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Novas Abordagens em Saúde Mental
transformando vidas de forma humana, autônoma e consciente
Sumário
1) The Hearing Voices Approach........................................................................................................................................4
2) Open Dialogue..............................................................................................................................................................16
3) The Davis Approach......................................................................................................................................................25
4) Positive Psychoterapy...................................................................................................................................................36
5) GAM (Gestão Autônoma da Medicação).....................................................................................................................50
6) Power Threat Meaning Framework..............................................................................................................................62
7) Abordagem Sistêmica Comunitária..............................................................................................................................76
8) The Green Care Approach............................................................................................................................................84
9) Wellness Recovery Action Plan...................................................................................................................................105
Novas Abordagens em Saúde Mental 2
Mas o que são Novas Abordagens em Saúde
Mental?
Novas abordagens em saúde mental representam, primeiramente, uma ruptura com abordagens historicamente
dominantes no campo da saúde mental, que, em geral, estiveram (e ainda estão) associadas à patologização e à
medicalização da existência, bem como à individualização da atenção e à padronização das técnicas. Tais abordagens
dominantes são baseadas na hierarquia arbitrária entre profissionais e “pacientes”, na qual os primeiros são vistos como
especialistas superiores e os segundos como doentes passivos. Assim, romper com essas abordagens hegemônicas
implica subverter esses princípios, com a consequente construção de alternativas a eles. Nesse sentido, novas
abordagens em saúde mental enfatizam diferentes interpretações possíveis para o sofrimento humano, a construção de
novas relações humanas baseadas no diálogo e o favorecimento do protagonismo daqueles que historicamente
ocuparam o lugar de objetos.
Vale ressaltar que para que tais novas abordagens em saúde mental não se desvirtuem de seus propósitos, não devem
somente ser “novas”, mas alcançarem “valor” na promoção de novos processos de desenvolvimento humano. Assim, o
novo não poder se limitar a uma técnica nova, mas à problematização teórica e epistemológica que fundamenta o
campo da saúde mental. Nesse processo, gera-se novos referenciais, que, por um lado, permitem explicar o sofrimento
humano de diferentes formas, dialogando com a complexidade individual e social que representam, e, por outro,
favorecem novas estratégias de ação profissional e comunitária baseadas nos saberes produzidos. Implica, nesse
sentido, que o conhecimento não se volte para a colonização do outro, de modo a oferecer respostas técnicas
conclusivas sobre o outro, mas para o favorecimento de possibilidades mediante construção conjunta de novas formas
de estar no mundo e se relacionar com a vida. Implica sair de uma lógica centrada no modelo sujeito/objeto, para
construir relações sustentadas por um modelo sujeito/sujeito.
Daniel Magalhães Goulart – Doutor em Educação pela UnB e Professor do Instituto de Psicologia da UniCEUB.
Novas Abordagens em Saúde Mental 3
The Hearing Voices Approach (Ouvir
Vozes)
Capítulo 1
Ouvir vozes em si nem sempre é
sintoma de uma doença
Assim como acontece com outras questões que
envolvem a saúde mental das pessoas, o ouvir de
vozes também se tornou um sinônimo de estigma
social, visto que aquele que se autodeclarar um
ouvidor, logo pode ser taxado como louco.
Mas, na realidade, nenhum caso pode ou deve ser
tratado dessa forma. Aquilo que se vem mostrando,
com o tempo e estudos diversos, é que existe uma
nova forma de se pensar a experiência de se ouvir
vozes.
Grupos de pesquisadores e instituições que tratam
sobre o tema, têm unido esforços em função da
desconstrução dessa ideia de que ouvidores de vozes
são, por exemplo, em alguma instância,
esquizofrênicos.
Baseados na concepção de que as vozes, na realidade,
dizem alguma coisa sobre aquele que as ouve, esse
movimento mundial lida com o entendimento de suas
mensagens e visa trazer autonomia para essas
pessoas diante daquilo que experienciam.
Novas Abordagens em Saúde Mental 5
Estima-se, em um estudo exibido pela Rede
Internacional de Ouvidores de Vozes, a INTERVOICE
(2017), que em torno de 2 a 4% da população mundial
ouve vozes, e que uma em cada três dessas pessoas se
torna um paciente psiquiátrico, tendo em vista que as
outras duas teriam condições de lidar bem com suas
experiências e de maneira tranquila.
Segundo essas instituições e profissionais vinculados à
área da saúde mental que lida com o ouvir de vozes, a
grande diferença que existe entre frequentadores de
serviços de apoio a essas experiências e os não-
frequentadores é a diferente relação que esses dois
grupos estabeleceram com as suas vozes.
A verdade por trás desse movimento em função das
vozes é a necessidade que se tem, por parte daqueles
que sofrem com elas e dos especialistas que os auxiliam,
de que se perceba que as vozes, na verdade, carregam
mensagens, como mensageiras que tem como seu
principal objetivo mostrar para estas pessoas questões
mais antigas, vividas e não resolvidas, na tentativa de se
mudar essa situação.
Como ocorre com os traumas, as pessoas nem sempre
absorvem de maneira ideal o acontecido, e o reflexo
disso pode se dar de diversas formas, como também
pode ocorrer na forma de vozes; vozes que deprimem;
que tiram a capacidade de viver do indivíduo.
A patologização das vozes tornou-se algo comum na
medicina psiquiátrica do Ocidente. Nessas condições,
as chances de se receber um diagnóstico como
esquizofrênico indo a uma consulta psiquiátrica é de
80% (INTERVOICE, 2017), tendo em vista a possível
similitude sintomática que pode ter o ouvir vozes com
um quadro de esquizofrenia.
Quem lida com esse tipo de experiência precisa de
apoio. A questão fundamental, e que precisa ser
observada, é como as manifestações mentais por
meio das vozes se desenvolveram no indivíduo; qual
conexão elas tem com as suas experiências passadas.
Muitos dos enganos que envolvem essas pessoas
podem ser resolvidos por esse caminho.
Em uma pesquisa desenvolvida por quatro anos com
crianças ouvidoras de vozes, Sandra Escher (2013),
doutora em psiquiatria social pela Universidade de
Maastricht, na Holanda, fez de sua tese uma prova
disso.
Após acompanha-las durante o período, Sandra
assinalou que 64% das 82 crianças observadas não
apresentavam mais suas vozes, entendido que com o
tempo teriam aprendido a lidar melhor com suas
emoções, diminuindo suas cargas de estresse.
Novas Abordagens em Saúde Mental 6
Assim como tem sido feito por muitos grupos e
instituições vinculadas aos indivíduos ouvidores de
vozes, ensinando estes a lidar melhor com a sua própria
experiência e levando a eles autonomia diante daquilo
que vivem, um esforço cada vez maior deveria ser feito
para que esse estigma social fosse desconstruído
progressivamente.
Dessa maneira, os diagnósticos se tornariam ainda mais
precisos, a proteção àqueles que eventualmente sofrem
por conta das vozes seria maior, e estes ficariam mais
próximos do auxilio correto e necessário do que estão
nos dias de hoje.
Você pode ouvir vozes e ser
saudável: uma breve historia sobre a
INTERVOICE
A INTERVOICE é uma das maiores instituições
responsáveis por cuidar de pessoas ouvidoras de vozes
no mundo hoje, construída de acordo com os princípios
do Movimento Internacional dos Ouvidores de Vozes
(HVM).
Desenvolveu-se na Europa, no fim da década de 80, sob
a experiência do psiquiatra Marius Romme, que se
baseando
em uma nova metodologia de cuidado com o
indivíduo ouvidor, fundou a instituição.
Tudo começou em 1987, quando Marius passou a
conviver com a frequentadora de seu consultório
psiquiátrico, Patsy Hage. Um dia, em uma conversa
entre os dois, Patsy lhe fez uma pergunta que o faria
pensar e teria como desfecho a mudança de toda sua
concepção do que exatamente era a experiência de se
ouvir vozes.
A pergunta consistia na ideia de que se Marius
acreditava em um Deus que nunca teria visto ou
ouvido, porque este não poderia acreditar nas vozes
que ela, Patsy, realmente ouvia e que faziam morada
em sua cabeça.
Esse teria sido o fator inicial de uma abordagem que
vem dando resultados até hoje, a saber, a de se ouvir
o que o indivíduo tem a dizer sobre suas vozes, e
percebe-las como uma experiência a ser entendida
pelo médico e o próprio indivíduo, ao invés de taxa-la
diretamente como parte de um distúrbio grave como
é a esquizofrenia.
Em entrevista, Marius ressaltou que: “Foi Patsy Hage
quem
Novas Abordagens em Saúde Mental 8
deixou claro para mim que a abordagem psiquiátrica
não tinha sido muito útil. Porque, como um clínico
tradicionalmente treinado, eu só estava interessado em
sua experiência de audição de voz, na medida em que
diz respeito às características de uma alucinação, a fim
de construir um diagnóstico em combinação com outros
sintomas.
Mas ela estava interessada nas vozes e no poder que
exerciam sobre ela; no estresse que ela experimentava;
naquilo que lhe diziam”.
Foi então que, a fim de romper as barreiras sociais
existentes entre os próprios ouvidores, Marius resolveu
organizar reuniões entre os ouvidores de vozes
frequentadores de seu consultório, com o objetivo de
deixar com que eles trocassem experiências sobre ouvir
vozes, como lidavam com elas, dentre outras coisas.
Marius conta que todos ficaram extremamente
entusiasmados. Dali em diante, o pesquisador holandês
percebeu que esse movimento apenas tenderia a
crescer, e com a ajuda de Patsy e outros pesquisadores,
fundou a INTERVOICE.
A Instituição até hoje tem como objetivo principal
incentivar uma discussão mais ampla, com o intuito de
mudar a atitude da sociedade frente a vivência de
se ouvir vozes e a maneira como os ouvintes são
tratados pela medicina e, especialmente, pelos
psiquiatras.
Hoje, a principal cede da instituição se localiza na
Inglaterra, e tem em sua história a participação direta
de Marius, que entrando em contato com seu amigo e
então co-fundador da instituição em território
britânico, Paul Baker, levou sua ideia de mudar a
forma como a sociedade e a psiquiatria olham para os
indivíduos ouvidores de vozes para além das fronteiras
de seu país.
Paul (2014), em texto de sua autoria, ressalta a
trajetória do movimento até aqui e sua importância
para o reconhecimento da autonomia dos indivíduos
ouvidores diante de sua própria experiência:
“Talvez estejamos chegando lá. Uma maneira
diferente de pensar sobre as vozes e uma nova forma
de ajudar as pessoas que lidam com elas está sendo
desenvolvida. Uma jornada que continua até hoje.
Tudo isso faz parte de uma mudança que reconhece
que as pessoas que ouvem vozes são os peritos da sua
própria experiência, que estão em melhor posição
para entender o que esta experiência significa e o que
Novas Abordagens em Saúde Mental 9
realmente tem o poder de ajudar.”
Com o apoio dessa rede em todo o mundo e,
especialmente, dos ouvintes, alguns dos quais passaram
longos períodos de tempo em atendimentos
psiquiátricos, hoje, recuperam-se vidas, fazendo com
que pessoas que antes sofriam com suas vozes, agora
sejam capazes de dizer que as ouvem, que assim mesmo
vivem tranquilos e que as aceitam como parte de si
mesmos.
O sentido das vozes e o caminho
para aprender a lidar com elas
De acordo com a apostila de orientação escrita por Paul
Baker em função de seu minicurso dado no Brasil sobre
como lidar com o ouvir de vozes, existe uma forte
relação entre a história do indivíduo, as vozes que este
ouve e a maneira como este é capaz de lidar com elas.
Na medida em que os próprios ouvidores relatam
elementos indicadores desta relação, como sua
identidade, sua história, as características de suas vozes
e o teor daquilo que escutam, fica mais simples de se
observar o sentido que estas vozes têm para a sua vida e
para a vida de pessoas próximas a eles, como seus
familiares, que conseguem entender a recorrência de
alguns conteúdos exibidos pelas vozes.
Em um processo de entrevistas/conversas, busca-se
construir o mapeamento de alguns aspectos da
existência desse indivíduo, o acessar dos possíveis
gatilhos para as suas vozes e a sua cronologia, que faz
referencia a sequência de suas aparições, visto que
algumas vezes os ouvidores relatam o ouvir de mais
de uma voz e em momentos distintos.
Resumidamente, pensam em conjunto, profissional e
ouvidor, com o objetivo de alcançar aquilo que Paul
nomeia como “constructo”, que nada mais seria do
que aquilo que serve como a estrutura/alicerce das
vozes ou, aquilo que elas querem representar quando
dialogam com o indivíduo. Por meio disso, descobre-
se outro elemento fundamental da análise: o código a
ser quebrado.
Realizado todo esse processo, sua ultima etapa
consiste em quebrar o código estabelecido pelas vozes
do indivíduo, de maneira que este, sempre em
conjunto com o profissional que o acompanha, possa
enxergar a origem de suas vozes; o porquê de seu
conteúdo; e entender qual poderá ser a melhor forma
para se lidar com elas dali em diante.
Mas a ideia aqui também não consiste em fazer tudo
de forma solitária,
Novas Abordagens em Saúde Mental 11
entendido que o envolvimento de familiares, amigos e
entes queridos se faz fundamental para o fortalecimento
da esperança, do apoio e do novo sentido de vida que
fora construído pelo indivíduo.
Trabalhar em si mesmo, em sua autoestima e
autoconfiança, fazendo escolhas e se tornando o
responsável por suas próprias decisões sem o advento
negativo das vozes, mas sim se apropriando de sua
experiência auditiva como outros exemplos o fazem.
Os princípios e valores do Hearing
Voices Approach
Enquanto o HVM (Hearing Voices Movement) incorpora
pessoas com uma ampla gama de expectativas e
necessidades, existem alguns valores centrais pelos
quais os membros em geral também o aderem.
O primeiro deles é a crença de que ouvir vozes é uma
parte natural da experiência humana.
As próprias vozes não são vistas como anormais ou
sinônimos de aberrações, mas sim conceitualizadas
como uma resposta significativa e interpretável das
circunstâncias sociais, emocionais e / ou interpessoais
das pessoas.
De acordo com essa perspectiva, a capacidade de se
ouvir vozes existiria em todos nós.
Para muitos ouvintes, isso é muito mais construtivo e
empoderador do que diagnósticos baseados em
doenças que enfatizariam a patologia, podendo
induzir ao estigma, reduzir a autoestima ou mesmo
levar à ênfase na eliminação da experiência.
Essa capacidade para que as vozes sejam escutadas
em certas circunstâncias é confirmada por estudos
sobre os efeitos da privação sensorial de eventos tais
como o luto, os traumas e a ingestão voluntária de
alucinógenos.
Da mesma forma como relatado nos estudos acima,
as vozes são frequentemente encontradas na
experiência de pessoas em amostras coletivas, sem
qualquer tipo de histórico vinculado a transtornos
psiquiátricos. A esse respeito, estudos
epidemiológicos sugerem que uma minoria
significativa da população já teve alguma experiência
em ouvir vozes pelo menos uma vez na vida.
Sob essa visão, precisaríamos parar de olhar para as
sinais inevitáveis ​​de distúrbios psiquiátricos; essa
mentalidade precisaria ser reavaliada
Novas Abordagens em Saúde Mental 12
diante da realidade que constatações e diversos estudos
apresentam, sendo a vida positiva de muitos ouvidores o
maior reflexo disso.
O segundo deles, que diversas explicações para vozes
são aceitas e valorizadas; e a HVM respeita que as
pessoas possam usar essas diferentes explicações para
entender suas vozes e experiências.
O terceiro deles, que os ouvintes são encorajados a se
apropriarem de suas vozes e experiências, definindo-as
para si. Os grupos de ouvidores de vozes, por exemplo,
fornecem um espaço seguro para essa exploração. Por
isso termos remetendo ao discurso clínico podem evocar
certa resistência, já que esse seria encarado como um
discurso incapacitante e potencialmente colonizador do
ponto de vista dos próprios ouvidores.
O quarto, por acreditarem que na maioria dos casos o
ouvir de vozes pode ser entendido e interpretado no
contexto de eventos da vida e de narrativas
interpessoais das pessoas.
Especificamente, é frequentemente relatado que as
vozes são precipitadas e mantidas por eventos
emocionais que sobrecarregam e enfraquecem o
indivíduo, com seu conteúdo, identidade e/ou momento
de surgimento.
Ferramentas como a “The Maastricht Hearing Voices
Interview” podem ser empregadas para compreender
– e tentar resolver – os conflitos latentes que podem
estar por trás da presença das vozes.
O quinto, por acreditarem que o processo de
aceitação das vozes é mais eficaz do que
simplesmente tentar suprimi-las ou eliminá-las.
Isso envolve aceitar as vozes como uma experiência
real, honrar a realidade subjetiva do ouvinte e
reconhecer que as vozes são algo com que eles – dado
o suporte necessário – podem lidar com sucesso.
Por outro lado, poderia se pensar, por exemplo, que
ao valorizar ativamente as vozes (por exemplo, como
experiências emocionais significativas) algo contra
intuitivo estaria sendo feito, como no caso de alguém
que ouviria vozes angustiantes.
Mas a esse respeito, Romme e Escher propõem que as
vozes seriam tanto o “problema” quanto a “solução”:
um ataque à identidade, mas também uma tentativa
de preservá-la, articulando e incorporando a dor
emocional.
“Decifrar” os conflitos e os problemas de vida
Novas Abordagens em Saúde Mental 14
representados pelas vozes é frequentemente possível,
mesmo quando as pessoas são diagnosticadas com
doenças mentais complexas ou crônicas.
Como consiste no respeito a diversidade de opiniões
valorizada pelo HVM, se os ouvintes optam também por
tomar medicamentos antipsicóticos para gerir ou
erradicar as vozes, isto também é respeitado.
A medicação, no entanto, é vista apenas como uma das
muitas estratégias disponíveis. É muito importante,
dentro dessa situação, que as pessoas recebam apoio
para tomar suas próprias decisões sobre o tratamento e
tenham as informações necessárias para fazer uma
escolha consciente.
Finalmente, entende-se o suporte coletivo como um
meio frutífero de ajudar as pessoas a compreender e a
lidar com as suas vozes. Os grupos de suporte mútuo
têm uma longa associação com o HVM, com ênfase nas
prioridades do grupo, ao invés de seguir uma estrutura
predeterminada.
Embora as vezes percebidas como marginais nos círculos
profissionais, essas ideias estão de acordo com
tratamentos psicossociais apoiados por muitos usuários
e suas famílias, bem como perspectivas positivas sobre o
ouvir de vozes e o impulso geral para a recuperação.
Como consequência, elas se tornaram
progressivamente mais aceitas e tradicionais, como
muitos dos pressupostos básicos do HVM.
Desde as associações entre ouvir vozes e traumas; a
sugestão de que o conteúdo da voz é
psicologicamente significativo; até a descoberta de
que maiores níveis de supressão emocional estão
associados a experiências de vozes mais frequentes e
problemáticas;
A mudança em relação as vozes, de um sintoma
genérico para algo a ser compreendido como uma
experiência significativa, pode direcionar á mudança
pessoal e á recuperação de vivências positivas na vida
dos ouvidores.
Novas Abordagens em Saúde Mental 15
Referências Bibliográficas
Referência: INTERVOICE Brasil. “Manual – Como montar
um grupo de ouvidores de vozes”. São Paulo, 2017.
Referência: Baker, Paul. “Guia – Como trabalhar com
pessoas quem ouvem vozes”. Manchester, 2014.
Referência: Corstens, Dirk et al. “Emerging Perspectives
From the Hearing Voices Movement”. Schizophrenia
Bulletin vol. 40 suppl. no. 4 pp. S285–S294, 2014.
Referência: Waddingham, R., Escher, S., Dodgson,
G.”Inner speech and narrative development in children
and young people who hear voices; three perspectives on
a developmental phenomenon”. Psychosis, 5(3), pp 226-
235, 2013.
Open Dialogue (Diálogo Aberto) (Saúde
Mental em Geral)
Capítulo 2
O diálogo em benefício da saúde
mental
Considerando os diversos tipos de tratamento
desenvolvidos ao longo dos anos dentro do campo da
saúde mental, o método Open Dialogue surge como
um divisor de águas no que diz respeito ao tratar da
esquizofrenia, das psicoses e de outros transtornos.
Objetivando ser uma abordagem que prioriza o
contato com o indivíduo e sua rede de apoio, não
tendo como ferramenta o uso obrigatório de
psicofármacos em seus tratamentos, seus resultados
tornaram-se os melhores do mundo no que diz
respeito a saúde mental individual.
Nascida na Finlândia no início da década de 1980,
tendo como seu principal idealizador o psicólogo
clínico Jaakko Seikkula, a metodologia Open Dialogue
surge como uma forma de atenção imediata às crises
psicóticas que recorrentemente eram relatadas no
contexto de uma das principais regiões do país,
conhecida como Lapônia Ocidental.
Desenvolveu-se no período em que se dava
Novas Abordagens em Saúde Mental 17
o Projeto Nacional Finlandês de Esquizofrenia, um
projeto que tinha como um de seus objetivos principais
o encontrar de novos estudos e abordagens capazes de
aprimorar os tratamentos até então desenvolvidos na
saúde mental do país.
Tendo terreno fértil para caminhar e como referência a
abordagem anterior criada pelo professor Yrjö Alanen na
década de 1960 – uma abordagem elaborada com foco
no cuidado as necessidades específicas de cada um a ser
tratado – seus princípios vão sendo forjados com o
mesmo sentido.
É assim, dentro deste contexto, que o grupo de Seikkula
inaugura o modelo de Diálogo Aberto na Finlândia,
envolvendo os sistemas de apoio à saúde do cliente e
realizando, através de unidades de tratamento formadas
por equipes móveis, este novo sistema de tratamento
centrado na família, no indivíduo e em suas redes de
apoio.
A metodologia Open Dialogue teria contribuído para
uma significativa redução da incidência de casos de
esquizofrenia na província da Lapônia Ocidental, fazendo
com que o número de usuários de suas redes de apoio
mental, nessas condições, diminuísse expressivamente
com passar dos anos.
No que consiste a abordagem Open
Dialogue
Tendo em vista a centralidade que o método dá a
experiência do indivíduo como um todo, tem-se, em
primeiro lugar, no diálogo e na tolerância para com o
tratado, os princípios fundamentais que norteiam
todo o tratamento.
Seu espaço de interação terapêutica mais importante
seriam às reuniões, momentos em que por meio da
conversa coletiva entre usuário, membros de sua rede
de apoio e os próprios terapeutas, seriam discutidos
os principais assuntos relacionados às dificuldades
enfrentadas por ele e como fazer para construir algo
em prol de sua saúde e recuperação.
De forma transparente, as decisões e o plano de ação
seriam assim construídos na presença de todos do
grupo. As funções das reuniões de tratamento, a cargo
do que nos diz o próprio fundador do método, Jaakko
Seikkula, estariam baseadas em reunir informações
sobre o problema.
Outras seriam: elaborar um plano de tratamento;
Novas Abordagens em Saúde Mental 18
tomar as decisões necessárias com base no diagnóstico
feito; e gerar um diálogo psicoterapêutico constante
(Seikkula, 2007 apud Queiroz, 2014).
A chave do tratamento estaria também em torno da
linguagem das famílias, algo levado com seriedade pela
equipe responsável, que passa a adaptar sua própria
linguagem à forma de linguagem exibida por elas,
analisando os sentidos que estas dão para o problema
encontrado, de maneira a escuta-las recorrentemente.
Por esse ângulo, as equipes de tratamento
compreenderiam as alucinações ou delírios psicóticos
como mais uma das vozes que formam a experiência do
individuo, de modo que, aparecendo ou não durante os
diálogos, inicialmente, essas reações não seriam
confrontadas.
Os indivíduos seriam incentivados a expressá-las como
parte natural do processo de tratamento.
Em curto prazo, essas concepções permitiriam aos
membros da equipe o promover de discussões reflexivas
entre si a respeito das informações ali representadas,
inclusive podendo contar com a presença de membros
da família como ouvintes/espectadores.
Normalmente, como as experiências narradas pelos
indivíduos em crise psicótica estão associadas a
situações traumáticas vividas por eles, acaba sendo
em função disso que agem os terapeutas em
atendimento.
Nesses casos, a equipe de tratamento procura, então,
explorar minuciosamente os pontos que estavam em
discussão quando as reações psicóticas ocorreram,
compreendendo que este ponto pode ter tocado em
experiências não verbalizadas.
A fala psicótica pode assumir a função de denunciar,
de maneira dramática, os conteúdos conflitantes que
circulam ou circularam no sistema familiar.
Dado esse cenário, uma das principais funções da
equipe torna-se o auxiliar da rede familiar do
indivíduo com o fim de que esta se aproprie também
do protagonismo ao redor do problema, mantendo
uma postura dialógica frente a cada forma de
expressão do indivíduo.
Sempre se busca nesse sentido promover a
construção de uma nova compreensão da experiência
comum como um todo para todos.
Novas Abordagens em Saúde Mental 20
Um adendo importante se da ao fato de que outros
métodos de tratamento tradicionais e não tradicionais
podem ser úteis e ocorrerem paralelamente à terapia
familiar em atividade.
O tratamento pode ser combinado com psicoterapia
individual, a arteterapia, a terapia ocupacional, dentre
outros tipos.
Pode acontecer também, em algumas situações de crise
psicótica, do enfoque acabar sendo voltado para a
reabilitação psiquiátrica – quando já há o uso prévio da
medicação – e/ou vocacional do indivíduo.
Em suma, o método do Diálogo Aberto compartilha dos
objetivos construtivistas em psicoterapia no sentido de
construir um discurso não de patologia sobre os
problemas dos pacientes, de respeitar as narrativas
pessoais do problema e atribuir importância ao contexto
do tratamento (Queiroz, 2014).
Essas ideias construtivistas chamam a atenção para a
responsabilidade dos terapeutas na co-construção do
problema e dos caminhos até sua solução, na medida
em que elaboram o tratamento.
Os terapeutas construtivistas não julgam a realidade de
um usuário com base em um critério externo de
objetividade, portanto compreenderiam que não há
forma absoluta de psicose (Queiroz, 2014).
Os 7 princípios fundamentais da
abordagem Open Dialogue
Presente hoje em diversas redes de saúde mental ao
redor do mundo como um “approach” reconhecido
internacionalmente por seus resultados, estes seriam
os 7 princípios fundamentais da abordagem Open
Dialogue:
1) Ajuda imediata. O primeiro encontro ocorre nas
primeiras 24 horas após o contato inicial e tem como
objetivo principal a prevenção da hospitalização.
2) Uma perspectiva de rede social. As primeiras
reuniões podem contar com os usuários dos serviços,
suas famílias e outros membros importantes de sua
rede social, estes últimos são convidados a oferecer
apoio ao usuário e à família.
3) Flexibilidade e mobilidade. O tratamento é
adaptado às necessidades específicas e cambiantes de
cada caso e, havendo a aprovação
Novas Abordagens em Saúde Mental 21
da família, ocorre na residência do paciente.
4) Responsabilidade. A organização da primeira reunião
fica a cargo do profissional que fez contato com a
família. O tratamento é deliberado nessa ocasião.
5) Continuidade do acompanhamento psicológico. Todo
o tratamento fica sob a responsabilidade da mesma
equipe, pelo tempo que for necessário, seja no setor
ambulatorial como de internação.
Da mesma forma, os representantes da rede social
participam de todas as reuniões de tratamento.
6) Tolerância à incerteza. Para desenvolver tolerância à
incerteza na equipe e na família, um sentimento de
confiança é fomentado em relação ao processo como
um todo.
Em crises psicóticas, o sentimento de confiança ganha
mais força com a realização de reuniões diárias, pelo
menos nos primeiros 10 ou 12 dias.
A partir disso, o agendamento das reuniões é guiado
pelos interesses da família. A rigor, o contrato
terapêutico não é estabelecido durante o período de
crise, para evitar conclusões e decisões precipitadas
sobre o tratamento.
7) Dialogismo. A promoção de diálogo é o foco
primário, e o foco secundário é a promoção de
mudanças no usuário ou na família.
O diálogo é concebido como meio de fomentar o
protagonismo dos usuários e dos familiares nas
narrativas das suas próprias vidas ao conversarem
sobre seus problemas. Na conversa, novos olhares são
criados a partir da relação entre os participantes.
Dados e pesquisas sobre o método
Open Dialogue
A confiabilidade que adquiriu a abordagem do Diálogo
Aberto ao longo dos anos não se deu atoa.
Pesquisas, dada a excelência do método, foram
realizadas ao redor do mundo, assim como na própria
Finlândia, com o fim último de chegar a conclusões
mais detalhadas sobre ele.
Em acompanhamento realizado na própria Lapônia
Ocidental por exemplo, Harlane Anderson,
psicoterapeuta americana e também escritora de
diversos livros sobre o tema,
Novas Abordagens em Saúde Mental 23
relatou em seu artigo que, na prática, esse trabalho
representaria um significativo desafio às crenças e
tradições de diversos tratamentos.
Isso porque ele consistiria em uma abordagem dialógica
na qual o terapeuta/profissional deve respeitar e
aprender sobre os pacientes, suas experiências e
entendimentos, considerando que isto deve ter
precedência sobre sua própria compreensão (Anderson,
2002 apud Kantorski, 2017).
Jill Gromer, em outro estudo, este realizado pela
Universidade da Flórida, afirmou que o Diálogo Aberto
teria sido associado a um melhor funcionamento social
dos indivíduos, a menores quantidades de dias dentro de
hospitais e a números menores de ocorrência de
sintomas em pessoas com um primeiro episódio de
psicose em seu histórico.
Estudos mais recentes teriam apontado para uma
associação ainda maior do Diálogo Aberto com poucos
dias de permanência no hospital, o que mostraria uma
evolução na abordagem e um certo refinamento dessa
prática (Gromer, 2012 apud Kantorski, 2017).
No sul da Noruega, entre 1998 e 2008, foram
instaurados três programas para a promoção do Diálogo
Aberto na região, tendo Jaakko Seikkula participado de
todos eles, quais sejam:
1) Ensinando a base para abrir diálogos;
2) Supervisionando clinicamente terapeutas locais e
usuários de serviços de saúde mental;
3) Na concepção de pesquisas e projetos.
Segundo a análise desses programas, os dez anos de
implementação dessas práticas dialógicas no sul da
Noruega produziram resultados positivos relativos à
execução, à educação e ao aumento de pesquisas e
projetos sobre o tema (Ulland, 2014 apud Kantorski,
2017).
Em pesquisa realizada na Polônia, constatou-se que a
abordagem do Diálogo Aberto seria uma abordagem
alternativa com o poder de contribuir para a redução
do uso de psicofármacos, constituindo-se como um
recurso diferenciado em relação aos tratamentos
usuais da esquizofrenia, oferecendo grandes
benefícios para os seus usuários (Klapcinski;
Wojtynska; Rymazewska, 2015 apud Kantorski, 2017).
E por fim, em artigo de revisão publicado por
especialistas australianos em 2014, foram apontados
resultados exitosos do tratamento com o Diálogo
Aberto
Novas Abordagens em Saúde Mental 24
na intervenção imediata a crises psiquiátricas de
indivíduos no país, relatando a necessidade de uso
mínimo de medicação e os melhores resultados
confirmados na Austrália desde sua incorporação ao
sistema terapêutico do país (Lakeman, 2014 apud
Kantorski, 2017).
Referências Bibliográficas
Referência: Kantorski, Luciane P; Cardano, Mario.
“Diálogo Aberto: a experiência finlandesa e suas
contribuições”. Saúde Debate: Rio de Janeiro, V. 41, N.
112, P. 23-32, JAN-MAR, 2017.
Referência: Kantorski, Luciane P; Cardano, Mario.
“Diálogo Aberto: um método para enfrentamento da
psicose”. Expressa Extensão, ISSN 2358-8195 , v.22, n.1,
p. 13-21, JAN-JUN, 2017.
Referência: Queiroz, Darlan N. “Introdução da
abordagem Diálogo Aberto”. 2014.
The DAVIS Approach (Dislexia)
Capítulo 3
Entendendo um pouco mais sobre
a dislexia
A dislexia enquanto um transtorno de aprendizagem
atinge muitas pessoas ao redor do mundo, sendo em
sua maioria homens. E, apesar de ser um assunto de
grande relevância, ainda se percebe que as pessoas
em geral pouco sabem sobre ela.
A dificuldade enfrentada pelos disléxicos está, muitas
vezes, relacionada ao modo como esses indivíduos
constroem suas conexões com o mundo.
Uma vez que os sistemas educacionais adotados pelas
sociedades não estão preparados para integrar esses
indivíduos de maneira a adequar as escolas ás suas
necessidades, principalmente no que diz respeito à
alfabetização, essas pessoas sofrem.
Sendo um transtorno de origem hereditária, a dislexia
baseia-se na dificuldade cognitiva do indivíduo em
absorver tudo aquilo que concerne ao universo da
leitura, visto que este não conseguiria conceituar
palavras em sua mente em função de seu
funcionamento cerebral, que apenas captaria
conteúdos por meio de imagens.
Novas Abordagens em Saúde Mental 26
Como ilustração, percebemos que uma pessoa não
disléxica pronuncia mentalmente o som das palavras
quando as lê, uma vez que a alfabetização é baseada na
fonética, entendendo seus significados por conta de seu
som e conteúdo. Mas no caso de uma pessoa disléxica,
tudo isso mudaria.
Normalmente, os disléxicos tem uma melhor
compreensão daquilo que observam quando,
simplesmente, identificam uma palavra como imagem.
Na teoria, esta capacidade é chamada de olho mental ou
epicentro da consciência visual, quando o indivíduo
utiliza da imaginação que tem para administrar o
conhecimento referente às coisas que percebe ao seu
redor.
A história e conceituação da dislexia
Por um longo período de tempo, as manifestações e
implicações da dislexia permaneceram como um enigma
a ser decifrado, dada a dificuldade em percebe-las e
enquadra-las, científica e socialmente, quando nada
ainda havia sido constatado ao seu respeito.
Durante o final do século XIX, esse plano de fundo seria
alterado por meio da percepção do médico William
Morgan, que com base em seu estudo de caso do
menino Percy, um garoto inglês de 14 anos,
constataria características peculiares em sua cognição,
observada sua dificuldade para ler e escrever.
Morgan teria sido a partir daí a primeira pessoa a
considerar aquilo que o neurologista alemão, Adolf
Kussmaul, denominaria como “cegueira verbal
congênita” – a primeira designação do conceito que,
anos depois, se tornaria aquele que conhecemos hoje
como “dislexia” ou “dislexia de desenvolvimento”.
Desde então, até o desfecho final do termo, estudos
diversos seriam realizados com o objetivo de entender
ainda melhor sua origem, suas implicações e as
maneiras existentes para se contornar as dificuldades
apresentadas por seus portadores.
A dislexia, apesar de ser um conceito singular, que
define uma condição específica da cognição do
indivíduo, teria ainda suas manifestações típicas, cada
qual com sua particularidade e impacto sobre as
capacidades de aprendizado do indivíduo, podendo
surgir desde sua relação com a matemática até com a
ortografia e/ou caligrafia.
Novas Abordagens em Saúde Mental 27
Olhando a dislexia como um dom – a
história de Ron Davis, seu livro e sua
relação com a dislexia
Diferente das concepções tradicionais sobre a dislexia
enquanto um transtorno de aprendizagem, a forma
como a observou Ron Davis diante de sua experiência
enquanto um disléxico revolucionaria sua vida e várias
das antigas formas de se pensar a respeito dela.
Ele próprio, um adulto severamente disléxico,
descobriria como “corrigir” sua própria dislexia antes
mesmo de chegar a qualquer teoria sobre como ajudar
os outros.
Até os 38 anos, Ron teria sempre aceitado os
pronunciamentos oficiais dos especialistas que o
diagnosticavam como mentalmente retardado e nada a
mais do que isso.
Embora ele tivesse um QI medido de 160, ele entendia
naquela altura de sua vida que nunca seria capaz de ler
ou escrever sem uma luta árdua, porque havia algo de
terrivelmente errado com seu cérebro.
No entanto, com o passar dos anos, Ron perceberia que
às vezes sua dislexia piorava.
Nesse momento, ele raciocinaria que, se pudesse
descobrir como piorar sua dislexia, poderia de algum
modo topar com a chave para melhora-la.
Sua primeira pista viria de suas obras de arte, quando
Ron se daria conta de que pintando, quando ele
estava em seu melhor artístico, era o momento em
que o pior de sua dislexia aparecia.
Como conta em sua história, Ron trancar-se-ia no
quarto de hotel em que estava e praticaria piorar sua
dislexia, para então trabalhar em melhora-la, como se
em sua maior “fraqueza” tivesse encontrado sua
maior virtude e fonte de força.
Depois de três dias de prática, Ron teria chegado ao
momento em que as cartas no cartão de visitas do
quarto de hotel teriam se tornado, de repente,
legíveis para ele.
Atordoado com as letras, que eram todas do mesmo
tamanho, e também com os espaços existentes entre
as palavras, Ron iria para uma biblioteca pública,
pegaria o livro “Treasure Island” da prateleira e o leria
inteiro como nunca havia feito antes, antes mesmo da
biblioteca fechar.
Novas Abordagens em Saúde Mental 29
Ron não teria descoberto a solução para a dislexia
naquele momento, mas ali seria o início de sua jornada.
Então Ron compartilharia suas ideias com outras pessoas
e descobriria, para sua surpresa, que a maioria de seus
amigos artistas também eram disléxicos.
Dentro desse contexto, por meio de uma abordagem de
tentativa e erro consigo mesmo e seus colegas, Ron
desenvolveria seu próprio método para ajudar os outros
a superarem sua própria dislexia.
Cerca de um ano depois, Ron abriria sua primeira clínica
de leitura e desenvolvimento da abordagem. Depois
disso, escreveria um livro sobre ela.
O dom da dislexia – conhecendo o
método de Ron Davis
A teoria de Davis surgiu dessa abordagem inicial de
tentativa e erro, como uma forma de explicar por que
seus métodos funcionariam. Em vez de começar com
uma teoria e usar isso como base para elaborar um
método, Ron trabalhou de trás para frente nessa
solução.
Os disléxicos são fundamentalmente pensadores de
imagens: eles geralmente
pensam em imagens mentais ao invés de usar
palavras, sentenças ou diálogos internos em suas
mentes.
Para Ron, ao invés de uma espécie de deficiência, essa
característica especial do disléxico seria um dom; algo
mal interpretado e totalmente possível de ser
desenvolvido.
No entanto, como esse tipo de pensamento seria algo
subliminar – mais rápido do que a pessoa poderia
estar ciente – a maioria dos disléxicos começaria não
se dando conta de que é isso que eles estariam
fazendo.
Os disléxicos, na ideia de Ron, ao contrário de pessoas
com graves problemas de cognição seriam, na
realidade, pessoas de cognição diferente, indivíduos
que tenderiam a usar a lógica, imagens mentais e
estratégias de raciocínio para entender o mundo ao
seu redor.
Pensando principalmente em imagens, os disléxicos
tenderiam a desenvolver imaginações únicas e a usar
um processo de raciocínio baseado em imagens e
sensações para resolver seus problemas,
Novas Abordagens em Saúde Mental 30
ao contrário das maneiras verbais consideradas comuns
utilizadas pelos não disléxicos.
Por outro lado, essa habilidade poderia ser a base de um
problema também como escreve Ron – algo que
normalmente acaba acontecendo.
Os disléxicos tendem a ter dificuldades com objetos
irreais e simbólicos, como letras e numerais. E em seus
esforços para compreende-los, ficariam bastante
desorientados e confusos.
Os erros repetidos que resultariam dessas percepções
equivocadas devido à desorientação inevitavelmente
levariam a reações emocionais, frustração e a perda de
autoestima.
De acordo com Ron, em um esforço para resolver esse
dilema, cada disléxico começará a desenvolver um
conjunto de mecanismos de enfrentamento e
comportamentos compulsivos para contornar esses
problemas.
A memorização mecânica, a música do alfabeto, o
fazimento de seus deveres de casa por familiares, a
escrita da caligrafia ilegível para encobrir a ortografia
insatisfatória e o evitar de qualquer tarefa relacionada à
escola ou à leitura, são exemplos dessa realidade.
Um disléxico adulto terá um repertório completo de
tais comportamentos. Agora, como nos escreve Ron,
tem-se a gama completa de sintomas, características e
comportamentos comumente associados à dislexia.
Nesse sentido, o aspecto mais significativo da Teoria
de Ron na resolução de dislexia seria a observação de
que, quando um símbolo auditivo – uma palavra – não
tem uma imagem mental e significado para o
disléxico, a desorientação e os erros são o resultado.
Sendo assim, quando mostramos aos disléxicos como
desligar as desorientações no momento em que
ocorrem, e depois ajudar a encontrar e dominar os
estímulos que desencadearam a desorientação, os
problemas de leitura, escrita e ortografia começam a
desaparecer.
Educação x Desenvolvimento
Infantil: como a dislexia acontece
Segundo Ron, a falta de preparo e entendimento dos
sistemas educacionais ao redor do mundo para lidar
com a maneira de entender o mundo dos
Novas Abordagens em Saúde Mental 32
disléxicos seria, se não o maior, um dos maiores
problemas existentes no que diz respeito ao entrave de
seus desenvolvimentos.
Ron enquadrou o passo-a-passo da trajetória dos
disléxicos em uma linha do tempo muito interessante,
baseando-se em sua própria experiência de vida, no
trabalho com mais de 1000 disléxicos e no dia-a-dia de
sua instituição voltada para a mudança de
desenvolvimento destas pessoas.
Seu objetivo teria sido elucidar esse processo que, de
acordo com ele, não permitiria as pessoas disléxicas a
atingirem todo seu potencial.
1) Uma criança que é potencialmente disléxica descobre
como preencher mentalmente percepções fragmentárias
em uma idade de três meses. Este talento imaginativo
pode mais tarde produzir dislexia.
2) Durante a primeira infância, a criança usa esse talento
para reconhecer objetos no ambiente e desenvolver
talentos artísticos e cinestésicos. A criança se torna um
pensador visual e conceitual.
Há pouca necessidade de desenvolvimento do
pensamento verbal, um modo de pensar mais lento
caracterizado por um monólogo interno de palavras.
Funciona bem com o mundo real, mas ver as letras
impressas de cabeça para baixo ou invertidas ou na
ordem errada torna-as menos reconhecíveis.
4) A criança se torna cada vez mais confusa, o que
produz mais desorientação. A criança suspeita que
algo está errado. Isso é confirmado pelo professor,
pelas outras crianças da turma, pela administração da
escola e, eventualmente, pelos pais.
Todo mundo fica chateado, então a criança
“cognitivamente desafiada” também fica chateada.
Agora podemos ver problemas de comportamento.
5) A menos que alguém intervenha e forneça métodos
de aprendizado apropriados, a criança não tem
escolha a não ser lutar com a escola enquanto
tolerável, possivelmente em uma classe de Educação
Especial ou sob a influência de drogas como Ritalina
ou Cylert.
6) Na idade de oito ou nove anos, a criança inventa
truques como a memorização, a repetição e o delegar
para outros o fazer de leituras e escritas. Em aulas
práticas como ciência, música, arte ou loja, essa
criança pode se sobressair,
Novas Abordagens em Saúde Mental 33
mas aulas que exigem muita leitura e escrita, são
torturas.
7) A menos que haja intervenção apropriada de alguém
que demonstre compaixão e respeito, a autoestima da
criança disléxica sofrerá.
8) Depois de escapar da escola, a pessoa começa a
superar ou contornar a “desvantagem” de ser
funcionalmente analfabeto. Os disléxicos
frequentemente se destacam no trabalho, embora sejam
funcionalmente analfabetos.
9) No momento em que o disléxico se torna adulto, a
incapacidade de ler e escrever bem é um segredo
vergonhoso. A pessoa está convencida de que é um sinal
não apenas de ignorância, mas de indignidade. Essa
infeliz auto percepção pode tornar os disléxicos adultos
secretos e hostis.
Um método revolucionário
Algo que chama a atenção quanto ao tema da dislexia e
a teoria de Ron, são suas recorrentes aparições na vida
de mentes brilhantes da história da humanidade. Albert
Einstein, Thomas Edson, Charles Darwin, Leonardo da
Vinci, Muhammad Ali, Walt Disney; todos esses ícones
eram disléxicos e incrivelmente geniais.
O método de Ron, hoje ensinado em 44 países, é
muito simples e permitiria ao disléxico, adulto ou
criança, através de exercícios simples, criar um
sistema próprio de leitura. A partir daí, a criatividade e
a imaginação fariam o resto.
Os resultados práticos do método são extraordinários,
e levaram a que “O Dom da Dislexia” se tornasse o
livro mais vendido do mundo nesta área.
No livro, encontra-se o programa explicado passo-a-
passo, e também as respostas para todas as dúvidas
sobre a dislexia – numa linguagem clara, em letras
grandes, escrita por uma pessoa que soube tornar a
dislexia um poderoso aliado.
Segundo Ron, restaurar a autoestima de uma pessoa
seria realmente uma das partes mais importantes
para se desconstruir a dislexia e outros problemas de
aprendizagem, incluindo o DDA e a hiperatividade,
que podem estar dificultando seu dia-a-dia.
Os procedimentos descritos em “O Dom da Dislexia”
geralmente permitem que uma pessoa com
“deficiência de aprendizado” ganhe habilidades
básicas
Novas Abordagens em Saúde Mental 35
de alfabetização por meio de um programa de 30 horas.
Depois de alguns meses de aulas em casa, a maioria
pode ler, escrever e estudar normalmente.
Desconstruir a visão que eles mesmos tem de si, de que
seriam estúpidos ou atrasados, é o resultado mais
valioso do treinamento. Focando na experiência pessoal
e em toda a capacidade que a pessoa tem para
desenvolver, Ron tem sido capaz de mudar vidas para
sempre utilizando-se de sua sabedoria e abordagem.
Referências Bibliográficas
Referência: Davis, Ronald D. “O Dom da Dislexia”. Rio de
Janeiro: Editora Rocco, 2004.
Referência: Dyslexia The Gift. “Education vs Child
Development”. Disponível em:
<https://www.dyslexia.com/about-
dyslexia/understanding-dyslexia/education-vs-child-
development/>. Acesso em: 13 de maio, 2019.
Positive Psychotherapy (Psicoterapia
Positiva) (Saúde Mental em Geral)
Capítulo 4
O conceito de Psicoterapia Positiva
(PPT)
O termo psicoterapia tipicamente evoca pensamentos
sobre tratar um distúrbio psiquiátrico – como
depressão, TOC ou fobia social – ou ajudar casais a
lidar com o conflito conjugal, ajudar indivíduos a
superar o luto ou a superar um grande desafio da vida.
Em outras palavras, o objetivo nesse pensamento
seria eliminar ou reduzir algo negativo.
A Psicoterapia Positiva – muitas vezes referida como
PPT – é uma abordagem terapêutica relativamente
nova e única, que valoriza mais a busca pelo que é
bom e positivo do que a erradicação propriamente
dita do que seria o problema ou o negativo.
Ela se esforça para ajudar o indivíduo a explorar,
identificar e desenvolver seus pontos fortes – e o que
está dando certo em sua vida – em vez de dissecar e
"consertar" suas fraquezas e o que estaria errado ou
quebrado em seu mundo.
Isso não quer dizer que problemas e fraquezas não
sejam discutidas e exploradas dentro da abordagem.
Mas não fazendo disso o foco do plano terapêutico,
Novas Abordagens em Saúde Mental 37
os contatos entre terapeuta e pessoa baseiam-se em
encontrar seus pontos fortes e ajuda-la a experimentar a
felicidade no presente como chaves para melhorar seu
bem-estar e a saúde psicológica.
A Psicoterapia Positiva baseia-se na ideia de que as
pessoas encontram a felicidade de várias formas, e ao
trabalhar com a felicidade inerente à vivência do
presente e de seus momentos, as ajuda a encontra-la em
seu dia-a-dia, em seus gestos e ocasiões – mesmo que
relacionadas às dificuldades vividas –, afastando a ideia
da felicidade como algo residente apenas no passado
Algumas informações importantes
sobre a abordagem
Historicamente, a Psicoterapia Positiva teria sido
desenvolvida com a intenção de promover a felicidade
genuína e um maior senso de bem-estar a pessoas que
já eram consideradas psicologicamente saudáveis.
Atualmente, a Psicoterapia Positiva, quando não
utilizada exclusivamente, trabalha em conjunto com a
Psicoterapia Tradicional em benefício de seus
participantes.
De acordo com o pesquisador Martin Seligman – uma
das principais autoridades em Psicologia Positiva – a PPT
tem o poder de ampliar e
aprimorar o objetivo da Psicoterapia Tradicional de
ajustar aquilo que estaria causando problemas, ao
construir também pontes para o alcançar de
elementos genuinamente positivos da vida de cada
um.
Em termos de debate, os céticos históricos sobre a
Psicologia Positiva e a eficácia do PPT e seus métodos
tendem a desconsiderá-la, afirmando que a
concentração em elementos positivos e felizes da vida
seria algo pouco factualmente terapêutico e válido
para que fosse levado em consideração como o faziam
seus apoiadores.
Enquanto, por outro lado, os clínicos e pesquisadores
historicamente implementadores da PPT em sua
prática regular argumentariam o contrário, dizendo
que seus conceitos adicionariam um equilíbrio
saudável ao foco habitual em distúrbios psicológicos e
ao sofrimento emocional, atribuindo à vida humana e
sua felicidade a importância que deveriam ter.
A Psicoterapia Positiva baseia-se nos princípios da
Psicologia Positiva. Humanísticas em sua natureza,
Psicoterapia Positiva e Psicologia Positiva derivam do
trabalho de vários proeminentes psicólogos e
psicanalistas pesquisadores ao longo de muitos anos
de estudo.
Novas Abordagens em Saúde Mental 38
Martin Seligman (“Otimismo Aprendido”) e Christopher
Peterson (“A primer in Positive Psychology”) são
frequentemente creditados como fundadores do campo
da Psicologia Positiva, mas diversas outras figuras,
algumas anteriores aos dois pesquisadores citados,
tiveram sua importância à teoria e história formadora da
abordagem e seus métodos como está marcado em seu
desenvolvimento.
Estes incluem: Carl Rogers (“Terapia Centrada no
Cliente”), Abraham Maslow (“Hierarquia de
Necessidades”), Albert Bandura (“Teoria da
Aprendizagem Social”), Erich Fromm (“A Arte de Amar”),
Tayyab Rashid (“Positive Psychoterapy: Clinician
Manual”), entre outros.
Os três principais pressupostos da
Psicoterapia Positiva
De acordo com Seligman e Rashid, existiriam três
principais pressupostos que formam a base da PPT:
1) As pessoas têm um desejo inato de felicidade,
satisfação e crescimento pessoal. Elas não estão apenas
procurando evitar aflições ou sentimentos negativos.
Problemas psicológicos se desenvolvem quando não
conseguem crescer.
2) Os pontos fortes de uma pessoa são tão reais e
válidos quanto qualquer sintoma que estejam
experimentando ou distúrbios que possam ter.
3) Uma aliança terapêutica benéfica não requer um
foco em fraquezas ou psicopatologias para se
desenvolver; ela pode ser formada por falar sobre os
pontos fortes e recursos de um cliente também.
Cinco fundamentos da felicidade –
o modelo “PERMA” de Seligman
Ao longo de sua pesquisa sobre o que torna as
pessoas felizes, Seligman identificou cinco elementos-
chave que passaram a ser conhecidos como o modelo
de bem-estar PERMA. Ele seria baseado em 5 coisas
que desempenham um papel fundamental na
felicidade das pessoas. São elas:
• Positive Emotion (Emoções Positivas)
• Engagement (Engajamento)
• Relationships (Relacionamentos)
• Meaning (Significado)
• Accomplishment (Realização)
Novas Abordagens em Saúde Mental 40
As pessoas que se sentem satisfeitas em cada uma
dessas áreas-chave da vida são muito menos
vulneráveis ​​à depressão e experimentam uma maior
sensação geral de bem-estar.
As emoções positivas trazem muitos benefícios,
incluindo um clima mais positivo, maior criatividade,
maior disposição para assumir riscos e tentar coisas
novas, melhor saúde geral e relacionamentos mais
felizes.
Elas facilitam o lidar com o desapontamento do passado,
tornam mais simples a apreciação e o desfrutar do
presente, e fazem das pessoas mais otimistas sobre o
futuro que as espera.
Na PPT, os terapeutas ajudam as pessoas a
desenvolverem suas emoções positivas. Isso faz com que
elas se sintam mais esperançosas (em vez de esperar
que algo ruim aconteça) e permite com que olhem para
a própria vida sob uma perspectiva mais positiva.
Envolver-se com a vida é essencial para o bem-estar.
Sentar-se à margem te mantém entediado, deprimido e
desmotivado – e reforça a tendência de se fixar no
passado e se preocupar com o futuro. Quando nos
engajamos na vida, ganhamos impulso e nos tornamos
capazes de nos concentrarmos – e de aproveitarmos –
no momento.
Ao identificar nossos pontos fortes na PPT, podemos
começar a encontrar mais maneiras de usá-los de
formas significativas e gratificantes – e de jeitos que
tenham valor aos outros, por meio do trabalho, de
relacionamentos e de outros empreendimentos, por
exemplo.
Significado e propósito na vida tornam-na rica e
recompensadora – fazendo-a valer a pena ser vivida.
As pessoas encontram significados para ela de muitas
maneiras diferentes, incluindo família, fé, uma causa
digna ou mesmo o trabalho.
A Psicoterapia Positiva ajuda a identificar as coisas
que nos satisfazem e a dar significado à nossas vidas.
Os terapeutas que utilizam da PPT, encorajam-nos a
fazer coisas que se alinham com nossos valores e a
encontrar pessoas que se importem com as coisas que
são importantes para nós.
Realizar um objetivo ou uma tarefa desafiadora é
muito gratificante – seja terminar a faculdade,
dominar uma habilidade como jogar tênis, tocar
piano, ou perder quilos indesejados.
As pessoas felizes podem olhar para a sua vida e sentir
um sentimento genuíno
Novas Abordagens em Saúde Mental 41
de realização, mesmo que isso não signifique que elas
não cometeram erros ou deixaram de lidar com falhas ao
longo do caminho.
Concentrarem-se nos seus sucessos – em suas
realizações – inspira-os a trabalhar para objetivos futuros
e a manterem-se fieis a eles, mesmo quando se torna
mais difícil fazê-lo.
Sob a PPT, os terapeutas encorajam-nos a definir nossos
objetivos e a melhorar os traços positivos necessários
para alcançá-los. Eles nos ajudam a manter o foco em
nossos objetivos e encorajam-nos a celebrar todos os
nossos sucessos – mesmo que pequenos.
Um forte senso de realização pessoal aumenta a
resiliência e permite que permaneçamos no curso, não
importa quão entediante ou cansativo ele seja – mesmo
quando os obstáculos se apresentam.
As três fases da Psicoterapia
Positiva
A Psicoterapia Positiva pode ser dividida em três fases
distintas.
1) A primeira fase é focada em ajudar os clientes da
terapia a examinar e a identificar seus pontos fortes
pessoais.
2) A segunda fase da PPT é voltada para a construção
e fortalecimento das emoções positivas dos clientes,
ao mesmo tempo em que os ajuda a abandonar os
padrões de pensamento negativos e as emoções que
causam problemas em sua vida.
3) A terceira e última fase da PPT é focada nas
relações positivas na vida dos clientes, incluindo
formas de fortalecê-las. Esta fase também se
concentra em ajudar os clientes a obter uma maior
compreensão do que dá propósito e significado à sua
vida.
Novas Abordagens em Saúde Mental 43
Técnicas Terapêuticas da PTT
Os terapeutas usam várias técnicas para incorporar os
princípios da Psicologia Positiva em seus trabalhos com
os clientes. Isso inclui ajudar os clientes a:
Incentivar a linguagem baseada na força pessoal - A
maioria das pessoas chega à terapia esperando falar
sobre todas as coisas negativas – mágoas,
ressentimentos, conflitos com os outros, tristeza e
perdas.
Mudar a linguagem para incorporar palavras mais
positivas ajuda a mudar o foco para coisas mais positivas
na vida de uma pessoa. Isso pode melhorar a capacidade
dos clientes de reconhecer seus pontos fortes e
identificar o que está funcionando em suas vidas.
Concentrar-se no positivo em vez do negativo - Na
terapia (e muitas vezes na vida) as pessoas tendem a se
concentrar no negativo e não no positivo.
As pessoas que combatem a depressão são
especialmente propensas a se debruçarem sobre os
aspectos negativos de suas vidas, bem como todas as
coisas negativas que aconteceram em seu passado.
Na PPT, o terapeuta se esforça para mover o foco dos
clientes para o positivo – por exemplo, as coisas boas
que aconteceram durante o dia ou a semana.
Essa mudança ajuda os clientes a desenvolverem uma
perspectiva mais equilibrada – e realista – ou seja,
quase sempre há algo de bom nas coisas ruins.
Também permite que eles se tornem mais hábeis em
observar as coisas positivas no presente, bem como
identificar qualquer coisa positiva que tenha saído de
uma situação ou experiência difícil no passado.
Reforçar sentimentos de esperança - Instilar um
sentimento de esperança é um objetivo terapêutico
comum. Na PPT, os terapeutas se esforçam para
encontrar maneiras de construir e fortalecer o senso
de esperança e otimismo de seus clientes.
Ajudar os clientes a reconhecer seus pontos fortes
pode contribuir para esse objetivo, pois facilita uma
maior confiança em sua capacidade de lidar com
problemas e desafios no futuro.
Enviar lembretes - Alguns terapeutas usarão um
pager, uma mensagem de texto ou outros meios para
enviar ao cliente
Novas Abordagens em Saúde Mental 44
um lembrete para registrar o que estão vivenciando
naquele momento, com ênfase no positivo.
A ideia é que esses registros (que o cliente pode
expandir no final do dia) forneçam uma amostra dos
tipos. Em algum momento mais tarde na terapia, estes
podem ser discutidos para ver como o cliente está
progredindo.
Inventário de Ações e Pontos Fortes
Uma das principais ferramentas utilizadas na
Psicoterapia Positiva é o Inventário de Pontos Fortes
(VIA-IS). Esta ferramenta, desenvolvida por Seligman e
Peterson, consiste em um questionário que permite
determinar nossas cinco maiores forças.
O VIA-IS pode servir como um poderoso lembrete de
que nós não somos uma depressão, transtorno bipolar,
transtorno obsessivo-compulsivo ou qualquer outro
rótulo de diagnóstico depreciativo.
Uma dificuldade percebida, falha pessoal ou distúrbio
psiquiátrico, não define quem somos. Este é um dos
aspectos mais fortalecedores da Psicoterapia Positiva.
Ela permite que você se veja como uma pessoa inteira, e
não como um indivíduo “quebrado” ou “confuso” que
precisa ser “consertado”.
Identificar nossos principais pontos fortes pode ser
incrivelmente empoderador. Isso reforça a mudança
de foco do que estaria errado para o que de fato seria
forte em cada um de nós.
(O VIA-IS está disponível on-line e é gratuito)
Algumas vantagens inerentes à
Psicoterapia Positiva
1) Os terapeutas que normalmente usam outros tipos
de psicoterapia, podem incorporar a Psicoterapia
Positiva em sua prática como uma abordagem
complementar para tratar uma variedade de
problemas emocionais e distúrbios mentais.
2) Os indivíduos podem facilmente usar ferramentas
on-line, como o Inventário de Valores em Ação e os
vários exercícios existentes, e aplicá-los
benéficamente em suas próprias vidas. Esta pode ser
uma ótima maneira de ajudar as pessoas que muitas
vezes são resistentes à ideia de ir à terapia.
3) Os princípios, conceitos e exercícios usados ​​na PPT
são relativamente fáceis de entender.
Novas Abordagens em Saúde Mental 46
Entrar em sintonia com uma abordagem mais acessível
como a PTT pode fazer dela uma abordagem mais
confortável e agradável para as pessoas.
Isso é importante porque elas estarão mais inclinadas a
manter o tratamento do que desistir prematuramente
devido a uma desconexão intelectual ou emocional com
o processo.
4) Ao contrário de alguns tipos de psicoterapia e
intervenções psicológicas, não há contraindicações
importantes para a Psicoterapia Positiva. Quase todo
mundo pode experimentar pelo menos algum benefício
com essa abordagem.
5) Uma das críticas feitas à Psicoterapia Positiva trata
sobre a necessidade de que mais pesquisas sejam
realizadas em relação a sua eficácia, particularmente em
indivíduos que foram diagnosticados com algum
distúrbio psiquiátrico.
No entanto, até que haja mais pesquisas baseadas em
evidências, a maioria concorda que existem riscos
mínimos para incorporar técnicas de Psicoterapia
Positiva na prática clínica regular.
Gastar pelo menos algum tempo concentrando-se em
eventos positivos, resultados e emoções, bem como
identificar, explorar e desenvolver os pontos
fortes de uma pessoa, são geralmente considerados
úteis, psicologicamente saudáveis ​​e benéficos.
No mínimo, isso provavelmente trará maior sensação
de confiança quando se trata de lidar com a
adversidade.
O processo também pode ajudar a mudar uma
perspectiva negativa ou pessimista para uma
perspectiva mais esperançosa e positiva na maioria
dos indivíduos.
A Psicoterapia Positiva, embora ainda relativamente
nova em comparação com os tipos mais tradicionais
de psicoterapia, mostra-se muito promissora.
Para quem está pensando em trabalhar com um
terapeuta, pode valer a pena considerar procurar um
psicólogo ou outro profissional de saúde mental que
incorpore os conceitos centrais e exercícios da PPT à
sua prática atual.
Novas Abordagens em Saúde Mental 47
Distúrbios, condições e dificuldades
que podem se beneficiar da
Psicoterapia Positiva
A Psicoterapia Positiva pode ser benéfica para uma
ampla gama de transtornos e dificuldades psicológicas
que levam os indivíduos a procurar ajuda profissional. A
ênfase na identificação e promoção de forças pode ser
muito estimulante para qualquer pessoa que esteja
lutando contra algo dessa natureza. Estes incluem (mas
não estão limitados a):
• Depressão
• Ansiedade
• Fobia social
• TOC
• Estresse pós-traumático e traumas não resolvidos
• Estresse crônico ou severo
• Conflitos de relacionamento
• Dependência e recuperação
• Luto e perda
• Momentos de grande transição na vida
Referências Bibliográficas
Conteúdo traduzido e adaptado dos documentos:
Referência: Martin E. P. Seligman, Tayyab Rashid, and
Acacia C. Parks. “Positive Psychotherapy”.
Pennsylvania: American Psychologist, NOV, 2006.
Referência: Addiction. “Positive Psychotherapy”.
Disponível em: <https://www.addiction.com/a-
z/positive-psychotherapy/>. Acesso em: 14 de maio,
2019.
Novas Abordagens em Saúde Mental 49
GAM (Gestão Autônoma da
Medicação) (Medicamentos)
Capítulo 5
Introdução ao conceito GAM
Desde sua instituição, o movimento pela Reforma
Psiquiátrica mundial têm conquistado grandes
avanços na saúde mental, impactando positivamente
a vida de milhares de pessoas, como a redução de
leitos em hospitais psiquiátricos e o retorno à vida em
comunidade de cidadãos com longo histórico de
internações.
Em processo de desinstitucionalização constante, e
que continua abrangendo a criação de novas formas
de organização da atenção à saúde em vários países,
esse movimento segue valorizando a integração dos
serviços e dos usuários às suas comunidades e
territórios.
Dentre alguns dos desafios enfrentados por esse
movimento, ainda se faz presente que tratamentos
baseados em medicamentos – ou psicofármacos –
ainda sejam os mais utilizados, colocando em segundo
plano outras formas de cuidar das pessoas, baseadas
nas relações, no afeto e na comunicação como
elementos fundamentais.
A Gestão Autônoma da Medicação (GAM),
Novas Abordagens em Saúde Mental 51
em consonância com os fundamentos da Reforma
Psiquiátrica, propõe ferramentas concretas para o
enfrentamento desse problema – de que práticas de
saúde mental dependam tanto do mundo da Medicina
(da medicalização) e tão pouco do contato humano e da
conscientização.
Nesse sentido, a GAM busca que as pessoas sob o uso
de psicofármacos sejam mais críticas em relação a
utilização que fazem deles, que conheçam melhor os
medicamentos que usam cotidianamente e seus efeitos
desejados e não desejados, por meio da instrução e do
diálogo.
É uma abordagem que objetiva, ainda, que elas
conheçam quais são seus direitos e que saibam que
podem decidir se aceitam ou recusam as diferentes
propostas de tratamento apresentáveis. O direito à
informação e o direito a liberdade de opinar e participar
em relação aos tratamentos tornam-se princípios
fundamentais da Gestão Autônoma da Medicação.
A história por trás da Gestão
Autônoma da Medicação
A GAM começou a ser desenvolvida no Canadá, na
cidade de Quebéc,
em 1993, em um contexto onde a forma de usar os
medicamentos nos tratamentos em saúde mental era
pouco ou nada criticada. Foi uma iniciativa de grupos
de usuários com transtornos mentais para ajudar
outros usuários no enfrentamento dessa situação.
Esses grupos afirmavam a importância dos diferentes
significados que a medicação podia assumir para cada
usuário.
A GAM foi construída através de um processo coletivo
muito participativo, com organização de grupos de
debates entre usuários, associações de defesa dos
direitos dos usuários, profissionais das redes
comunitárias de serviços alternativos em saúde
(serviços que não eram oferecidos pelo governo
canadense) e pesquisadores – e atualmente, a GAM,
no Quebéc, faz parte de um Plano de Ação elaborado
pelo governo, e sua prática é reconhecida e
estimulada.
A partir desses debates, constatou-se que, mesmo
que muitos usuários admitissem que os
medicamentos ajudavam a reduzir o sofrimento, com
frequência eram precisas longas peregrinações até
conseguirem informações básicas sobre o seu
tratamento e a prescrição de doses mais adequadas
ao seu caso particular.
Novas Abordagens em Saúde Mental 52
O debate também permitiu perceber que, para alcançar
o melhor tratamento para cada pessoa, podiam ser
necessárias mudanças: trocar os medicamentos,
aumentar ou diminuir uma dosagem, ou mesmo parar
progressivamente com o seu uso.
Para cada pessoa, o significado do uso dos
medicamentos e seus efeitos eram diferentes, já que
essa experiência é única (singular) para cada um. Por
isso a estratégia GAM não propõe regras fixas ou gerais:
reconhece sempre os caminhos singulares das pessoas.
Uma das ferramentas da GAM, resultado de vinte anos
de lutas dos serviços alternativos e dos grupos de
promoção e defesa dos direitos em saúde mental do
Quebec, é o guia Gestion Autonome de la Médication de
l'Alme - Mon Guide Personel (Gestão Autônoma da
Medicação da Alma - Meu Guia Pessoal), elaborado em
2001, por pesquisadores e associações do Quebéc.
Esse Guia, escrito em francês, propunha que os usuários
tivessem acesso às informações e, assim, tivessem
melhores condições de reivindicar os seus direitos,
dialogando sobre o lugar que a medicação e outras
práticas ocupavam em suas vidas.
Além disso, propunha-se também que o usuário deixasse
de ser tratado como
"objeto" do tratamento para ser, de fato, tratado
como "sujeito" e "pessoa de pleno direito“ do mesmo.
O Guia GAM construído no Canadá foi adaptado para
a realidade brasileira ao longo dos anos 2009 e 2011.
A adaptação buscou levar em conta o contexto
brasileiro da Reforma Psiquiátrica e da existência do
Sistema Único de Saúde (SUS). Também incluiu os
direitos dos usuários de serviços de saúde e de saúde
mental vigentes no Brasil.
O Guia GAM brasileiro salienta que a decisão sobre o
melhor tratamento se consegue a partir de uma
composição entre o que os usuários sabem (baseados
nas suas experiências pessoais ou de grupo), o que
dizem os seus familiares sobre a experiência com o
cuidado diário e o que sabem os médicos ou as
equipes de referência sobre o uso das medicações.
Os três tipos de saberes são importantes. E é a partir
do diálogo e do compartilhamento desses saberes que
poderão ser tomadas as melhores decisões a respeito
do modo de se usar os medicamentos, assim como
sobre se usa-los ou não.
Chama-se essa composição de saberes de gestão
compartilhada.
Novas Abordagens em Saúde Mental 54
E ela é bem diferente da chamada autogestão, em que
os usuários tomam suas decisões sozinhos, sem
compartilhá-las, modificando dosagens ou parando com
os remédios sem alguém que lhes acompanhe.
Nesse sentido, quando se fala em ouvir, é ouvir mesmo,
não apenas um faz de conta, um perguntar só por
perguntar, e fazer no fim o que já tinha sido decidido ou
pensado – independente da resposta. Ouvir é considerar
legítimo tudo o que o usuário tem a dizer.
A proposta da Gestão Autônoma da Medicação é
justamente que decisões dos usuários sejam aceitas
como legítimas e que sejam conversadas e
compartilhadas com a equipe de saúde de referência
para que possam ser analisadas coletivamente; e para
que tanto os usuários como a equipe, e também os
familiares envolvidos, saibam dos possíveis efeitos das
decisões e "banquem juntos" uma posição – seja a
redução ou mesmo a retirada dos medicamentos.
Dois princípios básicos da GAM:
Autonomia e Cogestão
Começemos com o princípio da autonomia. O
movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira pensa a
autonomia não como independência (fazer ou viver
sozinho) ou individualismo (ter direitos pessoais acima
de direitos coletivos).
Autonomia, para esse movimento, significa estar em
relacionamento com os outros, e não sozinho. Para
viver a autonomia, as pessoas têm de compartilhar,
umas com as outras, o que pensam e o que sentem,
ao invés de se fecharem em suas ideias e posições.
Essa vivência vale assim, também, para os usuários
em seus tratamentos: para experimentarmos a
autonomia nos tratamentos, a gestão destes precisa
ser compartilhada entre todos aqueles que estão
envolvidos.
Por isso, os usuários devem ser considerados
protagonistas e corresponsáveis (responsáveis junto
com os profissionais) pelo tratamento que seguem.
Eles devem
Novas Abordagens em Saúde Mental 55
ser considerados capazes de compartilhar as decisões
sobre o próprio tratamento, inclusive sobre o uso de
seus medicamentos. Ou seja, os usuários têm que
participar da decisão de usar ou não, e de como irão
usar os medicamentos (se a decisão for essa).
Essas decisões não podem ser apenas dos profissionais
da saúde responsáveis; elas têm que ser compartilhadas.
Por isso, quando falamos de gestão autônoma, não
estamos falando de uma gestão independente da
própria vida do usuário, mas de uma cogestão, que é o
segundo princípio sobre o qual queremos falar: cogestão
é a gestão que se faz juntos.
Nas nossas vidas, quando tomamos as decisões que são
fundamentais, sempre procuramos o apoio de outras
pessoas, com quem dividimos nossas preocupações e
dificuldades. Por que teria que ser diferente com os
medicamentos psiquiátricos?
No dia-a-dia associamos com frequência a palavra
autonomia a ideias como autossuficiência, livre-arbítrio
e independência. Porém, a independência do usuário ao
tomar decisões sobre sua medicação nem sempre o leva
à melhor situação ou ao melhor resultado.
Um exemplo disso surge quando um usuário decide
sozinho parar de tomar seus medicamentos. Sem o
acompanhamento de uma equipe de saúde que o
apoie em sua decisão, é comum que a interrupção
abrupta do uso do medicamento desencadeie uma
crise que o faça ter que tomar uma dosagem ainda
maior de medicamentos do que aquela que antes já
tomava.
Por outro lado, considerar somente o conhecimento
médico, somente o que a equipe de saúde propõe,
para avaliar qual é a melhor medicação para um
usuário, é um erro.
A melhor maneira de se tomar essas decisões é
considerar não apenas o que sabem os médicos, mas
também o que sabem os usuários sobre suas próprias
experiências com os medicamentos.
A GAM aposta no valor das conversas para decidir
juntos – médico e usuário – o melhor plano de
tratamento para cada um; isso é uma gestão
autônoma, ou uma cogestão.
Imaginemos uma cena onde se receitam
medicamentos; nela participam vários grupos e
pessoas: tem o usuário, o médico que prescreve, a
equipe que vai acompanhar, a família do usuário,
Novas Abordagens em Saúde Mental 57
os amigos, os seus colegas de trabalho, os vizinhos, e a
comunidade.
Todos irão perceber os efeitos (sejam bons ou ruins) do
tratamento para essa pessoa, e todos poderão contribuir
de alguma maneira para ajudar em seu tratamento.
Quanto mais conectados a uma rede de cuidados
estiverem, mais possibilidades os usuários, seus
familiares e/ou equipe de saúde terão para administrar
(gerir) a medicação. Juntos, podemos sempre criar e
sustentar formas de tratamento que isoladamente não
conseguiríamos.
Fazemos gestão autônoma quando ampliamos
coletivamente as possibilidades de cuidado. E é dessa
forma que a GAM contribui para a realização de políticas
públicas de saúde comprometidas com o protagonismo
dos usuários e dos trabalhadores, com a democratização
dos serviços de saúde e com a melhor qualidade do
atendimento que eles oferecem.
No que consiste a Gestão
Autônoma da Medicação
A Gestão Autônoma da Medicação (GAM) é uma
estratégia pela qual aprendemos a cuidar do uso dos
medicamentos, considerando seus efeitos em todos
os aspectos da vida das pessoas que os usam.
A GAM parte do reconhecimento de que cada usuário
tem uma experiência singular ao usar psicofármacos e
de que importa aumentar o poder de negociação
desse usuário com os profissionais da saúde que se
ocupam do seu tratamento – sobretudo com os
médicos, que são os que prescrevem os
medicamentos.
Ao prescrever um medicamento, o profissional tem
que considerar a experiência prévia do usuário e não
excluir a possibilidade de diminuir doses, trocar um
medicamento por outro ou substituir o tratamento
medicamentoso por outras formas de tratar.
É fundamental que usuários e profissionais possam
avaliar juntos em que medida os medicamentos
servem mesmo à melhoria da qualidade de vida,
reduzindo o
Novas Abordagens em Saúde Mental 58
sofrimento que os sintomas da doença causam; ou, se,
de maneira oposta, intensificam esse sofrimento com
efeitos não desejados (efeitos colaterais).
É fundamental que profissionais da saúde se aproximem
das vivências dos usuários; e que estes se sintam com
liberdade e no direito de intervir nas condições do
tratamento que seguem.
Foi para ajudar usuários e profissionais da saúde a
tomarem as melhores decisões a respeito de
medicamentos, de forma compartilhada e solidária, é
que Guia GAM foi construído.
O Guia GAM é uma ferramenta prática e útil, que
oferece não só informações técnicas, mas perguntas
amplas e abertas, que remetem às experiências e aos
significados individuais de usar tal ou qual medicamento,
além de outros aspectos considerados importantes para
avaliar se o tratamento está sendo adequado.
A GAM é uma estratégia para ser praticada de forma
coletiva, em grupo, de maneira dialogada e
compartilhada – e assim deve ser também o uso do Guia
GAM. Experimentar o compartilhamento de experiências
no grupo é um ótimo exercício para a construção de um
diálogo com os médicos e com a equipe de saúde de
cada usuário.
A função dos moderadores é muito importante para
isso, pois a dinâmica de um Grupo GAM – a
possibilidade de compartilhamento das experiências e
de protagonismo de seus participantes – depende, em
grande parte, da boa qualidade da sua condução.
Os moderadores dos Grupos GAM têm um papel
muito importante no acolhimento dos grupos,
abraçando as experiências mais diversas, por mais
difíceis, diferentes e intensas que sejam.
É preciso criar um ambiente de confiança e de
abertura que possa ajudar cada participante a se
sentir à vontade no próprio grupo e para negociar o
seu tratamento e torná-lo mais afinado à sua própria
situação de vida.
Daí se faz importante que se saiba que mesmo
perguntas simples sobre o tratamento com
medicamentos e seus efeitos, ou sobre o papel que
ele ocupa na vida de cada participante, podem criar
insegurança ou ansiedade nos membros do grupo.
Ao mesmo tempo, compartilhar essas questões pode
permitir que os participantes confiem mais em suas
próprias vivências e consigam valorizar suas
potencialidades e
Novas Abordagens em Saúde Mental 60
recursos para enfrentar os problemas.
O compartilhamento também seria importante para os
próprios moderadores e outros profissionais
participantes, já que abriria a possibilidade de que todos
repensassem suas relações com os medicamentos,
dando a elas um novo significado.
Vários profissionais que participaram de Grupos GAM
relatam que desenvolveram uma melhor compreensão
sobre os diferentes medicamentos e, ainda, um melhor
entendimento sobre o que o uso deles significaria para
cada usuário de psicofármacos.
Esses profissionais contariam também sobre mudanças
na forma como se relacionavam com os usuários, a
partir da escuta de suas experiências: ficaram mais
flexíveis para ouvir sobre os medicamentos do
tratamento e para acolher o significado do seu uso para
cada um deles.
Referências Bibliográficas
Conteúdo transcrito e adaptado do documento:
Referência: GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO –
Guia de Apoio a Moderadores. Rosana Teresa Onocko
Campos; Eduardo Passos; Analice Palombini et AL.
DSC/FCM/UNICAMP; AFLORE; DP/UFF; DPP/UFRGS,
2014. Disponível em:
http://www.fcm.unicamp.br/fcm/laboratorio-saude-
coletiva-e-saudemental-interfaces
Novas Abordagens em Saúde Mental 61
Power Threat Meaning Framework
(PTM) (Saúde Mental em Geral)
Capítulo 6
Introdução ao projeto-abordagem
PTM
Em 2013, a Divisão de Psicologia Clínica da Sociedade
Britânica de Psicologia publicou uma Declaração de
Posição crítica a respeito de que – dentro de um
contexto de reconhecimento generalizado – os
sistemas de classificação atuais, como DSM e ICD,
seriam fundamentalmente falhos.
A terceira recomendação do documento de
posicionamento tratava sobre o ato de apoiar
trabalhos, em conjunto com os usuários dos serviços,
no desenvolvimento de uma abordagem multifatorial
e contextual, que incorporasse fatores sociais,
psicológicos e biológicos de cada um. Nesse sentido, o
PTM surge, como resultado de um projeto que
buscaria atingir a esses e a outros objetivos.
O objetivo da equipe do projeto era produzir um
documento fundamental que estabelecesse a base
filosófica, teórica e empírica para tal estrutura e
descrevesse como ela poderia servir como uma
alternativa conceitual à classificação psiquiátrica em
relação ao sofrimento emocional e comportamentos
ditos problemáticos ou perturbadores.
Novas Abordagens em Saúde Mental 63
Sempre existiram alternativas para o diagnóstico
individual como descrições e formulações de problemas
e, nesse sentido, o PTM tem o potencial de levar-nos
além das hipóteses de medicalização e diagnóstico.
Propõe formas alternativas de pensar sobre uma série
de questões fundamentais, incluindo:
• Que tipos de quadros teóricos e pressupostos são
apropriados para compreender o sofrimento
emocional, experiências incomuns e comportamentos
problemáticos e problemáticos?
• Quais métodos de pesquisa poderiam ser usados ​​e o
que conta como evidência?
• Como os resultados da pesquisa poderiam ser
interpretados?
• Qual é a relação entre sofrimento pessoal e seus
contextos sociais, materiais e culturais mais amplos?
• Como podemos centrar as experiências vividas das
pessoas e os significados que as moldam?
• Quais novas conceituações surgem de todas essas
questões, e como todas as implicações podem ser
traduzidas em prática, tanto dentro como fora dos
serviços, em todos os níveis, da política individual à
política social?
É essencial reconhecer que há uma gama de
pacientes, usuários de serviços, sobreviventes e de
pessoas lidando com diagnósticos psiquiátricos. A
equipe do projeto inclui tanto sobreviventes quanto
profissionais, e essas visões e experiências são
centrais para os argumentos da abordagem.
Quaisquer que sejam as opiniões pessoais das
pessoas, no curto e médio prazo, os diagnósticos
psiquiátricos ainda serão de certa forma necessários
para que se acesse alguns serviços, benefícios e assim
por diante. Mas, mesmo assim, todos temos o direito
de descrever nossas experiências da maneira que nos
faz mais sentido.
A longo prazo, esta abordagem destina-se a apoiar a
construção de histórias não-diagnósticas, não-
culpáveis, desmistificadoras sobre força e
sobrevivência, que reintegrem muitos
comportamentos e reações atualmente
diagnosticados como sintomas de transtornos mentais
de volta ao intervalo da experiência humana universal.
Os princípios do Power Threat
Meaning (PTM)
Novas Abordagens em Saúde Mental 64
A estrutura do PTM (Power Threat Meaning) se baseia
em uma variedade de modelos, práticas e tradições
filosóficas, mas é mais ampla e não depende de
qualquer orientação teórica específica.
Em vez disso, o objetivo é informar e ampliar as
abordagens existentes, oferecendo uma perspectiva
fundamentalmente diferente sobre as origens, a
experiência e a expressão do sofrimento emocional e do
comportamento dito problemático.
A abordagem PTM baseia-se nos seguintes princípios
fundamentais:
• As alternativas construtivas à classificação e
diagnóstico psiquiátrico precisam se concentrar em
aspectos do funcionamento humano que foram
marginalizados em estruturas teóricas derivadas do
estudo de processos corporais no mundo físico. Em
particular, as alternativas devem basear-se no estudo
de seres humanos que se comportam
intencionalmente em contextos sociais e relacionais.
• Comportamento e experiências "anormais" existem
em um continuidade com comportamentos e
experiências "normais" e estão sujeitos a estruturas
similares de compreensão e interpretação.
Estes incluem a suposição de que, a menos que haja
evidência forte em contrário, nosso comportamento e
experiência podem ser vistos como respostas
inteligíveis a nossas circunstâncias atuais, história,
sistemas de crenças, cultura e capacidades corporais,
embora os elos entre estes nem sempre sejam óbvio
ou direto.
• A causalidade no sofrimento, no comportamento
humano, é probabilística; isto é, tem um caráter
"em média" e nunca será possível prever impactos
precisos. As influências causais também operam de
maneira contingente e sinérgica, o que significa
que os efeitos de qualquer fator são sempre
mediados e contingentes aos outros, e que as
influências podem ampliar os efeitos umas das
outras.
Experiências e expressões de sofrimento emocional
são entendidas, mas não em qualquer sentido
simplista, como elementos causados via nossos
corpos, biologia e envolto social.
• Os seres humanos são seres fundamentalmente
sociais, cujas experiências de angústia e
comportamento conturbado ou perturbador são
inseparáveis ​​de seus contextos materiais, sociais,
Novas Abordagens em Saúde Mental 66
ambientais, socioeconômicos e culturais. Não existe
uma "desordem" separada a ser explicada, com o
contexto como uma influência adicional.
Não pode haver "psiquiatria global" ou "psicologia
global". Padrões de dificuldades emocionais e
comportamentais sempre refletirão os discursos, normas
e expectativas sociais e culturais predominantes,
incluindo conceituações aceitas da personalidade.
• As teorias e julgamentos sobre identificar, explicar e
intervir no sofrimento mental e no comportamento
dito problemático não são isentas de valor. Isso não
significa que outros conhecimentos úteis e confiáveis
sejam inatingíveis.
• Precisamos levar a sério o significado, a narrativa e a
experiência subjetiva. Isso envolverá um lugar central
para as narrativas de especialistas por experiência.
Envolverá também o desenho de uma ampla gama de
métodos de pesquisa e dará status equivalente a
métodos qualitativos e quantitativos, incluindo o
testemunho de usuários de serviços / sobreviventes e
de seus próprios cuidadores.
Características e finalidades do
PTM
Estes princípios informam as principais características
e finalidades da Estrutura PTM, que são as seguintes:
• Permite a identificação provisória de padrões e
regularidades gerais na expressão e experiência de
sofrimento e comportamento perturbado ou
perturbador, em oposição a mecanismos causais
biológicos ou psicológicos específicos ligados para
separar as categorias de transtornos.
• Mostra como esses padrões de resposta são
evidentes em diferentes graus e em diferentes
circunstâncias para todos os indivíduos ao longo da
vida.
• Não assume "patologia"; em vez disso, descreve os
mecanismos de enfrentamento e sobrevivência que
podem ser mais ou menos funcionais como uma
adaptação a conflitos e adversidades particulares
no passado e no presente.
• Integra a influência de fatores biológicos/ genéticos
Novas Abordagens em Saúde Mental 67
e epigenéticos / evolutivos na mediação e ativação
desses padrões de resposta.
• Integra fatores relacionais, sociais, culturais e
materiais como formadores de emergência,
persistência, experiência e expressão desses padrões.
• Conta com a responsabilidade pelas diferenças
culturais na experiência e expressão de sofrimento.
• Atribui um papel central ao significado pessoal,
emergindo dos discursos e crenças sociais e culturais,
das condições materiais e das potencialidades
corporais.
• Atribui um papel central à agência pessoal ou à
capacidade de exercer influência dentro em situações
de inevitáveis ​​restrições psicossociais, biológicas e
materiais.
• Reconhece a centralidade do contexto relacional /
social / político nas decisões sobre o que conta como
uma necessidade ou crise de "saúde mental" em
qualquer situação.
• Fornece uma base de evidências para o desenho de
padrões gerais de respostas de enfrentamento e
sobrevivência para informar narrativas individuais /
familiares / de grupo.
• Oferece maneiras alternativas de cumprir as
funções relacionadas ao serviço, administrativas e
de pesquisa do diagnóstico.
• Sugere usos alternativos de linguagem, enquanto
argumenta que não pode haver substituições de
um para um em termos de diagnóstico atuais.
• Inclui significados e implicações para a ação em
uma comunidade / política social / contexto
político mais amplo.
Um resumo esclarecido sobre a
abordagem
A ampla Estrutura PTM é derivada de uma vasta gama
de teorias e pesquisas, construídas e realizadas
através de disciplinas e métodos bem elaborados. É
composta por quatro aspectos inter-relacionais:
1) O funcionamento do PODER (biológico; coercivo;
legal; econômico / material; ideológico; social /
cultural e interpessoal).
2) A AMEAÇA que a operação negativa do poder pode
Novas Abordagens em Saúde Mental 69
representar para a pessoa, o grupo e a comunidade, com
particular referência ao sofrimento emocional, e as
maneiras pelas quais isso é mediado pela nossa biologia.
3) O papel central do SIGNIFICADO (como produzido
nos discursos sociais e culturais, e estimulado pelas
respostas corporais evoluídas e adquiridas) na
modelagem da operação, experiência e expressão de
poder, ameaça e nossas respostas à ameaça.
4) E como reação a todos os itens acima, a RESPOSTA À
AMEÇA instruída a qual uma pessoa, família, grupo ou
comunidade, pode recorrer para garantir a sobrevivência
emocional, física, relacional e social. Estas variam desde
reações fisiológicas em grande parte automáticas até
ações e respostas com base linguística ou
conscientemente selecionadas.
Ao contrário do modelo biopsicossocial mais tradicional
de sofrimento mental, não há suposição de patologia e
os aspectos "biológicos" não são privilegiados, mas
constituem um nível de explicação fundamental ligado a
todos os outros.
O indivíduo não existe e não pode ser entendido
separadamente de seus relacionamentos, comunidade e
cultura; o significado só surge quando elementos sociais,
culturais e biológicos se combinam; e as capacidades
biológicas
não podem ser separadas do ambiente social e
interpessoal.
Dentro disso, observa-se o significado como algo
intrínseco à expressão e à experiência de todas as
formas de sofrimento emocional, dando forma única
às respostas pessoais do indivíduo.
Em resumo, a abordagem PTM, tanto para às origens
quanto para à manutenção da aflição, substitui a
questão centro da medicalização existente, a saber, “o
que está errado com você?”, por outras quatro
alinhadas com seus princípios e valores, quais sejam:
• O que aconteceu com você? (como o PODER
operou na sua vida?)
• "Como isso afetou você?" (Que tipo de AMEAÇAS
isso representa?)
• "Que sentido você fez dela?" (Qual é o
SIGNIFICADO dessas situações e experiências para
você?)
• "O que você teve que fazer para sobreviver?" (Que
tipo de RESPOSTA À AMEAÇA você está usando?)
Novas Abordagens em Saúde Mental 70
Um dos principais objetivos da Estrutura do PTM é
auxiliar a identificação provisória de padrões baseados
em evidências de situações de estresse, experiências
incomuns e comportamentos ditos problemáticos.
Em contraste com os mecanismos causais biológicos
específicos que sustentam algumas categorias de
distúrbios médicos, esses padrões são altamente
probabilísticos, com influências operando de maneira
contingente e sinérgica.
No entanto, isso não significa que não existem
regularidades. Pelo contrário, isso implica que essas
regularidades não são, como na medicina,
fundamentalmente padrões na biologia, mas padrões de
respostas de ameaças corporificadas, baseadas em
significado, à operação negativa do poder.
A Estrutura PTM demonstra como esses padrões
probabilísticos podem ser descritos em vários níveis. Isso
define o cenário para a identificação de sete Padrões
Gerais Provisórios que emergem de dentro da Estrutura
Fundamental.
Eles não são substitutos de diagnósticos, mas são
baseados em amplas regularidades que atravessam
grupos de diagnóstico, e que surgem de significados
pessoais, sociais e culturais.
Esses Padrões Gerais Provisórios cumprem um dos
principais objetivos da Estrutura, que é restaurar os
vínculos entre ameaças baseadas em significado e
respostas a ameaças baseadas em significado.
Essas respostas surgem das necessidades humanas
fundamentais a serem protegidas e valorizadas, que
encontram um lugar no grupo social e assim por
diante, e representam as tentativas das pessoas,
conscientes ou não, de sobreviver aos impactos
negativos do poder.
Entendidas como "estratégias de sobrevivência" em
vez de "sintomas", elas cruzam diagnósticos, através
de especialidades e através dos limites do que é
geralmente considerado "normal" versus "patológico".
Elas estão presentes em diversos pontos e, até certo
medida, na vida cotidiana de todos.
O Modelo PTM e os padrões derivados dele fornecem
uma nova perspectiva sobre a aplicação dos sistemas
de classificação psiquiátrica ocidental às culturas não-
ocidentais e a expressões de sofrimento, tanto ao
Reino Unido quanto ao mundo.
A Estrutura PTM prevê e permite a existência de
experiências culturais
Novas Abordagens em Saúde Mental 72
e expressões de sofrimento amplamente variáveis, sem
as posicionar como variações bizarras, primitivas, menos
válidas ou exóticas do paradigma diagnóstico dominante.
Como os padrões de sofrimento emocional sempre
serão, em certa medida, locais, no tempo e no lugar,
nunca poderá haver um léxico universal de tais padrões.
Mais especificamente, o Modelo PTM pode sugerir
alternativas ao diagnóstico para fins de agrupamento;
administração; judicialização; planejamento de serviços
e pesquisas. Pode permitir a geração e a construção de
narrativas pessoais e abrir a possibilidade de diferentes
histórias não-diagnósticas de força e sobrevivência
emergirem.
Junto a isso, oferece uma forma de cumprir, mais
eficazmente, alguns dos benefícios relatados do
diagnóstico, como fornecer uma explicação, ter a aflição
validada, facilitar o contato com outras pessoas em
circunstâncias semelhantes, oferecer alívio da vergonha
e da culpa, sugerir um caminho a seguir e transmitir
esperança para uma mudança positiva.
Reflexões importantes acerca de
estigmas, dificuldades e o PTM
As tendências e necessidades apresentadas neste
conteúdo são tendências e necessidades de nível
populacional, não caminhos individuais pré-
determinados, e elas descrevem riscos, não
inevitabilidades.
Nesse contexto, a estrutura fundamental da
abordagem tem implicações extremamente
importantes para os sistemas de saúde mental e para
os serviços humanos como um todo.
Um modelo cumulativo e sinérgico de impacto das
adversidades como o PTM não apoia a
individualização do sofrimento, tanto medicamente
quanto psicologicamente. Em vez disso, implica a
necessidade de ação, principalmente através da
política social, o mais cedo possível, antes que ciclos
destrutivos sejam postos em movimento.
Embora muitas pessoas rotuladas psiquiatricamente
tenham experimentado tanto rupturas quanto formas
específicas de adversidade, até mesmo a educação
mais amorosa e
Novas Abordagens em Saúde Mental 73
segura não poderia fornecer proteção contra todas as
ameaças, especialmente considerando um contexto mais
amplo de desigualdade social.
Igualmente, muito poucas pessoas, independentemente
do seu passado, sobreviveriam a circunstâncias como
abuso doméstico, tráfico, status de refugiado, dor física
crônica e problemas de saúde, luto múltiplo, grandes
desastres naturais, guerras e assim por diante, sem
cicatrizes emocionais.
Quanto menores são os fatores de melhoria na vida de
uma pessoa (por exemplo, cuidadores alternativos;
apoio social; moradia adequada; habilidades
desenvolvidas; educação; acesso a recursos; intervenção
apropriada) menores as chances dela escapar destes
ciclos, que envolvem sociedade e saúde mental
diretamente.
Apesar dessas constatações, é igualmente importante
reconhecer que cada uma dessas possibilidades também
pode ser reproduzida de maneira positiva - talvez na
forma de um parente carinhoso, um talento particular ou
uma mudança nas circunstâncias sociais de uma vida.
Com o tipo certo de apoio, muitas pessoas conseguiram
encontrar uma saída para esses padrões destrutivos.
A estrutura fundamental da abordagem PTM surge no
contexto de impactos negativos
do poder, tanto imediatos quanto mais distantes.
Juntamente com o trabalho de muitos outros, esta
análise sugere que as estruturas socioeconômicas
influenciam os discursos e significados sociais que
servem e moldam os interesses de vários tipos de
poder, tanto em sua operação negativa quanto
positiva na saúde mental.
Em todas essas situações, a angústia do indivíduo
provavelmente aumentará proporcionalmente ao grau
de assimilação das normas e discursos sociais
subjacentes, por exemplo, aqueles relacionados a
papéis de gênero ou de responsabilidade pessoal.
A vergonha é uma emoção social e, embora um
diagnóstico psiquiátrico seja às vezes aceito como
proteção da vergonha para suas ações, ela também
pode ser experimentada como abreviação de um
julgamento comunitário de: "Você é um membro falho
e inaceitável do grupo social". O diagnóstico pode,
assim, definir o cenário para perpetuar o ciclo de
traumatismo, discriminação e exclusão social.
A estrutura da abordagem PTM pode ser usada em
combinação com uma lista de "fatores de melhoria",
como uma lista de verificação rápida para sugerir uma
maneira de entender e validar
Novas Abordagens em Saúde Mental 75
o grau de sofrimento / dificuldade no funcionamento
experimentado por um indivíduo, família, grupo ou
comunidade em particular, e também como forma de
alterar essa realidade.
E para além de seu uso tradicional, pode também ser
vista como um modelo inicial no qual outros modelos e
corpos de evidências existentes podem ser acomodados.
Pode, dessa forma, servir também como um ponto de
referência importante para identificar lacunas na teoria e
prática atuais, que muitas vezes surgem da atenção
insuficiente à operação negativa do poder e seus
significados ideológicos associados.
Referência Bibliográfica
Conteúdo traduzido e adaptado do documento:
Referência: Johnstone, L. & Boyle, M. with Cromby, J.,
Dillon, J., Harper, D., Kinderman, P., Longden, E., Pilgrim,
D. & Read, J. (2018). The Power Threat Meaning
Framework: Overview. Leicester: British Psychological
Society.
Abordagem Sistêmica Comunitária
(Saúde Mental em Geral)
Capítulo 7
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Novas abordagens em saúde mental

  • 1. Novas Abordagens em Saúde Mental transformando vidas de forma humana, autônoma e consciente
  • 2. Sumário 1) The Hearing Voices Approach........................................................................................................................................4 2) Open Dialogue..............................................................................................................................................................16 3) The Davis Approach......................................................................................................................................................25 4) Positive Psychoterapy...................................................................................................................................................36 5) GAM (Gestão Autônoma da Medicação).....................................................................................................................50 6) Power Threat Meaning Framework..............................................................................................................................62 7) Abordagem Sistêmica Comunitária..............................................................................................................................76 8) The Green Care Approach............................................................................................................................................84 9) Wellness Recovery Action Plan...................................................................................................................................105 Novas Abordagens em Saúde Mental 2
  • 3. Mas o que são Novas Abordagens em Saúde Mental? Novas abordagens em saúde mental representam, primeiramente, uma ruptura com abordagens historicamente dominantes no campo da saúde mental, que, em geral, estiveram (e ainda estão) associadas à patologização e à medicalização da existência, bem como à individualização da atenção e à padronização das técnicas. Tais abordagens dominantes são baseadas na hierarquia arbitrária entre profissionais e “pacientes”, na qual os primeiros são vistos como especialistas superiores e os segundos como doentes passivos. Assim, romper com essas abordagens hegemônicas implica subverter esses princípios, com a consequente construção de alternativas a eles. Nesse sentido, novas abordagens em saúde mental enfatizam diferentes interpretações possíveis para o sofrimento humano, a construção de novas relações humanas baseadas no diálogo e o favorecimento do protagonismo daqueles que historicamente ocuparam o lugar de objetos. Vale ressaltar que para que tais novas abordagens em saúde mental não se desvirtuem de seus propósitos, não devem somente ser “novas”, mas alcançarem “valor” na promoção de novos processos de desenvolvimento humano. Assim, o novo não poder se limitar a uma técnica nova, mas à problematização teórica e epistemológica que fundamenta o campo da saúde mental. Nesse processo, gera-se novos referenciais, que, por um lado, permitem explicar o sofrimento humano de diferentes formas, dialogando com a complexidade individual e social que representam, e, por outro, favorecem novas estratégias de ação profissional e comunitária baseadas nos saberes produzidos. Implica, nesse sentido, que o conhecimento não se volte para a colonização do outro, de modo a oferecer respostas técnicas conclusivas sobre o outro, mas para o favorecimento de possibilidades mediante construção conjunta de novas formas de estar no mundo e se relacionar com a vida. Implica sair de uma lógica centrada no modelo sujeito/objeto, para construir relações sustentadas por um modelo sujeito/sujeito. Daniel Magalhães Goulart – Doutor em Educação pela UnB e Professor do Instituto de Psicologia da UniCEUB. Novas Abordagens em Saúde Mental 3
  • 4. The Hearing Voices Approach (Ouvir Vozes) Capítulo 1
  • 5. Ouvir vozes em si nem sempre é sintoma de uma doença Assim como acontece com outras questões que envolvem a saúde mental das pessoas, o ouvir de vozes também se tornou um sinônimo de estigma social, visto que aquele que se autodeclarar um ouvidor, logo pode ser taxado como louco. Mas, na realidade, nenhum caso pode ou deve ser tratado dessa forma. Aquilo que se vem mostrando, com o tempo e estudos diversos, é que existe uma nova forma de se pensar a experiência de se ouvir vozes. Grupos de pesquisadores e instituições que tratam sobre o tema, têm unido esforços em função da desconstrução dessa ideia de que ouvidores de vozes são, por exemplo, em alguma instância, esquizofrênicos. Baseados na concepção de que as vozes, na realidade, dizem alguma coisa sobre aquele que as ouve, esse movimento mundial lida com o entendimento de suas mensagens e visa trazer autonomia para essas pessoas diante daquilo que experienciam. Novas Abordagens em Saúde Mental 5 Estima-se, em um estudo exibido pela Rede Internacional de Ouvidores de Vozes, a INTERVOICE (2017), que em torno de 2 a 4% da população mundial ouve vozes, e que uma em cada três dessas pessoas se torna um paciente psiquiátrico, tendo em vista que as outras duas teriam condições de lidar bem com suas experiências e de maneira tranquila. Segundo essas instituições e profissionais vinculados à área da saúde mental que lida com o ouvir de vozes, a grande diferença que existe entre frequentadores de serviços de apoio a essas experiências e os não- frequentadores é a diferente relação que esses dois grupos estabeleceram com as suas vozes. A verdade por trás desse movimento em função das vozes é a necessidade que se tem, por parte daqueles que sofrem com elas e dos especialistas que os auxiliam, de que se perceba que as vozes, na verdade, carregam mensagens, como mensageiras que tem como seu principal objetivo mostrar para estas pessoas questões mais antigas, vividas e não resolvidas, na tentativa de se mudar essa situação. Como ocorre com os traumas, as pessoas nem sempre absorvem de maneira ideal o acontecido, e o reflexo disso pode se dar de diversas formas, como também pode ocorrer na forma de vozes; vozes que deprimem; que tiram a capacidade de viver do indivíduo.
  • 6. A patologização das vozes tornou-se algo comum na medicina psiquiátrica do Ocidente. Nessas condições, as chances de se receber um diagnóstico como esquizofrênico indo a uma consulta psiquiátrica é de 80% (INTERVOICE, 2017), tendo em vista a possível similitude sintomática que pode ter o ouvir vozes com um quadro de esquizofrenia. Quem lida com esse tipo de experiência precisa de apoio. A questão fundamental, e que precisa ser observada, é como as manifestações mentais por meio das vozes se desenvolveram no indivíduo; qual conexão elas tem com as suas experiências passadas. Muitos dos enganos que envolvem essas pessoas podem ser resolvidos por esse caminho. Em uma pesquisa desenvolvida por quatro anos com crianças ouvidoras de vozes, Sandra Escher (2013), doutora em psiquiatria social pela Universidade de Maastricht, na Holanda, fez de sua tese uma prova disso. Após acompanha-las durante o período, Sandra assinalou que 64% das 82 crianças observadas não apresentavam mais suas vozes, entendido que com o tempo teriam aprendido a lidar melhor com suas emoções, diminuindo suas cargas de estresse. Novas Abordagens em Saúde Mental 6 Assim como tem sido feito por muitos grupos e instituições vinculadas aos indivíduos ouvidores de vozes, ensinando estes a lidar melhor com a sua própria experiência e levando a eles autonomia diante daquilo que vivem, um esforço cada vez maior deveria ser feito para que esse estigma social fosse desconstruído progressivamente. Dessa maneira, os diagnósticos se tornariam ainda mais precisos, a proteção àqueles que eventualmente sofrem por conta das vozes seria maior, e estes ficariam mais próximos do auxilio correto e necessário do que estão nos dias de hoje. Você pode ouvir vozes e ser saudável: uma breve historia sobre a INTERVOICE A INTERVOICE é uma das maiores instituições responsáveis por cuidar de pessoas ouvidoras de vozes no mundo hoje, construída de acordo com os princípios do Movimento Internacional dos Ouvidores de Vozes (HVM). Desenvolveu-se na Europa, no fim da década de 80, sob a experiência do psiquiatra Marius Romme, que se baseando
  • 7.
  • 8. em uma nova metodologia de cuidado com o indivíduo ouvidor, fundou a instituição. Tudo começou em 1987, quando Marius passou a conviver com a frequentadora de seu consultório psiquiátrico, Patsy Hage. Um dia, em uma conversa entre os dois, Patsy lhe fez uma pergunta que o faria pensar e teria como desfecho a mudança de toda sua concepção do que exatamente era a experiência de se ouvir vozes. A pergunta consistia na ideia de que se Marius acreditava em um Deus que nunca teria visto ou ouvido, porque este não poderia acreditar nas vozes que ela, Patsy, realmente ouvia e que faziam morada em sua cabeça. Esse teria sido o fator inicial de uma abordagem que vem dando resultados até hoje, a saber, a de se ouvir o que o indivíduo tem a dizer sobre suas vozes, e percebe-las como uma experiência a ser entendida pelo médico e o próprio indivíduo, ao invés de taxa-la diretamente como parte de um distúrbio grave como é a esquizofrenia. Em entrevista, Marius ressaltou que: “Foi Patsy Hage quem Novas Abordagens em Saúde Mental 8 deixou claro para mim que a abordagem psiquiátrica não tinha sido muito útil. Porque, como um clínico tradicionalmente treinado, eu só estava interessado em sua experiência de audição de voz, na medida em que diz respeito às características de uma alucinação, a fim de construir um diagnóstico em combinação com outros sintomas. Mas ela estava interessada nas vozes e no poder que exerciam sobre ela; no estresse que ela experimentava; naquilo que lhe diziam”. Foi então que, a fim de romper as barreiras sociais existentes entre os próprios ouvidores, Marius resolveu organizar reuniões entre os ouvidores de vozes frequentadores de seu consultório, com o objetivo de deixar com que eles trocassem experiências sobre ouvir vozes, como lidavam com elas, dentre outras coisas. Marius conta que todos ficaram extremamente entusiasmados. Dali em diante, o pesquisador holandês percebeu que esse movimento apenas tenderia a crescer, e com a ajuda de Patsy e outros pesquisadores, fundou a INTERVOICE. A Instituição até hoje tem como objetivo principal incentivar uma discussão mais ampla, com o intuito de mudar a atitude da sociedade frente a vivência de
  • 9. se ouvir vozes e a maneira como os ouvintes são tratados pela medicina e, especialmente, pelos psiquiatras. Hoje, a principal cede da instituição se localiza na Inglaterra, e tem em sua história a participação direta de Marius, que entrando em contato com seu amigo e então co-fundador da instituição em território britânico, Paul Baker, levou sua ideia de mudar a forma como a sociedade e a psiquiatria olham para os indivíduos ouvidores de vozes para além das fronteiras de seu país. Paul (2014), em texto de sua autoria, ressalta a trajetória do movimento até aqui e sua importância para o reconhecimento da autonomia dos indivíduos ouvidores diante de sua própria experiência: “Talvez estejamos chegando lá. Uma maneira diferente de pensar sobre as vozes e uma nova forma de ajudar as pessoas que lidam com elas está sendo desenvolvida. Uma jornada que continua até hoje. Tudo isso faz parte de uma mudança que reconhece que as pessoas que ouvem vozes são os peritos da sua própria experiência, que estão em melhor posição para entender o que esta experiência significa e o que Novas Abordagens em Saúde Mental 9 realmente tem o poder de ajudar.” Com o apoio dessa rede em todo o mundo e, especialmente, dos ouvintes, alguns dos quais passaram longos períodos de tempo em atendimentos psiquiátricos, hoje, recuperam-se vidas, fazendo com que pessoas que antes sofriam com suas vozes, agora sejam capazes de dizer que as ouvem, que assim mesmo vivem tranquilos e que as aceitam como parte de si mesmos. O sentido das vozes e o caminho para aprender a lidar com elas De acordo com a apostila de orientação escrita por Paul Baker em função de seu minicurso dado no Brasil sobre como lidar com o ouvir de vozes, existe uma forte relação entre a história do indivíduo, as vozes que este ouve e a maneira como este é capaz de lidar com elas. Na medida em que os próprios ouvidores relatam elementos indicadores desta relação, como sua identidade, sua história, as características de suas vozes e o teor daquilo que escutam, fica mais simples de se observar o sentido que estas vozes têm para a sua vida e para a vida de pessoas próximas a eles, como seus familiares, que conseguem entender a recorrência de alguns conteúdos exibidos pelas vozes.
  • 10.
  • 11. Em um processo de entrevistas/conversas, busca-se construir o mapeamento de alguns aspectos da existência desse indivíduo, o acessar dos possíveis gatilhos para as suas vozes e a sua cronologia, que faz referencia a sequência de suas aparições, visto que algumas vezes os ouvidores relatam o ouvir de mais de uma voz e em momentos distintos. Resumidamente, pensam em conjunto, profissional e ouvidor, com o objetivo de alcançar aquilo que Paul nomeia como “constructo”, que nada mais seria do que aquilo que serve como a estrutura/alicerce das vozes ou, aquilo que elas querem representar quando dialogam com o indivíduo. Por meio disso, descobre- se outro elemento fundamental da análise: o código a ser quebrado. Realizado todo esse processo, sua ultima etapa consiste em quebrar o código estabelecido pelas vozes do indivíduo, de maneira que este, sempre em conjunto com o profissional que o acompanha, possa enxergar a origem de suas vozes; o porquê de seu conteúdo; e entender qual poderá ser a melhor forma para se lidar com elas dali em diante. Mas a ideia aqui também não consiste em fazer tudo de forma solitária, Novas Abordagens em Saúde Mental 11 entendido que o envolvimento de familiares, amigos e entes queridos se faz fundamental para o fortalecimento da esperança, do apoio e do novo sentido de vida que fora construído pelo indivíduo. Trabalhar em si mesmo, em sua autoestima e autoconfiança, fazendo escolhas e se tornando o responsável por suas próprias decisões sem o advento negativo das vozes, mas sim se apropriando de sua experiência auditiva como outros exemplos o fazem. Os princípios e valores do Hearing Voices Approach Enquanto o HVM (Hearing Voices Movement) incorpora pessoas com uma ampla gama de expectativas e necessidades, existem alguns valores centrais pelos quais os membros em geral também o aderem. O primeiro deles é a crença de que ouvir vozes é uma parte natural da experiência humana. As próprias vozes não são vistas como anormais ou sinônimos de aberrações, mas sim conceitualizadas como uma resposta significativa e interpretável das circunstâncias sociais, emocionais e / ou interpessoais das pessoas.
  • 12. De acordo com essa perspectiva, a capacidade de se ouvir vozes existiria em todos nós. Para muitos ouvintes, isso é muito mais construtivo e empoderador do que diagnósticos baseados em doenças que enfatizariam a patologia, podendo induzir ao estigma, reduzir a autoestima ou mesmo levar à ênfase na eliminação da experiência. Essa capacidade para que as vozes sejam escutadas em certas circunstâncias é confirmada por estudos sobre os efeitos da privação sensorial de eventos tais como o luto, os traumas e a ingestão voluntária de alucinógenos. Da mesma forma como relatado nos estudos acima, as vozes são frequentemente encontradas na experiência de pessoas em amostras coletivas, sem qualquer tipo de histórico vinculado a transtornos psiquiátricos. A esse respeito, estudos epidemiológicos sugerem que uma minoria significativa da população já teve alguma experiência em ouvir vozes pelo menos uma vez na vida. Sob essa visão, precisaríamos parar de olhar para as sinais inevitáveis ​​de distúrbios psiquiátricos; essa mentalidade precisaria ser reavaliada Novas Abordagens em Saúde Mental 12 diante da realidade que constatações e diversos estudos apresentam, sendo a vida positiva de muitos ouvidores o maior reflexo disso. O segundo deles, que diversas explicações para vozes são aceitas e valorizadas; e a HVM respeita que as pessoas possam usar essas diferentes explicações para entender suas vozes e experiências. O terceiro deles, que os ouvintes são encorajados a se apropriarem de suas vozes e experiências, definindo-as para si. Os grupos de ouvidores de vozes, por exemplo, fornecem um espaço seguro para essa exploração. Por isso termos remetendo ao discurso clínico podem evocar certa resistência, já que esse seria encarado como um discurso incapacitante e potencialmente colonizador do ponto de vista dos próprios ouvidores. O quarto, por acreditarem que na maioria dos casos o ouvir de vozes pode ser entendido e interpretado no contexto de eventos da vida e de narrativas interpessoais das pessoas. Especificamente, é frequentemente relatado que as vozes são precipitadas e mantidas por eventos emocionais que sobrecarregam e enfraquecem o indivíduo, com seu conteúdo, identidade e/ou momento de surgimento.
  • 13.
  • 14. Ferramentas como a “The Maastricht Hearing Voices Interview” podem ser empregadas para compreender – e tentar resolver – os conflitos latentes que podem estar por trás da presença das vozes. O quinto, por acreditarem que o processo de aceitação das vozes é mais eficaz do que simplesmente tentar suprimi-las ou eliminá-las. Isso envolve aceitar as vozes como uma experiência real, honrar a realidade subjetiva do ouvinte e reconhecer que as vozes são algo com que eles – dado o suporte necessário – podem lidar com sucesso. Por outro lado, poderia se pensar, por exemplo, que ao valorizar ativamente as vozes (por exemplo, como experiências emocionais significativas) algo contra intuitivo estaria sendo feito, como no caso de alguém que ouviria vozes angustiantes. Mas a esse respeito, Romme e Escher propõem que as vozes seriam tanto o “problema” quanto a “solução”: um ataque à identidade, mas também uma tentativa de preservá-la, articulando e incorporando a dor emocional. “Decifrar” os conflitos e os problemas de vida Novas Abordagens em Saúde Mental 14 representados pelas vozes é frequentemente possível, mesmo quando as pessoas são diagnosticadas com doenças mentais complexas ou crônicas. Como consiste no respeito a diversidade de opiniões valorizada pelo HVM, se os ouvintes optam também por tomar medicamentos antipsicóticos para gerir ou erradicar as vozes, isto também é respeitado. A medicação, no entanto, é vista apenas como uma das muitas estratégias disponíveis. É muito importante, dentro dessa situação, que as pessoas recebam apoio para tomar suas próprias decisões sobre o tratamento e tenham as informações necessárias para fazer uma escolha consciente. Finalmente, entende-se o suporte coletivo como um meio frutífero de ajudar as pessoas a compreender e a lidar com as suas vozes. Os grupos de suporte mútuo têm uma longa associação com o HVM, com ênfase nas prioridades do grupo, ao invés de seguir uma estrutura predeterminada. Embora as vezes percebidas como marginais nos círculos profissionais, essas ideias estão de acordo com tratamentos psicossociais apoiados por muitos usuários e suas famílias, bem como perspectivas positivas sobre o ouvir de vozes e o impulso geral para a recuperação.
  • 15. Como consequência, elas se tornaram progressivamente mais aceitas e tradicionais, como muitos dos pressupostos básicos do HVM. Desde as associações entre ouvir vozes e traumas; a sugestão de que o conteúdo da voz é psicologicamente significativo; até a descoberta de que maiores níveis de supressão emocional estão associados a experiências de vozes mais frequentes e problemáticas; A mudança em relação as vozes, de um sintoma genérico para algo a ser compreendido como uma experiência significativa, pode direcionar á mudança pessoal e á recuperação de vivências positivas na vida dos ouvidores. Novas Abordagens em Saúde Mental 15 Referências Bibliográficas Referência: INTERVOICE Brasil. “Manual – Como montar um grupo de ouvidores de vozes”. São Paulo, 2017. Referência: Baker, Paul. “Guia – Como trabalhar com pessoas quem ouvem vozes”. Manchester, 2014. Referência: Corstens, Dirk et al. “Emerging Perspectives From the Hearing Voices Movement”. Schizophrenia Bulletin vol. 40 suppl. no. 4 pp. S285–S294, 2014. Referência: Waddingham, R., Escher, S., Dodgson, G.”Inner speech and narrative development in children and young people who hear voices; three perspectives on a developmental phenomenon”. Psychosis, 5(3), pp 226- 235, 2013.
  • 16. Open Dialogue (Diálogo Aberto) (Saúde Mental em Geral) Capítulo 2
  • 17. O diálogo em benefício da saúde mental Considerando os diversos tipos de tratamento desenvolvidos ao longo dos anos dentro do campo da saúde mental, o método Open Dialogue surge como um divisor de águas no que diz respeito ao tratar da esquizofrenia, das psicoses e de outros transtornos. Objetivando ser uma abordagem que prioriza o contato com o indivíduo e sua rede de apoio, não tendo como ferramenta o uso obrigatório de psicofármacos em seus tratamentos, seus resultados tornaram-se os melhores do mundo no que diz respeito a saúde mental individual. Nascida na Finlândia no início da década de 1980, tendo como seu principal idealizador o psicólogo clínico Jaakko Seikkula, a metodologia Open Dialogue surge como uma forma de atenção imediata às crises psicóticas que recorrentemente eram relatadas no contexto de uma das principais regiões do país, conhecida como Lapônia Ocidental. Desenvolveu-se no período em que se dava Novas Abordagens em Saúde Mental 17 o Projeto Nacional Finlandês de Esquizofrenia, um projeto que tinha como um de seus objetivos principais o encontrar de novos estudos e abordagens capazes de aprimorar os tratamentos até então desenvolvidos na saúde mental do país. Tendo terreno fértil para caminhar e como referência a abordagem anterior criada pelo professor Yrjö Alanen na década de 1960 – uma abordagem elaborada com foco no cuidado as necessidades específicas de cada um a ser tratado – seus princípios vão sendo forjados com o mesmo sentido. É assim, dentro deste contexto, que o grupo de Seikkula inaugura o modelo de Diálogo Aberto na Finlândia, envolvendo os sistemas de apoio à saúde do cliente e realizando, através de unidades de tratamento formadas por equipes móveis, este novo sistema de tratamento centrado na família, no indivíduo e em suas redes de apoio. A metodologia Open Dialogue teria contribuído para uma significativa redução da incidência de casos de esquizofrenia na província da Lapônia Ocidental, fazendo com que o número de usuários de suas redes de apoio mental, nessas condições, diminuísse expressivamente com passar dos anos.
  • 18. No que consiste a abordagem Open Dialogue Tendo em vista a centralidade que o método dá a experiência do indivíduo como um todo, tem-se, em primeiro lugar, no diálogo e na tolerância para com o tratado, os princípios fundamentais que norteiam todo o tratamento. Seu espaço de interação terapêutica mais importante seriam às reuniões, momentos em que por meio da conversa coletiva entre usuário, membros de sua rede de apoio e os próprios terapeutas, seriam discutidos os principais assuntos relacionados às dificuldades enfrentadas por ele e como fazer para construir algo em prol de sua saúde e recuperação. De forma transparente, as decisões e o plano de ação seriam assim construídos na presença de todos do grupo. As funções das reuniões de tratamento, a cargo do que nos diz o próprio fundador do método, Jaakko Seikkula, estariam baseadas em reunir informações sobre o problema. Outras seriam: elaborar um plano de tratamento; Novas Abordagens em Saúde Mental 18 tomar as decisões necessárias com base no diagnóstico feito; e gerar um diálogo psicoterapêutico constante (Seikkula, 2007 apud Queiroz, 2014). A chave do tratamento estaria também em torno da linguagem das famílias, algo levado com seriedade pela equipe responsável, que passa a adaptar sua própria linguagem à forma de linguagem exibida por elas, analisando os sentidos que estas dão para o problema encontrado, de maneira a escuta-las recorrentemente. Por esse ângulo, as equipes de tratamento compreenderiam as alucinações ou delírios psicóticos como mais uma das vozes que formam a experiência do individuo, de modo que, aparecendo ou não durante os diálogos, inicialmente, essas reações não seriam confrontadas. Os indivíduos seriam incentivados a expressá-las como parte natural do processo de tratamento. Em curto prazo, essas concepções permitiriam aos membros da equipe o promover de discussões reflexivas entre si a respeito das informações ali representadas, inclusive podendo contar com a presença de membros da família como ouvintes/espectadores.
  • 19.
  • 20. Normalmente, como as experiências narradas pelos indivíduos em crise psicótica estão associadas a situações traumáticas vividas por eles, acaba sendo em função disso que agem os terapeutas em atendimento. Nesses casos, a equipe de tratamento procura, então, explorar minuciosamente os pontos que estavam em discussão quando as reações psicóticas ocorreram, compreendendo que este ponto pode ter tocado em experiências não verbalizadas. A fala psicótica pode assumir a função de denunciar, de maneira dramática, os conteúdos conflitantes que circulam ou circularam no sistema familiar. Dado esse cenário, uma das principais funções da equipe torna-se o auxiliar da rede familiar do indivíduo com o fim de que esta se aproprie também do protagonismo ao redor do problema, mantendo uma postura dialógica frente a cada forma de expressão do indivíduo. Sempre se busca nesse sentido promover a construção de uma nova compreensão da experiência comum como um todo para todos. Novas Abordagens em Saúde Mental 20 Um adendo importante se da ao fato de que outros métodos de tratamento tradicionais e não tradicionais podem ser úteis e ocorrerem paralelamente à terapia familiar em atividade. O tratamento pode ser combinado com psicoterapia individual, a arteterapia, a terapia ocupacional, dentre outros tipos. Pode acontecer também, em algumas situações de crise psicótica, do enfoque acabar sendo voltado para a reabilitação psiquiátrica – quando já há o uso prévio da medicação – e/ou vocacional do indivíduo. Em suma, o método do Diálogo Aberto compartilha dos objetivos construtivistas em psicoterapia no sentido de construir um discurso não de patologia sobre os problemas dos pacientes, de respeitar as narrativas pessoais do problema e atribuir importância ao contexto do tratamento (Queiroz, 2014). Essas ideias construtivistas chamam a atenção para a responsabilidade dos terapeutas na co-construção do problema e dos caminhos até sua solução, na medida em que elaboram o tratamento. Os terapeutas construtivistas não julgam a realidade de um usuário com base em um critério externo de
  • 21. objetividade, portanto compreenderiam que não há forma absoluta de psicose (Queiroz, 2014). Os 7 princípios fundamentais da abordagem Open Dialogue Presente hoje em diversas redes de saúde mental ao redor do mundo como um “approach” reconhecido internacionalmente por seus resultados, estes seriam os 7 princípios fundamentais da abordagem Open Dialogue: 1) Ajuda imediata. O primeiro encontro ocorre nas primeiras 24 horas após o contato inicial e tem como objetivo principal a prevenção da hospitalização. 2) Uma perspectiva de rede social. As primeiras reuniões podem contar com os usuários dos serviços, suas famílias e outros membros importantes de sua rede social, estes últimos são convidados a oferecer apoio ao usuário e à família. 3) Flexibilidade e mobilidade. O tratamento é adaptado às necessidades específicas e cambiantes de cada caso e, havendo a aprovação Novas Abordagens em Saúde Mental 21 da família, ocorre na residência do paciente. 4) Responsabilidade. A organização da primeira reunião fica a cargo do profissional que fez contato com a família. O tratamento é deliberado nessa ocasião. 5) Continuidade do acompanhamento psicológico. Todo o tratamento fica sob a responsabilidade da mesma equipe, pelo tempo que for necessário, seja no setor ambulatorial como de internação. Da mesma forma, os representantes da rede social participam de todas as reuniões de tratamento. 6) Tolerância à incerteza. Para desenvolver tolerância à incerteza na equipe e na família, um sentimento de confiança é fomentado em relação ao processo como um todo. Em crises psicóticas, o sentimento de confiança ganha mais força com a realização de reuniões diárias, pelo menos nos primeiros 10 ou 12 dias. A partir disso, o agendamento das reuniões é guiado pelos interesses da família. A rigor, o contrato terapêutico não é estabelecido durante o período de crise, para evitar conclusões e decisões precipitadas sobre o tratamento.
  • 22.
  • 23. 7) Dialogismo. A promoção de diálogo é o foco primário, e o foco secundário é a promoção de mudanças no usuário ou na família. O diálogo é concebido como meio de fomentar o protagonismo dos usuários e dos familiares nas narrativas das suas próprias vidas ao conversarem sobre seus problemas. Na conversa, novos olhares são criados a partir da relação entre os participantes. Dados e pesquisas sobre o método Open Dialogue A confiabilidade que adquiriu a abordagem do Diálogo Aberto ao longo dos anos não se deu atoa. Pesquisas, dada a excelência do método, foram realizadas ao redor do mundo, assim como na própria Finlândia, com o fim último de chegar a conclusões mais detalhadas sobre ele. Em acompanhamento realizado na própria Lapônia Ocidental por exemplo, Harlane Anderson, psicoterapeuta americana e também escritora de diversos livros sobre o tema, Novas Abordagens em Saúde Mental 23 relatou em seu artigo que, na prática, esse trabalho representaria um significativo desafio às crenças e tradições de diversos tratamentos. Isso porque ele consistiria em uma abordagem dialógica na qual o terapeuta/profissional deve respeitar e aprender sobre os pacientes, suas experiências e entendimentos, considerando que isto deve ter precedência sobre sua própria compreensão (Anderson, 2002 apud Kantorski, 2017). Jill Gromer, em outro estudo, este realizado pela Universidade da Flórida, afirmou que o Diálogo Aberto teria sido associado a um melhor funcionamento social dos indivíduos, a menores quantidades de dias dentro de hospitais e a números menores de ocorrência de sintomas em pessoas com um primeiro episódio de psicose em seu histórico. Estudos mais recentes teriam apontado para uma associação ainda maior do Diálogo Aberto com poucos dias de permanência no hospital, o que mostraria uma evolução na abordagem e um certo refinamento dessa prática (Gromer, 2012 apud Kantorski, 2017). No sul da Noruega, entre 1998 e 2008, foram instaurados três programas para a promoção do Diálogo Aberto na região, tendo Jaakko Seikkula participado de todos eles, quais sejam:
  • 24. 1) Ensinando a base para abrir diálogos; 2) Supervisionando clinicamente terapeutas locais e usuários de serviços de saúde mental; 3) Na concepção de pesquisas e projetos. Segundo a análise desses programas, os dez anos de implementação dessas práticas dialógicas no sul da Noruega produziram resultados positivos relativos à execução, à educação e ao aumento de pesquisas e projetos sobre o tema (Ulland, 2014 apud Kantorski, 2017). Em pesquisa realizada na Polônia, constatou-se que a abordagem do Diálogo Aberto seria uma abordagem alternativa com o poder de contribuir para a redução do uso de psicofármacos, constituindo-se como um recurso diferenciado em relação aos tratamentos usuais da esquizofrenia, oferecendo grandes benefícios para os seus usuários (Klapcinski; Wojtynska; Rymazewska, 2015 apud Kantorski, 2017). E por fim, em artigo de revisão publicado por especialistas australianos em 2014, foram apontados resultados exitosos do tratamento com o Diálogo Aberto Novas Abordagens em Saúde Mental 24 na intervenção imediata a crises psiquiátricas de indivíduos no país, relatando a necessidade de uso mínimo de medicação e os melhores resultados confirmados na Austrália desde sua incorporação ao sistema terapêutico do país (Lakeman, 2014 apud Kantorski, 2017). Referências Bibliográficas Referência: Kantorski, Luciane P; Cardano, Mario. “Diálogo Aberto: a experiência finlandesa e suas contribuições”. Saúde Debate: Rio de Janeiro, V. 41, N. 112, P. 23-32, JAN-MAR, 2017. Referência: Kantorski, Luciane P; Cardano, Mario. “Diálogo Aberto: um método para enfrentamento da psicose”. Expressa Extensão, ISSN 2358-8195 , v.22, n.1, p. 13-21, JAN-JUN, 2017. Referência: Queiroz, Darlan N. “Introdução da abordagem Diálogo Aberto”. 2014.
  • 25. The DAVIS Approach (Dislexia) Capítulo 3
  • 26. Entendendo um pouco mais sobre a dislexia A dislexia enquanto um transtorno de aprendizagem atinge muitas pessoas ao redor do mundo, sendo em sua maioria homens. E, apesar de ser um assunto de grande relevância, ainda se percebe que as pessoas em geral pouco sabem sobre ela. A dificuldade enfrentada pelos disléxicos está, muitas vezes, relacionada ao modo como esses indivíduos constroem suas conexões com o mundo. Uma vez que os sistemas educacionais adotados pelas sociedades não estão preparados para integrar esses indivíduos de maneira a adequar as escolas ás suas necessidades, principalmente no que diz respeito à alfabetização, essas pessoas sofrem. Sendo um transtorno de origem hereditária, a dislexia baseia-se na dificuldade cognitiva do indivíduo em absorver tudo aquilo que concerne ao universo da leitura, visto que este não conseguiria conceituar palavras em sua mente em função de seu funcionamento cerebral, que apenas captaria conteúdos por meio de imagens. Novas Abordagens em Saúde Mental 26 Como ilustração, percebemos que uma pessoa não disléxica pronuncia mentalmente o som das palavras quando as lê, uma vez que a alfabetização é baseada na fonética, entendendo seus significados por conta de seu som e conteúdo. Mas no caso de uma pessoa disléxica, tudo isso mudaria. Normalmente, os disléxicos tem uma melhor compreensão daquilo que observam quando, simplesmente, identificam uma palavra como imagem. Na teoria, esta capacidade é chamada de olho mental ou epicentro da consciência visual, quando o indivíduo utiliza da imaginação que tem para administrar o conhecimento referente às coisas que percebe ao seu redor. A história e conceituação da dislexia Por um longo período de tempo, as manifestações e implicações da dislexia permaneceram como um enigma a ser decifrado, dada a dificuldade em percebe-las e enquadra-las, científica e socialmente, quando nada ainda havia sido constatado ao seu respeito. Durante o final do século XIX, esse plano de fundo seria alterado por meio da percepção do médico William Morgan, que com base em seu estudo de caso do
  • 27. menino Percy, um garoto inglês de 14 anos, constataria características peculiares em sua cognição, observada sua dificuldade para ler e escrever. Morgan teria sido a partir daí a primeira pessoa a considerar aquilo que o neurologista alemão, Adolf Kussmaul, denominaria como “cegueira verbal congênita” – a primeira designação do conceito que, anos depois, se tornaria aquele que conhecemos hoje como “dislexia” ou “dislexia de desenvolvimento”. Desde então, até o desfecho final do termo, estudos diversos seriam realizados com o objetivo de entender ainda melhor sua origem, suas implicações e as maneiras existentes para se contornar as dificuldades apresentadas por seus portadores. A dislexia, apesar de ser um conceito singular, que define uma condição específica da cognição do indivíduo, teria ainda suas manifestações típicas, cada qual com sua particularidade e impacto sobre as capacidades de aprendizado do indivíduo, podendo surgir desde sua relação com a matemática até com a ortografia e/ou caligrafia. Novas Abordagens em Saúde Mental 27 Olhando a dislexia como um dom – a história de Ron Davis, seu livro e sua relação com a dislexia Diferente das concepções tradicionais sobre a dislexia enquanto um transtorno de aprendizagem, a forma como a observou Ron Davis diante de sua experiência enquanto um disléxico revolucionaria sua vida e várias das antigas formas de se pensar a respeito dela. Ele próprio, um adulto severamente disléxico, descobriria como “corrigir” sua própria dislexia antes mesmo de chegar a qualquer teoria sobre como ajudar os outros. Até os 38 anos, Ron teria sempre aceitado os pronunciamentos oficiais dos especialistas que o diagnosticavam como mentalmente retardado e nada a mais do que isso. Embora ele tivesse um QI medido de 160, ele entendia naquela altura de sua vida que nunca seria capaz de ler ou escrever sem uma luta árdua, porque havia algo de terrivelmente errado com seu cérebro. No entanto, com o passar dos anos, Ron perceberia que às vezes sua dislexia piorava.
  • 28.
  • 29. Nesse momento, ele raciocinaria que, se pudesse descobrir como piorar sua dislexia, poderia de algum modo topar com a chave para melhora-la. Sua primeira pista viria de suas obras de arte, quando Ron se daria conta de que pintando, quando ele estava em seu melhor artístico, era o momento em que o pior de sua dislexia aparecia. Como conta em sua história, Ron trancar-se-ia no quarto de hotel em que estava e praticaria piorar sua dislexia, para então trabalhar em melhora-la, como se em sua maior “fraqueza” tivesse encontrado sua maior virtude e fonte de força. Depois de três dias de prática, Ron teria chegado ao momento em que as cartas no cartão de visitas do quarto de hotel teriam se tornado, de repente, legíveis para ele. Atordoado com as letras, que eram todas do mesmo tamanho, e também com os espaços existentes entre as palavras, Ron iria para uma biblioteca pública, pegaria o livro “Treasure Island” da prateleira e o leria inteiro como nunca havia feito antes, antes mesmo da biblioteca fechar. Novas Abordagens em Saúde Mental 29 Ron não teria descoberto a solução para a dislexia naquele momento, mas ali seria o início de sua jornada. Então Ron compartilharia suas ideias com outras pessoas e descobriria, para sua surpresa, que a maioria de seus amigos artistas também eram disléxicos. Dentro desse contexto, por meio de uma abordagem de tentativa e erro consigo mesmo e seus colegas, Ron desenvolveria seu próprio método para ajudar os outros a superarem sua própria dislexia. Cerca de um ano depois, Ron abriria sua primeira clínica de leitura e desenvolvimento da abordagem. Depois disso, escreveria um livro sobre ela. O dom da dislexia – conhecendo o método de Ron Davis A teoria de Davis surgiu dessa abordagem inicial de tentativa e erro, como uma forma de explicar por que seus métodos funcionariam. Em vez de começar com uma teoria e usar isso como base para elaborar um método, Ron trabalhou de trás para frente nessa solução. Os disléxicos são fundamentalmente pensadores de imagens: eles geralmente
  • 30. pensam em imagens mentais ao invés de usar palavras, sentenças ou diálogos internos em suas mentes. Para Ron, ao invés de uma espécie de deficiência, essa característica especial do disléxico seria um dom; algo mal interpretado e totalmente possível de ser desenvolvido. No entanto, como esse tipo de pensamento seria algo subliminar – mais rápido do que a pessoa poderia estar ciente – a maioria dos disléxicos começaria não se dando conta de que é isso que eles estariam fazendo. Os disléxicos, na ideia de Ron, ao contrário de pessoas com graves problemas de cognição seriam, na realidade, pessoas de cognição diferente, indivíduos que tenderiam a usar a lógica, imagens mentais e estratégias de raciocínio para entender o mundo ao seu redor. Pensando principalmente em imagens, os disléxicos tenderiam a desenvolver imaginações únicas e a usar um processo de raciocínio baseado em imagens e sensações para resolver seus problemas, Novas Abordagens em Saúde Mental 30 ao contrário das maneiras verbais consideradas comuns utilizadas pelos não disléxicos. Por outro lado, essa habilidade poderia ser a base de um problema também como escreve Ron – algo que normalmente acaba acontecendo. Os disléxicos tendem a ter dificuldades com objetos irreais e simbólicos, como letras e numerais. E em seus esforços para compreende-los, ficariam bastante desorientados e confusos. Os erros repetidos que resultariam dessas percepções equivocadas devido à desorientação inevitavelmente levariam a reações emocionais, frustração e a perda de autoestima. De acordo com Ron, em um esforço para resolver esse dilema, cada disléxico começará a desenvolver um conjunto de mecanismos de enfrentamento e comportamentos compulsivos para contornar esses problemas. A memorização mecânica, a música do alfabeto, o fazimento de seus deveres de casa por familiares, a escrita da caligrafia ilegível para encobrir a ortografia insatisfatória e o evitar de qualquer tarefa relacionada à escola ou à leitura, são exemplos dessa realidade.
  • 31.
  • 32. Um disléxico adulto terá um repertório completo de tais comportamentos. Agora, como nos escreve Ron, tem-se a gama completa de sintomas, características e comportamentos comumente associados à dislexia. Nesse sentido, o aspecto mais significativo da Teoria de Ron na resolução de dislexia seria a observação de que, quando um símbolo auditivo – uma palavra – não tem uma imagem mental e significado para o disléxico, a desorientação e os erros são o resultado. Sendo assim, quando mostramos aos disléxicos como desligar as desorientações no momento em que ocorrem, e depois ajudar a encontrar e dominar os estímulos que desencadearam a desorientação, os problemas de leitura, escrita e ortografia começam a desaparecer. Educação x Desenvolvimento Infantil: como a dislexia acontece Segundo Ron, a falta de preparo e entendimento dos sistemas educacionais ao redor do mundo para lidar com a maneira de entender o mundo dos Novas Abordagens em Saúde Mental 32 disléxicos seria, se não o maior, um dos maiores problemas existentes no que diz respeito ao entrave de seus desenvolvimentos. Ron enquadrou o passo-a-passo da trajetória dos disléxicos em uma linha do tempo muito interessante, baseando-se em sua própria experiência de vida, no trabalho com mais de 1000 disléxicos e no dia-a-dia de sua instituição voltada para a mudança de desenvolvimento destas pessoas. Seu objetivo teria sido elucidar esse processo que, de acordo com ele, não permitiria as pessoas disléxicas a atingirem todo seu potencial. 1) Uma criança que é potencialmente disléxica descobre como preencher mentalmente percepções fragmentárias em uma idade de três meses. Este talento imaginativo pode mais tarde produzir dislexia. 2) Durante a primeira infância, a criança usa esse talento para reconhecer objetos no ambiente e desenvolver talentos artísticos e cinestésicos. A criança se torna um pensador visual e conceitual. Há pouca necessidade de desenvolvimento do pensamento verbal, um modo de pensar mais lento caracterizado por um monólogo interno de palavras.
  • 33. Funciona bem com o mundo real, mas ver as letras impressas de cabeça para baixo ou invertidas ou na ordem errada torna-as menos reconhecíveis. 4) A criança se torna cada vez mais confusa, o que produz mais desorientação. A criança suspeita que algo está errado. Isso é confirmado pelo professor, pelas outras crianças da turma, pela administração da escola e, eventualmente, pelos pais. Todo mundo fica chateado, então a criança “cognitivamente desafiada” também fica chateada. Agora podemos ver problemas de comportamento. 5) A menos que alguém intervenha e forneça métodos de aprendizado apropriados, a criança não tem escolha a não ser lutar com a escola enquanto tolerável, possivelmente em uma classe de Educação Especial ou sob a influência de drogas como Ritalina ou Cylert. 6) Na idade de oito ou nove anos, a criança inventa truques como a memorização, a repetição e o delegar para outros o fazer de leituras e escritas. Em aulas práticas como ciência, música, arte ou loja, essa criança pode se sobressair, Novas Abordagens em Saúde Mental 33 mas aulas que exigem muita leitura e escrita, são torturas. 7) A menos que haja intervenção apropriada de alguém que demonstre compaixão e respeito, a autoestima da criança disléxica sofrerá. 8) Depois de escapar da escola, a pessoa começa a superar ou contornar a “desvantagem” de ser funcionalmente analfabeto. Os disléxicos frequentemente se destacam no trabalho, embora sejam funcionalmente analfabetos. 9) No momento em que o disléxico se torna adulto, a incapacidade de ler e escrever bem é um segredo vergonhoso. A pessoa está convencida de que é um sinal não apenas de ignorância, mas de indignidade. Essa infeliz auto percepção pode tornar os disléxicos adultos secretos e hostis. Um método revolucionário Algo que chama a atenção quanto ao tema da dislexia e a teoria de Ron, são suas recorrentes aparições na vida de mentes brilhantes da história da humanidade. Albert Einstein, Thomas Edson, Charles Darwin, Leonardo da Vinci, Muhammad Ali, Walt Disney; todos esses ícones eram disléxicos e incrivelmente geniais.
  • 34.
  • 35. O método de Ron, hoje ensinado em 44 países, é muito simples e permitiria ao disléxico, adulto ou criança, através de exercícios simples, criar um sistema próprio de leitura. A partir daí, a criatividade e a imaginação fariam o resto. Os resultados práticos do método são extraordinários, e levaram a que “O Dom da Dislexia” se tornasse o livro mais vendido do mundo nesta área. No livro, encontra-se o programa explicado passo-a- passo, e também as respostas para todas as dúvidas sobre a dislexia – numa linguagem clara, em letras grandes, escrita por uma pessoa que soube tornar a dislexia um poderoso aliado. Segundo Ron, restaurar a autoestima de uma pessoa seria realmente uma das partes mais importantes para se desconstruir a dislexia e outros problemas de aprendizagem, incluindo o DDA e a hiperatividade, que podem estar dificultando seu dia-a-dia. Os procedimentos descritos em “O Dom da Dislexia” geralmente permitem que uma pessoa com “deficiência de aprendizado” ganhe habilidades básicas Novas Abordagens em Saúde Mental 35 de alfabetização por meio de um programa de 30 horas. Depois de alguns meses de aulas em casa, a maioria pode ler, escrever e estudar normalmente. Desconstruir a visão que eles mesmos tem de si, de que seriam estúpidos ou atrasados, é o resultado mais valioso do treinamento. Focando na experiência pessoal e em toda a capacidade que a pessoa tem para desenvolver, Ron tem sido capaz de mudar vidas para sempre utilizando-se de sua sabedoria e abordagem. Referências Bibliográficas Referência: Davis, Ronald D. “O Dom da Dislexia”. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004. Referência: Dyslexia The Gift. “Education vs Child Development”. Disponível em: <https://www.dyslexia.com/about- dyslexia/understanding-dyslexia/education-vs-child- development/>. Acesso em: 13 de maio, 2019.
  • 36. Positive Psychotherapy (Psicoterapia Positiva) (Saúde Mental em Geral) Capítulo 4
  • 37. O conceito de Psicoterapia Positiva (PPT) O termo psicoterapia tipicamente evoca pensamentos sobre tratar um distúrbio psiquiátrico – como depressão, TOC ou fobia social – ou ajudar casais a lidar com o conflito conjugal, ajudar indivíduos a superar o luto ou a superar um grande desafio da vida. Em outras palavras, o objetivo nesse pensamento seria eliminar ou reduzir algo negativo. A Psicoterapia Positiva – muitas vezes referida como PPT – é uma abordagem terapêutica relativamente nova e única, que valoriza mais a busca pelo que é bom e positivo do que a erradicação propriamente dita do que seria o problema ou o negativo. Ela se esforça para ajudar o indivíduo a explorar, identificar e desenvolver seus pontos fortes – e o que está dando certo em sua vida – em vez de dissecar e "consertar" suas fraquezas e o que estaria errado ou quebrado em seu mundo. Isso não quer dizer que problemas e fraquezas não sejam discutidas e exploradas dentro da abordagem. Mas não fazendo disso o foco do plano terapêutico, Novas Abordagens em Saúde Mental 37 os contatos entre terapeuta e pessoa baseiam-se em encontrar seus pontos fortes e ajuda-la a experimentar a felicidade no presente como chaves para melhorar seu bem-estar e a saúde psicológica. A Psicoterapia Positiva baseia-se na ideia de que as pessoas encontram a felicidade de várias formas, e ao trabalhar com a felicidade inerente à vivência do presente e de seus momentos, as ajuda a encontra-la em seu dia-a-dia, em seus gestos e ocasiões – mesmo que relacionadas às dificuldades vividas –, afastando a ideia da felicidade como algo residente apenas no passado Algumas informações importantes sobre a abordagem Historicamente, a Psicoterapia Positiva teria sido desenvolvida com a intenção de promover a felicidade genuína e um maior senso de bem-estar a pessoas que já eram consideradas psicologicamente saudáveis. Atualmente, a Psicoterapia Positiva, quando não utilizada exclusivamente, trabalha em conjunto com a Psicoterapia Tradicional em benefício de seus participantes. De acordo com o pesquisador Martin Seligman – uma das principais autoridades em Psicologia Positiva – a PPT tem o poder de ampliar e
  • 38. aprimorar o objetivo da Psicoterapia Tradicional de ajustar aquilo que estaria causando problemas, ao construir também pontes para o alcançar de elementos genuinamente positivos da vida de cada um. Em termos de debate, os céticos históricos sobre a Psicologia Positiva e a eficácia do PPT e seus métodos tendem a desconsiderá-la, afirmando que a concentração em elementos positivos e felizes da vida seria algo pouco factualmente terapêutico e válido para que fosse levado em consideração como o faziam seus apoiadores. Enquanto, por outro lado, os clínicos e pesquisadores historicamente implementadores da PPT em sua prática regular argumentariam o contrário, dizendo que seus conceitos adicionariam um equilíbrio saudável ao foco habitual em distúrbios psicológicos e ao sofrimento emocional, atribuindo à vida humana e sua felicidade a importância que deveriam ter. A Psicoterapia Positiva baseia-se nos princípios da Psicologia Positiva. Humanísticas em sua natureza, Psicoterapia Positiva e Psicologia Positiva derivam do trabalho de vários proeminentes psicólogos e psicanalistas pesquisadores ao longo de muitos anos de estudo. Novas Abordagens em Saúde Mental 38 Martin Seligman (“Otimismo Aprendido”) e Christopher Peterson (“A primer in Positive Psychology”) são frequentemente creditados como fundadores do campo da Psicologia Positiva, mas diversas outras figuras, algumas anteriores aos dois pesquisadores citados, tiveram sua importância à teoria e história formadora da abordagem e seus métodos como está marcado em seu desenvolvimento. Estes incluem: Carl Rogers (“Terapia Centrada no Cliente”), Abraham Maslow (“Hierarquia de Necessidades”), Albert Bandura (“Teoria da Aprendizagem Social”), Erich Fromm (“A Arte de Amar”), Tayyab Rashid (“Positive Psychoterapy: Clinician Manual”), entre outros. Os três principais pressupostos da Psicoterapia Positiva De acordo com Seligman e Rashid, existiriam três principais pressupostos que formam a base da PPT: 1) As pessoas têm um desejo inato de felicidade, satisfação e crescimento pessoal. Elas não estão apenas procurando evitar aflições ou sentimentos negativos. Problemas psicológicos se desenvolvem quando não conseguem crescer.
  • 39.
  • 40. 2) Os pontos fortes de uma pessoa são tão reais e válidos quanto qualquer sintoma que estejam experimentando ou distúrbios que possam ter. 3) Uma aliança terapêutica benéfica não requer um foco em fraquezas ou psicopatologias para se desenvolver; ela pode ser formada por falar sobre os pontos fortes e recursos de um cliente também. Cinco fundamentos da felicidade – o modelo “PERMA” de Seligman Ao longo de sua pesquisa sobre o que torna as pessoas felizes, Seligman identificou cinco elementos- chave que passaram a ser conhecidos como o modelo de bem-estar PERMA. Ele seria baseado em 5 coisas que desempenham um papel fundamental na felicidade das pessoas. São elas: • Positive Emotion (Emoções Positivas) • Engagement (Engajamento) • Relationships (Relacionamentos) • Meaning (Significado) • Accomplishment (Realização) Novas Abordagens em Saúde Mental 40 As pessoas que se sentem satisfeitas em cada uma dessas áreas-chave da vida são muito menos vulneráveis ​​à depressão e experimentam uma maior sensação geral de bem-estar. As emoções positivas trazem muitos benefícios, incluindo um clima mais positivo, maior criatividade, maior disposição para assumir riscos e tentar coisas novas, melhor saúde geral e relacionamentos mais felizes. Elas facilitam o lidar com o desapontamento do passado, tornam mais simples a apreciação e o desfrutar do presente, e fazem das pessoas mais otimistas sobre o futuro que as espera. Na PPT, os terapeutas ajudam as pessoas a desenvolverem suas emoções positivas. Isso faz com que elas se sintam mais esperançosas (em vez de esperar que algo ruim aconteça) e permite com que olhem para a própria vida sob uma perspectiva mais positiva. Envolver-se com a vida é essencial para o bem-estar. Sentar-se à margem te mantém entediado, deprimido e desmotivado – e reforça a tendência de se fixar no passado e se preocupar com o futuro. Quando nos engajamos na vida, ganhamos impulso e nos tornamos capazes de nos concentrarmos – e de aproveitarmos – no momento.
  • 41. Ao identificar nossos pontos fortes na PPT, podemos começar a encontrar mais maneiras de usá-los de formas significativas e gratificantes – e de jeitos que tenham valor aos outros, por meio do trabalho, de relacionamentos e de outros empreendimentos, por exemplo. Significado e propósito na vida tornam-na rica e recompensadora – fazendo-a valer a pena ser vivida. As pessoas encontram significados para ela de muitas maneiras diferentes, incluindo família, fé, uma causa digna ou mesmo o trabalho. A Psicoterapia Positiva ajuda a identificar as coisas que nos satisfazem e a dar significado à nossas vidas. Os terapeutas que utilizam da PPT, encorajam-nos a fazer coisas que se alinham com nossos valores e a encontrar pessoas que se importem com as coisas que são importantes para nós. Realizar um objetivo ou uma tarefa desafiadora é muito gratificante – seja terminar a faculdade, dominar uma habilidade como jogar tênis, tocar piano, ou perder quilos indesejados. As pessoas felizes podem olhar para a sua vida e sentir um sentimento genuíno Novas Abordagens em Saúde Mental 41 de realização, mesmo que isso não signifique que elas não cometeram erros ou deixaram de lidar com falhas ao longo do caminho. Concentrarem-se nos seus sucessos – em suas realizações – inspira-os a trabalhar para objetivos futuros e a manterem-se fieis a eles, mesmo quando se torna mais difícil fazê-lo. Sob a PPT, os terapeutas encorajam-nos a definir nossos objetivos e a melhorar os traços positivos necessários para alcançá-los. Eles nos ajudam a manter o foco em nossos objetivos e encorajam-nos a celebrar todos os nossos sucessos – mesmo que pequenos. Um forte senso de realização pessoal aumenta a resiliência e permite que permaneçamos no curso, não importa quão entediante ou cansativo ele seja – mesmo quando os obstáculos se apresentam.
  • 42.
  • 43. As três fases da Psicoterapia Positiva A Psicoterapia Positiva pode ser dividida em três fases distintas. 1) A primeira fase é focada em ajudar os clientes da terapia a examinar e a identificar seus pontos fortes pessoais. 2) A segunda fase da PPT é voltada para a construção e fortalecimento das emoções positivas dos clientes, ao mesmo tempo em que os ajuda a abandonar os padrões de pensamento negativos e as emoções que causam problemas em sua vida. 3) A terceira e última fase da PPT é focada nas relações positivas na vida dos clientes, incluindo formas de fortalecê-las. Esta fase também se concentra em ajudar os clientes a obter uma maior compreensão do que dá propósito e significado à sua vida. Novas Abordagens em Saúde Mental 43 Técnicas Terapêuticas da PTT Os terapeutas usam várias técnicas para incorporar os princípios da Psicologia Positiva em seus trabalhos com os clientes. Isso inclui ajudar os clientes a: Incentivar a linguagem baseada na força pessoal - A maioria das pessoas chega à terapia esperando falar sobre todas as coisas negativas – mágoas, ressentimentos, conflitos com os outros, tristeza e perdas. Mudar a linguagem para incorporar palavras mais positivas ajuda a mudar o foco para coisas mais positivas na vida de uma pessoa. Isso pode melhorar a capacidade dos clientes de reconhecer seus pontos fortes e identificar o que está funcionando em suas vidas. Concentrar-se no positivo em vez do negativo - Na terapia (e muitas vezes na vida) as pessoas tendem a se concentrar no negativo e não no positivo. As pessoas que combatem a depressão são especialmente propensas a se debruçarem sobre os aspectos negativos de suas vidas, bem como todas as coisas negativas que aconteceram em seu passado. Na PPT, o terapeuta se esforça para mover o foco dos
  • 44. clientes para o positivo – por exemplo, as coisas boas que aconteceram durante o dia ou a semana. Essa mudança ajuda os clientes a desenvolverem uma perspectiva mais equilibrada – e realista – ou seja, quase sempre há algo de bom nas coisas ruins. Também permite que eles se tornem mais hábeis em observar as coisas positivas no presente, bem como identificar qualquer coisa positiva que tenha saído de uma situação ou experiência difícil no passado. Reforçar sentimentos de esperança - Instilar um sentimento de esperança é um objetivo terapêutico comum. Na PPT, os terapeutas se esforçam para encontrar maneiras de construir e fortalecer o senso de esperança e otimismo de seus clientes. Ajudar os clientes a reconhecer seus pontos fortes pode contribuir para esse objetivo, pois facilita uma maior confiança em sua capacidade de lidar com problemas e desafios no futuro. Enviar lembretes - Alguns terapeutas usarão um pager, uma mensagem de texto ou outros meios para enviar ao cliente Novas Abordagens em Saúde Mental 44 um lembrete para registrar o que estão vivenciando naquele momento, com ênfase no positivo. A ideia é que esses registros (que o cliente pode expandir no final do dia) forneçam uma amostra dos tipos. Em algum momento mais tarde na terapia, estes podem ser discutidos para ver como o cliente está progredindo. Inventário de Ações e Pontos Fortes Uma das principais ferramentas utilizadas na Psicoterapia Positiva é o Inventário de Pontos Fortes (VIA-IS). Esta ferramenta, desenvolvida por Seligman e Peterson, consiste em um questionário que permite determinar nossas cinco maiores forças. O VIA-IS pode servir como um poderoso lembrete de que nós não somos uma depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo ou qualquer outro rótulo de diagnóstico depreciativo. Uma dificuldade percebida, falha pessoal ou distúrbio psiquiátrico, não define quem somos. Este é um dos aspectos mais fortalecedores da Psicoterapia Positiva. Ela permite que você se veja como uma pessoa inteira, e não como um indivíduo “quebrado” ou “confuso” que precisa ser “consertado”.
  • 45.
  • 46. Identificar nossos principais pontos fortes pode ser incrivelmente empoderador. Isso reforça a mudança de foco do que estaria errado para o que de fato seria forte em cada um de nós. (O VIA-IS está disponível on-line e é gratuito) Algumas vantagens inerentes à Psicoterapia Positiva 1) Os terapeutas que normalmente usam outros tipos de psicoterapia, podem incorporar a Psicoterapia Positiva em sua prática como uma abordagem complementar para tratar uma variedade de problemas emocionais e distúrbios mentais. 2) Os indivíduos podem facilmente usar ferramentas on-line, como o Inventário de Valores em Ação e os vários exercícios existentes, e aplicá-los benéficamente em suas próprias vidas. Esta pode ser uma ótima maneira de ajudar as pessoas que muitas vezes são resistentes à ideia de ir à terapia. 3) Os princípios, conceitos e exercícios usados ​​na PPT são relativamente fáceis de entender. Novas Abordagens em Saúde Mental 46 Entrar em sintonia com uma abordagem mais acessível como a PTT pode fazer dela uma abordagem mais confortável e agradável para as pessoas. Isso é importante porque elas estarão mais inclinadas a manter o tratamento do que desistir prematuramente devido a uma desconexão intelectual ou emocional com o processo. 4) Ao contrário de alguns tipos de psicoterapia e intervenções psicológicas, não há contraindicações importantes para a Psicoterapia Positiva. Quase todo mundo pode experimentar pelo menos algum benefício com essa abordagem. 5) Uma das críticas feitas à Psicoterapia Positiva trata sobre a necessidade de que mais pesquisas sejam realizadas em relação a sua eficácia, particularmente em indivíduos que foram diagnosticados com algum distúrbio psiquiátrico. No entanto, até que haja mais pesquisas baseadas em evidências, a maioria concorda que existem riscos mínimos para incorporar técnicas de Psicoterapia Positiva na prática clínica regular. Gastar pelo menos algum tempo concentrando-se em eventos positivos, resultados e emoções, bem como identificar, explorar e desenvolver os pontos
  • 47. fortes de uma pessoa, são geralmente considerados úteis, psicologicamente saudáveis ​​e benéficos. No mínimo, isso provavelmente trará maior sensação de confiança quando se trata de lidar com a adversidade. O processo também pode ajudar a mudar uma perspectiva negativa ou pessimista para uma perspectiva mais esperançosa e positiva na maioria dos indivíduos. A Psicoterapia Positiva, embora ainda relativamente nova em comparação com os tipos mais tradicionais de psicoterapia, mostra-se muito promissora. Para quem está pensando em trabalhar com um terapeuta, pode valer a pena considerar procurar um psicólogo ou outro profissional de saúde mental que incorpore os conceitos centrais e exercícios da PPT à sua prática atual. Novas Abordagens em Saúde Mental 47 Distúrbios, condições e dificuldades que podem se beneficiar da Psicoterapia Positiva A Psicoterapia Positiva pode ser benéfica para uma ampla gama de transtornos e dificuldades psicológicas que levam os indivíduos a procurar ajuda profissional. A ênfase na identificação e promoção de forças pode ser muito estimulante para qualquer pessoa que esteja lutando contra algo dessa natureza. Estes incluem (mas não estão limitados a): • Depressão • Ansiedade • Fobia social • TOC • Estresse pós-traumático e traumas não resolvidos • Estresse crônico ou severo • Conflitos de relacionamento • Dependência e recuperação • Luto e perda • Momentos de grande transição na vida
  • 48.
  • 49. Referências Bibliográficas Conteúdo traduzido e adaptado dos documentos: Referência: Martin E. P. Seligman, Tayyab Rashid, and Acacia C. Parks. “Positive Psychotherapy”. Pennsylvania: American Psychologist, NOV, 2006. Referência: Addiction. “Positive Psychotherapy”. Disponível em: <https://www.addiction.com/a- z/positive-psychotherapy/>. Acesso em: 14 de maio, 2019. Novas Abordagens em Saúde Mental 49
  • 50. GAM (Gestão Autônoma da Medicação) (Medicamentos) Capítulo 5
  • 51. Introdução ao conceito GAM Desde sua instituição, o movimento pela Reforma Psiquiátrica mundial têm conquistado grandes avanços na saúde mental, impactando positivamente a vida de milhares de pessoas, como a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e o retorno à vida em comunidade de cidadãos com longo histórico de internações. Em processo de desinstitucionalização constante, e que continua abrangendo a criação de novas formas de organização da atenção à saúde em vários países, esse movimento segue valorizando a integração dos serviços e dos usuários às suas comunidades e territórios. Dentre alguns dos desafios enfrentados por esse movimento, ainda se faz presente que tratamentos baseados em medicamentos – ou psicofármacos – ainda sejam os mais utilizados, colocando em segundo plano outras formas de cuidar das pessoas, baseadas nas relações, no afeto e na comunicação como elementos fundamentais. A Gestão Autônoma da Medicação (GAM), Novas Abordagens em Saúde Mental 51 em consonância com os fundamentos da Reforma Psiquiátrica, propõe ferramentas concretas para o enfrentamento desse problema – de que práticas de saúde mental dependam tanto do mundo da Medicina (da medicalização) e tão pouco do contato humano e da conscientização. Nesse sentido, a GAM busca que as pessoas sob o uso de psicofármacos sejam mais críticas em relação a utilização que fazem deles, que conheçam melhor os medicamentos que usam cotidianamente e seus efeitos desejados e não desejados, por meio da instrução e do diálogo. É uma abordagem que objetiva, ainda, que elas conheçam quais são seus direitos e que saibam que podem decidir se aceitam ou recusam as diferentes propostas de tratamento apresentáveis. O direito à informação e o direito a liberdade de opinar e participar em relação aos tratamentos tornam-se princípios fundamentais da Gestão Autônoma da Medicação. A história por trás da Gestão Autônoma da Medicação A GAM começou a ser desenvolvida no Canadá, na cidade de Quebéc,
  • 52. em 1993, em um contexto onde a forma de usar os medicamentos nos tratamentos em saúde mental era pouco ou nada criticada. Foi uma iniciativa de grupos de usuários com transtornos mentais para ajudar outros usuários no enfrentamento dessa situação. Esses grupos afirmavam a importância dos diferentes significados que a medicação podia assumir para cada usuário. A GAM foi construída através de um processo coletivo muito participativo, com organização de grupos de debates entre usuários, associações de defesa dos direitos dos usuários, profissionais das redes comunitárias de serviços alternativos em saúde (serviços que não eram oferecidos pelo governo canadense) e pesquisadores – e atualmente, a GAM, no Quebéc, faz parte de um Plano de Ação elaborado pelo governo, e sua prática é reconhecida e estimulada. A partir desses debates, constatou-se que, mesmo que muitos usuários admitissem que os medicamentos ajudavam a reduzir o sofrimento, com frequência eram precisas longas peregrinações até conseguirem informações básicas sobre o seu tratamento e a prescrição de doses mais adequadas ao seu caso particular. Novas Abordagens em Saúde Mental 52 O debate também permitiu perceber que, para alcançar o melhor tratamento para cada pessoa, podiam ser necessárias mudanças: trocar os medicamentos, aumentar ou diminuir uma dosagem, ou mesmo parar progressivamente com o seu uso. Para cada pessoa, o significado do uso dos medicamentos e seus efeitos eram diferentes, já que essa experiência é única (singular) para cada um. Por isso a estratégia GAM não propõe regras fixas ou gerais: reconhece sempre os caminhos singulares das pessoas. Uma das ferramentas da GAM, resultado de vinte anos de lutas dos serviços alternativos e dos grupos de promoção e defesa dos direitos em saúde mental do Quebec, é o guia Gestion Autonome de la Médication de l'Alme - Mon Guide Personel (Gestão Autônoma da Medicação da Alma - Meu Guia Pessoal), elaborado em 2001, por pesquisadores e associações do Quebéc. Esse Guia, escrito em francês, propunha que os usuários tivessem acesso às informações e, assim, tivessem melhores condições de reivindicar os seus direitos, dialogando sobre o lugar que a medicação e outras práticas ocupavam em suas vidas. Além disso, propunha-se também que o usuário deixasse de ser tratado como
  • 53.
  • 54. "objeto" do tratamento para ser, de fato, tratado como "sujeito" e "pessoa de pleno direito“ do mesmo. O Guia GAM construído no Canadá foi adaptado para a realidade brasileira ao longo dos anos 2009 e 2011. A adaptação buscou levar em conta o contexto brasileiro da Reforma Psiquiátrica e da existência do Sistema Único de Saúde (SUS). Também incluiu os direitos dos usuários de serviços de saúde e de saúde mental vigentes no Brasil. O Guia GAM brasileiro salienta que a decisão sobre o melhor tratamento se consegue a partir de uma composição entre o que os usuários sabem (baseados nas suas experiências pessoais ou de grupo), o que dizem os seus familiares sobre a experiência com o cuidado diário e o que sabem os médicos ou as equipes de referência sobre o uso das medicações. Os três tipos de saberes são importantes. E é a partir do diálogo e do compartilhamento desses saberes que poderão ser tomadas as melhores decisões a respeito do modo de se usar os medicamentos, assim como sobre se usa-los ou não. Chama-se essa composição de saberes de gestão compartilhada. Novas Abordagens em Saúde Mental 54 E ela é bem diferente da chamada autogestão, em que os usuários tomam suas decisões sozinhos, sem compartilhá-las, modificando dosagens ou parando com os remédios sem alguém que lhes acompanhe. Nesse sentido, quando se fala em ouvir, é ouvir mesmo, não apenas um faz de conta, um perguntar só por perguntar, e fazer no fim o que já tinha sido decidido ou pensado – independente da resposta. Ouvir é considerar legítimo tudo o que o usuário tem a dizer. A proposta da Gestão Autônoma da Medicação é justamente que decisões dos usuários sejam aceitas como legítimas e que sejam conversadas e compartilhadas com a equipe de saúde de referência para que possam ser analisadas coletivamente; e para que tanto os usuários como a equipe, e também os familiares envolvidos, saibam dos possíveis efeitos das decisões e "banquem juntos" uma posição – seja a redução ou mesmo a retirada dos medicamentos.
  • 55. Dois princípios básicos da GAM: Autonomia e Cogestão Começemos com o princípio da autonomia. O movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira pensa a autonomia não como independência (fazer ou viver sozinho) ou individualismo (ter direitos pessoais acima de direitos coletivos). Autonomia, para esse movimento, significa estar em relacionamento com os outros, e não sozinho. Para viver a autonomia, as pessoas têm de compartilhar, umas com as outras, o que pensam e o que sentem, ao invés de se fecharem em suas ideias e posições. Essa vivência vale assim, também, para os usuários em seus tratamentos: para experimentarmos a autonomia nos tratamentos, a gestão destes precisa ser compartilhada entre todos aqueles que estão envolvidos. Por isso, os usuários devem ser considerados protagonistas e corresponsáveis (responsáveis junto com os profissionais) pelo tratamento que seguem. Eles devem Novas Abordagens em Saúde Mental 55 ser considerados capazes de compartilhar as decisões sobre o próprio tratamento, inclusive sobre o uso de seus medicamentos. Ou seja, os usuários têm que participar da decisão de usar ou não, e de como irão usar os medicamentos (se a decisão for essa). Essas decisões não podem ser apenas dos profissionais da saúde responsáveis; elas têm que ser compartilhadas. Por isso, quando falamos de gestão autônoma, não estamos falando de uma gestão independente da própria vida do usuário, mas de uma cogestão, que é o segundo princípio sobre o qual queremos falar: cogestão é a gestão que se faz juntos. Nas nossas vidas, quando tomamos as decisões que são fundamentais, sempre procuramos o apoio de outras pessoas, com quem dividimos nossas preocupações e dificuldades. Por que teria que ser diferente com os medicamentos psiquiátricos? No dia-a-dia associamos com frequência a palavra autonomia a ideias como autossuficiência, livre-arbítrio e independência. Porém, a independência do usuário ao tomar decisões sobre sua medicação nem sempre o leva à melhor situação ou ao melhor resultado. Um exemplo disso surge quando um usuário decide sozinho parar de tomar seus medicamentos. Sem o
  • 56.
  • 57. acompanhamento de uma equipe de saúde que o apoie em sua decisão, é comum que a interrupção abrupta do uso do medicamento desencadeie uma crise que o faça ter que tomar uma dosagem ainda maior de medicamentos do que aquela que antes já tomava. Por outro lado, considerar somente o conhecimento médico, somente o que a equipe de saúde propõe, para avaliar qual é a melhor medicação para um usuário, é um erro. A melhor maneira de se tomar essas decisões é considerar não apenas o que sabem os médicos, mas também o que sabem os usuários sobre suas próprias experiências com os medicamentos. A GAM aposta no valor das conversas para decidir juntos – médico e usuário – o melhor plano de tratamento para cada um; isso é uma gestão autônoma, ou uma cogestão. Imaginemos uma cena onde se receitam medicamentos; nela participam vários grupos e pessoas: tem o usuário, o médico que prescreve, a equipe que vai acompanhar, a família do usuário, Novas Abordagens em Saúde Mental 57 os amigos, os seus colegas de trabalho, os vizinhos, e a comunidade. Todos irão perceber os efeitos (sejam bons ou ruins) do tratamento para essa pessoa, e todos poderão contribuir de alguma maneira para ajudar em seu tratamento. Quanto mais conectados a uma rede de cuidados estiverem, mais possibilidades os usuários, seus familiares e/ou equipe de saúde terão para administrar (gerir) a medicação. Juntos, podemos sempre criar e sustentar formas de tratamento que isoladamente não conseguiríamos. Fazemos gestão autônoma quando ampliamos coletivamente as possibilidades de cuidado. E é dessa forma que a GAM contribui para a realização de políticas públicas de saúde comprometidas com o protagonismo dos usuários e dos trabalhadores, com a democratização dos serviços de saúde e com a melhor qualidade do atendimento que eles oferecem.
  • 58. No que consiste a Gestão Autônoma da Medicação A Gestão Autônoma da Medicação (GAM) é uma estratégia pela qual aprendemos a cuidar do uso dos medicamentos, considerando seus efeitos em todos os aspectos da vida das pessoas que os usam. A GAM parte do reconhecimento de que cada usuário tem uma experiência singular ao usar psicofármacos e de que importa aumentar o poder de negociação desse usuário com os profissionais da saúde que se ocupam do seu tratamento – sobretudo com os médicos, que são os que prescrevem os medicamentos. Ao prescrever um medicamento, o profissional tem que considerar a experiência prévia do usuário e não excluir a possibilidade de diminuir doses, trocar um medicamento por outro ou substituir o tratamento medicamentoso por outras formas de tratar. É fundamental que usuários e profissionais possam avaliar juntos em que medida os medicamentos servem mesmo à melhoria da qualidade de vida, reduzindo o Novas Abordagens em Saúde Mental 58 sofrimento que os sintomas da doença causam; ou, se, de maneira oposta, intensificam esse sofrimento com efeitos não desejados (efeitos colaterais). É fundamental que profissionais da saúde se aproximem das vivências dos usuários; e que estes se sintam com liberdade e no direito de intervir nas condições do tratamento que seguem. Foi para ajudar usuários e profissionais da saúde a tomarem as melhores decisões a respeito de medicamentos, de forma compartilhada e solidária, é que Guia GAM foi construído. O Guia GAM é uma ferramenta prática e útil, que oferece não só informações técnicas, mas perguntas amplas e abertas, que remetem às experiências e aos significados individuais de usar tal ou qual medicamento, além de outros aspectos considerados importantes para avaliar se o tratamento está sendo adequado. A GAM é uma estratégia para ser praticada de forma coletiva, em grupo, de maneira dialogada e compartilhada – e assim deve ser também o uso do Guia GAM. Experimentar o compartilhamento de experiências no grupo é um ótimo exercício para a construção de um diálogo com os médicos e com a equipe de saúde de cada usuário.
  • 59.
  • 60. A função dos moderadores é muito importante para isso, pois a dinâmica de um Grupo GAM – a possibilidade de compartilhamento das experiências e de protagonismo de seus participantes – depende, em grande parte, da boa qualidade da sua condução. Os moderadores dos Grupos GAM têm um papel muito importante no acolhimento dos grupos, abraçando as experiências mais diversas, por mais difíceis, diferentes e intensas que sejam. É preciso criar um ambiente de confiança e de abertura que possa ajudar cada participante a se sentir à vontade no próprio grupo e para negociar o seu tratamento e torná-lo mais afinado à sua própria situação de vida. Daí se faz importante que se saiba que mesmo perguntas simples sobre o tratamento com medicamentos e seus efeitos, ou sobre o papel que ele ocupa na vida de cada participante, podem criar insegurança ou ansiedade nos membros do grupo. Ao mesmo tempo, compartilhar essas questões pode permitir que os participantes confiem mais em suas próprias vivências e consigam valorizar suas potencialidades e Novas Abordagens em Saúde Mental 60 recursos para enfrentar os problemas. O compartilhamento também seria importante para os próprios moderadores e outros profissionais participantes, já que abriria a possibilidade de que todos repensassem suas relações com os medicamentos, dando a elas um novo significado. Vários profissionais que participaram de Grupos GAM relatam que desenvolveram uma melhor compreensão sobre os diferentes medicamentos e, ainda, um melhor entendimento sobre o que o uso deles significaria para cada usuário de psicofármacos. Esses profissionais contariam também sobre mudanças na forma como se relacionavam com os usuários, a partir da escuta de suas experiências: ficaram mais flexíveis para ouvir sobre os medicamentos do tratamento e para acolher o significado do seu uso para cada um deles.
  • 61. Referências Bibliográficas Conteúdo transcrito e adaptado do documento: Referência: GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO – Guia de Apoio a Moderadores. Rosana Teresa Onocko Campos; Eduardo Passos; Analice Palombini et AL. DSC/FCM/UNICAMP; AFLORE; DP/UFF; DPP/UFRGS, 2014. Disponível em: http://www.fcm.unicamp.br/fcm/laboratorio-saude- coletiva-e-saudemental-interfaces Novas Abordagens em Saúde Mental 61
  • 62. Power Threat Meaning Framework (PTM) (Saúde Mental em Geral) Capítulo 6
  • 63. Introdução ao projeto-abordagem PTM Em 2013, a Divisão de Psicologia Clínica da Sociedade Britânica de Psicologia publicou uma Declaração de Posição crítica a respeito de que – dentro de um contexto de reconhecimento generalizado – os sistemas de classificação atuais, como DSM e ICD, seriam fundamentalmente falhos. A terceira recomendação do documento de posicionamento tratava sobre o ato de apoiar trabalhos, em conjunto com os usuários dos serviços, no desenvolvimento de uma abordagem multifatorial e contextual, que incorporasse fatores sociais, psicológicos e biológicos de cada um. Nesse sentido, o PTM surge, como resultado de um projeto que buscaria atingir a esses e a outros objetivos. O objetivo da equipe do projeto era produzir um documento fundamental que estabelecesse a base filosófica, teórica e empírica para tal estrutura e descrevesse como ela poderia servir como uma alternativa conceitual à classificação psiquiátrica em relação ao sofrimento emocional e comportamentos ditos problemáticos ou perturbadores. Novas Abordagens em Saúde Mental 63 Sempre existiram alternativas para o diagnóstico individual como descrições e formulações de problemas e, nesse sentido, o PTM tem o potencial de levar-nos além das hipóteses de medicalização e diagnóstico. Propõe formas alternativas de pensar sobre uma série de questões fundamentais, incluindo: • Que tipos de quadros teóricos e pressupostos são apropriados para compreender o sofrimento emocional, experiências incomuns e comportamentos problemáticos e problemáticos? • Quais métodos de pesquisa poderiam ser usados ​​e o que conta como evidência? • Como os resultados da pesquisa poderiam ser interpretados? • Qual é a relação entre sofrimento pessoal e seus contextos sociais, materiais e culturais mais amplos? • Como podemos centrar as experiências vividas das pessoas e os significados que as moldam? • Quais novas conceituações surgem de todas essas questões, e como todas as implicações podem ser traduzidas em prática, tanto dentro como fora dos serviços, em todos os níveis, da política individual à política social?
  • 64. É essencial reconhecer que há uma gama de pacientes, usuários de serviços, sobreviventes e de pessoas lidando com diagnósticos psiquiátricos. A equipe do projeto inclui tanto sobreviventes quanto profissionais, e essas visões e experiências são centrais para os argumentos da abordagem. Quaisquer que sejam as opiniões pessoais das pessoas, no curto e médio prazo, os diagnósticos psiquiátricos ainda serão de certa forma necessários para que se acesse alguns serviços, benefícios e assim por diante. Mas, mesmo assim, todos temos o direito de descrever nossas experiências da maneira que nos faz mais sentido. A longo prazo, esta abordagem destina-se a apoiar a construção de histórias não-diagnósticas, não- culpáveis, desmistificadoras sobre força e sobrevivência, que reintegrem muitos comportamentos e reações atualmente diagnosticados como sintomas de transtornos mentais de volta ao intervalo da experiência humana universal. Os princípios do Power Threat Meaning (PTM) Novas Abordagens em Saúde Mental 64 A estrutura do PTM (Power Threat Meaning) se baseia em uma variedade de modelos, práticas e tradições filosóficas, mas é mais ampla e não depende de qualquer orientação teórica específica. Em vez disso, o objetivo é informar e ampliar as abordagens existentes, oferecendo uma perspectiva fundamentalmente diferente sobre as origens, a experiência e a expressão do sofrimento emocional e do comportamento dito problemático. A abordagem PTM baseia-se nos seguintes princípios fundamentais: • As alternativas construtivas à classificação e diagnóstico psiquiátrico precisam se concentrar em aspectos do funcionamento humano que foram marginalizados em estruturas teóricas derivadas do estudo de processos corporais no mundo físico. Em particular, as alternativas devem basear-se no estudo de seres humanos que se comportam intencionalmente em contextos sociais e relacionais. • Comportamento e experiências "anormais" existem em um continuidade com comportamentos e experiências "normais" e estão sujeitos a estruturas similares de compreensão e interpretação.
  • 65.
  • 66. Estes incluem a suposição de que, a menos que haja evidência forte em contrário, nosso comportamento e experiência podem ser vistos como respostas inteligíveis a nossas circunstâncias atuais, história, sistemas de crenças, cultura e capacidades corporais, embora os elos entre estes nem sempre sejam óbvio ou direto. • A causalidade no sofrimento, no comportamento humano, é probabilística; isto é, tem um caráter "em média" e nunca será possível prever impactos precisos. As influências causais também operam de maneira contingente e sinérgica, o que significa que os efeitos de qualquer fator são sempre mediados e contingentes aos outros, e que as influências podem ampliar os efeitos umas das outras. Experiências e expressões de sofrimento emocional são entendidas, mas não em qualquer sentido simplista, como elementos causados via nossos corpos, biologia e envolto social. • Os seres humanos são seres fundamentalmente sociais, cujas experiências de angústia e comportamento conturbado ou perturbador são inseparáveis ​​de seus contextos materiais, sociais, Novas Abordagens em Saúde Mental 66 ambientais, socioeconômicos e culturais. Não existe uma "desordem" separada a ser explicada, com o contexto como uma influência adicional. Não pode haver "psiquiatria global" ou "psicologia global". Padrões de dificuldades emocionais e comportamentais sempre refletirão os discursos, normas e expectativas sociais e culturais predominantes, incluindo conceituações aceitas da personalidade. • As teorias e julgamentos sobre identificar, explicar e intervir no sofrimento mental e no comportamento dito problemático não são isentas de valor. Isso não significa que outros conhecimentos úteis e confiáveis sejam inatingíveis. • Precisamos levar a sério o significado, a narrativa e a experiência subjetiva. Isso envolverá um lugar central para as narrativas de especialistas por experiência. Envolverá também o desenho de uma ampla gama de métodos de pesquisa e dará status equivalente a métodos qualitativos e quantitativos, incluindo o testemunho de usuários de serviços / sobreviventes e de seus próprios cuidadores.
  • 67. Características e finalidades do PTM Estes princípios informam as principais características e finalidades da Estrutura PTM, que são as seguintes: • Permite a identificação provisória de padrões e regularidades gerais na expressão e experiência de sofrimento e comportamento perturbado ou perturbador, em oposição a mecanismos causais biológicos ou psicológicos específicos ligados para separar as categorias de transtornos. • Mostra como esses padrões de resposta são evidentes em diferentes graus e em diferentes circunstâncias para todos os indivíduos ao longo da vida. • Não assume "patologia"; em vez disso, descreve os mecanismos de enfrentamento e sobrevivência que podem ser mais ou menos funcionais como uma adaptação a conflitos e adversidades particulares no passado e no presente. • Integra a influência de fatores biológicos/ genéticos Novas Abordagens em Saúde Mental 67 e epigenéticos / evolutivos na mediação e ativação desses padrões de resposta. • Integra fatores relacionais, sociais, culturais e materiais como formadores de emergência, persistência, experiência e expressão desses padrões. • Conta com a responsabilidade pelas diferenças culturais na experiência e expressão de sofrimento. • Atribui um papel central ao significado pessoal, emergindo dos discursos e crenças sociais e culturais, das condições materiais e das potencialidades corporais. • Atribui um papel central à agência pessoal ou à capacidade de exercer influência dentro em situações de inevitáveis ​​restrições psicossociais, biológicas e materiais. • Reconhece a centralidade do contexto relacional / social / político nas decisões sobre o que conta como uma necessidade ou crise de "saúde mental" em qualquer situação. • Fornece uma base de evidências para o desenho de padrões gerais de respostas de enfrentamento e sobrevivência para informar narrativas individuais / familiares / de grupo.
  • 68.
  • 69. • Oferece maneiras alternativas de cumprir as funções relacionadas ao serviço, administrativas e de pesquisa do diagnóstico. • Sugere usos alternativos de linguagem, enquanto argumenta que não pode haver substituições de um para um em termos de diagnóstico atuais. • Inclui significados e implicações para a ação em uma comunidade / política social / contexto político mais amplo. Um resumo esclarecido sobre a abordagem A ampla Estrutura PTM é derivada de uma vasta gama de teorias e pesquisas, construídas e realizadas através de disciplinas e métodos bem elaborados. É composta por quatro aspectos inter-relacionais: 1) O funcionamento do PODER (biológico; coercivo; legal; econômico / material; ideológico; social / cultural e interpessoal). 2) A AMEAÇA que a operação negativa do poder pode Novas Abordagens em Saúde Mental 69 representar para a pessoa, o grupo e a comunidade, com particular referência ao sofrimento emocional, e as maneiras pelas quais isso é mediado pela nossa biologia. 3) O papel central do SIGNIFICADO (como produzido nos discursos sociais e culturais, e estimulado pelas respostas corporais evoluídas e adquiridas) na modelagem da operação, experiência e expressão de poder, ameaça e nossas respostas à ameaça. 4) E como reação a todos os itens acima, a RESPOSTA À AMEÇA instruída a qual uma pessoa, família, grupo ou comunidade, pode recorrer para garantir a sobrevivência emocional, física, relacional e social. Estas variam desde reações fisiológicas em grande parte automáticas até ações e respostas com base linguística ou conscientemente selecionadas. Ao contrário do modelo biopsicossocial mais tradicional de sofrimento mental, não há suposição de patologia e os aspectos "biológicos" não são privilegiados, mas constituem um nível de explicação fundamental ligado a todos os outros. O indivíduo não existe e não pode ser entendido separadamente de seus relacionamentos, comunidade e cultura; o significado só surge quando elementos sociais, culturais e biológicos se combinam; e as capacidades biológicas
  • 70. não podem ser separadas do ambiente social e interpessoal. Dentro disso, observa-se o significado como algo intrínseco à expressão e à experiência de todas as formas de sofrimento emocional, dando forma única às respostas pessoais do indivíduo. Em resumo, a abordagem PTM, tanto para às origens quanto para à manutenção da aflição, substitui a questão centro da medicalização existente, a saber, “o que está errado com você?”, por outras quatro alinhadas com seus princípios e valores, quais sejam: • O que aconteceu com você? (como o PODER operou na sua vida?) • "Como isso afetou você?" (Que tipo de AMEAÇAS isso representa?) • "Que sentido você fez dela?" (Qual é o SIGNIFICADO dessas situações e experiências para você?) • "O que você teve que fazer para sobreviver?" (Que tipo de RESPOSTA À AMEAÇA você está usando?) Novas Abordagens em Saúde Mental 70 Um dos principais objetivos da Estrutura do PTM é auxiliar a identificação provisória de padrões baseados em evidências de situações de estresse, experiências incomuns e comportamentos ditos problemáticos. Em contraste com os mecanismos causais biológicos específicos que sustentam algumas categorias de distúrbios médicos, esses padrões são altamente probabilísticos, com influências operando de maneira contingente e sinérgica. No entanto, isso não significa que não existem regularidades. Pelo contrário, isso implica que essas regularidades não são, como na medicina, fundamentalmente padrões na biologia, mas padrões de respostas de ameaças corporificadas, baseadas em significado, à operação negativa do poder. A Estrutura PTM demonstra como esses padrões probabilísticos podem ser descritos em vários níveis. Isso define o cenário para a identificação de sete Padrões Gerais Provisórios que emergem de dentro da Estrutura Fundamental. Eles não são substitutos de diagnósticos, mas são baseados em amplas regularidades que atravessam grupos de diagnóstico, e que surgem de significados pessoais, sociais e culturais.
  • 71.
  • 72. Esses Padrões Gerais Provisórios cumprem um dos principais objetivos da Estrutura, que é restaurar os vínculos entre ameaças baseadas em significado e respostas a ameaças baseadas em significado. Essas respostas surgem das necessidades humanas fundamentais a serem protegidas e valorizadas, que encontram um lugar no grupo social e assim por diante, e representam as tentativas das pessoas, conscientes ou não, de sobreviver aos impactos negativos do poder. Entendidas como "estratégias de sobrevivência" em vez de "sintomas", elas cruzam diagnósticos, através de especialidades e através dos limites do que é geralmente considerado "normal" versus "patológico". Elas estão presentes em diversos pontos e, até certo medida, na vida cotidiana de todos. O Modelo PTM e os padrões derivados dele fornecem uma nova perspectiva sobre a aplicação dos sistemas de classificação psiquiátrica ocidental às culturas não- ocidentais e a expressões de sofrimento, tanto ao Reino Unido quanto ao mundo. A Estrutura PTM prevê e permite a existência de experiências culturais Novas Abordagens em Saúde Mental 72 e expressões de sofrimento amplamente variáveis, sem as posicionar como variações bizarras, primitivas, menos válidas ou exóticas do paradigma diagnóstico dominante. Como os padrões de sofrimento emocional sempre serão, em certa medida, locais, no tempo e no lugar, nunca poderá haver um léxico universal de tais padrões. Mais especificamente, o Modelo PTM pode sugerir alternativas ao diagnóstico para fins de agrupamento; administração; judicialização; planejamento de serviços e pesquisas. Pode permitir a geração e a construção de narrativas pessoais e abrir a possibilidade de diferentes histórias não-diagnósticas de força e sobrevivência emergirem. Junto a isso, oferece uma forma de cumprir, mais eficazmente, alguns dos benefícios relatados do diagnóstico, como fornecer uma explicação, ter a aflição validada, facilitar o contato com outras pessoas em circunstâncias semelhantes, oferecer alívio da vergonha e da culpa, sugerir um caminho a seguir e transmitir esperança para uma mudança positiva.
  • 73. Reflexões importantes acerca de estigmas, dificuldades e o PTM As tendências e necessidades apresentadas neste conteúdo são tendências e necessidades de nível populacional, não caminhos individuais pré- determinados, e elas descrevem riscos, não inevitabilidades. Nesse contexto, a estrutura fundamental da abordagem tem implicações extremamente importantes para os sistemas de saúde mental e para os serviços humanos como um todo. Um modelo cumulativo e sinérgico de impacto das adversidades como o PTM não apoia a individualização do sofrimento, tanto medicamente quanto psicologicamente. Em vez disso, implica a necessidade de ação, principalmente através da política social, o mais cedo possível, antes que ciclos destrutivos sejam postos em movimento. Embora muitas pessoas rotuladas psiquiatricamente tenham experimentado tanto rupturas quanto formas específicas de adversidade, até mesmo a educação mais amorosa e Novas Abordagens em Saúde Mental 73 segura não poderia fornecer proteção contra todas as ameaças, especialmente considerando um contexto mais amplo de desigualdade social. Igualmente, muito poucas pessoas, independentemente do seu passado, sobreviveriam a circunstâncias como abuso doméstico, tráfico, status de refugiado, dor física crônica e problemas de saúde, luto múltiplo, grandes desastres naturais, guerras e assim por diante, sem cicatrizes emocionais. Quanto menores são os fatores de melhoria na vida de uma pessoa (por exemplo, cuidadores alternativos; apoio social; moradia adequada; habilidades desenvolvidas; educação; acesso a recursos; intervenção apropriada) menores as chances dela escapar destes ciclos, que envolvem sociedade e saúde mental diretamente. Apesar dessas constatações, é igualmente importante reconhecer que cada uma dessas possibilidades também pode ser reproduzida de maneira positiva - talvez na forma de um parente carinhoso, um talento particular ou uma mudança nas circunstâncias sociais de uma vida. Com o tipo certo de apoio, muitas pessoas conseguiram encontrar uma saída para esses padrões destrutivos. A estrutura fundamental da abordagem PTM surge no contexto de impactos negativos
  • 74.
  • 75. do poder, tanto imediatos quanto mais distantes. Juntamente com o trabalho de muitos outros, esta análise sugere que as estruturas socioeconômicas influenciam os discursos e significados sociais que servem e moldam os interesses de vários tipos de poder, tanto em sua operação negativa quanto positiva na saúde mental. Em todas essas situações, a angústia do indivíduo provavelmente aumentará proporcionalmente ao grau de assimilação das normas e discursos sociais subjacentes, por exemplo, aqueles relacionados a papéis de gênero ou de responsabilidade pessoal. A vergonha é uma emoção social e, embora um diagnóstico psiquiátrico seja às vezes aceito como proteção da vergonha para suas ações, ela também pode ser experimentada como abreviação de um julgamento comunitário de: "Você é um membro falho e inaceitável do grupo social". O diagnóstico pode, assim, definir o cenário para perpetuar o ciclo de traumatismo, discriminação e exclusão social. A estrutura da abordagem PTM pode ser usada em combinação com uma lista de "fatores de melhoria", como uma lista de verificação rápida para sugerir uma maneira de entender e validar Novas Abordagens em Saúde Mental 75 o grau de sofrimento / dificuldade no funcionamento experimentado por um indivíduo, família, grupo ou comunidade em particular, e também como forma de alterar essa realidade. E para além de seu uso tradicional, pode também ser vista como um modelo inicial no qual outros modelos e corpos de evidências existentes podem ser acomodados. Pode, dessa forma, servir também como um ponto de referência importante para identificar lacunas na teoria e prática atuais, que muitas vezes surgem da atenção insuficiente à operação negativa do poder e seus significados ideológicos associados. Referência Bibliográfica Conteúdo traduzido e adaptado do documento: Referência: Johnstone, L. & Boyle, M. with Cromby, J., Dillon, J., Harper, D., Kinderman, P., Longden, E., Pilgrim, D. & Read, J. (2018). The Power Threat Meaning Framework: Overview. Leicester: British Psychological Society.
  • 76. Abordagem Sistêmica Comunitária (Saúde Mental em Geral) Capítulo 7