; d) Com o registro da sentença no Cartório de Imóveis; e) Com o pagamento da indenização. Moraes Salles18 esclarece que essa diversidade de entendimentos originou-se da má redação do Decreto 4.956/1903, que regulava a matéria antes do advento do Decreto-lei 3.365/1941. Segundo o citado autor, Ruy Barbosa entendia que, embora a aprovação das plantas não cessasse a propriedade em todos os seus elementos, já implicava na indisponibilidade jurídica sobre o bem. Todavia, a desapropriação se concretizava no momento em que era editado o decreto de aprovação dos planos e plantas relativos às obras que seriam executadas pelo Poder Público ou por seus concessionários. Entretanto, o princípio da previedade da indenização, que esteve presente em todas as nossas constituições, revelava que o decreto de aprovação não poderia importar em desapropriação. Ademais, essa declaração do Poder Público é apenas ato-condição que precede à transferência do bem19, não tendo qualquer efeito sobre o direito de propriedade, tanto que, se o processo expropriatório parasse nessa fase, deixando caducar o decreto expropriatório, não 18 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 511. 19 Hely Lopes apud COSTA, Maria Isabel Pereira da. A transferência do domínio do bem imóvel para o poder expropriante no processo judicial. Revista AJURIS n.º 47 - 1989, pág. 146.
  • 8. 8 haveria desapropriação. Isto porque poderiam desaparecer os motivos que embasaram o decreto em questão. Há também as correntes que buscaram observar a consumação dentro do processo judicial, no caso de não haver acordo. Para os que consideram haver a consumação com a imissão na posse, diz-se que somente com tal ato despontaria para o expropriante o domínio do bem expropriado, aperfeiçoando-se ou complementando-se. Referem- se à imissão definitiva do art. 2920 do Decreto-lei 3.365/1941. Todavia, refuta-se tal doutrina ao argumento de que o domínio é antecedente à posse, a não ser em casos excepcionais, como no usucapião. Para a maioria, o elemento posse é irrelevante para fixar o momento da perda da propriedade21. De fato, posse e propriedade são institutos absolutamente distintos. Dentre os que entendem que é a sentença que transfere o domínio, cita-se Eurico Sodré e Manoel de Oliveira Franco Sobrinho22. Aquele defendia tal posição por ser a sentença de adjudicação que permitiria a extração da respectiva carta a ser transcrita no registro de imóveis, meio pelo qual se operava a tradição solene. Todavia, o referido autor entendia que a desapropriação era modo derivado de aquisição da propriedade. Quanto à corrente que atribui a consumação à transcrição da sentença ou acordo no registro competente, foi adotada por Pontes de Miranda e Calmon de Passos23. Todavia, sendo a desapropriação um modo originário de aquisição, não há que se subordinar à transcrição do título translativo, seja sentença ou acordo, posto que a transcrição é modo derivado de aquisição da propriedade, reclamando uma relação de causalidade, representada por um fato jurídico, entre o adquirente e o alienante. Por fim, resta a posição hoje aceita pela ampla maioria da doutrina, que tem como momento consumativo da desapropriação o pagamento da indenização. Sustenta-se que é o pagamento da indenização que dá ensejo à consumação da desapropriação, acarretando a aquisição da propriedade pelo expropriante e a perda pelo expropriado24. 20 “Art.29. Efetuado o pagamento ou a consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de imóveis”.(G.n.) 21 COSTA, Maria Isabel Pereira da. Ob. Cit., p. 149/150. 22 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 506/507 e 518, respectivamente. 23 A Transferência da Propriedade para o Domínio do Expropriante no Curso da Ação de Desapropriação. Revista Brasileira de Direito Processual. Vol. 31 – 1.º Bim. de 1982, p. 63. 24 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob.cit., p. 765.
  • 9. 9 Afirma Moraes Salles que há a consumação da desapropriação com o pagamento ou o depósito judicial da indenização fixada pela sentença ou estabelecida em acordo25. Impende ressaltar que o pagamento se refere ao valor fixado na sentença do art. 2426 do Decreto-lei 3.365/1941, pois somente pela justa indenização há a substituição do bem no patrimônio do expropriando, o que demarca precisamente o momento em que a desapropriação se consuma27. Ressalta-se, ainda, que mesmo quando há acordo na fase administrativa da desapropriação, dispensando o ajuizamento do feito expropriatório, esse acordo versará unicamente sobre o valor da indenização a ser paga ao expropriando e não sobre a desapropriação, que é sempre ato unilateral da Administração e, portanto, compulsório. Apenas será consubstanciado em escritura pública (se o bem desapropriado for imóvel de valor superior ao estabelecido no art. 108 do CC/2002), mas essa escritura pública não será “desapropriação amigável”, e sim composição amigável sobre o preço28. A indenização assume tamanha relevância face ao dispositivo constitucional que reza: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição” (art. 5.º, XXIV). Nos exatos termos do referido dispositivo, não pode haver desapropriação sem o pagamento prévio da justa indenização ao expropriado. Esse entendimento se aplica, então, as hipóteses em que há uma indenização, quais sejam as desapropriações clássica/ordinária e extraordinária. Já para a desapropriação confiscatória (art. 243 da CF/88), que tem como uma de suas características não comportar indenização, sua consumação resta explícita no art. 1529 da Lei 8.257/1991, havendo a incorporação ao patrimônio da União após o trânsito em julgado da sentença no procedimento judicial estabelecido na referida Lei. Todavia, a doutrina ressalva que, embora o 25 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 520. 26 “Art. 24. Na audiência de instrução e julgamento proceder-se-á na conformidade do Código de Processo Civil. Encerrado o debate, o juiz proferirá sentença fixando o preço da indenização. Parágrafo único Se não se julgar habilitado a decidir, o juiz designará desde logo outra audiência que se realizará dentro de dez dias a fim de publicar a sentença”. 27 Ebert Chamoun apud SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 515. 28 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 479. 29 “Art. 15. Transitada em julgado a sentença expropriatório, o imóvel será incorporado ao patrimônio da União. Parágrafo único. Se a gleba expropriada nos termos desta lei, após o trânsito em julgado da sentença, não puder ter em cento e vinte dias a destinação prevista no artigo 1º, ficará incorporada ao patrimônio da União, reservada, até que sobrevenham as condições necessárias àquela utilização “.
  • 10. 10 art. 243 se refira à “expropriação”, na verdade essa hipótese cuida-se de verdadeiro confisco e não de desapropriação30. Quanto à desapropriação indireta, leciona Maria Sylvia que o que ocorre nessa hipótese é, na realidade, a afetação do bem. Tendo em conta que a simples afetação do bem a um fim público não constitui forma de transferência da propriedade, também deve haver a indenização para que se consume a transferência do imóvel. Isto porque, há a aplicação analógica do art. 3531do Decreto-lei 3.365/1941, pelo que, uma vez dada a destinação pública ao imóvel, com sua conseqüente incorporação, este não poderá ser objeto de reivindicação, cabendo ao particular pleitear a indenização. Entretanto, se não o faz em tempo hábil, verificando-se a prescrição, restará ao Poder Público regularizar a propriedade pela usucapião32. Afirma a referida autora: “O que ocorre, com a desapropriação indireta, é, na realidade, a afetação, assim entendido ‘o fato ou a manifestação de vontade do poder público, em virtude do que a coisa fica incorporada ao uso e gozo da comunidade’ (cf. Marienhoff, 1960:152-153); acrescente-se que se trata de afetação ilícita, porque atinge bem pertencente a particular; lícita é apenas a afetação que alcança bens já integrados no patrimônio público, na qualidade de bens dominicais, para passá-los à categoria de uso comum do povo ou de uso especial”33. 6. Registro do Imóvel Expropriado: A transcrição é forma derivada de aquisição da propriedade imobiliária, por meio da publicidade do ato translativo junto ao Registro de Imóveis. Como visto, a extração da carta de sentença de desapropriação é instrumento hábil para se efetuar a transcrição no registro de imóveis. Também a escritura é título hábil a transcrição da propriedade no caso do acordo entre as partes. Porém, por se entender que a desapropriação é um modo originário de aquisição da propriedade, esta se efetiva independentemente da regularização no registro de imóveis. Todavia, a transcrição é levada a efeito, segundo Serpa Lopes e Seabra Fagundes, para que se dê maior publicidade à desapropriação, haja 30 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 89; e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 167. 31 “Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”. 32 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit., p. 178. 33 Idem.
  • 11. 11 continuidade do registro, fique constando do Registro de Imóveis a extinção da propriedade anterior e se cientifique - a todos a que possa interessar - o término dos direitos reais incompatíveis com a desapropriação34. Raimundo Viana35 igualmente assevera que, na desapropriação, “a finalidade desse registro é muito mais para documentar a saída do bem do domínio privado, do que a testificação da aquisição ou o momento da consumação desta. (...) apenas para evitar negócios irregulares envolvendo o bem, com possibilidade de sérios prejuízos para terceiros de boa-fé”. Assim, consumada a expropriação pelo pagamento da indenização, cabe ao expropriante regularizar o registro do imóvel expropriado, cuidando-se, portanto, de momentos distintos, sendo esta regularização de grande utilidade, mas não essencial à desapropriação. 7. Conclusão: O direito de propriedade é garantia fundamental do homem (art. 5.º da CF/88), todavia, passível da interferência do Estado ante os reclamos de interesse público, o que pode ocorrer através da desapropriação, forma mais drástica de intervenção. Através do respectivo procedimento legal, regido pelo Direito Constitucional-Administrativo, o Estado pode impor a desapropriação, visando ao sacrifício total, por justa causa, de determinado direito patrimonial, o que implica na aquisição deste pelo Poder Público, por intermédio de prévia e justa indenização, com as ressalvas constitucionais expressas. Considerando que na desapropriação inexiste qualquer liame negocial vinculando o expropriante ao proprietário, eis que há a extinção do direito de propriedade que o expropriado detinha sobre bem e o surgimento do direito de propriedade do expropriante sobre o mesmo bem, caracteriza-se como causa originária de aquisição da propriedade imóvel pelo Poder Público. Dentre as várias correntes que buscaram definir o momento da consumação da desapropriação, a posição hoje aceita pela ampla maioria da doutrina vê o pagamento da indenização como o momento em que o bem passará à dominialidade pública, perdendo sua categoria de bem privado. Para a desapropriação confiscatória (art. 243 da CF/88), que não comporta indenização, sua consumação resta explícita no art. 15 da Lei 8.257/1991, havendo a incorporação ao patrimônio da União após o transito em julgado da sentença no procedimento judicial estabelecido na referida Lei. 34 SALLES, José Carlos de Moraes. Ob. Cit., p. 523. 35 “Do Registro na Desapropriação”. RF 298/373.
  • 12. 12 Já quando há desapropriação indireta, ocorre, na realidade, a afetação ilícita do bem, o que não constitui forma de transferência da propriedade, pelo que deve haver a indenização para que se consume a aquisição da propriedade, sendo que caberá ao particular pleitear a indenização. Se não o fizer em tempo hábil, verificando-se a prescrição, restará ao Poder Público regularizar a propriedade pela usucapião. Por fim, há que se distinguir o momento consumativo da desapropriação e regularização do registro do imóvel, haja vista ser a desapropriação um modo originário de aquisição da propriedade, se efetivando independentemente desta regularização, que, entretanto, é de grande utilidade, mas não essencial à desapropriação. 8. Referências bibliográficas: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12.ª ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. CASTRO, Mônica. A Desapropriação Judicial no Novo Código Civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 19 - SET-OUT/2002, pág. 145. COSTA, Maria Isabel Pereira da. A transferência do domínio do bem imóvel para o poder expropriante no processo judicial. Revista AJURIS n.º 47 - 1989, pág. 142. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2.ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1995. PASSOS, J. J. Calmon de. A Transferência da Propriedade para o Domínio do Expropriante no Curso da Ação de Desapropriação. Revista Brasileira de Direito Processual. Vol. 31 – 1.º Bim. de 1982, pág. 63. SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4.ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. 4.ª ed. São Paulo: Ed. Paloma, 2003. VIANA, Raimundo. Do Registro na Desapropriação. Revista Forense. Vol. 298 – Abril/Junho de 1987, pág. 373.