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Autoria: Romulo Vitor Braga.
Diretor executivo: Nicolau Arbex Sarkis.
Gerência editorial: João Carlos Puglisi.
Coordenação de edição técnica: Marília L. dos Santos G. Ribeiro.
Edição técnica: Equipe de editores técnicos da Editora Poliedro.
Coordenação de produção editorial: Lívia Scherrer dos Santos.
Analista de produção editorial: Claudia Moreno Fernandes.
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Edição: Equipes de edição da Editora Poliedro.
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Projeto gráfico: Marco Aurélio de Moraes.
Projeto gráficoda capa: Bruno Torres.
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Capa e frontispício Sérgio Bertino/Shutterstock • Rafael Sanzio/Wikimedia Commons • Benozzo Gozzoli/Wikimedia Commons • Rafael
Sanzio/Wikimedia Commons • Leonidas Drosis/AttiUo Picarelli/stefanel/Shutterstock • Vicent van Gogh • Michelangelo Buonarroti/
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A Editora Poliedro pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais detentores dos direitos de todos os textos e de todas as obras de artes plásticas
presentes nesta obra, sendo que sobre alguns nenhuma referência foi encontrada. Em caso de omissão, involuntária, de quaisquer créditos faltantes, estes serão
incluídos nas futuras edições, estando, ainda, reservados os direitos referidos nos arts. 28 e 29 da lei 9.610/98.
CAPÍTULO 1 - Domito ò filosofia , .,.., 05
História datteofifl:o início ,....,..., 06
O rito eo filosofio: ouruptura? .,...„.„ 07
Hegel eJohn Burnef-ruptura entre mito efilosofio , , 07
Werner Jaeger eF. M,Confoíd- continuidade entre mito efilosofio „ ..............08
Filosofia: nem ruptura nem continuidade,.,.. 09
Filosofia nascente: características principais .....10
Condições históricas para o do filosofia 11
,...,..,.,„.....„...„.,.„.. ,. „,.,.„.,..,„. 13
Exercícios Proposto.. 14
Textos Complementares... 14
Exercícios Complementares.... 17
CAPÍTULO 2 - Pré-socrótícos: filósofos do cosmo.. , , , 19
filosofia ecosmologia .„.„.„„..,„.,.,..,..„ 20
Revisando 28
Exercidos Propostos ..........28
Textos lompiemeííoíes , .............29
Exercícios Complementares 33
APÍTULD 3 - Pré-socráticos: Heráclito de Éfeso 35
O universo é um devir eterno 36
 luta doscontrários................ 36
O múltiplo, o unidade eo mundo 37
 verdadeira sabedoria 38
Revisando.... .39
Exercidos Propostos ,.,.„„.,..„..,„ .....39
Texto Complementar ..................39
Exercícios Complementares........... 41
CAPÍTULO 4 - Pré-socráticos:Pormênides de Eieio 43
A lógica, o linguagem eo mundo ...„ 44
Exercícios Propostos ,. , 48
íexto Complementar ,„„.„„„., 49
Exercidos Complementares 50
CAPÍTULO 5 - Democracia, sofistos e Sócrofes....... 51
Democracia: a invenção deAtenas 52
Sócrates: santo, herói, sábio? Filósofo , ...........................57
Exercícios Propostos 65
Textos Complementares.... 66
Exercícios Complementares......... 72
CAPÍTULO 6 - A filosofio de Platão ., ., ., 73
As várias interpretações sobre Platão .,., .,..74
Vida -as motivações platónicas 75
Dialética, Platão eossofistas , 76
Diálogo - Passagem domundo sensível aomundo dasideias ...78
O mito da caverna -ojornada do filósofo 82
Político-o Filósofo-Rei .„,„.„.. , 84
Revisando...,. 85
Exercidos Propostos...............
Texto Complementar.........
Exercícios Complementares
CAPÍTULO 7 • A filosofia de Aristóteles.
Aristóteles - vida eprojeto filosófico..
Crítica a Platão ................................................................................................................................................................••••....................................93
Substância = Matéria + Forma: ovisão orisíotêlica domundo ...................... ..............................................................................................................94
O serse diz de váriosformas..............................................................................................................................................................................95
Afilosofia como umgrande sistema -de conhecimento- Corpus Aristofelicum ................. . .................................. .................. ............................. .......97
Teoria do Conhecimento em Aristóteles ...........................................................................................................................................................99
Revisando.................................................................................................................................................................................................'Ol
Exerddos Propostos.............,..................................................................................................................................................................101
Textos Complementares....................................................................................,....,..............................................................................i 01
Exercícios Complementares..................................................................................................................................................................107
CAPÍTULO 8 - Filosofias helenísticas: cinismo, cetícismo, epicurismo e estoicismo.....,,........ ............. . ................... 109
Helenismo.....................„„..„..,.„„.........,..„................................................................................................................................110
Revisando.......,.........................................................................................................................................................................J 1 8
Exerddos Proposto.........................................................,........................................................................................................118
Textos Complementares ...........................................................................................................................................................118
Exerddos Complementares... ................................................... ........................................................., ..................................... í21
CAPÍTULO 9 - Filosofia medieval -Agostinho deHipono eTomás deAquinô ....... ............. ...................... ...123
Santo Agostinho - cristão..................................................................................................................................124
Soo Tomás de Aquinô......................................................................................................................................................lII
Revisando......................................................................................................................................................................131
Exercícios Propostos ................................................................ .......................... ..................... . ..................... ..................132
Texto ....... ..............................................................................................................................................132
Exercícios Complementares................................................ ................................................................................. ...........137
CAPÍTULO 1 0 - Asfilosofias de Mídie! de Monraigne e Blaise Pascal... .............................................. 1 39
Michel de Montaigne ............... .............. ....................................................... ............................................,................140
Blaise Pascal.............................................................................................................................................................143
........................ .,...................................... .......................... . ............................. ........................................148
Exercícios Propostos.............................,....................................................................................................................148
Textos Complementares ....................................................................................................... ......................................149
.................... .............................................................................,...................................151
Gabarito. 153
A filosofia propõe buscar a verdade, mas não de uma forma qualquer. Ela quer buscar a verdade de todas ascoisas
usando, para isso, apenas oselementos quesepermite:a razão, opensamento, alógica, a observaçãode fatos. Tudo para
buscar a causa fundamental dascoisas. Â filosofia é uma busca deconhecimento, e não conhecimentojá dado. Nela, você
verá que é essencial saber comosefaz para procurar respostas, emvez de decorá-las.
Não é preciso saber de um assunto apenas porque ele é importante (há muitos assuntos importantes no universo, eé
difícil saber qual devemos estudar primeiro). Além disso, é provável quenosso tempo devida seja curto. Com certeza, não
poderemos saber de tudo, poderemos? Então, qual a melhor coisaa sesaber?
Pronto. Você acabou de fazer uma questãofilosófica.
r -f
Í
Poseidon, deus grego dos mares.
Rodin: O Pensador.
6 • FILOSOFIA
> História da filosofia: o início
Apesar de a discussão de ideias ser uma constante na história do
pensamento filosófico, há uma relativa unanimidade quanto ao ponto
de início da filosofia. É muito comum ler nos livros que a filosofia nas-
ceu na Grécia por volta do século VI a.C. e, ainda, que Tales de Mileto
seja considerado o primeiro filósofo.
De fato, todas essas afirmações são verdadeiras. Diz-se, contudo,
que essa unanimidade é relativa porque se dissermos que a filosofia
tem um início, devemos, necessariamente, concluir que antes de Tales
de Mileto as pessoas não filosofavam. Se isso for verdade, o que quer
dizer? Que as pessoas, antes disso, não pensavam? O que faziam, en-
tão, os diferentes povos da Antiguidade, como os assírios e babilónios,
chineses e indianos, egípcios, hebreus epersas?
Trácia
Ásia Menor
Grécia
Mar
Egeu
:
ESCALA
L
O 120km
PROJEÇÃO DE ROBINSON
Creta
A sabedoria oriental é considerada filosofia?
Com certeza,todos esses povos tinham sua própria visão da natu-
reza. Todos eles olhavam para a terra e o céu e tentavam imaginar eex-
plicar qual era nosso lugar no universo, qual era nossa melhor maneira
de se comportar nele e, é claro, como fazer para conseguir todo esse
tipo de conhecimento. O que, então, os gregos faziam, se é que faziam,
para serem tidos como os criadores de um tipo novo de pensamento?
É claro que os gregos, assim como os outros povos, também pos-
suíam sua própria visão de mundo. A diferença, porém, é que os gre-
gos começaram a usar urna forma um pouco diferente para responder
às questões sobre a vida, sobre o universo e tudo mais: eles não apenas
imaginavam, mas tentavam obter respostas de forma filosófica l científica.
O que temos de entender aqui é que a filosofia é um pensamento
e uma reflexão, mas não é qualquer tipo de pensamento e reflexão.
Enquanto os outros povos tinham suas religiões, mitologias e conhe-
cimento, os gregos começaram a tentar obter um conhecimento fi-
losófico/científico do mundo. O que é esse pensamento filosófico/
científico é o que vamos tentar responder neste capítulo.
APiTULOl «Do mitoò
Os gregos antigos não se contentavam mais com o conhecimento
transmitido pela tradição ou por aquilo que era considerado certo, mas
que é certamente muito duvidoso. Para eles, era preciso não só saber
das coisas, mas saber o porquê das coisas. Quais eram suas causas,suas
origens, as razões e as circunstânciasque as fizeram ser daquela manei-
ra. A filosofia requer um conhecimento mais rigoroso do mundo, e a
razão é ferramenta fundamentalpara se atingir esse objetivo.
Contudo, isso nos faz cair em duas questões: o que realmente há na
filosofia que não há em nenhum outro tipo de pensamento de outros
povos? E, já que os gregos tinham sua própria mitologia, qual era a
diferença entre ela e a filosofia nascente?
> Omito e a filosofia: continuidade ou ruptura?
É importante se perguntar "por que e como se deu a passagem do
mito para a filosofia?", pois essa pergunta pode ser traduzida em "por
que e como o ser humano deixou de se contentar com a linguagem
metafórica das histórias para desejarum método mais rigoroso que lhe
proporcionasse, de maneira mais clara e distinta, conhecimento?". Em
outras palavras, por que o homem criou, além de sua crença, a filosofia
e a ciência para compreender o universo? E uma questão que, de certa
maneira, permanece até os dias de hoje.
Iremos apresentar duas maneiras de responder a essa pergunta. A pri-
meira afirma que a filosofia grega surge como rompimento com o pensa-
mento mitológico, ou seja, seu caráter é tão original que quase nada tem a
ver com amitologia. Nessa interpretação, filosofia emito não se misturam,
visto que há ruptura clara e determinante. Dessa maneira, a filosofia surge
como manifestação essencialmente original do pensamento.
Por outro lado, temos uma ideia que defende que a filosofia é um
desenvolvimento contínuo do pensamento mitológico. Nela, a lógica sur-
gida no mito simplesmente perde seu caráter fantasioso para ganhar uma
linguagem mais clara e menos religiosa. Apesar de certas diferenças entre
mito e filosofia, essa teoria afirma que a filosofia apenas usa de uma nova
linguagem para discorrer das mesmas coisas que o mito já falava.
> Hegel e John Burnet - rupturaentre mito e filosofia
Para o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831), há uma di-
ferença básica entre filosofia e pensamento mitológico/religioso que
é fundamental. A filosofia oriental, como ele chama as religiões do
Oriente (China, índia), dizia que averdade é o absoluto indeterminá-
vel. Isso quer dizer que a origem do universo, ou a força que o criou,
ou, ainda, o lugar em que a verdade está não pode ser determinado. O
que é determinar algo? Determinar é dizer "isto é isto e isto é aquilo".
Desse modo, quando dizemos que uma verdade é indeterminável, que-
remos dizer que ela é impossível de ser determinada, de ser apontada.
Ela não recebe nomes e, logicamente, não pode ser conhecida. Assim,
não se pode falar dela e, a realidade verdadeira, para a filosofia oriental,
é impronunciável. Friedrich Hegel.
8 • FILOSOFIA
John Burnet.
Para o pensamento oriental, portanto, as coisas que vemos no
mundo não são verdadeiras, e a ideia ocidental de que existe uma coisa
singular é uma ilusão. Não existem indivíduos, existe apenas o todo
absoluto, o indizível.
A diferença, segundo Hegel, é que a filosofia ocidental afirma que
não há uma coisa indefinida, indeterminada, indizível. Há coisas que po-
dem ser determinadas, pensadas, pronunciadas e conhecidas. E essas
coisas são reais, e o princípio de tudo, ou agente criador de todas as
coisas, criou-as como coisas individuais que podem ser conhecidas.
Ainda segundo Hegel, a filosofia surge na Grécia porque há desa-
parecimento da sociedade patriarcal e o surgimento das cidades livres
organizadas por lei, já que para ele não se pode separar o surgimento da
filosofia da criação da democracia, da política e da lei. Assim, o surgi-
mento da filosofia se daria a partir de uma série de condições históricas.
Também defendendo a ruptura entre mito e filosofia, para o histo-
riador inglês John Burnet (1863-1928), a filosofia apresenta uma funda-
mentação totalmente nova baseadana lógica e na razão. Ele afirmava que
a mitologia não fazia questão de esconder suas contradições e alegorias
desprovidas de lógica, porque justamentenão percebia a importância de
um conhecimento lógico e de uma necessidade de argumentar suas posi-
ções. Além disso, a mitologia sempre quer explicar algo que já aconteceu,
conta histórias do passado, das origens do mundo para explicar como
ele é na atualidade. Segundo Burnet, a atitude da filosofia é totalmente
diferente: ela deseja um conhecimento independente do tempo, além de
construir hipóteses e teorias para explicar o mundo; espera encontrar um
conhecimento por causas e não por crença.
Burnet diz que:
justamente, osgregosforam osprimeiros a encarar ogeocentrismo como hipótese
geocêntrica epor isso nospermitiram ultrapassá-la. Os pioneiros do pensamento
grego não tinham, evidentemente, uma ideia clara do que era uma hipótese científica
[...], mas a eles devemos a concepção de uma áência exata que iria tornar o mundo
todo um objeto de investigação.
BURNET, J. Ear/y Greefe Phi/osophy. Trad. francesa. Paris: Payot, l 952, p. 32. (n: CHAUI,
Marilena. Introdução à história do Filosofia: dos Pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. revista e
ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, v.l, p. 32.
Assim, a filosofia é um fenómeno essencialmente grego, porque só
esse último tinha espírito de observação e poder de raciocínio.
* Werner Jaeger e F. M. Conford - continuidade entre
mito e filosofia
O alemão Werner Jaeger (1888-1961) tem opinião diferente de
Hegel e Burnet. Para ele, a filosofia nasce do mito de tal modo que
"o começo da filosofia científica não coincide com o princípio do
pensamento racional nem com o fim do pensamento mítico", ou seja,
já no próprio mito existe uma semente de razão filosófica.
De fato, Buda é aquele que atinge o estágio de percepção de que o indivíduo (o ego) é uma ilusão. Ao atingir o nirvana (estado de plena
identificação entre indivíduo e universo), não temos mais nossa individualidade. Ela se dissolve no universo.
CAPITULO l 'Do mito àfilosofia «9
ArgumentaJaeger que, nos textos de Homero, Ilíada e Odisseia, os
deuses são antropomórficos, têm forma humana, não são tão misterio-
sos e distantes. Tornar humanos os deuses é o primeiro sinal de que o
grego quer transformar a divindade em algo familiar, próximo ao seu
próprio mundo para que, assim, possa compreendê-la. Dessa forma,
o mito é visto como um primeiro sinal de racionalização ou o exato
momento anterior ao nascimento da filosofia.
A respeito dessa transformação do mito, o filósofo menciona que:
Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, asformas monstruosas, da mes-
ma maneira que exclui do culto as práticas mágicas. Esses aspectos primitivos,
quando excepcionalmente despontam, servem justamentepara comprovar o traba-
lho realizado pelas epopeias homéricas no sentido de soterrar concepções sombrias
e aterrori^adoras, substituindo-aspela visão de um divino luminoso e acessível, de
contornos definidos porquefeito à imagem do homem.
SOUZA, José Cavalvantede. Os pré-socráf/cos: fragmentos, doxografia e comentários (Org.).
2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores).
Afirma a filósofa brasileira Marilena Chaui:
Se Tales deMikto afirma que oprincípio originário de todos os seres é a água,
não seriajustamenteporque ospoetas homéricos afirmavam que o deus Oceano era
a origem de todas as coisas?
CHAUI, Marilena.Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed.
revista e ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, v.l, p. 35.
Na mesma direção, F.M. Conford (1874-1943), estudioso helenista
britânico, diz que a filosofia simplesmente retirou o elementofantástico
do mito, em termos de linguagem, colocando no lugar algo mais
secular, com palavras sem conotações mitológicas. A filosofia seguia,
assim, as mesmas questões propostas pela mitologia.
Filosofia: nem ruptura nem continuidade
Além dessas duas posições opostas, começou a surgir uma interpreta-
ção do surgimento da filosofia que não compactua inteiramente nem com
a teoria de que a filosofia é completo rompimento com o mito, e nem que
ela seja apenas continuidade das narrativasimagétícas. Essa posição admite
que a filosofia nasceu no contexto do mito, pegando emprestado alguns de
seus temas e parte de sua coerência interna para transformá-lo em algo
novo.
A mitologia é uma história que, por meio de alegorias, tenta compre-
ender o universo. Sua característica própria é o que a limita. Por ser ale-
górica e metafórica, é preciso que se escolha acreditar em sua história. É
necessária a adesão ao mito para que este faça sentido.
Por outro lado, alinguagem filosófica tenta adquirir um conhecimento
de caráter lógico, passo a passo, mais lento e seguro (sem dar saltos, sem
deixar espaços, pleno, sequencial e contínuo). A filosofia abre mão da re-
ferência metafórica, da associação e da comparação. Ela quer conhecer as
coisas exatamente como elas são, sem nenhuma interferência de terceiros
e sem que haja a necessidade de se acreditar naquilo. Não é mais preciso
acreditar ou deixar de acreditar simplesmente porque faz sentido racional.
Afilosofianão busca, assim, a crença, masimpõe-se como consentimento
racional. Um exemplo clássico para se compreender esse consentimento
Werner Jaeger.
Helenista
Aquele que estuda a cultura e a civiliza-
ção gregas.
Secular
Que não pertence a uma ordem religio-
sa; profano, mundano.
10 «FILOSOFIA
é o seguinte: não é preciso crer que 2 + 2 seja igual a quatro. Essa verdade
simplesmente seimpõe a nossa razão, isto é,nossa razão consente que isso
é de fato verdadeiro. É esse tipo de conhecimento que afilosofiabusca.
É claro que os deuses com forma humana aproximam-se mais da
compreensão dos mortais. Contudo, as características dos homens são
atribuídas aos deuses sem exceção, levando ao mundo divino não só a
luz da razão humana, mas também suas paixões e atitudes nem sempre
caracterizadas como do mais alto grau de moralidade. Os deuses são co-
rajosos, audaciosos e espertos, mas também vingativos, temperamentais e,
por vezes,infantis.
A filosofia vai ser perguntar, então, se o universo poderia ser
controlado por entidades tão inconstantes em seus sentimentos
e ações como o próprio homem. A antropomorfização dos deu-
ses foi, portanto, um passo necessário, mas não suficiente para que os
filósofos gregos compreendessem o mundo. Há certa "razão" dentro do
mito. Zeus, o deus alto do Olimpo, por exemplo, já exerce certa posição
de controle e de mantenedor da ordem dos assuntos divinos e humanos.
Sua presença pode indicar, jána linguagem mitológica, a necessidade de se
haver um princípio único regulador.
Porém, para a filosofia, a origem de tudo deve ser impessoal, lógica,
estável e compreensível, e a linguagem deve buscar essa origem.
Leonardo Da Vinci. Leda e o Gsne,
1510-1515. Zeus se transforma em
um cisne para seduzir uma mortal.
Os deuses gregos possuem todos
os sentimentos humanos.
Filosofia nascente: características principais
Para compreendermos melhor a filosofia que nasce na Grécia, va-
mos expor as características principais desse pensamento, com termos
importantes para a fundamentação do estudo dos principais filósofos
desse período.
Eis os principais temas com que os primeiros filósofos irão traba-
lhar e pensar:
>• CAPÍTULO l -Do mito ò filosofia» II
• Logos
Palavra grega que possui vários significados: pensamento, inteli-
gência, razão, faculdade de raciocinar, fundamento, causa, princípio,
motivo, razão de alguma coisa e, também, discurso racional. Portanto,
a filosofia, principalmente a grega antiga, quer encontrar o logos do
universo, a causa racional de tudo, fazendo,para isso, o uso do próprio
logos, ou seja, de um argumento racional.
• Physis
Quer dizer, basicamente, natureza. A semelhança com a palavra
física é razoável, mas physis está mais relacionada à força responsável
pelo surgimento, transformação e morte dos seres. Também quer dizer
"natureza do ser", isto é, sua característica própria.
• Arkhé
Aquilo que está à frente, o princípio de tudo.
Com relação ao método, de forma geral, a filosofia inaugura estas
seguintes posturas:
• Carátet crítico —não se deve tomar nada como verdade antes da
investigação. O caráter crítico não quer dizer criticar a tudo e a to-
dos sem distinção, mas sim nunca aceitar uma suposta verdade sem
averiguar racionalmente a questão.
• Racionalidade - a razão é o critério de verdade, acima da crença
ou da revelação mística/poética e da tradição. Para a filosofia, a
verdade é aquilo que pode ser comprovado racionalmente, e que
vai além de crenças, misticismos, dogmas religiosos e imposições
morais.
• Conclusões —a razão não deve ser imposta, mas explicada. Deve-
-se convencer por argumentos e não por imposições.
• Respeito ao argumento racional— se um argumento é racional,
deve ser aceito, mesmo que sua opinião pessoal não concorde. A
razão é o critério de verdade e não nossa opinião.
• Inexistência de pré-conceitos - nada pode ser colocado como
verdade antes que se faça uma investigação racional.
• Generalização —a filosofia quer encontrar uma resposta geral,
que sirva para o todo. Uma resposta que deve ser até mesmo uni-
versal, servindo para todos e para qualquer época.
É claro que a própria delimitação dessas características da filosofia
é assunto de discussão filosófica. Neste momento, contudo, é impor-
tante saber que há uma aceitação de que esses princípios indiquem
parte fundamental da postura filosófica, principalmente daquela que
nasce na Grécia.
+ Condições históricas para o surgimento da filosofia
Vários fatores históricos podem indicar por que a filosofia surgiu na
Grécia do século VI a.C. Podemos citar,por exemplo, a criação da moeda,
que obrigou o homem a pensar em um símbolo abstraio para as trocas
12 • FILOSOFIA
comerciais; o surgimento da escrita alfabética, que permitiu a transcrição
abstrata do pensamento e a criação do calendário, que traduz a ideia de
tempo. A condição considerada principal, entretanto, é a criação da cha-
madapo/is, ou cidade-estado.
Polis era nome dado para as cidades que se encontravam na região
da Grécia. Havia algo de diferente nessas cidades, principalmente em
Atenas.
As primeiras experiências democráticas foram realizadas na cidade
grega chamada Quios. Entretanto, foi em Atenas que ocorreu o desenvol-
vimento e o auge da democracia. A democracia ateniense exigia a partici-
pação dos cidadãos nas discussões públicas. Na Agora (algo como centro,
a praça, local de reunião da cidade), havia as discussões em conjunto dos
assuntos que envolviam o destino da cidade. Essa decisão coletiva foi uma
renovação essencial. Com ela, desapareceu a figura do poder centralizador
para dar lugar a um conjunto de homens que deverão tomar as decisões
pela e para a cidade (polis). Como e por que esses gregos fizeram essa pas-
sagem? Por que começaram a se olhar como iguais?
A democracia exigia que os cidadãos fossem considerados iguais
para que pudessem ter o mesmo peso de importância nas assembleias,
onde era preciso argumentar suas ideias e não simplesmente impô-ks.
Assim, a democracia passa a exigir o uso do discurso racional (logos)
para que, em conjunto, apolis fosse governada.
A visão igualitária dos participantes da assembleia destitui a neces-
sidade de uma figura que centralize o poder e mantenha a ordem. Esta
não é mais focada em um indivíduo, portanto, a organização da polis
não dependia mais da imposição e do acatamento de ordem de uma fi-
gura de poder, mas era construída por meio do respeito à lei. Podemos
dizer que ela (a lei) conduzirá a cidade.
O surgimento da lei, como manutenção da ordem, forçou o ho-
mem a considerar a si mesmo como uma figura abstrata, já que ela
existe para o "cidadão" em geral. A ideia revolucionária de que "todos
são iguais perante a lei" trouxe consequências grandiosas jamais vistas.
Fez com que uma reflexão mais fina e sofisticada fosse criada para es-
tabelecer regras que servissem para todos, e essa postura se aproxima
muito da filosofia nascente. Afinal, é realmente complicado construir
uma lei que leve em consideração todas as diferenças entre os cidadãos
e que seja, ao mesmo tempo, justa para todo o conjunto.
Além disso, ao afirmar que todos são iguais, desaparece a figu-
ra do Guardião da Verdade. Esse guardião era qualquer figura que se
apresentasse como "portador da verdade", verdade que lhe teria sido
"revelada". Podia ser um poeta, um sacerdote ou homem considerado
santo ou mágico. Só ele detinha a verdade, deixando para o restante a
decisão de acreditar em suas palavras.
Em Atenas, apenas o homem grego não escravo era considerado cidadão. Mulheres,estrangeiros e escravos não tinham direito de participar
da vida pública. Muito se discute em relação à autenticidadeda democracia grega nesse sentido. Pode-se afirmar que a democracia moderna
é melhor por ter expandido os direitos a todos. Deve-se pensar, por outro lado, que mesmo com direitos assegurados, na prática, ainda hoje
eles não são todos garantidos. Em Atenas, ao contrário, nota-se que todo aquele considerado cidadão tem seus direitos adquiridos tanto na
teoria quanto na prática.
Filosofia nascente: aquela que nasceu na Grécia Antiga.
Funcionário da soberaniaou louvador
da nobreza guerreira, o poeta é sempre
um "Mestre da Verdade". Sua "Verdade"
é uma "Verdade" assertórica [afirma-
tiva]: ninguém a contesta, ninguém a
contradiz. "Verdade" fundamental, dife-
rente de nossa concepção tradicional,
Alétheia [Verdade] não é a concordân-
cia da proposição e de seu objeto, nem
a concordância de um juízo com outros
juízos; ela não se opõe à "mentira"; não
há o "verdadeiro" frente ao "falso". Aúni-
ca oposição significativa é a d© Alétheia
[Verdade] e de Léthe [Esquecimento].
Nesse nível de pensamento, se o poeta
está verdadeiramente inspirado, se seu
verbo se funda sobre um dom de vidên-
cia, sua palavra tende a se identificar
com a "Verdade".
DETIENNE, Mareei. Os Mestres da
Verdade na Grécia Arca/ca. Andréa
Daher (Trad.). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1988, p. 23.
CAPÍTULO] «Do mito ò filosofia- 13
Assim, a exigência da discussão pública forçava o uso maisrí-
gido e racional da linguagem, que pode ter aberto espaço para a
filosofia, visto que ela também faz uso de uma mesma rigidezra-
cional. O desaparecimento do Guardião da Verdade implica que não
é mais da figura de um indivíduo que o grego deve esperar respostas,
mas de sua capacidade de discurso racional. Essa autonomia também
pode ter criado condições para a reflexão filosófica, pois parte-se do
princípio de que pensar por si mesmo é essencial e que não se deve
esperar por uma resposta pronta vinda de alguém.
Desse modo, ao afirmar que todos são iguais perante a lei, chega-se
à conclusão de que todos estão livres e aptos a pensar por si mes-
mos, desde que usem de uma reflexão rigorosa para tentar encontrar
conhecimento. O filósofo ocidental, então, não é mais um sacerdote, e
sim um homem público.
É por essa razão que é dito quenão há como dissociar o surgimento
da filosofia da criação da cidade/estado, onde o uso dapalavra racional
(logos) não era apenas importante, mas essencial para a manutenção
da cidade. Desse modo, política e filosofia, aproximam-se pelo uso da
linguagem e pela dependência condicional que a primeira tem com a
última.
Revisando
Por que é importante diferenciar a mitologia da filosofia?
Quais são as duas teorias que tentam explicar a passagem entre mitologia e filosofia?
14 • FILOSOFIA
Exercícios Propostos
Por que dizemos que a filosofia nasceu na Grécia Antiga?
Isso quer dizer que outras culturas não possuíamconhecimento?
O que significa dizer que na filosofia oriental a realidadeé o absoluto indeterminável?
O que, segundo Hegel, há na filosofia ocidental que não há na oriental?
Textos Complementares
A filosofia
Inegavelmente, contudo, não é impossível que os
gregos - especialmente os dos confins: primeiro na
Jônia, na costa oeste da Ásia Menor, e mais tarde no
sul da Itália - tenham de fato gozado, em filosofia, de
uma espécie de anterioridade, Por qual razão? Talvez
por causa de sua situação geográfica, no coração do
Mediterrâneo mais urbano, mais comerciante (Mileto, de
onde são originários Tales e Anaximandro, é então uma
das cidades mais povoadas e mais prósperas do mundo
grego), mais viajante (Tales teria ido ao Egito, Demócrito
até as índias), em contato imediato com os lídios e de-
pois com os persas, a igual distância, ou quase, do Egi-
to, da Judeia e dd Mesopotâmia.,. Talvez também em
virtude de sua situação histórica, e especialmente da
descoberta quase simultânea, na Grécia, da matemá-
tica, da cidaddnia e dd democracia (que talvez tenha
sido inventada em Quio, ou seja, na Jônia, não longe
de Mileto). isso constitui um encontro singular, e singu-
larmente libertador. Umraciocínio matemático ou uma
votação não obedecem a ninguém - nemaosdeuses
nem aos reis. É nisso que eles são livres. Mas encontro
problemático também, e até aporético, já que votação
A filosofia no mundo
e demonstração tampouco obedecem uma à outra, Eis
que o logos já não depende senão de si mesmo, mas
de duas formas diferentes e até opostas (a matemática
não tem nada a fazer com uma votação, nenhuma de-
monstração faz as vezes da democracia). Esse sistema
de "duplo constrangimento", dizem-nos os psiquiatras,
é suscetível de enlouquecer uma pessoa. Eu emitira de
bom grado a hipótese de que os gregos inventaram a
filosofia para escapar a essa loucura do logos. Umavez
que este é suscetívelde dois procedimentos de decisão
(a votação, a demonstração) que são independentes
um do outro e que podem parecer incompatíveis, como
escapar ao conflito, à dúvida, à angústia, ao delírio? Estd
é apenas uma hipótese, Masnão o é o fato de que o
logos, na Grécia, se descobre livre. A filosofia, para nas-
cer, não pede muito mais. Tales, que foi também mate-
mático, era contemporâneo de Sólon; Pitágoras, outros
filósofos matemático, de Clístenes; Sócrates, de Péricles.
É difícil (embora os dois primeiros não sejam atenienses)
só ver nisso três coincidências.
COMTÉ-SPONVILLE, André. A filosofia.
Joana Angélica D'Ávila Melo (Trad.). São Paulo: Martins Fontes,
2005 p. 33-4. (Coleção Mesmo que o céuexista).
l, Seja a filosofia o que for,está presente emnosso
mundo e a ele necessariamente serefere.
Certo é que ela rompe os quadros do mundo para
lançar-se ao infinito, Mas retorna ao finito para aí encon-
trar seu fundamento histórico sempreoriginal.
Certo é que tende aos horizontesmais remotos, aho-
rizontes situados para além do mundo, a fim de ali conse-
guir, no eterno, a experiência do presente,Contudo, nem
mesmo a mais profunda meditação terá sentido se não
se relacionar à existênciado homem, aqui e agora,
CAPITULO! • Do mito ò filosofia • 15
A filosofia entrevê os critérios últimos, o abóboda
celeste das possibilidades e procura, à luzdo aparen-
temente impossível, a via pela qual o homem poderá
enobrecer-se em sua existência empírica.
A filosofia se dirige ao indivíduo. Dá lugar à livre co-
munidade dos que, movidos pelo desejo de verdade,
confiam unsnos outros. Quem se dedica a filosofar gos-
taria de ser admitido nessa comunidade. Elaestá sem-
pre neste mundo, mas não poderia se fazer instituição
sob pena de sacrificar a liberdade de sua verdade. O
filósofo não pode saber se integra a comunidade. Não
há instância que decida admiti-lo ou recusá-lo, E o filó-
sofo deseja, pelo pensamento, viver de forma tal que a
aceitação seja, em princípio, possível.
2, Mas como sepõe o mundo em relação com a
filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atu-
almente, representam uma posição embaraçosa, Por
força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada,
mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente
é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de
qualquer utilidade prática, É nomeada em público, mas
- existirá realmente? Suaexistência se prova, quanao
menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar,
A oposição se traduz em fórmulas como: a filoso-
fia é demasiado complexa; não a compreendo; está
além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e,
portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale dizer; é
inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida;
cabe abster-se de pensar no plano geral para mergu-
lhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo
qualquer ae atividade prática ou intelectual; quanto ao
resto, bastará ter "opiniões" e contentar-secom elas,
A polémica torna-se encarniçada. Um instinto vital,
ignorado de simesmo, odeia a filosofia. Elaé perigosa.
Se eu a compreendesse, teria de alterar a minha vida.
Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisasa uma
claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é
não pensar filosoficamente.
E surgedetratares, que desejam substituira obsoleta
filosofia por algo de novo e totalmente diverso. Ela é
desprezada como produto final e mendaz de uma te-
ologia falida, A insensatez das proposições dos filósofos
é ironizada. Ea filosofiavê-se denunciada como instru-
mento servil de poãeres políticos e outros.
Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto traba-
lho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são
mais fáceis de manipular quando pensam, mastão so-
mente usam de uma inteligência de rebanho. Épre-
ciso impedir que os homens se tornem sensatos, Mais
vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo en-
tediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filoso-
fia. Quanto mais vaidades se ensine, menos estarãoos
homens arriscados a se deixartocar pela luzda filosofia.
Assim, a filosofia sevê rodeada de inimigos, a maio-
ria dos quais não tem consciência dessa condição. A
autocomplacência burguesa, os convencíonalismos, o
hábito de considerar o bem-estar material como razão
suficiente de vida, o hábito de sóapreciar a ciência em
função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de
poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideolo-
gias, a aspiração a umnome literário - tuáo isso procla-
ma a antifilosofia, E os homens não o percebem porque
não se dão conta do que estão fazendo, Epermane-
cem inconscientesde que a antifilosofia é uma filosofia,
embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria
sua própria aniquilação,
3, O problema crucial é o seguinte: a filosofia as-
pira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia
é, portanto, perturbadora da paz,
E a verdade o que será? Afilosofia busca a verdade
nas múltiplas significações do ser- verdadeiro segun-
do os modos do abrangente, Busca, mas não possui
o significado e substância da verdade única, Para nós,
a verdade não é estática e definitiva, mas movimento
incessante, que penetra oinfinito.
No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A
filosofia leva esse conflito ao extremo, porém o áespe
de violência, Emsuas relações com tudo quanto existe,
o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças
ao intercâmbio com outros pensadores e ao processo
que o torna transparente a si mesmo,
Quem sededica à filosofia põe-se à procura do ho-
mem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se
interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar,
Mendaz
Mentiroso, falso.
Nefasto
Que acarreta a morte, a ruína; funesto; infausfo; nocivo; prejudicial.
Bonomia
Modo de ser ou de proceder que demonstra bondade e simplicidade. Simplicidade excessiva, extrema credulidade.
—>
16-FILOSOFIA
com seus concidadãos, do destino comum da huma-
nidade.
4, Eis por que a filosofia não se transforma em
credo, Está em contínua pugna consigo mesma.
A dignidade do homem reside em perceber aver-
dade, Só a verdade o liberta e sóa liberdade o prepara,
sem restrições, para a verdade,
É a verdade o significado último para o homem no
mundo? Éa veracidade o imperativo último? Acredita-
mos que sim, pois a veracidade sem reservas, que não
se perde em opiniões, coincide com o amor.
Nossa força está em agarrarmos os fios de Ariadne
que a verdade noslança. Masa verdade sóé verdade
total. É preciso que a verdade múltipla seja levada a
convergir para a unicidade. Jamaischegamos a possuir
essa verdade integral. Eua nego quando vou ao extre-
mo da afirmação, quando erijo o que seiem absoluto.
Eu a nego também quando tento sistematizá-la em um
todo, porque a verdade total não existe para o homem
e porque essa ilusão oparalisa.
Todo aquele que se dedica à filosofia quer viver
para a verdade, Vá para onde for, aconteça-lhe o
que acontecer, sejam quais forem os homens que ele
encontre e, principalmente, diante do que ele próprio
pensa, sente e faz está sempre interrogando. Ascoisas,
as pessoas e ele próprio devem tornar-se claro a seus
olhos. Elenão se afasta de seu contato, Ao contrário, a
ele se expõe. E prefere ser desgraçado em sua busca
da verdade a serfeliz na ilusão.
Faz-se preciso que o que é se ponha manifesto.
É possível certa confiança, mas não a certeza,
A verdade, mesmo quando nosabate, revela - se for
realmente verdade - aquilo que nossalva. E produz-se
o milagre da filosofia: se recusarmos todos os enganos,
afastarmos todos os véus, expusermos à luz todas as
inslnceridddes, se nos obstinormos d avançar de olhos
abertos, sujeitando nossas críticos a outras críticas,
essa crítica terminará por não ser destruidora. Muito ao
contrário, veremos, por assim dizer, revelar-se o próprio
fundamento das coisas onde vemos luz, como um
restaurador vai-se apercebendo de um Rembrandt por
sob a pintura posterior que o escondia,
E se a luz não se revelar? Se,ao fim, o homem des-
cobrir a máscara de Górgona e vir-se transformado em
pedra? Não temos o direito de olvidar que isso é susce-
tível de acontecer, A filosofiaseexpõe a abismos diante
dos quais não deve fechdr os olhos, assim como não
pode esperar que desapareçam por encanto.
Torna-se mais clara do que nunca a questão que,
desde o início, se pôs para o homem, O "sim" para
a vida é a grande e bela aventura, porque permite a
realização dd razão, da verddde e do amor. O "não" à
existência, traduzido pelo suicídio, é a realidade para ho-
mens diante de cujo segredo permanecemos calados,
Põe-se fronteira que não temos o direito de esquecer,
5. A filosofia se destina ao homem enquanto ho-
mem ou apenas a uma elite fechada em si mesma?
Para Platão, poucos homens são aptos à filosofia e só
adquirem tal aptidão após longa propedêutica, Há dois
tipos de vida na Terra, disse Plotino, um próprio dos sá-
bios e outro da massa dos homens, Também Espinosa
só espera filosofia do homem excepcional, Kant, po-
rém, acredita que a rota por ele traçada pode tornar-se
um caminho real: o filosofia aí está para todos, Eseria
mau se fosse diferente. Osfilósofos não passam de ela-
boraáores e guardiães de atas, onde tudo deve estar
justificado com precisão máxima.
Contra Platão, Plotino, e quase todd d tradição,
acompanhamos Kant. Trata-se de uma decisão filosófi-
ca de grande alcance para a atitude interior do filósofo,
Corresponde a uma recusa de se prosternardiante da
realidade; foi assim até agora e assim é hoje; mas não
deve permanecer assim e assim não continuará, Dar-
-se-ão ouvidos a exigências do homem como homem,
exigências frequentemente ocultadas e reduzidas de
importância, afastadas e negligenciadds, A decisão
cobe d cada indivíduo,
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico.
São Paulo: Cultrix, 1965, p.138-42.
Fios de Ariadne
Ariadne, na mitologia grega, era filha de Minos, rei de Creta. Quando Teseu foi a Creta para matar o Minotauro, Ariadne se apai-
xonou por ele. O Minotauro vivia num labirinto. Quando Teseu entrou no labirinto, Ariadne lhe deu um novelo de linha para que
pudesse achar o caminho de volta. O fio de Ariadne, portanto, é muitas vezes empregado, figuradamente, para designar o indício
que serve de guia, de orientação para nos livrar de dificuldades.
Propedêutica
Ciência preliminar preparatória. Introdução à ciência.
»> CAPITULO l • Do mito ò filosofia • 17
Resumindo
A filosofia nasce na Grécia Antiga por volta do século VI a.C.
O nome do primeiro filósofo é Tales de Mileto.
Há necessidadede se compreender a separação entre filosofia e mitologia.
Para Hegel, a filosofia ocidental é aquela que afirma que a realidade das coisas individuais pode ser conheci-
da, diferentemente do pensamento oriental, que diz que a realidade é o todo absoluto, indizível.
Burnet diz que a filosofia é fruto da originalidade grega, única a se preocupar com o raciocínio lógico e com
as observações sistemáticas das coisas. Hegel e Burnet afirmam a ruptura entre mito e filosofia.
F. M. Conford e Jaeger afirmam a continuidade entre mito e razão. Para eles, a filosofia tem a mesma estrutura
do mito, mas com uma linguagem própria.
O nascimento da filosofia está totalmente vinculado à construção da po//s (cidade-estado). Filosofia, política e
lei são interdependentes.
Quer saber mais?
LIVROS
CAMPBELL, Joseph; O poder do mito. MOYERS, Bill. Carlos Felipe Moisés (Trad.). São Paulo: Palas Athena, 1990.
CHAUI, Marilena. Introdução ò história da Filosofia: dos pré-socrátícos a Aristóteles. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002, v.l,
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
VERNANT, Jean-Pierre. /As origens do pensamento grego. 9 ed. Riode Janeiro: Bertrand Brasil, l 966.
FILME
O mundo de Sofia. Noruega e Suécia. Direção de Erik Gustavson. 1999.
l
Exercícios Complementares
Qual a posição deJohn Burnet em relação à questão do mito e da filosofia?
Por que diz o autor Jaeger que já na mitologia havia um certo tipo de razão?
O que quer dizer ,
Você leu que "a razão é o critério de verdade, acima da crença ou da revelação mística/poética e da
tradição". O que isso significa?
Comente sobre a relação entre e o início da filosofia.
FILOSOFIA
Por que a criação da lei se aproxima do pensamento filosófico?
Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo
o que havia de ruim no céuetéreofoi expulso, oupara aprisão do Tártaro oupara a Terra, entre os mortais. E os homens, o
que acontececom eles?Quem são eles?
VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Rosa Freire d'Aguiar (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 56.
O texto acima é parte de uma narrativamítica. Considerando que o mito pode ser uma forma de conheci-
mento, assinale a alternativa correta.
(a) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação.
(b) O conhecimento mítico segueum rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suasverdades.
(c) As explicações míticas constroem-se.de maneira argumentativa e autocrítica.
(d) O mito busca explicações definitivasacerca do homem e do mundo, e suaverdade independe deprovas.
(e) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não
contradição.
Q UEL2007
"Há,porém, algo defundamentalmente novo na maneira como osgregospuseram a serviço do seuproblema último —da origem
e essência das coisas— as observaçõesempíricas que receberam do Oriente e enriqueceram com as suas próprias, bem como no
modo de submeter aopensamento teórico e causal o reio dos mitos,fundado na observação das realidades aparentes do mundo
sensível: os mitos sobre o nascimento do mundo".
JAEGER, W. Paideio. Artur M. Parreira (Trad.). 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. l 97.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação entre mito e filosofia na Grécia, é correto afirmar:
(a) em que pese ser consideradacomo criação dos gregos, a filosofia se origina no Oriente sob o influxo da
religião e apenas posteriormente chega à Grécia;
(b) a filosofia representa uma ruptura radical em relação aos mitos, representando uma nova forma de pen-
samento plenamente racional desde as suas origens;
(e) apesar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual;
(d) filosofia e mito sempre mantiveramuma relação de interdependência,uma vez que o pensamento filo-
sófico necessita do mito para se expressar;
(e) o mito já era filosofia, uma vez que buscava respostas para problemas que até hoje são objeto da pes-
quisa filosófica.
Pré-socróticos: filósofos do cosmo
Os primeiros
filósofos
procuravam
saberáelemento
original.de
queéfeito o
universo.Sua
filosofiaestava
interessada,
portanto, em
compreender
radonanaímeníe
o universo.
RAFAEL SANZIO/WlKÍPEDÍA
O universo
ordenado
racionalmente
passa aser então
compreendido
como um cosmo.
É por isso que
essa filosofia
pode ser
chamada de
cosmológica.
20 • FILOSOFIA
Tales de Mileto inicia a filosofia ao pensar
"tudo é água".
> Filosofia e cosmologia
A filosofia dos pensadores tratados neste capítulo, apesar de po-
der parecer relativamente distante de nossos conhecimentos científicos
atuais, influenciou fundamentalmente o pensamento ocidental. Apesar
de seu vocabulário filosófico próprio e de suas diferentes respostas,
suas questões estão próximas das reflexões que ainda se fazem, seja no
mundo académico, seja na vida. O que importa para esses pensadores
é responder a uma questão primordial: como pode existir a verdade e
ao mesmo tempo a mudança? Como pode algo permanecer o mesmo
no mundo onde tudo está em constante mudança? Como conciliar o
Ser e o movimento?
Essas questões podem ser expressas de outra forma: qualquer pes-
soa em idade adulta mudou muito desde seu nascimento. Mas algo
permanece: apesar da mudança, essa pessoa ainda é a mesma. Exis-
te, portanto, a reflexão sobre o convívio do Ser (neste caso, a mesma
pessoa) com o movimento (alguém que foi um bebé e agora tem que
escolher uma carreira).
Para responder a essa questão, os filósofos pré-socráticos vão ten-
tar explicar qual é o princípio do universo que permite que haja Ser
(permanência) e mudança ao mesmo tempo. Esses filósofos são cha-
mados de "pré-socráticos", pois além de se situarem cronologicamente
antes de Sócrates, possuem um tema em comum. Suas preocupações
filosóficas eram com a cosmologia, ou seja, com a visão de que o uni-
verso é dotado de ordem passível de conhecimento racional.
Tales deMileto - tudo é água
Há poucos registros biográficos sobre Tales de Mileto, assim como
faltam também fontes diretas sobre sua filosofia. É provável que Tales
não tenha deixado uma obra escrita; conhecemos seu pensamento pe-
los comentários feitos nas obras de filósofos posteriores, como Aris-
tóteles, Teofrasto e Simplício. Também não se sabe qual a sua cidade
de origem, no entanto, alguns o consideram fenício. De acordo com
o historiador grego Heródoto, Tales de Mileto foi um dos Sete Sábios
da Grécia arcaica. O auge de seu pensamento filosófico também não
possui uma data segura e possivelmente está entre 597 a.C. e 548 a.C.
Tales foi colocado como símbolo do filósofo contemplativo que
esquece o mundo prático. Entretanto, os poucos relatos que temos
dele mostram uma imagem diferente. Ele foi um político ativo e um
de seus projetos políticos foi unir as cidades daJônia para combater os
persas. Também se interessava por engenharia, estudou os rios (inclu-
sive o rio Nilo) e era um comerciante talentoso. Além disso, realizou
pesquisas sobre a astronomia: descobriu a constelação de Ursa Maior
e fez previsões de eclipses solares.
Ser
No sentido absoluto, sem nos referirmos à distinção que cada filósofo faz dessa palavra, Ser significa aproximadamente existir - é o con-
trário de não ser. É aquilo que permaneceu, permanece e permanecerá.
Sete sábios gregos
É o título comumente dado a sete filósofos do século VI a.C., que foram celebrados por sua sabedoria nos séculos seguintes. Entre os
comumente listados estão Tales, Pítaco, Brias, Sólon, Cleóbulo, Míson e Quílon.
Pré-socróficos: filósofosdocosmo «21
Tales também é reconhecido por ter provado algumas teorias em
Geometria. Um de seus teoremas afirma que um círculo é seccionado
em duas partes iguais por qualquer diâmetro. Outro afirma que doistri-
ângulos são congruentes (com formato e tamanho iguais) se dois ângu-
los e um lado forem iguais.
Aristóteles, um dos principais filósofos gregos e de toda a história,
apresenta Tales de Mileto como o fundador da filosofia cosmológica.
Isso quer dizer que Tales foi o primeiro a querer tentar compreender
o universo e os fenómenos naturais nele contidos de forma racional,
discursiva e sistemática, sem fazer uso da linguagem mitológica.
O núcleo central do pensamento de Tales pode ser encontrado em
dois comentários escritos, respectivamente, por Aristóteles e Cícero
(poeta romano).
A maiorparte dosprimeirosfilósofosconsiderava como osúnicosprincípios de
todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres
são constituídos e de queprimeiro sãogerados e em quepor fim se dissolvem, tal é
para eles o elemento, oprincípio dos seres; epor issojulgam que nada se cria nem
se destrói, como se tal natureza subsistissepara sempre... Tales, ofundador de tal
filosofia, di^ ser a água oprincípio epor isso também declarou que a terra está
sobre a água.
Aristóteles. "Metafísica", v. 3. 983 b 6 ( DK l l a 12). In: Pré-Socráticos.
São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 7 (Os Pensadores).
Tales de Mileto, oprimeiro a interrogar estesproblemas, disse que a água é a
origem das coisas e que deus é aquela inteligência que tudo fay da água.
O J J O J ^ / V s O
Cícero. "Da natureza dos deuses", /n: CHAUI, Marilena. Introdução ò história da filosofia.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 56.
A água ou o úmido é o princípio de todo o universo. A grandeza
de Tales está em não afirmar, como antes fazia a mitologia, qual era a
qualidade ou coisa primitiva. Ele busca qual é o elemento que no pas-
sado, no presente e no futuro é o fator primordial de todas as coisas do
universo. Em outras palavras, responde à questão "do que o universo
efeito?"
E Tales responde: de água.
Quais seriam as razões para Tales de Mileto ter escolhido a água
como princípio de todas as coisas? Os filósofos posteriores, comen-
tadores e intérpretes de sua obra, oferecem algumas razões para essa
escolha.
A água se apresenta sob os mais variados estados da matéria, seja
sólido, líquido ou gasoso. Na passagem de um estado para outro, ape-
sar de mudar sua aparência, ela permanece a mesma em sua essência.
Dessa forma, a chuva pode fazer pensar que a água é um elemen-
to constitutivo do céu. A água está presente também na superfície da
Terra na forma dos rios. Sem contar nos oceanos que cercam todo o
planeta. Todos esses fatos podem ter feito Tales pensar na água como
princípio de todas as coisas.
22 • FILOSOFIA
"Tudo é água"
A maior parte dos primeiros filósofos
considerava como os únicos princípios
de todas as coisas os que são da
natureza da matéria. Aquilo de que
todos os seres são constituídos, e
de que primeiro são gerados e em
que por fim se dissolvem, enquanto
a substância subsiste mudando-se
apenas as afecções, tal é, para eles, [...]
o princípio dos seres; e por isso julgam
que nada se gera nem se destrói, como
se tal natureza subsistisse sempre...
Pois deve haver uma natureza qualquer,
ou mais do que uma, donde as outras
coisas se engendram, mas continuando
ela a mesma. Quanto ao número e à
natureza destes princípios, nem todos
dizem o mesmo. Tales, o fundador de
tal filosofia, diz ser a água [o princípio]
(é por este motivo também que ele
declarou que a terra está sobre água),
levado sem dúvida a esta concepção
por ver que o alimento de todas as
coisas é úmido, e que o próprio quente
dele procede e dele vive (ora, aquilo
de que as coisas vêm é, para todos, o
seu princípio). Por tal observar adotou
esta concepção, e pelo fato de as
sementes de todas as coisas terem a
natureza úmida; e a água é o princípio
da natureza para as coisas úmidas.
Alguns há quepensam que também os |
mais antigos, bem anteriores à nossa
geração, e os primeiros a tratar dos
deuses, teriam a respeito da natureza
formado a mesma concepção. Pois
consideravam Oceano e Tétis os pais
da geração e o juramento dos deuses a
água, chamada pelos poetas de Estige;
pois o mais venerável é o mais antigo;
ora, o juramento é o mais venerável.
Aristóteies. "Metafísica", l, 3. 983 b ó
(DK 11 a 12). In: Pré-socráficos. São
Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 7
(Os Pensadores).
A água também está diretamente ligada à vida. Todo ser vivo ne-
cessita de água para viver. Além disso, as sementes são úmidas; opos-
tamente, um cadáver é seco. Assim, umidade e água estão diretamente
associados à vida, enquanto a falta desses elementos, ao esgotamento
dela. As cheias dos rios proporcionam vida na agriculta. Ademais, al-
guns fósseis de animais marinhos foram descobertos em montanhas, o
que pode ter feito Tales pensar que no início do cosmo tudo era água.
Talvez um motivo ainda mais forte seja o fato de que, segundo a
mitologia grega, havia o Oceano que circulava todo o planeta e que deu
origem ao mundo. Essa é uma explicação que está em sintonia com o
contexto de Tales: uma explicação racional para um mito.
s
Ao afirmar "Tudo é água", Tales almeja dar uma explicação racional a uma narrativa mitológica
A água, para Tales, não era somente o elemento primordial de to-
das as coisas, mas também a causa da mudança de todas as coisas.
A água seria o elemento que permite e proporciona o processo de
transformação de todas coisas, ou de modo mais simples, a água é
o elemento que permite e proporciona o devir. A água é fluxo, está
em constante mudança, passa por todos os estágios, mas permanece a
mesma. Qualquer transformação, processo e mudança do cosmo ocor-
re pelas propriedades intrínsecas da água.
Devir
A mudança, considerada em sua globalidade.
»> CAPÍTULO 2 • Pré-socróficos: filósofos docosmo • 23
Atualmente, pode-se pensar que haja certa ingenuidade em imagi-
nar que a água é o elemento constitutivo de todas as coisas. Contudo,
não é isso o que está em jogo. Não se trata de Tales ter comprovado
ou não cientificamente que a água é o princípio de tudo, mas compre-
ender o raciocínio que o fez pensar na necessidade de um princípio
imutável. Com apenas a frase "tudo é água", Tales compreende que
a multiplicidade de um universo deve ter uma causa comum. Isso
é revolucionário, pois, pela primeira vez, pensa-se que um fenómeno
ocorre por uma causa inteligível, isto é, que podemos conhecer. Desse
modo, o mundo não se explica por uma narrativa mitológica, mas por
elementos que fazem parte do nosso próprio mundo. E mais, pode-
mos conhecer esses elementos. "Tudo é água", diz Tales, e os filósofos
posteriores até poderão discordar, mas a filosofia já estava em pleno
processo.
Anaxímsitdro deMfleto - oprincípio detudo é oilimitado
Como qualquer filósofo pré-socrático, não se sabe muito sobre a
vida de Anaximandro de Mileto. É descrito como discípulo e sucessor
de Tales. Outros relatos afirmam que deixou uma obra escrita cujo
nome é Sobre a natureza, que pode ter sido o primeiro livro de Filosofia
escrito em grego.
Assim como Tales, Anaximandro possuía interesses práticos. Tra-
balhou na confecção daquele que é considerado um dos primeiros
mapas-múndi, que continha a descrição de todo o mundo habitado
conhecido de sua época. Teve grande importância no desenvolvimen-
to da astronomia grega, na medida em que inventou o relógio de sol,
introduziu o esquadro e a medição entre estrelas. Construiu um argu-
mento para explicar por que e como a Terra, sendo o centro do univer-
so, permanece imóvel. Segundo ele, a Terra ocupa o centro sem estar
sustentada por nada, a não ser por um equilíbrio interno de todas as
suas partes. Por sua forma (cilíndrica), por seu equilíbrio interno e por
estar no centro do universo, a Terra não tem motivos para se mover,
ou seja, está desinteressada em praticar movimento.
Mais uma vez, aqui não é importante o quanto Anaximandro esta-
va certo em suas elucubrações de acordo com o que sabemos hoje de
astronomia moderna. É relevante a maneira segundo a qual ele faz isso,
pois se propõe a apresentar e discorrer sobre argumentos racionais
para defender sua proposição.
De Tales para Anaximandro, temos um salto importante para a
filosofia. Para Anaximandro, o princípio de todas as coisas não é iden-
tificado com nenhum dos elementos que podemos encontrar na na-
tureza, seja água, fogo, ar ou terra. Para Anaximandro, nenhuma das
coisas que podemos perceber pelos nossos cincos sentidos constituem
o princípio. O princípio é o ápeiron, termo grego que quer dizer "o
ilimitado, o indefinido e o indeterminado". Esse princípio, como dito,
não é nenhum elemento encontrado na natureza;mas, ao mesmo tem-
po, está em tudo e em todos eles.
Anaximandro de Mileto: o princípio é o infinito.
24 • FILOSOFIA
Representação do possível mapa feito por
Anaximandro. Ele foi um dos primeiros a
tentar fazer uma representação da Terra e
supor que ela está solta no espaço: "A terra
não é sustentada por nada, mas fica imóvel
devido ao fato de estar igualmente distante
de todas as demais coisas. Sua forma é igual
à de um tambor. Caminhamos numa de suas
superfícies planas, enquanto a outra fica do
lado oposto."
Dentre os que afirmam que há um só
princípio, móvel e ilimitado, Anaximandro
[...] disse que ápeiron (ilimitado) era
o princípio e o elemento das coisas
existentes. Foi o primeiro a introduzir o
termo princípio. Dizque estenãoé aágua
nem algum dos chamados elementos,
mas alguma natureza diferente,
ilimitada, e dela nascem os céus e
os mundos neles contidos [...] Assim
ele diz em termos acentuadamente
poéticos. É manifesto que, observando
a transformação recíproca dos quatro
elementos, não achou apropriado fixar
um destes como substrato, mas algo
diferente, fora estes, [...]
Simplício. "Física", 24, 13 (DK 12 a 9).
In: Pré-socráf/cos. São Paulo: Abril
Cultural, 1978, p. 15. (Os Pensadores).
Costuma-se traduzir dessa maneira o núcleo da filosofia de Anaxi-
mandro:
[...] "Todas as coisas se dissipam onde tiveram sua génese, conforme a neces-
sidade, pagando uma às outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a deter-
minação do tempo. O ilimitado é eterno. O ilimitado é imortal e indissolúvel". [...]
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 59.
Nessa filosofia, há uma originalidade e uma profundidade excep-
cionais: o princípio, a realidade última das coisas, só pode ser o infinito,
justamente porque, enquanto tal, ele não tem princípio nem fim. É in-
gênito e imperecível e, Beatamentepor isso, pode ser princípio das outras
coisas. O princípio, que é o infinito, envolve e circunda assim como
determina e governa todas as coisas.
A importância da reflexão de Anaximandro revela-se na necessidade
de um infinito, que não é perecível, ou seja, que não tem fim, mas que
também não tem início. Desse modo, o infinito torna-se eterno: aqui-
lo que não tem princípio nem fim e, por isso, pode ser a causa de
todas as coisas que têm princípio e fim. A influência do seu pensa-
mento é tão vasta que o conceito de eterno fará parte das três grandes
religiões modernas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Vale lembrar,
entretanto, que o princípio de tudo, o infinito, não é outro mundo além
do natural. Entretanto, está inserido e permite a existência da natureza.
Compreender o cosmo é objetivo de Anaximandro. Inserido no meio
do coração de realidade mutável, está o princípio, o infinito, que permi-
te que a finitude das coisas se realize. Para Anaximandro, se há coisas
finitas, é porque há o infinito que é a causa de todas as coisas.
Pitágoras - os pitagórícos
Para os pitagóricos, a ciência e a filosofia eram mais que um fim,
mas um meio pelo qual poderíamos realizar uma reforma em nossa
maneira de viver.
Do ponto de vista da filosofia, na busca do princípio de todas as
coisas, os pitagóricos atribuem ao número e a seus elementos constitu-
tivos o elemento primordial. Um fragmento, de autoria de Aristóteles,
pode esclarecer tal ponto:
Ospitagóricospor primeiro aplicaram-se às matemáticasefizeram-nasprogre-
dir, e, nutridospor elas, acreditaram que osprincípios delasfossem osprincípios de
todos os seres. E, posto que nas matemáticasos números são, por sua natureza,
os primeiros princípios ejustamente nos números eles afirmavam ver, mais que
nofogo, na terra e na água, muitas semelhanças com as coisas que são e segeram
[...]; e ademais, posto que viam que as notas e os acordes musicais consistiam em
números, e, enfim, porque todas as outrascoisas, em toda a realidade, pareciam-lhes
ter sidofeitas à imagem dos númerose que os númerosfossem o que éprimeiro em
toda a realidade, pensaram que os elementos do númerofossem elementos de todas
as coisas, e que todo o universofosse harmonia e número.
Aristóteles. "Metafísica". In: REALE, Giovanni. História da filosofia antiga, v. l, p. 79.
São Paulo: Loyola, 1993.
»• CAPITULO 2 • Pré-socréticos: filósofos do cosmo • 25
Para Pifágoras e seus discípulos, a realidade é o número.
É importante ressaltar que os pitagóricos foram os primeiros estu-
diosos sistemáticos das matemáticas. Desse modo, foram os pioneiros
a notar que uma série de fenómenos naturais poderiam ser traduzidos
por meio de relações matemáticas. Por exemplo, a música é traduzível por
números e por determinações numéricas; a diversidade dos sons que
produzem os martelos ao bater sobre uma bigorna depende da dife-
rença de seupeso; a diversidade dos sons poderá também depender do
comprimento das cordas. Ou seja, os pitagóricos descobriram as relações
harmónicas das notas e as leis matemáticas que as regiam.
O que parece estranho, atualmente, é compreender de que maneira
os pitagóricos puderam pensar que o princípio da realidade fosse o
número. Essa dificuldade acontece pelo seguinte motivo: o número é,
atualmente, apenas uma representação abstraía de uma coisa objetiva,
seja umlivro, ou trezentos discos. Entretanto, para os pitagóricos, os nú-
meros têm tanta realidade quanto os objetos; não são apenas represen-
tação, mas seres que bastam em si mesmos; não são apenas um código
ou uma nomenclatura, mas entidades que têm realidade própria. Para
os pitagóricos, o número não é apenas tão real quanto as outras coisas,
mas ainda mais real que elas.
26 • FILOSOFIA
Por que o número é mais real que as coisas? Porque o número é
uma entidade imutável e sempre idêntica a si mesmo. Por sua imutabi-
lidade e identidade, o número pode ser considerado um princípio das
coisas variáveis que necessitam de uma causa inicial.
@s afoinisfas
O átomo é, assim como foram as outras filosofias pré-socráticas,
a busca pelo princípio de todas as coisas. Dois são os principais re-
presentantes do atomismo: Leucipo e Demócrito. Vamos, contudo,
concentrar-nos nas ideias de Demócrito.
A filosofia atomista está diante do mesmo problema tratado pelos
filósofos anteriores, isto é, como explicar que existe o Ser e ao mesmo
tempo a mudança?
No Renascimento, Demócrito era conhecidocomo o filósofo que ri.
O Ser não pode mudar, pois, se mudar, não é Ser. Se o Ser é imutá-
vel, não há necessidade de haver espaço vazio onde a mudança possa
ocorrer. Portanto, não pode haver vazio. Ao mesmo tempo, sem vazio
não há movimento. Mas a experiência nos mostra diariamente que há
movimento. Como explicar essa condição?
CAPÍTULO 2 • Pré-socráticos: filósofos do cosmo • 27
Os atomistas vão dar um jeito: existe o Ser e o vazio. E esses dois
vértices podem conviver.
Há vazio? Sim. Essa é a grande contribuição dos atomistas. O va-
zio, antes deles, era sinónimo de não-ser ou, simplesmente, sinónimo
de nada. Para os gregos, o nada não pode existir. Entretanto, os atomis-
tas vão dizer que o vazio é simplesmente espaço sem preenchimento.
Em outras palavras, o espaço pode ser real, sem ser corporal. Nesse
caso, o "espaço que não é corporal" recebe o nome de va^io.
Contudo, ainda há a necessidade de se explicar o Ser indivisível. Para
os atomistas, esse Ser, na verdade, são muitos, mas são imutáveis. Ou
seja, na verdade, são átomos que possuem qualitativamente os principais
atributos do Ser: são indivisíveis, imutáveis e inifinitos.
O trecho a seguir, de Aristóteles, é perfeitamente claro para se
compreender o pensamento atomista:
Eeuápo e Demócrito explicaram a natureza das coisas sistematicamente,e
ambos com a mesma teoria, pondo um princípio conforme com a natureza [dos
fenómenos]. [...] Eeucipo, ao invés, afirma ter encontrado a via de raciocínios que,
dando uma explicação de acordo com apercepção sensível, não levasse a negar nem
a geração nem a destruição nem o movimentonem a multipliãdade das coisas. En-
quanto, de um lado, elefa^ concordar a sua doutrina com osfenómenos, de outro,
aos que sustentam o Uno porque não pode existir o movimento sem o va^io, ele
concede que o va^io é não ser e que do Ser nada é não ser, pois o Ser em sentido
próprio é absolutamentepleno. Mas esse absolutamentepleno não é uno, antes, um
infinito número de corpos, invisíveis pelapequem^ do seu volume. E estes corpos
estão em movimento no va^io (para ele,defato, existe o va^io) e reunindo-se, dão
lugar à geração e, separando-se à destruição. Eles exercem e recebem ações quando
sepõem em contato: o que é, defato, aprova de que não são um. E geram as coisas
coligando-se e estreitando-se.[...]
Aristóteles. "A geração e a corrupção", /n: REALE, Giovanni. História da filosofia aníiga,
p. 152-3. São Paulo: Loyola, 1993.
Isto é, átomos são fragmentos do Ser (verdade) que mantêm a es-
sência do próprioSer.
Para leitores modernos, a palavra átomo faz pensar na famosa ima-
gem de elétrons e nêutrons. Contudo, evocar essa imagem traz uma vi-
são equivocada dessa filosofia grega. O átomo, nesse contexto, deve
ser compreendido como átomo-ideia, um princípio inteligível
que permite que haja mudança no cosmo, sem alterar a essência
das coisas. O átomo é indivisível. Mas essa particularidade não foi
assim decretada por experiência ou observação, mas por necessidade
lógica. Enquanto fundamento da realidade, não pode se dividir e não
pode mudar, pois é justamente o princípio das coisas. Esse átomo é
invisível, pois aquilo que pode ser percebido pela visão possui tamanho
suficiente para ser passível de divisão.
Dos átomos qualitativamente iguais, quantitativa e geometricamen-
te diferenciados, derivam todas as coisas que são, todas as qualidades
e estados.
De onde brota o movimento desses átomos, o que os faz coligar-se
e separar-se para formar e deformar todas as coisas? De onde vem o
movimento dos átomos? No caso dos atomistas, eles vão dizer que o
Demócrito - os átomos filosóficos
[...] Demócrito julga que a natureza das
coisas eternas são pequenas substâncias
infinitas em grande quantidade. Para
estas admite um outro lugar infinito em
grandeza. E chama o lugar com estes
nomes de vazio, de nada, de infinito,
e cada uma das substâncias com os
nomes de algo, de sólido e de ser.E julga
que as substâncias são tão pequenas
que fogem às nossas percepções. E lhes
são inerentes formas de toda espécie,
figuras de toda espécie, e diferenças
em grandeza. Destas, pois, como de
elementos, engendra e combina todos os
volumes visíveise perceptíveis.
Simplício. "Física", 24, 13 (DK 12 a 9).
/n: Pré-socráficos. São Paulo: Abril
Cultural, 1978, p. 31 l (OsPensadores).
Os átomos são fragmentos do Ser (verdade),
que mantêm a essência do próprio Ser.
28 • FILOSOFIA
movimento provém do movimento. É da natureza dos átomos assim
se comportar. O universo e todas as coisas contidas nele, desde o grão
de terra até as estrelas, são causados pelos átomos, que têm sua origem
única e exclusivamente neles e em seu movimento. Daí, podemos tirar
a consequência de que, para os atomistas, tudo o que existe no univer-
so obedece uma regra mecânica e necessária, além de inteligível.
Esse átomo-ideia é a primeira afirmação da individualidade, da
substancialidade de uma essência individual na filosofia grega. Aqui se
encontra a grande contribuição de Demócrito.
Revisando
I Por que podemos dizer que as filosofias pré-socráticas têm na cosmologia sua principal preocupação
filosófica?
l Faça uma relação dos filósofos e de seus respectivos princípios sobre o elemento primordial do cosmo.
Exercícios Propostos
A afirmação de Tales "tudo é água" pode ser considerada o início dafilosofia?Justifique.
Qual a contribuição da filosofia de Anaximandro?
Explique por que os pitágoricos afirmavam que tudo era feito de números.
Explique a contradição que há entre Ser e movimento e como a filosofia atomista resolve essa questão.
CAPÍTULO 2 • Pré-socráficos: filósofos do cosmo • 29
l Textos Complementares
Tales de Milefo
A filosofia grega parece começar com uma ideia
absurda, com a proposição: a água é a origem e a
matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-
-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em
primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo
sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque
o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro
lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisá-
lida, está contido o pensamento: "Tudo é um". A razão
citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comuni-
dade com osreligiosos e supersticiosos, a segunda o tira
dessa sociedade e no-lo mostra como investigador dd
natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o
primeiro filósofo grego. Se tivesse dito: "Da água provém
a terra", teríamosapenas uma hipótese científica, falsa,
mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do científi-
co. Ao expor essa representação de unidade através da
hipótese da água, Tales não superou o estágio inferior
das noções físicas da época, mas, no máximo, saltou
sobre ele. As parcas e desordenadas observações de
natureza empírica que Tales havia feito sobre a presen-
ça e as transformaçõesda água ou, mais exatamente,
do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo
aconselharia tão monstruosa generalização; o que o
impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença
que tem suaorigem em uma intuição mística e que en-
contramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços
sempre renovados para exprimi-la melhor - a proposi-
ção: "Tudoé um".
É notável a violência tirânica com que essa cren-
ça trata toda a empiria: exatamente em Tales se pode
aprender como procedeu a filosofia,em todos ostem-
pos, quando queria elevar-sea seu alvo magicamente
atraente, transpondo as cercas da experiência. Sobre
leves esteios, ela salta para diante: a esperança e o
pressentimento põem asas em seus pés. Pesadamente,
o entendimento calculador arqueja em seu encalço e
busca esteios melhores para também alcançar aquele
alvo sedutor, do qual sua companheira mais divind já
chegou. Dir-se-ia ver dois andarilhos didnte de um rega-
to selvagem, que corre rodopiando pedras; o primeiro,
com pés ligeiros, salta sobre ele, usando as pedras e
apoiando-se nelds para lançar-se mais adidnte, aindd
que, atrás dele, afundem bruscamente nas profunde-
zas. O outro, a todo instante, detém-se desdmpdrado,
precisa antes construir fundamentos que sustentemseu
passo pesado e cauteloso; por vezes isso não dá resul-
tddo e, então, não há deus que possa auxiliá-loa trans-
por o regato.
O que, então, leva o pensomento filosófico tão ra-
pidamente a seu alvo? Acaso ele se distingue do pen-
samento calculador e medidor por seu voo mais veloz
através de grandes espaços?Não, pois seupé é alçado
por uma potência alheia, ilógica, a fantasia. Alçado por
esta, ele salta adiante, de possibiliddde em possibilidade,
que por um momento são tomadas por certezas; aqui
e ali, ele mesmo apanha certezas no voo, Um pressen-
timento genial as mostra a ele e adivinha de longe que
nesse ponto há certezas demonstráveis. Mas, em parti-
cular, a fantasia tem o poder de captar e iluminar como
um relâmpago as semelhanças: mais tarde, a reflexão
vem trazer seus critérios e padrões e procurar substituir
as semelhanças por igualdddes, ds contiguidddes por
causalidddes. Mas, mesmo que isso nunca sejapossível,
mesmo no caso de Tales, o filosofar indemonstrável tem
ainda um valor; mesmo que estejam rompidos todos os
esteios quando a lógicd e a rigidez da empiria quiserem
chegar até a proposição "Tudo é água", fica ainda, sem-
pre, depois de destroçado o edifício científico, um resto;
e precisamente nesse resto há uma força propulsora e
como que a esperança de umd futura fecundidade,
Naturalmente não quero dizer que o pensamento,
em alguma limitação ou enfraquecimento, ou como
alegoria, conserva ainda, talvez, uma espécie de "ver-
ddde": assim como, por exemplo, quando se pensa
em um artista plástico diante de uma queda d'água,
e ele vê, nas formas que saltam ao seu encontro, um
jogo artístico e prefigurador da água, com corpos de
homens e de animais, máscaras, plantas, falésias, nin-
fas, grifos e, em geral, com todos os protótipos possí-
veis: de tdl modo que, para ele, a proposição "Tudo é
água" estaria confirmadd, O pensamento de Tdles, do
contrário, tem seuvalor - mesmo depois do conheci-
mento de que é indemonstrável - em pretender ser.
30 • FILOSOFIA
em todo caso, não místico e não alegórico, Os gregos,
entre os quais Tales subitamente se destacou tanto, eram
o oposto de todos os realistas, pois propriamente só
acreditavam na realidade dos homens e dos deuses e
consideravam a natureza inteira como que apenas um
disfarce, mascaramento Q metamorfose desses homens-
-deuses. O homem era para eles a verdade e o núcleo
das coisas, todo o resto apenas aparência e jogo ilusório.
Justamente por isso era tão incrivelmente difícil para eles
captar os conceitos como conceitos: e, ao inverso dos
modernos, entre os quais mesmo o mais pessoal se su-
blima em abstrações, entre eles o mais abstrato sempre
confluía de novo em uma pessoa, MasTales dizia: "Não é
o homem, mas a água, a realidade das coisas"; ele co-
meça a acreditar na natureza, na medida em que, pelo
menos, acredita na água. Como matemático e astróno-
mo, ele se havia tornado frio e insensível a todo o místico
e o alegórico e, senão logrou alcançar a sobriedade da
pura proposição "Tudo é um" e sedeteve em uma expres-
são física,ele era, contudo, entre osgregos de seutempo,
uma estranha raridade. Talvez os admiráveis órficos pos-
suíssem a capacidade de captar abstrações e de pensar
sem imagens, em um grau ainda superior a ele: mas estes
só chegaram a exprimi-lo na forma de alegoria, Também
Ferécides de Siros, que está próximo de Tales no tempo e
em muitas das concepções físicas, oscila, ao exprimi-las,
naquela região intermediária em que o mito secasa com
a alegoria: de tal modo que, por exemplo, se aventura a
comparar a Terra com um carvalho alado, suspenso no
ar com as asas abertas, e que Zeus, depois desobrepujar
Kronos, reveste de umfaustoso manto de honra, onde bor-
dou, com sua própria mão, asterras, as águas e rios, Con-
traposto esse filosofar obscuramente alegórico, que mal
se deixa traduzir em imagens visuais, Tales é um mestre
criador, que, semtabulação fantástica, começou a vera
natureza em suas profundezas,Se para isso se serviu, sem
dúvida, da ciência e do demonstrável, mas logo saltou
por sobre eles, isso é igualmente um caráter típico da ca-
beça filosófica.A palavra grega que designa o "sábio" se
prende, etimologícamente, a sapio, eu saboreio, sapíens,
Órficos
o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado;
um apurado degustar e distinguir, um significativo discerni-
mento, constitui, pois, segundo a consciência do povo, a
arte peculiar do filósofo. Este não é prudente, se chama-
mos de prudente àquele que, em seus assuntos próprios,
sabe descobrir o bem. Aristóteles diz com razão:"Aquilo
que Tales e Anaxágorassabem será chamado de insólito,
assombroso, difícil, divino, mas inútil, porque eles não se
importavam com os bens humanos", Ao escolher e dis-
criminar assim o insólito, assombroso, difícil, divino, a Filo-
sofia marca o limite que a separa da ciência, do mesmo
modo que, ao preferiro inútil, marca o limite que a separa
da prudência. A ciência, sem essa seleção, sem esse refi-
namento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possí-
vel saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer
preço; enquanto o pensar filosófico está sempre norastro
das coisas dignas de serem sabidas, dos conhecimentos
importantes e grandes.
Mas o conceito de grandeza é mutável, tanto no do-
mínio moral quanto no estético: assim a filosofia começa
por legislar sobre a grandeza, a ela se prende uma doa-
ção de nomes. "Isto é grande", diz ela, e com isso eleva
o homem acima da avidez cega, desenfreada, de seu
impulso ao conhecimento. Pelo conceito de grandeza,
ela refreia esse impulso: ainda mais por considerar o co-
nhecimento máximo, da essência e do núcleo das coisas,
como alcançável e alcançado. Quando Tales diz"Tudoé
água", o homem estremece e seergue do tatear e raste-
jar vermiformesdas ciências isoladas, pressentea solução
última das coisas e vence, com esse pressentimento, o
acanhamento dos graus inferiores do conhecimento. O
filósofo buscd ressoar em si mesmo o clangor total do
mundo e, de si mesmo, expô-lo em conceitos; enquan-
to é contemplativo como o artista plástico, compassivo
como o religioso, à espreita de fins e causalidades como
o homem da ciência, enquanto se sente dilatar-se até
a dimensão do macrocosmo, conserva a lucidez para
considerar-se friamente como o reflexo do mundo, essa
lucidez que tem o artista dramático quando se transforma
em outros corpos, fala a partir destes e, contudo, sabe
Nome dado a toda uma literatura poética e filosófica ligada à personalidadede Orfeu. Compreendia hinos de cerimónias de inicia-
ção, obras míticas, coletâneas de oráculos.
Ferécides de Siros
Foi um filósofo grego pré-socrático.Descrito por Aristóteles como um teólogo que misturava Filosofia e mitologia. Conhecido como
autor de uma obra que descreve a origem do mundo intitulada As cinco cavernas. Está também associado à criação da doutrina da
metempsicose.
> CAPÍTULO 2 * Pré-socráficos:filósofosdo cosmo • 31
projetar essa transformaçãopara o exterior, em versos
escritos. O que é o verso para o poeta, aqui, é para o
filósofo o pensar dialético: é deste que ele lança mão
para fixar-se em seu enfeitiçamento, para petrificá-lo. E
assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são
apenas o balbucio em uma língua estrangeira, para
dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamen-
te, só poderia anunciar pelos gestos e a música, assim
a expressão daquela intuição filosófica profunda pela
Hegel refiete sobre Tales de Milefo
dialética e a reflexão científicaé, decerto, por um lado,
o único meio de comunicar o contemplado, mas um
meio raquítico, no fundo uma transposição metafórica,
totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes.As-
sim contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e
quando quis comunicar-se, falou da água!
NIETZSCHE, Friedrich. "A Filosofia na época trágica dos gregos".
In: SOUZA, José Cavalcante de. Os pré-socráf/cos.
Rubens Rodrigues Torres Filho (Trad.). São Paulo: Hedra, 2008. São
Paulo: Abril Cultural, 1978, p.10-2 (Os Pensadores).
A proposição de Tales de que a água é o absoluto
ou, como diziam osantigos, o princípio, é filosófica; com
ela, a filosofia começa, porque através dela chega à
consciência de que o um é a essência, o verdadeiro,
o único que é em sie para si, Começa aqui um distan-
cíar-se daquilo que é um nossa percepção sensível; um
afastar-se deste ente imediato - um recuar diante dele,
Os gregos consideraram o sol,as montanhas, os rios etc.
como forças autónomas, honrando-os como deuses,
elevados pela fantasia a seres ativos, móveis, conscien-
tes, dotados de vontade. Isto gera em nósa representa-
ção da pura criação pela fantasia - animação infinita
e universal, figuração, sem unidade simples. Com esta
proposição está aquietada a imaginação selvagem,
infinitamente colorida, de Homero; este dissociar-se de
uma infinidade de princípios, toda esta representação
de que um objeto singular é algo que verdadeiramente
subsiste para si, que é uma força para si, autónoma e
acima das outras, é sobressumida e assim está posto
que só há um universal, o universal ser em sie para si, a
intuição simples e sem fantasia, o pensamento de que
apenas um é. Este universal está, ao mesmo tempo, em
relação com o singular, com a aparição, com a existên-
cia do mundo, [...]
"Hegel". Os pré-socráf/cos. São Paulo: Abril Cultural, 1 978,p. 9
(Os Pensadores).
A contribuição da filosofia de Anaximandro
[...] Se compararmos ao de Tales, o pensamento de
Anaximandro introduz grandes mudanças teóricas que
merecem serdestacadas,
Em primeiro lugar, a clara identificação entre physis
e arkhé como aquilo que só pode seralcançado pelo
pensamento, pois o princípio não se confunde com os
quatro elementos visíveis e observáveis. Emsegundo, e
como consequência, a concepção do princípio como
algo quantitativamente sem limites e qualitativamente
indeterminado para que possa eternamente dar origem
a todas as coisas determinadas do ponto de vista da
quantidade e da qualidade. Emterceiro, a afirmação
de queo principio é eterno- "sem idade e sem velhice",
"imortal e imperecível" - de tal maneira que ele é mui-
to mais do que eram os antigos deuses, pois estes eram
imortais, mas não eram eternos,uma vezque haviamsido
gerados, Emquarto lugar, a clara distinção entre a eter-
nidade do princípio e a "ordenação do tempo", isto é, d
distinção entrea perenidade imortal do princípio e o de-
vir ou vira sercomo ordem temporal da geração e cor-
rupção das coisas. Em quinto, e mais profundamente,
Anaximandro concebe a ordem do tempo como uma
lei necessária - por isso fala em injustiça e reparação
justa -segundo a qual oselementos seseparam do prin-
cípio, formam a multiplicidade das coisas como opos-
tas ou como contrários em luta e depois retornam ao
princípio, dissolvendo-se nele para pagar o preço da in-
dividuação injusta porque belicosa. Em outras palavras,
Anaximandro procura explicar como do indeterminado
e ilimitado surgem as coisas determinadas e limitadas,
ou a origem das coisas individualizadas, de suds diferen-
ças e aposições.
Sobressumida
Original alemão: aufgefioben. Pode ser interpretada, neste contexto, como o que está acima dos outros, elevado.
r
--------- •
32 • FILOSOF!
A origem do mundo é, pois, explicado por um pro-
cesso injusto e culpado ou pela guerra Incessante que
fazem entre sios elementos do interior do ápeiron.A luta
dos contrários, isto é, o mundo em que vivemos, fere a
justiça (díke) e esta exige a reparação, Cabe ao tempo
reparar a injustiça, obrigando todas as coisas determi-
Demócrito e os átomos filosóficos
nadas e limitadas a retornar ao seio de indeterminado
e ilimitado: a corrupção e a morte dascoisas é a expia-
ção da culpa pela separação, individuação e guerra
dos contrários.
CHAUI, Marilena. Introduçãoà história da filosofia:
dos pré-socráficos a Aristóteles. São Paulo:
Companhia dasLetras, 2002, v. l, p. 60.
[...] De todos os sistemas antigos, o de Demócrito é
mais lógico: pressupõe a mais estrita necessidade pre-
sente em toda a parte, não há nem interrupção brusca
em intervenção estranha no curso natural das coisas. Só
então o pensamento se desprende de toda a concep-
ção antropomórfica do mito, tem-se, enfim, uma hipó-
tese cientificamente utilizável;esta hipótese, omaterialis-
mo, sempre foi da maior utilidade, É a concepção mais
terra a terra; parte das qualidades reais da matéria, não
procura logo de início, como a hipótese [.,.] as causas
finais de Aristóteles, ultrapassar as forças mais simples, É
um grande pensamento reconduzir às manifestações
inumeráveis de uma força única, da espécie mais co-
mum, todo esse universo cheio de ordem e de exata
finalidade, A matéria que se move segundo as leis mais
gerais produz, com o auxílio de um mecanismo cego,
efeitos que parecem os desígnios de uma sabedoriasu-
prema.[,..]
Eis como Demócrito se representa a formação de
um mundo dado: os átomos flutuam, perpetuamente
agitados, no espaço infinito; censurou-sedesde a Anti-
guidade esse ponto de partida, dizendo que o mundo
teria sido movido e teria nascido por "acaso", [,..] que o
"acaso cego" reinaria entre os materialistas,Esta é uma
maneira muito pouco filosófica de se exprimir. O que é
preciso dizer é que há uma causalidade sem finalidade,
[...] sem intenções. Não há acaso, mas um conjunto de
leis rigorosas, embora não racionais,.. [...]
NIETZSCHE. Os pré-socráf/cos. São Paulo: Abril Cultural,
1978, p. 349-50 (Os Pensadores).
Pltágoras: fiiosofía, números e música
Como todos os primeiros filósofos, Pitágoras buscou
a physls e afirmou queesta erao número - arithmós.
Como teria chegado a essa ideia? Os exercícios
espirituais da comunidade pitagórica eram realiza-
dos ao som da lira órfica ou a lira tetracorde (a lira
de quatro cordas), e é muito provável que Pitágo-
ras tivesse percebido que os sons produzidos pela
lira obedeciam a princípios e regras para formaros
acordes e para criar a concordância entre sonsdis-
cordantes, isto é, os sons da lira seguem regras de
harmonia que se traduzem em expressões numéri-
cas (as proporções). Ora, se o som é, na verdade,
número, por que toda a realidade - enquanto har-
monia ou concordância dos discordantes como o
seco e o úmido, o quente e o frio, o bom e o mau,
o justo e o injusto, o masculino e o feminino - não
seria um sistema ordenado de proporções e, por-
tanto, número? A proporção ou harmonia universal
faz com que o mundo possa serconhecido como
um sistema ordenado de opostosem concordância
recíproca e por isso, assim como Pitágoras foi o pri-
meiro a falar em phllosophía, foi também o primeiro
a falar no mundo como /cosmos.
Porque o mundo seria regido pelas mesmas leis de
proporcionalidade que as das cordas da lira, Pitá-
goras teria dito que há uma música universal e que
não a ouvimos porque nascemos e vivemos em
seu interior e não possuímoso contrastedo silêncio
que nos permitiria ouvi-la, ao recomeçar. No mun-
do, as cordas da lira são as esferas celestes, onde
se encontram osastros,e a esfera terrestre,ondenos
encontramos, A música ou harmonia universal ó a
relação proporcional e ordenada entre as esferas
ou entre os céus e a terra,
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia:
dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, v. l, p. 69.
CAPÍTULO 2 • Pré-socróficos: filósofos do cosmo • 33
:
Resumindo
A filosofia pré-socrática tem como característica comum a reflexão sobre o cosmo, na busca pela explicação
da realidade dos fenómenos. Por esse motivo, diremos que é uma filosofia cosmológica.
Tales propõe que a água é o elemento primordial de todas as coisas. Assim, inicia a filosofia, pois percebe a
necessidade de um princípio comum aos diferentes fenómenos do universo.
Anaximandro propõe que o princípio de todas as coisas é o infinito. Com essa afirmação, aprofunda a reflexão
cosmológica na medida em que percebe que o princípio de todas as coisas deve ser um elemento de natureza
totalmente diferente.
Os pitagóricos, na busca por um princípio imutável dos fenómenos, encontram nos números uma realidade que
consegue traduzir todos os seres e as diferentes formas pelas quais eles se relacionam.
A filosofia atomista de Demócrito chega à conclusão da existência de átomos enquanto elementos primordiais.
Os átomos, a partir de diferentes junções e relações entre si, conseguem proporcionar a constituição dos dife-
rentes seres do universo.
Quer saber mais?
LIVROS
Os pré-socróficos. SãoPaulo: Abril Cultural, l 978 (OsPensadores).
BORHEIM, Gerd Alberto. Osfilósofospré-socràf/cos. SãoPaulo: Cultrix, l 977.
FILME
Quem somos nós? Estados Unidos. 2004. Direção de William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente.
Exercícios Complementares
UEL
Talesfoi o iniciador da filosofia da physis,poisfoi oprimeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa
de todas as coisasque existem, sustentando que esseprincípio é a água. Essaproposta é importantíssima... podendo com boa
dose de ra^ão ser qualificada como aprimeiraproposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental.
REALE, Giovanni. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, l 990, p. 29.
A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos.
De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado.
(a) A ética, enquanto investigação racional do agir humano.
( b) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte.
(c; A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos.
(d) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo.
(e) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação.
34 • FILOSOFIÍ
B UEL
Entre os "físicos" dajônia, o caráterpositivo invadiude chofre a totalidade do ser. Nada existe que não seja natureza, physis.
Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogéneo, todo ele no mesmoplano: são aspartes ou os
aspectos de uma só emesmaphysis quepõem emjogo,por todaparte, as mesmasforcas, manifestam a mesmapotência de vida.
As viaspelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organi^ou-se sãoperfeitamente acessíveis à inteligência humana: a
natureza não operou no começo de maneira diferente de como ofa% ainda,cada dia, quando ofogo seca uma vestimenta molhada
ou quando, num crivo agitado pela mão, aspartes maisgrossas se isolam e se reúnem.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego, isis Borges B. da Fonseca (Trad.). 12 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p.l 10.
Com base no texto, assinale a alternativa correta.
(a) Para explicar o que acontece no presente é preciso compreender como a natureza agia "no começo", ou
seja, no momento original.
b: A explicação para os fenómenos naturais pressupõe a aceitação de elementos sobrenaturais.
(c) O nascimento, a diversidade e a organização dos seres naturais têm uma explicação natural e esta pode
ser compreendida racionalmente.
(d) A razão é capaz de compreender parte dos fenómenos naturais, mas a explicação da totalidade dos mes-
mos está além da capacidade humana.
(e) A diversidade de fenómenos naturais pressupõe uma multiplicidade de explicações e nem todas estas
explicações podem ser racionalmente compreendidas.
no
Q
í-socráticos: Heráclito de Éfeso
Hámuitotempo houve umfilósofo conhecido como"o obscuro";
seunome era Heráclito.
Ele nasceunuma cidade grega chamadaÉfeso e era conhecido
porseucaráter aristocrático emelancólico.Nãotinharespeito pela ple-
be epor qualquer umpé pensasseusando osensocomum. Â grande
maioriadosfilósofos precedentes, para ele, eradesprezível assimcomo
os poetas,incluindo Homero.
As grandes máximas da filosofia de Heráclito são "tudo fluí" e
t
"tudo é um". Como entender essase outras sentenças desse filósofo
"fazedor deenigmas", comotambém era conhecido?
U í
^
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  • 2. Copyright © 2014 Todos os direitos de edição reservados à Editora Poliedro ISBN:978-85-7901-026-2 S I S T E M A DE E N S I N O POLIEDRO São José dos Campos - SP Telefax:(12)392/i-1616 editoraf3sistemapoliedro.com.br www.sistemapoliedro.com.br Autoria: Romulo Vitor Braga. Diretor executivo: Nicolau Arbex Sarkis. Gerência editorial: João Carlos Puglisi. Coordenação de edição técnica: Marília L. dos Santos G. Ribeiro. Edição técnica: Equipe de editores técnicos da Editora Poliedro. Coordenação de produção editorial: Lívia Scherrer dos Santos. Analista de produção editorial: Claudia Moreno Fernandes. Coordenação de edição: Michelle Silva da Mata e Vivian Plascak Jorge. Edição: Equipes de edição da Editora Poliedro. Coordenação de revisão: Mariana Castelo Queiroz. Revisão: Equipe de revisão da Editora Poliedro. Coordenação de arte: António Domingues e Kleber S. Portela. Diagramação: Equipe de arte da Editora Poliedro. Ilustrações: Equipes de ilustração e de arte da Editora Poliedro. Coordenação de licenciamento: Ana Rute A. M. Perugini. Licenciamento: Equipe de licenciamento da Editora Poliedro. Projeto gráfico: Marco Aurélio de Moraes. Projeto gráficoda capa: Bruno Torres. Coordenador de PCP: Anderson Flávio Correia. Impressão e acabamento: nywgraf Editora Gráfica Ltda. Capa e frontispício Sérgio Bertino/Shutterstock • Rafael Sanzio/Wikimedia Commons • Benozzo Gozzoli/Wikimedia Commons • Rafael Sanzio/Wikimedia Commons • Leonidas Drosis/AttiUo Picarelli/stefanel/Shutterstock • Vicent van Gogh • Michelangelo Buonarroti/ Wikimedia Commons • Leonidas Drosis/Attilio Picarelli/Anastasios71/Shutterstock • Rembrandt/Wikimedia Commons • Eugène Delacroix/ Wikimedia Commons • 3DDock/Shutterstock 3 Sérgio Bertino/Shutterstock 4 Rafael Sanzio/Wikimedia Commons contracapa Janos Levente/Shutterstock A Editora Poliedro pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais detentores dos direitos de todos os textos e de todas as obras de artes plásticas presentes nesta obra, sendo que sobre alguns nenhuma referência foi encontrada. Em caso de omissão, involuntária, de quaisquer créditos faltantes, estes serão incluídos nas futuras edições, estando, ainda, reservados os direitos referidos nos arts. 28 e 29 da lei 9.610/98.
  • 3. CAPÍTULO 1 - Domito ò filosofia , .,.., 05 História datteofifl:o início ,....,..., 06 O rito eo filosofio: ouruptura? .,...„.„ 07 Hegel eJohn Burnef-ruptura entre mito efilosofio , , 07 Werner Jaeger eF. M,Confoíd- continuidade entre mito efilosofio „ ..............08 Filosofia: nem ruptura nem continuidade,.,.. 09 Filosofia nascente: características principais .....10 Condições históricas para o do filosofia 11 ,...,..,.,„.....„...„.,.„.. ,. „,.,.„.,..,„. 13 Exercícios Proposto.. 14 Textos Complementares... 14 Exercícios Complementares.... 17 CAPÍTULO 2 - Pré-socrótícos: filósofos do cosmo.. , , , 19 filosofia ecosmologia .„.„.„„..,„.,.,..,..„ 20 Revisando 28 Exercidos Propostos ..........28 Textos lompiemeííoíes , .............29 Exercícios Complementares 33 APÍTULD 3 - Pré-socráticos: Heráclito de Éfeso 35 O universo é um devir eterno 36 Â luta doscontrários................ 36 O múltiplo, o unidade eo mundo 37 Â verdadeira sabedoria 38 Revisando.... .39 Exercidos Propostos ,.,.„„.,..„..,„ .....39 Texto Complementar ..................39 Exercícios Complementares........... 41 CAPÍTULO 4 - Pré-socráticos:Pormênides de Eieio 43 A lógica, o linguagem eo mundo ...„ 44 Exercícios Propostos ,. , 48 íexto Complementar ,„„.„„„., 49 Exercidos Complementares 50 CAPÍTULO 5 - Democracia, sofistos e Sócrofes....... 51 Democracia: a invenção deAtenas 52 Sócrates: santo, herói, sábio? Filósofo , ...........................57 Exercícios Propostos 65 Textos Complementares.... 66 Exercícios Complementares......... 72 CAPÍTULO 6 - A filosofio de Platão ., ., ., 73 As várias interpretações sobre Platão .,., .,..74 Vida -as motivações platónicas 75 Dialética, Platão eossofistas , 76 Diálogo - Passagem domundo sensível aomundo dasideias ...78 O mito da caverna -ojornada do filósofo 82 Político-o Filósofo-Rei .„,„.„.. , 84 Revisando...,. 85
  • 4. Exercidos Propostos............... Texto Complementar......... Exercícios Complementares CAPÍTULO 7 • A filosofia de Aristóteles. Aristóteles - vida eprojeto filosófico.. Crítica a Platão ................................................................................................................................................................••••....................................93 Substância = Matéria + Forma: ovisão orisíotêlica domundo ...................... ..............................................................................................................94 O serse diz de váriosformas..............................................................................................................................................................................95 Afilosofia como umgrande sistema -de conhecimento- Corpus Aristofelicum ................. . .................................. .................. ............................. .......97 Teoria do Conhecimento em Aristóteles ...........................................................................................................................................................99 Revisando.................................................................................................................................................................................................'Ol Exerddos Propostos.............,..................................................................................................................................................................101 Textos Complementares....................................................................................,....,..............................................................................i 01 Exercícios Complementares..................................................................................................................................................................107 CAPÍTULO 8 - Filosofias helenísticas: cinismo, cetícismo, epicurismo e estoicismo.....,,........ ............. . ................... 109 Helenismo.....................„„..„..,.„„.........,..„................................................................................................................................110 Revisando.......,.........................................................................................................................................................................J 1 8 Exerddos Proposto.........................................................,........................................................................................................118 Textos Complementares ...........................................................................................................................................................118 Exerddos Complementares... ................................................... ........................................................., ..................................... í21 CAPÍTULO 9 - Filosofia medieval -Agostinho deHipono eTomás deAquinô ....... ............. ...................... ...123 Santo Agostinho - cristão..................................................................................................................................124 Soo Tomás de Aquinô......................................................................................................................................................lII Revisando......................................................................................................................................................................131 Exercícios Propostos ................................................................ .......................... ..................... . ..................... ..................132 Texto ....... ..............................................................................................................................................132 Exercícios Complementares................................................ ................................................................................. ...........137 CAPÍTULO 1 0 - Asfilosofias de Mídie! de Monraigne e Blaise Pascal... .............................................. 1 39 Michel de Montaigne ............... .............. ....................................................... ............................................,................140 Blaise Pascal.............................................................................................................................................................143 ........................ .,...................................... .......................... . ............................. ........................................148 Exercícios Propostos.............................,....................................................................................................................148 Textos Complementares ....................................................................................................... ......................................149 .................... .............................................................................,...................................151 Gabarito. 153
  • 5. A filosofia propõe buscar a verdade, mas não de uma forma qualquer. Ela quer buscar a verdade de todas ascoisas usando, para isso, apenas oselementos quesepermite:a razão, opensamento, alógica, a observaçãode fatos. Tudo para buscar a causa fundamental dascoisas. Â filosofia é uma busca deconhecimento, e não conhecimentojá dado. Nela, você verá que é essencial saber comosefaz para procurar respostas, emvez de decorá-las. Não é preciso saber de um assunto apenas porque ele é importante (há muitos assuntos importantes no universo, eé difícil saber qual devemos estudar primeiro). Além disso, é provável quenosso tempo devida seja curto. Com certeza, não poderemos saber de tudo, poderemos? Então, qual a melhor coisaa sesaber? Pronto. Você acabou de fazer uma questãofilosófica. r -f Í Poseidon, deus grego dos mares. Rodin: O Pensador.
  • 6. 6 • FILOSOFIA > História da filosofia: o início Apesar de a discussão de ideias ser uma constante na história do pensamento filosófico, há uma relativa unanimidade quanto ao ponto de início da filosofia. É muito comum ler nos livros que a filosofia nas- ceu na Grécia por volta do século VI a.C. e, ainda, que Tales de Mileto seja considerado o primeiro filósofo. De fato, todas essas afirmações são verdadeiras. Diz-se, contudo, que essa unanimidade é relativa porque se dissermos que a filosofia tem um início, devemos, necessariamente, concluir que antes de Tales de Mileto as pessoas não filosofavam. Se isso for verdade, o que quer dizer? Que as pessoas, antes disso, não pensavam? O que faziam, en- tão, os diferentes povos da Antiguidade, como os assírios e babilónios, chineses e indianos, egípcios, hebreus epersas? Trácia Ásia Menor Grécia Mar Egeu : ESCALA L O 120km PROJEÇÃO DE ROBINSON Creta A sabedoria oriental é considerada filosofia? Com certeza,todos esses povos tinham sua própria visão da natu- reza. Todos eles olhavam para a terra e o céu e tentavam imaginar eex- plicar qual era nosso lugar no universo, qual era nossa melhor maneira de se comportar nele e, é claro, como fazer para conseguir todo esse tipo de conhecimento. O que, então, os gregos faziam, se é que faziam, para serem tidos como os criadores de um tipo novo de pensamento? É claro que os gregos, assim como os outros povos, também pos- suíam sua própria visão de mundo. A diferença, porém, é que os gre- gos começaram a usar urna forma um pouco diferente para responder às questões sobre a vida, sobre o universo e tudo mais: eles não apenas imaginavam, mas tentavam obter respostas de forma filosófica l científica. O que temos de entender aqui é que a filosofia é um pensamento e uma reflexão, mas não é qualquer tipo de pensamento e reflexão. Enquanto os outros povos tinham suas religiões, mitologias e conhe- cimento, os gregos começaram a tentar obter um conhecimento fi- losófico/científico do mundo. O que é esse pensamento filosófico/ científico é o que vamos tentar responder neste capítulo.
  • 7. APiTULOl «Do mitoò Os gregos antigos não se contentavam mais com o conhecimento transmitido pela tradição ou por aquilo que era considerado certo, mas que é certamente muito duvidoso. Para eles, era preciso não só saber das coisas, mas saber o porquê das coisas. Quais eram suas causas,suas origens, as razões e as circunstânciasque as fizeram ser daquela manei- ra. A filosofia requer um conhecimento mais rigoroso do mundo, e a razão é ferramenta fundamentalpara se atingir esse objetivo. Contudo, isso nos faz cair em duas questões: o que realmente há na filosofia que não há em nenhum outro tipo de pensamento de outros povos? E, já que os gregos tinham sua própria mitologia, qual era a diferença entre ela e a filosofia nascente? > Omito e a filosofia: continuidade ou ruptura? É importante se perguntar "por que e como se deu a passagem do mito para a filosofia?", pois essa pergunta pode ser traduzida em "por que e como o ser humano deixou de se contentar com a linguagem metafórica das histórias para desejarum método mais rigoroso que lhe proporcionasse, de maneira mais clara e distinta, conhecimento?". Em outras palavras, por que o homem criou, além de sua crença, a filosofia e a ciência para compreender o universo? E uma questão que, de certa maneira, permanece até os dias de hoje. Iremos apresentar duas maneiras de responder a essa pergunta. A pri- meira afirma que a filosofia grega surge como rompimento com o pensa- mento mitológico, ou seja, seu caráter é tão original que quase nada tem a ver com amitologia. Nessa interpretação, filosofia emito não se misturam, visto que há ruptura clara e determinante. Dessa maneira, a filosofia surge como manifestação essencialmente original do pensamento. Por outro lado, temos uma ideia que defende que a filosofia é um desenvolvimento contínuo do pensamento mitológico. Nela, a lógica sur- gida no mito simplesmente perde seu caráter fantasioso para ganhar uma linguagem mais clara e menos religiosa. Apesar de certas diferenças entre mito e filosofia, essa teoria afirma que a filosofia apenas usa de uma nova linguagem para discorrer das mesmas coisas que o mito já falava. > Hegel e John Burnet - rupturaentre mito e filosofia Para o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831), há uma di- ferença básica entre filosofia e pensamento mitológico/religioso que é fundamental. A filosofia oriental, como ele chama as religiões do Oriente (China, índia), dizia que averdade é o absoluto indeterminá- vel. Isso quer dizer que a origem do universo, ou a força que o criou, ou, ainda, o lugar em que a verdade está não pode ser determinado. O que é determinar algo? Determinar é dizer "isto é isto e isto é aquilo". Desse modo, quando dizemos que uma verdade é indeterminável, que- remos dizer que ela é impossível de ser determinada, de ser apontada. Ela não recebe nomes e, logicamente, não pode ser conhecida. Assim, não se pode falar dela e, a realidade verdadeira, para a filosofia oriental, é impronunciável. Friedrich Hegel.
  • 8. 8 • FILOSOFIA John Burnet. Para o pensamento oriental, portanto, as coisas que vemos no mundo não são verdadeiras, e a ideia ocidental de que existe uma coisa singular é uma ilusão. Não existem indivíduos, existe apenas o todo absoluto, o indizível. A diferença, segundo Hegel, é que a filosofia ocidental afirma que não há uma coisa indefinida, indeterminada, indizível. Há coisas que po- dem ser determinadas, pensadas, pronunciadas e conhecidas. E essas coisas são reais, e o princípio de tudo, ou agente criador de todas as coisas, criou-as como coisas individuais que podem ser conhecidas. Ainda segundo Hegel, a filosofia surge na Grécia porque há desa- parecimento da sociedade patriarcal e o surgimento das cidades livres organizadas por lei, já que para ele não se pode separar o surgimento da filosofia da criação da democracia, da política e da lei. Assim, o surgi- mento da filosofia se daria a partir de uma série de condições históricas. Também defendendo a ruptura entre mito e filosofia, para o histo- riador inglês John Burnet (1863-1928), a filosofia apresenta uma funda- mentação totalmente nova baseadana lógica e na razão. Ele afirmava que a mitologia não fazia questão de esconder suas contradições e alegorias desprovidas de lógica, porque justamentenão percebia a importância de um conhecimento lógico e de uma necessidade de argumentar suas posi- ções. Além disso, a mitologia sempre quer explicar algo que já aconteceu, conta histórias do passado, das origens do mundo para explicar como ele é na atualidade. Segundo Burnet, a atitude da filosofia é totalmente diferente: ela deseja um conhecimento independente do tempo, além de construir hipóteses e teorias para explicar o mundo; espera encontrar um conhecimento por causas e não por crença. Burnet diz que: justamente, osgregosforam osprimeiros a encarar ogeocentrismo como hipótese geocêntrica epor isso nospermitiram ultrapassá-la. Os pioneiros do pensamento grego não tinham, evidentemente, uma ideia clara do que era uma hipótese científica [...], mas a eles devemos a concepção de uma áência exata que iria tornar o mundo todo um objeto de investigação. BURNET, J. Ear/y Greefe Phi/osophy. Trad. francesa. Paris: Payot, l 952, p. 32. (n: CHAUI, Marilena. Introdução à história do Filosofia: dos Pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. revista e ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, v.l, p. 32. Assim, a filosofia é um fenómeno essencialmente grego, porque só esse último tinha espírito de observação e poder de raciocínio. * Werner Jaeger e F. M. Conford - continuidade entre mito e filosofia O alemão Werner Jaeger (1888-1961) tem opinião diferente de Hegel e Burnet. Para ele, a filosofia nasce do mito de tal modo que "o começo da filosofia científica não coincide com o princípio do pensamento racional nem com o fim do pensamento mítico", ou seja, já no próprio mito existe uma semente de razão filosófica. De fato, Buda é aquele que atinge o estágio de percepção de que o indivíduo (o ego) é uma ilusão. Ao atingir o nirvana (estado de plena identificação entre indivíduo e universo), não temos mais nossa individualidade. Ela se dissolve no universo.
  • 9. CAPITULO l 'Do mito àfilosofia «9 ArgumentaJaeger que, nos textos de Homero, Ilíada e Odisseia, os deuses são antropomórficos, têm forma humana, não são tão misterio- sos e distantes. Tornar humanos os deuses é o primeiro sinal de que o grego quer transformar a divindade em algo familiar, próximo ao seu próprio mundo para que, assim, possa compreendê-la. Dessa forma, o mito é visto como um primeiro sinal de racionalização ou o exato momento anterior ao nascimento da filosofia. A respeito dessa transformação do mito, o filósofo menciona que: Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, asformas monstruosas, da mes- ma maneira que exclui do culto as práticas mágicas. Esses aspectos primitivos, quando excepcionalmente despontam, servem justamentepara comprovar o traba- lho realizado pelas epopeias homéricas no sentido de soterrar concepções sombrias e aterrori^adoras, substituindo-aspela visão de um divino luminoso e acessível, de contornos definidos porquefeito à imagem do homem. SOUZA, José Cavalvantede. Os pré-socráf/cos: fragmentos, doxografia e comentários (Org.). 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores). Afirma a filósofa brasileira Marilena Chaui: Se Tales deMikto afirma que oprincípio originário de todos os seres é a água, não seriajustamenteporque ospoetas homéricos afirmavam que o deus Oceano era a origem de todas as coisas? CHAUI, Marilena.Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. revista e ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, v.l, p. 35. Na mesma direção, F.M. Conford (1874-1943), estudioso helenista britânico, diz que a filosofia simplesmente retirou o elementofantástico do mito, em termos de linguagem, colocando no lugar algo mais secular, com palavras sem conotações mitológicas. A filosofia seguia, assim, as mesmas questões propostas pela mitologia. Filosofia: nem ruptura nem continuidade Além dessas duas posições opostas, começou a surgir uma interpreta- ção do surgimento da filosofia que não compactua inteiramente nem com a teoria de que a filosofia é completo rompimento com o mito, e nem que ela seja apenas continuidade das narrativasimagétícas. Essa posição admite que a filosofia nasceu no contexto do mito, pegando emprestado alguns de seus temas e parte de sua coerência interna para transformá-lo em algo novo. A mitologia é uma história que, por meio de alegorias, tenta compre- ender o universo. Sua característica própria é o que a limita. Por ser ale- górica e metafórica, é preciso que se escolha acreditar em sua história. É necessária a adesão ao mito para que este faça sentido. Por outro lado, alinguagem filosófica tenta adquirir um conhecimento de caráter lógico, passo a passo, mais lento e seguro (sem dar saltos, sem deixar espaços, pleno, sequencial e contínuo). A filosofia abre mão da re- ferência metafórica, da associação e da comparação. Ela quer conhecer as coisas exatamente como elas são, sem nenhuma interferência de terceiros e sem que haja a necessidade de se acreditar naquilo. Não é mais preciso acreditar ou deixar de acreditar simplesmente porque faz sentido racional. Afilosofianão busca, assim, a crença, masimpõe-se como consentimento racional. Um exemplo clássico para se compreender esse consentimento Werner Jaeger. Helenista Aquele que estuda a cultura e a civiliza- ção gregas. Secular Que não pertence a uma ordem religio- sa; profano, mundano.
  • 10. 10 «FILOSOFIA é o seguinte: não é preciso crer que 2 + 2 seja igual a quatro. Essa verdade simplesmente seimpõe a nossa razão, isto é,nossa razão consente que isso é de fato verdadeiro. É esse tipo de conhecimento que afilosofiabusca. É claro que os deuses com forma humana aproximam-se mais da compreensão dos mortais. Contudo, as características dos homens são atribuídas aos deuses sem exceção, levando ao mundo divino não só a luz da razão humana, mas também suas paixões e atitudes nem sempre caracterizadas como do mais alto grau de moralidade. Os deuses são co- rajosos, audaciosos e espertos, mas também vingativos, temperamentais e, por vezes,infantis. A filosofia vai ser perguntar, então, se o universo poderia ser controlado por entidades tão inconstantes em seus sentimentos e ações como o próprio homem. A antropomorfização dos deu- ses foi, portanto, um passo necessário, mas não suficiente para que os filósofos gregos compreendessem o mundo. Há certa "razão" dentro do mito. Zeus, o deus alto do Olimpo, por exemplo, já exerce certa posição de controle e de mantenedor da ordem dos assuntos divinos e humanos. Sua presença pode indicar, jána linguagem mitológica, a necessidade de se haver um princípio único regulador. Porém, para a filosofia, a origem de tudo deve ser impessoal, lógica, estável e compreensível, e a linguagem deve buscar essa origem. Leonardo Da Vinci. Leda e o Gsne, 1510-1515. Zeus se transforma em um cisne para seduzir uma mortal. Os deuses gregos possuem todos os sentimentos humanos. Filosofia nascente: características principais Para compreendermos melhor a filosofia que nasce na Grécia, va- mos expor as características principais desse pensamento, com termos importantes para a fundamentação do estudo dos principais filósofos desse período. Eis os principais temas com que os primeiros filósofos irão traba- lhar e pensar:
  • 11. >• CAPÍTULO l -Do mito ò filosofia» II • Logos Palavra grega que possui vários significados: pensamento, inteli- gência, razão, faculdade de raciocinar, fundamento, causa, princípio, motivo, razão de alguma coisa e, também, discurso racional. Portanto, a filosofia, principalmente a grega antiga, quer encontrar o logos do universo, a causa racional de tudo, fazendo,para isso, o uso do próprio logos, ou seja, de um argumento racional. • Physis Quer dizer, basicamente, natureza. A semelhança com a palavra física é razoável, mas physis está mais relacionada à força responsável pelo surgimento, transformação e morte dos seres. Também quer dizer "natureza do ser", isto é, sua característica própria. • Arkhé Aquilo que está à frente, o princípio de tudo. Com relação ao método, de forma geral, a filosofia inaugura estas seguintes posturas: • Carátet crítico —não se deve tomar nada como verdade antes da investigação. O caráter crítico não quer dizer criticar a tudo e a to- dos sem distinção, mas sim nunca aceitar uma suposta verdade sem averiguar racionalmente a questão. • Racionalidade - a razão é o critério de verdade, acima da crença ou da revelação mística/poética e da tradição. Para a filosofia, a verdade é aquilo que pode ser comprovado racionalmente, e que vai além de crenças, misticismos, dogmas religiosos e imposições morais. • Conclusões —a razão não deve ser imposta, mas explicada. Deve- -se convencer por argumentos e não por imposições. • Respeito ao argumento racional— se um argumento é racional, deve ser aceito, mesmo que sua opinião pessoal não concorde. A razão é o critério de verdade e não nossa opinião. • Inexistência de pré-conceitos - nada pode ser colocado como verdade antes que se faça uma investigação racional. • Generalização —a filosofia quer encontrar uma resposta geral, que sirva para o todo. Uma resposta que deve ser até mesmo uni- versal, servindo para todos e para qualquer época. É claro que a própria delimitação dessas características da filosofia é assunto de discussão filosófica. Neste momento, contudo, é impor- tante saber que há uma aceitação de que esses princípios indiquem parte fundamental da postura filosófica, principalmente daquela que nasce na Grécia. + Condições históricas para o surgimento da filosofia Vários fatores históricos podem indicar por que a filosofia surgiu na Grécia do século VI a.C. Podemos citar,por exemplo, a criação da moeda, que obrigou o homem a pensar em um símbolo abstraio para as trocas
  • 12. 12 • FILOSOFIA comerciais; o surgimento da escrita alfabética, que permitiu a transcrição abstrata do pensamento e a criação do calendário, que traduz a ideia de tempo. A condição considerada principal, entretanto, é a criação da cha- madapo/is, ou cidade-estado. Polis era nome dado para as cidades que se encontravam na região da Grécia. Havia algo de diferente nessas cidades, principalmente em Atenas. As primeiras experiências democráticas foram realizadas na cidade grega chamada Quios. Entretanto, foi em Atenas que ocorreu o desenvol- vimento e o auge da democracia. A democracia ateniense exigia a partici- pação dos cidadãos nas discussões públicas. Na Agora (algo como centro, a praça, local de reunião da cidade), havia as discussões em conjunto dos assuntos que envolviam o destino da cidade. Essa decisão coletiva foi uma renovação essencial. Com ela, desapareceu a figura do poder centralizador para dar lugar a um conjunto de homens que deverão tomar as decisões pela e para a cidade (polis). Como e por que esses gregos fizeram essa pas- sagem? Por que começaram a se olhar como iguais? A democracia exigia que os cidadãos fossem considerados iguais para que pudessem ter o mesmo peso de importância nas assembleias, onde era preciso argumentar suas ideias e não simplesmente impô-ks. Assim, a democracia passa a exigir o uso do discurso racional (logos) para que, em conjunto, apolis fosse governada. A visão igualitária dos participantes da assembleia destitui a neces- sidade de uma figura que centralize o poder e mantenha a ordem. Esta não é mais focada em um indivíduo, portanto, a organização da polis não dependia mais da imposição e do acatamento de ordem de uma fi- gura de poder, mas era construída por meio do respeito à lei. Podemos dizer que ela (a lei) conduzirá a cidade. O surgimento da lei, como manutenção da ordem, forçou o ho- mem a considerar a si mesmo como uma figura abstrata, já que ela existe para o "cidadão" em geral. A ideia revolucionária de que "todos são iguais perante a lei" trouxe consequências grandiosas jamais vistas. Fez com que uma reflexão mais fina e sofisticada fosse criada para es- tabelecer regras que servissem para todos, e essa postura se aproxima muito da filosofia nascente. Afinal, é realmente complicado construir uma lei que leve em consideração todas as diferenças entre os cidadãos e que seja, ao mesmo tempo, justa para todo o conjunto. Além disso, ao afirmar que todos são iguais, desaparece a figu- ra do Guardião da Verdade. Esse guardião era qualquer figura que se apresentasse como "portador da verdade", verdade que lhe teria sido "revelada". Podia ser um poeta, um sacerdote ou homem considerado santo ou mágico. Só ele detinha a verdade, deixando para o restante a decisão de acreditar em suas palavras. Em Atenas, apenas o homem grego não escravo era considerado cidadão. Mulheres,estrangeiros e escravos não tinham direito de participar da vida pública. Muito se discute em relação à autenticidadeda democracia grega nesse sentido. Pode-se afirmar que a democracia moderna é melhor por ter expandido os direitos a todos. Deve-se pensar, por outro lado, que mesmo com direitos assegurados, na prática, ainda hoje eles não são todos garantidos. Em Atenas, ao contrário, nota-se que todo aquele considerado cidadão tem seus direitos adquiridos tanto na teoria quanto na prática. Filosofia nascente: aquela que nasceu na Grécia Antiga. Funcionário da soberaniaou louvador da nobreza guerreira, o poeta é sempre um "Mestre da Verdade". Sua "Verdade" é uma "Verdade" assertórica [afirma- tiva]: ninguém a contesta, ninguém a contradiz. "Verdade" fundamental, dife- rente de nossa concepção tradicional, Alétheia [Verdade] não é a concordân- cia da proposição e de seu objeto, nem a concordância de um juízo com outros juízos; ela não se opõe à "mentira"; não há o "verdadeiro" frente ao "falso". Aúni- ca oposição significativa é a d© Alétheia [Verdade] e de Léthe [Esquecimento]. Nesse nível de pensamento, se o poeta está verdadeiramente inspirado, se seu verbo se funda sobre um dom de vidên- cia, sua palavra tende a se identificar com a "Verdade". DETIENNE, Mareei. Os Mestres da Verdade na Grécia Arca/ca. Andréa Daher (Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 23.
  • 13. CAPÍTULO] «Do mito ò filosofia- 13 Assim, a exigência da discussão pública forçava o uso maisrí- gido e racional da linguagem, que pode ter aberto espaço para a filosofia, visto que ela também faz uso de uma mesma rigidezra- cional. O desaparecimento do Guardião da Verdade implica que não é mais da figura de um indivíduo que o grego deve esperar respostas, mas de sua capacidade de discurso racional. Essa autonomia também pode ter criado condições para a reflexão filosófica, pois parte-se do princípio de que pensar por si mesmo é essencial e que não se deve esperar por uma resposta pronta vinda de alguém. Desse modo, ao afirmar que todos são iguais perante a lei, chega-se à conclusão de que todos estão livres e aptos a pensar por si mes- mos, desde que usem de uma reflexão rigorosa para tentar encontrar conhecimento. O filósofo ocidental, então, não é mais um sacerdote, e sim um homem público. É por essa razão que é dito quenão há como dissociar o surgimento da filosofia da criação da cidade/estado, onde o uso dapalavra racional (logos) não era apenas importante, mas essencial para a manutenção da cidade. Desse modo, política e filosofia, aproximam-se pelo uso da linguagem e pela dependência condicional que a primeira tem com a última. Revisando Por que é importante diferenciar a mitologia da filosofia? Quais são as duas teorias que tentam explicar a passagem entre mitologia e filosofia?
  • 14. 14 • FILOSOFIA Exercícios Propostos Por que dizemos que a filosofia nasceu na Grécia Antiga? Isso quer dizer que outras culturas não possuíamconhecimento? O que significa dizer que na filosofia oriental a realidadeé o absoluto indeterminável? O que, segundo Hegel, há na filosofia ocidental que não há na oriental? Textos Complementares A filosofia Inegavelmente, contudo, não é impossível que os gregos - especialmente os dos confins: primeiro na Jônia, na costa oeste da Ásia Menor, e mais tarde no sul da Itália - tenham de fato gozado, em filosofia, de uma espécie de anterioridade, Por qual razão? Talvez por causa de sua situação geográfica, no coração do Mediterrâneo mais urbano, mais comerciante (Mileto, de onde são originários Tales e Anaximandro, é então uma das cidades mais povoadas e mais prósperas do mundo grego), mais viajante (Tales teria ido ao Egito, Demócrito até as índias), em contato imediato com os lídios e de- pois com os persas, a igual distância, ou quase, do Egi- to, da Judeia e dd Mesopotâmia.,. Talvez também em virtude de sua situação histórica, e especialmente da descoberta quase simultânea, na Grécia, da matemá- tica, da cidaddnia e dd democracia (que talvez tenha sido inventada em Quio, ou seja, na Jônia, não longe de Mileto). isso constitui um encontro singular, e singu- larmente libertador. Umraciocínio matemático ou uma votação não obedecem a ninguém - nemaosdeuses nem aos reis. É nisso que eles são livres. Mas encontro problemático também, e até aporético, já que votação A filosofia no mundo e demonstração tampouco obedecem uma à outra, Eis que o logos já não depende senão de si mesmo, mas de duas formas diferentes e até opostas (a matemática não tem nada a fazer com uma votação, nenhuma de- monstração faz as vezes da democracia). Esse sistema de "duplo constrangimento", dizem-nos os psiquiatras, é suscetível de enlouquecer uma pessoa. Eu emitira de bom grado a hipótese de que os gregos inventaram a filosofia para escapar a essa loucura do logos. Umavez que este é suscetívelde dois procedimentos de decisão (a votação, a demonstração) que são independentes um do outro e que podem parecer incompatíveis, como escapar ao conflito, à dúvida, à angústia, ao delírio? Estd é apenas uma hipótese, Masnão o é o fato de que o logos, na Grécia, se descobre livre. A filosofia, para nas- cer, não pede muito mais. Tales, que foi também mate- mático, era contemporâneo de Sólon; Pitágoras, outros filósofos matemático, de Clístenes; Sócrates, de Péricles. É difícil (embora os dois primeiros não sejam atenienses) só ver nisso três coincidências. COMTÉ-SPONVILLE, André. A filosofia. Joana Angélica D'Ávila Melo (Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2005 p. 33-4. (Coleção Mesmo que o céuexista). l, Seja a filosofia o que for,está presente emnosso mundo e a ele necessariamente serefere. Certo é que ela rompe os quadros do mundo para lançar-se ao infinito, Mas retorna ao finito para aí encon- trar seu fundamento histórico sempreoriginal. Certo é que tende aos horizontesmais remotos, aho- rizontes situados para além do mundo, a fim de ali conse- guir, no eterno, a experiência do presente,Contudo, nem mesmo a mais profunda meditação terá sentido se não se relacionar à existênciado homem, aqui e agora,
  • 15. CAPITULO! • Do mito ò filosofia • 15 A filosofia entrevê os critérios últimos, o abóboda celeste das possibilidades e procura, à luzdo aparen- temente impossível, a via pela qual o homem poderá enobrecer-se em sua existência empírica. A filosofia se dirige ao indivíduo. Dá lugar à livre co- munidade dos que, movidos pelo desejo de verdade, confiam unsnos outros. Quem se dedica a filosofar gos- taria de ser admitido nessa comunidade. Elaestá sem- pre neste mundo, mas não poderia se fazer instituição sob pena de sacrificar a liberdade de sua verdade. O filósofo não pode saber se integra a comunidade. Não há instância que decida admiti-lo ou recusá-lo, E o filó- sofo deseja, pelo pensamento, viver de forma tal que a aceitação seja, em princípio, possível. 2, Mas como sepõe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atu- almente, representam uma posição embaraçosa, Por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática, É nomeada em público, mas - existirá realmente? Suaexistência se prova, quanao menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar, A oposição se traduz em fórmulas como: a filoso- fia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale dizer; é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergu- lhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer ae atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter "opiniões" e contentar-secom elas, A polémica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de simesmo, odeia a filosofia. Elaé perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar a minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisasa uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente. E surgedetratares, que desejam substituira obsoleta filosofia por algo de novo e totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mendaz de uma te- ologia falida, A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada. Ea filosofiavê-se denunciada como instru- mento servil de poãeres políticos e outros. Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto traba- lho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando pensam, mastão so- mente usam de uma inteligência de rebanho. Épre- ciso impedir que os homens se tornem sensatos, Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo en- tediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filoso- fia. Quanto mais vaidades se ensine, menos estarãoos homens arriscados a se deixartocar pela luzda filosofia. Assim, a filosofia sevê rodeada de inimigos, a maio- ria dos quais não tem consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencíonalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de sóapreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideolo- gias, a aspiração a umnome literário - tuáo isso procla- ma a antifilosofia, E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo, Epermane- cem inconscientesde que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação, 3, O problema crucial é o seguinte: a filosofia as- pira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz, E a verdade o que será? Afilosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser- verdadeiro segun- do os modos do abrangente, Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única, Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra oinfinito. No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito ao extremo, porém o áespe de violência, Emsuas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo, Quem sededica à filosofia põe-se à procura do ho- mem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, Mendaz Mentiroso, falso. Nefasto Que acarreta a morte, a ruína; funesto; infausfo; nocivo; prejudicial. Bonomia Modo de ser ou de proceder que demonstra bondade e simplicidade. Simplicidade excessiva, extrema credulidade. —>
  • 16. 16-FILOSOFIA com seus concidadãos, do destino comum da huma- nidade. 4, Eis por que a filosofia não se transforma em credo, Está em contínua pugna consigo mesma. A dignidade do homem reside em perceber aver- dade, Só a verdade o liberta e sóa liberdade o prepara, sem restrições, para a verdade, É a verdade o significado último para o homem no mundo? Éa veracidade o imperativo último? Acredita- mos que sim, pois a veracidade sem reservas, que não se perde em opiniões, coincide com o amor. Nossa força está em agarrarmos os fios de Ariadne que a verdade noslança. Masa verdade sóé verdade total. É preciso que a verdade múltipla seja levada a convergir para a unicidade. Jamaischegamos a possuir essa verdade integral. Eua nego quando vou ao extre- mo da afirmação, quando erijo o que seiem absoluto. Eu a nego também quando tento sistematizá-la em um todo, porque a verdade total não existe para o homem e porque essa ilusão oparalisa. Todo aquele que se dedica à filosofia quer viver para a verdade, Vá para onde for, aconteça-lhe o que acontecer, sejam quais forem os homens que ele encontre e, principalmente, diante do que ele próprio pensa, sente e faz está sempre interrogando. Ascoisas, as pessoas e ele próprio devem tornar-se claro a seus olhos. Elenão se afasta de seu contato, Ao contrário, a ele se expõe. E prefere ser desgraçado em sua busca da verdade a serfeliz na ilusão. Faz-se preciso que o que é se ponha manifesto. É possível certa confiança, mas não a certeza, A verdade, mesmo quando nosabate, revela - se for realmente verdade - aquilo que nossalva. E produz-se o milagre da filosofia: se recusarmos todos os enganos, afastarmos todos os véus, expusermos à luz todas as inslnceridddes, se nos obstinormos d avançar de olhos abertos, sujeitando nossas críticos a outras críticas, essa crítica terminará por não ser destruidora. Muito ao contrário, veremos, por assim dizer, revelar-se o próprio fundamento das coisas onde vemos luz, como um restaurador vai-se apercebendo de um Rembrandt por sob a pintura posterior que o escondia, E se a luz não se revelar? Se,ao fim, o homem des- cobrir a máscara de Górgona e vir-se transformado em pedra? Não temos o direito de olvidar que isso é susce- tível de acontecer, A filosofiaseexpõe a abismos diante dos quais não deve fechdr os olhos, assim como não pode esperar que desapareçam por encanto. Torna-se mais clara do que nunca a questão que, desde o início, se pôs para o homem, O "sim" para a vida é a grande e bela aventura, porque permite a realização dd razão, da verddde e do amor. O "não" à existência, traduzido pelo suicídio, é a realidade para ho- mens diante de cujo segredo permanecemos calados, Põe-se fronteira que não temos o direito de esquecer, 5. A filosofia se destina ao homem enquanto ho- mem ou apenas a uma elite fechada em si mesma? Para Platão, poucos homens são aptos à filosofia e só adquirem tal aptidão após longa propedêutica, Há dois tipos de vida na Terra, disse Plotino, um próprio dos sá- bios e outro da massa dos homens, Também Espinosa só espera filosofia do homem excepcional, Kant, po- rém, acredita que a rota por ele traçada pode tornar-se um caminho real: o filosofia aí está para todos, Eseria mau se fosse diferente. Osfilósofos não passam de ela- boraáores e guardiães de atas, onde tudo deve estar justificado com precisão máxima. Contra Platão, Plotino, e quase todd d tradição, acompanhamos Kant. Trata-se de uma decisão filosófi- ca de grande alcance para a atitude interior do filósofo, Corresponde a uma recusa de se prosternardiante da realidade; foi assim até agora e assim é hoje; mas não deve permanecer assim e assim não continuará, Dar- -se-ão ouvidos a exigências do homem como homem, exigências frequentemente ocultadas e reduzidas de importância, afastadas e negligenciadds, A decisão cobe d cada indivíduo, JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1965, p.138-42. Fios de Ariadne Ariadne, na mitologia grega, era filha de Minos, rei de Creta. Quando Teseu foi a Creta para matar o Minotauro, Ariadne se apai- xonou por ele. O Minotauro vivia num labirinto. Quando Teseu entrou no labirinto, Ariadne lhe deu um novelo de linha para que pudesse achar o caminho de volta. O fio de Ariadne, portanto, é muitas vezes empregado, figuradamente, para designar o indício que serve de guia, de orientação para nos livrar de dificuldades. Propedêutica Ciência preliminar preparatória. Introdução à ciência.
  • 17. »> CAPITULO l • Do mito ò filosofia • 17 Resumindo A filosofia nasce na Grécia Antiga por volta do século VI a.C. O nome do primeiro filósofo é Tales de Mileto. Há necessidadede se compreender a separação entre filosofia e mitologia. Para Hegel, a filosofia ocidental é aquela que afirma que a realidade das coisas individuais pode ser conheci- da, diferentemente do pensamento oriental, que diz que a realidade é o todo absoluto, indizível. Burnet diz que a filosofia é fruto da originalidade grega, única a se preocupar com o raciocínio lógico e com as observações sistemáticas das coisas. Hegel e Burnet afirmam a ruptura entre mito e filosofia. F. M. Conford e Jaeger afirmam a continuidade entre mito e razão. Para eles, a filosofia tem a mesma estrutura do mito, mas com uma linguagem própria. O nascimento da filosofia está totalmente vinculado à construção da po//s (cidade-estado). Filosofia, política e lei são interdependentes. Quer saber mais? LIVROS CAMPBELL, Joseph; O poder do mito. MOYERS, Bill. Carlos Felipe Moisés (Trad.). São Paulo: Palas Athena, 1990. CHAUI, Marilena. Introdução ò história da Filosofia: dos pré-socrátícos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, v.l, JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VERNANT, Jean-Pierre. /As origens do pensamento grego. 9 ed. Riode Janeiro: Bertrand Brasil, l 966. FILME O mundo de Sofia. Noruega e Suécia. Direção de Erik Gustavson. 1999. l Exercícios Complementares Qual a posição deJohn Burnet em relação à questão do mito e da filosofia? Por que diz o autor Jaeger que já na mitologia havia um certo tipo de razão? O que quer dizer , Você leu que "a razão é o critério de verdade, acima da crença ou da revelação mística/poética e da tradição". O que isso significa? Comente sobre a relação entre e o início da filosofia.
  • 18. FILOSOFIA Por que a criação da lei se aproxima do pensamento filosófico? Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céuetéreofoi expulso, oupara aprisão do Tártaro oupara a Terra, entre os mortais. E os homens, o que acontececom eles?Quem são eles? VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Rosa Freire d'Aguiar (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 56. O texto acima é parte de uma narrativamítica. Considerando que o mito pode ser uma forma de conheci- mento, assinale a alternativa correta. (a) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. (b) O conhecimento mítico segueum rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suasverdades. (c) As explicações míticas constroem-se.de maneira argumentativa e autocrítica. (d) O mito busca explicações definitivasacerca do homem e do mundo, e suaverdade independe deprovas. (e) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não contradição. Q UEL2007 "Há,porém, algo defundamentalmente novo na maneira como osgregospuseram a serviço do seuproblema último —da origem e essência das coisas— as observaçõesempíricas que receberam do Oriente e enriqueceram com as suas próprias, bem como no modo de submeter aopensamento teórico e causal o reio dos mitos,fundado na observação das realidades aparentes do mundo sensível: os mitos sobre o nascimento do mundo". JAEGER, W. Paideio. Artur M. Parreira (Trad.). 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. l 97. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação entre mito e filosofia na Grécia, é correto afirmar: (a) em que pese ser consideradacomo criação dos gregos, a filosofia se origina no Oriente sob o influxo da religião e apenas posteriormente chega à Grécia; (b) a filosofia representa uma ruptura radical em relação aos mitos, representando uma nova forma de pen- samento plenamente racional desde as suas origens; (e) apesar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual; (d) filosofia e mito sempre mantiveramuma relação de interdependência,uma vez que o pensamento filo- sófico necessita do mito para se expressar; (e) o mito já era filosofia, uma vez que buscava respostas para problemas que até hoje são objeto da pes- quisa filosófica.
  • 19. Pré-socróticos: filósofos do cosmo Os primeiros filósofos procuravam saberáelemento original.de queéfeito o universo.Sua filosofiaestava interessada, portanto, em compreender radonanaímeníe o universo. RAFAEL SANZIO/WlKÍPEDÍA O universo ordenado racionalmente passa aser então compreendido como um cosmo. É por isso que essa filosofia pode ser chamada de cosmológica.
  • 20. 20 • FILOSOFIA Tales de Mileto inicia a filosofia ao pensar "tudo é água". > Filosofia e cosmologia A filosofia dos pensadores tratados neste capítulo, apesar de po- der parecer relativamente distante de nossos conhecimentos científicos atuais, influenciou fundamentalmente o pensamento ocidental. Apesar de seu vocabulário filosófico próprio e de suas diferentes respostas, suas questões estão próximas das reflexões que ainda se fazem, seja no mundo académico, seja na vida. O que importa para esses pensadores é responder a uma questão primordial: como pode existir a verdade e ao mesmo tempo a mudança? Como pode algo permanecer o mesmo no mundo onde tudo está em constante mudança? Como conciliar o Ser e o movimento? Essas questões podem ser expressas de outra forma: qualquer pes- soa em idade adulta mudou muito desde seu nascimento. Mas algo permanece: apesar da mudança, essa pessoa ainda é a mesma. Exis- te, portanto, a reflexão sobre o convívio do Ser (neste caso, a mesma pessoa) com o movimento (alguém que foi um bebé e agora tem que escolher uma carreira). Para responder a essa questão, os filósofos pré-socráticos vão ten- tar explicar qual é o princípio do universo que permite que haja Ser (permanência) e mudança ao mesmo tempo. Esses filósofos são cha- mados de "pré-socráticos", pois além de se situarem cronologicamente antes de Sócrates, possuem um tema em comum. Suas preocupações filosóficas eram com a cosmologia, ou seja, com a visão de que o uni- verso é dotado de ordem passível de conhecimento racional. Tales deMileto - tudo é água Há poucos registros biográficos sobre Tales de Mileto, assim como faltam também fontes diretas sobre sua filosofia. É provável que Tales não tenha deixado uma obra escrita; conhecemos seu pensamento pe- los comentários feitos nas obras de filósofos posteriores, como Aris- tóteles, Teofrasto e Simplício. Também não se sabe qual a sua cidade de origem, no entanto, alguns o consideram fenício. De acordo com o historiador grego Heródoto, Tales de Mileto foi um dos Sete Sábios da Grécia arcaica. O auge de seu pensamento filosófico também não possui uma data segura e possivelmente está entre 597 a.C. e 548 a.C. Tales foi colocado como símbolo do filósofo contemplativo que esquece o mundo prático. Entretanto, os poucos relatos que temos dele mostram uma imagem diferente. Ele foi um político ativo e um de seus projetos políticos foi unir as cidades daJônia para combater os persas. Também se interessava por engenharia, estudou os rios (inclu- sive o rio Nilo) e era um comerciante talentoso. Além disso, realizou pesquisas sobre a astronomia: descobriu a constelação de Ursa Maior e fez previsões de eclipses solares. Ser No sentido absoluto, sem nos referirmos à distinção que cada filósofo faz dessa palavra, Ser significa aproximadamente existir - é o con- trário de não ser. É aquilo que permaneceu, permanece e permanecerá. Sete sábios gregos É o título comumente dado a sete filósofos do século VI a.C., que foram celebrados por sua sabedoria nos séculos seguintes. Entre os comumente listados estão Tales, Pítaco, Brias, Sólon, Cleóbulo, Míson e Quílon.
  • 21. Pré-socróficos: filósofosdocosmo «21 Tales também é reconhecido por ter provado algumas teorias em Geometria. Um de seus teoremas afirma que um círculo é seccionado em duas partes iguais por qualquer diâmetro. Outro afirma que doistri- ângulos são congruentes (com formato e tamanho iguais) se dois ângu- los e um lado forem iguais. Aristóteles, um dos principais filósofos gregos e de toda a história, apresenta Tales de Mileto como o fundador da filosofia cosmológica. Isso quer dizer que Tales foi o primeiro a querer tentar compreender o universo e os fenómenos naturais nele contidos de forma racional, discursiva e sistemática, sem fazer uso da linguagem mitológica. O núcleo central do pensamento de Tales pode ser encontrado em dois comentários escritos, respectivamente, por Aristóteles e Cícero (poeta romano). A maiorparte dosprimeirosfilósofosconsiderava como osúnicosprincípios de todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos e de queprimeiro sãogerados e em quepor fim se dissolvem, tal é para eles o elemento, oprincípio dos seres; epor issojulgam que nada se cria nem se destrói, como se tal natureza subsistissepara sempre... Tales, ofundador de tal filosofia, di^ ser a água oprincípio epor isso também declarou que a terra está sobre a água. Aristóteles. "Metafísica", v. 3. 983 b 6 ( DK l l a 12). In: Pré-Socráticos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 7 (Os Pensadores). Tales de Mileto, oprimeiro a interrogar estesproblemas, disse que a água é a origem das coisas e que deus é aquela inteligência que tudo fay da água. O J J O J ^ / V s O Cícero. "Da natureza dos deuses", /n: CHAUI, Marilena. Introdução ò história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 56. A água ou o úmido é o princípio de todo o universo. A grandeza de Tales está em não afirmar, como antes fazia a mitologia, qual era a qualidade ou coisa primitiva. Ele busca qual é o elemento que no pas- sado, no presente e no futuro é o fator primordial de todas as coisas do universo. Em outras palavras, responde à questão "do que o universo efeito?" E Tales responde: de água. Quais seriam as razões para Tales de Mileto ter escolhido a água como princípio de todas as coisas? Os filósofos posteriores, comen- tadores e intérpretes de sua obra, oferecem algumas razões para essa escolha. A água se apresenta sob os mais variados estados da matéria, seja sólido, líquido ou gasoso. Na passagem de um estado para outro, ape- sar de mudar sua aparência, ela permanece a mesma em sua essência. Dessa forma, a chuva pode fazer pensar que a água é um elemen- to constitutivo do céu. A água está presente também na superfície da Terra na forma dos rios. Sem contar nos oceanos que cercam todo o planeta. Todos esses fatos podem ter feito Tales pensar na água como princípio de todas as coisas.
  • 22. 22 • FILOSOFIA "Tudo é água" A maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos, e de que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem, enquanto a substância subsiste mudando-se apenas as afecções, tal é, para eles, [...] o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destrói, como se tal natureza subsistisse sempre... Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as outras coisas se engendram, mas continuando ela a mesma. Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água [o princípio] (é por este motivo também que ele declarou que a terra está sobre água), levado sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo de que as coisas vêm é, para todos, o seu princípio). Por tal observar adotou esta concepção, e pelo fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza úmida; e a água é o princípio da natureza para as coisas úmidas. Alguns há quepensam que também os | mais antigos, bem anteriores à nossa geração, e os primeiros a tratar dos deuses, teriam a respeito da natureza formado a mesma concepção. Pois consideravam Oceano e Tétis os pais da geração e o juramento dos deuses a água, chamada pelos poetas de Estige; pois o mais venerável é o mais antigo; ora, o juramento é o mais venerável. Aristóteies. "Metafísica", l, 3. 983 b ó (DK 11 a 12). In: Pré-socráficos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 7 (Os Pensadores). A água também está diretamente ligada à vida. Todo ser vivo ne- cessita de água para viver. Além disso, as sementes são úmidas; opos- tamente, um cadáver é seco. Assim, umidade e água estão diretamente associados à vida, enquanto a falta desses elementos, ao esgotamento dela. As cheias dos rios proporcionam vida na agriculta. Ademais, al- guns fósseis de animais marinhos foram descobertos em montanhas, o que pode ter feito Tales pensar que no início do cosmo tudo era água. Talvez um motivo ainda mais forte seja o fato de que, segundo a mitologia grega, havia o Oceano que circulava todo o planeta e que deu origem ao mundo. Essa é uma explicação que está em sintonia com o contexto de Tales: uma explicação racional para um mito. s Ao afirmar "Tudo é água", Tales almeja dar uma explicação racional a uma narrativa mitológica A água, para Tales, não era somente o elemento primordial de to- das as coisas, mas também a causa da mudança de todas as coisas. A água seria o elemento que permite e proporciona o processo de transformação de todas coisas, ou de modo mais simples, a água é o elemento que permite e proporciona o devir. A água é fluxo, está em constante mudança, passa por todos os estágios, mas permanece a mesma. Qualquer transformação, processo e mudança do cosmo ocor- re pelas propriedades intrínsecas da água. Devir A mudança, considerada em sua globalidade.
  • 23. »> CAPÍTULO 2 • Pré-socróficos: filósofos docosmo • 23 Atualmente, pode-se pensar que haja certa ingenuidade em imagi- nar que a água é o elemento constitutivo de todas as coisas. Contudo, não é isso o que está em jogo. Não se trata de Tales ter comprovado ou não cientificamente que a água é o princípio de tudo, mas compre- ender o raciocínio que o fez pensar na necessidade de um princípio imutável. Com apenas a frase "tudo é água", Tales compreende que a multiplicidade de um universo deve ter uma causa comum. Isso é revolucionário, pois, pela primeira vez, pensa-se que um fenómeno ocorre por uma causa inteligível, isto é, que podemos conhecer. Desse modo, o mundo não se explica por uma narrativa mitológica, mas por elementos que fazem parte do nosso próprio mundo. E mais, pode- mos conhecer esses elementos. "Tudo é água", diz Tales, e os filósofos posteriores até poderão discordar, mas a filosofia já estava em pleno processo. Anaxímsitdro deMfleto - oprincípio detudo é oilimitado Como qualquer filósofo pré-socrático, não se sabe muito sobre a vida de Anaximandro de Mileto. É descrito como discípulo e sucessor de Tales. Outros relatos afirmam que deixou uma obra escrita cujo nome é Sobre a natureza, que pode ter sido o primeiro livro de Filosofia escrito em grego. Assim como Tales, Anaximandro possuía interesses práticos. Tra- balhou na confecção daquele que é considerado um dos primeiros mapas-múndi, que continha a descrição de todo o mundo habitado conhecido de sua época. Teve grande importância no desenvolvimen- to da astronomia grega, na medida em que inventou o relógio de sol, introduziu o esquadro e a medição entre estrelas. Construiu um argu- mento para explicar por que e como a Terra, sendo o centro do univer- so, permanece imóvel. Segundo ele, a Terra ocupa o centro sem estar sustentada por nada, a não ser por um equilíbrio interno de todas as suas partes. Por sua forma (cilíndrica), por seu equilíbrio interno e por estar no centro do universo, a Terra não tem motivos para se mover, ou seja, está desinteressada em praticar movimento. Mais uma vez, aqui não é importante o quanto Anaximandro esta- va certo em suas elucubrações de acordo com o que sabemos hoje de astronomia moderna. É relevante a maneira segundo a qual ele faz isso, pois se propõe a apresentar e discorrer sobre argumentos racionais para defender sua proposição. De Tales para Anaximandro, temos um salto importante para a filosofia. Para Anaximandro, o princípio de todas as coisas não é iden- tificado com nenhum dos elementos que podemos encontrar na na- tureza, seja água, fogo, ar ou terra. Para Anaximandro, nenhuma das coisas que podemos perceber pelos nossos cincos sentidos constituem o princípio. O princípio é o ápeiron, termo grego que quer dizer "o ilimitado, o indefinido e o indeterminado". Esse princípio, como dito, não é nenhum elemento encontrado na natureza;mas, ao mesmo tem- po, está em tudo e em todos eles. Anaximandro de Mileto: o princípio é o infinito.
  • 24. 24 • FILOSOFIA Representação do possível mapa feito por Anaximandro. Ele foi um dos primeiros a tentar fazer uma representação da Terra e supor que ela está solta no espaço: "A terra não é sustentada por nada, mas fica imóvel devido ao fato de estar igualmente distante de todas as demais coisas. Sua forma é igual à de um tambor. Caminhamos numa de suas superfícies planas, enquanto a outra fica do lado oposto." Dentre os que afirmam que há um só princípio, móvel e ilimitado, Anaximandro [...] disse que ápeiron (ilimitado) era o princípio e o elemento das coisas existentes. Foi o primeiro a introduzir o termo princípio. Dizque estenãoé aágua nem algum dos chamados elementos, mas alguma natureza diferente, ilimitada, e dela nascem os céus e os mundos neles contidos [...] Assim ele diz em termos acentuadamente poéticos. É manifesto que, observando a transformação recíproca dos quatro elementos, não achou apropriado fixar um destes como substrato, mas algo diferente, fora estes, [...] Simplício. "Física", 24, 13 (DK 12 a 9). In: Pré-socráf/cos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 15. (Os Pensadores). Costuma-se traduzir dessa maneira o núcleo da filosofia de Anaxi- mandro: [...] "Todas as coisas se dissipam onde tiveram sua génese, conforme a neces- sidade, pagando uma às outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a deter- minação do tempo. O ilimitado é eterno. O ilimitado é imortal e indissolúvel". [...] CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 59. Nessa filosofia, há uma originalidade e uma profundidade excep- cionais: o princípio, a realidade última das coisas, só pode ser o infinito, justamente porque, enquanto tal, ele não tem princípio nem fim. É in- gênito e imperecível e, Beatamentepor isso, pode ser princípio das outras coisas. O princípio, que é o infinito, envolve e circunda assim como determina e governa todas as coisas. A importância da reflexão de Anaximandro revela-se na necessidade de um infinito, que não é perecível, ou seja, que não tem fim, mas que também não tem início. Desse modo, o infinito torna-se eterno: aqui- lo que não tem princípio nem fim e, por isso, pode ser a causa de todas as coisas que têm princípio e fim. A influência do seu pensa- mento é tão vasta que o conceito de eterno fará parte das três grandes religiões modernas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Vale lembrar, entretanto, que o princípio de tudo, o infinito, não é outro mundo além do natural. Entretanto, está inserido e permite a existência da natureza. Compreender o cosmo é objetivo de Anaximandro. Inserido no meio do coração de realidade mutável, está o princípio, o infinito, que permi- te que a finitude das coisas se realize. Para Anaximandro, se há coisas finitas, é porque há o infinito que é a causa de todas as coisas. Pitágoras - os pitagórícos Para os pitagóricos, a ciência e a filosofia eram mais que um fim, mas um meio pelo qual poderíamos realizar uma reforma em nossa maneira de viver. Do ponto de vista da filosofia, na busca do princípio de todas as coisas, os pitagóricos atribuem ao número e a seus elementos constitu- tivos o elemento primordial. Um fragmento, de autoria de Aristóteles, pode esclarecer tal ponto: Ospitagóricospor primeiro aplicaram-se às matemáticasefizeram-nasprogre- dir, e, nutridospor elas, acreditaram que osprincípios delasfossem osprincípios de todos os seres. E, posto que nas matemáticasos números são, por sua natureza, os primeiros princípios ejustamente nos números eles afirmavam ver, mais que nofogo, na terra e na água, muitas semelhanças com as coisas que são e segeram [...]; e ademais, posto que viam que as notas e os acordes musicais consistiam em números, e, enfim, porque todas as outrascoisas, em toda a realidade, pareciam-lhes ter sidofeitas à imagem dos númerose que os númerosfossem o que éprimeiro em toda a realidade, pensaram que os elementos do númerofossem elementos de todas as coisas, e que todo o universofosse harmonia e número. Aristóteles. "Metafísica". In: REALE, Giovanni. História da filosofia antiga, v. l, p. 79. São Paulo: Loyola, 1993.
  • 25. »• CAPITULO 2 • Pré-socréticos: filósofos do cosmo • 25 Para Pifágoras e seus discípulos, a realidade é o número. É importante ressaltar que os pitagóricos foram os primeiros estu- diosos sistemáticos das matemáticas. Desse modo, foram os pioneiros a notar que uma série de fenómenos naturais poderiam ser traduzidos por meio de relações matemáticas. Por exemplo, a música é traduzível por números e por determinações numéricas; a diversidade dos sons que produzem os martelos ao bater sobre uma bigorna depende da dife- rença de seupeso; a diversidade dos sons poderá também depender do comprimento das cordas. Ou seja, os pitagóricos descobriram as relações harmónicas das notas e as leis matemáticas que as regiam. O que parece estranho, atualmente, é compreender de que maneira os pitagóricos puderam pensar que o princípio da realidade fosse o número. Essa dificuldade acontece pelo seguinte motivo: o número é, atualmente, apenas uma representação abstraía de uma coisa objetiva, seja umlivro, ou trezentos discos. Entretanto, para os pitagóricos, os nú- meros têm tanta realidade quanto os objetos; não são apenas represen- tação, mas seres que bastam em si mesmos; não são apenas um código ou uma nomenclatura, mas entidades que têm realidade própria. Para os pitagóricos, o número não é apenas tão real quanto as outras coisas, mas ainda mais real que elas.
  • 26. 26 • FILOSOFIA Por que o número é mais real que as coisas? Porque o número é uma entidade imutável e sempre idêntica a si mesmo. Por sua imutabi- lidade e identidade, o número pode ser considerado um princípio das coisas variáveis que necessitam de uma causa inicial. @s afoinisfas O átomo é, assim como foram as outras filosofias pré-socráticas, a busca pelo princípio de todas as coisas. Dois são os principais re- presentantes do atomismo: Leucipo e Demócrito. Vamos, contudo, concentrar-nos nas ideias de Demócrito. A filosofia atomista está diante do mesmo problema tratado pelos filósofos anteriores, isto é, como explicar que existe o Ser e ao mesmo tempo a mudança? No Renascimento, Demócrito era conhecidocomo o filósofo que ri. O Ser não pode mudar, pois, se mudar, não é Ser. Se o Ser é imutá- vel, não há necessidade de haver espaço vazio onde a mudança possa ocorrer. Portanto, não pode haver vazio. Ao mesmo tempo, sem vazio não há movimento. Mas a experiência nos mostra diariamente que há movimento. Como explicar essa condição?
  • 27. CAPÍTULO 2 • Pré-socráticos: filósofos do cosmo • 27 Os atomistas vão dar um jeito: existe o Ser e o vazio. E esses dois vértices podem conviver. Há vazio? Sim. Essa é a grande contribuição dos atomistas. O va- zio, antes deles, era sinónimo de não-ser ou, simplesmente, sinónimo de nada. Para os gregos, o nada não pode existir. Entretanto, os atomis- tas vão dizer que o vazio é simplesmente espaço sem preenchimento. Em outras palavras, o espaço pode ser real, sem ser corporal. Nesse caso, o "espaço que não é corporal" recebe o nome de va^io. Contudo, ainda há a necessidade de se explicar o Ser indivisível. Para os atomistas, esse Ser, na verdade, são muitos, mas são imutáveis. Ou seja, na verdade, são átomos que possuem qualitativamente os principais atributos do Ser: são indivisíveis, imutáveis e inifinitos. O trecho a seguir, de Aristóteles, é perfeitamente claro para se compreender o pensamento atomista: Eeuápo e Demócrito explicaram a natureza das coisas sistematicamente,e ambos com a mesma teoria, pondo um princípio conforme com a natureza [dos fenómenos]. [...] Eeucipo, ao invés, afirma ter encontrado a via de raciocínios que, dando uma explicação de acordo com apercepção sensível, não levasse a negar nem a geração nem a destruição nem o movimentonem a multipliãdade das coisas. En- quanto, de um lado, elefa^ concordar a sua doutrina com osfenómenos, de outro, aos que sustentam o Uno porque não pode existir o movimento sem o va^io, ele concede que o va^io é não ser e que do Ser nada é não ser, pois o Ser em sentido próprio é absolutamentepleno. Mas esse absolutamentepleno não é uno, antes, um infinito número de corpos, invisíveis pelapequem^ do seu volume. E estes corpos estão em movimento no va^io (para ele,defato, existe o va^io) e reunindo-se, dão lugar à geração e, separando-se à destruição. Eles exercem e recebem ações quando sepõem em contato: o que é, defato, aprova de que não são um. E geram as coisas coligando-se e estreitando-se.[...] Aristóteles. "A geração e a corrupção", /n: REALE, Giovanni. História da filosofia aníiga, p. 152-3. São Paulo: Loyola, 1993. Isto é, átomos são fragmentos do Ser (verdade) que mantêm a es- sência do próprioSer. Para leitores modernos, a palavra átomo faz pensar na famosa ima- gem de elétrons e nêutrons. Contudo, evocar essa imagem traz uma vi- são equivocada dessa filosofia grega. O átomo, nesse contexto, deve ser compreendido como átomo-ideia, um princípio inteligível que permite que haja mudança no cosmo, sem alterar a essência das coisas. O átomo é indivisível. Mas essa particularidade não foi assim decretada por experiência ou observação, mas por necessidade lógica. Enquanto fundamento da realidade, não pode se dividir e não pode mudar, pois é justamente o princípio das coisas. Esse átomo é invisível, pois aquilo que pode ser percebido pela visão possui tamanho suficiente para ser passível de divisão. Dos átomos qualitativamente iguais, quantitativa e geometricamen- te diferenciados, derivam todas as coisas que são, todas as qualidades e estados. De onde brota o movimento desses átomos, o que os faz coligar-se e separar-se para formar e deformar todas as coisas? De onde vem o movimento dos átomos? No caso dos atomistas, eles vão dizer que o Demócrito - os átomos filosóficos [...] Demócrito julga que a natureza das coisas eternas são pequenas substâncias infinitas em grande quantidade. Para estas admite um outro lugar infinito em grandeza. E chama o lugar com estes nomes de vazio, de nada, de infinito, e cada uma das substâncias com os nomes de algo, de sólido e de ser.E julga que as substâncias são tão pequenas que fogem às nossas percepções. E lhes são inerentes formas de toda espécie, figuras de toda espécie, e diferenças em grandeza. Destas, pois, como de elementos, engendra e combina todos os volumes visíveise perceptíveis. Simplício. "Física", 24, 13 (DK 12 a 9). /n: Pré-socráficos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 31 l (OsPensadores). Os átomos são fragmentos do Ser (verdade), que mantêm a essência do próprio Ser.
  • 28. 28 • FILOSOFIA movimento provém do movimento. É da natureza dos átomos assim se comportar. O universo e todas as coisas contidas nele, desde o grão de terra até as estrelas, são causados pelos átomos, que têm sua origem única e exclusivamente neles e em seu movimento. Daí, podemos tirar a consequência de que, para os atomistas, tudo o que existe no univer- so obedece uma regra mecânica e necessária, além de inteligível. Esse átomo-ideia é a primeira afirmação da individualidade, da substancialidade de uma essência individual na filosofia grega. Aqui se encontra a grande contribuição de Demócrito. Revisando I Por que podemos dizer que as filosofias pré-socráticas têm na cosmologia sua principal preocupação filosófica? l Faça uma relação dos filósofos e de seus respectivos princípios sobre o elemento primordial do cosmo. Exercícios Propostos A afirmação de Tales "tudo é água" pode ser considerada o início dafilosofia?Justifique. Qual a contribuição da filosofia de Anaximandro? Explique por que os pitágoricos afirmavam que tudo era feito de números. Explique a contradição que há entre Ser e movimento e como a filosofia atomista resolve essa questão.
  • 29. CAPÍTULO 2 • Pré-socráficos: filósofos do cosmo • 29 l Textos Complementares Tales de Milefo A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter- -nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisá- lida, está contido o pensamento: "Tudo é um". A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comuni- dade com osreligiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador dd natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego. Se tivesse dito: "Da água provém a terra", teríamosapenas uma hipótese científica, falsa, mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do científi- co. Ao expor essa representação de unidade através da hipótese da água, Tales não superou o estágio inferior das noções físicas da época, mas, no máximo, saltou sobre ele. As parcas e desordenadas observações de natureza empírica que Tales havia feito sobre a presen- ça e as transformaçõesda água ou, mais exatamente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem suaorigem em uma intuição mística e que en- contramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor - a proposi- ção: "Tudoé um". É notável a violência tirânica com que essa cren- ça trata toda a empiria: exatamente em Tales se pode aprender como procedeu a filosofia,em todos ostem- pos, quando queria elevar-sea seu alvo magicamente atraente, transpondo as cercas da experiência. Sobre leves esteios, ela salta para diante: a esperança e o pressentimento põem asas em seus pés. Pesadamente, o entendimento calculador arqueja em seu encalço e busca esteios melhores para também alcançar aquele alvo sedutor, do qual sua companheira mais divind já chegou. Dir-se-ia ver dois andarilhos didnte de um rega- to selvagem, que corre rodopiando pedras; o primeiro, com pés ligeiros, salta sobre ele, usando as pedras e apoiando-se nelds para lançar-se mais adidnte, aindd que, atrás dele, afundem bruscamente nas profunde- zas. O outro, a todo instante, detém-se desdmpdrado, precisa antes construir fundamentos que sustentemseu passo pesado e cauteloso; por vezes isso não dá resul- tddo e, então, não há deus que possa auxiliá-loa trans- por o regato. O que, então, leva o pensomento filosófico tão ra- pidamente a seu alvo? Acaso ele se distingue do pen- samento calculador e medidor por seu voo mais veloz através de grandes espaços?Não, pois seupé é alçado por uma potência alheia, ilógica, a fantasia. Alçado por esta, ele salta adiante, de possibiliddde em possibilidade, que por um momento são tomadas por certezas; aqui e ali, ele mesmo apanha certezas no voo, Um pressen- timento genial as mostra a ele e adivinha de longe que nesse ponto há certezas demonstráveis. Mas, em parti- cular, a fantasia tem o poder de captar e iluminar como um relâmpago as semelhanças: mais tarde, a reflexão vem trazer seus critérios e padrões e procurar substituir as semelhanças por igualdddes, ds contiguidddes por causalidddes. Mas, mesmo que isso nunca sejapossível, mesmo no caso de Tales, o filosofar indemonstrável tem ainda um valor; mesmo que estejam rompidos todos os esteios quando a lógicd e a rigidez da empiria quiserem chegar até a proposição "Tudo é água", fica ainda, sem- pre, depois de destroçado o edifício científico, um resto; e precisamente nesse resto há uma força propulsora e como que a esperança de umd futura fecundidade, Naturalmente não quero dizer que o pensamento, em alguma limitação ou enfraquecimento, ou como alegoria, conserva ainda, talvez, uma espécie de "ver- ddde": assim como, por exemplo, quando se pensa em um artista plástico diante de uma queda d'água, e ele vê, nas formas que saltam ao seu encontro, um jogo artístico e prefigurador da água, com corpos de homens e de animais, máscaras, plantas, falésias, nin- fas, grifos e, em geral, com todos os protótipos possí- veis: de tdl modo que, para ele, a proposição "Tudo é água" estaria confirmadd, O pensamento de Tdles, do contrário, tem seuvalor - mesmo depois do conheci- mento de que é indemonstrável - em pretender ser.
  • 30. 30 • FILOSOFIA em todo caso, não místico e não alegórico, Os gregos, entre os quais Tales subitamente se destacou tanto, eram o oposto de todos os realistas, pois propriamente só acreditavam na realidade dos homens e dos deuses e consideravam a natureza inteira como que apenas um disfarce, mascaramento Q metamorfose desses homens- -deuses. O homem era para eles a verdade e o núcleo das coisas, todo o resto apenas aparência e jogo ilusório. Justamente por isso era tão incrivelmente difícil para eles captar os conceitos como conceitos: e, ao inverso dos modernos, entre os quais mesmo o mais pessoal se su- blima em abstrações, entre eles o mais abstrato sempre confluía de novo em uma pessoa, MasTales dizia: "Não é o homem, mas a água, a realidade das coisas"; ele co- meça a acreditar na natureza, na medida em que, pelo menos, acredita na água. Como matemático e astróno- mo, ele se havia tornado frio e insensível a todo o místico e o alegórico e, senão logrou alcançar a sobriedade da pura proposição "Tudo é um" e sedeteve em uma expres- são física,ele era, contudo, entre osgregos de seutempo, uma estranha raridade. Talvez os admiráveis órficos pos- suíssem a capacidade de captar abstrações e de pensar sem imagens, em um grau ainda superior a ele: mas estes só chegaram a exprimi-lo na forma de alegoria, Também Ferécides de Siros, que está próximo de Tales no tempo e em muitas das concepções físicas, oscila, ao exprimi-las, naquela região intermediária em que o mito secasa com a alegoria: de tal modo que, por exemplo, se aventura a comparar a Terra com um carvalho alado, suspenso no ar com as asas abertas, e que Zeus, depois desobrepujar Kronos, reveste de umfaustoso manto de honra, onde bor- dou, com sua própria mão, asterras, as águas e rios, Con- traposto esse filosofar obscuramente alegórico, que mal se deixa traduzir em imagens visuais, Tales é um mestre criador, que, semtabulação fantástica, começou a vera natureza em suas profundezas,Se para isso se serviu, sem dúvida, da ciência e do demonstrável, mas logo saltou por sobre eles, isso é igualmente um caráter típico da ca- beça filosófica.A palavra grega que designa o "sábio" se prende, etimologícamente, a sapio, eu saboreio, sapíens, Órficos o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discerni- mento, constitui, pois, segundo a consciência do povo, a arte peculiar do filósofo. Este não é prudente, se chama- mos de prudente àquele que, em seus assuntos próprios, sabe descobrir o bem. Aristóteles diz com razão:"Aquilo que Tales e Anaxágorassabem será chamado de insólito, assombroso, difícil, divino, mas inútil, porque eles não se importavam com os bens humanos", Ao escolher e dis- criminar assim o insólito, assombroso, difícil, divino, a Filo- sofia marca o limite que a separa da ciência, do mesmo modo que, ao preferiro inútil, marca o limite que a separa da prudência. A ciência, sem essa seleção, sem esse refi- namento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possí- vel saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre norastro das coisas dignas de serem sabidas, dos conhecimentos importantes e grandes. Mas o conceito de grandeza é mutável, tanto no do- mínio moral quanto no estético: assim a filosofia começa por legislar sobre a grandeza, a ela se prende uma doa- ção de nomes. "Isto é grande", diz ela, e com isso eleva o homem acima da avidez cega, desenfreada, de seu impulso ao conhecimento. Pelo conceito de grandeza, ela refreia esse impulso: ainda mais por considerar o co- nhecimento máximo, da essência e do núcleo das coisas, como alcançável e alcançado. Quando Tales diz"Tudoé água", o homem estremece e seergue do tatear e raste- jar vermiformesdas ciências isoladas, pressentea solução última das coisas e vence, com esse pressentimento, o acanhamento dos graus inferiores do conhecimento. O filósofo buscd ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e, de si mesmo, expô-lo em conceitos; enquan- to é contemplativo como o artista plástico, compassivo como o religioso, à espreita de fins e causalidades como o homem da ciência, enquanto se sente dilatar-se até a dimensão do macrocosmo, conserva a lucidez para considerar-se friamente como o reflexo do mundo, essa lucidez que tem o artista dramático quando se transforma em outros corpos, fala a partir destes e, contudo, sabe Nome dado a toda uma literatura poética e filosófica ligada à personalidadede Orfeu. Compreendia hinos de cerimónias de inicia- ção, obras míticas, coletâneas de oráculos. Ferécides de Siros Foi um filósofo grego pré-socrático.Descrito por Aristóteles como um teólogo que misturava Filosofia e mitologia. Conhecido como autor de uma obra que descreve a origem do mundo intitulada As cinco cavernas. Está também associado à criação da doutrina da metempsicose.
  • 31. > CAPÍTULO 2 * Pré-socráficos:filósofosdo cosmo • 31 projetar essa transformaçãopara o exterior, em versos escritos. O que é o verso para o poeta, aqui, é para o filósofo o pensar dialético: é deste que ele lança mão para fixar-se em seu enfeitiçamento, para petrificá-lo. E assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são apenas o balbucio em uma língua estrangeira, para dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamen- te, só poderia anunciar pelos gestos e a música, assim a expressão daquela intuição filosófica profunda pela Hegel refiete sobre Tales de Milefo dialética e a reflexão científicaé, decerto, por um lado, o único meio de comunicar o contemplado, mas um meio raquítico, no fundo uma transposição metafórica, totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes.As- sim contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e quando quis comunicar-se, falou da água! NIETZSCHE, Friedrich. "A Filosofia na época trágica dos gregos". In: SOUZA, José Cavalcante de. Os pré-socráf/cos. Rubens Rodrigues Torres Filho (Trad.). São Paulo: Hedra, 2008. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p.10-2 (Os Pensadores). A proposição de Tales de que a água é o absoluto ou, como diziam osantigos, o princípio, é filosófica; com ela, a filosofia começa, porque através dela chega à consciência de que o um é a essência, o verdadeiro, o único que é em sie para si, Começa aqui um distan- cíar-se daquilo que é um nossa percepção sensível; um afastar-se deste ente imediato - um recuar diante dele, Os gregos consideraram o sol,as montanhas, os rios etc. como forças autónomas, honrando-os como deuses, elevados pela fantasia a seres ativos, móveis, conscien- tes, dotados de vontade. Isto gera em nósa representa- ção da pura criação pela fantasia - animação infinita e universal, figuração, sem unidade simples. Com esta proposição está aquietada a imaginação selvagem, infinitamente colorida, de Homero; este dissociar-se de uma infinidade de princípios, toda esta representação de que um objeto singular é algo que verdadeiramente subsiste para si, que é uma força para si, autónoma e acima das outras, é sobressumida e assim está posto que só há um universal, o universal ser em sie para si, a intuição simples e sem fantasia, o pensamento de que apenas um é. Este universal está, ao mesmo tempo, em relação com o singular, com a aparição, com a existên- cia do mundo, [...] "Hegel". Os pré-socráf/cos. São Paulo: Abril Cultural, 1 978,p. 9 (Os Pensadores). A contribuição da filosofia de Anaximandro [...] Se compararmos ao de Tales, o pensamento de Anaximandro introduz grandes mudanças teóricas que merecem serdestacadas, Em primeiro lugar, a clara identificação entre physis e arkhé como aquilo que só pode seralcançado pelo pensamento, pois o princípio não se confunde com os quatro elementos visíveis e observáveis. Emsegundo, e como consequência, a concepção do princípio como algo quantitativamente sem limites e qualitativamente indeterminado para que possa eternamente dar origem a todas as coisas determinadas do ponto de vista da quantidade e da qualidade. Emterceiro, a afirmação de queo principio é eterno- "sem idade e sem velhice", "imortal e imperecível" - de tal maneira que ele é mui- to mais do que eram os antigos deuses, pois estes eram imortais, mas não eram eternos,uma vezque haviamsido gerados, Emquarto lugar, a clara distinção entre a eter- nidade do princípio e a "ordenação do tempo", isto é, d distinção entrea perenidade imortal do princípio e o de- vir ou vira sercomo ordem temporal da geração e cor- rupção das coisas. Em quinto, e mais profundamente, Anaximandro concebe a ordem do tempo como uma lei necessária - por isso fala em injustiça e reparação justa -segundo a qual oselementos seseparam do prin- cípio, formam a multiplicidade das coisas como opos- tas ou como contrários em luta e depois retornam ao princípio, dissolvendo-se nele para pagar o preço da in- dividuação injusta porque belicosa. Em outras palavras, Anaximandro procura explicar como do indeterminado e ilimitado surgem as coisas determinadas e limitadas, ou a origem das coisas individualizadas, de suds diferen- ças e aposições. Sobressumida Original alemão: aufgefioben. Pode ser interpretada, neste contexto, como o que está acima dos outros, elevado. r --------- •
  • 32. 32 • FILOSOF! A origem do mundo é, pois, explicado por um pro- cesso injusto e culpado ou pela guerra Incessante que fazem entre sios elementos do interior do ápeiron.A luta dos contrários, isto é, o mundo em que vivemos, fere a justiça (díke) e esta exige a reparação, Cabe ao tempo reparar a injustiça, obrigando todas as coisas determi- Demócrito e os átomos filosóficos nadas e limitadas a retornar ao seio de indeterminado e ilimitado: a corrupção e a morte dascoisas é a expia- ção da culpa pela separação, individuação e guerra dos contrários. CHAUI, Marilena. Introduçãoà história da filosofia: dos pré-socráficos a Aristóteles. São Paulo: Companhia dasLetras, 2002, v. l, p. 60. [...] De todos os sistemas antigos, o de Demócrito é mais lógico: pressupõe a mais estrita necessidade pre- sente em toda a parte, não há nem interrupção brusca em intervenção estranha no curso natural das coisas. Só então o pensamento se desprende de toda a concep- ção antropomórfica do mito, tem-se, enfim, uma hipó- tese cientificamente utilizável;esta hipótese, omaterialis- mo, sempre foi da maior utilidade, É a concepção mais terra a terra; parte das qualidades reais da matéria, não procura logo de início, como a hipótese [.,.] as causas finais de Aristóteles, ultrapassar as forças mais simples, É um grande pensamento reconduzir às manifestações inumeráveis de uma força única, da espécie mais co- mum, todo esse universo cheio de ordem e de exata finalidade, A matéria que se move segundo as leis mais gerais produz, com o auxílio de um mecanismo cego, efeitos que parecem os desígnios de uma sabedoriasu- prema.[,..] Eis como Demócrito se representa a formação de um mundo dado: os átomos flutuam, perpetuamente agitados, no espaço infinito; censurou-sedesde a Anti- guidade esse ponto de partida, dizendo que o mundo teria sido movido e teria nascido por "acaso", [,..] que o "acaso cego" reinaria entre os materialistas,Esta é uma maneira muito pouco filosófica de se exprimir. O que é preciso dizer é que há uma causalidade sem finalidade, [...] sem intenções. Não há acaso, mas um conjunto de leis rigorosas, embora não racionais,.. [...] NIETZSCHE. Os pré-socráf/cos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 349-50 (Os Pensadores). Pltágoras: fiiosofía, números e música Como todos os primeiros filósofos, Pitágoras buscou a physls e afirmou queesta erao número - arithmós. Como teria chegado a essa ideia? Os exercícios espirituais da comunidade pitagórica eram realiza- dos ao som da lira órfica ou a lira tetracorde (a lira de quatro cordas), e é muito provável que Pitágo- ras tivesse percebido que os sons produzidos pela lira obedeciam a princípios e regras para formaros acordes e para criar a concordância entre sonsdis- cordantes, isto é, os sons da lira seguem regras de harmonia que se traduzem em expressões numéri- cas (as proporções). Ora, se o som é, na verdade, número, por que toda a realidade - enquanto har- monia ou concordância dos discordantes como o seco e o úmido, o quente e o frio, o bom e o mau, o justo e o injusto, o masculino e o feminino - não seria um sistema ordenado de proporções e, por- tanto, número? A proporção ou harmonia universal faz com que o mundo possa serconhecido como um sistema ordenado de opostosem concordância recíproca e por isso, assim como Pitágoras foi o pri- meiro a falar em phllosophía, foi também o primeiro a falar no mundo como /cosmos. Porque o mundo seria regido pelas mesmas leis de proporcionalidade que as das cordas da lira, Pitá- goras teria dito que há uma música universal e que não a ouvimos porque nascemos e vivemos em seu interior e não possuímoso contrastedo silêncio que nos permitiria ouvi-la, ao recomeçar. No mun- do, as cordas da lira são as esferas celestes, onde se encontram osastros,e a esfera terrestre,ondenos encontramos, A música ou harmonia universal ó a relação proporcional e ordenada entre as esferas ou entre os céus e a terra, CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, v. l, p. 69.
  • 33. CAPÍTULO 2 • Pré-socróficos: filósofos do cosmo • 33 : Resumindo A filosofia pré-socrática tem como característica comum a reflexão sobre o cosmo, na busca pela explicação da realidade dos fenómenos. Por esse motivo, diremos que é uma filosofia cosmológica. Tales propõe que a água é o elemento primordial de todas as coisas. Assim, inicia a filosofia, pois percebe a necessidade de um princípio comum aos diferentes fenómenos do universo. Anaximandro propõe que o princípio de todas as coisas é o infinito. Com essa afirmação, aprofunda a reflexão cosmológica na medida em que percebe que o princípio de todas as coisas deve ser um elemento de natureza totalmente diferente. Os pitagóricos, na busca por um princípio imutável dos fenómenos, encontram nos números uma realidade que consegue traduzir todos os seres e as diferentes formas pelas quais eles se relacionam. A filosofia atomista de Demócrito chega à conclusão da existência de átomos enquanto elementos primordiais. Os átomos, a partir de diferentes junções e relações entre si, conseguem proporcionar a constituição dos dife- rentes seres do universo. Quer saber mais? LIVROS Os pré-socróficos. SãoPaulo: Abril Cultural, l 978 (OsPensadores). BORHEIM, Gerd Alberto. Osfilósofospré-socràf/cos. SãoPaulo: Cultrix, l 977. FILME Quem somos nós? Estados Unidos. 2004. Direção de William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente. Exercícios Complementares UEL Talesfoi o iniciador da filosofia da physis,poisfoi oprimeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisasque existem, sustentando que esseprincípio é a água. Essaproposta é importantíssima... podendo com boa dose de ra^ão ser qualificada como aprimeiraproposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental. REALE, Giovanni. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, l 990, p. 29. A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos. De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado. (a) A ética, enquanto investigação racional do agir humano. ( b) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. (c; A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos. (d) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. (e) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação.
  • 34. 34 • FILOSOFIÍ B UEL Entre os "físicos" dajônia, o caráterpositivo invadiude chofre a totalidade do ser. Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogéneo, todo ele no mesmoplano: são aspartes ou os aspectos de uma só emesmaphysis quepõem emjogo,por todaparte, as mesmasforcas, manifestam a mesmapotência de vida. As viaspelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organi^ou-se sãoperfeitamente acessíveis à inteligência humana: a natureza não operou no começo de maneira diferente de como ofa% ainda,cada dia, quando ofogo seca uma vestimenta molhada ou quando, num crivo agitado pela mão, aspartes maisgrossas se isolam e se reúnem. VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego, isis Borges B. da Fonseca (Trad.). 12 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p.l 10. Com base no texto, assinale a alternativa correta. (a) Para explicar o que acontece no presente é preciso compreender como a natureza agia "no começo", ou seja, no momento original. b: A explicação para os fenómenos naturais pressupõe a aceitação de elementos sobrenaturais. (c) O nascimento, a diversidade e a organização dos seres naturais têm uma explicação natural e esta pode ser compreendida racionalmente. (d) A razão é capaz de compreender parte dos fenómenos naturais, mas a explicação da totalidade dos mes- mos está além da capacidade humana. (e) A diversidade de fenómenos naturais pressupõe uma multiplicidade de explicações e nem todas estas explicações podem ser racionalmente compreendidas. no Q
  • 35. í-socráticos: Heráclito de Éfeso Hámuitotempo houve umfilósofo conhecido como"o obscuro"; seunome era Heráclito. Ele nasceunuma cidade grega chamadaÉfeso e era conhecido porseucaráter aristocrático emelancólico.Nãotinharespeito pela ple- be epor qualquer umpé pensasseusando osensocomum. Â grande maioriadosfilósofos precedentes, para ele, eradesprezível assimcomo os poetas,incluindo Homero. As grandes máximas da filosofia de Heráclito são "tudo fluí" e t "tudo é um". Como entender essase outras sentenças desse filósofo "fazedor deenigmas", comotambém era conhecido? U í ^