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Uma ferramenta para educar-se e educar de outro modo
Maria Carmen Silveira Barbosa & Susana Beatriz Fernandes
Somente a partir de uma imagem de criança rica e competente, vista como um sujeito que tem direito de
participação, e não apenas necessidades, é possível produzir outros sentidos para a construção de um
currículo emergente
A intenção deste artigo é refletir sobre a relação entre a prática da documentação pedagógica e o modo
convencional de fazer e pensar o cotidiano da educação infantil. Refletir para, quem sabe, poder ensaiar
outros sentidos a quem somos e ao que fazemos com as crianças na escola. Walter Kohan (2004, p. 16),
referindo-se aos que buscam um “novo início” para a educação, afirma: “A educação é um desses lugares
onde parece que já não há nada mais a dizer, onde se disse (quase) tudo e onde, de tanto dizer o mesmo,
as palavras parecem cansadas, quase vazias, sem nada dentro. (...) No entanto, com toda essa dificuldade
para falar com sentido — que é também uma dificuldade para pensar e trabalhar —, há educadores que
ainda apostam na infância, na revolução, na criação. Educadores que criam, revolucionam e se alçam a um
devir infantil nos contextos mais adversos, inócuos, vazios. E inclusive falam quando parece que não há
nada mais a dizer. E não deixam de inventar palavras ou reinventam as que já existem, para dizê-las de
outra maneira, para sacudi-las de sua modorra”.
A expressão documentação pedagógica parece ter potência para produzir outros sentidos. Embora ela já
circule há algum tempo nos discursos pedagógicos, não ocupou, ao menos até a última década do século
XX, um lugar de destaque na literatura educacional do país. Talvez exatamente aí esteja sua potência. A
prática da documentação pedagógica, ao tentar produzir outros sentidos, sacode as já cansadas e
saturadas palavras da didática, como planejamento, currículo e avaliação, bem como sua estruturação
linear: primeiro se definem objetivos, depois conteúdos, depois estratégias... Como se, ao escrever um
plano, as definições posteriores não redefinissem as iniciais. A Itália tem sido a grande inspiração e a
referência mundial no que diz respeito à documentação pedagógica. Porém, a prática de observar e
registrar o que fazem as crianças da educação infantil não é algo novo. Muitos educadores já fazem algum
tipo de registro. Entre os modos mais correntes, podemos citar a produção de CDs com fotos e/ou
pequenos filmes de atividades produzidas pelas crianças, de festas, atividades não ordinárias como
passeios, aniversários, desenhos, pinturas e outras formas de representação infantil; as exposições de
encerramento do ano letivo; as fichas sobre o desempenho das crianças; as informações registradas na
caderneta/agenda que tratam de alimentação, saúde, avisos e solicitações. Há os chamados relatórios de
avaliação, os pareceres descritivos, a organização de arquivos, os portfólios, dossiês e
inventários. Contudo, nenhuma dessas formas de observação ou modos de registro, por si só, constitui
uma prática de documentação pedagógica tal como é proposta na abordagem italiana. Além de dar
visibilidade ao que acontece na escola, essa abordagem ainda possibilita realizar, analisar e problematizar,
de forma pública ou coletiva, aquilo que foi observado e registrado, assim como a inseparabilidade entre o
documentado e o processo de planejamento, a definição do currículo, a escolha das atividades, a
participação das crianças e das famílias no processo de documentação. Ao contrário da ideia tradicional de
planejamento e currículo, segundo a qual, mesmo antes de conhecer as crianças, os educadores definem o
quê e como ensinar, estabelecendo um tempo para que essas aprendizagens ocorram, na prática da
documentação pedagógica precisamos ser capazes de pensar e atuar de modo que esses processos
aconteçam de maneira concomitante e relacionada, incluindo as crianças como protagonistas. É preciso
desvencilhar-se da ideia de planejamento como ação a priori, de currículo unicamente como conteúdo
organizado de modo sequencial e “lógico”— que determina de antemão o quê, quando e como as crianças
aprenderão — e de avaliação como um trabalho para ser realizado ao final de um tempo predefinido. Todos
esses elementos são compreendidos como processuais. A avaliação só tem sentido como análise de
elementos constituídos ao longo do processo de acompanhamento. O enfoque está no processo de
aprendizagem das crianças, e não se pretende classificá-las ou categorizá-las segundo determinado estágio
ou nível de desenvolvimento. Podemos dizer que os modos de fazer a documentação dos processos de
aprendizagem e das vivências cotidianas das crianças na escola infantil implicam uma concepção de
planejamento, avaliação e currículo diferente do que tradicionalmente os discursos pedagógicos enunciam.
Pensar em outra perspectiva para a documentação, porém, não significa um nada fazer ou pensar, e sim a
construção de uma prática pedagógica na qual os professores, partindo de objetivos gerais e com base no
que sabem/conhecem acerca das crianças, arriscam hipóteses sobre o que poderá ocorrer. Trata-se de
objetivos flexíveis, incluindo tanto o que os professores percebem sobre os interesses e as necessidades
das crianças quanto aqueles explicitados direta ou indiretamente pelas próprias crianças em qualquer
momento do projeto ou atividade que esteja sendo desenvolvido. Em nosso trabalho, falamos sobre
planejamento, entendido no sentido de preparação e organização do espaço, dos materiais, dos
pensamentos, das situações e das ocasiões para a aprendizagem. Isso permite o intercâmbio entre os três
protagonistas e parceiros interativos da escola: crianças, educadores e famílias. Essa ideia de planejamento
a partir de um currículo emergente está implicada, fundamentalmente, com a imagem que temos das
crianças. Isso significa dizer que, somente a partir de uma imagem de criança rica e competente, vista como
um sujeito que possui direito de participação, e não apenas necessidades, é possível produzir outros
sentidos para a construção de um currículo emergente. A documentação como uma nova perspectiva pode
também ser pensada como algo a partir do qual um novo início pode ser produzido em educação, em
especial na educação infantil; uma prática de documentação que tenha relação com ser interpelado pelas
crianças, pelos pais e mães, por outros educadores, com um modo de estabelecer relações com as
infâncias, com os outros adultos, com aquilo que somos e pensamos. A documentação pedagógica e a
formação dos educadores Se realizar a documentação pedagógica implica um processo educacional
diferenciado do convencional, é preciso pensar em outras maneiras de promover a formação do educador
infantil. Sabemos que a adoção da documentação como prática pedagógica não é tarefa simples: ela
envolve muitos desafios e aprendizagens, tanto ao nível da (auto)formação do professor quanto ao nível do
sistema educacional, de gestão e organização interna das instituições de educação infantil. São inúmeros
os desafios que o professor deverá enfrentar em sua formação, tais como:
estar ciente de que documentar é transgredir as práticas pedagógicas correntes e romper com a tradição
didática;
acreditar que as crianças são competentes, que têm saberes, que pensam e formulam hipóteses, que
descobrem, inventam e produzem coisas diferentes;
dispor-se a aprender a documentar as descobertas das crianças no cotidiano da escola, tanto em suas
singularidades quanto na vida coletiva;
aprender a observar as crianças, a ver como cada um delas age, aprende, constrói percursos na resolução
dos problemas que se apresentam no cotidiano da escola e nos momentos em que, sozinhas ou
com seus pares, organizam suas brincadeiras e seus fazeres;
assumir uma postura nova no olhar para o dia a dia da escola, com vistas a descobrir as coisas
extraordinárias que acontecem no cotidiano das crianças pequenas;
aprender a dar todo o tempo de que as crianças necessitem para aprender e fazer;
instrumentalizar-se para realizar registros nas diferentes linguagens e oferecer para as crianças a
possibilidade não só de acompanhar, mas também de participar da geração e seleção de materiais
de registro;
ter clareza de que documentar envolve pesquisa, estudo, decifração, imaginação;
saber que é fundamental realizar a tarefa de ricognizione ou metacognização, isto é, pensar sobre o que foi
vivido, apreendido, estudado;
escutar e observar mais do que falar;
estar disposto a se expor e a aceitar críticas;
transformar a escola infantil em um contexto de aprendizagem coletivo, já que não é possível documentar
sozinho, pois a documentação estabelece/exige um diálogo;
considerar a família como uma interlocutora que não pode ser vista como elemento separado da escola;
compreender que documentar não significa apenas dar a conhecer as crianças e sua infância, mas também
a escola, o que acontece lá, os professores, suas práticas e capacidades profissionais.
A documentação pedagógica pode constituir-se em uma poderosa e produtiva ferramenta de formação (no
sentido que Foucault dá aos instrumentos que ajudam a pensar), tendo em vista que ela nos convida a
pensar de outro modo sobre o que sabemos e o que fazemos em nosso cotidiano na escola infantil. A
adoção de uma prática de documentação como uma perspectiva pedagógica não tradicional requer
necessariamente uma abertura para a mudança e a inclusão de diferentes pontos de vista. Nesse sentido,
podemos falar na dimensão formativa da documentação pedagógica: a documentação pode ser uma
ferramenta potente porque ela não apenas estabelece uma nova relação entre os educadores e as crianças,
mas também oportuniza outra maneira de trabalhar entre os adultos. Ela se constitui como uma produção
pedagógica e como importante instrumento de trabalho. Documentar pode ser ainda um importante
momento de crescimento profissional, de qualificação do serviço e da construção de condições de trabalho
adequadas.
Documentar pode ser um processo de formação e de transformação no qual educadores, crianças e
famílias estão inevitavelmente implicados. Como prática pedagógica intencional, refletida e compartilhada, a
documentação pode formar e transformar aquilo que somos e aquilo que podemos vir a ser. Para Mara
Davoli (2008), a documentação é tanto argumentação quanto narração ou explicação de processos,
situações e experiências. A documentação pedagógica, segundo Dalhberg, Moss e Pence (2003, p. 190), é
usada por educadores de vários lugares do mundo “como um instrumento para a reflexão sobre a prática
pedagógica e como um meio para a construção de um relacionamento ético com nós mesmos, com o Outro
e com o mundo”. É a chamada ética de um encontro. Observar, documentar e interpretar ajuda a pensar de
novo a didática — ou seria uma didática nova? — construída e compartilhada por adultos e crianças. Assim,
o processo de documentação constitui-se em um processo de aprendizagem ao mesmo tempo individual e
coletiva. Observar é produzir conhecimento, mas não um conhecimento abstrato, e sim a emoção de
conhecer que ele está atravessado pela nossa subjetividade.
Maria Carmen Silveira Barbosa é doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação e do
Programa de Pós-Graduação da UFRGS. licabarbosa@ufrgs.br
Susana Beatriz Fernandes é mestre e doutora em Educação, professora da rede municipal de ensino de
Porto Alegre e coeditora no Brasil da Revista Infância Latino-americana, da A.M. Rosa Sensat de
Barcelona.

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No entanto, com toda essa dificuldade para falar com sentido — que é também uma dificuldade para pensar e trabalhar —, há educadores que ainda apostam na infância, na revolução, na criação. Educadores que criam, revolucionam e se alçam a um devir infantil nos contextos mais adversos, inócuos, vazios. E inclusive falam quando parece que não há nada mais a dizer. E não deixam de inventar palavras ou reinventam as que já existem, para dizê-las de outra maneira, para sacudi-las de sua modorra”. A expressão documentação pedagógica parece ter potência para produzir outros sentidos. Embora ela já circule há algum tempo nos discursos pedagógicos, não ocupou, ao menos até a última década do século XX, um lugar de destaque na literatura educacional do país. Talvez exatamente aí esteja sua potência. A prática da documentação pedagógica, ao tentar produzir outros sentidos, sacode as já cansadas e saturadas palavras da didática, como planejamento, currículo e avaliação, bem como sua estruturação linear: primeiro se definem objetivos, depois conteúdos, depois estratégias... Como se, ao escrever um plano, as definições posteriores não redefinissem as iniciais. A Itália tem sido a grande inspiração e a referência mundial no que diz respeito à documentação pedagógica. Porém, a prática de observar e registrar o que fazem as crianças da educação infantil não é algo novo. Muitos educadores já fazem algum tipo de registro. Entre os modos mais correntes, podemos citar a produção de CDs com fotos e/ou pequenos filmes de atividades produzidas pelas crianças, de festas, atividades não ordinárias como passeios, aniversários, desenhos, pinturas e outras formas de representação infantil; as exposições de encerramento do ano letivo; as fichas sobre o desempenho das crianças; as informações registradas na caderneta/agenda que tratam de alimentação, saúde, avisos e solicitações. Há os chamados relatórios de avaliação, os pareceres descritivos, a organização de arquivos, os portfólios, dossiês e inventários. Contudo, nenhuma dessas formas de observação ou modos de registro, por si só, constitui uma prática de documentação pedagógica tal como é proposta na abordagem italiana. Além de dar visibilidade ao que acontece na escola, essa abordagem ainda possibilita realizar, analisar e problematizar, de forma pública ou coletiva, aquilo que foi observado e registrado, assim como a inseparabilidade entre o documentado e o processo de planejamento, a definição do currículo, a escolha das atividades, a participação das crianças e das famílias no processo de documentação. Ao contrário da ideia tradicional de planejamento e currículo, segundo a qual, mesmo antes de conhecer as crianças, os educadores definem o quê e como ensinar, estabelecendo um tempo para que essas aprendizagens ocorram, na prática da documentação pedagógica precisamos ser capazes de pensar e atuar de modo que esses processos aconteçam de maneira concomitante e relacionada, incluindo as crianças como protagonistas. É preciso desvencilhar-se da ideia de planejamento como ação a priori, de currículo unicamente como conteúdo organizado de modo sequencial e “lógico”— que determina de antemão o quê, quando e como as crianças aprenderão — e de avaliação como um trabalho para ser realizado ao final de um tempo predefinido. Todos esses elementos são compreendidos como processuais. A avaliação só tem sentido como análise de elementos constituídos ao longo do processo de acompanhamento. O enfoque está no processo de aprendizagem das crianças, e não se pretende classificá-las ou categorizá-las segundo determinado estágio ou nível de desenvolvimento. Podemos dizer que os modos de fazer a documentação dos processos de aprendizagem e das vivências cotidianas das crianças na escola infantil implicam uma concepção de planejamento, avaliação e currículo diferente do que tradicionalmente os discursos pedagógicos enunciam. Pensar em outra perspectiva para a documentação, porém, não significa um nada fazer ou pensar, e sim a construção de uma prática pedagógica na qual os professores, partindo de objetivos gerais e com base no
  • 2. que sabem/conhecem acerca das crianças, arriscam hipóteses sobre o que poderá ocorrer. Trata-se de objetivos flexíveis, incluindo tanto o que os professores percebem sobre os interesses e as necessidades das crianças quanto aqueles explicitados direta ou indiretamente pelas próprias crianças em qualquer momento do projeto ou atividade que esteja sendo desenvolvido. Em nosso trabalho, falamos sobre planejamento, entendido no sentido de preparação e organização do espaço, dos materiais, dos pensamentos, das situações e das ocasiões para a aprendizagem. Isso permite o intercâmbio entre os três protagonistas e parceiros interativos da escola: crianças, educadores e famílias. Essa ideia de planejamento a partir de um currículo emergente está implicada, fundamentalmente, com a imagem que temos das crianças. Isso significa dizer que, somente a partir de uma imagem de criança rica e competente, vista como um sujeito que possui direito de participação, e não apenas necessidades, é possível produzir outros sentidos para a construção de um currículo emergente. A documentação como uma nova perspectiva pode também ser pensada como algo a partir do qual um novo início pode ser produzido em educação, em especial na educação infantil; uma prática de documentação que tenha relação com ser interpelado pelas crianças, pelos pais e mães, por outros educadores, com um modo de estabelecer relações com as infâncias, com os outros adultos, com aquilo que somos e pensamos. A documentação pedagógica e a formação dos educadores Se realizar a documentação pedagógica implica um processo educacional diferenciado do convencional, é preciso pensar em outras maneiras de promover a formação do educador infantil. Sabemos que a adoção da documentação como prática pedagógica não é tarefa simples: ela envolve muitos desafios e aprendizagens, tanto ao nível da (auto)formação do professor quanto ao nível do sistema educacional, de gestão e organização interna das instituições de educação infantil. São inúmeros os desafios que o professor deverá enfrentar em sua formação, tais como: estar ciente de que documentar é transgredir as práticas pedagógicas correntes e romper com a tradição didática; acreditar que as crianças são competentes, que têm saberes, que pensam e formulam hipóteses, que descobrem, inventam e produzem coisas diferentes; dispor-se a aprender a documentar as descobertas das crianças no cotidiano da escola, tanto em suas singularidades quanto na vida coletiva; aprender a observar as crianças, a ver como cada um delas age, aprende, constrói percursos na resolução dos problemas que se apresentam no cotidiano da escola e nos momentos em que, sozinhas ou com seus pares, organizam suas brincadeiras e seus fazeres; assumir uma postura nova no olhar para o dia a dia da escola, com vistas a descobrir as coisas extraordinárias que acontecem no cotidiano das crianças pequenas; aprender a dar todo o tempo de que as crianças necessitem para aprender e fazer; instrumentalizar-se para realizar registros nas diferentes linguagens e oferecer para as crianças a possibilidade não só de acompanhar, mas também de participar da geração e seleção de materiais de registro; ter clareza de que documentar envolve pesquisa, estudo, decifração, imaginação; saber que é fundamental realizar a tarefa de ricognizione ou metacognização, isto é, pensar sobre o que foi vivido, apreendido, estudado; escutar e observar mais do que falar; estar disposto a se expor e a aceitar críticas; transformar a escola infantil em um contexto de aprendizagem coletivo, já que não é possível documentar sozinho, pois a documentação estabelece/exige um diálogo; considerar a família como uma interlocutora que não pode ser vista como elemento separado da escola; compreender que documentar não significa apenas dar a conhecer as crianças e sua infância, mas também a escola, o que acontece lá, os professores, suas práticas e capacidades profissionais. A documentação pedagógica pode constituir-se em uma poderosa e produtiva ferramenta de formação (no sentido que Foucault dá aos instrumentos que ajudam a pensar), tendo em vista que ela nos convida a pensar de outro modo sobre o que sabemos e o que fazemos em nosso cotidiano na escola infantil. A adoção de uma prática de documentação como uma perspectiva pedagógica não tradicional requer necessariamente uma abertura para a mudança e a inclusão de diferentes pontos de vista. Nesse sentido, podemos falar na dimensão formativa da documentação pedagógica: a documentação pode ser uma ferramenta potente porque ela não apenas estabelece uma nova relação entre os educadores e as crianças, mas também oportuniza outra maneira de trabalhar entre os adultos. Ela se constitui como uma produção pedagógica e como importante instrumento de trabalho. Documentar pode ser ainda um importante momento de crescimento profissional, de qualificação do serviço e da construção de condições de trabalho adequadas. Documentar pode ser um processo de formação e de transformação no qual educadores, crianças e
  • 3. famílias estão inevitavelmente implicados. Como prática pedagógica intencional, refletida e compartilhada, a documentação pode formar e transformar aquilo que somos e aquilo que podemos vir a ser. Para Mara Davoli (2008), a documentação é tanto argumentação quanto narração ou explicação de processos, situações e experiências. A documentação pedagógica, segundo Dalhberg, Moss e Pence (2003, p. 190), é usada por educadores de vários lugares do mundo “como um instrumento para a reflexão sobre a prática pedagógica e como um meio para a construção de um relacionamento ético com nós mesmos, com o Outro e com o mundo”. É a chamada ética de um encontro. Observar, documentar e interpretar ajuda a pensar de novo a didática — ou seria uma didática nova? — construída e compartilhada por adultos e crianças. Assim, o processo de documentação constitui-se em um processo de aprendizagem ao mesmo tempo individual e coletiva. Observar é produzir conhecimento, mas não um conhecimento abstrato, e sim a emoção de conhecer que ele está atravessado pela nossa subjetividade. Maria Carmen Silveira Barbosa é doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da UFRGS. licabarbosa@ufrgs.br Susana Beatriz Fernandes é mestre e doutora em Educação, professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre e coeditora no Brasil da Revista Infância Latino-americana, da A.M. Rosa Sensat de Barcelona.