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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO:
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 DESCREVENDO SOBRE “ALFABETIZAÇÃO” E “LETRAMENTO” ..........................4
2 O QUE É LETRAMENTO?.........................................................................................7
2.1 Sociedade letrada/sujeito letrado .........................................................................8
3 ALFABETIZAR LETRANDO ....................................................................................10
3.1 O papel do educador no letramento ...................................................................12
4 POR QUE SURGIU A PALAVRA LETRAMENTO? .................................................14
4.1 Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado? .........................................16
5 O FOCO NAS CAPACIDADES LINGUÍSTICAS DA ALFABETIZAÇÃO ..................17
5.1 Uma questão terminológica................................................................................19
5.2 Os eixos .............................................................................................................21
6 LÍNGUA E ENSINO DE LÍNGUA .............................................................................23
7 ALFABETIZAÇÃO....................................................................................................24
8 CONHECER COMO SE APRENDE PARA SABER COMO ENSINAR....................26
8.1 Nível pré-silábico................................................................................................27
8.2 Nível ilábico.......................................................................................................27
8.3 Nível alfabético...................................................................................................28
8.4 Uma concepção social da escrita na alfabetização............................................32
8.5 Um novo conceito: letramento............................................................................35
8.6 Alfabetização: reflexão/avaliação/informação ....................................................36
8.7 A relação social no processo de aprendizagem.................................................39
9 COMO SE APRENDE A LER E ESCREVER OU, PRONTIDÃO, UM PROBLEMA
MAL COLOCADO ..........................................................................................................43
9.1 A criança e seu processo de alfabetização........................................................43
9.2 A hipótese silábica .............................................................................................47
9.3 A caminho da hipótese alfabética.......................................................................51
10 ALFABETIZAÇÃO: AS SONDAGENS DE HIPÓTESE DE ESCRITA .....................57
10.1 Para que serve a sondagem de hipótese de escrita? ......................................57
10.2 Como se faz? ...................................................................................................57
11 ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE....................................................................58
12 CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO......................................................................60
12.1 O Alfabeto ........................................................................................................63
12.2 Situações de leitura e escrita de nomes próprios.............................................65
12.3 O que os alunos aprendem nas situações de leitura e escrita de nomes ........66
12.4 Condições didáticas para as situações de leitura e escrita de nomes dos colegas
da classe.........................................................................................................................67
13 APRENDER A LINGUAGEM QUE SE ESCREVE...................................................69
13.1 O papel da leitura no desenvolvimento da capacidade de produzir textos.......69
13.2 Os recontos e as reescritas..............................................................................71
13.3 Os gêneros.......................................................................................................72
13.4 Falando de alguns deles ..................................................................................72
14 NÍVEIS DE EVOLUÇÃO DA ESCRITA....................................................................74
15 LER QUANDO NÃO SE SABE ................................................................................78
15.1 Dez questões a considerar...............................................................................80
16 ESTRATÉGIAS DE LEITURA PROCESSOS DE LEITURA ....................................83
16.1 Os processos de leitura....................................................................................85
16.2 Processo neurofisiológico.................................................................................85
16.3 Processo Cognitivo ..........................................................................................86
16.4 Processo afetivo...............................................................................................87
16.5 Processo simbólico ..........................................................................................88
16.6 Processo argumentativo...................................................................................91
16.7 Condições a serem garantidas nas situações em que o educador lê para os
educandos......................................................................................................................91
16.8 Atividades e ações do educador relacionadas à prática de leitura...................93
17 LEITURA FEITA PELO ALUNO, ANTES DE SABER LER
CONVENCIONALMENTE....... .......................................................................................94
17.1 Leitura pelo aluno de textos memorizados.......................................................95
17.2 Leitura pelo aluno de títulos de livros...............................................................97
17.3 Leitura pelo aluno de textos informativos .........................................................98
18 ATIVIDADES PARA ALFABETIZAÇÃO...................................................................99
19 ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS GERAIS DE LEITURA E ESCRITA.........................100
19.1 Intervenções do professor..............................................................................101
19.2 Agrupamentos de alunos ...............................................................................102
20 TRABALHO COM OS CONTOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ............103
21 ALFABETIZAÇÃO E SEUS MÉTODOS.................................................................105
21.1 Método de alfabetização ................................................................................105
21.2 Método tradicional ..........................................................................................106
21.3 Método sintético .............................................................................................107
21.4 Método analítico.............................................................................................109
21.5 Método construtivista .....................................................................................109
22 BIBLIOGRAFIA BÁSICA........................................................................................112
4
1 DESCREVENDO SOBRE “ALFABETIZAÇÃO” E “LETRAMENTO”
Fonte: hayzblog.files.wordpress.com
O professor canadense Serge Wagner, já em 1990, apresenta-nos conceitos muito
interessantes, pois acompanham o termo “alfabetização” e tecem sentidos a este,
refinando-o e, por isso, permitem trabalhos mais precisos junto com minoria linguísticas
no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão. São eles: “analfabetismo de minorias”;
“analfabetismo de opressão”; “analfabetismo de resistência”; e “alfabetização de
afirmação nacional”.
Para compreendermos as suas definições, é importante levarmos em
consideração como este autor define “minoria linguística”, pela sua composição, a saber:
1- Povos aborígenes: grupo de pessoas que se encontram no local há muito tempo
e que podem ser considerados os “primeiros” habitantes da terra: indígenas no Brasil.
2- Minorias estáveis: grupos que se estabelecem no local há muito tempo e que
mantêm certas diferenças com a população local: Catalões na Espanha.
5
3- Novas Minorias: grupos recém-chegados na nova localidade, chamados
também de migrantes: nordestinos em São Paulo.
Fonte: atividadesparaeja.online.com.br
Para Wagner (1990), quando uma minoria linguística se vê em contato com uma
língua majoritária, dominante em determinado local, existem duas formas de
manifestação do “analfabetismo”: o “analfabetismo de opressão” ou o “analfabetismo de
resistência”. Este é uma reação de um grupo de pessoas, que recusa o processo de
assimilação, ou, ainda, de aculturação proposto. Pontuamos que esta “recusa” pode se
dar do mais consciente até o inconsciente, com o objetivo de salvaguardar a cultura de
origem da parte “mais fraca” da sociedade em questão. Nesta direção, quando ocorre
esta modalidade de “alfabetização”, a pessoa, ou o grupo, pode reivindicar o direito de
aprender à escrita e a leitura de sua própria língua, quando esta possui versão escrita; e
caso esta língua não possua escrita, o grupo, ou pessoa, torna-se “duplamente
analfabeto”, pois não pode aprender a língua que gostaria e não aprende a língua
majoritária.
Por outro lado, o “analfabetismo de opressão” tende a se desenvolver quando a
minoria em questão é obrigada a aprender a língua do grupo dominante, seja pelo
6
sistema público de ensino, seja pela necessidade de inserção no mercado de trabalho.
Para Wagner (1990), neste caso, ao longo do tempo, a cultura da minoria, em processo
de alfabetização na língua do outro, desaparece. Temos as minorias que frequentam
escolas públicas, onde são “obrigadas” a aprender a língua do grupo social dominante.
Tal situação de “obrigação” provoca, para o estudioso canadense, todos os tipos de
efeitos pedagógicos.
Dentre eles, destacamos: “o aluno pertinente à minoria fica defasado”; “o aluno
perde sua língua de origem e aprende mal a língua dominante por meio da qual ele deve
pensar, agir, trabalhar”, e, ainda, “um sujeito mal equipado do ponto de vista linguístico”.
O outro conceito de Serge Wagner (1990) que destacamos é o de “alfabetização de
afirmação nacional”, que significa o aceitamento do aprendizado de uma língua, que não
é a sua língua materna, sabendo que este processo deve ocorrer para determinados fins
de afirmação do seu país, e de si mesmo, porém, tal aprendizado não significa romper
com suas raízes. Ou seja, é uma alfabetização que significa o “aprender mais uma
língua”, que nada se relaciona com o abandono da sua própria. Wagner ressalta termos
decorrentes desta situação social: “alfabetização de afirmação comunitária” e
“alfabetização de afirmação individual”. Finalmente, não obstante está “aceitação”, caso
estas minorias venham a manter sua língua materna, sempre em paralelo com a do grupo
dominante, por meio de instâncias institucionalizadas, com o passar dos anos, uma
situação de separatismo político-administrativo pode ocorrer.
No artigo, O ser e as Letras: da voz à letra, um caminho que construímos todos,
Biarnés (1998) afirma que cada um de nós constrói uma relação com o mundo das letras
e, por meio desta relação, constrói-se a si mesmo. Ou seja, ninguém está fora deste
mundo e, mais do que isto, ele atribui e re-atribui sentidos para esta relação ao longo da
vida. Vejamos abaixo diferentes passagens deste artigo, que juntas nos dão clareza
acerca da relação entre Homem e letra:
A letra me permite encontrar o outro, encontrar a alteridade e, sobretudo,
construir ‘meu outro’ em mim. A letra, objeto do outro se a leio, objeto para o outro
se a escrevo, é um espelho mágico que me permite reconhecer-me, descobrindo-
me outro. O problema do acesso à leitura, como o da iniciação à escrita, está aí.
Para que, pela letra, eu possa conhecer-me outro, é necessário que eu possa
7
antes reconhecer-me nela [...] Construir uma relação de funcionalidade com a
letra é ser em vir-a-ser. Mas ser em vir-a-ser implica um duplo movimento:
abandonar o presente e construir o futuro, ‘fazer não ser o meu ser e ser um não-
ser’ [...] A funcionalidade da letra não é saber preencher o formulário da
Previdência, ou saber responder ao questionário da assistente social, ou da
apostila do professor. Propor esse tipo de exercício em um estágio de formação,
ou na escola, é um non-sens? se o exercício não servir de estímulo à leitura do
livro. A funcionalidade da letra é ser capaz de descobrir o segredo contido no
livro! Só se aprende ou se reaprende a ler nos livros! Foi isso, exatamente, que
nos mostrou aquela pessoa que tinha "falado de literatura" com sua professora.
Só a letra do livro pode deslocar o sujeito de sua aderência ao espaço-tempo de
seu meio, daquela "imagem do mesmo", e abrir, então, o espaço do jogo onde a
letra tem sentido.
2 O QUE É LETRAMENTO?
Letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever,
mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que
vive. (SOARES, 2000). O termo letramento passou a ter veiculação no setor educacional
há pouco menos de vinte anos, primeiramente entre os linguistas e estudiosos da língua
portuguesa.
No Brasil, o termo foi usado pela primeira vez por Mary Kato, em 1986, na obra
"No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística". Dois anos depois, passou a
representar um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em
"Adultos não alfabetizados: o avesso dos avessos".
Segundo Soares (2003), foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa
quanto ao significado da palavra e nada foi encontrado nem mesmo nas edições mais
recentes dos anos de 1998 e 1999. Na realidade, o termo originou-se de uma versão feita
da palavra da língua inglesa "literacy", com a representação etimológica de estado,
condição ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado, especialmente,
para ler e escrever.
Assim como as sociedades no mundo inteiro, tornam-se cada vez mais centradas
na escrita, e com o Brasil não poderia ser diferente. E como ser alfabetizado, ou seja,
8
saber ler e escrever, é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e
responder às demandas da sociedade atual, é preciso letrar-se, ou seja tornar-se um
indivíduo que não só saiba ler e escrever, mas exercer as práticas sociais de leitura e
escrita que circulam na sociedade em que vive (Soares, 2000).
2.1 Sociedade letrada/sujeito letrado
"Letrado" poderia ser, então, o sujeito - criança ou adulto - que,
independentemente de (já) ter ido à escola e de ter aprendido a ler e escrever (ter sido
alfabetizado), usasse ou compreendesse certas estratégias próprias de uma cultura
letrada. (KLEIMAN, 1995, p. 19, apud MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 26).
Para um sujeito ser considerado letrado não é necessário que tenha frequentado
a escola ou que saiba ler e escrever, basta que o mesmo exercite a leitura de mundo no
seu cotidiano, sendo um cidadão partícipe de sua comunidade, atuando em associações,
clubes, instituições, igreja, entre outros. Quem é letrado
[...] utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo
alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto
que dita o seu texto, logo ele lança mão de todos os recursos necessários da
língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas
particularidades. Ele demonstra com isso que conhece de alguma forma as
estruturas e funções da escrita. O mesmo faz quando pede para alguém ler
alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para
ele. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004).
9
Fonte: alototal.com.br
O sujeito analfabeto não compreende a decodificação dos signos, mas possui um
determinado grau de letramento pela prática de vida que tem em uma sociedade grafo
Centrica, ele é letrado, porém não com plenitude. Uma criança que mesmo antes de estar
em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem
contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a
prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que
seja só encenação, criando seus próprios textos "lidos", ela também pode ser
considerada letrada. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004).
Como Soares nos relata, este é um outro grau de letramento, e há ainda aquele
indivíduo que, mesmo tendo escolarização ou sendo alfabetizado, possui um grau de
letramento muito baixo, ou seja, é capaz de ler e escrever, mas tem dificuldade ao fazer
o uso adequado da leitura e da escrita, não possuindo habilidade para essas práticas,
não sendo capaz de compreender e interpretar o que lê assim como não consegue
escrever cartas ou bilhetes. Por esse indivíduo ser alfabetizado, mas não dominar as
práticas sociais da leitura e da escrita, considera-se um sujeito iletrado. No entanto, em
uma sociedade grafo Centrica, acredita-se que não há sujeito com grau "zero de
letramento", ou seja, sujeito iletrado, pois os tipos e os níveis de letramento estão ligados
às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no seu meio social.
10
Fonte: adrigomes.com
3 ALFABETIZAR LETRANDO
Porque alfabetização e letramento são conceitos frequentemente confundidos ou
sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também
aproximá-los: a distinção se faz necessária porque a introdução, no campo da educação,
do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo
de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo
de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do
conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p.
90 apud COLELLO, 2004)
O processo de letramento inicia-se quando a criança nasce em uma sociedade
grafo Centrica, começando a letrar-se a partir do momento em que convive com pessoas
que fazem uso da língua escrita, e que vive em ambiente rodeado de material escrito.
Assim ela vai conhecendo e reconhecendo práticas da leitura e da escrita. Já o processo
da alfabetização inicia-se quando a criança chega à escola. Cabe à educação formal
orientar esse processo metodicamente, mas, segundo Peixoto (et al, 2004), não basta
apenas o saber ler e escrever, necessário
11
é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de
escrita que a sociedade faz, pois: enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da
escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio
históricos da aquisição de uma sociedade. (TFOUNI, 1995, p. 20 apud COLELLO, 2004).
Depois que se iniciaram os estudos do letramento, o conceito de alfabetização foi
reduzido à mera decodificação, ao simples ensinar a ler e escrever. Não devemos
desmerecer a árdua tarefa, a importância de ensinar a ler e a escrever, pois a aquisição
do sistema alfabético se faz necessária para o indivíduo entrar no mundo da leitura e da
escrita.
Fonte: encrypted-tbn1.gstatic.com
Na realidade, alfabetização e letramento, esses dois processos, caminham juntos,
ou melhor o processo de letramento, como vimos, antecede a alfabetização, permeia todo
o processo de alfabetização e continua a existir quando já estamos alfabetizados.
Segundo Soares (2000) deve-se alfabetizar letrando: Alfabetizar letrando significa
orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas
reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros,
por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na
sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de
produção de textos.
12
3.1 O papel do educador no letramento
O educador que se dispõe a exercer o papel de "professor-letrador" considera que:
[...] o ato de educar não é uma doação de conhecimento do professor aos educandos,
nem transmissão de ideias, mesmo que estas sejam consideradas muito boas. Ao
contrário, é uma contribuição "no processo de humanização". Processo este de
fundamental papel no exercício de educador que acredita na construção de saberes e de
conhecimentos para o desenvolvimento humano, e que para isso se torna um instrumento
de cooperação para o crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus próprios
conceitos e conhecimento. (FREIRE, 1990 apud PEIXOTO et al, 2004).
Mas se faz necessário que o educador, principalmente o que já se encontra há
anos exercendo o papel de professor-alfabetizador e que confia plenamente na mera
aquisição de decodificação, aceite romper paradigmas e acreditar que as transformações
que ocorrem na sociedade contemporânea atingem todos os setores, assim como
também a escola e os saberes do educador, pois métodos que aprenderam há décadas
podem e devem ser aprimorados, atualizados ou até mesmo modificados. O
conhecimento não pode manter-se estagnado, pois ele nunca se completa ou se finda.
Então, antes de o professor querer exercer esse papel de "professor-letrador" é
necessário que ele se conscientize e busque ser letrado, domine a produção escrita, as
ferramentas de busca de informação e seja um bom leitor e um bom produtor de textos.
Mas para que se torne capaz de letrar seus alunos, é preciso que conheça o processo
de letramento e que reconheça suas características e peculiaridades. E Soares (2000)
pensa que: Os cursos de formação de professores, em qualquer área de conhecimento,
deveriam centrar seus esforços na formação de bons leitores e bons produtores de texto
naquela área, e na formação de indivíduos capazes de formar bons leitores e bons
produtores de textos naquela área.
Percebemos que a ineficácia na formação dos professores reflete na formação de
um sujeito que seja um bom leitor e produtor de textos. Atualmente, temos recursos a
que o próprio educador pode recorrer para aprimorar seu conhecimento. Mas ainda não
são todos os que têm essa coragem de reconhecer que precisa aprender e aprender
sempre. O professor, hoje em dia, tem a oportunidade de estudar os Parâmetros
13
Curriculares Nacionais e cito aqui, em especial, o de Língua Portuguesa que traz, em
linguagem simples, o ensino da língua de forma contextualizada para auxiliá-lo em sua
prática em sala de aula e em seu planejamento.
Fonte: revide.com.br
Os estudos realizados por Peixoto (et al, 2004) sobre o papel do "professor-
letrador, ao analisar a prática do letramento pelo professor, destacou alguns passos para
o desempenho desse papel que considero relevante citar:
 Investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno,
adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados;
 Planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como
o aluno poderá utilizá-la;
 Desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de diferentes
gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da
sociedade;
 Incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa,
descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como
tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam;
14
 Recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo
que o educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo,
esse conhecimento;
 Não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa
sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de discursos
e linguagens diferentes;
 Avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada
indivíduo;
 Trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a autoestima e a alegria
de conviver e cooperar;
 Ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser professor
aprendiz tanto quanto os seus educandos; e
 Reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de
aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização.
Esses passos devem servir como norteadores à prática dos professores que
buscam exercer verdadeiramente o papel de "professor-letrador".
4 POR QUE SURGIU A PALAVRA LETRAMENTO?
A palavra analfabetismo nos é familiar, usamos essa palavra há séculos, ela já
está presente em textos do tempo em que éramos Colônia de Portugal. É um fenômeno
interessante: usamos, há séculos, o substantivo que nega, e não sentíamos necessidade
do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou letramento. Por que só agora, no fim do
século XX, a palavra letramento se tornou necessária?
Palavras novas aparecem quando novas ideias ou novos fenômenos surgem.
Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas
analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o problema
de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e escrever; portanto: o fenômeno do estado
15
ou condição de analfabeto nós o tínhamos (e ainda temos...), e por isso sempre tivemos
um nome para ele: analfabetismo.
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior
de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade
vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafo Centrica), um
novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas
se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a
prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a
leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não leem livros,
jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não
sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama,
uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato
de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... Esse novo fenômeno só ganha
visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o
desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas
práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas
alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando
uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser
nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento.
Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra letramento, qual a
origem da palavra letramento, pode-se voltar à diferença entre letramento e
alfabetização:
 Alfabetização = ação de ensinar/aprender a ler e a escrever
 Letramento = estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever,
mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita.
Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita
Exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita
Precisaríamos de um verbo "letrar" para nomear a ação de levar os indivíduos ao
letramento... Assim, teríamos de alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não
16
inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a
escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo
se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.
Alfabetizado e/ou letrado - uma nova pergunta se impõe.
4.1 Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado?
Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde
simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de
Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em
quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... Assim: ler é um
conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e
complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser
considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse
continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura?
Escrever é também um conjunto de habilidades e comportamentos que se
estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de
doutorado... uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser
capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um
ensaio sobre determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de
habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo
continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada
alfabetizada, no que se refere à escrita? A partir de que ponto desse continuum uma
pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à escrita?
Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das
necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural.
17
Fonte: meussonhosdevida.blogspot.com.br
5 O FOCO NAS CAPACIDADES LINGUÍSTICAS DA ALFABETIZAÇÃO
A principal atenção se volta para fornecer subsídios para a apropriação, pelo aluno
dos anos iniciais, do sistema de escrita alfabético e de capacidades necessárias não só
à leitura e produção de textos escritos, mas também à compreensão e produção de textos
orais, em situações de uso e estilos de linguagem diferentes das que são corriqueiras no
cotidiano da criança. O desenvolvimento dessas capacidades linguísticas - ler e escrever,
falar e ouvir com compreensão em situações diferentes dos familiares - não acontece
espontaneamente e, portanto, elas precisam ser ensinadas sistematicamente.
Sabe-se que os três anos iniciais da Educação Fundamental não esgotam essas
capacidades linguísticas e comunicativas, que se desenvolvem ao longo de todo o
processo de escolarização e das necessidades da vida social. Sabe-se, também, que os
trabalhos a ser feito nesses três anos iniciais não se esgotam na alfabetização ou no
desenvolvimento dessas capacidades linguísticas.
18
Fonte: wreducacional.com.br
É na alfabetização e no aprendizado da língua escrita que vêm se concentrando
os problemas localizados não apenas na escolarização inicial, como também em
fracassos no percurso do aluno durante sua escolarização.
Espera-se, por isso, que a consolidação dos princípios aqui definidos possa se
combinar com propostas para os demais anos da Educação Fundamental, bem como
com propostas das outras áreas de conhecimento pertinentes a esse nível inicial de
nosso sistema de ensino, favorecendo uma abordagem curricular interdisciplinar.
Um sistema de escrita é uma maneira estruturada, e organizada com base em
determinados princípios, para representação da fala. Há sistemas de escrita que são logo
gráficos (que representam o significado das palavras) e há aqueles que representam o
aspecto sonoro da língua, sua "pauta sonora". São chamados de sistemas de escrita
"fonográficos". Nosso sistema de escrita (chamado de "alfabético" ou "alfabético-
ortográfico") representa "sons" ou fonemas, em geral cada "letra" correspondendo a um
"som" e vice-versa. É, portanto, um sistema de escrita ortográfico. Mas há sistemas de
escrita logo gráficos que representam sílabas. Num sistema como esse, a palavra
19
"apaixonado" poderia ser escrita APXAD em que cada "letra" corresponderia a uma
sílaba.
Fonte: arquidiocesano.com.br
5.1 Uma questão terminológica
Seria possível falar das capacidades das crianças usando termos e conceitos
similares, frequentemente empregados como sinônimos, tais como "competências",
"procedimento" e "habilidades". Esses três vocábulos têm sido utilizados como
equivalentes, nos documentos oficiais de orientação curricular e em muitos estudos
teóricos no campo educacional. No entanto, optou-se, aqui, pelo uso do termo
"capacidades", aliado, quando necessário, aos termos "conhecimentos" e "atitudes".
Essa escolha por "capacidades" se deve ao fato de o termo ser amplo o suficiente
para abranger todos os níveis de progressão, desde os primeiros atos motores
indispensáveis à aquisição da escrita até as elaborações conceituais, em patamares
progressivos de abstração, que possibilitam ampliações na compreensão da leitura, na
produção textual e na seleção o de instrumentos diversificados para tais aprendizagens.
Com essa escolha, pretende-se também evitar que a proposta de organização geral da
20
alfabetização que aqui apresentamos seja vinculada exclusivamente a uma única teoria,
considerando que as teorizações, em geral, são parciais e se restringem a um só aspecto
do fenômeno que tentam explicar. Prefere-se, então, um termo mais genérico, não
comprometido com um modelo teórico específico, para evitar qualquer distorção de
interpretação que leve a uma compreensão fragmentada do campo cognitivo da criança.
Busca-se, com isso, deixar claro que não devem ser subestimadas dimensões
imprescindíveis à totalidade do processo de alfabetização.
Como se poderá observar, as capacidades serão descritas por procedimentos
observáveis. Isso não significa, no entanto, que a proposta se reduza a uma taxonomia
de objetivos comportamentais, a uma percepção imediatista de desempenhos ou a uma
concepção estritamente empirista de ensino-aprendizagem. O que se valoriza aqui é a
possibilidade de interpretação das capacidades da criança pelo professor, por meio de
critérios capazes de sinalizar progressivos avanços no processo de alfabetização.
Esses componentes "observáveis" deverão orientar as ações do professor na
definição do tipo de abordagem que deve privilegiar no trabalho pedagógico. Em outras
palavras, esses componentes podem auxiliar o professor a definir, tendo em vista as
capacidades já desenvolvidas por seus alunos, o que ele deverá:
 Introduzir, levando os alunos a se familiarizarem com conteúdo e
conhecimentos (ou retomar eventualmente, quando se tratar de conceitos
ou capacidades já consolidadas em período anterior);
 Trabalhar sistematicamente, para favorecer o desenvolvimento pelos
alunos;
 Procurar consolidar no processo de aprendizagem dos alunos,
sedimentando os avanços em seus conhecimentos e capacidades.
É importante que esses tipos de abordagem das capacidades
(Introduzir (I), trabalhar (T), consolidar (C), retomar (R)) sejam
bem compreendidos, pois eles serão utilizados mais à frente, na
distribuição das capacidades ao longo do período.
21
Supõe-se que a clareza de diagnósticos e avaliações do professor em relação a
tais capacidades e abordagens propiciará a base para uma descrição dos desempenhos
dos alunos e das condições necessárias à superação de descompassos e
inconsistências em suas trajetórias ao longo dos três primeiros anos. Vê-se, aqui, mais
uma vez, a importância que se atribui à sensibilidade e ao saber do professor no sentido
de adequar a proposta à real situação de seus alunos. Espera-se que o docente – em
conjunto com toda a escola - alie acuidade e disposição positiva para implementar esta
proposta, atentando para as efetivas circunstâncias em que deverá desenvolver seu
trabalho.
Fonte: institutosingularidades.edu.br
5.2 Os eixos
As capacidades selecionadas estão organizadas em torno dos eixos mais
relevantes para a apropriação da língua escrita:
 Compreensão e valorização da cultura escrita;
 Apropriação do sistema de escrita;
 Leitura;
 Produção de textos escritos;
22
Desenvolvimento da oralidade
As capacidades associadas a tais eixos ou campos serão objeto de
sistematização. Todas elas serão abordadas da mesma maneira. Inicialmente,
apresentam-se, num quadro, as capacidades mais gerais a serem desenvolvidas,
distribuídas de acordo com os três primeiros anos da Educação Fundamental. Veja o
exemplo no quadro.
Fonte: images.slideplayer.com.br
 A gradação dos tons de cinza: O tom mais claro significa que a capacidade deve
ser introduzida, para possibilitar a familiarização dos alunos com os conhecimentos em
foco, ou retomada, se já tiver sido objeto de ensino-aprendizagem em momentos
anteriores. O médio significa que a capacidade deve ser trabalhada de maneira
sistemática, com vista ao domínio pelos alunos. O tom mais escuro significa que a
capacidade, tendo sido trabalhada sistematicamente, deve ser enfatizada de modo a
assegurar sua consolidação.
 As letras inseridas nas quadrículas: A letra I significa introduzir; a letra R,
retomar; seu uso no quadro indica que a capacidade deve merecer ênfase menor, sendo
ou introduzida ou retomada, conforme o caso (introduzir a novidade; retomar
23
eventualmente o que já tiver sido contemplado). A letra T significa trabalhar
sistematicamente. A letra C, consolidar.
6 LÍNGUA E ENSINO DE LÍNGUA
A língua é um sistema discursivo, isto é, um sistema que tem origem na
interlocução e se organiza para funcionar na interlocução (inter+locução = ação
linguística entre sujeitos). Esse sistema inclui regras vinculadas às relações das formas
linguísticas entre si e às relações dessas formas com o contexto em que são usadas.
Seu centro é, pois, a interação verbal, que se faz através de textos ou discursos, falados
ou escritos.
Partindo dessa concepção, uma proposta de ensino de língua deve valorizar o uso
da língua nas diferentes situações sociais, com sua diversidade de funções e sua
variedade de estilos e modos de falar. Para estar de acordo com essa concepção, é
importante que o trabalho em sala de aula se organize em torno do uso e que privilegie
a reflexão dos alunos sobre as diferentes possibilidades de emprego da língua. Isso
implica, certamente, a rejeição de uma tradição de ensino apenas transmissiva, isto é,
preocupada em oferecer ao aluno conceitos e regras prontos, que ele só tem que
memorizar, e de uma perspectiva de aprendizagem centrada em automatismos e
reproduções mecânicas. Por isso é que uma adequada proposta para o ensino de língua
deve prever não só o desenvolvimento de capacidades necessárias às práticas de leitura
e escrita, mas também de fala e escuta compreensiva em situações públicas (a própria
aula é uma situação de uso público da língua).
24
Fonte: cariocaped.blogspot.com.br
7 ALFABETIZAÇÃO
Historicamente, o conceito de alfabetização se identificou como ensino-
aprendizado da "tecnologia da escrita", quer dizer, do sistema alfabético de escrita, o que,
em linhas gerais, significa, na leitura, a capacidade de decodificar os sinais gráficos,
transformando-os em "sons", e, na escrita, a capacidade de codificar os sons da fala,
transformando-os em sinais gráficos. A partir dos anos 1980, o conceito de alfabetização
foi ampliado com as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita,
particularmente com os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
De acordo com esses estudos, o aprendizado do sistema de escrita não se
reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas (a decodificação e
a codificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança,
desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre
a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de
representação.
25
Além das contribuições da psicogênese da escrita, o conceito de alfabetização
também foi ampliado em decorrência das necessidades da vida social contemporânea,
que mostraram as limitações do conceito compreendido apenas como o domínio das
"primeiras letras". Progressivamente, o termo passou a designar o processo não apenas
de ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o
domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas sociais
de leitura e escrita. O termo, alfabetizado, nesse quadro, passou a designar não apenas
aquele que domina as correspondências grafo-fonêmicas, mas também utiliza esse
domínio em situações sociais de uso da língua escrita.
É diante dessas novas exigências que surgiu uma nova adjetivação para o termo
–alfabetização funcional – criada com a finalidade de incorporar as habilidades de uso da
leitura e da escrita e, posteriormente, a palavra letramento, com o surgimento dos termos
letramento e alfabetização (ou alfabetismo) funcional, muitos pesquisadores passaram a
distinguir alfabetização e letramento. Passaram a utilizar o termo alfabetização em seu
sentido restrito, para designar o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e
do funcionamento do sistema de escrita. Passaram, correspondentemente, a reservar os
termos letramento ou, em alguns casos, alfabetismo funcional para designar os usos (e
as competências de uso) da língua escrita. Outros pesquisadores tendem a utilizar
apenas o termo alfabetização para significar tanto o domínio do sistema de escrita e das
correspondências grafo fonêmicas quanto os usos da língua escrita em práticas sociais.
Nesse caso, quando sentem a necessidade de estabelecer distinções, tendem a utilizar
as expressões "aprendizado do sistema de escrita" e "aprendizado da linguagem escrita".
Os termos "grafemas" e "fonemas” correspondem,
aproximadamente, a "letra" e "som", usados na linguagem
corrente
26
Fonte: dtoday.com.br
8 CONHECER COMO SE APRENDE PARA SABER COMO ENSINAR
As pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1998) sobre a psicogênese da língua
escrita demonstram como se constrói, em três níveis evolutivos, a compreensão do
sistema alfabético de representação da língua, permitindo definir atividades e
intervenções pedagógicas que favorecem a compreensão da escrita e da superação das
dificuldades desta aprendizagem.
Fonte: pedagogiaaopedaletra.com.br
27
8.1 Nível pré-silábico
A criança não estabelece relações entre a escrita e a pronúncia. Nesta fase, ela
expressa sua escrita através de desenhos, rabiscos e letras usadas aleatoriamente, sem
repetição e com o critério de, no mínimo, três. Outra característica desta fase é o
“realismo nominal”, que designa a impossibilidade de conceber a palavra e o objeto a que
se refere como duas realidades distintas. Assim, a criança pensa que a palavra trem é
maior que telefone, porque representa um objeto maior e mais pesado. A superação do
realismo nominal, pela percepção de que a palavra escrita, não representa o objeto, mas
seu nome, é indispensável para o sucesso na alfabetização.
Conflito que levará ao próximo nível: a percepção de que há estabilidade nas
palavras (há uma forma única para escrever corretamente cada palavra).
Dicas: usar, na escrita, a letra de imprensa maiúscula (de forma ou bastão)
favorece a percepção das unidades sonoras e diminui o esforço e as dificuldades
psicomotoras. A letra manuscrita (cursiva) só deve ser introduzida quando a criança
adquire a base alfabética. A alfabetização deve ser iniciada com palavras de significado
para a criança, como seu próprio nome, e não com palavras pequenas (pá, pé, nó) ou
com sílabas repetidas (babá, Lili).
8.2 Nível silábico
A criança descobre a lógica da escrita, percebendo a correspondência entre a
representação escrita das palavras e as propriedades sonoras das letras, usando, ao
escrever, uma letra para cada emissão sonora.
Conflito que levará ao próximo nível: impossibilidade de ler silabicamente o que os
outros escrevem (sobram letras).
A hipótese silábica é uma construção da criança e o treino descontextualizado e
mecânico das sílabas não a favorece. O professor provocará o conflito que a possibilita
com intervenções e atividades que ajudem a perceber a estabilidade da escrita
convencional, no confronto com palavras já conhecidas (nomes dos colegas, produtos).
Quando a criança lê o que escrever percorrendo a palavra com o dedo percebe que
28
sobram letras (hipótese pré-silábica) ou faltam (hipótese silábica), facilitando a
construção da hipótese alfabética.
8.3 Nível alfabético
Caracteriza-se pela correspondência entre fonemas e grafemas, quando a criança
corresponde a organização e o funcionamento da escrita e começa a perceber que cada
emissão sonora (sílaba) pode ser representada, na escrita, por uma ou mais letras.
A base alfabética da escrita se constrói a partir do conflito criado pela
impossibilidade de ler silabicamente a escrita padrão (sobram letras) e de ler a escrita
silábica (faltam letras). Neste nível, a criança, embora já alfabetizada, escreve ainda
foneticamente (como se pronuncia), registrando os sons da fala, sem considerar as
normas ortográficas da escrita padrão e da segmentação das palavras na frase. Segundo
Ferreiro e Teberosky.
Aqui a criança já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita
corresponde a valores menores que a sílaba. Isto não quer dizer que todas as
barreiras tenham sido superadas: a partir deste momento, a criança se defrontará
com as dificuldades da ortografia, mas não terá mais problemas de escrita, no
sentido estrito. (Ferreiro e Teberosky, 1998, p.15)
Dicas: o tempo necessário para avançar de um nível para outro varia muito. A
evolução pode ser facilitada pela atuação significativa do professor, sempre atento às
necessidades observadas no desempenho de cada aluno, organizando atividades
adequadas e colocando, oportunamente, os conflitos que conduzirão ao nível seguinte.
O uso da metodologia contrastiva, permitindo que a criança confronte sua hipótese de
escrita com a forma padrão (nos diversos materiais de leitura já conhecidos) é um
importante recurso para a estabilização da escrita ortográfica.
A sistematização do processo de alfabetização se dará ao longo dos anos
subsequentes. Na medida em que o aluno adquire segurança no contato prazeroso,
contextualizado e significativo com a língua escrita, sua leitura torna-se mais fluente e
compreensiva. Por meio da leitura, o aluno assimila, aos poucos, as convenções
29
ortográficas e gramaticais, adquirindo competência escritora compatível com as
exigências da escrita socialmente escrita. Desenvolve-se, assim, o gosto e o interesse
pela leitura e a habilidade de inferir, interpretar e extrapolar as ideias do autor, formando-
se o leitor crítico.
A alfabetização plena, com qualidade, pressupõe e exige da escola:
 Conhecer as crenças, o domínio teórico e a competência prática de seus
professores;
 Respeitar os professores e intervir construtivamente em sua prática,
organizando grupos de estudo e análise de diferentes experiências, inclusive a
própria (ação/reflexão/ação);
 Conhecer diferentes teorias e processos de alfabetização, suas possibilidades
de adaptação e resultados, para enriquecer a dinâmica de ensino e aprendizagem;
 Ter claro que ler e escrever bem exige o prazer de fazê-lo e que, portanto, a
aprendizagem deve ser “sedutora”, tendo o encantamento” como parte do
processo;
 Acompanhar e analisar o desempenho dos alunos egressos das turmas de
alfabetização;
 Definir e utilizar referenciais de enturmação coerentes e cientificamente
aprovados, optando preferencialmente pela organização de turmas por critérios de
idade, como tem sido recomendado pelas novas diretrizes legais;
 Respeitar o aprendiz, seu contexto, suas vivências e necessidades, seus
desejos e temores;
 Acompanhar e verificar o progresso de cada aluno, observando e detectando
dificuldades e oferecendo atividades específicas e intervenções positivas para sua
superação;
 Ter clareza de que esta superação depende da compreensão das estruturas
linguísticas e não do treino pela repetição do modelo correto;
 Definir estratégias de recuperação contínua da aprendizagem, garantindo o
reforço necessário aos alunos mais carentes.
30
A escola assume compromisso com o sucesso do aluno a partir do momento em
que aceita sua matrícula. Mas os fatores determinantes do fracasso ou do sucesso na
alfabetização podem ter origem no contexto escolar, familiar e social. Daí porque a
atuação da escola não pode ficar confinada às salas de aulas.Como instituição social, ela
deve ser presença significativa na comunidade, envolvendo as famílias em sua proposta
pedagógica, até porque a eficácia do trabalho educativo em sala de aula depende do
conhecimento da realidade sociocultural dos alunos e do comprometimento das famílias
com o processo de alfabetização de suas crianças. A seguir, serão descritas algumas
práticas administrativas e orientações pedagógicas que podem favorecer o êxito do
processo de alfabetização.
 Prever, no planejamento escolar, como parte da dinâmica de matrícula: acolhida
dos alunos novatos com programação de atividades lúdicas e agradáveis;
informação da proposta pedagógica aos pais, em reuniões significativas, com
textos e atividades participativas; circulares com orientações sobre como
acompanhar e auxiliar os filhos e sobre como será feito o atendimento
individualizado quando necessário;
 Usar estratégias criteriosas e bem fundamentadas, em relação a: enturmação,
remanejamento e aprovação, de maneira que não sejam discriminadoras ou
excludentes. A escola produz fracasso ou sucesso quando, na busca da
homogeneidade, seleciona, classifica, compara e rotula alunos;
 Desenvolver, nos primeiros dias de aula, atividades artísticas, roda de conversa,
hora do conto, recreação dirigida, jogos e brincadeiras cantadas, observando os
alunos, para elencar o repertório de experiências, hábitos, atitudes, capacidades,
habilidades, competências, conhecimentos e carências que trazem. Observar a
linguagem oral tanto quanto a expressão gráfica, o relacionamento, a
psicomotricidade, o interesse, a curiosidade e a criatividade;
 Criar clima de confiança e ambiente acolhedor, conhecendo bem os alunos,
para desenvolver o planejamento, adequando as atividades aos seus interesses,
possibilidades e necessidades;
 Ter entusiasmo e real envolvimento com as atividades e as turmas, contagiando
e motivando os alunos para o empenho em realizar bem as tarefas;
31
 Organizar as turmas em pequenos grupos para facilitar o respeito e o
atendimento aos ritmos e diferenças individuais;
 Utilizar atividades abertas e espontâneas, que desenvolvam a criatividade, a
autonomia e a iniciativa, eliminando os modelos a serem copiados;
 Desenvolver projetos de trabalho, com participação da turma, desde a definição
do tema, no desenrolar das etapas, até sua culminância e avaliação, assegurando
o empenho dos alunos em colaborar e seu compromisso com a expectativa dos
resultados. Os projetos podem ser: específicos da turma, para atender a um
interesse, problema, desejo, necessidade ou curiosidade; coletivos, para toda
escola; como envolvimento da comunidade; em parceria com outras escolas e
entidades; ou para estudo e intercâmbio de experiência entre os professores;
 Valorizar cada tentativa do aluno, independentemente do nível de resultado,
pois a experiência do sucesso aumenta a autoestima e garante a continuidade do
esforço. Orientá-lo durante a produção, pela intervenção e mediação preventiva,
tornando o “erro” observável para o aluno, que se incumbirá, ele mesmo, da
correção, pela compreensão do processo. A correção posterior só tem efeito
punitivo, desencorajando o aluno de novas tentativas;
 Ter atitude preventiva, fornecendo as informações necessárias em cada
situação, numa concepção construtiva de “erro” como hipótese provisória, como
etapa do processo evolutivo a ser superada e não penalizada;
 Ter clareza de que o êxito da alfabetização não depende de um método
determinado nem do livro didático / cartilha, mas da postura, da segurança e do
comprometimento do professor com o desempenho da turma. O importante é
transformar a sala de aula, a biblioteca e toda a escola em ambiente alfabetizador,
com material de leitura farto e diversificado;
 Explorar literatura infantil, que oferece ricas oportunidades de interação com a
língua escrita, além de sua função catártica para os conflitos inconscientes. Ouvir,
dramatizar, ilustrar, recontar e reescrever histórias são atividades indispensáveis
durante o processo de alfabetização, ao longo da primeira fase do ensino
fundamental;
32
 Atender, resolver, recuperar, imediata e adequadamente, com responsabilidade
e criatividade as dificuldades que naturalmente aparecerão, para que não se
transforme me problemas;
 Prever, no planejamento, as competências a desenvolver e os níveis de
desempenho a serem alcançados em cada etapa da escolaridade. Isto
possibilitará o acompanhamento sistemático do desenvolvimento dos alunos, com
indicadores de progresso facilmente observáveis, dispensando um processo de
avaliação formal com testes, provas e notas que inibem e discriminam os alunos
mais carentes, frustrando-os e rotulando-os como fracos.
A eficácia do trabalho educativo em sala de aula, depende do conhecimento da
realidade sociocultural dos alunos e do comprometimento das famílias com o processo
de alfabetização.
É possível e necessário estar aberto às transformações, buscando novas formas
de tornar eficaz e prazeroso o processo de alfabetização. É preciso querer que cada
aluno matriculado seja respeitado como cidadão com direito à aquisição de competências
como leitor e escritor.
8.4 Uma concepção social da escrita na alfabetização
A alfabetização de crianças continua a ser um grande desafio para a sociedade
brasileira, em geral, e para o educador, em particular. Entre várias contribuições para a
reflexão nesse campo, as que se centram nas concepções da escrita são muito
relevantes, uma vez que trazem nos matizes e dimensões para questões importantes do
cotidiano pedagógico, como a dificuldade na aprendizagem e a progressão no ensino, as
quais incidem em decisões sobre que materiais didáticos utilizar, como escolher textos,
o que ensinar primeiro.
O capítulo explora as consequências de se adotar uma concepção social da escrita
na alfabetização em contraste com uma concepção tradicional, que considera a
aprendizagem de leitura e produção textual como a aprendizagem de habilidades
individuais.
33
A concepção de escrita que se tem mostrado mais produtiva na alfabetização de
crianças é a que enfatiza a dimensão social, tanto da aprendizagem de leitura e produção
de textos quanto do uso dos materiais escritos. Por dimensão social estamos entendendo
o caráter não-individual do processo.
A concepção tradicional da escrita considera ler e escrever como habilidades
individualmente adquiridas, independentemente da situação, da época e do grupo social.
no ensino, é essa a concepção que tem orientado o livro didático e também o professor.
E, quando se enfatiza a dimensão individual, a atenção recai principalmente sobre a
aprendizagem do alfabeto para a formação de palavras e frases, sem que se considerem
os usos e as funções sociais do tipo de texto que se está lendo ou escrevendo.
A concepção que enfatiza a dimensão social não está apenas preocupada com o
domínio das letras por cada aluno. Considera-se que esse aspecto corresponde apenas
aos aspectos de instrumentação: se o sujeito conhecer as funções sociais dos textos
escritos, perceberá a necessidade de adquirir o código para poder ler e escrever
independentemente. Se, por outro lado, o sujeito não conhecer as funções sociais de um
texto, a aquisição do alfabeto passará a ser uma habilidade necessária para ler e escrever
os textos escolares, os quais nem sempre refletem a diversidade textual de fora da
escola.
Como, na prática social, o aluno depara-se com textos não-simplificados, na sala
de aula é preciso pensar como pode ocorrer a facilitação para que ele consiga vencer os
obstáculos. A resposta, na concepção que enfatiza o social, é que a facilitação só poderá
ocorrer por meio do trabalho colaborativo com o professor e os colegas.
Por exemplo, se os alunos estiverem interessados na leitura de um manual para
inscrição em um concurso, a facilitação será dada, por um lado, pela ajuda do professor
na ativação e na utilização de conhecimentos relevantes para caracterizar o texto e sua
função e, por outro lado, pela identificação de pistas para decifração e inferência das
informações desejadas.
De forma semelhante, se um aluno quiser reclamar de um serviço público
qualquer, o processo de escrever uma carta de reclamação, por exemplo, será facilitado
pelo fornecimento de modelos de carta de reclamação pelo professor para que a turma
possa encontrar os meios linguísticos e textuais necessários à transposição, para a
34
escrita, dos conteúdos trazidos pelo reclamante. Como se pode depreender desses
exemplos, quando se enfatiza a dimensão social da escrita, a atenção recai nas práticas
de utilização da leitura e da escrita de textos em diferentes situações comunicativas.
A mudança na concepção da escrita acarreta também mudança nos critérios para
avaliação de dificuldades de ensino e aprendizagem e, consequentemente, nos critérios
para a progressão didática.
No ensino da leitura, o conceito de dificuldade passa a ser relativo não só a
correspondência letra-som, mas, sobretudo, à familiaridade do aluno com um
determinado tipo de texto. Em contextos urbanos, por exemplo, é comum o alfabetizando
saber reconhecer um jornal e uma notícia de jornal, bem como conhecer suas funções,
mesmo sem saber decifrar o texto.
É possível, pois, escolher a notícia de jornal como ponto de partida e suporte do
trabalho pedagógico. As letras, as sílabas e as palavras são ensinadas a partir da
manchete do jornal ou do título da notícia, através da observação e da identificação dos
elementos que compõem a frase e as palavras. Segundo essa lógica, as chamadas
“dificuldades ortográficas”, que sempre são deixadas para depois, por serem
consideradas como problemáticas, podem aparecer em qualquer etapa do processo,
desde que sejam apreendidas globalmente em um contexto significativo para o aluno.
A título de ilustração, o dígrafo, o ditongo e o encontro consonantal existentes em
uma manchete como O salário mínimo no Brasil é uma vergonha não impedirão sua
escolha para o trabalho de sala de aula, se esse for um assunto de interesse dos alunos
e em discussão na sociedade naquele momento. O trabalho pedagógico pode chegar à
observação e à decomposição de elementos do título (palavras, sílabas) como um dos
meios de sistematização e memorização do código.
Não se pode esquecer que a memorização de qualquer um desses elementos é
facilitada pelo fato de ocorrer em contextos significativos. Os textos podem vir, nesse
caso, de redes mnemônicas. Entretanto, como já apontado, o ensino e a sistematização
do código decorrem de uma prática de leitura coletiva e colaborativa que visa à ação
independente, individual, de um aluno que já conhece a função e o uso dos textos lidos.
Na produção escrita, um critério importante para a avaliação de dificuldades de
ensino e aprendizagem é a familiaridade do aluno com o texto e com sua função na
35
sociedade. Assim, mesmo em um contexto não-urbano, é possível escolher o bilhete ou
a carta como ponto de partida e suporte do trabalho pedagógico antes de o aluno saber
escrever sequer uma frase. A dificuldade individual é reduzida, na medida em que o texto
é construído coletivamente sob a orientação do professor.
O trabalho individual do aluno consistirá em tentativas de transcrição e composição
do texto que está sendo construído. Uma outra alternativa é a escolha do relato pessoal
como ponto de partida para favorecer a expressão subjetiva (opiniões, desejos, reflexões)
em uma estrutura textual que se aproxima das estruturas orais mais familiares.
Pode-se objetar que, se o aluno analfabeto não tem, por definição, familiaridade
com o código, qualquer tipo de texto é ilegível para ele. Em primeiro lugar, deve-se
considerar que, hoje em dia, são raras as comunidades suficientemente isoladas para
não terem nenhum contato com a escrita, mesmo que pela mídia audiovisual (rádio e
televisão). Desse modo, embora o aluno nunca tenha visto um poema, uma trova ou uma
rima escritos, por exemplo, ele pode tê-los ouvido e até memorizado e, portanto, ter
familiaridade com esse tipo de texto.
Em segundo lugar, a literatura especializada já mostrou que a leitura não se faz
letra a letra ou sílaba a sílaba, mas por blocos maiores. Em vez de o aluno ter que juntar
as letras Q, U e E para poder ler a palavra QUE, por exemplo, ele deveria ser capaz de
reconhecer de uma só vez a palavra pela sua forma global, sua posição e sua função
relacional no bloco. O que tornaria o texto ilegível, justamente, seria a leitura de unidades
tão pequenas como a letra e a sílaba.
8.5 Um novo conceito: letramento
Resumindo, no enfoque tradicional, a pergunta para o professor é sempre qual a
sequência mais adequada da apresentação das letras para formarem sílabas, das sílabas
para formarem palavras e das palavras para formarem frases. No enfoque socialmente
contextualizado, conhecido na literatura como relacionado aos estudos do letramento, a
pergunta seria: quais os textos significativos para a comunidade e para o aluno?
É importante, então, que o professor conheça o contexto cultural de seus alunos e
os modos de produção e de circulação da grande variedade de textos valorizados pela
36
sociedade. É tão importante saber ler e escrever uma carta, quanto consultar uma lista
telefônica, tomar notas, fazer um resumo, ler um editorial ou uma crônica. As habilidades
e os conhecimentos envolvidos em cada uma dessas atividades não são
necessariamente os mesmos, e a alfabetização deve contemplar tudo isso.
A questão da progressão didática e da dificuldade no processo de ensino e
aprendizagem coloca-se em relação à familiaridade do aluno com o texto, ou seja, com
o tratamento do tema, o modo de estruturação do texto e o estilo do autor. Quanto mais
familiaridade o aluno adquirir com cada um desses elementos, mais fáceis vão-se
tornando a leitura e a escrita para ele. Isso quer dizer que a aula deve estar orientada
para a prática sistemática da leitura e da escrita: aprende-se a ler lendo e escrever
escrevendo.
Nessa perspectiva, o trabalho pedagógico incidirá sobre a escolha e o modo de
tratamento dos textos. Do ponto de vista do professor, a grande vantagem do enfoque
socialmente contextualizado é da autonomia no planejamento das unidades de ensino e
na escolha de materiais didáticos.
E, da mesma forma como os alfabetizandos e adultos devem ser estimulados a
trabalhar em conjunto em sala de aula, o professor também precisará trabalhar em
conjunto com seus pares na escola para que possa aproveitar melhor a própria
experiência e a de seus colegas e, principalmente, para que possa discutir e aprofundar
os problemas e as alternativas que forem apresentando-se no decorrer do processo de
ensino e de aprendizagem. Esse enfoque permite ao professor assumir o papel de
regente, isto é, de alguém que organiza e sistematiza os esforços e os recursos
individuais em função de um objetivo comum.
8.6 Alfabetização: reflexão/avaliação/informação
A educação, cada vez mais subordinada ao mercado de trabalho, é “levada” a
cuidar do perfil do futuro cidadão, preparando-o para adaptar-se às contínuas e
crescentes mudanças tecnológicas com base em competências e habilidades que
satisfaçam às necessidades do mercado extremamente competitivo.
37
O paradigma da qualidade total tem íntima ligação com o modelo conservador que
o gerou. Embora traga consigo valores defendidos por escolas que têm como meta
educar para a transformação – espírito de equipe, cooperação, solidariedade, integração
ao grupo, pertencimento ao grupo, só que a qualidade total deturpa valores.
Frente a um discurso que ganha hegemonia em todos os segmentos da sociedade,
faz-se necessário ficarmos atentos para perceber as artimanhas das propostas que se
apresentam como boas ou salvadoras. Urge que os educadores se disponham a discutir
com seriedade sobre o que deve mudar e como mudar os rumos da educação. Como
assinala Silva:
“Cremos haver um caminho, o da reflexão/avaliação/informação, ligado à
realidade escolar, contando com a participação efetiva dos educadores atuantes,
que articulem/orientem a elaboração de um projeto educativo e de sociedade a
partir daí buscando uma prática coerente com o ideal traçado neste projeto
participativo, com vistas aos ideais de sociedade que desejam ajudar a construir.
” (Silva, 1999, p.75).
Silva (1999) acredita que a tradição democrática se contrapõe à visão
conservadora e autoritária de educação e que uma visão democrática da qualidade em
educação deve se concentrar não apenas na questão de sua distribuição, mas também
no questionamento daquilo que é distribuído. Então, se a distribuição é malfeita e o que
é distribuído é melhor para uns que para os outros, não podemos esquecer que não existe
qualidade, já que isso se chama “privilégio” e “discriminação”.
Em se tratando de educação, não se pode pensar qualidade de forma neutra,
acrítica, abstrata. Há que se pensar no contexto social concreto, no tipo de homem
concreto que a escola deseja formar e nos valores com os quais ela se acha
comprometida.
A qualidade que tem sido pregada/divulgada mostra que há ganhos em termos de
melhoria das instalações, de aumento do número de horas de aula, de infraestrutura, de
equipamentos. Falta, no entanto, ganho pedagógico. As escolas, em sua maioria, não
estão preparadas para garantir melhoria na qualidade do processo ensino-aprendizagem,
despendem mais energia com rotinas administrativas e deixam de lado a gestão
pedagógica. Proporcionam mudanças nos detalhes exteriores sem, contudo, provocar
38
mudanças internas nas condições de aprendizagem dos alunos, no sentido de colocar
em prática novas ideias e novas alternativas de ensino.
Moraes chama a atenção para o fato de as ações implementadas não estarem
provocando mudanças importantes no processo ensino-aprendizagem, mas perpetuando
o velho ensino:
“Em nosso cotidiano, aprendemos que não se muda um paradigma educacional
colocando uma nova roupagem, camuflando velhas teorias, pintando a fachada
da escola, colocando telas nas salas de aula, se o aluno continua na posição de
mero espectador, de simples receptor, presenciador e copiador, e se os recursos
tecnológicos pouco fazem para ampliar a cognição humana. ” (Moraes, 1997,
p.17)
A característica marcante do fazer pedagógico continua sendo a transmissão dos
conteúdos necessários para o futuro exame vestibular e preparação para o mercado de
trabalho. Portanto, a educação de nosso país continua seletiva e reforçadora de
desigualdades.
Podemos dizer que a questão da qualidade está associada aos seguintes
pressupostos:
Boa administração: gerenciar de forma eficiente os recursos existentes é
importantíssimo, tanto para o setor privado quanto para o público, mas, sobretudo,
deve existir uma gestão verdadeiramente democrática;
Formação contínua dos profissionais, que nem sempre se formaram ou se
formam parta assumir com eficiência uma tarefa pedagógica de qualidade;
Libertação da ideia de que a finalidade da educação é preparar para o mercado
de trabalho.
Sabemos que o sistema neoliberal, responsável pela estruturação do mercado
globalizado, é o mentor da ideia de que a educação deve atrelar-se às necessidades do
mercado. Portanto, caminhar na dinâmica de preparar para o vestibular e o mercado de
trabalho é estar a serviço desse sistema, o que implica entrar na ciranda de formar nossas
crianças para um desempenho competitivo, brutalmente seletivo e discriminador.
39
Fazem-se necessárias mudanças na realidade educacional e estas não deveriam
partir de determinações de instâncias superiores, mas do desejo e compromisso dos
responsáveis pela execução dos projetos. Daí a necessidade de se ampliarem os
espaços de discussão entre os educadores sobre a temática da Qualidade em Educação.
É preciso dar um passo de qualidade para atender às necessidades da sociedade
futura, o que exige abandono de certas crenças e mudança radical na relação saber-
aprendizagem. Só assim, nossos olhos poderão contemplar a realidade de sujeitos da
história: cidadãos preparados com o processo de transformação da sociedade, utilizando
o saber para questionar o mundo e para gerar sinais de vida; adeptos da política de
inclusão, justiça e solidariedade, tão propalada no discurso dos políticos, porém tão
distante da realidade.
Entendemos que, para uma Educação de Qualidade, faz-se necessário construir
um projeto político-pedagógico para a educação brasileira, pautado pela construção da
cidadania, pela participação democrática e pela necessidade da socialização do saber.
Com isso, estamos objetivando o resgate dos valores éticos e humanos, a efetiva
participação no processo de construção de uma nova sociedade e a eliminação do caráter
dual de nosso sistema educacional. Este seria, sem dúvida, um efetivo avanço da
Qualidade Total para a Qualidade Social.
8.7 A relação social no processo de aprendizagem
Piaget (1998) esclarece a importância da relação social no processo de
aprendizagem. A inteligência humana somente desenvolve no indivíduo em função de
suas interações sociais. Os fundamentos sociointeracionistas de Vygotsky (1997)
também alertam sobre a importância da relação do indivíduo com o mundo, pois é nesse
espaço exterior que as funções superiores se originam.
Para a construção do conhecimento há a necessidade de um processo contínuo
de relações pedagógicas. Estas interações pedagógicas se relacionam com
metodologias de ensino, relação professor/aluno, conteúdos e avaliação. A construção
do conhecimento é um fator responsável pelo sucesso do aluno na escola. É preciso
entender como o aluno se organiza e atua para aprender.
40
Nesta construção de conhecimento, encontra-se o que se entende por
aprendizagem significativa. Denomina-se a aprendizagem significativa quando
corresponde às reais necessidades e interesses dos alunos. As hipóteses formuladas
estão de acordo com a atividade do próprio aluno, com o aluno pensante. Ele aprende
um conteúdo, um conceito, explica um fenômeno, resolve problemas, adquire normas de
comportamento e valores.
Nesta perspectiva, o aluno é capaz de atribuir aos conhecimentos sentido e
significado, estabelecendo relações entre o que aprende e o que conhece. A construção
do conhecimento é processo de elaboração pessoal. É o aluno construtor do
conhecimento. O professor é o mediador que orienta esta construção, orientando-o numa
direção.
O pensamento é um dos grandes ausentes no trabalho de nossos alunos. Na
realidade, na maior parte do tempo transcorrido nas aulas, o que lhes solicitamos é
atenção para a reprodução mecânica, aplicação de regras e de normas, repetições a
críticas do que o texto ou o professor afirmam, aproximações do que se considera correto
ou, inclusive, verdadeiro. Copiar modelos, resolver os problemas da forma correta,
fornecer a resposta correta. Submissão, pensamento único.
No entanto, o conhecimento da realidade exige a consideração de opções
distintas, a formulação de hipóteses, a decisão e a comparação dos resultados para
retroceder ou avançar, a escuta atenta do que é distinto ou divergente, do que é novo.
Basta que se leiam jornais diferentes para saber até que ponto uma mesma notícia pode
ser transmitida de diversas maneiras, às vezes, contraditórias.
A literatura que permanece e é clássica não é a que seguiu modelos e conceitos
já experimentados, e sim a que abriu novas possibilidades para compreender os seres
humanos. Há mil formas para expressar cores, sensações ou ideias, para expressar as
necessidades do homem. A riqueza é a diversidade, e nossa escola tende a confundir
modelos com repetição.
Uma atividade de alfabetização valiosíssima é a reescrita de textos. Olhamos,
falamos e explicamos um conto e voltamos a falar sobre ele, recapitulamos, analisamos
e comentamos. Depois, pedimos aos alunos, sozinhos, em duplas ou em pequenos
grupos, que voltem a escrevê-lo à sua maneira.
41
O conto original proporciona o esqueleto ou a estrutura que arma o pensamento,
mas cada aluno contribui com seu modo peculiar de entendê-lo e de expressá-lo. Na
escrita compartilhada, cada frase deve resultar do acordo entre opiniões distintas. Uma
vez que a estrutura narrativa tenha ficado clara, a atenção pode centrar-se na linguagem,
nas diferentes formas de expressão, nas palavras e frases opcionais que se pode
escolher. Na verdade, centrar-se no que é a escrita dos escritores, e não dos
escreventes, ou seja, a criação.
Alfabetizar-se é um processo que tem tido seu sentido ampliado no decorrer dos
tempos. O conhecimento histórico das diferentes formas de escrita e da escrita e da sua
inserção na cultura em que surgiram e desenvolveram-se tem-nos mostrado a íntima
relação existente entre a alfabetização e a cultura. A ideia de que estamos em um
processo contínuo de alfabetização por toda a vida, conhecendo novos gêneros literários,
novos estilos e novas linguagens, tem adquirido grande força nestes últimos anos.
A alfabetização permitirá ao aluno a aprender a ler pensando, estabelecendo e
descobrindo relações, organizando um sistema. A alfabetização se dá num processo
natural desde o momento que considerarmos a construção do conhecimento. O uso da
leitura será mais tranquilo, produtivo e importante se a criança for levada para o mundo
da leitura através de seu uso social, isto é, contextualizada.
A leitura será espontânea, quando os materiais usados forem jornais, revistas,
bulas, embalagens de produtos usados em casa. O papel do professor é marcante neste
período de construção da leitura. O professor deve selecionar atividades e tarefas que
sejam realmente significativas para os alunos.
As crianças diferem entre si. Por isto, não se pode esperar que todas se
desenvolvam ao mesmo tempo e do mesmo modo na aquisição de habilidades de leitura
e escrita. Um bom programa organiza atividades diferentes, em épocas e situações
diversas, procurando atender às necessidades de todas as crianças.
A linguagem está diretamente ligada aos interesses e experiências da criança,
desenvolvendo-se em situações normais de comunicação, na classe e fora dela. A
linguagem é a expressão do pensamento. Se a linguagem é a expressão do pensamento
o que a escola deve pensar? Ela é considerada não só expressão do pensamento, não
42
só forma de comunicação, mas é também forma de interação entre os indivíduos numa
sociedade.
A escola tem que preparar os indivíduos para o desempenho das funções sociais,
a partir do desenvolvimento de suas aptidões, adaptando aos valores da sociedade,
através de seu desenvolvimento da cultura individual. Por isso, as atividades devem estar
centradas na percepção de convívio social, desenvolvendo a consciência de nossas
construções e trocas simbólicas, não pela anulação das diferenças, mas pela melhor
inserção num espaço próprio delas, que é muitas vezes o espaço do diálogo e das
conexões.
Em nossa sociedade, fala-se para informar, para persuadir, para manter contato
com os interlocutores. Fala-se para conhecidos ou para um grande público; narram-se
histórias, dialoga-se. Também se escreve cartas ou bilhetes, telegramas, anúncios,
requerimentos, relatórios para destinatários variados. Alguns chegam a escrever
reportagens, ensaios, poemas, crônicas, contos, novelas.
Cabe ao professor repensar o processo de produção de textos, criando condições
e oportunidades para o aluno formar estruturas mentais, relacionando pensamentos,
formando sua própria visão do mundo, desenvolvendo seu espírito crítico, criativo e ao
aluno cabe entender o para quê e o porquê de fazer uma produção de texto.
O início do aprendizado da escrita, como também da leitura, define-se na
compreensão dos usos e valores da escrita e da leitura em sociedade. O verdadeiro leitor
e escritor é aquele que exerce a leitura e a escrita, sabe porque o faz, escolhe o que quer
ler e escrever e estabelece destinatários para suas produções.
Vale ressaltar o papel do professor no desempenho de seus múltiplos papéis como
encorajador de seus alunos, levando-os a ler com independência e senso crítico,
ajudando-os ao mesmo tempo, a descobrir as motivações mais íntimas para ler: o porquê
da leitura. E é esta motivação que dará sentido ao ato de ler e desenvolverá no aluno
uma atitude positiva em relação à leitura e a facilidade que isso proporcionará para as
produções de texto e estas atitudes extrapolarão o muro da escola e o acompanhará por
toda a vida.
Uma das tarefas da escola é estimular e orientar o aluno na produção dos textos,
que a sociedade dele exija ou que satisfaçam aos seus próprios desejos de comunicação
43
verbal. E essa orientação só adquire sentido para o aluno se estão para ele determinados
com clareza, o objetivo, o destinatário e o assunto do texto.
Os processos de aprendizagem devem ser dinâmicos, concomitantes e interativos.
O planejamento das atividades indica as possibilidades de avanço dos conteúdos ou a
retomada de objetivos não plenamente alcançados.
A escola prepara o aluno para a participação ativa na democratização da
sociedade, através de aquisição de conhecimentos básicos, que representam domínios
de conhecimento relativamente autônomos, constantemente reavaliados, face à
realidade social.
Fonte: mochilaecia.com.br
9 COMO SE APRENDE A LER E ESCREVER OU, PRONTIDÃO, UM PROBLEMA
MAL COLOCADO
9.1 A criança e seu processo de alfabetização
As pesquisas sobre o processo de alfabetização vêm mostrando que, para poder
se apropriar do nosso sistema de representação da escrita, a criança precisa construir
respostas para duas questões:
44
 O que a escrita representa?
 Qual a estrutura do modo de representação da escrita?
A escola considera evidente que a escrita é “um sistema de signos que expressam
sons individuais da fala” (Gelb, 1976) e supõe que também para a criança isso seja dado
a priori. Mas não é. No início do processo toda criança supõe que a escrita é uma outra
forma de desenhar as coisas. Vamos dar alguns exemplos que o professor pode
reconhecer, na sua prática diária, mas não tinha até então como interpretar. Pediu-se a
uma criança, que aprendeu a reproduzir a forma escrita do nome de sua mãe (Dalva),
que escrevesse a palavra “mamãe”, cuja forma ela não conhecia. Ela escreveu, com
convicção, “Dalva”. E, questionada em relação à inadequação da sua escrita, ficou
perplexa com a incapacidade adulta de compreender uma coisa tão evidente, isto é, que
Dalva e mamãe são a mesma pessoa e, portanto, a mesma escrita.
O que a criança não compreende é que a escrita representa a fala, o som das
palavras e não o objeto a que o nome se refere. De uma pesquisa realizada em Recife,
reproduzimos as seguintes informações da entrevista ocorrida no início do ano letivo com
uma criança cursando pela primeira vez a 1ª série:
“Diante do par de palavras BOI/ARANHA”
Experimentador: Nestes cartões estão escritas duas palavras: boi e aranha. Onde
você acha que está escrito boi e onde está escrito aranha?
Criança: Aqui está escrito boi (apontando para a palavra aranha) e aqui está escrito
aranha (apontando para a palavra boi).
Experimentador: Por que você acha que aqui (BOI) está escrito aranha e aqui
(ARANHA) está escrito boi?
Criança: Porque essa daqui tá pequena e esse daqui tá grande. Tia me ensinou
que boi começa com A.
Vê-se, portanto, aqui, o divórcio entre o conhecimento da letra e as hipóteses
dessa criança a respeito da escrita. Para ela, a escrita devia conformar-se à sua
concepção ainda realística da palavra, ou seja, coisas grandes têm nomes grandes e
coisas pequenas têm nomes pequenos”.
45
Mas o fato é que, em vez de confirmar, a realidade, dentro e fora da escola,
desmente seguidamente a teoria que a criança construiu sobre o que a escrita
representa. Desmente e problematiza, obrigando a criança a construir uma nova teoria,
novas hipóteses. Ao começar a se dar conta das características formais da escrita, a
criança constrói então duas hipóteses que vão acompanhá-la por algum tempo durante
o processo de alfabetização:
 De que é preciso um número mínimo de letras – entre 2 e 4 – para que esteja
escrito alguma coisa e,
 De que é preciso um mínimo de variedade de caracteres para que uma série de
letras “sirva para ler”.
De início, a criança não faz uma diferenciação clara entre o sistema de
representação do desenho (pictográfico) e o da escrita (alfabético), como se pode
observar de Reginaldo.
46
O contato, no universo urbano, com os dois sistemas – da escrita e do desenho –
permite estabelecer progressivamente essa diferenciação. Mas, mesmo quando a
criança já tem claro que “desenha-se com figuras” e “escreve-se com letras”, a natureza
do sistema alfabético ainda permanece um mistério a ser desvendado.
Ainda antes de supor a escrita como representação da fala da criança faz várias
tentativas de construir um sistema que se assemelhe formalmente à escrita adulta
buscando registrar as diferenças entre as palavras através de diferenças na quantidade,
na posição e na variação dos caracteres empregados para escrevê-las. Veja a escrita da
Edinilda (22/8/84).
47
Edinilda avançou mais que Reginaldo. Ela supõe que "escreve-se com letras”, mas
ainda não descobriu que as letras representam sons. Sua hipótese – é preciso uma
hipótese para produzir qualquer escrita– poderia ser descrita assim: Para escrever
(qualquer coisa) é preciso de sete a nove letras (o nome dela tem oito letras). Mas não
podem ser sempre as mesmas letras, nem na mesma posição. Por isso ela varia o
máximo que pode dentro do seu limitado repertório, o que, às vezes, exige que ela invente
algumas. Edinilda já percebeu que a palavras diferentes correspondem escritas
diferentes, mas não sabe a que atribuir essas diferenças, pois não descobriu ainda o que
é que as letras representam.
Enquanto não encontra respostas satisfatórias para as duas perguntas
fundamentais: “o que a escrita representa?" e "qual a estrutura do modo de representação
da escrita?”, a criança continua pensando e tentando adequar suas hipóteses às
informações que recebe do mundo. A descoberta de que a escrita representa a fala leva
a criança a formular uma hipótese ao mesmo tempo falsa e necessária: a hipótese
silábica.
9.2 A hipótese silábica
A hipótese silábica é um salto qualitativo, uma daquelas "grandes reestruturações
globais" de que nos fala Piaget. Um salto qualitativo tornado possível pelo acirramento
das contradições entre as hipóteses anteriores da criança e as informações que a
realidade lhe oferece. O que caracteriza a hipótese silábica é a crença de que cada letra
representa uma sílaba– a menor unidade de emissão sonora.
Veja, a seguir, três amostras de escrita silábica.
48
A hipótese com a qual essa menina trabalha é a de que cada letra representa uma
emissão sonora, isto é, uma sílaba oral. É o tipo de escrita que Emília Ferreiro chama
silábica estrita. Cleonilda demonstra um razoável conhecimento do valor sonoro
convencional das letras que, no entanto, ela adapta às necessidades de sua hipótese
conceitual. A vogal “O”, por exemplo, vale"TO" em gato,"BOR" e "BO" em borboleta,"LO"
em cavalo e novamente "BO" em boi.
49
A escrita desse menino também é silábica .Mas, no caso dele, essa hipótese entra
em conflito com outra: a hipótese da quantidade mínima de caracteres para que um
conjunto de letras possa ser considerado uma palavra (no início do processo de
alfabetização, as crianças supõem que uma única letra "não serve para ler”; o que varia
de uma para outra é o número de letras tido como mínimo, em geral entre duas e
quatro).O Lourivaldo exige três letras no mínimo, o que cria um problema na escrita dos
monossílabos e dissílabos. A solução que ele encontrou foi agregar letras sem valor
sonoro às palavras com menos de três sílabas, o que acabou criando, em "gato" e "boi”,
uma discrepância entre a intenção da escrita e a interpretação da leitura: na escrita a
letra muda era a terceira, mas na hora de ler preferiu considerar como muda a letra do
meio. Há também preocupação com o valor sonoro convencional.
50
Esta é uma escrita silábica bem mais difícil de reconhecer que as anteriores. Mas
nesse caso é o conhecimento que a professora construiu observando a criança que
possibilita a interpretação. Daniel estava vivendo um momento de conflito cognitivo.
Vinha testando sua hipótese silábica em todas as palavras a que tinha acesso, isto é,
todas as que alguém lia para ele, e ficava visivelmente aflito com as letras que sobravam.
A forma que encontrou de acomodar a situação foi agregar letras mudas no final, mas
esse arranjo não era, de modo algum, satisfatório. Seu desconforto durante a atividade
era visível: recusou-se a ler "borboleta" e "boi" e foi preciso insistir muito para que lesse
"cavalo “e "gato".
Dissemos que a hipótese silábica é falsa e necessária. Vamos analisar as duas
partes dessa afirmação. Em primeiro lugar, a questão da falsidade. Supor que cada letra
representa uma sílaba é falso com relação à concepção adulta da escrita, à convenção
social, que é alfabética. Mas não resta dúvida de que é muito mais verdadeira que as
hipóteses anteriores. Ela dá uma resposta verdadeira à primeira questão: “O que a escrita
representa?”. O salto qualitativo é a descoberta de que a escrita representa os sons da
fala. Junto com a compreensão da natureza do objeto representado emerge a
necessidade de estabelecer um critério de correspondência. Não é mais possível à
criança atribuir globalmente a palavra falada à sua escrita. Impõe-se a necessidade de
partir tanto a fala quanto a escrita, e fazer corresponder as duas séries de fragmentos.
Nesse esforço, a criança comete um erro: supõe que a menor unidade da língua é a
sílaba. Um "erro" aliás muito lógico, se pensarmos na impossibilidade de emitir o fonema
isolado. A hipótese silábica é, então, parcialmente falsa, mas necessária. Necessária
como são necessários "erros construtivos" no caminho em direção ao conhecimento
objetivo.
As pesquisas de Emília Ferreiro, em 1982, com novecentas crianças que
cursavam pela primeira vez a 1ªsérie da escola pública em várias cidades do México,
mostram que mais ou menos 85% das crianças estudadas que aprenderam a ler
utilizavam a hipótese silábica, em pelo menos uma das quatro entrevistas realizadas
durante o ano. Isto é, a maioria das crianças precisou desse "erro construtivo" para
chegar ao sistema alfabético. Como o intervalo entre as entrevistas era de 60 a 80 dias,
fica difícil saber se os 15% restantes passaram ou não por esse erro construtivo. Mas
51
uma coisa é certa: é impossível chegar à compreensão do sistema alfabético da escrita
sem descobrir, em algum momento, que o que a escrita representa é a fala.
Mas, no processo de alfabetização, a hipótese silábica é, ao mesmo tempo, um
grande avanço conceitual e uma enorme fonte de conflito cognitivo. "No entanto, a
hipótese silábica cria suas próprias condições de contradição: contradição entre o
controle silábico e a quantidade mínima de letras que uma escrita deve possuir para ser
interpretável (por exemplo, o monossílabo deveria se escrever com uma única letra, mas
quando se coloca uma letra só, o escrito 'não pode ser lido’, ou seja, não é
interpretável);além disso, há contradição entre a interpretação silábica e as escritas
produzidas pelos adultos (que têm sempre mais letras do que as que a hipótese silábica
permite antecipar). No mesmo período– embora não necessariamente ao mesmo tempo
– as letras podem começar a adquirir valores sonoros (silábicos) relativamente estáveis,
o que leva a uma correspondência com o eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes
entre as palavras começam a se exprimir por letras semelhantes. E isto também gera
suas formas particulares de conflito." (Emília Ferreiro). Imaginem como fica conflitante
para a criança defrontar-se com o fato de que, por exemplo, sua escrita para "pato" (AO)
ficou igual à que ela produziu para "gato”. Vocês devem estar se perguntando por que
isso não foi percebido até então, não se tornou observável antes. A resposta é que não
podíamos "ver" a escrita silábica por razões semelhantes à de que a humanidade não
pôde rever a ideia de uma Terra plana enquanto não admitiu que esta é que girava em
torno do Sol, e não o contrário. Foi necessária uma concepção dialética do processo de
aprendizagem, uma concepção que permitisse ver a ação do aprendiz construindo o seu
conhecimento, onde o professor aparece não mais como o que controla a aprendizagem
do aluno, e sim como um mediador entre aquele que aprende e o conteúdo a ser
aprendido. Só a partir desse novo referencial é possível imaginar que a criança aprenda
algo que não foi ensinado pelo professor.
9.3 A caminho da hipótese alfabética
Vamos recapitular para não perder o fio. Vimos emergir das pesquisas uma criança
que se esforça para compreender a escrita. Que começa diferenciando o sistema de
52
representação da escrita do sistema de representação do desenho. Que tenta várias
abordagens globais, numa busca consistente da lógica do sistema, até descobrir – o que
implica uma mudança violenta de critérios– que a escrita não representa o objeto a que
se refere, e sim o desenho sonoro do seu nome. Que nesse momento costuma aparecer
uma hipótese conceitual que atribui a cada letra escrita uma sílaba oral. Que essa
hipótese gera inúmeros conflitos cognitivos, tanto com as informações que recebe do
mundo como com as hipóteses de quantidade e variedade mínima de caracteres
construídas pela própria criança. Veja a seguir as amostras de escrita da Cleonilda, do
Lourivaldo e do Daniel, de 22/8/84, nas quais isso aparece com clareza.
53
Daniel escreve alfabeticamente as palavras, mas regride ao nível silábico-
alfabético (de transição) na frase. É possível que isso tenha acontecido porque estava
preocupado com a separação das palavras. Foi o único que não escreveu tudo junto,
como seria normal. O que é coerente com seu estilo: muito atento à forma adulta de
escrever, buscando sempre reproduzir suas características, mesmo sem compreender.
As escritas silábica e silábico-alfabética têm sido encaradas como patológicas pela
escola que não dispõe de conhecimento para perceber seu caráter evolutivo. Se o
professor compreende a hipótese com que a criança está trabalhando, passa a ser
possível problematizá-la, acirrar – através de informações adequadas – as contradições
que vão gerar os avanços necessários para a compreensão do sistema alfabético. E foi
isso que aconteceu com Cleonilda, Lourivaldo e Daniel, como se pode ver nas amostras
de escrita de 30/11/84 (na coluna da direita do quadro anterior). Cleonilda, que em
noventa dias de aula estava alfabetizada, não é capaz de articular oralmente nenhum
encontro consonantal – nem no seu próprio nome. Apesar disso, ou talvez por isso
mesmo, das crianças que se alfabetizaram nesse grupo era a que menos erros de escrita
cometia. Ela jamais escrevia "comi”, para "come”, como o Lourivaldo, que falava
corretamente. Reginaldo, como se pode ver no quadro seguinte, ela evolução da cópia
de seu nome, não tem orientação espacial da escrita, “come" letras, espelha letras, tem
traçado inseguro, é incapaz de manter a ordem das letras na cópia (e tinha dificuldade
para segurar o lápis) ...
54
Diante da recusa e da ansiedade da criança, a professora sugere o uso do apelido
REGI em lugar de REGINALDO, e oferece um modelo para cobrir e copiar.
Insiste em copiar REGINALDO. Fica muito infeliz
com o resultado.
Aceita fazer "lição de nome”, isto é, cobrir o modelo e
copiar embaixo.
Durante o mês de agosto, REGINALDO se esforça
para copiar todas as letras do seu nome, agregando-
as aos poucos. A conservação da ordem das grafias
do modelo não tem ainda significado, o que importa é
a presença.
55
56
No entanto, os seus problemas perceptivo-motores desapareceram, como por
encanto, quando ele descobriu o quê, exatamente, as letras representavam. Pensem
bem, que importância tem a posição ou a ordem das letras, se para nós elas são apenas
desenhos? O que este texto tentou informar em linhas gerais é como é que se aprende
a ler. Tentamos mostrar que as dificuldades desse processo são muito mais de natureza
conceitual e muito menos perceptual, conforme pensávamos antes. E, como nossa
prática se baseava sobre o que sabíamos, é preciso repensá-la, não?
Fonte: pt.slideshare.net
57
10 ALFABETIZAÇÃO: AS SONDAGENS DE HIPÓTESE DE ESCRITA
A sondagem de hipótese de escrita busca acompanhar os avanços das crianças
na aquisição da base alfabética
Quando assume uma turma de alfabetização, o professor deve descobrir o que
cada aluno da sala sabe sobre o sistema de escrita antes de começar o planejamento
das atividades. Esse trabalho é chamado de sondagem de hipótese de escrita e busca
acompanhar os avanços das crianças na aquisição da base alfabética.
Sempre que falo do assunto com os professores alfabetizadores da minha escola,
nas reuniões de formação, faço questão de levantar a discussão a respeito de três
aspectos bastante importantes.
10.1 Para que serve a sondagem de hipótese de escrita?
A sondagem funciona como um diagnóstico sobre quais e quantos alunos se
encontram em cada hipótese de escrita: pré-silábica, silábica sem valor sonoro
convencional, silábica com valor sonoro convencional, silábico-alfabética e alfabética.
Com o diagnóstico em mãos, o professor pensa em agrupamentos produtivos,
unindo crianças que se encontram em hipóteses de escrita próximas, e planeja as
atividades adequadas para que todas as crianças avancem até se tornarem alfabéticas,
ou seja, compreenderem o sistema de escrita.
10.2 Como se faz?
A sondagem é uma atividade feita individualmente e consiste em ditar para as
crianças uma lista de palavras de um mesmo campo semântico, como bichinhos de
jardim, flores, frutas ou animais. Atenção! Todas as palavras utilizadas nas atividades de
sondagem devem ser inéditas para os pequenos. Isso significa que elas não podem ser
as mesmas utilizadas em outras atividades. Senão, as crianças terão a escrita de
memória e, assim, a sondagem nos dará resultados errados.
58
O ditado dos termos deve seguir uma ordem, de acordo com seu número de
sílabas: polissílaba, trissílaba, dissílaba e monossílaba. Ao final, também se dita uma
frase em que uma das palavras (trissílaba ou dissílaba) esteja presente. Existe uma lógica
para isso. As crianças que se encontram em conflito com relação ao número de letras
podem não querer escrever palavras menores e desistem logo no começo da sondagem.
Após a escrita de cada palavra, a criança também deve lê-la em voz alta. A leitura
ajuda o professor a verificar como ela está pensando a respeito do sistema de escrita e
se estabelece relação com o que escreveu e o que falou.
Fonte: csantosanjos.com.br
11 ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE
O que geralmente acontece quando as crianças ingressam na escola?
Nas séries iniciais, elas são submetidas a inúmeras atividades de preparação para a
escrita, em geral cópia ou ditado de palavras que já foram memorizadas. Primeiro copiam
sílabas, depois palavras e frases, e só mais tarde são solicitadas a produzir escritas de
forma autônoma.
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  • 1. CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: FUNDAMENTOS E METODOLOGIA GUARULHOS – SP
  • 2. SUMÁRIO 1 DESCREVENDO SOBRE “ALFABETIZAÇÃO” E “LETRAMENTO” ..........................4 2 O QUE É LETRAMENTO?.........................................................................................7 2.1 Sociedade letrada/sujeito letrado .........................................................................8 3 ALFABETIZAR LETRANDO ....................................................................................10 3.1 O papel do educador no letramento ...................................................................12 4 POR QUE SURGIU A PALAVRA LETRAMENTO? .................................................14 4.1 Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado? .........................................16 5 O FOCO NAS CAPACIDADES LINGUÍSTICAS DA ALFABETIZAÇÃO ..................17 5.1 Uma questão terminológica................................................................................19 5.2 Os eixos .............................................................................................................21 6 LÍNGUA E ENSINO DE LÍNGUA .............................................................................23 7 ALFABETIZAÇÃO....................................................................................................24 8 CONHECER COMO SE APRENDE PARA SABER COMO ENSINAR....................26 8.1 Nível pré-silábico................................................................................................27 8.2 Nível ilábico.......................................................................................................27 8.3 Nível alfabético...................................................................................................28 8.4 Uma concepção social da escrita na alfabetização............................................32 8.5 Um novo conceito: letramento............................................................................35 8.6 Alfabetização: reflexão/avaliação/informação ....................................................36 8.7 A relação social no processo de aprendizagem.................................................39 9 COMO SE APRENDE A LER E ESCREVER OU, PRONTIDÃO, UM PROBLEMA MAL COLOCADO ..........................................................................................................43 9.1 A criança e seu processo de alfabetização........................................................43 9.2 A hipótese silábica .............................................................................................47 9.3 A caminho da hipótese alfabética.......................................................................51 10 ALFABETIZAÇÃO: AS SONDAGENS DE HIPÓTESE DE ESCRITA .....................57 10.1 Para que serve a sondagem de hipótese de escrita? ......................................57
  • 3. 10.2 Como se faz? ...................................................................................................57 11 ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE....................................................................58 12 CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO......................................................................60 12.1 O Alfabeto ........................................................................................................63 12.2 Situações de leitura e escrita de nomes próprios.............................................65 12.3 O que os alunos aprendem nas situações de leitura e escrita de nomes ........66 12.4 Condições didáticas para as situações de leitura e escrita de nomes dos colegas da classe.........................................................................................................................67 13 APRENDER A LINGUAGEM QUE SE ESCREVE...................................................69 13.1 O papel da leitura no desenvolvimento da capacidade de produzir textos.......69 13.2 Os recontos e as reescritas..............................................................................71 13.3 Os gêneros.......................................................................................................72 13.4 Falando de alguns deles ..................................................................................72 14 NÍVEIS DE EVOLUÇÃO DA ESCRITA....................................................................74 15 LER QUANDO NÃO SE SABE ................................................................................78 15.1 Dez questões a considerar...............................................................................80 16 ESTRATÉGIAS DE LEITURA PROCESSOS DE LEITURA ....................................83 16.1 Os processos de leitura....................................................................................85 16.2 Processo neurofisiológico.................................................................................85 16.3 Processo Cognitivo ..........................................................................................86 16.4 Processo afetivo...............................................................................................87 16.5 Processo simbólico ..........................................................................................88 16.6 Processo argumentativo...................................................................................91 16.7 Condições a serem garantidas nas situações em que o educador lê para os educandos......................................................................................................................91 16.8 Atividades e ações do educador relacionadas à prática de leitura...................93 17 LEITURA FEITA PELO ALUNO, ANTES DE SABER LER CONVENCIONALMENTE....... .......................................................................................94 17.1 Leitura pelo aluno de textos memorizados.......................................................95 17.2 Leitura pelo aluno de títulos de livros...............................................................97 17.3 Leitura pelo aluno de textos informativos .........................................................98
  • 4. 18 ATIVIDADES PARA ALFABETIZAÇÃO...................................................................99 19 ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS GERAIS DE LEITURA E ESCRITA.........................100 19.1 Intervenções do professor..............................................................................101 19.2 Agrupamentos de alunos ...............................................................................102 20 TRABALHO COM OS CONTOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ............103 21 ALFABETIZAÇÃO E SEUS MÉTODOS.................................................................105 21.1 Método de alfabetização ................................................................................105 21.2 Método tradicional ..........................................................................................106 21.3 Método sintético .............................................................................................107 21.4 Método analítico.............................................................................................109 21.5 Método construtivista .....................................................................................109 22 BIBLIOGRAFIA BÁSICA........................................................................................112
  • 5. 4 1 DESCREVENDO SOBRE “ALFABETIZAÇÃO” E “LETRAMENTO” Fonte: hayzblog.files.wordpress.com O professor canadense Serge Wagner, já em 1990, apresenta-nos conceitos muito interessantes, pois acompanham o termo “alfabetização” e tecem sentidos a este, refinando-o e, por isso, permitem trabalhos mais precisos junto com minoria linguísticas no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão. São eles: “analfabetismo de minorias”; “analfabetismo de opressão”; “analfabetismo de resistência”; e “alfabetização de afirmação nacional”. Para compreendermos as suas definições, é importante levarmos em consideração como este autor define “minoria linguística”, pela sua composição, a saber: 1- Povos aborígenes: grupo de pessoas que se encontram no local há muito tempo e que podem ser considerados os “primeiros” habitantes da terra: indígenas no Brasil. 2- Minorias estáveis: grupos que se estabelecem no local há muito tempo e que mantêm certas diferenças com a população local: Catalões na Espanha.
  • 6. 5 3- Novas Minorias: grupos recém-chegados na nova localidade, chamados também de migrantes: nordestinos em São Paulo. Fonte: atividadesparaeja.online.com.br Para Wagner (1990), quando uma minoria linguística se vê em contato com uma língua majoritária, dominante em determinado local, existem duas formas de manifestação do “analfabetismo”: o “analfabetismo de opressão” ou o “analfabetismo de resistência”. Este é uma reação de um grupo de pessoas, que recusa o processo de assimilação, ou, ainda, de aculturação proposto. Pontuamos que esta “recusa” pode se dar do mais consciente até o inconsciente, com o objetivo de salvaguardar a cultura de origem da parte “mais fraca” da sociedade em questão. Nesta direção, quando ocorre esta modalidade de “alfabetização”, a pessoa, ou o grupo, pode reivindicar o direito de aprender à escrita e a leitura de sua própria língua, quando esta possui versão escrita; e caso esta língua não possua escrita, o grupo, ou pessoa, torna-se “duplamente analfabeto”, pois não pode aprender a língua que gostaria e não aprende a língua majoritária. Por outro lado, o “analfabetismo de opressão” tende a se desenvolver quando a minoria em questão é obrigada a aprender a língua do grupo dominante, seja pelo
  • 7. 6 sistema público de ensino, seja pela necessidade de inserção no mercado de trabalho. Para Wagner (1990), neste caso, ao longo do tempo, a cultura da minoria, em processo de alfabetização na língua do outro, desaparece. Temos as minorias que frequentam escolas públicas, onde são “obrigadas” a aprender a língua do grupo social dominante. Tal situação de “obrigação” provoca, para o estudioso canadense, todos os tipos de efeitos pedagógicos. Dentre eles, destacamos: “o aluno pertinente à minoria fica defasado”; “o aluno perde sua língua de origem e aprende mal a língua dominante por meio da qual ele deve pensar, agir, trabalhar”, e, ainda, “um sujeito mal equipado do ponto de vista linguístico”. O outro conceito de Serge Wagner (1990) que destacamos é o de “alfabetização de afirmação nacional”, que significa o aceitamento do aprendizado de uma língua, que não é a sua língua materna, sabendo que este processo deve ocorrer para determinados fins de afirmação do seu país, e de si mesmo, porém, tal aprendizado não significa romper com suas raízes. Ou seja, é uma alfabetização que significa o “aprender mais uma língua”, que nada se relaciona com o abandono da sua própria. Wagner ressalta termos decorrentes desta situação social: “alfabetização de afirmação comunitária” e “alfabetização de afirmação individual”. Finalmente, não obstante está “aceitação”, caso estas minorias venham a manter sua língua materna, sempre em paralelo com a do grupo dominante, por meio de instâncias institucionalizadas, com o passar dos anos, uma situação de separatismo político-administrativo pode ocorrer. No artigo, O ser e as Letras: da voz à letra, um caminho que construímos todos, Biarnés (1998) afirma que cada um de nós constrói uma relação com o mundo das letras e, por meio desta relação, constrói-se a si mesmo. Ou seja, ninguém está fora deste mundo e, mais do que isto, ele atribui e re-atribui sentidos para esta relação ao longo da vida. Vejamos abaixo diferentes passagens deste artigo, que juntas nos dão clareza acerca da relação entre Homem e letra: A letra me permite encontrar o outro, encontrar a alteridade e, sobretudo, construir ‘meu outro’ em mim. A letra, objeto do outro se a leio, objeto para o outro se a escrevo, é um espelho mágico que me permite reconhecer-me, descobrindo- me outro. O problema do acesso à leitura, como o da iniciação à escrita, está aí. Para que, pela letra, eu possa conhecer-me outro, é necessário que eu possa
  • 8. 7 antes reconhecer-me nela [...] Construir uma relação de funcionalidade com a letra é ser em vir-a-ser. Mas ser em vir-a-ser implica um duplo movimento: abandonar o presente e construir o futuro, ‘fazer não ser o meu ser e ser um não- ser’ [...] A funcionalidade da letra não é saber preencher o formulário da Previdência, ou saber responder ao questionário da assistente social, ou da apostila do professor. Propor esse tipo de exercício em um estágio de formação, ou na escola, é um non-sens? se o exercício não servir de estímulo à leitura do livro. A funcionalidade da letra é ser capaz de descobrir o segredo contido no livro! Só se aprende ou se reaprende a ler nos livros! Foi isso, exatamente, que nos mostrou aquela pessoa que tinha "falado de literatura" com sua professora. Só a letra do livro pode deslocar o sujeito de sua aderência ao espaço-tempo de seu meio, daquela "imagem do mesmo", e abrir, então, o espaço do jogo onde a letra tem sentido. 2 O QUE É LETRAMENTO? Letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive. (SOARES, 2000). O termo letramento passou a ter veiculação no setor educacional há pouco menos de vinte anos, primeiramente entre os linguistas e estudiosos da língua portuguesa. No Brasil, o termo foi usado pela primeira vez por Mary Kato, em 1986, na obra "No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística". Dois anos depois, passou a representar um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em "Adultos não alfabetizados: o avesso dos avessos". Segundo Soares (2003), foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa quanto ao significado da palavra e nada foi encontrado nem mesmo nas edições mais recentes dos anos de 1998 e 1999. Na realidade, o termo originou-se de uma versão feita da palavra da língua inglesa "literacy", com a representação etimológica de estado, condição ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado, especialmente, para ler e escrever. Assim como as sociedades no mundo inteiro, tornam-se cada vez mais centradas na escrita, e com o Brasil não poderia ser diferente. E como ser alfabetizado, ou seja,
  • 9. 8 saber ler e escrever, é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas da sociedade atual, é preciso letrar-se, ou seja tornar-se um indivíduo que não só saiba ler e escrever, mas exercer as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive (Soares, 2000). 2.1 Sociedade letrada/sujeito letrado "Letrado" poderia ser, então, o sujeito - criança ou adulto - que, independentemente de (já) ter ido à escola e de ter aprendido a ler e escrever (ter sido alfabetizado), usasse ou compreendesse certas estratégias próprias de uma cultura letrada. (KLEIMAN, 1995, p. 19, apud MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 26). Para um sujeito ser considerado letrado não é necessário que tenha frequentado a escola ou que saiba ler e escrever, basta que o mesmo exercite a leitura de mundo no seu cotidiano, sendo um cidadão partícipe de sua comunidade, atuando em associações, clubes, instituições, igreja, entre outros. Quem é letrado [...] utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades. Ele demonstra com isso que conhece de alguma forma as estruturas e funções da escrita. O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para ele. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004).
  • 10. 9 Fonte: alototal.com.br O sujeito analfabeto não compreende a decodificação dos signos, mas possui um determinado grau de letramento pela prática de vida que tem em uma sociedade grafo Centrica, ele é letrado, porém não com plenitude. Uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos "lidos", ela também pode ser considerada letrada. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004). Como Soares nos relata, este é um outro grau de letramento, e há ainda aquele indivíduo que, mesmo tendo escolarização ou sendo alfabetizado, possui um grau de letramento muito baixo, ou seja, é capaz de ler e escrever, mas tem dificuldade ao fazer o uso adequado da leitura e da escrita, não possuindo habilidade para essas práticas, não sendo capaz de compreender e interpretar o que lê assim como não consegue escrever cartas ou bilhetes. Por esse indivíduo ser alfabetizado, mas não dominar as práticas sociais da leitura e da escrita, considera-se um sujeito iletrado. No entanto, em uma sociedade grafo Centrica, acredita-se que não há sujeito com grau "zero de letramento", ou seja, sujeito iletrado, pois os tipos e os níveis de letramento estão ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no seu meio social.
  • 11. 10 Fonte: adrigomes.com 3 ALFABETIZAR LETRANDO Porque alfabetização e letramento são conceitos frequentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também aproximá-los: a distinção se faz necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p. 90 apud COLELLO, 2004) O processo de letramento inicia-se quando a criança nasce em uma sociedade grafo Centrica, começando a letrar-se a partir do momento em que convive com pessoas que fazem uso da língua escrita, e que vive em ambiente rodeado de material escrito. Assim ela vai conhecendo e reconhecendo práticas da leitura e da escrita. Já o processo da alfabetização inicia-se quando a criança chega à escola. Cabe à educação formal orientar esse processo metodicamente, mas, segundo Peixoto (et al, 2004), não basta apenas o saber ler e escrever, necessário
  • 12. 11 é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz, pois: enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio históricos da aquisição de uma sociedade. (TFOUNI, 1995, p. 20 apud COLELLO, 2004). Depois que se iniciaram os estudos do letramento, o conceito de alfabetização foi reduzido à mera decodificação, ao simples ensinar a ler e escrever. Não devemos desmerecer a árdua tarefa, a importância de ensinar a ler e a escrever, pois a aquisição do sistema alfabético se faz necessária para o indivíduo entrar no mundo da leitura e da escrita. Fonte: encrypted-tbn1.gstatic.com Na realidade, alfabetização e letramento, esses dois processos, caminham juntos, ou melhor o processo de letramento, como vimos, antecede a alfabetização, permeia todo o processo de alfabetização e continua a existir quando já estamos alfabetizados. Segundo Soares (2000) deve-se alfabetizar letrando: Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos.
  • 13. 12 3.1 O papel do educador no letramento O educador que se dispõe a exercer o papel de "professor-letrador" considera que: [...] o ato de educar não é uma doação de conhecimento do professor aos educandos, nem transmissão de ideias, mesmo que estas sejam consideradas muito boas. Ao contrário, é uma contribuição "no processo de humanização". Processo este de fundamental papel no exercício de educador que acredita na construção de saberes e de conhecimentos para o desenvolvimento humano, e que para isso se torna um instrumento de cooperação para o crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus próprios conceitos e conhecimento. (FREIRE, 1990 apud PEIXOTO et al, 2004). Mas se faz necessário que o educador, principalmente o que já se encontra há anos exercendo o papel de professor-alfabetizador e que confia plenamente na mera aquisição de decodificação, aceite romper paradigmas e acreditar que as transformações que ocorrem na sociedade contemporânea atingem todos os setores, assim como também a escola e os saberes do educador, pois métodos que aprenderam há décadas podem e devem ser aprimorados, atualizados ou até mesmo modificados. O conhecimento não pode manter-se estagnado, pois ele nunca se completa ou se finda. Então, antes de o professor querer exercer esse papel de "professor-letrador" é necessário que ele se conscientize e busque ser letrado, domine a produção escrita, as ferramentas de busca de informação e seja um bom leitor e um bom produtor de textos. Mas para que se torne capaz de letrar seus alunos, é preciso que conheça o processo de letramento e que reconheça suas características e peculiaridades. E Soares (2000) pensa que: Os cursos de formação de professores, em qualquer área de conhecimento, deveriam centrar seus esforços na formação de bons leitores e bons produtores de texto naquela área, e na formação de indivíduos capazes de formar bons leitores e bons produtores de textos naquela área. Percebemos que a ineficácia na formação dos professores reflete na formação de um sujeito que seja um bom leitor e produtor de textos. Atualmente, temos recursos a que o próprio educador pode recorrer para aprimorar seu conhecimento. Mas ainda não são todos os que têm essa coragem de reconhecer que precisa aprender e aprender sempre. O professor, hoje em dia, tem a oportunidade de estudar os Parâmetros
  • 14. 13 Curriculares Nacionais e cito aqui, em especial, o de Língua Portuguesa que traz, em linguagem simples, o ensino da língua de forma contextualizada para auxiliá-lo em sua prática em sala de aula e em seu planejamento. Fonte: revide.com.br Os estudos realizados por Peixoto (et al, 2004) sobre o papel do "professor- letrador, ao analisar a prática do letramento pelo professor, destacou alguns passos para o desempenho desse papel que considero relevante citar:  Investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados;  Planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno poderá utilizá-la;  Desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da sociedade;  Incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam;
  • 15. 14  Recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo que o educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo, esse conhecimento;  Não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de discursos e linguagens diferentes;  Avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo;  Trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a autoestima e a alegria de conviver e cooperar;  Ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser professor aprendiz tanto quanto os seus educandos; e  Reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização. Esses passos devem servir como norteadores à prática dos professores que buscam exercer verdadeiramente o papel de "professor-letrador". 4 POR QUE SURGIU A PALAVRA LETRAMENTO? A palavra analfabetismo nos é familiar, usamos essa palavra há séculos, ela já está presente em textos do tempo em que éramos Colônia de Portugal. É um fenômeno interessante: usamos, há séculos, o substantivo que nega, e não sentíamos necessidade do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou letramento. Por que só agora, no fim do século XX, a palavra letramento se tornou necessária? Palavras novas aparecem quando novas ideias ou novos fenômenos surgem. Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o problema de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e escrever; portanto: o fenômeno do estado
  • 16. 15 ou condição de analfabeto nós o tínhamos (e ainda temos...), e por isso sempre tivemos um nome para ele: analfabetismo. À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafo Centrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não leem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento. Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra letramento, qual a origem da palavra letramento, pode-se voltar à diferença entre letramento e alfabetização:  Alfabetização = ação de ensinar/aprender a ler e a escrever  Letramento = estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita Exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita Precisaríamos de um verbo "letrar" para nomear a ação de levar os indivíduos ao letramento... Assim, teríamos de alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não
  • 17. 16 inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. Alfabetizado e/ou letrado - uma nova pergunta se impõe. 4.1 Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado? Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura? Escrever é também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado... uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um ensaio sobre determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à escrita? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à escrita? Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural.
  • 18. 17 Fonte: meussonhosdevida.blogspot.com.br 5 O FOCO NAS CAPACIDADES LINGUÍSTICAS DA ALFABETIZAÇÃO A principal atenção se volta para fornecer subsídios para a apropriação, pelo aluno dos anos iniciais, do sistema de escrita alfabético e de capacidades necessárias não só à leitura e produção de textos escritos, mas também à compreensão e produção de textos orais, em situações de uso e estilos de linguagem diferentes das que são corriqueiras no cotidiano da criança. O desenvolvimento dessas capacidades linguísticas - ler e escrever, falar e ouvir com compreensão em situações diferentes dos familiares - não acontece espontaneamente e, portanto, elas precisam ser ensinadas sistematicamente. Sabe-se que os três anos iniciais da Educação Fundamental não esgotam essas capacidades linguísticas e comunicativas, que se desenvolvem ao longo de todo o processo de escolarização e das necessidades da vida social. Sabe-se, também, que os trabalhos a ser feito nesses três anos iniciais não se esgotam na alfabetização ou no desenvolvimento dessas capacidades linguísticas.
  • 19. 18 Fonte: wreducacional.com.br É na alfabetização e no aprendizado da língua escrita que vêm se concentrando os problemas localizados não apenas na escolarização inicial, como também em fracassos no percurso do aluno durante sua escolarização. Espera-se, por isso, que a consolidação dos princípios aqui definidos possa se combinar com propostas para os demais anos da Educação Fundamental, bem como com propostas das outras áreas de conhecimento pertinentes a esse nível inicial de nosso sistema de ensino, favorecendo uma abordagem curricular interdisciplinar. Um sistema de escrita é uma maneira estruturada, e organizada com base em determinados princípios, para representação da fala. Há sistemas de escrita que são logo gráficos (que representam o significado das palavras) e há aqueles que representam o aspecto sonoro da língua, sua "pauta sonora". São chamados de sistemas de escrita "fonográficos". Nosso sistema de escrita (chamado de "alfabético" ou "alfabético- ortográfico") representa "sons" ou fonemas, em geral cada "letra" correspondendo a um "som" e vice-versa. É, portanto, um sistema de escrita ortográfico. Mas há sistemas de escrita logo gráficos que representam sílabas. Num sistema como esse, a palavra
  • 20. 19 "apaixonado" poderia ser escrita APXAD em que cada "letra" corresponderia a uma sílaba. Fonte: arquidiocesano.com.br 5.1 Uma questão terminológica Seria possível falar das capacidades das crianças usando termos e conceitos similares, frequentemente empregados como sinônimos, tais como "competências", "procedimento" e "habilidades". Esses três vocábulos têm sido utilizados como equivalentes, nos documentos oficiais de orientação curricular e em muitos estudos teóricos no campo educacional. No entanto, optou-se, aqui, pelo uso do termo "capacidades", aliado, quando necessário, aos termos "conhecimentos" e "atitudes". Essa escolha por "capacidades" se deve ao fato de o termo ser amplo o suficiente para abranger todos os níveis de progressão, desde os primeiros atos motores indispensáveis à aquisição da escrita até as elaborações conceituais, em patamares progressivos de abstração, que possibilitam ampliações na compreensão da leitura, na produção textual e na seleção o de instrumentos diversificados para tais aprendizagens. Com essa escolha, pretende-se também evitar que a proposta de organização geral da
  • 21. 20 alfabetização que aqui apresentamos seja vinculada exclusivamente a uma única teoria, considerando que as teorizações, em geral, são parciais e se restringem a um só aspecto do fenômeno que tentam explicar. Prefere-se, então, um termo mais genérico, não comprometido com um modelo teórico específico, para evitar qualquer distorção de interpretação que leve a uma compreensão fragmentada do campo cognitivo da criança. Busca-se, com isso, deixar claro que não devem ser subestimadas dimensões imprescindíveis à totalidade do processo de alfabetização. Como se poderá observar, as capacidades serão descritas por procedimentos observáveis. Isso não significa, no entanto, que a proposta se reduza a uma taxonomia de objetivos comportamentais, a uma percepção imediatista de desempenhos ou a uma concepção estritamente empirista de ensino-aprendizagem. O que se valoriza aqui é a possibilidade de interpretação das capacidades da criança pelo professor, por meio de critérios capazes de sinalizar progressivos avanços no processo de alfabetização. Esses componentes "observáveis" deverão orientar as ações do professor na definição do tipo de abordagem que deve privilegiar no trabalho pedagógico. Em outras palavras, esses componentes podem auxiliar o professor a definir, tendo em vista as capacidades já desenvolvidas por seus alunos, o que ele deverá:  Introduzir, levando os alunos a se familiarizarem com conteúdo e conhecimentos (ou retomar eventualmente, quando se tratar de conceitos ou capacidades já consolidadas em período anterior);  Trabalhar sistematicamente, para favorecer o desenvolvimento pelos alunos;  Procurar consolidar no processo de aprendizagem dos alunos, sedimentando os avanços em seus conhecimentos e capacidades. É importante que esses tipos de abordagem das capacidades (Introduzir (I), trabalhar (T), consolidar (C), retomar (R)) sejam bem compreendidos, pois eles serão utilizados mais à frente, na distribuição das capacidades ao longo do período.
  • 22. 21 Supõe-se que a clareza de diagnósticos e avaliações do professor em relação a tais capacidades e abordagens propiciará a base para uma descrição dos desempenhos dos alunos e das condições necessárias à superação de descompassos e inconsistências em suas trajetórias ao longo dos três primeiros anos. Vê-se, aqui, mais uma vez, a importância que se atribui à sensibilidade e ao saber do professor no sentido de adequar a proposta à real situação de seus alunos. Espera-se que o docente – em conjunto com toda a escola - alie acuidade e disposição positiva para implementar esta proposta, atentando para as efetivas circunstâncias em que deverá desenvolver seu trabalho. Fonte: institutosingularidades.edu.br 5.2 Os eixos As capacidades selecionadas estão organizadas em torno dos eixos mais relevantes para a apropriação da língua escrita:  Compreensão e valorização da cultura escrita;  Apropriação do sistema de escrita;  Leitura;  Produção de textos escritos;
  • 23. 22 Desenvolvimento da oralidade As capacidades associadas a tais eixos ou campos serão objeto de sistematização. Todas elas serão abordadas da mesma maneira. Inicialmente, apresentam-se, num quadro, as capacidades mais gerais a serem desenvolvidas, distribuídas de acordo com os três primeiros anos da Educação Fundamental. Veja o exemplo no quadro. Fonte: images.slideplayer.com.br  A gradação dos tons de cinza: O tom mais claro significa que a capacidade deve ser introduzida, para possibilitar a familiarização dos alunos com os conhecimentos em foco, ou retomada, se já tiver sido objeto de ensino-aprendizagem em momentos anteriores. O médio significa que a capacidade deve ser trabalhada de maneira sistemática, com vista ao domínio pelos alunos. O tom mais escuro significa que a capacidade, tendo sido trabalhada sistematicamente, deve ser enfatizada de modo a assegurar sua consolidação.  As letras inseridas nas quadrículas: A letra I significa introduzir; a letra R, retomar; seu uso no quadro indica que a capacidade deve merecer ênfase menor, sendo ou introduzida ou retomada, conforme o caso (introduzir a novidade; retomar
  • 24. 23 eventualmente o que já tiver sido contemplado). A letra T significa trabalhar sistematicamente. A letra C, consolidar. 6 LÍNGUA E ENSINO DE LÍNGUA A língua é um sistema discursivo, isto é, um sistema que tem origem na interlocução e se organiza para funcionar na interlocução (inter+locução = ação linguística entre sujeitos). Esse sistema inclui regras vinculadas às relações das formas linguísticas entre si e às relações dessas formas com o contexto em que são usadas. Seu centro é, pois, a interação verbal, que se faz através de textos ou discursos, falados ou escritos. Partindo dessa concepção, uma proposta de ensino de língua deve valorizar o uso da língua nas diferentes situações sociais, com sua diversidade de funções e sua variedade de estilos e modos de falar. Para estar de acordo com essa concepção, é importante que o trabalho em sala de aula se organize em torno do uso e que privilegie a reflexão dos alunos sobre as diferentes possibilidades de emprego da língua. Isso implica, certamente, a rejeição de uma tradição de ensino apenas transmissiva, isto é, preocupada em oferecer ao aluno conceitos e regras prontos, que ele só tem que memorizar, e de uma perspectiva de aprendizagem centrada em automatismos e reproduções mecânicas. Por isso é que uma adequada proposta para o ensino de língua deve prever não só o desenvolvimento de capacidades necessárias às práticas de leitura e escrita, mas também de fala e escuta compreensiva em situações públicas (a própria aula é uma situação de uso público da língua).
  • 25. 24 Fonte: cariocaped.blogspot.com.br 7 ALFABETIZAÇÃO Historicamente, o conceito de alfabetização se identificou como ensino- aprendizado da "tecnologia da escrita", quer dizer, do sistema alfabético de escrita, o que, em linhas gerais, significa, na leitura, a capacidade de decodificar os sinais gráficos, transformando-os em "sons", e, na escrita, a capacidade de codificar os sons da fala, transformando-os em sinais gráficos. A partir dos anos 1980, o conceito de alfabetização foi ampliado com as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, particularmente com os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. De acordo com esses estudos, o aprendizado do sistema de escrita não se reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas (a decodificação e a codificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de representação.
  • 26. 25 Além das contribuições da psicogênese da escrita, o conceito de alfabetização também foi ampliado em decorrência das necessidades da vida social contemporânea, que mostraram as limitações do conceito compreendido apenas como o domínio das "primeiras letras". Progressivamente, o termo passou a designar o processo não apenas de ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita. O termo, alfabetizado, nesse quadro, passou a designar não apenas aquele que domina as correspondências grafo-fonêmicas, mas também utiliza esse domínio em situações sociais de uso da língua escrita. É diante dessas novas exigências que surgiu uma nova adjetivação para o termo –alfabetização funcional – criada com a finalidade de incorporar as habilidades de uso da leitura e da escrita e, posteriormente, a palavra letramento, com o surgimento dos termos letramento e alfabetização (ou alfabetismo) funcional, muitos pesquisadores passaram a distinguir alfabetização e letramento. Passaram a utilizar o termo alfabetização em seu sentido restrito, para designar o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e do funcionamento do sistema de escrita. Passaram, correspondentemente, a reservar os termos letramento ou, em alguns casos, alfabetismo funcional para designar os usos (e as competências de uso) da língua escrita. Outros pesquisadores tendem a utilizar apenas o termo alfabetização para significar tanto o domínio do sistema de escrita e das correspondências grafo fonêmicas quanto os usos da língua escrita em práticas sociais. Nesse caso, quando sentem a necessidade de estabelecer distinções, tendem a utilizar as expressões "aprendizado do sistema de escrita" e "aprendizado da linguagem escrita". Os termos "grafemas" e "fonemas” correspondem, aproximadamente, a "letra" e "som", usados na linguagem corrente
  • 27. 26 Fonte: dtoday.com.br 8 CONHECER COMO SE APRENDE PARA SABER COMO ENSINAR As pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1998) sobre a psicogênese da língua escrita demonstram como se constrói, em três níveis evolutivos, a compreensão do sistema alfabético de representação da língua, permitindo definir atividades e intervenções pedagógicas que favorecem a compreensão da escrita e da superação das dificuldades desta aprendizagem. Fonte: pedagogiaaopedaletra.com.br
  • 28. 27 8.1 Nível pré-silábico A criança não estabelece relações entre a escrita e a pronúncia. Nesta fase, ela expressa sua escrita através de desenhos, rabiscos e letras usadas aleatoriamente, sem repetição e com o critério de, no mínimo, três. Outra característica desta fase é o “realismo nominal”, que designa a impossibilidade de conceber a palavra e o objeto a que se refere como duas realidades distintas. Assim, a criança pensa que a palavra trem é maior que telefone, porque representa um objeto maior e mais pesado. A superação do realismo nominal, pela percepção de que a palavra escrita, não representa o objeto, mas seu nome, é indispensável para o sucesso na alfabetização. Conflito que levará ao próximo nível: a percepção de que há estabilidade nas palavras (há uma forma única para escrever corretamente cada palavra). Dicas: usar, na escrita, a letra de imprensa maiúscula (de forma ou bastão) favorece a percepção das unidades sonoras e diminui o esforço e as dificuldades psicomotoras. A letra manuscrita (cursiva) só deve ser introduzida quando a criança adquire a base alfabética. A alfabetização deve ser iniciada com palavras de significado para a criança, como seu próprio nome, e não com palavras pequenas (pá, pé, nó) ou com sílabas repetidas (babá, Lili). 8.2 Nível silábico A criança descobre a lógica da escrita, percebendo a correspondência entre a representação escrita das palavras e as propriedades sonoras das letras, usando, ao escrever, uma letra para cada emissão sonora. Conflito que levará ao próximo nível: impossibilidade de ler silabicamente o que os outros escrevem (sobram letras). A hipótese silábica é uma construção da criança e o treino descontextualizado e mecânico das sílabas não a favorece. O professor provocará o conflito que a possibilita com intervenções e atividades que ajudem a perceber a estabilidade da escrita convencional, no confronto com palavras já conhecidas (nomes dos colegas, produtos). Quando a criança lê o que escrever percorrendo a palavra com o dedo percebe que
  • 29. 28 sobram letras (hipótese pré-silábica) ou faltam (hipótese silábica), facilitando a construção da hipótese alfabética. 8.3 Nível alfabético Caracteriza-se pela correspondência entre fonemas e grafemas, quando a criança corresponde a organização e o funcionamento da escrita e começa a perceber que cada emissão sonora (sílaba) pode ser representada, na escrita, por uma ou mais letras. A base alfabética da escrita se constrói a partir do conflito criado pela impossibilidade de ler silabicamente a escrita padrão (sobram letras) e de ler a escrita silábica (faltam letras). Neste nível, a criança, embora já alfabetizada, escreve ainda foneticamente (como se pronuncia), registrando os sons da fala, sem considerar as normas ortográficas da escrita padrão e da segmentação das palavras na frase. Segundo Ferreiro e Teberosky. Aqui a criança já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores menores que a sílaba. Isto não quer dizer que todas as barreiras tenham sido superadas: a partir deste momento, a criança se defrontará com as dificuldades da ortografia, mas não terá mais problemas de escrita, no sentido estrito. (Ferreiro e Teberosky, 1998, p.15) Dicas: o tempo necessário para avançar de um nível para outro varia muito. A evolução pode ser facilitada pela atuação significativa do professor, sempre atento às necessidades observadas no desempenho de cada aluno, organizando atividades adequadas e colocando, oportunamente, os conflitos que conduzirão ao nível seguinte. O uso da metodologia contrastiva, permitindo que a criança confronte sua hipótese de escrita com a forma padrão (nos diversos materiais de leitura já conhecidos) é um importante recurso para a estabilização da escrita ortográfica. A sistematização do processo de alfabetização se dará ao longo dos anos subsequentes. Na medida em que o aluno adquire segurança no contato prazeroso, contextualizado e significativo com a língua escrita, sua leitura torna-se mais fluente e compreensiva. Por meio da leitura, o aluno assimila, aos poucos, as convenções
  • 30. 29 ortográficas e gramaticais, adquirindo competência escritora compatível com as exigências da escrita socialmente escrita. Desenvolve-se, assim, o gosto e o interesse pela leitura e a habilidade de inferir, interpretar e extrapolar as ideias do autor, formando- se o leitor crítico. A alfabetização plena, com qualidade, pressupõe e exige da escola:  Conhecer as crenças, o domínio teórico e a competência prática de seus professores;  Respeitar os professores e intervir construtivamente em sua prática, organizando grupos de estudo e análise de diferentes experiências, inclusive a própria (ação/reflexão/ação);  Conhecer diferentes teorias e processos de alfabetização, suas possibilidades de adaptação e resultados, para enriquecer a dinâmica de ensino e aprendizagem;  Ter claro que ler e escrever bem exige o prazer de fazê-lo e que, portanto, a aprendizagem deve ser “sedutora”, tendo o encantamento” como parte do processo;  Acompanhar e analisar o desempenho dos alunos egressos das turmas de alfabetização;  Definir e utilizar referenciais de enturmação coerentes e cientificamente aprovados, optando preferencialmente pela organização de turmas por critérios de idade, como tem sido recomendado pelas novas diretrizes legais;  Respeitar o aprendiz, seu contexto, suas vivências e necessidades, seus desejos e temores;  Acompanhar e verificar o progresso de cada aluno, observando e detectando dificuldades e oferecendo atividades específicas e intervenções positivas para sua superação;  Ter clareza de que esta superação depende da compreensão das estruturas linguísticas e não do treino pela repetição do modelo correto;  Definir estratégias de recuperação contínua da aprendizagem, garantindo o reforço necessário aos alunos mais carentes.
  • 31. 30 A escola assume compromisso com o sucesso do aluno a partir do momento em que aceita sua matrícula. Mas os fatores determinantes do fracasso ou do sucesso na alfabetização podem ter origem no contexto escolar, familiar e social. Daí porque a atuação da escola não pode ficar confinada às salas de aulas.Como instituição social, ela deve ser presença significativa na comunidade, envolvendo as famílias em sua proposta pedagógica, até porque a eficácia do trabalho educativo em sala de aula depende do conhecimento da realidade sociocultural dos alunos e do comprometimento das famílias com o processo de alfabetização de suas crianças. A seguir, serão descritas algumas práticas administrativas e orientações pedagógicas que podem favorecer o êxito do processo de alfabetização.  Prever, no planejamento escolar, como parte da dinâmica de matrícula: acolhida dos alunos novatos com programação de atividades lúdicas e agradáveis; informação da proposta pedagógica aos pais, em reuniões significativas, com textos e atividades participativas; circulares com orientações sobre como acompanhar e auxiliar os filhos e sobre como será feito o atendimento individualizado quando necessário;  Usar estratégias criteriosas e bem fundamentadas, em relação a: enturmação, remanejamento e aprovação, de maneira que não sejam discriminadoras ou excludentes. A escola produz fracasso ou sucesso quando, na busca da homogeneidade, seleciona, classifica, compara e rotula alunos;  Desenvolver, nos primeiros dias de aula, atividades artísticas, roda de conversa, hora do conto, recreação dirigida, jogos e brincadeiras cantadas, observando os alunos, para elencar o repertório de experiências, hábitos, atitudes, capacidades, habilidades, competências, conhecimentos e carências que trazem. Observar a linguagem oral tanto quanto a expressão gráfica, o relacionamento, a psicomotricidade, o interesse, a curiosidade e a criatividade;  Criar clima de confiança e ambiente acolhedor, conhecendo bem os alunos, para desenvolver o planejamento, adequando as atividades aos seus interesses, possibilidades e necessidades;  Ter entusiasmo e real envolvimento com as atividades e as turmas, contagiando e motivando os alunos para o empenho em realizar bem as tarefas;
  • 32. 31  Organizar as turmas em pequenos grupos para facilitar o respeito e o atendimento aos ritmos e diferenças individuais;  Utilizar atividades abertas e espontâneas, que desenvolvam a criatividade, a autonomia e a iniciativa, eliminando os modelos a serem copiados;  Desenvolver projetos de trabalho, com participação da turma, desde a definição do tema, no desenrolar das etapas, até sua culminância e avaliação, assegurando o empenho dos alunos em colaborar e seu compromisso com a expectativa dos resultados. Os projetos podem ser: específicos da turma, para atender a um interesse, problema, desejo, necessidade ou curiosidade; coletivos, para toda escola; como envolvimento da comunidade; em parceria com outras escolas e entidades; ou para estudo e intercâmbio de experiência entre os professores;  Valorizar cada tentativa do aluno, independentemente do nível de resultado, pois a experiência do sucesso aumenta a autoestima e garante a continuidade do esforço. Orientá-lo durante a produção, pela intervenção e mediação preventiva, tornando o “erro” observável para o aluno, que se incumbirá, ele mesmo, da correção, pela compreensão do processo. A correção posterior só tem efeito punitivo, desencorajando o aluno de novas tentativas;  Ter atitude preventiva, fornecendo as informações necessárias em cada situação, numa concepção construtiva de “erro” como hipótese provisória, como etapa do processo evolutivo a ser superada e não penalizada;  Ter clareza de que o êxito da alfabetização não depende de um método determinado nem do livro didático / cartilha, mas da postura, da segurança e do comprometimento do professor com o desempenho da turma. O importante é transformar a sala de aula, a biblioteca e toda a escola em ambiente alfabetizador, com material de leitura farto e diversificado;  Explorar literatura infantil, que oferece ricas oportunidades de interação com a língua escrita, além de sua função catártica para os conflitos inconscientes. Ouvir, dramatizar, ilustrar, recontar e reescrever histórias são atividades indispensáveis durante o processo de alfabetização, ao longo da primeira fase do ensino fundamental;
  • 33. 32  Atender, resolver, recuperar, imediata e adequadamente, com responsabilidade e criatividade as dificuldades que naturalmente aparecerão, para que não se transforme me problemas;  Prever, no planejamento, as competências a desenvolver e os níveis de desempenho a serem alcançados em cada etapa da escolaridade. Isto possibilitará o acompanhamento sistemático do desenvolvimento dos alunos, com indicadores de progresso facilmente observáveis, dispensando um processo de avaliação formal com testes, provas e notas que inibem e discriminam os alunos mais carentes, frustrando-os e rotulando-os como fracos. A eficácia do trabalho educativo em sala de aula, depende do conhecimento da realidade sociocultural dos alunos e do comprometimento das famílias com o processo de alfabetização. É possível e necessário estar aberto às transformações, buscando novas formas de tornar eficaz e prazeroso o processo de alfabetização. É preciso querer que cada aluno matriculado seja respeitado como cidadão com direito à aquisição de competências como leitor e escritor. 8.4 Uma concepção social da escrita na alfabetização A alfabetização de crianças continua a ser um grande desafio para a sociedade brasileira, em geral, e para o educador, em particular. Entre várias contribuições para a reflexão nesse campo, as que se centram nas concepções da escrita são muito relevantes, uma vez que trazem nos matizes e dimensões para questões importantes do cotidiano pedagógico, como a dificuldade na aprendizagem e a progressão no ensino, as quais incidem em decisões sobre que materiais didáticos utilizar, como escolher textos, o que ensinar primeiro. O capítulo explora as consequências de se adotar uma concepção social da escrita na alfabetização em contraste com uma concepção tradicional, que considera a aprendizagem de leitura e produção textual como a aprendizagem de habilidades individuais.
  • 34. 33 A concepção de escrita que se tem mostrado mais produtiva na alfabetização de crianças é a que enfatiza a dimensão social, tanto da aprendizagem de leitura e produção de textos quanto do uso dos materiais escritos. Por dimensão social estamos entendendo o caráter não-individual do processo. A concepção tradicional da escrita considera ler e escrever como habilidades individualmente adquiridas, independentemente da situação, da época e do grupo social. no ensino, é essa a concepção que tem orientado o livro didático e também o professor. E, quando se enfatiza a dimensão individual, a atenção recai principalmente sobre a aprendizagem do alfabeto para a formação de palavras e frases, sem que se considerem os usos e as funções sociais do tipo de texto que se está lendo ou escrevendo. A concepção que enfatiza a dimensão social não está apenas preocupada com o domínio das letras por cada aluno. Considera-se que esse aspecto corresponde apenas aos aspectos de instrumentação: se o sujeito conhecer as funções sociais dos textos escritos, perceberá a necessidade de adquirir o código para poder ler e escrever independentemente. Se, por outro lado, o sujeito não conhecer as funções sociais de um texto, a aquisição do alfabeto passará a ser uma habilidade necessária para ler e escrever os textos escolares, os quais nem sempre refletem a diversidade textual de fora da escola. Como, na prática social, o aluno depara-se com textos não-simplificados, na sala de aula é preciso pensar como pode ocorrer a facilitação para que ele consiga vencer os obstáculos. A resposta, na concepção que enfatiza o social, é que a facilitação só poderá ocorrer por meio do trabalho colaborativo com o professor e os colegas. Por exemplo, se os alunos estiverem interessados na leitura de um manual para inscrição em um concurso, a facilitação será dada, por um lado, pela ajuda do professor na ativação e na utilização de conhecimentos relevantes para caracterizar o texto e sua função e, por outro lado, pela identificação de pistas para decifração e inferência das informações desejadas. De forma semelhante, se um aluno quiser reclamar de um serviço público qualquer, o processo de escrever uma carta de reclamação, por exemplo, será facilitado pelo fornecimento de modelos de carta de reclamação pelo professor para que a turma possa encontrar os meios linguísticos e textuais necessários à transposição, para a
  • 35. 34 escrita, dos conteúdos trazidos pelo reclamante. Como se pode depreender desses exemplos, quando se enfatiza a dimensão social da escrita, a atenção recai nas práticas de utilização da leitura e da escrita de textos em diferentes situações comunicativas. A mudança na concepção da escrita acarreta também mudança nos critérios para avaliação de dificuldades de ensino e aprendizagem e, consequentemente, nos critérios para a progressão didática. No ensino da leitura, o conceito de dificuldade passa a ser relativo não só a correspondência letra-som, mas, sobretudo, à familiaridade do aluno com um determinado tipo de texto. Em contextos urbanos, por exemplo, é comum o alfabetizando saber reconhecer um jornal e uma notícia de jornal, bem como conhecer suas funções, mesmo sem saber decifrar o texto. É possível, pois, escolher a notícia de jornal como ponto de partida e suporte do trabalho pedagógico. As letras, as sílabas e as palavras são ensinadas a partir da manchete do jornal ou do título da notícia, através da observação e da identificação dos elementos que compõem a frase e as palavras. Segundo essa lógica, as chamadas “dificuldades ortográficas”, que sempre são deixadas para depois, por serem consideradas como problemáticas, podem aparecer em qualquer etapa do processo, desde que sejam apreendidas globalmente em um contexto significativo para o aluno. A título de ilustração, o dígrafo, o ditongo e o encontro consonantal existentes em uma manchete como O salário mínimo no Brasil é uma vergonha não impedirão sua escolha para o trabalho de sala de aula, se esse for um assunto de interesse dos alunos e em discussão na sociedade naquele momento. O trabalho pedagógico pode chegar à observação e à decomposição de elementos do título (palavras, sílabas) como um dos meios de sistematização e memorização do código. Não se pode esquecer que a memorização de qualquer um desses elementos é facilitada pelo fato de ocorrer em contextos significativos. Os textos podem vir, nesse caso, de redes mnemônicas. Entretanto, como já apontado, o ensino e a sistematização do código decorrem de uma prática de leitura coletiva e colaborativa que visa à ação independente, individual, de um aluno que já conhece a função e o uso dos textos lidos. Na produção escrita, um critério importante para a avaliação de dificuldades de ensino e aprendizagem é a familiaridade do aluno com o texto e com sua função na
  • 36. 35 sociedade. Assim, mesmo em um contexto não-urbano, é possível escolher o bilhete ou a carta como ponto de partida e suporte do trabalho pedagógico antes de o aluno saber escrever sequer uma frase. A dificuldade individual é reduzida, na medida em que o texto é construído coletivamente sob a orientação do professor. O trabalho individual do aluno consistirá em tentativas de transcrição e composição do texto que está sendo construído. Uma outra alternativa é a escolha do relato pessoal como ponto de partida para favorecer a expressão subjetiva (opiniões, desejos, reflexões) em uma estrutura textual que se aproxima das estruturas orais mais familiares. Pode-se objetar que, se o aluno analfabeto não tem, por definição, familiaridade com o código, qualquer tipo de texto é ilegível para ele. Em primeiro lugar, deve-se considerar que, hoje em dia, são raras as comunidades suficientemente isoladas para não terem nenhum contato com a escrita, mesmo que pela mídia audiovisual (rádio e televisão). Desse modo, embora o aluno nunca tenha visto um poema, uma trova ou uma rima escritos, por exemplo, ele pode tê-los ouvido e até memorizado e, portanto, ter familiaridade com esse tipo de texto. Em segundo lugar, a literatura especializada já mostrou que a leitura não se faz letra a letra ou sílaba a sílaba, mas por blocos maiores. Em vez de o aluno ter que juntar as letras Q, U e E para poder ler a palavra QUE, por exemplo, ele deveria ser capaz de reconhecer de uma só vez a palavra pela sua forma global, sua posição e sua função relacional no bloco. O que tornaria o texto ilegível, justamente, seria a leitura de unidades tão pequenas como a letra e a sílaba. 8.5 Um novo conceito: letramento Resumindo, no enfoque tradicional, a pergunta para o professor é sempre qual a sequência mais adequada da apresentação das letras para formarem sílabas, das sílabas para formarem palavras e das palavras para formarem frases. No enfoque socialmente contextualizado, conhecido na literatura como relacionado aos estudos do letramento, a pergunta seria: quais os textos significativos para a comunidade e para o aluno? É importante, então, que o professor conheça o contexto cultural de seus alunos e os modos de produção e de circulação da grande variedade de textos valorizados pela
  • 37. 36 sociedade. É tão importante saber ler e escrever uma carta, quanto consultar uma lista telefônica, tomar notas, fazer um resumo, ler um editorial ou uma crônica. As habilidades e os conhecimentos envolvidos em cada uma dessas atividades não são necessariamente os mesmos, e a alfabetização deve contemplar tudo isso. A questão da progressão didática e da dificuldade no processo de ensino e aprendizagem coloca-se em relação à familiaridade do aluno com o texto, ou seja, com o tratamento do tema, o modo de estruturação do texto e o estilo do autor. Quanto mais familiaridade o aluno adquirir com cada um desses elementos, mais fáceis vão-se tornando a leitura e a escrita para ele. Isso quer dizer que a aula deve estar orientada para a prática sistemática da leitura e da escrita: aprende-se a ler lendo e escrever escrevendo. Nessa perspectiva, o trabalho pedagógico incidirá sobre a escolha e o modo de tratamento dos textos. Do ponto de vista do professor, a grande vantagem do enfoque socialmente contextualizado é da autonomia no planejamento das unidades de ensino e na escolha de materiais didáticos. E, da mesma forma como os alfabetizandos e adultos devem ser estimulados a trabalhar em conjunto em sala de aula, o professor também precisará trabalhar em conjunto com seus pares na escola para que possa aproveitar melhor a própria experiência e a de seus colegas e, principalmente, para que possa discutir e aprofundar os problemas e as alternativas que forem apresentando-se no decorrer do processo de ensino e de aprendizagem. Esse enfoque permite ao professor assumir o papel de regente, isto é, de alguém que organiza e sistematiza os esforços e os recursos individuais em função de um objetivo comum. 8.6 Alfabetização: reflexão/avaliação/informação A educação, cada vez mais subordinada ao mercado de trabalho, é “levada” a cuidar do perfil do futuro cidadão, preparando-o para adaptar-se às contínuas e crescentes mudanças tecnológicas com base em competências e habilidades que satisfaçam às necessidades do mercado extremamente competitivo.
  • 38. 37 O paradigma da qualidade total tem íntima ligação com o modelo conservador que o gerou. Embora traga consigo valores defendidos por escolas que têm como meta educar para a transformação – espírito de equipe, cooperação, solidariedade, integração ao grupo, pertencimento ao grupo, só que a qualidade total deturpa valores. Frente a um discurso que ganha hegemonia em todos os segmentos da sociedade, faz-se necessário ficarmos atentos para perceber as artimanhas das propostas que se apresentam como boas ou salvadoras. Urge que os educadores se disponham a discutir com seriedade sobre o que deve mudar e como mudar os rumos da educação. Como assinala Silva: “Cremos haver um caminho, o da reflexão/avaliação/informação, ligado à realidade escolar, contando com a participação efetiva dos educadores atuantes, que articulem/orientem a elaboração de um projeto educativo e de sociedade a partir daí buscando uma prática coerente com o ideal traçado neste projeto participativo, com vistas aos ideais de sociedade que desejam ajudar a construir. ” (Silva, 1999, p.75). Silva (1999) acredita que a tradição democrática se contrapõe à visão conservadora e autoritária de educação e que uma visão democrática da qualidade em educação deve se concentrar não apenas na questão de sua distribuição, mas também no questionamento daquilo que é distribuído. Então, se a distribuição é malfeita e o que é distribuído é melhor para uns que para os outros, não podemos esquecer que não existe qualidade, já que isso se chama “privilégio” e “discriminação”. Em se tratando de educação, não se pode pensar qualidade de forma neutra, acrítica, abstrata. Há que se pensar no contexto social concreto, no tipo de homem concreto que a escola deseja formar e nos valores com os quais ela se acha comprometida. A qualidade que tem sido pregada/divulgada mostra que há ganhos em termos de melhoria das instalações, de aumento do número de horas de aula, de infraestrutura, de equipamentos. Falta, no entanto, ganho pedagógico. As escolas, em sua maioria, não estão preparadas para garantir melhoria na qualidade do processo ensino-aprendizagem, despendem mais energia com rotinas administrativas e deixam de lado a gestão pedagógica. Proporcionam mudanças nos detalhes exteriores sem, contudo, provocar
  • 39. 38 mudanças internas nas condições de aprendizagem dos alunos, no sentido de colocar em prática novas ideias e novas alternativas de ensino. Moraes chama a atenção para o fato de as ações implementadas não estarem provocando mudanças importantes no processo ensino-aprendizagem, mas perpetuando o velho ensino: “Em nosso cotidiano, aprendemos que não se muda um paradigma educacional colocando uma nova roupagem, camuflando velhas teorias, pintando a fachada da escola, colocando telas nas salas de aula, se o aluno continua na posição de mero espectador, de simples receptor, presenciador e copiador, e se os recursos tecnológicos pouco fazem para ampliar a cognição humana. ” (Moraes, 1997, p.17) A característica marcante do fazer pedagógico continua sendo a transmissão dos conteúdos necessários para o futuro exame vestibular e preparação para o mercado de trabalho. Portanto, a educação de nosso país continua seletiva e reforçadora de desigualdades. Podemos dizer que a questão da qualidade está associada aos seguintes pressupostos: Boa administração: gerenciar de forma eficiente os recursos existentes é importantíssimo, tanto para o setor privado quanto para o público, mas, sobretudo, deve existir uma gestão verdadeiramente democrática; Formação contínua dos profissionais, que nem sempre se formaram ou se formam parta assumir com eficiência uma tarefa pedagógica de qualidade; Libertação da ideia de que a finalidade da educação é preparar para o mercado de trabalho. Sabemos que o sistema neoliberal, responsável pela estruturação do mercado globalizado, é o mentor da ideia de que a educação deve atrelar-se às necessidades do mercado. Portanto, caminhar na dinâmica de preparar para o vestibular e o mercado de trabalho é estar a serviço desse sistema, o que implica entrar na ciranda de formar nossas crianças para um desempenho competitivo, brutalmente seletivo e discriminador.
  • 40. 39 Fazem-se necessárias mudanças na realidade educacional e estas não deveriam partir de determinações de instâncias superiores, mas do desejo e compromisso dos responsáveis pela execução dos projetos. Daí a necessidade de se ampliarem os espaços de discussão entre os educadores sobre a temática da Qualidade em Educação. É preciso dar um passo de qualidade para atender às necessidades da sociedade futura, o que exige abandono de certas crenças e mudança radical na relação saber- aprendizagem. Só assim, nossos olhos poderão contemplar a realidade de sujeitos da história: cidadãos preparados com o processo de transformação da sociedade, utilizando o saber para questionar o mundo e para gerar sinais de vida; adeptos da política de inclusão, justiça e solidariedade, tão propalada no discurso dos políticos, porém tão distante da realidade. Entendemos que, para uma Educação de Qualidade, faz-se necessário construir um projeto político-pedagógico para a educação brasileira, pautado pela construção da cidadania, pela participação democrática e pela necessidade da socialização do saber. Com isso, estamos objetivando o resgate dos valores éticos e humanos, a efetiva participação no processo de construção de uma nova sociedade e a eliminação do caráter dual de nosso sistema educacional. Este seria, sem dúvida, um efetivo avanço da Qualidade Total para a Qualidade Social. 8.7 A relação social no processo de aprendizagem Piaget (1998) esclarece a importância da relação social no processo de aprendizagem. A inteligência humana somente desenvolve no indivíduo em função de suas interações sociais. Os fundamentos sociointeracionistas de Vygotsky (1997) também alertam sobre a importância da relação do indivíduo com o mundo, pois é nesse espaço exterior que as funções superiores se originam. Para a construção do conhecimento há a necessidade de um processo contínuo de relações pedagógicas. Estas interações pedagógicas se relacionam com metodologias de ensino, relação professor/aluno, conteúdos e avaliação. A construção do conhecimento é um fator responsável pelo sucesso do aluno na escola. É preciso entender como o aluno se organiza e atua para aprender.
  • 41. 40 Nesta construção de conhecimento, encontra-se o que se entende por aprendizagem significativa. Denomina-se a aprendizagem significativa quando corresponde às reais necessidades e interesses dos alunos. As hipóteses formuladas estão de acordo com a atividade do próprio aluno, com o aluno pensante. Ele aprende um conteúdo, um conceito, explica um fenômeno, resolve problemas, adquire normas de comportamento e valores. Nesta perspectiva, o aluno é capaz de atribuir aos conhecimentos sentido e significado, estabelecendo relações entre o que aprende e o que conhece. A construção do conhecimento é processo de elaboração pessoal. É o aluno construtor do conhecimento. O professor é o mediador que orienta esta construção, orientando-o numa direção. O pensamento é um dos grandes ausentes no trabalho de nossos alunos. Na realidade, na maior parte do tempo transcorrido nas aulas, o que lhes solicitamos é atenção para a reprodução mecânica, aplicação de regras e de normas, repetições a críticas do que o texto ou o professor afirmam, aproximações do que se considera correto ou, inclusive, verdadeiro. Copiar modelos, resolver os problemas da forma correta, fornecer a resposta correta. Submissão, pensamento único. No entanto, o conhecimento da realidade exige a consideração de opções distintas, a formulação de hipóteses, a decisão e a comparação dos resultados para retroceder ou avançar, a escuta atenta do que é distinto ou divergente, do que é novo. Basta que se leiam jornais diferentes para saber até que ponto uma mesma notícia pode ser transmitida de diversas maneiras, às vezes, contraditórias. A literatura que permanece e é clássica não é a que seguiu modelos e conceitos já experimentados, e sim a que abriu novas possibilidades para compreender os seres humanos. Há mil formas para expressar cores, sensações ou ideias, para expressar as necessidades do homem. A riqueza é a diversidade, e nossa escola tende a confundir modelos com repetição. Uma atividade de alfabetização valiosíssima é a reescrita de textos. Olhamos, falamos e explicamos um conto e voltamos a falar sobre ele, recapitulamos, analisamos e comentamos. Depois, pedimos aos alunos, sozinhos, em duplas ou em pequenos grupos, que voltem a escrevê-lo à sua maneira.
  • 42. 41 O conto original proporciona o esqueleto ou a estrutura que arma o pensamento, mas cada aluno contribui com seu modo peculiar de entendê-lo e de expressá-lo. Na escrita compartilhada, cada frase deve resultar do acordo entre opiniões distintas. Uma vez que a estrutura narrativa tenha ficado clara, a atenção pode centrar-se na linguagem, nas diferentes formas de expressão, nas palavras e frases opcionais que se pode escolher. Na verdade, centrar-se no que é a escrita dos escritores, e não dos escreventes, ou seja, a criação. Alfabetizar-se é um processo que tem tido seu sentido ampliado no decorrer dos tempos. O conhecimento histórico das diferentes formas de escrita e da escrita e da sua inserção na cultura em que surgiram e desenvolveram-se tem-nos mostrado a íntima relação existente entre a alfabetização e a cultura. A ideia de que estamos em um processo contínuo de alfabetização por toda a vida, conhecendo novos gêneros literários, novos estilos e novas linguagens, tem adquirido grande força nestes últimos anos. A alfabetização permitirá ao aluno a aprender a ler pensando, estabelecendo e descobrindo relações, organizando um sistema. A alfabetização se dá num processo natural desde o momento que considerarmos a construção do conhecimento. O uso da leitura será mais tranquilo, produtivo e importante se a criança for levada para o mundo da leitura através de seu uso social, isto é, contextualizada. A leitura será espontânea, quando os materiais usados forem jornais, revistas, bulas, embalagens de produtos usados em casa. O papel do professor é marcante neste período de construção da leitura. O professor deve selecionar atividades e tarefas que sejam realmente significativas para os alunos. As crianças diferem entre si. Por isto, não se pode esperar que todas se desenvolvam ao mesmo tempo e do mesmo modo na aquisição de habilidades de leitura e escrita. Um bom programa organiza atividades diferentes, em épocas e situações diversas, procurando atender às necessidades de todas as crianças. A linguagem está diretamente ligada aos interesses e experiências da criança, desenvolvendo-se em situações normais de comunicação, na classe e fora dela. A linguagem é a expressão do pensamento. Se a linguagem é a expressão do pensamento o que a escola deve pensar? Ela é considerada não só expressão do pensamento, não
  • 43. 42 só forma de comunicação, mas é também forma de interação entre os indivíduos numa sociedade. A escola tem que preparar os indivíduos para o desempenho das funções sociais, a partir do desenvolvimento de suas aptidões, adaptando aos valores da sociedade, através de seu desenvolvimento da cultura individual. Por isso, as atividades devem estar centradas na percepção de convívio social, desenvolvendo a consciência de nossas construções e trocas simbólicas, não pela anulação das diferenças, mas pela melhor inserção num espaço próprio delas, que é muitas vezes o espaço do diálogo e das conexões. Em nossa sociedade, fala-se para informar, para persuadir, para manter contato com os interlocutores. Fala-se para conhecidos ou para um grande público; narram-se histórias, dialoga-se. Também se escreve cartas ou bilhetes, telegramas, anúncios, requerimentos, relatórios para destinatários variados. Alguns chegam a escrever reportagens, ensaios, poemas, crônicas, contos, novelas. Cabe ao professor repensar o processo de produção de textos, criando condições e oportunidades para o aluno formar estruturas mentais, relacionando pensamentos, formando sua própria visão do mundo, desenvolvendo seu espírito crítico, criativo e ao aluno cabe entender o para quê e o porquê de fazer uma produção de texto. O início do aprendizado da escrita, como também da leitura, define-se na compreensão dos usos e valores da escrita e da leitura em sociedade. O verdadeiro leitor e escritor é aquele que exerce a leitura e a escrita, sabe porque o faz, escolhe o que quer ler e escrever e estabelece destinatários para suas produções. Vale ressaltar o papel do professor no desempenho de seus múltiplos papéis como encorajador de seus alunos, levando-os a ler com independência e senso crítico, ajudando-os ao mesmo tempo, a descobrir as motivações mais íntimas para ler: o porquê da leitura. E é esta motivação que dará sentido ao ato de ler e desenvolverá no aluno uma atitude positiva em relação à leitura e a facilidade que isso proporcionará para as produções de texto e estas atitudes extrapolarão o muro da escola e o acompanhará por toda a vida. Uma das tarefas da escola é estimular e orientar o aluno na produção dos textos, que a sociedade dele exija ou que satisfaçam aos seus próprios desejos de comunicação
  • 44. 43 verbal. E essa orientação só adquire sentido para o aluno se estão para ele determinados com clareza, o objetivo, o destinatário e o assunto do texto. Os processos de aprendizagem devem ser dinâmicos, concomitantes e interativos. O planejamento das atividades indica as possibilidades de avanço dos conteúdos ou a retomada de objetivos não plenamente alcançados. A escola prepara o aluno para a participação ativa na democratização da sociedade, através de aquisição de conhecimentos básicos, que representam domínios de conhecimento relativamente autônomos, constantemente reavaliados, face à realidade social. Fonte: mochilaecia.com.br 9 COMO SE APRENDE A LER E ESCREVER OU, PRONTIDÃO, UM PROBLEMA MAL COLOCADO 9.1 A criança e seu processo de alfabetização As pesquisas sobre o processo de alfabetização vêm mostrando que, para poder se apropriar do nosso sistema de representação da escrita, a criança precisa construir respostas para duas questões:
  • 45. 44  O que a escrita representa?  Qual a estrutura do modo de representação da escrita? A escola considera evidente que a escrita é “um sistema de signos que expressam sons individuais da fala” (Gelb, 1976) e supõe que também para a criança isso seja dado a priori. Mas não é. No início do processo toda criança supõe que a escrita é uma outra forma de desenhar as coisas. Vamos dar alguns exemplos que o professor pode reconhecer, na sua prática diária, mas não tinha até então como interpretar. Pediu-se a uma criança, que aprendeu a reproduzir a forma escrita do nome de sua mãe (Dalva), que escrevesse a palavra “mamãe”, cuja forma ela não conhecia. Ela escreveu, com convicção, “Dalva”. E, questionada em relação à inadequação da sua escrita, ficou perplexa com a incapacidade adulta de compreender uma coisa tão evidente, isto é, que Dalva e mamãe são a mesma pessoa e, portanto, a mesma escrita. O que a criança não compreende é que a escrita representa a fala, o som das palavras e não o objeto a que o nome se refere. De uma pesquisa realizada em Recife, reproduzimos as seguintes informações da entrevista ocorrida no início do ano letivo com uma criança cursando pela primeira vez a 1ª série: “Diante do par de palavras BOI/ARANHA” Experimentador: Nestes cartões estão escritas duas palavras: boi e aranha. Onde você acha que está escrito boi e onde está escrito aranha? Criança: Aqui está escrito boi (apontando para a palavra aranha) e aqui está escrito aranha (apontando para a palavra boi). Experimentador: Por que você acha que aqui (BOI) está escrito aranha e aqui (ARANHA) está escrito boi? Criança: Porque essa daqui tá pequena e esse daqui tá grande. Tia me ensinou que boi começa com A. Vê-se, portanto, aqui, o divórcio entre o conhecimento da letra e as hipóteses dessa criança a respeito da escrita. Para ela, a escrita devia conformar-se à sua concepção ainda realística da palavra, ou seja, coisas grandes têm nomes grandes e coisas pequenas têm nomes pequenos”.
  • 46. 45 Mas o fato é que, em vez de confirmar, a realidade, dentro e fora da escola, desmente seguidamente a teoria que a criança construiu sobre o que a escrita representa. Desmente e problematiza, obrigando a criança a construir uma nova teoria, novas hipóteses. Ao começar a se dar conta das características formais da escrita, a criança constrói então duas hipóteses que vão acompanhá-la por algum tempo durante o processo de alfabetização:  De que é preciso um número mínimo de letras – entre 2 e 4 – para que esteja escrito alguma coisa e,  De que é preciso um mínimo de variedade de caracteres para que uma série de letras “sirva para ler”. De início, a criança não faz uma diferenciação clara entre o sistema de representação do desenho (pictográfico) e o da escrita (alfabético), como se pode observar de Reginaldo.
  • 47. 46 O contato, no universo urbano, com os dois sistemas – da escrita e do desenho – permite estabelecer progressivamente essa diferenciação. Mas, mesmo quando a criança já tem claro que “desenha-se com figuras” e “escreve-se com letras”, a natureza do sistema alfabético ainda permanece um mistério a ser desvendado. Ainda antes de supor a escrita como representação da fala da criança faz várias tentativas de construir um sistema que se assemelhe formalmente à escrita adulta buscando registrar as diferenças entre as palavras através de diferenças na quantidade, na posição e na variação dos caracteres empregados para escrevê-las. Veja a escrita da Edinilda (22/8/84).
  • 48. 47 Edinilda avançou mais que Reginaldo. Ela supõe que "escreve-se com letras”, mas ainda não descobriu que as letras representam sons. Sua hipótese – é preciso uma hipótese para produzir qualquer escrita– poderia ser descrita assim: Para escrever (qualquer coisa) é preciso de sete a nove letras (o nome dela tem oito letras). Mas não podem ser sempre as mesmas letras, nem na mesma posição. Por isso ela varia o máximo que pode dentro do seu limitado repertório, o que, às vezes, exige que ela invente algumas. Edinilda já percebeu que a palavras diferentes correspondem escritas diferentes, mas não sabe a que atribuir essas diferenças, pois não descobriu ainda o que é que as letras representam. Enquanto não encontra respostas satisfatórias para as duas perguntas fundamentais: “o que a escrita representa?" e "qual a estrutura do modo de representação da escrita?”, a criança continua pensando e tentando adequar suas hipóteses às informações que recebe do mundo. A descoberta de que a escrita representa a fala leva a criança a formular uma hipótese ao mesmo tempo falsa e necessária: a hipótese silábica. 9.2 A hipótese silábica A hipótese silábica é um salto qualitativo, uma daquelas "grandes reestruturações globais" de que nos fala Piaget. Um salto qualitativo tornado possível pelo acirramento das contradições entre as hipóteses anteriores da criança e as informações que a realidade lhe oferece. O que caracteriza a hipótese silábica é a crença de que cada letra representa uma sílaba– a menor unidade de emissão sonora. Veja, a seguir, três amostras de escrita silábica.
  • 49. 48 A hipótese com a qual essa menina trabalha é a de que cada letra representa uma emissão sonora, isto é, uma sílaba oral. É o tipo de escrita que Emília Ferreiro chama silábica estrita. Cleonilda demonstra um razoável conhecimento do valor sonoro convencional das letras que, no entanto, ela adapta às necessidades de sua hipótese conceitual. A vogal “O”, por exemplo, vale"TO" em gato,"BOR" e "BO" em borboleta,"LO" em cavalo e novamente "BO" em boi.
  • 50. 49 A escrita desse menino também é silábica .Mas, no caso dele, essa hipótese entra em conflito com outra: a hipótese da quantidade mínima de caracteres para que um conjunto de letras possa ser considerado uma palavra (no início do processo de alfabetização, as crianças supõem que uma única letra "não serve para ler”; o que varia de uma para outra é o número de letras tido como mínimo, em geral entre duas e quatro).O Lourivaldo exige três letras no mínimo, o que cria um problema na escrita dos monossílabos e dissílabos. A solução que ele encontrou foi agregar letras sem valor sonoro às palavras com menos de três sílabas, o que acabou criando, em "gato" e "boi”, uma discrepância entre a intenção da escrita e a interpretação da leitura: na escrita a letra muda era a terceira, mas na hora de ler preferiu considerar como muda a letra do meio. Há também preocupação com o valor sonoro convencional.
  • 51. 50 Esta é uma escrita silábica bem mais difícil de reconhecer que as anteriores. Mas nesse caso é o conhecimento que a professora construiu observando a criança que possibilita a interpretação. Daniel estava vivendo um momento de conflito cognitivo. Vinha testando sua hipótese silábica em todas as palavras a que tinha acesso, isto é, todas as que alguém lia para ele, e ficava visivelmente aflito com as letras que sobravam. A forma que encontrou de acomodar a situação foi agregar letras mudas no final, mas esse arranjo não era, de modo algum, satisfatório. Seu desconforto durante a atividade era visível: recusou-se a ler "borboleta" e "boi" e foi preciso insistir muito para que lesse "cavalo “e "gato". Dissemos que a hipótese silábica é falsa e necessária. Vamos analisar as duas partes dessa afirmação. Em primeiro lugar, a questão da falsidade. Supor que cada letra representa uma sílaba é falso com relação à concepção adulta da escrita, à convenção social, que é alfabética. Mas não resta dúvida de que é muito mais verdadeira que as hipóteses anteriores. Ela dá uma resposta verdadeira à primeira questão: “O que a escrita representa?”. O salto qualitativo é a descoberta de que a escrita representa os sons da fala. Junto com a compreensão da natureza do objeto representado emerge a necessidade de estabelecer um critério de correspondência. Não é mais possível à criança atribuir globalmente a palavra falada à sua escrita. Impõe-se a necessidade de partir tanto a fala quanto a escrita, e fazer corresponder as duas séries de fragmentos. Nesse esforço, a criança comete um erro: supõe que a menor unidade da língua é a sílaba. Um "erro" aliás muito lógico, se pensarmos na impossibilidade de emitir o fonema isolado. A hipótese silábica é, então, parcialmente falsa, mas necessária. Necessária como são necessários "erros construtivos" no caminho em direção ao conhecimento objetivo. As pesquisas de Emília Ferreiro, em 1982, com novecentas crianças que cursavam pela primeira vez a 1ªsérie da escola pública em várias cidades do México, mostram que mais ou menos 85% das crianças estudadas que aprenderam a ler utilizavam a hipótese silábica, em pelo menos uma das quatro entrevistas realizadas durante o ano. Isto é, a maioria das crianças precisou desse "erro construtivo" para chegar ao sistema alfabético. Como o intervalo entre as entrevistas era de 60 a 80 dias, fica difícil saber se os 15% restantes passaram ou não por esse erro construtivo. Mas
  • 52. 51 uma coisa é certa: é impossível chegar à compreensão do sistema alfabético da escrita sem descobrir, em algum momento, que o que a escrita representa é a fala. Mas, no processo de alfabetização, a hipótese silábica é, ao mesmo tempo, um grande avanço conceitual e uma enorme fonte de conflito cognitivo. "No entanto, a hipótese silábica cria suas próprias condições de contradição: contradição entre o controle silábico e a quantidade mínima de letras que uma escrita deve possuir para ser interpretável (por exemplo, o monossílabo deveria se escrever com uma única letra, mas quando se coloca uma letra só, o escrito 'não pode ser lido’, ou seja, não é interpretável);além disso, há contradição entre a interpretação silábica e as escritas produzidas pelos adultos (que têm sempre mais letras do que as que a hipótese silábica permite antecipar). No mesmo período– embora não necessariamente ao mesmo tempo – as letras podem começar a adquirir valores sonoros (silábicos) relativamente estáveis, o que leva a uma correspondência com o eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes entre as palavras começam a se exprimir por letras semelhantes. E isto também gera suas formas particulares de conflito." (Emília Ferreiro). Imaginem como fica conflitante para a criança defrontar-se com o fato de que, por exemplo, sua escrita para "pato" (AO) ficou igual à que ela produziu para "gato”. Vocês devem estar se perguntando por que isso não foi percebido até então, não se tornou observável antes. A resposta é que não podíamos "ver" a escrita silábica por razões semelhantes à de que a humanidade não pôde rever a ideia de uma Terra plana enquanto não admitiu que esta é que girava em torno do Sol, e não o contrário. Foi necessária uma concepção dialética do processo de aprendizagem, uma concepção que permitisse ver a ação do aprendiz construindo o seu conhecimento, onde o professor aparece não mais como o que controla a aprendizagem do aluno, e sim como um mediador entre aquele que aprende e o conteúdo a ser aprendido. Só a partir desse novo referencial é possível imaginar que a criança aprenda algo que não foi ensinado pelo professor. 9.3 A caminho da hipótese alfabética Vamos recapitular para não perder o fio. Vimos emergir das pesquisas uma criança que se esforça para compreender a escrita. Que começa diferenciando o sistema de
  • 53. 52 representação da escrita do sistema de representação do desenho. Que tenta várias abordagens globais, numa busca consistente da lógica do sistema, até descobrir – o que implica uma mudança violenta de critérios– que a escrita não representa o objeto a que se refere, e sim o desenho sonoro do seu nome. Que nesse momento costuma aparecer uma hipótese conceitual que atribui a cada letra escrita uma sílaba oral. Que essa hipótese gera inúmeros conflitos cognitivos, tanto com as informações que recebe do mundo como com as hipóteses de quantidade e variedade mínima de caracteres construídas pela própria criança. Veja a seguir as amostras de escrita da Cleonilda, do Lourivaldo e do Daniel, de 22/8/84, nas quais isso aparece com clareza.
  • 54. 53 Daniel escreve alfabeticamente as palavras, mas regride ao nível silábico- alfabético (de transição) na frase. É possível que isso tenha acontecido porque estava preocupado com a separação das palavras. Foi o único que não escreveu tudo junto, como seria normal. O que é coerente com seu estilo: muito atento à forma adulta de escrever, buscando sempre reproduzir suas características, mesmo sem compreender. As escritas silábica e silábico-alfabética têm sido encaradas como patológicas pela escola que não dispõe de conhecimento para perceber seu caráter evolutivo. Se o professor compreende a hipótese com que a criança está trabalhando, passa a ser possível problematizá-la, acirrar – através de informações adequadas – as contradições que vão gerar os avanços necessários para a compreensão do sistema alfabético. E foi isso que aconteceu com Cleonilda, Lourivaldo e Daniel, como se pode ver nas amostras de escrita de 30/11/84 (na coluna da direita do quadro anterior). Cleonilda, que em noventa dias de aula estava alfabetizada, não é capaz de articular oralmente nenhum encontro consonantal – nem no seu próprio nome. Apesar disso, ou talvez por isso mesmo, das crianças que se alfabetizaram nesse grupo era a que menos erros de escrita cometia. Ela jamais escrevia "comi”, para "come”, como o Lourivaldo, que falava corretamente. Reginaldo, como se pode ver no quadro seguinte, ela evolução da cópia de seu nome, não tem orientação espacial da escrita, “come" letras, espelha letras, tem traçado inseguro, é incapaz de manter a ordem das letras na cópia (e tinha dificuldade para segurar o lápis) ...
  • 55. 54 Diante da recusa e da ansiedade da criança, a professora sugere o uso do apelido REGI em lugar de REGINALDO, e oferece um modelo para cobrir e copiar. Insiste em copiar REGINALDO. Fica muito infeliz com o resultado. Aceita fazer "lição de nome”, isto é, cobrir o modelo e copiar embaixo. Durante o mês de agosto, REGINALDO se esforça para copiar todas as letras do seu nome, agregando- as aos poucos. A conservação da ordem das grafias do modelo não tem ainda significado, o que importa é a presença.
  • 56. 55
  • 57. 56 No entanto, os seus problemas perceptivo-motores desapareceram, como por encanto, quando ele descobriu o quê, exatamente, as letras representavam. Pensem bem, que importância tem a posição ou a ordem das letras, se para nós elas são apenas desenhos? O que este texto tentou informar em linhas gerais é como é que se aprende a ler. Tentamos mostrar que as dificuldades desse processo são muito mais de natureza conceitual e muito menos perceptual, conforme pensávamos antes. E, como nossa prática se baseava sobre o que sabíamos, é preciso repensá-la, não? Fonte: pt.slideshare.net
  • 58. 57 10 ALFABETIZAÇÃO: AS SONDAGENS DE HIPÓTESE DE ESCRITA A sondagem de hipótese de escrita busca acompanhar os avanços das crianças na aquisição da base alfabética Quando assume uma turma de alfabetização, o professor deve descobrir o que cada aluno da sala sabe sobre o sistema de escrita antes de começar o planejamento das atividades. Esse trabalho é chamado de sondagem de hipótese de escrita e busca acompanhar os avanços das crianças na aquisição da base alfabética. Sempre que falo do assunto com os professores alfabetizadores da minha escola, nas reuniões de formação, faço questão de levantar a discussão a respeito de três aspectos bastante importantes. 10.1 Para que serve a sondagem de hipótese de escrita? A sondagem funciona como um diagnóstico sobre quais e quantos alunos se encontram em cada hipótese de escrita: pré-silábica, silábica sem valor sonoro convencional, silábica com valor sonoro convencional, silábico-alfabética e alfabética. Com o diagnóstico em mãos, o professor pensa em agrupamentos produtivos, unindo crianças que se encontram em hipóteses de escrita próximas, e planeja as atividades adequadas para que todas as crianças avancem até se tornarem alfabéticas, ou seja, compreenderem o sistema de escrita. 10.2 Como se faz? A sondagem é uma atividade feita individualmente e consiste em ditar para as crianças uma lista de palavras de um mesmo campo semântico, como bichinhos de jardim, flores, frutas ou animais. Atenção! Todas as palavras utilizadas nas atividades de sondagem devem ser inéditas para os pequenos. Isso significa que elas não podem ser as mesmas utilizadas em outras atividades. Senão, as crianças terão a escrita de memória e, assim, a sondagem nos dará resultados errados.
  • 59. 58 O ditado dos termos deve seguir uma ordem, de acordo com seu número de sílabas: polissílaba, trissílaba, dissílaba e monossílaba. Ao final, também se dita uma frase em que uma das palavras (trissílaba ou dissílaba) esteja presente. Existe uma lógica para isso. As crianças que se encontram em conflito com relação ao número de letras podem não querer escrever palavras menores e desistem logo no começo da sondagem. Após a escrita de cada palavra, a criança também deve lê-la em voz alta. A leitura ajuda o professor a verificar como ela está pensando a respeito do sistema de escrita e se estabelece relação com o que escreveu e o que falou. Fonte: csantosanjos.com.br 11 ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE O que geralmente acontece quando as crianças ingressam na escola? Nas séries iniciais, elas são submetidas a inúmeras atividades de preparação para a escrita, em geral cópia ou ditado de palavras que já foram memorizadas. Primeiro copiam sílabas, depois palavras e frases, e só mais tarde são solicitadas a produzir escritas de forma autônoma.