Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Peter Burke - Montaigne. Trad. Jaimir Conte. São Paulo. Edições Loyola, 2006.pdf
1.
2. F
r
F
b
0
D
g
K
0
q
0
g
)''
b
F
R
6
H
g
ê'
e
Í
ã
ã'
8
0
3
(D
D
m
H
m
2
U
C
Z
X
m
Mestres do Pensar
Aristóteles, Jonathan Barnes
Darwin, Jonathan Howard
Descartes, Tom Sorell
Espinosa, Roger Scruton
Hegel, Peter Singer
Heidegger, Michael Inwood
Hobbes, Richard Tuck
Hume, A. J. Ayer
Kierkegaard, Patrick Gardiner
Leibniz, G. MacDonald Ross
Locke, John Dunn
Marx, Peter Singer
Montaigne, Peter Burke
Nietzsche, Michael Tanner
Platão, R. M. Hare
Schopenhauer, Christopher Janaway
Wittgenstein, A. C. Grayling
TRADUÇÃO
JaimirConte
PETER BuRKE
X
Edlfães Loyolo
3. F
r
F
b
0
D
g
K
0
q
0
g
)''
b
F
R
6
H
g
ê'
e
Í
ã
ã'
8
0
3
(D
D
m
H
m
2
U
C
Z
X
m
Mestres do Pensar
Aristóteles, Jonathan Barnes
Darwin, Jonathan Howard
Descartes, Tom Sorell
Espinosa, Roger Scruton
Hegel, Peter Singer
Heidegger, Michael Inwood
Hobbes, Richard Tuck
Hume, A. J. Ayer
Kierkegaard, Patrick Gardiner
Leibniz, G. MacDonald Ross
Locke, John Dunn
Marx, Peter Singer
Montaigne, Peter Burke
Nietzsche, Michael Tanner
Platão, R. M. Hare
Schopenhauer, Christopher Janaway
Wittgenstein, A. C. Grayling
TRADUÇÃO
JaimirConte
PETER BuRKE
X
Edlfães Loyolo
4. K
B
0
0
D
N
n)
3
()
0
3
(D
n>-
Q
C
>-
0
-]
T
m
d
m
Z
[-
D
C
Z
X
m
..J
)
!'
.J
-,J
8
Mestres do Pensar
Aristóteles, Jonathan Bames
Darwin, Jonathan Howard
Descartes, Tom Sorell
Espinosa, Roger Scruton
Hegel, Peter Singer
Heidegger, Michael lnwood
Hobbes, Richard Tuck
Hume, A.]. Ayer
Kierkegaard, Patrick Gardiner
Leibniz, G. MacDonald Ross
Locke, John Dunn
Marx, Peter Singer
Montaigne, Peter Burke
Nietzsche, Michael Tanner
Platão, R. M. Hare
Schopenhauer, Christopher Janaway
Wittgenstein, A. C . Grayling
l!101 Tl'J_lG-1 Tl~
TRADUÇÃO
Jaimir Conte
PETER BURKE
~
Edições 1oyo/a
11. 0
M
O
NTAIG
N
E
-t
H
8
3
0
Ó
0
3
C
0
8
8
8
3
0
3
8
3
0
C
:
C
3
0
c)
0
D
8
H
0
B
3
Ó
x
a
E.8
0
0
.Q
D
3
8
C
D
8
C
H'
o
R
8
0
0
0
D
X
R
g'5
$'
1
$
B
0
='
f'D
g)l
o
o
o
0
0
3
3
0
ê
}'
e
3
3
D
C
0
C
C
=
3
0
C
C
9)
D
..Q
C
-'a
K
E
Q..
$
0
0
B
D
B
pa
C/)
0
n)
=
8
3
3
0
g)
i'
$'
ã
C
C
n
8
8
8
P
8
B
8'
g
'a
0
P
3
D'
aQ
8.'8
D
B
'a
a
Cn
p"'t
3
Q.
Ot
8
C
3
3
X
B.'
gê:
0
0
t
kg
g''g
g
0
'
n
('D
'
-a
a-
o
õ'
g
g)
p't
.Q
C
0
D
3
8
õ
g
o
<
3'
g
0
o..
b
0
C
C
8'g
D
c)
Ê'
0
8
3
g
B:
0
0
0
3
C
3
D
n
0
0
B
Q-
H
n
.
3
d
0
D
D'
0
0
i.
':3
g
0
cn
g)
g
3
'
F
$
P
3
P
D
C
-'0
Ot
0
c)
=
F
g.
a
D''
3
h
B
D
0
C
3
M
O
NTAIG
NE
EM
S
UA
ÉPOCA
w
z
(!)
<(
1-
z
o
::;;
10
realidade, alguns dos temas sobre os quais escolheu escrever eram
lugares-comuns da época; o que o distingue de seus contemporâ-
•
neos é o que fez com esses temas. Se não foi um típico, foi um
verdadeiro homem do século XVI. Isso não significa que nada tenha
a nos dizer. Ele lança um desafio a nossas opiniões como o fez com
as de sua geração.
Montaigne não era um pensador sistemático. De fato, apre-
sentou suas idéias de maneira deliberadamente assistemática. Em
conseqüência, sérios perigos aguardam qualquer um que tente
apresentar uma explicação sistemática de seu pensamento. Tal
explicação toma naturalmente a forma de citações com um co-
mentário explicativo. Essas citações precisam ser tiradas de seu
contexto original. Tratar a obra de Montaigne dessa maneira é
perigoso sobretudo porque ele contou de maneira incomum com
um contexto. Gostava de ser ambíguo e irônico. Gostava de citar
outros escritores, mas também de fazer citações contrárias a seu
novo contexto para lhes dar outro significado. Um dos prazeres
em ler Montaigne é a constante descoberta de novos significados
possíveis em seus escritos; a dificuldade é decidir se um certo sig-
nificado era ou não intencional. Não existe nenhuma maneira
infalfvel de fazer isso, e todas as afirmações seguras sobre as cren-
ças de Montaigne devem ser tratadas com ceticismo. Entretanto,
não teremos nenhuma possibilidade de entendê-lo se não o
recolocarmos em seu ambiente social e cultural.
Michel Eyquem de Montaigne nasceu em 1533. Pertencia
ao que se poderia chamar de "geração de 1530". As gerações não
podem ser calculadas com exatidão; são definíveis com base em
critérios sociais e culturais, assim como por meio de datas de
nascimento, mantidas juntas em virtude de um sentimento de
comunidade derivado da experiência comum. A geração de 1530,
na França, era o primeiro grupo que não tinha nenhuma lem-
brança do mundo anterior à Reforma. Esse grupo incluía o juris-
ta e historiador Etienne Pasquier (nascido em 1529), conhecido
de Montaigne e grande admirador dos Ensaios; o melhor amigo de
Montaigne, Etienne de La Boétie (1530); Jean Bodin (c. 1530),
o mais destacado intelectual da França no final do século XVI e
homem a quem Montaigne professava grande estima, embora
rejeitasse suas opiniões sobre a bruxaria; o impressor erudito Henri
Etienne (1531) e o soldado cavalheiro François de la Noue
(1531 ), ambos calvinistas (João Calvino, nascido em 1509, per-
tencia a uma geração anterior). Talvez valha a pena estender a
noção de uma "geração de 1530" a fim de incluir, por um lado,
Pierre Charron (1540), discípulo intelectual de Montaigne, e,
por outro, Pierre Ronsard (1524) e Marc-Antoine Muret (1526),
um dos professores de Montaigne.
Quer se inclinasse a favor do catolicismo, do calvinismo ou
de algo mais incomum (acredita-se que Bodin tenha se tomado
judeu), essa geração teve que chegar a um acordo a respeito de
uma divisão de opinião sem precedentes sobre questões geral-
mente consideradas absolutamente fundamentais. A experiên-
cia de Montaigne acerca das divisões religiosas em sua família
(sua irmã Jeanne tomou-se calvinista, e também, durante certo
tempo, seu irmão Thomas, enquanto seu pai permaneceu um
católico firme) estava longe de ser atípica. A preocupação com
o problema da diversidade religiosa era característica da época,
embora a atitude de Montaigne fosse muito pessoaL
O conhecimento do grupo social ao qual pertencia é tão
importante para entender as idéias de Montaigne quanto o de sua
geração. Era o filho mais velho e herdeiro de um cavalheiro gascão,
Pierre Eyquem. Entretanto, sua mãe, Antoinette de Loupes, era
de origem hispânica e provavelmente judia (embora sua família
vivesse na França havia séculos), e a nobreza de seu pai era de
cepa relativamente recente. "Cepa" é a palavra apropriada, pois
havia comerciantes de vinho no passado recente de sua família,
residentes e proprietários de terras não muito distantes de Bordeaux.
Pode-se dizer que o Château d'Eyquem corria nas veias de
<(
ü
o
o..
·W
<(
::,
(/)
::;;
w
w
z
(!)
<(
1-
z
o
::;;
11
12. 0
M
O
NTAIG
N
E
-t
H
8
3
0
Ó
0
3
C
0
8
8
8
3
0
3
8
3
0
C
:
C
3
0
c)
0
D
8
H
0
B
3
Ó
x
a
E.8
0
0
.Q
D
3
8
C
D
8
C
H'
o
R
8
0
0
0
D
X
R
g'5
$'
1
$
B
0
='
f'D
g)l
o
o
o
0
0
3
3
0
ê
}'
e
3
3
D
C
0
C
C
=
3
0
C
C
9)
D
..Q
C
-'a
K
E
Q..
$
0
0
B
D
B
pa
C/)
0
n)
=
8
3
3
0
g)
i'
$'
ã
C
C
n
8
8
8
P
8
B
8'
g
'a
0
P
3
D'
aQ
8.'8
D
B
'a
a
Cn
p"'t
3
Q.
Ot
8
C
3
3
X
B.'
gê:
0
0
t
kg
g''g
g
0
'
n
('D
'
-a
a-
o
õ'
g
g)
p't
.Q
C
0
D
3
8
õ
g
o
<
3'
g
0
o..
b
0
C
C
8'g
D
c)
Ê'
0
8
3
g
B:
0
0
0
3
C
3
D
n
0
0
B
Q-
H
n
.
3
d
0
D
D'
0
0
i.
':3
g
0
cn
g)
g
3
'
F
$
P
3
P
D
C
-'0
Ot
0
c)
=
F
g.
a
D''
3
h
B
D
0
C
3
M
O
NTAIG
NE
EM
S
UA
ÉPOCA
w
z
(!)
<(
1-
z
o
::;;
10
realidade, alguns dos temas sobre os quais escolheu escrever eram
lugares-comuns da época; o que o distingue de seus contemporâ-
•
neos é o que fez com esses temas. Se não foi um típico, foi um
verdadeiro homem do século XVI. Isso não significa que nada tenha
a nos dizer. Ele lança um desafio a nossas opiniões como o fez com
as de sua geração.
Montaigne não era um pensador sistemático. De fato, apre-
sentou suas idéias de maneira deliberadamente assistemática. Em
conseqüência, sérios perigos aguardam qualquer um que tente
apresentar uma explicação sistemática de seu pensamento. Tal
explicação toma naturalmente a forma de citações com um co-
mentário explicativo. Essas citações precisam ser tiradas de seu
contexto original. Tratar a obra de Montaigne dessa maneira é
perigoso sobretudo porque ele contou de maneira incomum com
um contexto. Gostava de ser ambíguo e irônico. Gostava de citar
outros escritores, mas também de fazer citações contrárias a seu
novo contexto para lhes dar outro significado. Um dos prazeres
em ler Montaigne é a constante descoberta de novos significados
possíveis em seus escritos; a dificuldade é decidir se um certo sig-
nificado era ou não intencional. Não existe nenhuma maneira
infalfvel de fazer isso, e todas as afirmações seguras sobre as cren-
ças de Montaigne devem ser tratadas com ceticismo. Entretanto,
não teremos nenhuma possibilidade de entendê-lo se não o
recolocarmos em seu ambiente social e cultural.
Michel Eyquem de Montaigne nasceu em 1533. Pertencia
ao que se poderia chamar de "geração de 1530". As gerações não
podem ser calculadas com exatidão; são definíveis com base em
critérios sociais e culturais, assim como por meio de datas de
nascimento, mantidas juntas em virtude de um sentimento de
comunidade derivado da experiência comum. A geração de 1530,
na França, era o primeiro grupo que não tinha nenhuma lem-
brança do mundo anterior à Reforma. Esse grupo incluía o juris-
ta e historiador Etienne Pasquier (nascido em 1529), conhecido
de Montaigne e grande admirador dos Ensaios; o melhor amigo de
Montaigne, Etienne de La Boétie (1530); Jean Bodin (c. 1530),
o mais destacado intelectual da França no final do século XVI e
homem a quem Montaigne professava grande estima, embora
rejeitasse suas opiniões sobre a bruxaria; o impressor erudito Henri
Etienne (1531) e o soldado cavalheiro François de la Noue
(1531 ), ambos calvinistas (João Calvino, nascido em 1509, per-
tencia a uma geração anterior). Talvez valha a pena estender a
noção de uma "geração de 1530" a fim de incluir, por um lado,
Pierre Charron (1540), discípulo intelectual de Montaigne, e,
por outro, Pierre Ronsard (1524) e Marc-Antoine Muret (1526),
um dos professores de Montaigne.
Quer se inclinasse a favor do catolicismo, do calvinismo ou
de algo mais incomum (acredita-se que Bodin tenha se tomado
judeu), essa geração teve que chegar a um acordo a respeito de
uma divisão de opinião sem precedentes sobre questões geral-
mente consideradas absolutamente fundamentais. A experiên-
cia de Montaigne acerca das divisões religiosas em sua família
(sua irmã Jeanne tomou-se calvinista, e também, durante certo
tempo, seu irmão Thomas, enquanto seu pai permaneceu um
católico firme) estava longe de ser atípica. A preocupação com
o problema da diversidade religiosa era característica da época,
embora a atitude de Montaigne fosse muito pessoaL
O conhecimento do grupo social ao qual pertencia é tão
importante para entender as idéias de Montaigne quanto o de sua
geração. Era o filho mais velho e herdeiro de um cavalheiro gascão,
Pierre Eyquem. Entretanto, sua mãe, Antoinette de Loupes, era
de origem hispânica e provavelmente judia (embora sua família
vivesse na França havia séculos), e a nobreza de seu pai era de
cepa relativamente recente. "Cepa" é a palavra apropriada, pois
havia comerciantes de vinho no passado recente de sua família,
residentes e proprietários de terras não muito distantes de Bordeaux.
Pode-se dizer que o Château d'Eyquem corria nas veias de
<(
ü
o
o..
·W
<(
::,
(/)
::;;
w
w
z
(!)
<(
1-
z
o
::;;
11
17. 0
<
B
0
B
C
g
>
o
0
='
C
3
D
8
0
D
0
çn
C
0
r
a
B
---..-#
,
P
0
D
'
3
2
0
0
0
Ê'
ã.
Q
0
=
(:
B'
a
:
»
B
B
0
a
g
0
3
»
H
Q
W
B
g
Ê:
0
(D
n
0
>
5
H
g
0
0
B
0
C
0
R
P
.Q
C
3
0
0
g
0
C
?
g'
a'
'-q
OlniJdvo
O humanismo de Montaigne
l
esde o famoso estudo de Jacob Burckhardt A civilização
Jdo Renascimento na Itália (1860), o conceito_de
___, "humanismo" tem sido popular entre os historiadores,
mas nem todos o têm empregado do mesmo modo. Alguns usam
o termo num sentido vago para se referir à preocupação com a
dignidade do homem, opondo um Renascimento antropocêntrico
- às vezes de modo demasiado simples - a uma Idade Média
teocêntrica. Outros historiadores preferem empregar o termo
"humanista" da maneira como se utilizava umanista nas univer-
sidades italianas por volta de 1500. Nesse sentido, um huma-
nista era mestre profissional das "humanidades" (studia huma-
nitatis), ou seja, de história, ética, poesia e Tetórica. Essas quatro
matérias foram consideradas especialmente ,íhumanas" por Cícero
e outros intelectuais romanos, e também pelo renascentistas, pois
se acreditava que as características essenciais do homem eram
sua habilidade para falar e para distinguir o certo do errado.
Os humanistas do Renascimento, nesse sentido do termo,
distinguiam-se facilmente de seus colegas acadêmicos em virtu-
de de rejeitarem os "escolásticos" (scholastici), ou seja, filósofos
medievais tais como Tomás de Aquino, Duns Scotus e Guilher-
me de Ockham, e seu mestre Aristóteles. Os humanistas rejeita-
vam tanto a linguagem da filosofia escolástica - que não era
clássica (e portanto, a seus olhos, bárbara) - como sua concen-
21
17
18. 0
<
B
0
B
C
g
>
o
0
='
C
3
D
8
0
D
0
çn
C
0
r
a
B
---..-#
,
P
0
D
'
3
2
0
0
0
Ê'
ã.
Q
0
=
(:
B'
a
:
»
B
B
0
a
g
0
3
»
H
Q
W
B
g
Ê:
0
(D
n
0
>
5
H
g
0
0
B
0
C
0
R
P
.Q
C
3
0
0
g
0
C
?
g'
a'
'-q
OlniJdvo
O humanismo de Montaigne
l
esde o famoso estudo de Jacob Burckhardt A civilização
Jdo Renascimento na Itália (1860), o conceito_de
___, "humanismo" tem sido popular entre os historiadores,
mas nem todos o têm empregado do mesmo modo. Alguns usam
o termo num sentido vago para se referir à preocupação com a
dignidade do homem, opondo um Renascimento antropocêntrico
- às vezes de modo demasiado simples - a uma Idade Média
teocêntrica. Outros historiadores preferem empregar o termo
"humanista" da maneira como se utilizava umanista nas univer-
sidades italianas por volta de 1500. Nesse sentido, um huma-
nista era mestre profissional das "humanidades" (studia huma-
nitatis), ou seja, de história, ética, poesia e Tetórica. Essas quatro
matérias foram consideradas especialmente ,íhumanas" por Cícero
e outros intelectuais romanos, e também pelo renascentistas, pois
se acreditava que as características essenciais do homem eram
sua habilidade para falar e para distinguir o certo do errado.
Os humanistas do Renascimento, nesse sentido do termo,
distinguiam-se facilmente de seus colegas acadêmicos em virtu-
de de rejeitarem os "escolásticos" (scholastici), ou seja, filósofos
medievais tais como Tomás de Aquino, Duns Scotus e Guilher-
me de Ockham, e seu mestre Aristóteles. Os humanistas rejeita-
vam tanto a linguagem da filosofia escolástica - que não era
clássica (e portanto, a seus olhos, bárbara) - como sua concen-
21
17
19. @
MONTAIGNE
C
C
F'
-'0
e
3
0
Z
0
=
=
0
0
C
D
0
='
B
0
C
0
C
Ó
C
q
Õ
<
P
Z
0
='
='
U
C
-'0
g
0
P
D
P
0
C
D
0
B
<
P
P
0
0
D
0
C
0
><
<
Z
D
0
0
3-'u
D
7'
0
Õ
B
D
D
0
D
C
C
0
-'0
C
C
P
C
3
E
3-'a
0
D
9)1
0
$
.Q
C
D
='
-'0
P
0
-'u
<
D'
0
P
0
<
=
0
J
N
B
<
P
0
<
P
0
0
0
3
0
-'0
0>
i
C
0
0
='
0
3
3
0
0
D
D
C
D
0
D
0
C
-'a
<
-'0
0
g
D
0
o
0
Õ'
0
0
0
3
B
0
0
C
0
b
n)
0
o
0
C
3
0
0
C
0
>
<
3
C
0
0
0
2
Õ
=
C
D
D
0
<
3
-'a
o
0
0
=
0
0
0
P'
0
E
0
C
8
P'
C
3
D
<
3
H
3
D
D
0
0
D
0
>
B
P
P
P
0
0
a
C
H
3
<
0
0
='
D
0
C
0
3
0
0
P
0
.Q
C
Z
0
D
=
P
C
0
P
D
3
D'
0
P
<
P
B
.Q
C
<
P
<
C
0
D
3
<
#
C
P
='
C
3
P
D
0
3
C
8
<
P
0
3
D
P
0
n
;'
0
3
0
0
P
0
C
0
g
3
W
C
C
C
D
Õ
>
0
P
><
<
C
0
E
P
D
»<
3
0
3
0
<
<
0
3
0
3
0
q
0
8
D
D
<
g
B
0
Õ
<
0
3
8
0
0
0
''0
0
3
0
Ó
0
D
0
Ê
C
'
3
0
g
0
3
-'a
0
i
P
0
}j.
«
F
í'
g'
:
g'
h--l
qu
Q..
o
&
B'
Õ
P
P
0~
e
0
8
B
<
3
N
3
<
D
3
0
3
0
<
0
0
P
D
C
D
a'
3
9
C
<
>
C
w
z
(!)
..f-
z
o
::,
18
tração na lógica, que consideravam árida e sem relevância em
com~aração com o estudo da ética. Rejeitavam a cultura da que
eles foram os primeiros a chamar de "Idade Média" a favor dos
modelos clássicos, tanto de linguagem como de comportamento.
Cícero lhes ensinava como escrever; Sócrates, Catão e Cipião
lhes ensinavam como viver e como morrer.
O movimento humanista, que floresceu nos séculos XV e
XVI, durou muito tempo e envolveu muitas pessoas para ser
considerado uniforme e imutável. Alguns humanistas admira-
ram Júlio César, outros preferiram Brutus, seu assassino. Al-
guns humanistas, agora muitas vezes denominados "cívicos",
pensavam que a vida ativa era superior à contemplativa. Te-
riam considerado que Montaigne se auto-realizaria melhor ad-
ministrando Bordeaux em vez de recolhendo-se a sua torre.
Outros humanistas acreditavam exatamente no contrário. Al-
guns se interessavam pela retórica, outros pela filosofia, e hou-
ve muitos conflitos entre os dois grupos. Alguns humanistas
seguiam Platão, outros Aristóteles (contudo, ao contrário dos
escolásticos, eles o liam em grego) e outros, ainda, os estóicos,
especialmente o filósofo romano Sêneca (4 a.C-65 d.C.) e o
ideal de "constância" manifestado em suas Cartas a Lucílio. O
homem constante, segundo Sêneca, propaga luzpela vida. Sabe
como pôr limites a seus desejos e por essa razão permanece tão
impassível ante os reveses da inconstante fortuna como um pé
de carvalho ante o vento. Trata-se de uma boa filosofia para
maus tempos, e não é de estranhar que tenha parecido espe-
cialmente atraente aos intelectuais europeus durante as guerras
religiosas do final do século XVI. Na França, o companheiro de
Montaigne nos tribunais, Pressac (1574), e o nobre calvinista
Philippe Duplessis Mornay (1576) traduziram as cartas de
Sêneca. Nos Países Baixos, que também sofreram o que ele
chamou de "os distúrbios das guerras civis", o grande erudito
Justus Lipsius, admirador de Montaigne, editou Sêneca e escre-
veu um tratado Da constância (1585). Por volta de 1590, o ju-
rista francês Guillaume du Vair escreveu um livro sobre o mes-
mo tema que se tornou bastante popular.
Mesmo distintos entre si como eram (ou chegaram a ser),
os humanistas coincidiram na admiração pela Antiguidade clás-
sica, em sua crença de que a sabedoria dos antigos poderia recon-
ciliar-se com o cristianismo em sua preocupação central com o
homem. Como Sócrates, consideravam o autoconhecimento a
coisa mais importante, e não o conhecimento da natureza. Gos-
tavam de citar uma frase do filósofo grego Protágoras (c. 485-c.
415 a.C.), a observação um tanto críptica de que "o homem é a
medida de todas as coisas, das coisas que são enquanto são e das
que não são enquanto não são".
Montaigne não foi um humanista no sentido estritamente
profissional, como (digamos) Adrien Turnebe, professor de gre-
go no Colégio Real de Paris que, segundo Montaigne escreveu,
"conhecia tudo" e foi o mais importante erudito em "mil anos".
Entretanto, ele compartilhou os interesses e as atitudes dos
humanistas. Embora seja bastante provável que soubesse pouco
grego, seu latim era excelente. Graças ao gosto de seu pai pelos
experimentos educativos, o latim foi, literalmente, a primeira
língua de Montaigne. Segundo nos conta, não lhe falaram outra
coisa até que tivesse 6 anos (1.26). Em conseqüência, lia Ovídio
por diversão numa idade em que outros jovens liam romances de
cavalaria - as novelas de faroeste do século XVI-, se _
é que
liam alguma coisa. Montaigne passou a receber uma educação
humanista completa no recém-fundado Colégio de Guyenne em
Bordeaux, que, além de ser convenientemente perto de casa, era
uma das melhores escolas do novo gênero que podiam ser en-
contradas na Europa naquele tempo. Foi instruído por humanistas
que mais tarde se tomaram famosos, sobretudo Marc-Antoine
Muret e o escocês George Buchanan, e atuou nas tragédias lati-
nas que eles compunham. Éprovável, embora isso não possa ser
w
z
(!)
-
..f-
z
o
::,
w
o
o
::,
rJ)
z
..
::,
:o
I
o
19
20. @
MONTAIGNE
C
C
F'
-'0
e
3
0
Z
0
=
=
0
0
C
D
0
='
B
0
C
0
C
Ó
C
q
Õ
<
P
Z
0
='
='
U
C
-'0
g
0
P
D
P
0
C
D
0
B
<
P
P
0
0
D
0
C
0
><
<
Z
D
0
0
3-'u
D
7'
0
Õ
B
D
D
0
D
C
C
0
-'0
C
C
P
C
3
E
3-'a
0
D
9)1
0
$
.Q
C
D
='
-'0
P
0
-'u
<
D'
0
P
0
<
=
0
J
N
B
<
P
0
<
P
0
0
0
3
0
-'0
0>
i
C
0
0
='
0
3
3
0
0
D
D
C
D
0
D
0
C
-'a
<
-'0
0
g
D
0
o
0
Õ'
0
0
0
3
B
0
0
C
0
b
n)
0
o
0
C
3
0
0
C
0
>
<
3
C
0
0
0
2
Õ
=
C
D
D
0
<
3
-'a
o
0
0
=
0
0
0
P'
0
E
0
C
8
P'
C
3
D
<
3
H
3
D
D
0
0
D
0
>
B
P
P
P
0
0
a
C
H
3
<
0
0
='
D
0
C
0
3
0
0
P
0
.Q
C
Z
0
D
=
P
C
0
P
D
3
D'
0
P
<
P
B
.Q
C
<
P
<
C
0
D
3
<
#
C
P
='
C
3
P
D
0
3
C
8
<
P
0
3
D
P
0
n
;'
0
3
0
0
P
0
C
0
g
3
W
C
C
C
D
Õ
>
0
P
><
<
C
0
E
P
D
»<
3
0
3
0
<
<
0
3
0
3
0
q
0
8
D
D
<
g
B
0
Õ
<
0
3
8
0
0
0
''0
0
3
0
Ó
0
D
0
Ê
C
'
3
0
g
0
3
-'a
0
i
P
0
}j.
«
F
í'
g'
:
g'
h--l
qu
Q..
o
&
B'
Õ
P
P
0~
e
0
8
B
<
3
N
3
<
D
3
0
3
0
<
0
0
P
D
C
D
a'
3
9
C
<
>
C
w
z
(!)
..f-
z
o
::,
18
tração na lógica, que consideravam árida e sem relevância em
com~aração com o estudo da ética. Rejeitavam a cultura da que
eles foram os primeiros a chamar de "Idade Média" a favor dos
modelos clássicos, tanto de linguagem como de comportamento.
Cícero lhes ensinava como escrever; Sócrates, Catão e Cipião
lhes ensinavam como viver e como morrer.
O movimento humanista, que floresceu nos séculos XV e
XVI, durou muito tempo e envolveu muitas pessoas para ser
considerado uniforme e imutável. Alguns humanistas admira-
ram Júlio César, outros preferiram Brutus, seu assassino. Al-
guns humanistas, agora muitas vezes denominados "cívicos",
pensavam que a vida ativa era superior à contemplativa. Te-
riam considerado que Montaigne se auto-realizaria melhor ad-
ministrando Bordeaux em vez de recolhendo-se a sua torre.
Outros humanistas acreditavam exatamente no contrário. Al-
guns se interessavam pela retórica, outros pela filosofia, e hou-
ve muitos conflitos entre os dois grupos. Alguns humanistas
seguiam Platão, outros Aristóteles (contudo, ao contrário dos
escolásticos, eles o liam em grego) e outros, ainda, os estóicos,
especialmente o filósofo romano Sêneca (4 a.C-65 d.C.) e o
ideal de "constância" manifestado em suas Cartas a Lucílio. O
homem constante, segundo Sêneca, propaga luzpela vida. Sabe
como pôr limites a seus desejos e por essa razão permanece tão
impassível ante os reveses da inconstante fortuna como um pé
de carvalho ante o vento. Trata-se de uma boa filosofia para
maus tempos, e não é de estranhar que tenha parecido espe-
cialmente atraente aos intelectuais europeus durante as guerras
religiosas do final do século XVI. Na França, o companheiro de
Montaigne nos tribunais, Pressac (1574), e o nobre calvinista
Philippe Duplessis Mornay (1576) traduziram as cartas de
Sêneca. Nos Países Baixos, que também sofreram o que ele
chamou de "os distúrbios das guerras civis", o grande erudito
Justus Lipsius, admirador de Montaigne, editou Sêneca e escre-
veu um tratado Da constância (1585). Por volta de 1590, o ju-
rista francês Guillaume du Vair escreveu um livro sobre o mes-
mo tema que se tornou bastante popular.
Mesmo distintos entre si como eram (ou chegaram a ser),
os humanistas coincidiram na admiração pela Antiguidade clás-
sica, em sua crença de que a sabedoria dos antigos poderia recon-
ciliar-se com o cristianismo em sua preocupação central com o
homem. Como Sócrates, consideravam o autoconhecimento a
coisa mais importante, e não o conhecimento da natureza. Gos-
tavam de citar uma frase do filósofo grego Protágoras (c. 485-c.
415 a.C.), a observação um tanto críptica de que "o homem é a
medida de todas as coisas, das coisas que são enquanto são e das
que não são enquanto não são".
Montaigne não foi um humanista no sentido estritamente
profissional, como (digamos) Adrien Turnebe, professor de gre-
go no Colégio Real de Paris que, segundo Montaigne escreveu,
"conhecia tudo" e foi o mais importante erudito em "mil anos".
Entretanto, ele compartilhou os interesses e as atitudes dos
humanistas. Embora seja bastante provável que soubesse pouco
grego, seu latim era excelente. Graças ao gosto de seu pai pelos
experimentos educativos, o latim foi, literalmente, a primeira
língua de Montaigne. Segundo nos conta, não lhe falaram outra
coisa até que tivesse 6 anos (1.26). Em conseqüência, lia Ovídio
por diversão numa idade em que outros jovens liam romances de
cavalaria - as novelas de faroeste do século XVI-, se _
é que
liam alguma coisa. Montaigne passou a receber uma educação
humanista completa no recém-fundado Colégio de Guyenne em
Bordeaux, que, além de ser convenientemente perto de casa, era
uma das melhores escolas do novo gênero que podiam ser en-
contradas na Europa naquele tempo. Foi instruído por humanistas
que mais tarde se tomaram famosos, sobretudo Marc-Antoine
Muret e o escocês George Buchanan, e atuou nas tragédias lati-
nas que eles compunham. Éprovável, embora isso não possa ser
w
z
(!)
-
..f-
z
o
::,
w
o
o
::,
rJ)
z
..
::,
:o
I
o
19
21. r)
0
MO
NTAIG
NE
}ã'
3
3
Ê
;'ê'i
E
rD
ê
.8
j'
g
8'
''0
o
8
3
'0
0
C
G
N
D
Ê
;.!igg
pl
g
Q.-to
Q-
D
0
1-n
n
D;
8
B
<
pl
B
0
Ílp'l}
p,-tQ)
g
='
»-»h
cn
P
.
='
0
u
Q-
a
0
0
8
'
g'g
g
Êiil
0
c)
o
g
<
3
8
"H
'n
a5
0t
0
t'g'l
'i
8
B
t''
2
8
Q..
=b
a"
.y
E;
C
0
0
»
"--'"
.c)
C
0
P
D
B
P
!
g-
5'
1'
g
S
''--'"
o
a..
g'
0
C
N'
n)
=0
0
C
''0
»..,
('D
8
#
B
3'1
8
1i
D
aQ
2
a'
0
0
b
a..
g
íg.
n
N
D
}
g.
="E
=
c]
'"
g
0
g$'
0
3
5
'''.
"
e
T
ã
g--
8
.l
8
0
D
»-a
f-t
0
;:,
8
C
'a
3
$
'a
a.
o
õ
o
0
C
B
0
0
3
0
0
3
0
<
3
Q
0
.Q
C
P
D
P'
3
0-
'r
=
g
a-
ç
Q.
D.
3
-'0
D
<
g
0
3
?
$
O
H
U
M
A
NIS
M
O
DE
M
O
NTAIG
NE
w
z
CJ
..,
1-
z
o
::;
20
provado, que tenha continuado seus estudos com Turnebe e outros
na ,l)niversidade de Paris.
Essa educação deixou marcas. Já vimos como Montaigne
concebia seu retiro da vida pública do ponto de vista clássico ou
humanista. Mais ou menos cinco anos depois, pintou 57 máxi-
mas nas vigas de sua biblioteca, do mesmo modo como o huma-
nista Marsílio Ficino havia feito nas paredes da sala de sua casa
de campo em Careggi, na Toscana. Das máximas de Montaigne,
25 eram citações gregas e 32 latinas, entre as quais figurava uma
do comediógrafo romano Terêncio (c. 195-159 a.C.) que pode-
ria servir de lema para o humanismo em seu sentido amplo: "Sou
homem, e nada humano julgo ser-me alheio" (Homo sum, humani
a me nihil alienum puto).
É raro o ensaio que não esteja repleto de citações latinas
(1 .264 delas no total). Montaigne fez muitas vezes citações de
segunda mão - como ele francamente admitiu-, mas, a julgar
por suas referências e seus empréstimos, é claro que todos os seus
autores favoritos eram antigos. Nove romanos e dois gregos são
citados com mais freqüência do que todos os demais escritores
pós-clássicos. Seus favoritos são, em ordem ascendente de im-
portância, Ovídio, Tácito, Heródoto, César, Virgílio, Diógenes
Laércio (autor das Vidas dos filósofos, e usado mais para o que os
filósofos disseram do que para o que ele disse sobre eles), Horácio,
Lucrécio, Cícero, Sêneca e Plutarco. Montaigne compartilhava
a admiração de seus contemporâneos por Sêneca, especialmente
pelas Cartas a Lucílio. Vários dos primeiros ensaios são pouco
mais que mosaicos de citações desse filósofo romano (o próprio
Montaigne fala de "incrustação"), e a prosa informal, não-
ciceroniana, dos Ensaios deve muito a Sêneca. Quanto às obras
de Plutarco (c. 46-c. 127 d.C.), Montaigne as estudou cuidado-
samente na nova tradução francesa feita pelo bispo Jacques
Amyot, e se refere a elas ou faz empréstimos dos discursos morais
e da vida dos gregos e romanos famosos quase quatrocentas vezes
ao longo de seus Ensaios. Como Henrique IV, poderia ter chama-
do Plutarco de sua "consciência". Seus poetas favoritos, como
seus filósofos favoritos, eram clássicos; não somente Ovídio e
Horácio, mas também Catulo, Marcial e Juvenal.
Também os heróis de Montaigne são todos antigos. A dis-
cussão acerca dos "homens mais excelentes" (2.36) é centrada
em Homero, Alexandre Magno e, no lugar mais elevado de to-
dos, o general tebano Epaminondas (morto em 362 a.C.). Mais
tarde foi Sócrates que se tornou o herói de Montaigne: "esse
homem incomparável", "o homem mais sábio que já existiu", "o
mais perfeito de que já tive notícia". Montaigne considerou sua
época medíocre em comparação com as glórias da Antiguidade,
e os antigos foram seu ponto de referência para julgar o presente,
exatamente como o foram para os humanistas.
Como os humanistas, Montaigne dedicou pouco tempo aos
escolásticos, a Aristóteles, o "deus da ciência escolástica" - pelo
menos à sua Lógica ou à sua Metafísica. Quando, algum tempo
depois, descobriu a Ética e a Política, Montaigne as apreciou muito
mais, e também nisso foi um homem de seu tempo. Como
Sócrates, Cícero e os humanistas, acreditava que o estudo pró-
prio da humanidade é o homem: a condição humana, não o
universo físico. A primeira coisa que uma çriança deve aprender,
escreveu, é "a se conhecer e a saber morrer bem e viver bem"
(1.26). Montaigne não era ignorante em matéria de ciências fí-
sicas. Estava informado sobre a teoria heliocêntrica de Copérnico;
assim como sobre os "átomos de Epicuro, o cheio e o vazio de
Leucipo e Demócrito ou a água de Tales" (2.12), mas essas idéias
abstratas não despertavam sua curiosidade. Não se preocupou
em saber se era Copérnico ou Ptolomeu que estava certo, se o
Sol girava em tomo da Terra ou esta em tomo do Sol. Montaigne
estava, ao contrário, mais interessado na tecnologia contempo-
rânea, nas máquinas engenhosas, como mostra o diário de sua
viagem ao exterior, com minuciosas descrições dos portões auto-
w
z
CJ
..,
1-
z
o
::;
w
Cl
o
::;
cn
z
..,
::;
::,
I
o
21
22. r)
0
MO
NTAIG
NE
}ã'
3
3
Ê
;'ê'i
E
rD
ê
.8
j'
g
8'
''0
o
8
3
'0
0
C
G
N
D
Ê
;.!igg
pl
g
Q.-to
Q-
D
0
1-n
n
D;
8
B
<
pl
B
0
Ílp'l}
p,-tQ)
g
='
»-»h
cn
P
.
='
0
u
Q-
a
0
0
8
'
g'g
g
Êiil
0
c)
o
g
<
3
8
"H
'n
a5
0t
0
t'g'l
'i
8
B
t''
2
8
Q..
=b
a"
.y
E;
C
0
0
»
"--'"
.c)
C
0
P
D
B
P
!
g-
5'
1'
g
S
''--'"
o
a..
g'
0
C
N'
n)
=0
0
C
''0
»..,
('D
8
#
B
3'1
8
1i
D
aQ
2
a'
0
0
b
a..
g
íg.
n
N
D
}
g.
="E
=
c]
'"
g
0
g$'
0
3
5
'''.
"
e
T
ã
g--
8
.l
8
0
D
»-a
f-t
0
;:,
8
C
'a
3
$
'a
a.
o
õ
o
0
C
B
0
0
3
0
0
3
0
<
3
Q
0
.Q
C
P
D
P'
3
0-
'r
=
g
a-
ç
Q.
D.
3
-'0
D
<
g
0
3
?
$
O
H
U
M
A
NIS
M
O
DE
M
O
NTAIG
NE
w
z
CJ
..,
1-
z
o
::;
20
provado, que tenha continuado seus estudos com Turnebe e outros
na ,l)niversidade de Paris.
Essa educação deixou marcas. Já vimos como Montaigne
concebia seu retiro da vida pública do ponto de vista clássico ou
humanista. Mais ou menos cinco anos depois, pintou 57 máxi-
mas nas vigas de sua biblioteca, do mesmo modo como o huma-
nista Marsílio Ficino havia feito nas paredes da sala de sua casa
de campo em Careggi, na Toscana. Das máximas de Montaigne,
25 eram citações gregas e 32 latinas, entre as quais figurava uma
do comediógrafo romano Terêncio (c. 195-159 a.C.) que pode-
ria servir de lema para o humanismo em seu sentido amplo: "Sou
homem, e nada humano julgo ser-me alheio" (Homo sum, humani
a me nihil alienum puto).
É raro o ensaio que não esteja repleto de citações latinas
(1 .264 delas no total). Montaigne fez muitas vezes citações de
segunda mão - como ele francamente admitiu-, mas, a julgar
por suas referências e seus empréstimos, é claro que todos os seus
autores favoritos eram antigos. Nove romanos e dois gregos são
citados com mais freqüência do que todos os demais escritores
pós-clássicos. Seus favoritos são, em ordem ascendente de im-
portância, Ovídio, Tácito, Heródoto, César, Virgílio, Diógenes
Laércio (autor das Vidas dos filósofos, e usado mais para o que os
filósofos disseram do que para o que ele disse sobre eles), Horácio,
Lucrécio, Cícero, Sêneca e Plutarco. Montaigne compartilhava
a admiração de seus contemporâneos por Sêneca, especialmente
pelas Cartas a Lucílio. Vários dos primeiros ensaios são pouco
mais que mosaicos de citações desse filósofo romano (o próprio
Montaigne fala de "incrustação"), e a prosa informal, não-
ciceroniana, dos Ensaios deve muito a Sêneca. Quanto às obras
de Plutarco (c. 46-c. 127 d.C.), Montaigne as estudou cuidado-
samente na nova tradução francesa feita pelo bispo Jacques
Amyot, e se refere a elas ou faz empréstimos dos discursos morais
e da vida dos gregos e romanos famosos quase quatrocentas vezes
ao longo de seus Ensaios. Como Henrique IV, poderia ter chama-
do Plutarco de sua "consciência". Seus poetas favoritos, como
seus filósofos favoritos, eram clássicos; não somente Ovídio e
Horácio, mas também Catulo, Marcial e Juvenal.
Também os heróis de Montaigne são todos antigos. A dis-
cussão acerca dos "homens mais excelentes" (2.36) é centrada
em Homero, Alexandre Magno e, no lugar mais elevado de to-
dos, o general tebano Epaminondas (morto em 362 a.C.). Mais
tarde foi Sócrates que se tornou o herói de Montaigne: "esse
homem incomparável", "o homem mais sábio que já existiu", "o
mais perfeito de que já tive notícia". Montaigne considerou sua
época medíocre em comparação com as glórias da Antiguidade,
e os antigos foram seu ponto de referência para julgar o presente,
exatamente como o foram para os humanistas.
Como os humanistas, Montaigne dedicou pouco tempo aos
escolásticos, a Aristóteles, o "deus da ciência escolástica" - pelo
menos à sua Lógica ou à sua Metafísica. Quando, algum tempo
depois, descobriu a Ética e a Política, Montaigne as apreciou muito
mais, e também nisso foi um homem de seu tempo. Como
Sócrates, Cícero e os humanistas, acreditava que o estudo pró-
prio da humanidade é o homem: a condição humana, não o
universo físico. A primeira coisa que uma çriança deve aprender,
escreveu, é "a se conhecer e a saber morrer bem e viver bem"
(1.26). Montaigne não era ignorante em matéria de ciências fí-
sicas. Estava informado sobre a teoria heliocêntrica de Copérnico;
assim como sobre os "átomos de Epicuro, o cheio e o vazio de
Leucipo e Demócrito ou a água de Tales" (2.12), mas essas idéias
abstratas não despertavam sua curiosidade. Não se preocupou
em saber se era Copérnico ou Ptolomeu que estava certo, se o
Sol girava em tomo da Terra ou esta em tomo do Sol. Montaigne
estava, ao contrário, mais interessado na tecnologia contempo-
rânea, nas máquinas engenhosas, como mostra o diário de sua
viagem ao exterior, com minuciosas descrições dos portões auto-
w
z
CJ
..,
1-
z
o
::;
w
Cl
o
::;
cn
z
..,
::;
::,
I
o
21
23. r)
MO
NTAIG
NE
n
$
Ê
0
F
3
3
0
g
D
0
0
D
g)t
0
3
g
n
C
3
0
D
8'
D
0
3
0
0
U
a'
S
0
0
Í
0
0
F«
8
o
0
0
C
.n
C
ã
<
3
0
P
0
a
0
8
3
0
3
0
D'
0
C
<
b
<
3
D
0
0
3
0
5
P
0
g
P
8
K
5
D
0
3
a
g
g)t
0
C
g)
C
3
v)
Q.
0
N
aQ
B
0
C
3
D
F
3
0
D
a
0
g
<
Ó
0
0
0
B
0
<
g
0
D
R
<
B
P
D
0
0
P
B
0
D
H
3
3
0
0
3
0
B
0
3
0
<
0
E
Z
B<
0
3
0
<
0
0
B
0
p-l
D
3
0
=
0
3
0
P
D
3
P
0
C
0
.Q
C
e
<
g
0
P
.Q
C
0
0
C
D
0
0
0
D
3
0
0
3
<
0
..Q
C
P'
0
U
<
3
C
0
g)
B
0
3
g
B
P
C
<
0
3
P
0
0
..Q
C
D
0
C
0
3
0
='
E
3
D
C
C
='
=
B
=
g
D
0
<
3
C
0
p'q
0
0
0
C
N
0
0
0
0
$
D
0
B
8
C
g
3
P
C
0
C
C
0
a'<
0
C
D
d
g
Õ'
<
3
$
P
b
3
C
D
#
=
0
=
Õ'
B
C
3
0
0
3
Z
C
a
3
C
3'
0
3
0
5
Z
0
.Q
C
0
=
0
D'
0
3
3
G
B
0
D
R
o
D
N
g
0
D
P
C
3
<
P
0
..Q
C
0
0
='
E
B
g
P
g)t
0
0
0
g<
3
=
0
H
3
0
ê
<
0
3
0
0
!
''0
C
B
0
0
D
=
N
Õ
3
=
0
D
F
8
D
0
P
E
3
8
<
3
0
C
0
o
Õ
0
0
G
0
B
=
'0
0
C
..Q
C
g)
e
P'
C
3
D
<
0
C
0
D
0
ê
p-+
0
<
0
g
g
B
3
C
P
0
0
-'u
0
H
3
w
z
(!)
<(
,_
z
o
::,
22
máticos em Nuremberg e da gruta "milagrosa" em Pratolino, na
Toscana, onde a força da água levava algumas estátuas a se mo-
vimefltar e a tocar música. Entretanto, quando chegou a Roma,
seu entusiasmo foi o de qualquer humanista. Ele visitou a Biblio-
teca do Vaticano e admirou os manuscritos de seus autores favo-
ritos, Plutarco e Sêneca, e passou dias estudando as ruínas da
cidade clássica. Elogiou as obras de arte antigas e modernas, mas
não teve muito a dizer sobre elas.
Montaigne foi apresentado, algumas vezes, como crítico do
humanismo, como parte de um "contra-renascimento". Não está
totalmente claro o que pensou do maior humanista de seu sécu-
lo. Devia muito a Erasmo, mas raramente se referiu a ele, talvez
porque a Igreja chegara a associar Erasmo a Lutero. Tinha aver-
são ao pedantismo e zombava num estilo um tanto erasmiano do
erudito que estudava até altas horas: "pensas que ele procura nos
livros como se tornar mais honrado, mais contente e mais sábio?
Nada de novo. Ele morrerá ali, ou informará à posteridade a
medida dos versos de Plauto e a ortografia correta de uma pala-
vra latina" (1.39). Ocasionalmente, e também como Erasmo,
Montaigne criticou o ideal estóico do homem constante, "um
colosso imóvel e impassível", como antinatural, talvez desuma-
no (1.44). Se os humanistas foram crentes acríticos no valor da
filologia clássica, na retórica, na dignidade do homem e no po-
der da razão humana, não pode haver dúvida alguma sobre o
distanciamento de Montaigne em relação a suas atitudes; mas,
como indica o exemplo de Erasmo, isso significa simplificar
indevidamente o movimento. Houve humanistas que criticaram
a retórica ou que escreveram contra os estóicos, assim como houve
escritores antigos que o fizeram (Plutarco, por exemplo, mos-
trando-se, mais uma vez, digno da aprovação de Montaigne).
No que diz respeito à dignidade do homem, seria um erro
estabelecer um contraste tão forte entre o famoso Discurso sobre
a dignidade do homem de Pico della Mirandola e o não menos
famoso rebaixamento das pretensões humanas que Montaigne
faz na "Apologia de Raymond Sebond" (2.12). É verdade que
Montaigne rebate Pico, e argumenta em defesa da insignificân-
cia do homem, "esta miserável e insignificante criatura, que nem
sequer é senhora de si mesma[...] e contudo ousa dizer-se senho-
ra e imperatriz do universo". Os desacordos entre os filósofos, a
sabedoria dos animais - como o cão que "deduz" com seu olfato
que caminho seu dono tomou -, a falibilidade dos sentidos e
muitos outros argumentos são impressos ao serviço de combater
a vaidade e a presunção humanas, e especialmente a idéia de que
é o uso da razão que distingue o homem dos animais. Montaigne
apresenta a repetida citação humanista de Protágoras apenas para
a escarnecer: "Realmente Protágoras nos contava vantagens ao
tornar o homem a medida de todas as coisas, ele que nunca sou-
be sequer a sua" (2.12).
Os humanistas, entretanto, não foram inconscientes da fra-
queza humana. Suas composições retóricas sobre a dignidade do
homem muitas vezes eram acompanhadas de composições sobre
sua miséria, expondo argumentos a favor e contra, como fez o
escritor francês Pierre Boaystuau em seu Teatro do mundo (1559),
livro que figurava na biblioteca de Montaigne. Pico exemplificou
um lado da questão, Montaigne o outro. A apologia é uma com-
posição cujo espírito difere muito do dos outros ensaios. Apesar de
alegar suspeitar da retórica, o que Montaigne nos ofereceu foi um
brilhante discurso sobre a miséria do homem. Essa não era toda a
história, e ele o sabia. Em outra parte ele sugere que "não há nada
tão belo e legítimo quanto desempenhar bem e adequadamente o
papel de homem, nem ciência tão árdua quanto a de saber viver
bem e naturalmente esta vida; e de todas as nossas doenças a mais
selvagem é menosprezar nosso ser" (3.13).
.Montaigne não foi um humanista "típico" - se é que hou-
ve algum. Era demasiado individualista para tanto. Certamen-
te não foi um neoplatônico, como tantos humanistas. Julgou
w
z
(!)
<(
,_
z
o
::,
w
o
o
::,
cn
z
<(
::,
::::,
• I
o
23
24. r)
MO
NTAIG
NE
n
$
Ê
0
F
3
3
0
g
D
0
0
D
g)t
0
3
g
n
C
3
0
D
8'
D
0
3
0
0
U
a'
S
0
0
Í
0
0
F«
8
o
0
0
C
.n
C
ã
<
3
0
P
0
a
0
8
3
0
3
0
D'
0
C
<
b
<
3
D
0
0
3
0
5
P
0
g
P
8
K
5
D
0
3
a
g
g)t
0
C
g)
C
3
v)
Q.
0
N
aQ
B
0
C
3
D
F
3
0
D
a
0
g
<
Ó
0
0
0
B
0
<
g
0
D
R
<
B
P
D
0
0
P
B
0
D
H
3
3
0
0
3
0
B
0
3
0
<
0
E
Z
B<
0
3
0
<
0
0
B
0
p-l
D
3
0
=
0
3
0
P
D
3
P
0
C
0
.Q
C
e
<
g
0
P
.Q
C
0
0
C
D
0
0
0
D
3
0
0
3
<
0
..Q
C
P'
0
U
<
3
C
0
g)
B
0
3
g
B
P
C
<
0
3
P
0
0
..Q
C
D
0
C
0
3
0
='
E
3
D
C
C
='
=
B
=
g
D
0
<
3
C
0
p'q
0
0
0
C
N
0
0
0
0
$
D
0
B
8
C
g
3
P
C
0
C
C
0
a'<
0
C
D
d
g
Õ'
<
3
$
P
b
3
C
D
#
=
0
=
Õ'
B
C
3
0
0
3
Z
C
a
3
C
3'
0
3
0
5
Z
0
.Q
C
0
=
0
D'
0
3
3
G
B
0
D
R
o
D
N
g
0
D
P
C
3
<
P
0
..Q
C
0
0
='
E
B
g
P
g)t
0
0
0
g<
3
=
0
H
3
0
ê
<
0
3
0
0
!
''0
C
B
0
0
D
=
N
Õ
3
=
0
D
F
8
D
0
P
E
3
8
<
3
0
C
0
o
Õ
0
0
G
0
B
=
'0
0
C
..Q
C
g)
e
P'
C
3
D
<
0
C
0
D
0
ê
p-+
0
<
0
g
g
B
3
C
P
0
0
-'u
0
H
3
w
z
(!)
<(
,_
z
o
::,
22
máticos em Nuremberg e da gruta "milagrosa" em Pratolino, na
Toscana, onde a força da água levava algumas estátuas a se mo-
vimefltar e a tocar música. Entretanto, quando chegou a Roma,
seu entusiasmo foi o de qualquer humanista. Ele visitou a Biblio-
teca do Vaticano e admirou os manuscritos de seus autores favo-
ritos, Plutarco e Sêneca, e passou dias estudando as ruínas da
cidade clássica. Elogiou as obras de arte antigas e modernas, mas
não teve muito a dizer sobre elas.
Montaigne foi apresentado, algumas vezes, como crítico do
humanismo, como parte de um "contra-renascimento". Não está
totalmente claro o que pensou do maior humanista de seu sécu-
lo. Devia muito a Erasmo, mas raramente se referiu a ele, talvez
porque a Igreja chegara a associar Erasmo a Lutero. Tinha aver-
são ao pedantismo e zombava num estilo um tanto erasmiano do
erudito que estudava até altas horas: "pensas que ele procura nos
livros como se tornar mais honrado, mais contente e mais sábio?
Nada de novo. Ele morrerá ali, ou informará à posteridade a
medida dos versos de Plauto e a ortografia correta de uma pala-
vra latina" (1.39). Ocasionalmente, e também como Erasmo,
Montaigne criticou o ideal estóico do homem constante, "um
colosso imóvel e impassível", como antinatural, talvez desuma-
no (1.44). Se os humanistas foram crentes acríticos no valor da
filologia clássica, na retórica, na dignidade do homem e no po-
der da razão humana, não pode haver dúvida alguma sobre o
distanciamento de Montaigne em relação a suas atitudes; mas,
como indica o exemplo de Erasmo, isso significa simplificar
indevidamente o movimento. Houve humanistas que criticaram
a retórica ou que escreveram contra os estóicos, assim como houve
escritores antigos que o fizeram (Plutarco, por exemplo, mos-
trando-se, mais uma vez, digno da aprovação de Montaigne).
No que diz respeito à dignidade do homem, seria um erro
estabelecer um contraste tão forte entre o famoso Discurso sobre
a dignidade do homem de Pico della Mirandola e o não menos
famoso rebaixamento das pretensões humanas que Montaigne
faz na "Apologia de Raymond Sebond" (2.12). É verdade que
Montaigne rebate Pico, e argumenta em defesa da insignificân-
cia do homem, "esta miserável e insignificante criatura, que nem
sequer é senhora de si mesma[...] e contudo ousa dizer-se senho-
ra e imperatriz do universo". Os desacordos entre os filósofos, a
sabedoria dos animais - como o cão que "deduz" com seu olfato
que caminho seu dono tomou -, a falibilidade dos sentidos e
muitos outros argumentos são impressos ao serviço de combater
a vaidade e a presunção humanas, e especialmente a idéia de que
é o uso da razão que distingue o homem dos animais. Montaigne
apresenta a repetida citação humanista de Protágoras apenas para
a escarnecer: "Realmente Protágoras nos contava vantagens ao
tornar o homem a medida de todas as coisas, ele que nunca sou-
be sequer a sua" (2.12).
Os humanistas, entretanto, não foram inconscientes da fra-
queza humana. Suas composições retóricas sobre a dignidade do
homem muitas vezes eram acompanhadas de composições sobre
sua miséria, expondo argumentos a favor e contra, como fez o
escritor francês Pierre Boaystuau em seu Teatro do mundo (1559),
livro que figurava na biblioteca de Montaigne. Pico exemplificou
um lado da questão, Montaigne o outro. A apologia é uma com-
posição cujo espírito difere muito do dos outros ensaios. Apesar de
alegar suspeitar da retórica, o que Montaigne nos ofereceu foi um
brilhante discurso sobre a miséria do homem. Essa não era toda a
história, e ele o sabia. Em outra parte ele sugere que "não há nada
tão belo e legítimo quanto desempenhar bem e adequadamente o
papel de homem, nem ciência tão árdua quanto a de saber viver
bem e naturalmente esta vida; e de todas as nossas doenças a mais
selvagem é menosprezar nosso ser" (3.13).
.Montaigne não foi um humanista "típico" - se é que hou-
ve algum. Era demasiado individualista para tanto. Certamen-
te não foi um neoplatônico, como tantos humanistas. Julgou
w
z
(!)
<(
,_
z
o
::,
w
o
o
::,
cn
z
<(
::,
::::,
• I
o
23
29. r)
@
MONTAIG
NE
0
C
X
.<
..Q
C
g
0
0
o
0
B
C
-'0
0
C
g-'0
0
g)>
D
0
0
Ü
0
.Q
C
e
P
n)
D
D'
B
C
0
C
3
D
0
0
-'0
n)
C
5
C
01
X
0
0
B
D
C
<
<
3
0
D
-'a
0
D
0
0
3
0
<
<
D
C
B
0
C
=
0
B
B
0
<
0
Z
5
3
0
<
0
D
D'
0
0
P
B
-'0
0
<
<
0
='
D
E
3
X
=
3
C
Ó
0
3
C
0
C
P
'a
N
0
4
0
C
0
=
3
D'
C
3
9)
P
0
0
C
E
''0
D
D
0
C
0
C
3
D
0
D'
<
0
0
0
3
0
3
0
0
.Q
C
0
3
B
0
0
D
3
P
0
<
0
P
0
3
3
0
0
D
0
0
C
<
n)
C
D
0
C
g)
.Q
D
0
0
C
'0
D
3
D
0
0
0
B
D
0
0
3
0
.0
C
0
4'
3
0
3
Z
&
Z
0
<
0
X
0
-'0
C
.Q
E
0
3
''0
01
0
0
3
P
B
0
.Q
G
<
Õ
C
g)
E
C
..Q
C
i
g'
0
g)l
P<
g)
-'u
0
g)
C
3
C
C
3
0
0
C
B
..Q
C
C
0
D
0
8
..Q
C
a'
3
N
-'0
g
0
8
D
C
5
&
0
D
>
8
='
<
H
0
0
0
3
o
0
a
0
0
0
C
3
<
C
P
0
C
='
0
0
P
C
0
..Q
C
0
0
0
0
Ó
=
0
D
3
P
=
o
D
g)l
0
=
0
0
'x3
0
<
0
0
C
C
3
>
3
X
4
0
-'a
0
F-+
B
Q
Ê'$.
g'
g.
P
0
0
0
C
0
0
0
0
=
D
D
.Q
C
D
0
0
Õ
P
0
0
D
3
N
.Q
C
C
0
0
0
..Q
=
P
0
''
n)
Q.de
0
0
Ç.,)
g
Õ
-'a
0
N
0
0
<
E
C
[
P
.Q
C
N
UJ
z
"
<
....
z
o
::,
28
que sofrem de icterícia declaram que objetos que nos parecem
brancos são amarelos". Além disso, nossa reação a um tipo
especial de ac_
ontecimento, tal como o aparecimento de um
meteoro no céu, varia segundo sua freqüência ou raridade, de
modo que o mesmo acontecimento às vezes parece normal e
outras, surpreendente. Outro argumento a favor do ceticismo
é o da diversidade dos juízos e costumes humanos. "Os hindus
gostam de algumas coisas, nosso povo de outras [...]. Alguns
etíopes tatuam suas crianças, mas nós não [...] e enquanto os
hindus têm relações sexuais em público muitas outras raças
consideram isso vergonhoso". Parece impossível evitar o rela-
tivismo, ou seja, a conclusão de que todos os cost~mes têm o
mesmo valor. Mais uma vez, suspende-se o juízo. E claro que
não podemos viver num estado de suspensão permanente, e
Sexto recomenda que vivamos, na prática, "de acordo com os
costumes de nossos países e suas leis e instituições". Ele se
opõe ao dogmatismo, que é a confiança de que nossos costu-
mes e atitudes são corretos, e os dos outros, errados. Sexto
chega a criticar o filósofo grego Protágoras, como fez Mon-
taigne, por tornar o homem "a medida de todas as coisas"; em
outras palavras, por defender o etnocentrismo praticado pela
raça humana.
A posição de Sexto é uma elaboração da de Sócrates, de
quem se dizia que havia declarado que nada sabia exceto que
nada sabia. Outro enunciado clássico da posição cética figura no
livro Academica, de Cícero (escrito por volta de 45 a.C.), um
diálogo que discute as opiniões de Arcesilau, um filósofo da "Nova
Academia" que foi mais longe até mesmo do que Sócrates, de-
clarando que nem sequer poderíamos estar certos de que nada
era certo - um ceticismo reflexivo e autocrítico.
Na Idade Média, o livro de Sexto se perdeu e parece que se
deu pouca importância a debates epistemológicos desse tipo até
o século XIV, quando o filósofo inglês Guilherme de Ockham
(c. 1300-1349) argumentou que era impossível provar, mediante
a razão humana, que Deus é infinito ou onisciente, ou mesmo
que existe um Deus, em vez de muitos. Ao contrário dos céticos
clássicos, não duvidou de nosso conhecimento deste mundo; o
que Ockham fez foi, como os filósofos do mundo muçulmano,
separar os terrenos da fé e da razão. No século XV, a Douta igno-
rância, de Nicolau de Cusa - livro conhecido por Montaigne
-, explorou a argumentação de Ockham, a saber, a possibilida-
de de conhecer Deus por meios não-racionais.
As idéias de Ockham foram bastante conhecidas no século
XVI e ensinadas em muitas universidades. É provável que te-
nham tomado o ceticismo antigo um pouco mais fácil de ser
aceito quando foi redescoberto, diminuindo a resistência inte-
lectual às idéias do pirrônicos. Étambém provável que os céticos
antigos fossem contemplados pela ótica ockhamista. Uma sínte-
se de ambas as tradições intelectuais foi esboçada por Erasmo.
Em seu Elogio da loucura (1509) - outro livro pertencente à
biblioteca de Montaigne -, Erasmo explorou ao máximo as pos-
sibilidades paradoxais de um discurso burlesco em louvor da lou-
cura pronunciado pela própria Loucura, valendo-se do ceticismo
para solapar o que considerava o dogmatismo dos filósofos esco-
lásticos e concluindo, à maneira de Nicolau de Cusa (e de São
Paulo), com a apresentação do cristianismo como uma forma de
loucura superior à sabedoria. Erasmo unia desse modo temas das
tradições clássica e cristã.
Assim procedeu também Gianfrancesco Pico delia Mirandola,
sobrinho daquele Pico que havia escrito sobre a dignidàde do
homem. Em Exame da vaidade da doutrina dos pagãos (1520), uti-
liza Sexto (embora ele ainda não estivesse impresso) para comba-
ter tanto a filosofia clássica como a adivinhação, a quiromancia, a
geomancia etc., na época levadas a sério por muitas pessoas instruí-
das, assim como pelas pessoas comuns. Para Gianfrancesco Pico,
as autênticas fontes do conhecimento são a profecia e a revelação.
UJ
z
"
<
....
z
o
:::.
UJ
o
o
:::.
(J)
o
....
UJ
o
o
29
30. r)
@
MONTAIG
NE
0
C
X
.<
..Q
C
g
0
0
o
0
B
C
-'0
0
C
g-'0
0
g)>
D
0
0
Ü
0
.Q
C
e
P
n)
D
D'
B
C
0
C
3
D
0
0
-'0
n)
C
5
C
01
X
0
0
B
D
C
<
<
3
0
D
-'a
0
D
0
0
3
0
<
<
D
C
B
0
C
=
0
B
B
0
<
0
Z
5
3
0
<
0
D
D'
0
0
P
B
-'0
0
<
<
0
='
D
E
3
X
=
3
C
Ó
0
3
C
0
C
P
'a
N
0
4
0
C
0
=
3
D'
C
3
9)
P
0
0
C
E
''0
D
D
0
C
0
C
3
D
0
D'
<
0
0
0
3
0
3
0
0
.Q
C
0
3
B
0
0
D
3
P
0
<
0
P
0
3
3
0
0
D
0
0
C
<
n)
C
D
0
C
g)
.Q
D
0
0
C
'0
D
3
D
0
0
0
B
D
0
0
3
0
.0
C
0
4'
3
0
3
Z
&
Z
0
<
0
X
0
-'0
C
.Q
E
0
3
''0
01
0
0
3
P
B
0
.Q
G
<
Õ
C
g)
E
C
..Q
C
i
g'
0
g)l
P<
g)
-'u
0
g)
C
3
C
C
3
0
0
C
B
..Q
C
C
0
D
0
8
..Q
C
a'
3
N
-'0
g
0
8
D
C
5
&
0
D
>
8
='
<
H
0
0
0
3
o
0
a
0
0
0
C
3
<
C
P
0
C
='
0
0
P
C
0
..Q
C
0
0
0
0
Ó
=
0
D
3
P
=
o
D
g)l
0
=
0
0
'x3
0
<
0
0
C
C
3
>
3
X
4
0
-'a
0
F-+
B
Q
Ê'$.
g'
g.
P
0
0
0
C
0
0
0
0
=
D
D
.Q
C
D
0
0
Õ
P
0
0
D
3
N
.Q
C
C
0
0
0
..Q
=
P
0
''
n)
Q.de
0
0
Ç.,)
g
Õ
-'a
0
N
0
0
<
E
C
[
P
.Q
C
N
UJ
z
"
<
....
z
o
::,
28
que sofrem de icterícia declaram que objetos que nos parecem
brancos são amarelos". Além disso, nossa reação a um tipo
especial de ac_
ontecimento, tal como o aparecimento de um
meteoro no céu, varia segundo sua freqüência ou raridade, de
modo que o mesmo acontecimento às vezes parece normal e
outras, surpreendente. Outro argumento a favor do ceticismo
é o da diversidade dos juízos e costumes humanos. "Os hindus
gostam de algumas coisas, nosso povo de outras [...]. Alguns
etíopes tatuam suas crianças, mas nós não [...] e enquanto os
hindus têm relações sexuais em público muitas outras raças
consideram isso vergonhoso". Parece impossível evitar o rela-
tivismo, ou seja, a conclusão de que todos os cost~mes têm o
mesmo valor. Mais uma vez, suspende-se o juízo. E claro que
não podemos viver num estado de suspensão permanente, e
Sexto recomenda que vivamos, na prática, "de acordo com os
costumes de nossos países e suas leis e instituições". Ele se
opõe ao dogmatismo, que é a confiança de que nossos costu-
mes e atitudes são corretos, e os dos outros, errados. Sexto
chega a criticar o filósofo grego Protágoras, como fez Mon-
taigne, por tornar o homem "a medida de todas as coisas"; em
outras palavras, por defender o etnocentrismo praticado pela
raça humana.
A posição de Sexto é uma elaboração da de Sócrates, de
quem se dizia que havia declarado que nada sabia exceto que
nada sabia. Outro enunciado clássico da posição cética figura no
livro Academica, de Cícero (escrito por volta de 45 a.C.), um
diálogo que discute as opiniões de Arcesilau, um filósofo da "Nova
Academia" que foi mais longe até mesmo do que Sócrates, de-
clarando que nem sequer poderíamos estar certos de que nada
era certo - um ceticismo reflexivo e autocrítico.
Na Idade Média, o livro de Sexto se perdeu e parece que se
deu pouca importância a debates epistemológicos desse tipo até
o século XIV, quando o filósofo inglês Guilherme de Ockham
(c. 1300-1349) argumentou que era impossível provar, mediante
a razão humana, que Deus é infinito ou onisciente, ou mesmo
que existe um Deus, em vez de muitos. Ao contrário dos céticos
clássicos, não duvidou de nosso conhecimento deste mundo; o
que Ockham fez foi, como os filósofos do mundo muçulmano,
separar os terrenos da fé e da razão. No século XV, a Douta igno-
rância, de Nicolau de Cusa - livro conhecido por Montaigne
-, explorou a argumentação de Ockham, a saber, a possibilida-
de de conhecer Deus por meios não-racionais.
As idéias de Ockham foram bastante conhecidas no século
XVI e ensinadas em muitas universidades. É provável que te-
nham tomado o ceticismo antigo um pouco mais fácil de ser
aceito quando foi redescoberto, diminuindo a resistência inte-
lectual às idéias do pirrônicos. Étambém provável que os céticos
antigos fossem contemplados pela ótica ockhamista. Uma sínte-
se de ambas as tradições intelectuais foi esboçada por Erasmo.
Em seu Elogio da loucura (1509) - outro livro pertencente à
biblioteca de Montaigne -, Erasmo explorou ao máximo as pos-
sibilidades paradoxais de um discurso burlesco em louvor da lou-
cura pronunciado pela própria Loucura, valendo-se do ceticismo
para solapar o que considerava o dogmatismo dos filósofos esco-
lásticos e concluindo, à maneira de Nicolau de Cusa (e de São
Paulo), com a apresentação do cristianismo como uma forma de
loucura superior à sabedoria. Erasmo unia desse modo temas das
tradições clássica e cristã.
Assim procedeu também Gianfrancesco Pico delia Mirandola,
sobrinho daquele Pico que havia escrito sobre a dignidàde do
homem. Em Exame da vaidade da doutrina dos pagãos (1520), uti-
liza Sexto (embora ele ainda não estivesse impresso) para comba-
ter tanto a filosofia clássica como a adivinhação, a quiromancia, a
geomancia etc., na época levadas a sério por muitas pessoas instruí-
das, assim como pelas pessoas comuns. Para Gianfrancesco Pico,
as autênticas fontes do conhecimento são a profecia e a revelação.
UJ
z
"
<
....
z
o
:::.
UJ
o
o
:::.
(J)
o
....
UJ
o
o
29